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Revista de Cincias Humanas, Florianpolis, n.25, p. 117-132,
abril de 1999
Multiplicidades, arqueologia e anlise do discurso'
Rogrio Christofoletti Curso de Ps-Graduao em Letras/Lingustica
(UFSC)
Resumo
Este trabalho articula alguns conceitos fundamentais da
Arqueo-logia foucaultiana, da Teoria das Mul-tiplicidades de
DELEUZE com a esco-la francesa da Anlise do Discurso. 0 objetivo da
convergncia entre es-tas trs perspectivas tericas tra-zer
contribuies para o aprofunda-mento das discusses acerca dos
pro-cessos de subjetivao e assujeita-mento na produo
discursiva.
Palavras-chave: arqueologia; mul-tiplicidade; anlise do
discurso; FOU-CAULT; DELEUZE.
Abstract
This paper articulates some fundamental conceptions of
ar-chaeology (FOUCAULT) and Mul-tiplicity's Theory (DELEUZE) with
the French school of Discourse Analysis. The aim in the
conver-gence of these three theoretical perspectives is to promote
a deeper discussion about the subject-forming process in the
discursive production.
Keywords: archaeology; multipli-city's; discourse analysis,
FOU-CAULT; DELEUZE.
' Multiplicity's in a translingiiistic archaeology.
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1 1 8 -- Multiplicidades, arqueologia e anlise do discurso
Introduo
Nesse instante gigantesco, vi milhes de atos agradveis ou
atrozes; nenhum me assombrou mais que o fato de todos
ocuparem o mesmo ponto, sem superposio e sem transparncia. 0 que
os meus olhos viram foi simultneo; o que transcreverei sera
sucessivo,
pois a linguagem o .
(Jorge Luis Borges, 0 Aleph)
As trs dimenses tericas presentes neste estudo surgiram na dca
da de 60, na Frana. Em 1966, em seu livro sobre BERGSON,2
GILLES DELEUZE inaugura o uso que
far do termo "multiplicidade". Tres anos
mais tarde, Michel Foucault lana A Arqueologia do Saber,
trazendo definies acerca dos enunciados e dos
domnios discursivos. Tambm
de 1969 Anlise Automtica do Discurso, de Michel Pcheux, urna
das bases fundadoras' da corrente de estudos que vai ser
conhecida corno escola francesa de
Anlise do Discurso.
A emergncia histrica comum no traduz coincidncia ou mero acaso.
Na verdade, as discusses que DELEUZE e FOUCAULT levavam na
Filosofia, cada um a seu modo, divergiam das sediadas na
LingUistica, mas desembocaram num caminho comum: o discurso, como
elemento de prtica
poltica (como defende PCHEUX), como terreno de manifes-
tao das relaes de poder (segundo FOUCAULT) ou como conjunto de
materialidades mltiplas (conforme DELEUZE).
E este ponto comum que vamos trabalhar aqui, cruzando fronteiras
e invadindo espaos, na tentativa de reconhecer mais afinidades
conceituais nessas trs dimenses tericas. Com
isso, acredito, auxilia-mos no fortalecimento e disseminao da
arqueologia como metodolo-gia,
contribumos para o desenvolvimento da
Anlise do Discurso e aju-
damos no entendimento da atmosfera mltipla dessa articulao
terica, o que pode trazer
subsdios para posteriores discusses acerca dos pro-
cessos de engendramento de sujeitos nos discursos. Le
Bergsonisme (Editions P.U.F.) 0 outro texto fundador, segundo
MALDIDIER (1994:15) seria Lexicologia e Anlise de Enunciado,
discurso de encerramento de Jean Dubois no Colquio de
Lexicologia
Poltica de Saint Cloud (abril de 1968).
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abril de 1999 119
Anlise do discurso
A Anlise do Discurso trances& urna abordagem lingbistica que
se serve tambm de noes extra-linguisticas, advindas principalmente
do materialismo histrico, da psicanlise, e de uma teoria das
ideologias. Surgida num momento em que alguns lingUistas apontavam
para a ne-cessidade de se levar em conta o contexto histrico e as
condies em que eram produzidos os discursos, a Anlise do Discurso
(doravante AD) se apresentou como uma alternativa de estudo do
lingstico de maneira descentrada do ncleo rgido da Linguistica,
mais preocupado com o cdigo e suas leis.
