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De casa a museu: 80 anos do MuseuRepublicano Conveno de Itu
Jonas Soares de Souza
Museu Republicano Conveno de Itu-MP/USP
Anais do Museu Paulista. So Paulo. N. Sr. v. 10/11. p. 213-225
(2002-2003).
O Museu Republicano Conveno de Itu abriu suas portas ao pblicono
dia 18 de abril de 1923. Instalado na casa onde nesses mesmos dia e
mscinqenta anos antes tinha sido realizada uma grande reunio de
republicanos, omuseu materializava um projeto de polticos ituanos e
antigos membros do PRP Partido Republicano Paulista: preservar a
Casa da Conveno para transform-la em memorial da Repblica.
Construda na dcada de 1850 pelo fazendeiro Francisco de
AlmeidaPrado, a casa constou do rol de bens que ele ao falecer
legou sua segundaesposa, Ana Joaquina Vasconcelos Noronha. Em 1866,
no inventrio dos bensde Ana Joaquina, a casa foi destinada ao filho
do casal, Carlos de Vasconcelosde Almeida Prado1. Logo que se
apossou do imvel, Carlos de Vasconcelos mandoufazer a reforma que,
de acordo com o gosto ento reinante na Corte, atualizou oscmodos
dianteiros dos dois pavimentos e a fachada principal do sobrado.
Oimenso beiral que avanava na rea da calada cedeu lugar platibanda,
e aparte superior da fachada ganhou tratamento em azulejos
portugueses.
So escassas as informaes sobre as alteraes internas, mas,
comoafirma Carlos Lemos (LEMOS, 1999), claro que os fazendeiros
mais esclarecidostratavam, dentro das possibilidades, de evitar
sobretudo as alcovas abafadas eescuras, j, inclusive, condenadas
tambm por engenheiros e tratadistas2.
A interveno no edifcio ocorreu em 1867, como atesta a data
inscritana platibanda, e aps a sua concluso o sobrado passou a
servir de residncia famlia de Carlos de Vasconcelos de Almeida
Prado. O edifcio tambm pode servisto como smbolo do poder econmico
do caf. Na poca da sua construo,muitas das antigas residncias
remanescentes do sculo anterior estavam sendodemolidas, cedendo
espaos e materiais para imponentes sobrados destinados
1. Inventrios de Francis-co de Almeida Prado eAna Joaquina
Vasconce-los Noronha, Fundo Ar-quivo Central daComarca de Itu,
MuseuRepublicano Convenode Itu/MP-USP.
2. LEMOS, Carlos A. C.Casa Paulista: histriadas moradias
anterioresao ecletismo trazido pelocaf. So Paulo: Editora
daUniversidade de So Pau-lo, 1999. p. 211.
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s moradias de fazendeiros enriquecidos pelo caf. Para Carlos
Lemos (LEMOS,2003), o sobrado que abrigou a Conveno de Itu provm,
certamente, dessarenovao urbana a partir do aproveitamento das
velhas moradas bandeiristas.Segundo ele, sintomtica dessa
providncia de utilizao de restos antigos aexistncia da taipa de
pilo somente nas paredes portantes do pavimento trreoque, por
sinal, guarda notvel semelhana em sua planta com as casas rurais
dosculo XVIII3 (FIGURAS 1, 2).
O sobrado ainda era a residncia de Carlos Vasconcelos e
famliaquando abrigou os cento e trinta e trs republicanos para o
encontro poltico queo tornaria famoso mais tarde. O objetivo maior
do conclave era organizar omovimento republicano na ento Provncia
de So Paulo, depois da repercussodo Manifesto de 1870 divulgado no
jornal A Repblica, do Rio de Janeiro. Acapital e diversas cidades
candidataram-se para sediar o encontro, mas Itu foiescolhida por
eleio, em razo das articulaes entabuladas pelos polticoslocais.
reunio compareceram observadores do Rio de Janeiro e
representantes
3. LEMOS, Carlos. Teste-munha da histria. BoaVida, Itu, v.15, n.
178, p. 7,2003.
FIGURA 1 Casa da famlia Carlos Vasconcelos de Almeida Prado em
Itu, 1867. Planta baixa,andar trreo, elaborada sob orientao de
Antnio Lus Dias de Andrade, FAU-USP,1986. Acervodo Museu
Republicano Conveno de Itu MP/USP.
