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1 Modalidade: Mesa Redonda GT: Dança Eixo Temático: 11. Pesquisa na Educação em Dança: narrativas e metamorfoses contemporâneas. Título da Mesa: Teorias e Práticas em Dança na Universidade - formando o professor/artista/pesquisador NOSSOS CORPOS ESCREVEM A NOSSA DANÇA, E A NOSSA HISTÓRIA Juliana Amelia Paes Azoubel (UFMG, MG, Brasil) RESUMO: Esse trabalho relata a construção do blog EtC Dança vivenciado pelos estudantes da disciplina “Ética e Crítica da Dança” do Curso de Licenciatura em Dança da UFMG no primeiro semestre de 2014. O blog foi concebido pelos estudantes do 4° período do curso e pela professora responsável pela disciplina como um espaço de reflexão e registro para aproximação do professor/artista/pesquisador de conceitos de ética e crítica, da prática, da história e da memória da Dança no Brasil. Como parte de um processo de criação coletiva da disciplina, o blog também foi um dos instrumentos de síntese da abordagem de ensino por projetos, à partir do uso de um tema gerador de interesse,” e se transformou em um work in progress para todos os envolvidos. A proposta entrelaçou debates, registros e e os estímulos teóricos de Ernst Fischer, John Dewey e Paulo Freire para um processo dialético de formação do professor/artista/pesquisador da Dança. As críticas da Dança produzidos por Roberto Pereira e Sílvia Soter, assim como reportagens e críticas de jornais e da internet inspiraram a construção do material postado no blog, que passou a funcionar como um veículo interativo de registro da Dança que acontece em Belo Horizonte e no Brasil. O uso dessa abordagem em um curso de Licenciatura em Dança contribui para a formação um artista/professor/pesquisador da Dança capacitado para criticar o seu fazer e ao mesmo tempo, para a formação de um sujeito crítico instrumentalizado para fazer Dança. O contato com as diversas formas de se fazer Dança, eixo norteador da disciplina, será analisado nesse trabalho como tema gerador para o trabalho de construção coletiva desenvolvido. Palavras-chave: Crítica da Dança; Dança-educação; Dança contemporânea; Dança brasileira. OUR BODIES WRITE OUR DANCE, AND OUR HISTORY ABSTRACT: This work describes the construction of the site “EtC Dança” by the students enrolled in the class of ethics and dance criticism in the first semester of 2014 seeking the Dance/Education degree of the UFMG. Students, enrolled in the 4 th semester, and the teacher, structured the virtual site as a place of reflection and registration to approximate the dance artist/dance teacher/researcher to the
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Nossos corpos escrevem a nossa Dança e a nossa história

May 13, 2023

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Modalidade: Mesa Redonda GT: Dança Eixo Temático: 11. Pesquisa na Educação em Dança: narrativas e metamorfoses contemporâneas.

Título da Mesa: Teorias e Práticas em Dança na Universidade - formando o professor/artista/pesquisador

NOSSOS CORPOS ESCREVEM A NOSSA DANÇA, E A NOSSA HISTÓRIA

Juliana Amelia Paes Azoubel (UFMG, MG, Brasil)

RESUMO:

Esse trabalho relata a construção do blog EtC Dança vivenciado pelos estudantes da disciplina “Ética e Crítica da Dança” do Curso de Licenciatura em Dança da UFMG no primeiro semestre de 2014. O blog foi concebido pelos estudantes do 4° período do curso e pela professora responsável pela disciplina como um espaço de reflexão e registro para aproximação do professor/artista/pesquisador de conceitos de ética e crítica, da prática, da história e da memória da Dança no Brasil. Como parte de um processo de criação coletiva da disciplina, o blog também foi um dos instrumentos de síntese da abordagem de ensino por projetos, à partir do uso de um “tema gerador de interesse,” e se transformou em um work in progress para todos os envolvidos. A proposta entrelaçou debates, registros e e os estímulos teóricos de Ernst Fischer, John Dewey e Paulo Freire para um processo dialético de formação do professor/artista/pesquisador da Dança. As críticas da Dança produzidos por Roberto Pereira e Sílvia Soter, assim como reportagens e críticas de jornais e da internet inspiraram a construção do material postado no blog, que passou a funcionar como um veículo interativo de registro da Dança que acontece em Belo Horizonte e no Brasil. O uso dessa abordagem em um curso de Licenciatura em Dança contribui para a formação um artista/professor/pesquisador da Dança capacitado para criticar o seu fazer e ao mesmo tempo, para a formação de um sujeito crítico instrumentalizado para fazer Dança. O contato com as diversas formas de se fazer Dança, eixo norteador da disciplina, será analisado nesse trabalho como tema gerador para o trabalho de construção coletiva desenvolvido. Palavras-chave: Crítica da Dança; Dança-educação; Dança contemporânea; Dança brasileira.

OUR BODIES WRITE OUR DANCE, AND OUR HISTORY

ABSTRACT: This work describes the construction of the site “EtC Dança” by the students enrolled in the class of ethics and dance criticism in the first semester of 2014 seeking the Dance/Education degree of the UFMG. Students, enrolled in the 4th semester, and the teacher, structured the virtual site as a place of reflection and registration to approximate the dance artist/dance teacher/researcher to the

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concepts of dance ethics, criticism, practice, dance history and the memory of dance in Brazil. As a collaborative process, the site functioned as a resource of the Project based learning (PBL) approach, using a theme to motivate interest in the students, and became a work in progress for all involved. The approach connected debates with the theories of Ernst Fischer, John Dewey and Paulo Freire as a dialectic process of forming a dance artist/dance teacher/researcher. The texts on dance criticism by Roberto Pereira and Silvia Soter, the newspaper and internet articles served as basis for the construction of the material to be posted in the site, an interactive vehicle for the registration of the dance of Belo Horizonte and of Brazil. This approach when integrating the curriculum contributes to forming dance artist/teacher/researchers ready to critic their practice, and to forming dance citizens with the ability to critic dance. The contact with the many ways of making dance analyzed here is one of the results of a project based learning (PBL) approach used to engage students in a significant learning process. Key words: Dance Criticism, Dance/education, Contemporary dance; Brazilian dance.