PCHEUX, no trabalho clssico An lise Automtica do Discur-so, 5
percorre os diversos
mtodos de anlise de texto (da contagem das palavras ao
conteudismo, passando pelas categorias temticas), apon-tando para a
importncia do plano social no discurso - seja como fala, como
enunciado ou texto. E necessrio notar que o objeto da AD que PCHEUX
prope o discurso e no a lingua, como at ento se trabalha-va na
LingUistica. E a noo de discurso - efeito de sentido entre
locu-tores - vai deslocar a dicotomia lingua-fala, apresentada por
SAUSSURE na fundao da Lingii istica 6 . Para SAUSSURE, a lingua um
sistema de convenes necessrias para a comunicao e que apresenta
duas di-menses: um produto social (a lingua) e sua parte individual
na lingua-gem (a fala). Assim, em situaes cotidianas de comunicao,
o falante opera com relativa autonomia sobre o cdigo formal que a
lingua, sub-metendo-se s suas regras. A AD rompe com essa dualidade
lingua/ fala, ao afirmar que o sujeito no uno, que a relao
mundo-linguagem no direta, e que o sentido no estvel nem
imutvel.
Para lanar tais postulados, a AD vai buscar na psicanlise
lacaniana a noo de sujeito fragmentado, no materialismo histrico a
relevncia das condies de produo discursiva, e ainda o conceito de
ideologia (num aporte althusseriano), entre outros conceitos. A noo
foucaultiana defor-
A distino se faz necessria por existirem diversos outros estudos
lingsticos que tam-bm se autodenominam como anlise do discurso.
Podem ser citados os trabalhos ligados ao distribucionalismo (a
exemplo de Z. Harris), os ligados oralidade, numa perspectiva
anglo-saxnica, e outros, como a Anlise de Discurso Politico
empreendida por ZIMMERMANN, relatada por FANTINATI (1990).
' Cuja verso brasileira pode ser encontrada em Por uma anlise
automtica do discurso ( UN1CAMP).
6 De maneira formal, a Lingstica como cincia surge em 1916, com
a publicao do Cows de Linguistique Generale, de Ferdinand de
Saussure.
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120 Multiplicidades, arqueologia e anlise do discurso
inao discursiva, mais tardiamente, tambm absorvida. Dessa forma,
para os analistas de discurso, o sujeito no um ser transcendental,
nem tampouco entidade
nica de subjetividade, mas
uma forma-sujeito,
uma funo vazia a ser exercida; os discursos nunca so desprovidos
de ideo-logia, e so as condies scio-histricas que determinam a
emergncia dos enunciados. Fato que, para a AD, s refora a relao
constitutiva do discurso e sua exterioridade, e desmitifica a idia
de que a lingua trans-parente e os sentidos mantm uma relao
unvoca com as palavras.
Prxima de uma hermenutica, e de uma semntica,
a AD uma abordagem mais preocupada no com a fixao de urn
significado para um discurso ou com a
anlise formal linguistica desse discurso. A AD vai
se preocupar com o funcionamento da lingua: como os sentidos se
fazem entre os interlocutores, quais so as estratgias de montagem
dos discur-sos, e como os discursos desenham os perfis dos sujeitos
discursivos. Uma teoria critica da linguagem, a AD "trata
dos processos
de constituio do fenmeno lingustico,
enquanto a Linguistica visa oproduto dessa consti-tuio", lembra
ORLANDI (1986:114). A AD 6,
ento, a
anlise dos efeitos
de sentido que se engendram entre os sujeitos dos discursos. Urn
exemplo pode ilustrar essas explicaes de maneira
esclarecedora. Tomem-se os seguintes enunciados' do ento
presidente da repblica Joo Figueiredo ao longo de 1984, nas vsperas
de sua su-cesso presidencial:
(1) Quem ganhar a conveno ser o candidato do partido e ter o meu
apoio.
(2) 0 Tancredo um nome confidvel e aceitvel para a
conciliao.
(3) No tenho nada a opor candidatura Paulo Maluf.
Diante de tais fragmentos, um analista de discurso iria se deter
sobre a superfcie linguistica em busca de marcas formais que
auxiliassem seu exame. Tais marcas podem ser pronomes, figuras de
linguagem, constru-96es sintticas e expresses, at mesmo recursos de
pontuao. Todas essas pistas lingsticas se somariam
s informaes coletadas sobre as condies de produo (quando, em que
circunstncias, para quem...) que possibilitaram que o ex-presidente
enunciasse daquela forma. So levadas em considerao ainda
contradies, jogos politicos, desditos, ambigida-
' Fragmentos recolhidos em edies da revista Veja no ano de 1984.
As formulaes fazem parte do corpus da dissertao de mestrado 0
discurso da Transio, a ser apresentada ao Curso de Ps-Graduao em
Letras e LingUistica da UFSC.
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des, opacidades, en fim, todas as pistas scio-histricas que
contribussem
de alguma forma para engendrar sujeitos de discurso. E o plural
em sujei-tos de discurso na frase anterior no apenas um recurso de
generaliza-o, j que a polifonia discursiva mais do que evidente em
nossos exem-plos. Em outros termos, e de acordo corn a AD, os
sujeitos da enunciao em (1), (2) e (3) no ocupam a mesma posio, e
parece ter havido urna clivagem no sujeito, um deslocamento de
postos. Como isto se d, quais as artimanhas linguisticas para
operar dessa forma, e o que isso acarreta so as razes que movem o
analista do discurso.