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de dezesseis cidades paulistas: Itu, Jundia, Campinas, So Paulo,
Amparo,Bragana, Moji-Mirim, Constituio (atual Piracicaba),
Botucatu, Tiet, Porto Feliz,Capivari, Sorocaba, Indaiatuba, Belm de
Jundia (atual Itatiba), Montemor eJa4. A data escolhida, 18 de
abril de 1873, certamente indcio de que osrepublicanos queriam
associar sua imagem ao progresso material de So Paulo:no por acaso,
a Estrada de Ferro Ituana tinha sido inaugurada no dia anterior,em
solenidade na qual os republicanos tinham disputado espaos e
discursos comos delegados do governo provincial (CANABRAVA, 1971)5.
O local do encontro,o imenso sobrado em frente lateral da Igreja
Matriz Nossa Senhora daCandelria, desvela a hegemonia do grupo
liderado pelos irmos Carlos e JosVasconcelos de Almeida Prado, que
no papel de anfitries no queriam perder aoportunidade de exercer
maior controle sobre o encontro.
O conclave, at ento denominado reunio, recebeu pela primeiravez
a designao de conveno no Correio Paulistano, em sua edio de 25
deabril de 18736. O jornal noticiou o evento sem lhe dar muito
destaque. Entretanto,
4. Ata da Conveno deItu, manuscrito originaldo Museu
RepublicanoConveno de Itu repro-duzido em: Solenizaodo cinqentenrio
daConveno de Itu, reali-zada a 18 de abril de1923 com a instalaodo
Museu RepublicanoConveno de Itu peloGoverno do Estado deSo Paulo a
18 de abrilde 1923. So Paulo: Com-panhia Melhoramentos,1923, p.
93-100; e TAUNAY,Afonso E. Guia do MuseuRepublicano Convenode Itu.
So Paulo: Depar-tamento Estadual de In-formaes, 1946. p. 61-66.
5. Em So Paulo a constru-o das ferrovias, em gran-de parte, foi
um investi-mento dos prprios fa-zendeiros de caf. CANA-BRAVA, Alice
P. A grandelavoura. In: HOLANDA,Srgio Buarque (Ed.). His-tria geral
da civilizaobrasileira. O Brasil mo-nrquico Declnio equeda do
Imprio, t. II, v.5.So Paulo: Difuso Euro-pia do Livro, 1971. p.
92.Cesrio Mota Jnior des-creve a festa da inaugura-o da Estrada de
FerroItuana no documento Re-cordaes Histricas(1873), manuscrito
doacervo do Museu Republi-cano Conveno de Itu/MP-USP. O documento
foipublicado em: Soleni-zao do cinqente-nrio da Conveno deItu,
op.cit., p. 86-91; eTAUNAY, Afonso E. Guiado Museu
RepublicanoConveno de Itu.op.cit., p. 67-72.
6. Correio Paulistano,Edio 4992, 25 de abrilde 1873, Crnica
Polti-ca A reunio de Itu, p. 1.Para acompanhar o de-senvolvimento
do partido
FIGURA 2 Casa da famlia Carlos Vasconcelos de Almeida Prado em
Itu, 1867. Planta baixa,primeiro andar, elaborada sob orientao de
Antnio Lus Dias de Andrade, FAU-USP, 1986.Acervo do Museu
Republicano Conveno de Itu MP/USP.
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com o passar do tempo, reunio foram atribudos significados que
pouco apouco a transformaram na Conveno de Itu, o dia de sua
realizao passou aser lido como a data de fundao do Partido
Republicano Paulista, e a antigaresidncia tornou-se conhecida como
a Casa da Conveno (BRASILIENSE, 1979).
Amrico Brasiliense de Almeida Melo, que desempenhou a funo
desecretrio na reunio de 18 de abril de 1873, escreveu em 1891,
momento emque ocupava o cargo de presidente do Estado de So
Paulo:
Assumi o difcil encargo [referia-se presidncia do Estado] com a
mesma serenidadede nimo, com a mesma calma e com a mesma convico de
bem, que me levaramquela, j hoje clebre, reunio solenemente
realizada a 18 de abril de 1873 e quepassar Histria com a denominao
de Conveno de Itu.