Introdução

A disciplina Ética e Crítica da Dança constitui a estrutura curricular do Curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal de Minas Gerais. Ofertada no 4° periodo do curso, em seu desenho original, a disciplina, de caráter obrigatório, possui como ementa: “Princípios Éticos e construção do olhar crítico sobre a dança. Teorias e Métodos” (PPP Curso de Licenciatura em Dança da UFMG). Tendo como base essa ementa, mas ao mesmo tempo buscando atingir objetivos específicos, o planejamento da disciplina para o semestre de 2014 foi concebido e estruturado. De abril a junho de 2014, iniciiu-se a construção do blog EtC Dança, que com o tempo de tornou um work in progress (inglês para trabalho em construção) da diciplina Ética e Crítica da Dança. O blog funcionou como um espaço de criação coletiva, e como recurso artístico e pedagógico de um processo de ensino-aprendizagem que tem o engajamento dos estudantes como fator essencial para um aprendizado consciente e transformador. Todas as estratégias desse processo de ensino-aprendizagem foram utilizadas com o objetivo de valorizar a diversidade encontrada na turma e engajá-los em um processo significativo. O educador Ira Shor, em diálogo com Paulo Freire, fala do que ele se refere a uma “greve de desempenho” e define: “se você vai além do desejo e da capacidade dos estudantes, ou se trabalha fora de sua linguagem e de seus temas, verá os resultados, a resistência deles” (FREIRE;SHOR, 1986, p.73). Os passos descritos e analisados nesse texto comprovam a construção do blog como estratégia metodológica que, ao invés de uma “greve de desempenho” causou o engajamento dos estudantes com os assuntos abordados e com a possibildade de utilizarem os seus corpos para mais uma função: a de escrever dança.

A proposta de construção do blog foi desejo da professora, mas a manutenção do blog se tornou um compromisso assumido voluntariamente por todos os estudantes da disciplina, constituindo assim mais uma das várias etapas dos processos de contato e reflexão com Dança vivenciados por todos ao longo do semestre. O objetivo geral da proposta foi o entrelace entre teoria e prática para estudantes de um curso de Licenciatura em Dança. Como aponta Mogilka:

É altamente desejável que a prática (no sentido de atividades práticas com fins produtivos e imediatos, ou seja, a prática instrumental) passe a merecer maior atenção em nossos currículos de licenciaturas, na

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perspectiva da sua articulação com as teorias desenvolvidas” (Mogilka 2003)

Participaram do processo de criação coletiva e ensino-aprendizagem a professora da disciplina, a monitora voluntária Maíra Rodrigues, graduada em jornalismo e estudante do 8º período do curso de Licenciatura em Dança, e todos os estudantes da disciplina, que também são artistas e professores de dança dos mais diversos estilos. Com autores de perfis tão heterogêneos, o material postado também foi caracterizado pela diversidade de suas origens e de pensamentos sobre dança. Os textos, escritos abordaram os mais variados estilos e as diversas formas de se fazer dança. Além das postagens produzidas, o blog também funcionou como um espaço para se pensar a dança e para a reflexão sobre a crítica da dança e dos modos de fazer e entender a crítica, um espaço de reflexão sobre a produção, a divulgação e sobre o lugar que a dança ocupa na nossa sociedade. Os envolvidos no processo escolheram concentrar suas pesquisas e postagens nos esptáculos e performances em cartaz em Belo Horizonte, um vez que o curso de Licenciatura em Dança funciona na UFMG. Ao mesmo tempo, no planejamento do blog, considerou-se a possibilidade de divulgação de espetáculos em cartaz em outras partes do país.

A divisão de papéis na produção do material foi uma escolha metodológica que intencionava o aprendizado dos mais variados lugares que podem ser ocupados no universo da crítica. O nome do blog foi sugerido pelo estudante Alexandre Junio de Oliveira, o design do blog pelo estudante Fabrício Ribeiro Costa, e as sessões do blog foram sugeridas por todos os estudantes da turma e definidas como parte do processo desenvolvido dentro e fora da sala de aula à partir dos objetivos da disciplina. As revisões dos textos ficaram a a cargo da monitora voluntária Maíra Rodrigues e da professora da disciplina. Todas as sessões do blog (que permaneceram na internet mesmo após o término da disciplina) refletem as escolhas para reflexões sobre a arte que fazemos: a dança.

Procedimentos Iniciais: De Ernst Fischer ao Blog EtC Dança

Na página de abetura do blog, um texto introdutório explica o processo de criação

coletiva vivenciado e convida o leitor a integrar o novo cenário criado, salientando que para alguns esse cenário ainda é desconhecido e desafiador, mas para todos que integraram a disciplina Ética e Crítica da Dança, e para os amantes da dança, esse espaço é mais uma oportunidade de aproximação com a criação, com a história e com a memória da dança brasileira.