Arqueologia foucaultiana
"Meu objetivo [nos ltimos vinte anos] foi criar urna histria dos
dife-rentes modos pelos quais, em nossa cultura, os seres humanos
tornaram-se sujeitos", esclarece FOUCAULT num tom quase
confessional. 8
E em A Arqueologia do Saber, tal preocupao tambm se apresenta,
como possvel
observar nos ttulos
dos captulos e sees: unidades do discurso, formaes discursivas,
enunciados, arquivos e funes enunciativas.
Para FONSECA (1995:14 - 17), o que FOUCAULT promove nesta
ar-queologia uma verdadeira "desconstituio da noo de sujeito como
um dado preexistente, como uma essncia perene e portadora de um
sentido, presente indefinidamente na histria". E o objetivo que
norteia FOUCAULT uma espcie de "libertao da histria do pensamento
de sua sujeio transcendental". Essa operao estaria assentada na
cren-a de que as modalidades enunciativas no seriam
ligadas a urna unida-
de de sujeito, mas sim se constituiriam numa prova de sua
disperso.
Assim, o sujeito do enunciado no coincide corn o autor de urna
dada formulao, 9 mas o lugar do sujeito urna funo vazia, posio que
varia ao longo de uma estruturao de espaos. Dessa forma ainda,
"descrever uma formulao enquanto enunciado", para FOUCAULT,
"no
consiste em analisar as relaes entre um autor e aquilo que ele
disse (ou quis dizer ou disse sem querer)", mas "determinar qual a
posio que pode e deve ocupar todo
indivduo para nela ser o sujeito". Como da metodologia
foucaultiana explicar os objetos a partir de
suas prticas [cf. TRONCA (1987:9)], FOUCAULT se volta para as
prticas
FOUCAULT (1995: 231). 9 0 sujeito dividido no seu interior e em
relao aos outros (FOUCAULT; 1995:231).
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122 Multiplicidades, arqueologia e anlise do discurso
que vo constituir os sujeitos, sendo a discursiva apenas mais
uma delas. Noes
como enunciado, discurso e arquivo vo ento merecer
conceituaes mais detalhadas e cuidadosas. Enunciado, por
exemplo, difere da frase, da proposio, do ato de
fala. No uma estrutura, mas uma "funo que cruza urn domnio de
estruturas e de unidades
possveis e que os faz aparecer no tempo e no espao com contedos
concretos"(FOUCAULT, 1971:105 - 115). 0 enunciado pertence a uma
formao discursiva, que a instncia promotora de sua regularidade. E
sendo elemento de uma dada formao discursiva, o enun-ciado deve
obedecer regras de formao, que, como o nome j indica, funcionam
corno as normas de sua condio de existncia. 0 enunciado tambm a
unidade minima discursiva, e por conseqncia, um conjunto de
enunciados soma um discurso. Ciente de que tais explicaes podem
sus-citar equvocos tericos, FOUCAULT adverte (idem: 61-62):
O discurso, assim Concebido, no a manifestao majestosamente
desenvolvida de um sujeito que pensa, que conhece, e que o diz: ,
ao contrrio, um conjunto em que podem ser determinadas a disperso
do sujeito e sua descontinuidade em relao a si mesmo. um
espao de exterioridade em que se desenvolve uma rede
de lugares distintos.
Um conjunto de regras histricas, determinadas
espao-temporal-mente e annimas definem as condies de exerccio
da funo enunciativa, e para o exerccio de tal funo so
necessrios:
a) um referencial, que mais um principio de diferenciao do que
propriamente um fato ou objeto; b) um sujeito, que uma posio, uma
funo a ser ocupada; c) um campo associado, que diferente de um
contexto ou de uma situao/conjun-tura, e funciona mais como um
terreno de coexistncia de outros enunciados; d) uma materialidade,
que no apenas matria ou suporte de articulao
lingus-tica,
mas possibilidades de usos. "Ela constitutiva do prprio
enunciado: o enunciado precisa ter uma substncia, um suporte, um
lugar e uma data. Quando esses requisitos se modificam, ele prprio
muda de identidade" (ibidem: 1 1 6).
FOUCAULT, ento, desenha as regras que fazem de urn
enunciado,
reformula o conceito de arquive - agora pensado corno "sistema
que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos
singulares" (1971:150) -, abandonando a noo acumulativa (sorna de
textos)
empre - 10
essa razo, DELEUZE (s/d) vai anunciar a chegada de -um novo
arquivista na cidade".
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gada na maioria das vezes pelos historiadores. Assim, o arquivo
ganha novos contornos e se transforma no jogo das dizibilidades do
sistema da discursividade.