Pouco tempo depois da manifestao de Amrico Brasiliense,
osrepublicanos paulistas passaram a demonstrar interesse na
preservao da casade Itu7. Mas a compra do imvel pelo governo do
Estado se deu somente trsdcadas depois, num momento em que o PRP j
comeava a sentir os primeirossinais de desgaste, aps a longa
hegemonia iniciada com a subida ao poder dos
depois da Conveno deItu ver: BRASILIENSE,Amrico. Os programasdos
partidos e o segun-do imprio. Braslia: Sena-do Federal; Rio de
Janei-ro: Fundao Casa de RuiBarbosa, 1979.
7. A manifestao do in-teresse na preservao daCasa da Convenopode
ser acompanhadaatravs dos jornais de Itudo final do sculo XIX
eprimeiros anos do sculoXX, em colees existen-tes na biblioteca do
Mu-seu Republicano Con-veno de Itu/MP-USP.
FIGURA 3 Edifcio do Museu Republicano Conveno de Itu, 1922.
Planta baixa, andar trreo,elaborada sob orientao de Antnio Lus Dias
de Andrade, FAU USP, 1986. Acervo do MuseuRepublicano Conveno de
Itu MP/USP.
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representantes da cafeicultura paulista nos governos de Prudente
de Moraes eCampos Sales.
O Partido Republicano Paulista explorava a comemorao
docinqentenrio da Conveno, em razo de seu valor simblico, e a criao
doMuseu Republicano como instrumentos de busca no passado de uma
legitimidadehistrica que pudesse ser manipulada a favor de sua
estratgia de dominao.A aquisio do lugar do acontecimento da Conveno
deveria ser a primeiraetapa, com a qual a casa passava da condio
simblica privada para aadministrao pblica do simblico (SILVA, 2002;
SODR, 2002)8. Em 23 dedezembro de 1921 a Cmara dos Deputados de So
Paulo aprovou a Lei n.1856, autorizando a compra da Casa da
Conveno. O deputado MrioTavares deixou bem clara aquela preocupao
no discurso que fez durante osdebates do projeto:
A assemblia solenssima, em que foram tomadas deliberaes
fundamentais e vitaispara a arregimentao democrtica, realizou-se em
Itu e teve a denominao deConveno de Itu. [...] Se ali nasceu o
Partido Republicano Paulista, que foi tantos anos
8. SODR, Muniz. Semio-logia de uma casa-museu.Jornada
Museo-lgica: no-tcias sobre museus-casas,Rio de Janeiro: FundaoCasa
de Rui Barbosa (Pa-pis Avulsos), 43, p. 7-13,2002; SILVA,
HeleniceRodrigues. Rememora-o/comemorao: as uti-lizaes sociais da
memria.Revista Brasileira de His-tria, So Paulo: ANPUH/Humanitas
Publicaes, v.22, n.44, p. 425-438, 2002.
FIGURA 4 Edifcio do Museu Republicano Conveno de Itu, 1922.
Planta baixa, primeiroandar, elaborada sob orientao de Antnio Lus
Dias de Andrade, FAU USP, 1986. Acervo doMuseu Republicano Conveno
de Itu MP/USP.
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o exemplo da abnegao, da disciplina e do bom doutrinamento,
servindo de estmulos outras agremiaes nas antigas provncias, eu,
fortalecendo-me no revigoramentodaquela convico, na lembrana
daquelas doutrinas, seguro e tranqilo, julguei-mecapaz de receber a
comisso de constituir com os legtimos representantes do povo
oEstado de S.Paulo, autnomo, republicano e forte na grande Repblica
Brasileira. [...]Celebremos o passado. Entreguemos a casa modesta,
onde nasceram o PartidoRepublicano e a democracia brasileira, ao
preito do povo e especialmente da mocidade,para que ela transmita,
de gerao a gerao, o fogo sagrado desta f vigorosa nosdestinos da
nossa terra [...]9.
O governo estadual investiu quarenta contos de ris na
incorporaodo imvel ao patrimnio pblico e liberou o crdito de
oitenta contos de ris paraas despesas oradas com a reforma e a
adaptao da antiga residnciaassobradada ao novo programa de
uso10.