É seguro afirmar, que por trás de todo processo de criação, existe um processo de construção, que nem sempre está disponível ao público que dele se aproxima. Nesse trabalho, pretendemos convidar o leitor, a adentrar os “bastidores” do nosso processo de criação e conhecer os passos da construção do blog EtC Dança. Pretendemos relatar esses passos de construção de um processo de criação e de muita reflexão, onde os envolvidos passam do lugar de artista para o lugar de público e vice-versa, permitindo que os nossos corpos escrevam a nossa dança e a nossa história.

Iniciar a disciplina à partir de discussões sobre a necessidade da Arte e a função do artista foi uma das opções metodológicas encontradas. Para um momento inicial, a complexidade do tema funcionou como estímulo aglutinador de ideias e confronto de pensamentos. Sair da zona de conforto, do lugar de estudante como receptor do

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conhecimento apenas, foi esencial para a compreensão de que participar da disciplina implicava a negação de verdades absolutas e a construção de um novo lugar de experimentação. O texto “A necessidade da arte” de Ernst Fisher”, e principalmente a sua conclusão de que “A arte é necessária para que o homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas também é necessária em virtude da magia que lhe é inerente” (Fischer,2002,p.20), foram apresentados à turma e funcionou como motivação para um processo de quebra de paradigmas para a maioria dos estudantes. A busca pelo entendimento da necessidade e do conceito da arte impulsionaram as vivências da disciplina, que tiveram continuidade à medida em que tentávamos entrelaçar as discussões filosóficas sobre o sentido da Arte com a construção do blog EtC Dança. A compreensão de que a proposta a ser vivenciada naquele semestre não se desenvolveria sem o engajamento de todos foi essencial para o processo. Como afirma Paulo Freire, “educar é impregnar de sentidos cada ato cotidiano” (Freire, 1998 apud Marques, 2012, p. 21). A estratégia de construção do blog propositalmente não constava no plano de ensino da disciplina apresentado aos estudantes no primeiro dia de aula. A criação coletiva de um blog foi uma estratégia metodológica para dar sentido ao trabalho de uma disciplina que, a priori, tende a ser considerada desafiadora para estudantes com formação em dança e que em sua maioria, têm pouco contato com a teoria em suas formações e experiências cotidianas. Em seu desenho original, a disciplina era composta de uma carga horária de 45 horas/aula, todas presenciais conforme o regimento da universidade. O plano de ensino registrava como procedimentos didáticos apenas:

Aulas expositivas, discussão de textos.Elaboração de mapas conceituais.Coletânea de críticas de espetáculos de dança.Trabalho final: apreciação crítica de 05 espetáculos de dança (3 definidos pela professora e 2 de escolha livre) e elaboração de texto critico de 03 dos espetáculos assistidos.Continuidade da organização de portifólio feito pelos alunos do curso incluindo registros sobre a vivência na disciplina Ética e Crítica da Dança (Azoubel, 2014).

No primeiro dia de aula, após a apresentação do plano de ensino da disciplina, a professora lançou a ideia de utilizar o blog como uma estratégia de avaliação processual. Essa seria uma das muitas possibilidades metodológicas da disciplina. Caberia aos envolvidos definir junto com a professora, a estratégia a ser utilizada. Entusiasmados com a possibilidade de construção de um blog, todos os estudantes se propuseram a contribuir com o processo. De imediato, um dos estudantes se propôs a administrar virtualmente o blog, já que essa era uma de suas especialidades e possuía experiências prévias em administração de sites e plataformas virtuais. Apesar de considerar um pouco arriscado designar tal responsabillidade a um estudante sem ter referências sobre o seu compromisso com os trabalhos universitários, a professora, respondendo à empolgação da turma, mas consciente dos desafios da proposta, aceitou a oferta do estudante, que daquele momento em diante ficou encarregado de postar no blog os materiais enviados pela turma. Assim como num processo coreográfico, composto por vários momentos incertos e desafiadores, deu-se início a construção do blog. Quase que simultaneamente à oferta do estudante para ser o admnistrador do blog, outra estudante, que assistia pela primeira vez aquela aula, solicitou participar da disciplina, argumentando querer participar de um processo de construção tão instigador. A sua participação teria que acontecer como monitora voluntária, uma vez que a estudante já havia cursado a disciplina anteriormente.

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O interesse da estudante em participar do processo fez com que a professora pensasse em funções específicas para a referida estudante. Considerando a formação da estudante em jornalismo e sua intimidade com os meios de comunicação, ficou acordado que para desenvolver o trabalho de monitora voluntária da disciplina, ela colaboraria com a professora revisando os textos a serem enviados pelos estudantes para postagem no blog. Sendo assim, os textos seriam enviados primeiro para a monitora, que os revisaria e posteriormente os encaminharia para a revisão da professora, que após tê-los revisado, os encaminharia para postagem a ser feita pelo estudante encarregado. Com mais um papel já definido para o início da construção do blog, fez-se necessário que todos entendessem a divisão de papéis, a função de cada um dos envolvidos, e principalmente as revisões dos textos como estratégias metodológicas. Foi importante reforçar que as revisões dos textos não teriam o papel de aplicar qualquer censura na escrita. Ao invés disso, as revisões funcionariam para corrigir os erros gramaticais, já que os textos seriam postados no blog, e ficariam visíveis a todos os leitores que o acessassem, e portanto precisariam obedecer aos padrões de uma escrita gramaticalmente correta. O cuidado com a fidelidade dos textos foi então instituído também como parte essencial do processo de correção. Caberia à monitora e à professora da disciplina corrigir apenas os pequenos erros de português, mas nunca alterar a construção das frases ou a intenção ideológica dos autores. Com isso, a responsabilidade de cada texto a ser publicado seria sempre do seu autor, que deveria assinar cada publicação. Na segunda aula do semestre, voltada para a discussão de critérios para a construção de críticas de dança, discutiu-se também os assuntos sobre os quais o estudo da crítica de dança poderiam versar, e os conteúdos a serem abordados durante a disciplina. Entre eles estavam: a atuação e a produção dos críticos de dança no Brasil, a crítica da dança como um processo de criação artística, os espetáculos em cartaz no Brasil e na cidade de Belo Horizonte, o acervo de dança no Brasil e no mundo, estratégicas para se escrever uma crítica de dança, e finalmente as diversas possibilidades e abordagens metodológicas relacionadas à crítica da dança em cursos de licenciatura em Dança no Brasil.

