MODA – INSTALAÇÃO: Corpo, subjetivação e consumo Em qualquer que seja a cultura, o modo de organização das relações com o corpo reflete a articulação deste com bens materiais e simbólicos e sua inscrição na sociedade. O corpo é atualmente super investido de sentido e a publicidade, segundo Baudrillard 1 , tem basicamente a função de narrar estas relações, funcionando ela mesma como objeto de consumo, como conotação e código distintivo. Daí a importância de uma antropologia do consumo para o estudo do homem contemporâneo. Minha proposta é pensar a cultura nos anos 2000, a partir do relacionamento do corpo e da moda, refletindo sobre as conexões entre as mais diversas áreas do saber das quais a moda foi progressivamente se apropriando na produção publicitária do consumo. Ganha espaços virtuais e concretos como demonstra a manchete “Rio top model” 2 . Segundo Lúcia Santaella 3 , atualmente, há uma crescente convergência no mundo do consumo entre várias áreas da comunicação, notadamente com as artes, sobretudo devido à explosão das redes planetárias de computadores e o acesso ao banco de imagens e sites de 1 BAUDRILLARD, Jean. La société de consommation: ses mythes ses structures ; préface J. P. Mayer. Paris: Denoël, 1970. – (Collection Folio/Essais). 2 MARRA, Heloísa e NOVAES, Carolina Isabel. “Rio top model: estilistas usam a beleza e a história da cidade como cenário e tema”. In: O Globo, caderno Ela. 03 de junho de 2006. p. 2. 3 SANTAELLA, Lúcia. Por que as comunicações e as artes estão convergindo? São Paulo: Paulus, 2005. – (Coleção Questões fundamentais da Comunicação, n. 5).
Em qualquer que seja a cultura, o modo de organização das relações com o corpo reflete a articulação deste com bens materiais e simbólicos e sua inscrição na sociedade. O corpo é atualmente super investido de sentido e a publicidade, segundo Baudrillard , tem basicamente a função de narrar estas relações, funcionando ela mesma como objeto de consumo, como conotação e código distintivo. Daí a importância de uma antropologia do consumo para o estudo do homem contemporâneo.
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MODA – INSTALAÇÃO: Corpo, subjetivação e consumo
Em qualquer que seja a cultura, o modo de organização das relações com o corpo
reflete a articulação deste com bens materiais e simbólicos e sua inscrição na sociedade. O
corpo é atualmente super investido de sentido e a publicidade, segundo Baudrillard1, tem
basicamente a função de narrar estas relações, funcionando ela mesma como objeto de
consumo, como conotação e código distintivo. Daí a importância de uma antropologia do
consumo para o estudo do homem contemporâneo.
Minha proposta é pensar a cultura nos anos 2000, a partir do relacionamento do corpo
e da moda, refletindo sobre as conexões entre as mais diversas áreas do saber das quais a
moda foi progressivamente se apropriando na produção publicitária do consumo. Ganha
espaços virtuais e concretos como demonstra a manchete “Rio top model”2. Segundo Lúcia
Santaella3, atualmente, há uma crescente convergência no mundo do consumo entre várias
áreas da comunicação, notadamente com as artes, sobretudo devido à explosão das redes
planetárias de computadores e o acesso ao banco de imagens e sites de artistas. Beatriz Sarlo4
sintetiza: a moda como cultura da velocidade e da nostalgia, do esquecimento e dos festejos
de aniversários, cultiva com igual entusiasmo o estilo retrô e a busca da novidade. É a
paradoxalidade da busca de signos de identidade em um mundo unificado pela Internet e
pelos satélites. A estética periférica e seu capital cultural corporal se instalará nesta dinâmica
com os espaços midiáticos e tal diálogo sobre a voz da periferia será objeto de numerosas e
conflitantes declarações.
Antes de abordarmos propriamente o tema de nossa apresentação “A moda instalação
nos anos 2000”, referiremos algumas dinâmicas foram por nós estabelecidas entre a
construção do imaginário corporal e a estética da moda, delineando um certo “ar do tempo”
nas décadas que se sucederam dos anos 50 ao momento atual. Com esta estratégia não
quisemos apontar movimentos hegemônicos, mas tendências com traços cuja significação 1 BAUDRILLARD, Jean. La société de consommation: ses mythes ses structures; préface J. P. Mayer. Paris: Denoël, 1970. – (Collection Folio/Essais). 2 MARRA, Heloísa e NOVAES, Carolina Isabel. “Rio top model: estilistas usam a beleza e a história da cidade como cenário e tema”. In: O Globo, caderno Ela. 03 de junho de 2006. p. 2.3 SANTAELLA, Lúcia. Por que as comunicações e as artes estão convergindo? São Paulo: Paulus, 2005. – (Coleção Questões fundamentais da Comunicação, n. 5).4 SARLO, Beatriz. Tiempo-Presente: notas sobre el cambio de una cultura. Buenos Aires; Argentina: Siglo XXI Editores Argentina S.A., 2001. p. 98.