Washington Lus Pereira de Souza, presidente do Estado de So
Paulo,escolheu o historiador Afonso dEscragnolle Taunay para
supervisionar a interveno
9. O discurso do deputadoMrio Tavares est reprodu-zido em:
Solenizao docinqentenrio da Con-veno de Itu, op.cit., p. 14.
10. Lei 1856 de 29 de de-zembro de 1921 e Decre-to 3.579 de 12
de feverei-ro de 1923, documentosreproduzidos em Solenizaodo
cinqentenrio daConveno de Itu, op.cit.,p.17-18.
FIGURA 5 Museu Republicano Conveno de Itu, abril de 1923.
Fotografia de FredericoEgner. Acervo do Museu Republicano Conveno
de Itu MP/USP.
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de adaptao dos espaos internos do sobrado ao programa do museu.
Taunay,que ento dirigia o Museu Paulista, tambm foi encarregado da
tarefa de organizara nova instituio museolgica. Os engenheiros
Carlos Quirino Simes e AchillesNacarato fizeram o projeto de
reforma do edifcio a pedido da Secretaria deEstado dos Negcios da
Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas. Nacorrespondncia de 18 de
novembro de 1922, que enderearam ao diretor deobras, os engenheiros
justificaram a interveno programada:
Os reparos, de pequena monta, se justificam por suas prprias
naturezas, e representampequenos cuidados para manter em bom estado
de conservao as vrias partes do prdio;tive, porm, de computar a
reforma total do telhado, tal o estado impressionante em que
seapresenta, imprprio para uma moradia comum e muito menos para um
museu; coberturaconstruda em 1867 e retocada desorganizadamente,
por vrias vezes, ali se notam cumieira,rinces, tera, caibros e
ripas em madeira rolia e fasquias de coqueiros de mistura
commadeira serrada e lavrada, sem uniformidade de dimenses, sem
regularidade na disposio
11. Ofcio de 18 de no-vembro de 1922, dossiMuseu Histrico
Republi-cano. Secretaria da Viaoe Obras Pblicas Dire-toria de Obras
Pblicas.Autos 527 de 1922.
FIGURA 6 Inaugurao do Museu Republicano Conveno de Itu, 18 de
abril de 1923.Fotografia de Frederico Egner. Acervo do Museu
Republicano Conveno de Itu MP/USP.
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e apodrecidas em grande parte. Notarei que as telhas datam da
poca citada e as tesouras,alm das dimenses reduzidas, tm falta de
peas, supridas por pontaletes e escoras. Napintura, ainda cumprindo
vossas ordens, substitui as partes em papel por uma caiao sbriae
que satisfaa os fins em vista. Os preos compostos do meu oramento
so os mesmos databela organizada no escritrio tcnico para o estudo
de adaptao, ali em andamento, doprdio da Conveno para um museu de
relquias republicanas11. (FIGURAS 3, 4).
As obras foram executadas apressadamente, para que tudo
seconclusse na data aprazada. s vsperas da inaugurao o
responsvelparticipava ao diretor de obras:
Est concluda e recebida, desde 18 do corrente, a reforma do
prdio destinado a ummuseu de relquias republicanas. Os trabalhos
obedeceram ao projeto e oramentoelaborados; foram executadas todas
as modificaes que o sr. Dr. Presidente do Estadodeterminou em sua
visita de 9 do corrente...12.
12. Informao n. 58, de28 de abril de 1923,dossi Museu
HistricoRepublicano. Secretariada Viao e Obras Pbli-cas Diretoria
de ObrasPblicas. Autos 527 de1922.
FIGURA 7 Washington Lus na entrada do Museu Republicano Conveno
de Itu no dia da suainaugurao. Fotografia de Frederico Egner.
Acervo do Museu Republicano Conveno de Itu MP/USP.
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Alguns cmodos deixaram de existir para ceder espao a duas reasde
iluminao, e paredes foram derrubadas para abrir um grande salo
nopavimento superior. A abertura desse salo foi decidida pelo
prprio presidenteWashington Lus, durante visita de inspeo realizada
na companhia do deputadoCarlos de Campos e do secretrio de Estado
dos Negcios da Agricultura,Comrcio e Obras Pblicas Heitor Penteado.