Unindo questões de logística com as possibilidades de vivência de processos de criação motivantes e instigadores, a turma optou por trabalhar na construção do blog como um “tema gerador de conhecimento”. Essa estrtégia foi fundamentado na teoria dialética de conhecimento. Para o autor da teoria, o educador Paulo Freire, “Sem o diálogo não há comunicação e sem esta não há a verdadeira educação” (Freire, 1983, p.83). No seu livro “Pedagogia do Oprimido”, Freire defende que o espaço escolar deixe de ser campo de reprodução do conhecimento para ser um espaço transformador da realidade, onde possa existir portanto a criação e a recriação do conhecimento. O autor propõe que qualquer tema possa ser um “tema gerador de conhecimento” na medida em que a compreensão e a ação por ele provocada contêm em si a possibilidade de desdobramento e portanto a geração de outros temas, que geram outras tarefas ou outras ações necessárias aos processos de ensino-aprendizagem (Freire, 1987 apud Silva).

Com base nesses pressupostos, a turma, composta por 25 estudantes, foi dividida em 6 grupos que trabalharam juntos na divisão de todas as tarefas de concepção e de construção do blog. A pedido dos estudantes, os componentes dos grupos, definidos por sorteiro, permaneceriam nos grupos sorteados até o final do semestre, oportunizando assim uma experiência mais desafiadora a todos, pois não podiam escolher seus grupos e teriam que lidar com a imprevisibilidade de não conhecerem a forma de trabalho dos

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companheiros do grupo. Mais uma vez, a busca dos estudantes por situações desafiadoras inspirou a criação e o desenvolvimento de uma abordagem diferenciada. Estava claro que a turma encontrada (a princípio desconhecida pela professora) era formada por estudantes ávidos para enfrentar e até para criar os desafios de um processo de ensino-aprendizagem transformador.

Considerando desenvolveríamos as atividades da disciplina de abril a junho, decidiu-se que os grupos traballhariam por 20 dias em cada sessão do blog, e, por sorteio, após esses 20 dias, passariam a trabalhar em uma outra sessão. Dessa forma, todos teriam a oportunidade de enfrentar os desafios dos espaços considerados mais difíceis, mas também encontrariam os espaços mais fáceis para o processo de escrita ao longo do semestre. O objetivo desse rodízio era estimular a versatilidade e gerar diferentes tipos de vivências para a turma. Vale salientar que as responsabilidades ou as tarefas a serem cumpridas variavam de sessão para sessão do blog, de forma que, existia um grau de dificuldade variado entre uma e outra sessão.

Nesse contexto, os grupos já divididos, foram motivados a criar as sessões que comporiam o blog. Os estímulos oferecidos buscavam fazer com que os estudantes compreendessem que o material que eles construiriam ao longo do processo pertencia ao seu cotidiano, que um blog sobre dança poderia ser dividido em sessões que aproximassem o leitor de expressões e termos utilizados na área, ou em sessões que instigassem o envolvimento do leitor com a dança. Os títulos das sessões precisariam fascinar o leitor e aproximá-lo da dança, um tema tão caro para os estudantes da turma, que naquele momento se transformavam em protagonistas da proposta e que argumentavam ser a dança a razão pela qual eles haviam escolhido aquele curso. Faz-se importante esclarecer, que muitos dos estudantes ao ingressarem em um curso de licenciatura em Dança, já carregam experiências profissionais significativas na área de Dança, seja como intérprete, seja como professor de dança, mas, por razões históricas que concernem à formação do profissional de dança no nosso país, poucos demonstram intimidade ou qualquer interesse com a escrita da dança.

Para que todos tivessem a mesma chance, 6 sessões a serem desenvolvidas ao longo das 60 horas que constituíam a carga horária da disciplina foram idealizadas. De alguma forma, por estarem matriculados na disciplina, os estudantes teriam oportunidades de contribuir com sessões mais difíceis e sessões mais fáceis ao longo do semestre. Essa estratégia metodológica também almejava um processo de ensino-aprendizagem contínuo e progressivo composto de situações que incluíam a diversidade de formação dos estudantes e as múltiplas possibilidades de exposição dos mesmos às diversas formas de se escrever dança. Ao longo do semestre, constatou-se que à medida que os estudantes passavam de uma sessão para outra do blog, as suas habilidades aumentavam, pois carregavam o aprendizado de uma experiência para outra.