mereceu um registro e que marcam o constante crescimento do alcance do universo fashion,
ultrapassando de longe a questão do vestuário para atingir o estilo de vida dos indivíduos nas
complexas escolhas efetuadas no campo estético, científico e ético.
Nos anos 50, a primeira década por nós apontada, encontramos a moda/proposta,
referente a importação dos padrões estrangeiros comum ao que Lipovetsky chamou “Moda
dos Cem anos”. O corpo da brasileira apresentava-se dócil e a criatividade apenas se esboça
no final da década quando explode a influência americana e o mundo “pop” das imagens com
o desenvolvimento da indústria cultural. A moda/prótese apontou nos anos 60 e 70 a moda
como uma extensão do corpo para expressar linhas de liberdade, contestação e novos
imaginários como o espacial. O surgimento da câmera de vídeo portátil trouxe impacto para a
publicidade televisiva, que passou a ser mais experimental do que formal. O vídeo se ajustou
com precisão ao clima de liberação sexual e protesto político típico do final dos anos 60 e
início dos 70. A moda/fetiche nos anos 80, marcada pelo desenvolvimento das
multinacionais, dos shopping centers e pela importância das marcas que pareciam mais
importantes que o próprio corpo, verdadeiros fetiches. Constitui um marco dessa importância
a compra da Kraft pela Philip Morris por um preço seis vezes maior do que valia no papel.
Empresas como Nike, Microsoft afirmavam que graças a liberalização do comércio e a
reforma das leis trabalhistas, a terceirização ganhava importância e a eles caberia não criar
coisas, mas imagens de suas marcas. Da fábrica ao marketing na corrida pela ausência de
peso. A moda dos anos 90, a moda que chamamos de moda/álibi, por deslocar questões
ligadas à ética e à política para o fórum global e multicultural das passarelas. com a expansão
da representação da diversidade nos anos 90 que vem em resposta as solicitações das minorias
de representação na mídias. De alguma forma, assinala Naomi Klein que as estratégias da
moda nesse sentido acabam por criar etiquetagens politicamente corretas, que não atendem
exatamente ao movimento de dar voz às diferenças.
O que queremos sublinhar nos anos 2000 é a ampliação desta narrativa de apropriação
da moda que se desloca incessantemente abarcando de forma criativa espaços reais, recursos
tecnológicos, com uma especial identificação com o mundo da arte, enfatizando novos
processos de subjetivação e ambientação do sujeito contemporâneo com sutis estratégias de
envolvimento, nos quais o fortalecimento das marcas é o que mais importa quando se pensa
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no licenciamento de uma infinidade de produtos. É a moda que estamos chamando de
instalação. Além da questão de propiciar uma provocação para a percepção do
contemporâneo, a moda no seu viés instalação, cria eventos que por sua espetacularidade
reforçam a marca. A gestão da marca é o grande desafio no capitalismo de imagens que não
pára de criar pseudo-sujeitos e pseudo-acontecimentos. A marca fabrica verdadeiros romances
e narrativas provenientes de diversos campos com alusões, notadamente, às novas
tecnologias.
O processo de subjetivação passa por trânsitos diversos em que somos passivos e
ativos dinamicamente. O poderio da economia global vai suscitar discussões sobre
homogeneização e/ou diferenciação e sobre a intervenção de indivíduos, de grupos e das
nações. Os fluxos acelerados, obviamente, provocam novas percepções, criam
descentramentos e desequilíbrios, bem como uma consciência crescente da necessidade de
criar espaços próprios e diferenciais que se tornam um dado fundamental da sociedade do
consumo e da visibilidade.
As perguntas sobre como subjetivar-se no momento atual, como se inscrever num
processo de auto-reflexão resultam, no campo da moda, no que estamos chamando de
moda/instalação que se constitui como sofisticação dos processos de apropriação estética. Os
produtores e estilistas preocupam-se com a elaboração de climas que sugerem a complexidade
da subjetivação contemporânea e buscam a interação maior com o público, já que a
interatividade e a multiplicidade de escolhas, os ambientes imersivos, tornam-se palavras
passe no trânsito produção/consumo. A possibilidade oferecida a todos parece ser a da escolha
do diálogo, da interferência, da reorganização ambiental.