A cpula do PRP acompanhou deperto o andamento das obras e
determinou que nos cmodos utilizados pelaconveno republicana no se
fizesse qualquer mudana, e neles absolutamenteno se tocou; esto tal
qual eram a 18 de abril de 187313 (FIGURA 5).
Pronto o cenrio, montou-se a solenidade da inaugurao do
MuseuRepublicano e do cinqentenrio da Conveno de Itu. O evento
tinha que seruma grande festa do PRP. Na rua fronteira ao sobrado
ajuntou-se a multido paraver a chegada da comitiva do presidente do
Estado. O grande salo do pavimentosuperior, que surgiu depois da
derrubada das paredes que confinavam antigas
13. Solenizao docinqentenrio da Con-veno de Itu,
op.cit.,p.19.
FIGURA 8 Famlia Carlos Vasconcelos de Almeida Prado, 1886.
Acervo do MuseuRepublicano Conveno de Itu MP/USP.
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alcovas, acomodou os filiados do partido, secretrios de Estado,
acadmicos deDireito, deputados, vereadores, prefeitos, jornalistas,
escritores, convencionais efamiliares de convencionais j falecidos,
alm de curiosos que mais uma vez atudo assistiam bestializados
(CARVALHO, 1987)14. No discurso que convinha ocasio, rodeado dos
presentes e dos retratos a leo dos convencionais de1873, Washington
Lus disse ao pblico que o ouvia em absoluto silncio, naavaliao de
uma testemunha ocular15:
Essa festa de hoje, exclusivamente cvica, puramente republicana,
cultuando o passadodemocrtico, presta uma homenagem respeitosa aos
homens extraordinrios daConveno de Itu, cujos sobreviventes
emprestam a esta assemblia uma solenidadevenervel; significa a
tranqilidade da hora presente diante das realizaes feitas;exprime a
confiana, que no desfalece, nos tempos por vir, e mostra
inequivocamente,numa reafirmao imponente e comovedora que, cnscios
das grandes responsabilidadesque lhes cabem no regime, assim no
passado como no presente, no perderam ospaulistas as caractersticas
do seu gnio. Intemeratos, fortes, desprendidos, esto semprejuntos,
prontos, ao primeiro toque de reunir, na defesa da Repblica. A
festa de hojepertence indiscutivelmente ao Partido Republicano
Paulista, cujas origens se diluem no
14. Comentrio do advo-gado ituano ErmelinoMaffei, em que faz
refe-rncia ao clebre dito dorepublicano AristidesLobo, segundo o
qual opovo assistiu bestializado Proclamao da Rep-blica. Em 18
abril de1923 o ento jovem es-tudante Maffei juntou-seao grupo de
acadmicosdo Largo de So Francis-co, que foi a Itu para as-sistir
inaugurao doMuseu Republicano Con-veno de Itu. No co-mentrio, em
palestraproferida na comemora-o do aniversrio doMuseu em abril de
1988,
FIGURA 9 Sala da Conveno Museu Republicano Conveno de Itu.
Fotografia deFrederico Egner, 1924. Acervo do Museu Republicano
Conveno de Itu MP/USP.
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passado, mas se juntam na Conveno de Itu, avolumando-se cada vez
mais econtinuamente na propaganda, na proclamao, na defesa e na
manuteno daRepblica16 (FIGURA 6).
O presidente foi aplaudido demoradamente. Ao findarem os
discursose os cumprimentos de praxe, Washington Lus desceu os
degraus de acesso aosaguo da entrada e descerrou a lpide, onde ele
prprio mandara gravar embronze:
Comemorando a efemride cinqentenria e ilustre de 18 de abril de
1873 com ainstalao deste instituto destinado a celebrar os fastos
do republicanismo paulista,grato e reverente preito consagra o
Governo do Estado de So Paulo, por seupresidente Washington Lus
Pereira de Souza, a memria benemrita dos que naassemblia
imorredoura da Conveno de Itu, neste edifcio reunida, atestaram
face da Nao Brasileira o despontar e a energia do Partido
Republicano Paulistafazendo ouvir as vozes de sua f e as de sua
esperana no triunfo definitivo daRepblica Federativa.