Prosseguindo a divisão de tarefas, e na intenção de se definir o formato e o design do blog, foi disponibilizado aos grupos, 20 minutos para que eles sugerissem os títulos da sessões do blog. Discutiu-se que as ações do blog deveriam: chamar a atenção do leitor, engajar a comunidade artística, e ao mesmo tempo ter uma linguagem direta e acessível a leigos no assunto. O blog foi dividido em 6 sessões, considerando os grupos formados, para que assim, cada grupo pudesse despender um determinado tempo do semestre em uma sessão, posteriormente passar de uma sessão para outra, e escrever sobre diferentes temas. Como resultado da atividade, surgiram 64 possíveis títulos. Em um debate coletivo, os títulos foram selecionados por votação pelo grande grupo para que chegássemos ao desenho final do blog que constou de 1 sessão de apresentação do

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blog, e 5 sessões a serem construídas com as contribuições dos estudantes, e mais uma sessão com links relacionados à dança.

Fotografia 1- Design da página inicial do Blog EtC Dança Design do estudante Fabrício Costa

Fotografia de Juliana Azoubel Fonte: Blog EtC Dança

A sessão de apresentação do blog foi denominada “Sobre” e foi composta de

informações sobre a função do blog, os objetivos da disciplina e o lugar de origem dos envolvidos:

“Com autores de perfis tão heterogêneos, o material aqui postado

não poderia ser diferente: os textos abordarão os mais variados estilos de dança e as diversas formas de se fazer dança. Além de postagens de materiais produzidos por nós, que fazemos parte da disciplina, o blog também será um espaço para pensarmos a dança, para refletirmos sobre a crítica da dança e dos modos de fazer e entender a crítica;um espaço de reflexão sobre a produção, a divulgação e sobre o lugar que a dança ocupa na nossa sociedade. Por cursarmos a Licenciatura em Dança da Universidade Federal de Minas Gerais, escreveremos críticas sobre espetáculos em cartaz em Belo Horizonte. Entretanto, também divulgaremos espetáculos em cartaz em outras partes do país. (http://etcdanca.wordpress.com/ consultado em 28/08/2014 as 12:30h)

A sessão “Acervo em Movimento” foi construída de coletânea de críticas de dança

escrita por críticos da dança no país, selecionados pelos estudantes da turma. A seleção aconteceu de acordo com vários critérios, entre eles, a facilidade de acesso ao material sobre as críticas, o interesse de alguns pela obra criticada, e a relevância do crítico no cenário da dança no país. Como síntese do trabalho de pesquisa e de compilação de ideias dos grupos, ao final do semestre, essa sessão disponibilizava ao leitor 21 textos de críticas escritas por: Arlon Souza, Helena Katz, Maria Eugênia de Menezes, João Paulo,

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Miguel Anunciação, Sofia Cavalcanti, Marcos Gallon, Cid Campos, Alexandra Itacarambi, Sílvia Geraldi, Roberto Pereira, Miguel Arcanjo Prado, Silvia Soter, Sheila Ribeiro e Anderson do Carmo. Importante notar que entre as críticas postadas estavam trabalhos de grandes nomes da crítica da Dança brasileira, a exemplo de Roberto Pereira, Sílvia Soter e Helena Katz, mas o leitor também era apresentado a nomes menos conhecidos mas que atualmente prestam grande contribuição para a crítica da dança brasileira.

O coreógrafo, jornalista e diretor do Centro Municipal de Dança em Porto Alegre, Airton Tomazzoni, ao prefacear a obra “Ao lado da crítica”, que reúne críticas de dança de Roberto Pereira e Sílvia Soter, reforça a importância da imprensa para a afirmação da produção de dança se firme no Brasil: “Essa obra pode ser uma forma de talvez começar a perceber a imprensa como um dos vértices fundamentais para que uma produção consistente de dança se firme” (Tomazzoni, 2009, p. 18). No processo de construção e desenvolvimento do blog, estudantes, professoras, artistas da comunidade e leitor externo, tanto se aproximavam da imprensa como um “vértice fundamental” para a produção de dança no país, como ressignificavam a sua função de elo entre artista e público, uma vez que as críticas já escritas agora eram revisitadas por um novo grupo de professores/artistas/pesquisadores de Dança que reapresentavam as críticas já escritas para um novo público.

A sessão “Inspire-se”, foi dedicada as biografias de personalidades da dança no Brasil. As personalidades pesquisadas e a metodologia de pesquisa utilizada foi de livre escolha dos estudantes que, como em todas as outras sessões, tinham que desenvolver o trabalho de pesquisa e de postagem no blog em 20 dias. Os estudantes foram motivados a utilizar a pesquisa bibliográfica, a internet, entrevistas e qualquer outro recurso para a coleta de informações. O primeiro grupo escolheu pesquisar personalidades da dança afro-brasileira em Minas Gerais. As trajetórias artísticas de Evandro Passos, Júnia Bertolino, Marilene Martins, Anderson Aleixo Barbosa e Rui Moreira foram pesquisadas e compiladas em uma linguagem que relacionasse os recursos para a escrita sobre dança e a informalidade necessária para atingir o público leitor do blog. Principalmente nessa sessão, fizemos escolhas para eleger quais trajetórias artísticas explorar. Questões éticas de diversas naturezas foram evidentes aos estudantes encarregados dessa sessão no primeiro momento. A veracidade das informações pesquisadas e a imagem que o artista gostaria de passar da sua carreira causavam preocupações no grupo, principalmente porque alguns dos artistas estão ativos em suas carreiras, e em respeito a luta diária de cada artista, o grupo considerava importante que a imagem passada pelos textos do blog fossem condizentes com a intenção do artista.