Corno 'lei do que pode ser dito', corno 'sistema que rege o
aparecimento dos enunciados enquanto acontecimentos singulares o
arquivo, diz FOUCAULT 'define um nvel
particular', qual seja, o de uma 'prtica que faz surgir uma
multiplicidade de enunciados como outros tantos acontecimentos
regulares, como outras tantas coisas oferecidas ao tratamento e a
manipulao'. Diferentemente da lingua (que 'define o sistema de
construo das frases possveis) e do corpus (que 'recolhe
passivamente as palavras pronunciadas), o arquivo, entendido corno
'sistema geral da formao e da transformao dos enunciados', aquilo
que faz aparecer as regras de uma
prtica' na qual os enunciados podem `ao
mesmo tempo subsistir e modificar-se regularmente' (ORLANDI:
1987:28).
Diante de todos esses dados lanados, o mesmo ORLANDI quem frisa
no papel de uma teoria-metodologia como essa arqueologia criada por
FOUCAULT: ela no uma hermenutica, nem mesmo
anlise simbli-ca ou causal. Bem mais fundo, a arqueologia quer
determinar formas es-pecificas de articulao, no dizer foucaultiano,
entre as formaes discursivas e os
domnios no-discursivos. Mesmo porque o que interessa a FOUCAULT
no o discurso em si, mas as condies de
possibilidade do
discurso, cuja configurao resulta na noo de formao discursiva.
Ela [a arqueologia] quer situar-se num 'outro nvel', aquele no qual
ela consiga mostrar 'como e a que titulo' certo sistema no
discursivo, certa 'prtica politi-ca', por exemplo, faz pane das
condies de emergncia, de insero e de funcio-namento de determinada
formao discursiva. Em contrapartida, com a explo-rao desse nvel
pela anlise arqueolgica,
podero ser 'percebidos, situados e
determinados' os fenmenos privilegiados pelas outras anlises, as
simbolizaes, os efeitos" (idem: 32).''
A arqueologia quer descobrir o terreno de
existncia/funcionamento das prticas discursivas, suas maquinaes,
tarefa que exige ateno para
uma disciplinahistrica, j que o objetivo encontrar todo um si
ste-ma de instituies, de relaes e processos sobre os quais pode se
arti-cular urna dada formao discursiva. Por essa razo, TRONCA
(1987:8) " Uma declarao do prprio
FOUCAULT refora esse pargrafo:
Sem dvida, os mecanismos de sujeio no podem ser estudados fora
de sua relao com os mecanismos de explorao e domina-gdo. Porm, no
constituem apenas o 'terminal' de mecanismos mais fundamentais.
Eles mantm relaes complexas circulares COM outras formas' (1995:
236).
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124 -- Multiplicidades, arqueologia e anlise do discurso
afirma que a histria vai servir a FOUCAULT no mais para narrar
os fatos, mas como suporte de demonstrao das prticas engendradoras
dos objetos de anlise
escolhidos. FOUCAULT adverte que o ponto nevrlgico
simultaneamente
discernir os acontecimentos, "diferenciar as redes [discursivas]
e os ni-veis a que pertencem e reconstituir os fios que ligam e que
fazem corn que se engendrem, uns a partir dos outros" (1979:5). Por
isso, ele rechaa as anlises
de outro tipo que passam pelo terreno do simblico e pelas
estruturas significantes. A opo foucaultiana vai ser operar com
urna anlise
que faa urna genealogia das relaes de fora, e a referncia que se
precisa ter para tal oficio no modelo lingilistico, mas o da
guerra, do jogo e do confronto de foras.
Multiplicidade deleuzeana
0 conceito de multiplicidade em DELEUZE remonta ao casamento de
noes vindas da cincia (via RIEMANN) e da filosofia (atravs de
BERGSON), e o prprio DELEUZE quem aponta para essas raizes
conceituais. Dessa forma, e nessa forma, o mltiplo deixa de ser
adjetivo - que qualifica o urn - para ganhar corpo corno
substantivo (e geralmente ser usado no plural) para tambm receber
substancialidade. A partir da bifurcao da
multiplicidade bergsoniana - multiplicidade de termos
jus-tapostos no espao e multiplicidade dos estados que se fundem
na
dura-co -, e do apoio da
fsica relativista de Reimann, DELEUZE parte para urna
terminologia prpria: chama de virtual, a multiplicidade marcada
pelo tempo universal, e de atual, a multiplicidade invadida por
vrios tem-pos, sendo que cada tempo destes uma partcula da durao.
Somadas as duas noes, tem-se um sistema-multiplicidade: 2
Mais pragmaticamente, poder-se-ia avanar na conceituao,
dei-xando de lado os microdesdobramentos internos da teoria e
apontar para o conceito de multiplicidade como um sistema de
Werenas. A atitude ga-nha ressonncia quando se traz A. tona um
pouco da obra que DELEUZE comungou com GUATTARI, e que bem mais
prxima historicamente do que os estgios iniciais. Assim, pode-se
recuperar "multiplicidades" como
12 CARDOSO JNIOR (1996: 151-157) lembra que esta discusso acerca
da multiplicidade no livro de DELEUZE sobre BERGSON
est mais ligada problemtica da durao, mas DELEUZE ainda
avanaria na busca conceitual em livros como Diferena e repetio e
Lgica do sentido, onde a questo se expande e adquire alcance
ontolgico "ao mesmo tempo em que o conceito de multipli-cidade
ganha uma definio isenta de dualismos."