Maffei citava: CARVALHO,Jos Murilo. Bestializadosou bilontras?
In: Osbestializados. O Rio dejaneiro e a Repblica queno foi. So
Paulo: Com-panhia das Letras, 1987. p.140-160.
15. Solenizao docinqentenrio da Con-veno de Itu, op.cit., p.
36.
16. O discurso de Wa-shington Lus est repro-duzido em:
Solenizaodo cinqentenrio daConveno de Itu, op.cit.,p. 36-39.
FIGURA 10 Desfile de bandas de msica em frente ao Museu
Republicano Conveno de Ituno dia da festa da inaugurao, 18 de abril
de 1923. Fotografia de Frederico Egner. Acervo doMuseu Republicano
Conveno de Itu MP/USP.
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Fundida em bronze pelo arteso Roque de Mingo, a placa reproduzo
modelo entalhado em madeira por H. Bakkenist, o mesmo autor da
maqueteSo Paulo em 1840, executada para o Museu Paulista. Depois de
servir demolde da placa de bronze da inaugurao, o modelo em madeira
foi restauradoe presenteado a Washington Lus. Taunay, autor da
iniciativa, mandou o presenteao destinatrio acompanhado de um ofcio
no qual reforava o papel do presidentede Estado na criao do museu
espero que cause prazer este objeto querecorda uma fundao a V.Exa.
devida17 (FIGURAS 7, 8).
Na data da inaugurao, marcada para coincidir com o
cinqentenrioda Conveno de Itu, a exposio do Museu Republicano ainda
no estavaconcluda. Taunay incumbiu-se de justificar a situao um
instituto desta naturezas passados anos assume propores
considerveis, no se improvisando museus,e de descrever a
comemorao18. Ele atribuiu ao evento um carter espetacular,digno de
ser includo no panteo de festas e efemrides nacionais. Como
elemesmo conta (TAUNAY, 1923), inaugurou-se o museu com uma
incompleta galeriade retratos de vultos eminentes do
republicanismo: signatrios do Manifesto de1870, propagandistas da
repblica, membros da Conveno e membros dogoverno provisrio da
repblica. Washington Lus acompanhou passo a passo oprocesso de
escolha dos retratados e dos pintores contratados para a produodos
retratos a leo19. Depois da inaugurao, o acervo comeou a ser
ampliadopor meio de compras e de doaes de familiares dos
convencionais de 1873,membros do PRP e do prprio Washington Lus.
Uma das primeiras aquisies foio mobilirio indicado por Jos
Vasconcelos de Almeida Prado e Olmpia Augustada Fonseca Almeida
Prado, viva de Carlos Vasconcelos de Almeida Prado, como intuito de
encenar parte do ambiente da residncia em 1873. Taunay explicaque o
objetivo do museu era comemorar a Conveno de Itu e os grandes
homensda fase de propaganda at a Proclamao da Repblica, e ao mesmo
tempo porse achar instalado numa residncia tpica do sculo XIX, lhe
ocorrera a idia detambm fazer dele um museu de artes decorativas,
dando aos visitantes a idiado que eram o mobilirio e a ornamentao
de uma casa rica brasileira pelasvizinhanas de 1870 com o seu
feitio tpico de disparidade muito de bric brac,pela mistura de
estilos e procedncias (TAUNAY, 1946)20. Como de costume,depois das
buscas e localizao do mobilirio, Taunay submeteu a idia aWashington
Lus:
Aqui lhe remeto uma srie de fotografias demonstrativas da nova
arrumao do seumuseu. Pelo Sr. Dr. Alarico soube da sua deciso sobre
o caso da moblia. Vamos a verse se descobre outra em melhores
condies, porque como ver da fotografia ela vaiadmiravelmente
naquele ambiente. Melhor impossvel at. S falta o tapete e o
lampiode querosene na mesa do centro e o Sr. se ver transportado
sua infncia, casapaterna, ou avoenga, como na Maca21.
Convencido, Washington Lus consentiu e o secretrio do Interior
AlaricoSilveira liberou uma verba extraordinria para a compra da
moblia de FelcioMarmo, de tradicional famlia ituana. O tapete e o
lampio de querosene foramcomprados logo em seguida (FIGURA 9).