A errância das coleções pelos espaços das cidades São Paulo ou Rio, como exemplo,
exemplificam esta técnica de instalar marcas através da ocupação performática dos espaços. A
dinâmica Daslu/Daspu é um exemplo. Nada se perde, tudo é recuperado pela publicidade.
O momento é de festejo do efêmero e as antenas da moda farejam sempre mais as
tendências artísticas. A “instalação” como proposta que ganha terreno, segundo críticos e
curadores, coloca o espectador definitivamente como co-autor da obra num processo que,
concomitantemente, instaura novas possibilidades de subjetivação em que todos os sentidos
são conclamados a interagir em espaços multimidiáticos. Se o resultado nem sempre
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corresponde, esta parece ser a proposta recorrente dos teóricos. No campo da moda, as
tendências mais fortes seguem esta linha sempre mais espetacular em que o espaço
meticulosamente programado não é apenas lugar de uma encenação, mas efetivamente,
terreno de uma inscrição do corpo. Daí a preocupação crescente na escolha das diferentes
ambiências. As pretensões criativas vão do lúdico carnavalesco à sugestão de espaços que
beiram o sagrado; do conceitual ao escultural. O caderno Ela, de 17 de janeiro de 2004, trazia
a manchete “Atraído pelo efêmero da moda, Tunga criou a instalação para um desfile, em que
modelos se transmutavam em sereias”. A matéria comenta que um de seus trabalhos mais
bonitos foi uma performance feita por sete meninas, em longas túnicas gregas, que passearam
na estação de trem durante a Bienal de Veneza, sustentando, como as cariátides, um
gigantesco canotier (chapéu de palha), feito pelo chapeleiro do Hermès. Acima do chapéu,
sete crânios balançavam, contrapondo o plano da morte ao chapéu, templo do plano terreno5.
Segundo informações do site “Dumas Amenidades”, foi criada para o evento SPFW,
em 2005, uma programação de projeções, que vai tomar conta de 700 m2 da fundação. Mais
de 40 projetores são instalados e equipados com lentes especiais, sendo controlados por uma
central de computadores para criar imagens de até sete metros de altura. Referências visuais
relacionadas às áreas de artes plásticas, fotografia, cinema, vídeo, história, música,
arquitetura, indumentária e design tomam o espaço e o prédio da Bienal se transforma numa
grande instalação em que as dez mil pessoas, que freqüentam a SPFW diariamente, entram
como participantes.
Nesta linha ambiental No lançamento outono-inverno 2006 no MAM, a palavra clima
dominou, apontando o tema “Horticultural” e a necessidade de conexão com o ecossistema.
Segundo Eloysa Simão, organizadora do evento, “essa mistura remete à herança carioca onde
favela e asfalto se encontram”. Para a holandesa Li Edelkoort, uma das maiores trendsetters,
muita inspiração para o verão 2007, será compilada no tema “Museu de história natural”6. Na
mesma viagem climática, Maria Fernanda Lucena espalhou tinta pela passarela para nos
passar a percepção de aula de pintura do Parque Lage. É interessante notar que dentro desta
proposta da moda como instalação, tanto se criam ambientes, quanto se reestruturam outros
5 O Globo, Caderno Ela. 17 de janeiro de 2004. p. 56 Dumas Amenidades, 11 de janeiro de 2006 – especial Fashion Rio.
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com intervenções e propostas fashions. Trabalho preparado para ambiente previamente
escolhido.
A moda/instalação por vezes privilegia a performance espetacular, por vezes a
estrutura plástica e freqüentemente o conceito segundo Ginger Gregg Duggan7 que prefere
usar o termo performance, oriundo de expressões artísticas dos anos 60 e 70. No nosso caso, o
termo instalação exprime melhor a indefinição entre o lugar do sujeito e do objeto no mundo
contemporâneo em oposição ao pathos subjetivo que caracterizou as décadas referidas. Esta
ambigüidade das novas relações de sujeito e objeto, notadamente no mundo do consumo, dos
bens materiais simbólicos e imateriais falam com muito propriedade os autores Jurandir Freire
Costa8, Mário Perniola9 e Massimo Canevacci10. Os objetos ganham vida no mundo
contemporâneo, quando o homem concomitantemente problematiza e parece se deixar
fascinar por tornar-se um programa eletrônico, um novo produto da biotecnologia ou
mercadoria com alto valor agregado.