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sua forma de realizao,
nas palavras de DELEUZE-GUATTARI: o rizoma. Metfora elaborada
habilmente contra o sistema arbreo, radicu lar e hie-rrquico, o
rizoma uma espcie de raiz que no se expande para baixo reproduzindo
o movimento do caule, de forma verticalizante, mas se esten-de em
rede, em teias de sindpses, dando a materialidade ideal do que vm a
ser as multiplicidades.n Urn rizoma feito de plat/6s, que nada mais
so do que multiplicidades conectveis "com outras hastes
subterrneas su-perficiais de maneira a formar e estender um
rizoma" (1995:33).
No s a metfora, como o projeto como um todo, levado to
a srio que Mil Plats
ser construido de maneira mltipla
tambm, COMO
frisa o prefcio de sua edio italiana: o livro "6 urna teoria das
multipli-cidades por ela mesma, no ponto em que o mltiplo passa ao
estado de substantivo". E prossegue:
As multiplicidades so a prpria realidade, e no supem nenhuma
unidade, no entram em nenhuma totalidade e tampouco remetem a um
sujeito. As subjetivaes, as totalizaes, as unificaes so, ao
contrrio, processos que se produzem e aparecem nas
multiplicidades
(1995:8).
No primeiro texto do titulo - que no Brasil foi editado
"multiplicita-riamente" em cinco volumes-, RIZOMA, DELEUZE &
GUATTARI partem para uma senda que j havia sido sinalizada por
FOUCAULT, o caminho do funcionamento. No se deve perguntar o que um
livro quer dizer, mas "com o que ele funciona (...), em que
multiplicidades ele se introduz e metamorfoseia a sua". As
multiplicidades no so estruturas, mas pon-tos de encontro, plats
que convergem, divergem, se cruzam, estabele-cem relaes. Nos
rizomas, no h pontos, h linhas apenas. E como o rizoma a forma
de
realizao das multiplicidades, necessrio mostrar sob quais
princpios ele existe. So eles:
a) e b) princpios de conexo e de heterogeneidade: qualquer ponto
de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve s-lo; c)
principio de multiplicidade: somente quando o mltiplo efetivamente
tratado como
substantivo, multiplicidade, que ele no tem mais nenhuma relao
coin o uno como sujeito ou como objeto; d) principio de ruptura
a-signficante: um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar
qualquer, e tambm
retoma segundo uma ou outra de suas linhas e
Na natureza, por exemplo, os cogumelos se apoiam em teias
rizomaticas, no possuindo raizes convencionais. 0 sistema botnico
aproveitado por DELEUZE e GUATTARI para a montagem da
metfora desestruturante.
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126 Multiplicidades, arqueologia e anlise do discurso
segundo outras linhas; e) e f) princpios de cartografia e de
decalcomania: um rizoma no pode ser justificado por nenhum modelo
estrutural ou gerativo (idem: 15 -21)
Esses princpios do as linhas gerais de corno se tece o rizoma,
no corno decalque, como fazem
questo de distinguir DELEUZE & GUATTA-RI, mas como mapa,
como cartografia mesmo de mltiplos, de diferen-as." E por ser esse
complexo de multiplicidades que o rizoma possui linhas de
segmentaridade, que lhe permitem ser recortado, significado,
conectado, mas h tambm linhas de fuga, que lhe possibilitam ser
desterritorializado. Ele opera por
expanso, por captura, vai se constru-
indo, se alterando. 0 rizoma - como forma de realizao das
multiplici-dades - confronta regimes signicos diversos, inclusive
no-signicos; no vai ao Uno nem ao mltiplo, no feito de unidades,
mas de dimenses, plat6s,' 5 "ndo tem comeo nem fim, mas sempre um
meio pelo qual ele cresce e transborda"(32); no comea nem finaliza,
mas est no entre-meio, por entre as coisas: Estar entre no localiza
um
domnio, mas
condiciona um movimento perpendicular, transversal - numa
terminolo-gia mais guattariana. Por fim, se o modelo arbreo
hierarquia e filiao, "o rizoma aliana" (37).
particularmente caracterstica
de DELEUZE essa metodologia de trabalho sobre a forma, sobre a
imagem do objeto. MACHADO (1990:9) qualifica a trajetria deleuzeana
mais como uma geografia do que urna histria do pensamento. No se
faz ali uma histria linear e progressiva, mas uma constituio de
espaos, de modo que para essa geografia, o pensamento, do ponto de
vista do conteildo e de sua prpria forma, "em vez de constituir
sistemas fechados,
pressupe eixos e orientaes pelos
quais se desenvolve". Assim, segue Machado na definio deleuzeana
de enunciado, segundo a qual uma funo que "cruza as diversas
uni-dades lingUisticas (...), traando uma diagonal, uma
transversal"; "uma funo primitiva annima, uma multiplicidade
topolgica que atravessa os diversos
nveis" (185).