A transformao da casa em museu consistiu em uma estratgia
deobjetivao da memria, isto , do lugar simblico em que se realizou
um eventosignificativo a um determinado partido poltico, o PRP
Partido Republicano Paulista,para legitimar historicamente a
hegemonia do grupo social ligado aos interessesdos grandes
cafeicultores de So Paulo, que lhe dava suporte (FIGURA 10).
Artigo apresentado em11/2003.
17. Ofcio de Afonso E.Taunay a Washington Lus,de 20 de novembro
de1923, dossi Museu Hist-rico Republicano. Secreta-ria da Viao e
Obras P-blicas Diretoria deObras Pblicas. Autos 527de 1922.
18. Solenizao docinqentenrio da Con-veno de Itu,
op.cit.,p.19,23-35 (Celebraodo cinqentenrio daConveno de Itu).
Embo-ra no conste o seu nomecomo responsvel pelapublicao, Afonso
E.Taunay foi certamente oorganizador destaplaqueta, como pode
serdeduzido do ofcio queele remeteu a Washing-ton Lus em 28 de
maiode 1923, dossi MuseuHistrico Republicano.Secretaria da Viao
eObras Pblicas Direto-ria de Obras Pblicas. Au-tos 527 de 1922.
19. Washington Lusacompanhava a produodos retratos atravs
deconversas pessoais comTaunay e de correspon-dncia, como os
ofciosdo diretor do MuseuPaulista ao presidente doEstado, datados
de 17 defevereiro e de 30 de mar-o de 1923, dossi MuseuHistrico
Republicano.Secretaria da Viao eObras Pblicas Direto-ria de Obras
Pblicas. Au-tos 527 de 1922.
20. TAUNAY, Afonso E.Guia do Museu Republi-cano Conveno de
Itu.So Paulo: DepartamentoEstadual de Informaes,1946. p. 11;
TAUNAY, Afon-so E. Relatrio referenteao ano de 1923, apresen-tado a
2 de fevereiro de1924 ao ExcelentssimoSenhor Secretrio do
in-terior, Doutor Alarico
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225
REFERNCIAS
BRASILIENSE, Amrico. Os programas dos partidos e o segundo
imprio. Braslia: Senado Federal;Rio de Janeiro: Fundao Casa de Rui
Barbosa, 1979.
CANABRAVA, Alice P. A grande lavoura. In: HOLANDA, Srgio Buarque
(Ed.). Histria geral dacivilizao brasileira. O Brasil monrquico
Declnio e queda do Imprio, t. II, v.5. So Paulo:Difuso Europia do
Livro, 1971.
CARVALHO, Jos Murilo. Bestializados ou bilontras? In: Os
bestializados. O Rio de Janeiro e aRepblica que no foi. So Paulo:
Companhia das Letras, 1987. p. 140-160.
LEMOS, Carlos A. C. Casa Paulista: histria das moradias
anteriores ao ecletismo trazido pelo caf.So Paulo: Editora da
Universidade de So Paulo, 1999.
LEMOS, Carlos. Testemunha da histria. Boa Vida, Itu, v.15, n.
178, 2003.
SILVA, Helenice Rodrigues. Rememorao/comemorao: as utilizaes
sociais da memria. RevistaBrasileira de Histria, So Paulo:
ANPUH/Humanitas Publicaes, v. 22, n.44, p. 425-438, 2002.
SODR, Muniz. Semiologia de uma casa-museu. Jornada Museolgica:
notcias sobre museus-casas,Rio de Janeiro: Fundao Casa de Rui
Barbosa (Papis Avulsos), 43, p. 7-13, 2002;
TAUNAY, Afonso E. Solenizao do cinqentenrio da Conveno de Itu,
realizada a 18 de abrilde 1923 com a instalao do Museu Republicano
Conveno de Itu pelo Governo do Estado deSo Paulo a 18 de abril de
1923. So Paulo: Companhia Melhoramentos, 1923.
TAUNAY, Afonso E. Guia do Museu Republicano Conveno de Itu. So
Paulo: DepartamentoEstadual de Informaes, 1946.
Silveira. Revista do Mu-seu Paulista, t. 14, p. 793-807,
1926.