Uma outra preocupação estava relacionada com os critéiros utilizados para escolher os artistas. Existia uma preocupação em escrever sobre alguns artistas e não ter o tempo hábil para escrever sobre outros de igual ou até maior importância no cenário da dança. Para minimizar os problemas que poderiam surgir nessa sessão, delimitamos para cada período de ação do grupo uma categoria de personalidades da dança a ser pesquisada. A sessão foi entaõ composta de: “personalidades da dança afro-brasileira em BH”, e “professores do curso de Licenciatura em Dança da UFMG”. Porém, mesmo com essa delimitação, os grupos não conseguiram escrever sobre todos os artistas que compunham cada categoria, e esse foi um dos percalços do percurso. Posteriormente, essas e outras questões foram avaliadas por todos os participantes e elencadas como partes do processo que necessitariam um maior engajamento de todos para que fossem melhor vivenciadas.

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A sessão “Pensar Dança” foi composta de críticas escritas pelos estudantes sobre espetáculos assistidos ao longo do semestre. De todas as sessões, essa talvez tenha sido a que criou maiores expectativas, pois nela, todos teriam que construir uma crítica completa, e afinal de contas, esse era um dos maiores objetivos da dsiciplina: poder escrever uma crítica de dança. Ao longo do semestre, 13 críticas sobre diversos espetáculos assistidos em Belo Horizonte foram postadas. Um dos maiores desafios encontrados nessa sessão foi o fato de que muitos dos intérpretes dessas obras eram colegas ou professores do curso de Licenciatura em Dança, e portanto, surgiram de imediato questões éticas relacionadas à imparciabilidade da crítica e da escrita de críticas que não diminuíssem a respeitabilidade do artista envolvido. Mas como em qualquer processo de ensino por projetos, são os percalços do percurso que alicerçam o aprendizado e ao longo do semestre, esses “problemas encontrados” nos proporcionaram valiosas discussões, e mais envolvimento com as questões que entrelaçavam o nosso fazer com o fazer da comunidade artística e acadêmica envolvida.

A sessão “Crítica em Foco”, era uma compilação de leituras críticas de críticas de dança já escritas no Brasil. Nessa sessão, os estudantes tinham a oportunidade de escrever uma crítica sobre críticas já escritas por críticos brasileiros. O contato com diversas formas e estilos de se escrever críticas no Brasil, além de ser mais um contato com obra de Arte, se consolidou em mais uma forma de se aprender com a produção crítica já existente. Nessa sessão, 10 trabalhos foram escritos e postados e vários aspectos relacionados aos recursos utilizados para a construção de uma crítica foram encontrados e debatidos pelos estudants.

A sessão “Quem Critica” foi dedicada às trajetórias de críticos brasileiros. Esse foi mais um espaço de contato dos estudantes com a história da dança e da crítica da dança no Brasil. Com a construção dessa sessão constatou-se que conhecer a trajetória artística e/ou jornalística dos nossos críticos foi mais um estímulo e contribuiu em diversos sentidos para a afirmação de identidade e até a construção da auto-confiança em relação às possibilidades de vivências de um crítico. Conhecer as trajetórias de vida de quem escreve a dança no Brasil fez com que os estudantes enxergassem a possibilidade de escrever sobre dança à partir de diversos lugares e de múltiplos olhares.

Finalmente, mas não menos relevante, foi construída a sessão “Tá Rolando...” que indicava ao leitor um panorama das apresentações, performances e espetáculos que aconteciam mensalmente em Belo Horizonte. Essa sessão foi de muita importância no estabelecimento de um elo contínuo entre os estudantes que pesquisavam sobre crítica, as produções em dança e os artistas atuantes na cidade e em outras partes do Brasil que se apresentavam em Belo Horizonte durante desenvolvimento do blog e da disciplina. Um exemplo marcante foi a apresentação do grupo de dança do coreógrafo gaúcho Airton Tomazzoni, que também havia sido referência bibliográfica para a disciplina com seu texto “O ofício da crítica em dose dupla (para nossa sorte e deleite),” publicado no livro “Ao Lado da Crítica Vol 1,” organizado pelo crítico de Dança Roberto Pereira. A avaliação de um blog em construção: um “work in progress”

Ao longo do processo obsevou-se uma diferença entre as habilidades dos estudantes, e num processo contínuo de descobertas e engajamento para alcançar os objetivos traçados, todos se esforçaram para contribuir coletivamente com suas habilidades individuais. O trabalho de construção do blog também serviu como um diagnóstico e instrumento de avaliação do desempenho de todos.

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Diversos fatores influenciavam a atuação dos membros do grupo. Alguns tinnham mais facilidade ou mais intimidade com uma sessão específica do blog, mas muitas vezes, segundo depoimentos, o período do semestre que aquele grupo fora sorteado para atuar naquela sessão prejudicava o seu desempenho. Já outros, tiveram a “sorte” de atuar sessão que possuíam maior intimidade durante o “melhor momento” do semestre. Para os estudantes, os “melhores momentos” eram períodos menos atarefados, e portanto maior possibilidade de dedicação à construção do blog. Por vezes, fatores relativos à logística de ir assistir a espetáculos em lugares distantes da cidade impediam a realização de muitas intervenções na sessão “Pensar Dança” que era composta de críticas de espetáculos assistidos pelos estudantes, já que ser platéia crítica de um espetáculo era condição essencial para criticá-lo. Por outro lado, ser sorteado para atuar na sessão “Inspire-se” ou na sessão “Tá Rolando” foi algo considerado menos perturbador, com menos impecilho de ordem logística, pois apesar dessas sessões serem compostas de pesquisas sobre personalidades de dança e espetáculos em cartaz, respectivamente, as postagens no blog se resumiam à pesquisa bibliográfica e da internet.