Ento, um enunciado ou um grupo deles, ou ainda uma formao
discursiva, so multiplicidades. E mais especificamente, os
enunciados ca-
14 por essa razo que "as multiplicidades se definem pelo fora:
pela linha abstrata, linha de
fuga ou desterritorializao segundo a qual elas mudam de natureza
ao se conectarem As outras" (1995:17).
'' Em entrevista ao Lib ration,
na ocasio em que lanava Mil Plats, Deleuze define: "0 que
Guattari
e eu chamamos de rizoma precisamente um caso de sistema aberto"
(DELEUZE: 1992, 45).
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ractersticos de FOUCAULT so enunciados diagramticos, porque eles
fa-zem emergir enunciados dominantes de um dado tempo em estreita
relao com o que produzido neste mesmo tempo. Para desvendar esses
diagra-mas,
imprescindvel estar inserido num regime enunciativo distinto.
Nas
palavras econmicas de ORLANDI (1987:41):
"0 novo arquivista vem a ser um novo cartgrafo por fora de urn
diagramatismo que tematiza o proble-ma de multiplicidades distintas
estarem em pressuposio reciproca." 16
Quando os plats
se cruzam
Muito provavelmente, a articulao entre as trs dimenses teri-cas
- a
Anlise do Discurso, a Arqueologia foucaultiana e a Teoria
deleuzeana das Multiplicidades que anunciei na introduo deste
arti-go, j se tenha desenhado no horizonte de entendimento do
leitor. No entanto, a titulo de
concluso, quero alinhavar alguns pontos que mere-
cem destaque e, em certos momentos, repetio. A comear pelas
afinidades tericas dos autores aqui citados, que
se deram em mais de um momento em suas trajetrias. DELEUZE j
disse, e na verdade ao prprio FOUCAULT (1979:69), que "as relaes
teoria-prtica so muito mais parciais e fragmentrias", e anos mais
tar-de, que a arqueologia foucaultiana era "o passo mais decisivo
de urna teoria-prtica das mu ltipl icidades" (s/d: 34). FOUCAULT,
por sua vez, j afirmara que
"talvez um dia, o sculo seja deleuziano"(1997:46). Indepen-dente
de qualquer troca de elogios intelectuais ou de algum deslumbre de
amizade, a afinidade entre ambos - e tambm de GUATTARI - se d
numa perspectiva essencialmente conceitual. Em entrevista sobre
o Ian-amento com GUATTARI de 0 Anti-tdipo, DELEUZE (1992:34) aponta
muito brevemente o que os diferencia de FOUCAULT:
Nosso mtodo no o mesmo, mas temos a impresso de que nos
encontramos com ele em diversos pontos, que nos parecem essenciais,
caminhos que ele .foi o primeiro a tragar.
E aqui, temos o ponto de articulao entre a empresa foucaultiana,
os mil plats de DELEUZE & GUATTARI e a AD, pois no se trata de
serem as
trs a mesma coisa. Seus mtodos no so coincidentes e as trs
pers-
Evidentemente, aqui, as remisses so aos termos usados por
DELEUZE em FOUCAULT, livro que publica aps a morte do
amigo-filsofo.
-
128 Multiplicidades, arqueologia e anlise do discurso
pectivas no se reduzem a si mesmas atendendo a uma sinonimia
reduto-ra. Enquanto DELEUZE & GUATTARI trabalham numa direo
mais metafisica, com tangentes esquizoanaliticas, FOUCAULT tambm
conduz suas pesquisas por um vies mais filosfico mas diferenciado.
A
Anlise do
Discurso, por sua vez, apenas bebe na fonte da filosofia alguns
conceitos que possam contribuir para sua empreitada
lingustica. Enquanto DELEUZE & GUATTARI desenham novas
cartografias para os fenmenos, FOUCAULT persegue o entendimento dos
processos de subjetivao e assujeitamento e a AD busca a
anlise da superficie linguistico-histrica dos discursos. Sao
devires distintos, com metodologias diferenciadas, mas com pontos
de convergncia e interligao. Como os
plats. Como as multiplicidades.