21. Carta de Afonso E.Taunay a WashingtonLus, de 2 de junho
de1923, dossi Museu Hist-rico Republicano. Secreta-ria da Viao e
Obras P-blicas Diretoria deObras Pblicas. Autos 527de 1922.
Artigo apresentado em 11/2003.
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The two-storey house where Itu Convention was held, in the old
Rua do Carmo, (nowadays RuaBaro do Itaim): a documental work of
research
Anicleide Zequini Rossi
The text is about the results of a documental work of research
(post-mortem inventory and Book ofNotes) regarding the trajectory
of the building in which The City of Itu (SP)s Republican
Museum(Museu Republicano na Cidade de Itu-SP) is installed, an
extension of Museu Paulista USP. Therefore,from all the pieces of
information researched we can infer that the construction day of
the building thatshelters the museum, is a lot earlier than 1850,
year which has been considered as such in manyessays. This year
registers, in fact, the presence of one of the families that lived
in that building: theAlmeida Prados that hosted the Conventionals
of 1873.KEYWORDS: Museu Republicano Conveno de Itu MP/USP. Itu,
History. Itu, Museum. Almeida Prado, Family.Anais do Museu
Paulista. So Paulo. N. Sr. v. 10/11. p.197-211 (2002-2003).
De casa a museu: 80 anos do Museu Republicano Conveno de Itu
Jonas Soares de Souza
O texto apresenta um panorama geral do processo de criao do
Museu Republicano Convenode Itu na dcada de 1920. Idealizado pelos
republicanos paulistas, o projeto da instituio explorouo valor
simblico da Conveno de Itu e o significado do lugar de sua realizao
como recursopara ampliar a legitimidade histrica da hegemonia do
Partido.PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura. Museu. Memria. Comemorao.Anais
do Museu Paulista. So Paulo. N. Sr. v. 10/11. p.213-225
(2002-2003).
From home to museum: 80 years of the Republican Museum (Museu
Republicano) Itu Convention
Jonas Soares de Souza
This article presents a general overview of the creation process
of Museu Republicano Convenode Itu in the decade of 1920. Idealized
by republicans from So Paulo, the institutions project hasexploited
the Conveno de Itus symbolic values and the meaning of place where
it was made as aresource to widen the historical legitimacy of the
Party hegemony.KEYWORDS: Architecture. Museum. Memory.
Celebration.Anais do Museu Paulista. So Paulo. N. Sr. v. 10/11.
p.213-225 (2002-2003).
O Servio de Objetos do Museu Paulista
Adilson Jos de Almeida, Angela Maria Gianeze Ribeiro, Heloisa
Barbuy, Margarida Davina AndreattaAborda a organizao do Servio de
Objetos do Museu Paulista curadoria de acervos e sistemade informao
e suas linhas de pesquisa: 1. Formao das colees. 2. Formas
alternativas dedinheiro. 3. Cultura visual no sculo XIX: museus
exposies industriais e cidades / Comrcio,industrializao e cultura
material. 4. Arqueologia histrica e industrial. 5. Vida militar e
culturamaterial.PALAVRAS-CHAVE: Curadoria e pesquisa. Numismtica.
Coleo de veculos. Colees militares. Cultura visual.
Industrializao.Anais do Museu Paulista. So Paulo. N. Sr. v. 10/11.
p.227-257 (2002-2003).
The Department of Object Collections of Museu Paulista
Adilson Jos de Almeida, Angela Maria Gianeze Ribeiro, Heloisa
Barbuy, Margarida Davina Andreatta
It focuses the organization of the Department of Object
Collections of Museu Paulista curatorshipand information system and
its research directions: 1. Formation of the collections. 2.
Moneyalternative forms. 3. Visual Culture in the 19th century:
museums, industrial exhibitions and cities /Commerce,
industrialization and Material Culture. 4. Historical and
Industrial Archaeology. 5. Militarylife and Material
Culture.KEYWORDS: Curatorship and Research. Numismatic. Collection
of Vehicles. Collection of Military Objects. Visual
Culture.Industrialization.Anais do Museu Paulista. So Paulo. N. Sr.
v. 10/11. p.227-257 (2002-2003).