Ronaldo Fraga que, como Carlos Miéle, parecem prezar mais a arte, o conceito, do que
a roupa propriamente. No SPFW de 2006, Fraga joga modelos as bolas de isopor e mergulha
em seguida na cena final. Sempre cada vez mais tudo é clima, atitude e construção simbólica
de marcas para o business global.
O diálogo entre arte e moda provoca discussões e Alcino Neto11 enumera trabalhos da
Bienal inspirados no mundo fashion. O esloveno Tadej Pogacar, por exemplo, trabalhou com
a grife Daspu para realizar o seu projeto. Uma série de roupas está sendo produzida no Rio,
com o apoio da ONG Davida, e o artista planeja fazer um desfile no pavilhão da Bienal
(parque do Ibirapuera), onde acontece a mostra a partir de 7 de outubro.
Meschac Gaba, artista de Benin que vive em Roterdã, comprou notas de dinheiro fora
de circulação a está produzindo em Recife um conjunto de colares e broches. O turco Esra
7 DUGGAN, Ginger Gregg. “O maior espetáculo da terra: os desfiles de moda contemporâneos e sua relação com a arte performática”. In: Fashion Theory: a revista da moda, corpo e cultura. Ed. brasileira. v. 1, n. 2. São Paulo: Anhembi Morumbi, junho 2002. pp. 3-30.8 COSTA, Jurandir Freire. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.9 PERNIOLA, Mário. O sex appeal do inorgânico; tradução Nilson Moulin. São Paulo: Studio Nobel, 2005.10 CANEVACCI, Massimo. Antropologia da comunicação visual; tradução Alba Olmi. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.11 NETO, Alcino Leite. “A moda espreita a arte”. In: Folha de S. Paulo, Ilustrada, 08 de setembro de 2006, p. E12.
5
Ersen pesquisou frases de gangues de rua em São Paulo e vai imprimi-las em jaquetas de
couro. O coletivo Taller Popular de Serigrafia, de Buenos Aires, vai trabalhar com camisetas
que estampam palavras de ordem de passeatas. E a brasileira Laura Lima elaborou um varal
repleto de indumentárias que poderão ser vestidas pelos visitantes12.
Lisette Lagnado afirma sobre a relação arte/moda que reconhece as influências da
moda na arte, mas que em sua opinião a moda instrumentaliza artistas para seus fins,
esvaziando seus conceitos. Diz ela que a moda pode ser arte, mas que a arte não pode ser
moda e sublinha o interesse da moda por questões menos glamourosas que propõem estéticas
marginais13.
Segundo a criadora milanesa Miuccia Prada, se há similitudes na maneira pela qual
devemos nos deixar impregnar pelo ambiente e retranscrevê-lo sobre um objeto, as
motivações da arte e da moda são completamente diferentes, sendo freqüentemente falaciosas
e oportunistas. A criadora diplomada em ciências políticas reinvindica uma aproximação mais
sociológica e busca acompanhar a partir dos anos 90 o desenvolvimento das marcas, a
emergência das segundas linhas e a globalização da moda numa escala planetária. Em 2000
para a abertura da boutique Miú-Miú, de preços mais acessíveis, ela utilizou a sede do partido
comunista. Sendo assim, Miuccia Prada busca não participar da hipermediatização dos
criadores.
O mundo da moda e do consumo que Baudrillard adjetivou de um mundo dos signos
desligados da realidade, parece em seu movimento querer abarcar também esta última, como
ilustra entre outros fatos o desfile prá lá de excêntrico realizado pelo Prêt-à-Précaire com a
sua coleção carioca Fashion Real na Escola do Parque Lage. Na passarela ou nos espaços
selecionados desfilam os excluídos que, utilizando estratégias do mundo fashion, realizam o
seu avesso, como bem demonstram fotos em negativos apresentadas na revista Global14.
A idéia de maior interatividade parece efetivamente importante se levarmos em conta
a opinião de Gilberto Dimenstein15 sobre a cultura contemporânea em seu livro O mistério das
bolas de gude. Para o colunista e membro do Conselho Editorial da Folha de S. Paulo, a
12NETO, Alcino Leite. “A moda espreita a arte”. In: Folha de S. Paulo, Ilustrada, 08 de setembro de 2006, p. E12.13 LAGNADO, Lisette. Folha de S. Paulo, Ilustrada, 08 de setembro de 2006, p. E12.14 Revista Global. p. 23.15 DIMENSTEIN, Gilberto. O mistério das bolas de gude. São Paulo: Papirus, 2006.