E porque no so iguais, em Mil Plats, as diferenas entre as
trajetrias retornam: "0 rizoma uma antigenealogia" (1995:20). Mas
no que contradissesse tudo o que j havia sido posto, mas porque o
rizoma a forma de realizao das multiplicidades, no se configura
como uma estrutura, mas uma rede de dimenses, no se preocupa corn a
escanso genealgica, com os estratos das relaes de poder que
FOU-CAULT busca''. No h contradio, afinal o rizoma um mapa das
multiplicidades, enquanto que a geneaologia e
tambm a arqueologia so
metodologias operatrias para a prospeo das relaes de poder nos
saberes e nos discursos. Mas apesar disso, o leitor no se deve
iludir achando que FOUCAULT esteja seduzido por um fazer
estruturalista. FOUCAUL'T vai atrs das prticas "constituidoras" de
sujeio, dos mo-dos de subjetivao, das formas de assujeitamento, do
funcionamento e no da maquinaria estrutural. Segundo ele (1996:30),
alguns de seus con-temporneos tm trajetrias paralelas a sua:
Nem DELEUZE, nem LYOTARD, nem GUATTARI, nem eu nunca fazemos
anli-
se de estrutura, no somos absolutamente estruturalistas
(..)fazemos pesquisas
de dinastia (..) procuramos fazer aparecer (..) as relaes de
poder.
este tipo de compromisso politico-intelectual que tambm aglutina
as
trs dimenses tericas corn as quais trabalho aqui. Se por sua
vez, as preocupaes foucaultianas so com a totalizao e com a
individualiza-
isto que eu chamaria de genealogia, isto , uma forma de histria
que d conta da
constituio dos saberes, dos discursos, dos domnios
de objeto, etc., sem ter que se referir a um sujeito, seja ele
transcendente com relao ao campo de acontecimentos, seja
perse-guindo sua identidade vazia ao longo da histria (1979:7).
-
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o extremada, DELEUZE & GUATTARI se digladiam contra a
repetio, apontando para a diferena, para o mltiplo como uma saidai
8 . De urna outra forma, a
Anlise do Discurso (AD) por ser um espao critico den-
tro dos estudos da linguagem, e por se constituir na contradio
da rela-o entre outras disciplinas (cf. ORLANDI: 1996, 23),
instaura problemti-cas na
Lingstica, quando traz a exterioridade do discurso para
dentro
da pesquisa da linguagem.
Ao importar, por exemplo, a noo foucaulti-ana de formao
discursiva, a AD traz para dentro do terreno linguistic() a
exterioridade constitutiva do discurso, desestabilizando a noo de
trans-parncia da linguagem e fazendo com que os usurios dessa mesma
linguagem
atentem para as condies de produo discursiva que permi-tem (e
determinam) seu uso:
Se a lingstica deixa de fora a exterioridade (que o objeto das
cincias sociais) e as cincias sociais deixam para fora a linguagem
(que o objeto da
lingstica.), a AD coloca em questionamento justamente essa relao
excludente, transfbr-mando, por isso mesmo, a prpria noo de
linguagem (em sua autonomia abso-luta) e a de exterioridade
(histrico-emprica) (ORLANDI: 1996, 26).
O compromisso terico-politico citado anteriormente
tambm tem
sua edio na AD, principalmente no fato de possibilitar a
emergncia de novos sentidos nos enunciados. Quer dizer, s de o
sentido ter sua univocidade questionada j abre espao para novas
significaes, dife-rentes articulaes, outros efeitos de sentido. E
mesmo a preocupao de se voltar alvo sobre as formaes discursivas,
na tentativa de mapear os movimentos de funcionamento discursivo (e
no pensar foucaultiano, desvendar os processos de assujeitamento e
modos de subjetivao) tam-bm uma amostra desse compromisso tico.
SILVA (1997:747) enxerga "na deteco e na potencializao das
resistncias e dos desafios ao impulso totalizante do poder" o lugar
e a
razo de ser da AD. SOUZA
(1997:12) aponta ainda a "estreita relao" que a AD mantm com
FOU-CAULT, o que me leva a pensar, por extenso, que ambas as
dimenses tericas compartilham pontos desse compromisso tico.
Se formos encarar a questo
por este prisma, podemos tranqila-
mente considerar a AD como uma arqueologia de enfoque
translingiiistico.
No se quer dizer que a arqueologia iniciada por FOUCAULT no
seja
18 "t isso que nos interessa: a esquize
revolucionria por oposio ao significante desptico", respondem em
unssono em entrevista a L'Arc, em 1972 (DELEUZE, 1992:36).