Por ser a construção do blog um dos recursos pedagógicos de ensino-aprendizagem da disciplina, cada etapa do processo foi também avaliada como parte de uma avaliação contínua e processual. Os procedimentos de avaliação da construção do blog não haviam sido explicitados no plano de ensino da disciplina. A única menção à avaliação que constava no plano de ensino, inspirado na útlima vez que a disciplina fora ministrada por outro docente, dizia respeito ao trabalho final que deveria ser a “apreciação crítica de 05 espetáculos de dança (3 definidos pela professora e 2 de escolha livre) e a elaboração de texto critico de 03 dos espetáculos assistidos.” Portanto, foi à partir da definição do projeto de construção do blog que os critérios de avaliação foram estabelecidos e acordados com a turma.

Ainda seguinda a pedagogia dialética de construção do conhecimento, a avaliação também deve funcionar como uma das etapas para reflexão de um processo de construção. No processo descrito, a reflexão sobre todas as etapas foi estimulada como uma das ferramentas para uma avaliação que assim como todas as vivências do processo deveria partir da reflexão do sujeito. Sanches Vasquez (1998, p.10), ao citar Dewey, nos relembra que o pensamento reflexivo é um tipo de pensar de natureza ética, que tem como função essencial “explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade...” Estimular o pensamento reflexivo foi mais um dos recursos pedagógicos utilizados ao longo do processo. Como protagonistas de uma ação coletiva, foi inevitável que os estudantes debatessem sobre o sucesso mas também sobre as falhas de um processo complexo e desafiador de construção coletiva de um instrumento virtual com potencial artístico. Para Dewey (1979, p. 19), a compreensão da realidade só acontece com a reflexão capaz de promover: “o exame ativo, persistente e cuidadoso de todas as crenças ou supostas formas de conhecimento, à luz dos fundamentos que a sustentam e das conclusões para que tendem.” Compreender a interdependência de funções de cada participante do blog talvez tenha sido um dos maiores desafios enfrentados. As postagens não aconteceriam sem o envio dos textos e algumas sessões dependiam de prazos, como por exemplo a sessão “Tá rolando”, que visava informar ao leitor sobre os espetáculos em cartaz na cidade, e que, se não escrita a tempo da estréia do espetáculo perdia a sua função de existência. Uma outra reflexão estimulada foi os entrelaces das questões de logística de funcionamento com os princípios éticos que deveriam nortear a construção do blog. Na

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sessão “Inspire-se”, por exemplo, por causa dos atrasos de alguns participantes em cumprir com suas tarefas, somente as informações de 4 professores do curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal de Minas Gerais foram postadas (Paulo Baeta, Raquel Pires, Ana Cristina Pereira Carvalho e Gabriela Christófaro). Refletiu-se então sobre a possibilidade de o fato gerar uma situação delicada para todos os participantes do processo, pois até final do primeiro semestre de 2014, o curso era composto por 6 professores fixos e mais dois colaboradores, faltando assim que fossem postadas as trajetórias dos professores Arnaldo Alvarenga, o coordenador do curso, Juliana Azoubel, Mônica Ribeiro e Tânia Mara. Omitir informações sobre esses 4 professores poderia ter causado menos credibilidade em relação ao blog como veículo de informação.

Para amenizar o fato, decidiu-se manter a sessão “personalidades da dança” sem subtítulos. Dessa forma, a sessão seria menos específica e seria mais um work in progress, assim como todas as outras sessões do blog, que não objetivam esgotar qualquer assunto relacionado à dança, mas poderiam sempre ser expandida com outras postagens. Principalmente após esse fato, assumiu-se então que o formato do blog EtC Dança, apesar de definido, estaria sempre em construção e passível de mudanças e transformações com base nos debates da turma e nas questões que surgissem ao longo do processo. Conclusão A construção do blog funcionou como um instrumento de elo entre os estudantes, a produção da crítica da dança no Brasil, a comunidade acadêmica e a comunidade artística. Provindos de múltiplas e variadas experiências no campo da dança, e matriculados em um curso de licenciatura em Dança, os estudantes, que assumiram o papel de protagonistas no processo de construção de um recurso artístico e pedagógico para o ensino-aprendizagem da Dança, descobriram na construção e desenvolvimento do blog uma forma interativa e envolvente de assistir, de falar sobre, e principalmente de escrever sobre a dança do Brasil. Uma das estudantes da disciplina, ao analisar o contato com espetáculos e o engajamento do grupo com a escrita da Dança proporcionado pela disciplina, em seu trabalho final afirma:

“A oportunidade de pensar espetáculos de dança escrevendo, refeltindo e questionando é muito importante para o professor-artista, uma vez que sair dos termos populares “gostei” ou “não gostei” nos tira do comodismo e nos faz refletir melhor sobre as propostas de um espetáculo, tudo o que está envolvido, como direção coreografia, bailarinos, escolhas de figurinos, trilha sonora, iluminação e cenário”.

E continua:

“A disciplina Ètica e Crítica de Dança propõe este trabalho prático onde podemos realmente “sentir na pele” tudo que nossos queridos filósofos e teóricos dizem sobre ética... somos humanos, carregamos conosco desejos, anseios, sentimentos...” (Trecho do trabalho final de estudante do 4° período da licenciatura em Dança da UFMG, entregue como parte da avaliação da disciplina)

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A opinião dessa estudante sumariza o impacto que a construção do blog causou

na turma. “Sentir na pele” a dança escrita em suas próprias críticas através da aproximação com os teóricos do assunto e ao mesmo tempo ter um instrumento para divulgaçã de todas as vivências da disciplina foi algo inusitado e transformador na trajetória dos estudantes do 4° período da licenciatura em Dança da Universidade Federal de Minas Gerais. Apesar de inseridos na famosa “era digital,” e portanto com mais intimidade com os mecanismos digitais do que com qualquer outro recurso pedagógico utilizado, o sentido da dança na vida de cada um resultou na integração da turma com todos os elementos necessários para que os corpos pudessem escrever as suas histórias.

Pertencer ao contexto estudado, ou seja, ter qualquer tipo de envolvimento prévio com a dança, propiciou uma maior intimidade com as informações encontradas, e como consequência, gerou maiores significados ao processo vivenciado. Ao falar da transmissão do conhecimento e da necessidade de processos de construção do saber contextualizados como recursos de uma educação progressista, Hernandez (2000) observa, “ entre os educadores progressistas há uma evidente rejeição daquela concepção do saber como “acumulação descontextualizada de informação”, do ensino apenas como transmissão de mensagens codificadas”, e da aprendizagem como repetição escrita do conteúdo transmitido pelo professor e pelo material didático.” (Hernandez apud Fonseca, 2012). Na disciplina Ética e Crítica da Dança almejávamos a integração dos saberes já construídos por críticos da dança no Brasil, a exemplo de Roberto Pereira, Silvia Soter, Fernando Castilho, Helena Katz, entre outros, com as experiências dos estudantes, num processo dialético de construção coletiva do conhecimento. Contextualizar o desejo dos estudantes no início da disciplina fez-se essencial em uma turma de artistas/professores/pesquisadores de dança que ao mesmo tempo que encontravam-se matriculados numa disciplina voltada ao estudo da ética e da crítica da dança em uma licenciatura, frequentemente carregam em seus corpos histórias de dança que teve início na infância. Faz-se importante considerar que esses professores de dança em formação também cedem seus corpos cotidianamente para que a dança aconteça nos teatros e ruas de Belo Horizonte. Esse talvez foi um dos maiores desafios do contexto encontrado: fazer artistas/professores da dança criticarem a dança.

No intuito de atingir um desempenho satisfatório da turma, foi necessário contextualizar os assuntos a serem ensinados, e para isso, utilizou-se o blog como uma estratégia de conexão dos estudantes com o material já escrito sobre a dança no Brasil, e com outros artistas de BH. Buscou-se assim valorizar o desejo dos envolvidos, (que por serem artistas, sabem fazer arte, mas nem sempre sabem escrever sobre ela), com o contexto encontrado: uma disciplina voltada para o aprofundamento de conceitos de ética, crítica e da escrita da dança. A construção do blog “EtC Dança” resultou no engajamento dos nossos corpos na escrita da nossa história, em um processo reflexivo de construção contínua de mais uma forma de registro para a dança no nosso Brasil.

No curso de licenciatura em Dança da Universidade Federal de Minas Gerais, o engajamento dos estudantes na construção do blog EtC Dança motivou um projeto com pretensão de continuidade. A continuidade do blog EtC Dança, assim como outras ações que visem um ensino engajado e tranformador, poderão garantir mais um espaço de conexão entre a comunidade artística, a produção de dança e a universidade. Que a formação do professor/artista/pesuisador em Dança nos cursos superiores de dança do nosso país busque sempre os diálogos possíveis entre a ética e a crítica da dança, e entre todos que fazem a nossa dança e, por isso, escrevem a nossa história.

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REFERÊNCIAS

DEWEY, John. Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo: uma reexposição. 4. ed. Tradução e notas de Haydée Camargo Campos. Nacional. São Paulo, 1979. FONSECA, André Azevedo da. “Portfólio digital: o blog no recurso pedagógico no ensino superior. Semina: Ciências Sociais e Humanas. Londrina. V.33, n.1. p.81-90, jan/jun, 2012. FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: cotidiano do professor.Paz e Terra, Rio de Janeiro. 1986. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra. Rio de Janeiro,1987. MARQUES, Isabel. Interações: crianças, dança e escola. Coleção Interações. Editora Edgar Blucher Ltda. São Paulo, 2012. MOGILKA, Maurício. Educar para a democracia. Cad. de Pesquisa. Nº 119. Fundação Carlos Chagas. São Paulo, 2003 TOMAZONI, Airton. O ofício da crítica em dose dupla (para nossa sorte e deleite). In PEREIRA, Roberto (org). Ao lado da crítica: 10 anos de crítica de dança: 1999-2009. Vol 1. Funarte. Rio de Janeiro, 2009.

SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Ética. 8. ed. Tradução de João Dell’anna. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1998.

SITES CONSULTADOS

EtC Dança. http://etcdanca.wordpress.com/

SILVA, Elizabeth. Trabalhando com os temas geradores de ensino: a experiência de uma escola pública de Mato Grosso –Brasil.

http://www.ipfp.pt/cdrom/C%EDrculos%20de%20Discuss%E3o%20Tem%E1tica/08.%20Interv.%20Contextos%20Educativos%20II/elizabethpoubelesilva.pdf consultado em 09/09/2014 as 14:04

Juliana Amelia Paes Azoubel

Artista da Dança, professora da EBA da UFMG. Colaboradora no Center for World Arts da University of Florida, EUA. Mestrado e Graduação em Dança pela University of Florida. Autora do livro “Frevo and the contemporary dance scene in Pernambuco, Brazil: staging 100 Years of Tradition.” Foi professora de Dança e coordenadora do Curso de Licenciatura em Artes da UFPR de 2009 a 2013. Endereço para acessar CV: http://lattes.cnpq.br/2137642932491951