-
130 Multiplicidades, arqueologia e anlise do discurso
"trans", muito pelo contrrio. Mas esta AD constitutivamente
trans-cendente do campo lingUistico, sem ao menos se eximir de tal
tarefa. PCHEUX & FUCHS (1990:188) atentam para o fato de que
apesar de o objeto de estudo da AD - o discurso - ser de natureza
scio-histrica, o lingUistico se apresenta como pressuposto, e por
isso a prtica de
anlise lingilistica imprescindvel,
embora de forma isolada se demonstre insu-ficiente. Na comparao
entre as duas arqueologias, a superposio de suas definies no
causaria maiores transtornos guardadas as devidas propores de cada
urna delas. 19
Em outros termos: a AD, como a arqueologia foucaultiana, se
de-brua sobre os enunciados [que so multiplicidades, conforme
DELEUZE (s/d:33)] na tentativa de aclarar os mecanismos de seus
funcionamentos. Urna das diferenas mais notveis que distingue a
primeira da segunda o fato de trabalhar tambm sobre o lingUistico,
operando categorias sin-tticas e outros elementos do ncleo
rgido da lingua. E claro que em
operaes como essa, a busca da subjetividade e dos modos de sua
constituio so caminhos naturais e incontornveis. Os pontos de
dis-persdo de enunciados, as singularidades discursivas, os
agenciamentos coletivos de enunciao, as transversalidades, enfim,
os substantivos maltiplos so estratos de uma escavao
ilimitada.
As trs perspectivas tericas aqui revisitadas tm outro ponto de
articulao: o sujeito. Enquanto FOUCAULT busca ao longo de sua obra
os processos de assujeitamento e subjetivao, responsveis pela
inser-o de um sujeito em determinada situao (o preenchimento desta
po-sio vazia, como est na Arqueologia do Saber), a
Anlise do Discur-
so tambm se preocupa corn este trao de identidade. 0 conceitual
te-rico da AD, atendendo a uma orientao lacaniana, entende que o
sujei-to no centrado e sequer fonte dos sentidos que enuncia. No
final das contas, pode-se considerar o sujeito no plural, como uma
dessas multipli-cidades a que DELEUZE apontava em seus escritos. 0
sujeito acaba se revelando mais uma encruzilhada dos
plats. A esquina terica entre as trs perspectivas torna o
resultado
desta convergncia no apenas a soma de trs
vertentes diferenciadas e muito complementares. A absoro pelos
analistas do discurso da noo foucaultiana de formao discursiva
conceito que a AD no
' 9 A definio de PCHEUX (1990: 60) ajuda na comparao com a
arqueologia foucaultiana: "A
anlise do
discurso, tal como ela se desenvolve atualmente (...) se d
precisamente como objeto explicitar e descrever
montagens, arranjos scio-histricos de constelaes
de enunciados."
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Revista de Cincias
Humanas, Florianpolis, n.25, p. 117-132, abril de 1999 131
pode mais prescindir-, e a utilizao da Multiplicidade deleuzeana
para a compreenso
de tpicos como enunciado, discurso e mesmo formao discursiva do
sustentao conceitual
s trilhas analticas da AD. Isso
porque a articulao entre FOUCAULT e DELEUZE traz AD elementos no
tab prprios aos estudos lingsticos, devido as suas atuais orientaes
de foco. 0 entendimento formal do que vm a ser os discursos (teias
rizomticas e, portanto, mltiplas), como se formam estes discursos
(no por meros enunciados, mas por multiplicidades) e de que forma
eles se relacionam (nas secantes dos rizomas), tudo isso pode se
valer de heranas de fora da Linguistica, de uma outra ordem do
pensamento. Eis pelo menos um motivo que justi fica esta
convergncia terica.
Para os que se localizam na AD, algumas das direes apontadas por
DELEUZE e FOUCAULT servem de luz de farol para novas pesquisas 110
campo terico, respostas que possivelmente ainda no foram
suficientemente buscadas. FOUCAULT preocupou -se com os aspectos
no-linguisticos/extra-discursivos das prticas discursivas, DELEUZE
centrava seu foco no jogo das diferenas, na oposio ao modelo
arborescente chomskiano hoje quase um paradigma totalitrio e total
izante na LingUistica. A articulao deste olhar para fora (FOUCAULT)
com este olhar para si e para os lados, perdendo de vista a
extenso e os limites (DELEUZE), do ao
analista de discurso uma
amplido maior no
trato de seu objeto, no encontro de suas questes. No outro
extremo, para os foucaultianos, tomar contato com a AD
vai permitir uma retomada de uma trilha fechada e esquecida pelo
prprio FOUCAULT em seus escritos: a materialidade
lingustica, superfcie da prtica
discursiva que ainda reserva muitos elementos preciosos para o
trabalho arqueolgico. J para os deleuzeanos, a interface
AD-FOUCAULT positiva porque possibilita enxergar a interpretao de
enunciados enquanto uma prtica de leitura criativa de mundos, de
realidades, de significados, como a prtica-processo de criao de
conceitos, devir do filsofo.
Se de fato a teoria no totaliza,
mas se multiplica e multiplica, con-forme pensa DELEUZE, "6
preciso continuar as sries, atravessar os ni-veis, transpor os
limiares" e "formar uma transversal, uma diagonal m-vel onde
deve mover-se o arquivista arquelogo". 20
Quem sabe assim, no cruzamento dos
plats, as multiplicidades nos paream
to mais estd-veis e seguras quanto nos so perturbadoras.
20 DELEUZE (s/d: 42).
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132 Multiplicidades, arqueologia e anlise do discurso
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