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invisibilidade é a principal causa da violência, maior ainda do que a pobreza. É a sensação de
não-pertencimento à sociedade. Percorrendo diversos países, concluiu que o importante era
oferecer meios para as pessoas se expressarem por meio da dança, da música, da poesia e do
esporte. Nesse sentido, a ocupação fashion da cidade tem o sentido positivo como os
programas sociais efetivos, das iniciativas do terceiro setor e das lideranças comunitárias.
Instalações de resistência. Religação do cidadão, da cidade, do sujeito e da sociedade. A
propósito, a antropóloga Teresa Caldeira16, da Universidade de São Paulo, sublinha o fato de
que é importante a inclusão na vida da cidade para diminuir a segregação.
Em mais um de seus feitos interativos, Nick Knight – renomado fotógrafo e editor do
site showstudio.com, resolveu criar um editorial beneficente para a revista i-D. Como assim?
Knight vai arrecadar dinheiro para Oxfam – uma organização que capta recursos para ajudar
pessoas pobres no mundo, através de um editorial especial para a revista i-D que reúne top
stylists, modelos e diretores de arte. Entretanto, as roupas usadas nesse editorial são de
pessoas comuns e, após o editorial, que será transmitido ao vivo no site Showstudio, as peças
serão leiloadas no E-bay. Ou seja, sabe aquele casaco incrível que você idolatra dentro do seu
armário e nunca tira ele de lá? A peça pode entrar no editorial e, de quebra, você ainda faz
uma boa ação. Para participar, o internauta deve preencher o formulário no site, dizer por quê
aquela peça é especial e mandar uma foto sua junto com a roupa para o endereço assinalado.
Fica-nos a pergunta sobre a validade das negociações do mundo da moda e do
consumo, com as estéticas periféricas que, se podem representar apenas apropriações, criar
vítimas e exclusões, podem também propiciar estratégias de revitalização de espaços e
mobilizações de cunho democrático e/ou artístico.
É no espaço midiático que se constróem e desconstroem aparências dotadas de atitudes
próprias. Um exemplo é a nova postura gay, mais intelectualizada, menos sarada, que tem
circulado no cenário da moda. Para Gringo Cardia, “mostrar para o mundo a produção dos
artistas de periferia, tão integrada à estética do cotidiano das grandes cidades, significa para
eles algo inestimável, a construção de uma identidade”17.
16 CALDEIRA, Teresa. Cidade de muros. São Paulo: EDUPS/ Ed. 34, 2005.17 ACCIOLY, Ana Luiza. “Estética da periferia” (entrevista com Gringo Cardia). In: Revista Básica (Ipanema/Leblon), Ano I, n. 1. Julho de 2005. p. 23.
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Moda e identidade
Jurandir Freire Costa18 parece discordar das interpretações simplistas que sempre
houve entre sujeito e objeto no ato de comprar. Discorda das interpretações correntes do
hedonismo que causa insatisfação. Descreve o hedonismo sentimental de que fala Campbell,
resultado da incorporação dos objetos na dinâmica da insatisfação sentimental. Sublinha a
diferença de tais objetos o que Sennett chamou de modo de produção material das crenças
emocionais. Os objetos psicomórficos não eram uma parte alienada da subjetividade, eram a
expressão mundana, externalizada do intimismo psicológico19.
O autor não pretende apoiar uma teoria subjetivista dos costumes sociais, mas pensar a
hipótese ecológica da motivação psicológica e a relação indissociável do organismo humano
com o ambiente. Assim, nem a lógica da mercadoria, nem a dos desejos indiossincráticos dos
compradores totalizam os significados dos objetos e do ato de comprá-los. O sentido que o
objeto pode vir a ter depende da relação sujeito/mundo. Mundo é a moldura simbólica e
material na qual nos movemos e emoções não existem descoladas dos objetos. Todo o objeto
cede parte de sua completude física à imaginação emocional e toda a intencionalidade
emocional recorre à matéria física dos objetos para ganhar consistência e durabilidade
culturais. A corrida pela posse do corpo midiático desviou a atenção do sujeito da vida
sentimental para a vida física e a preocupação com o bem-estar sensorial. O cultivo das
sensações passou a concorrer com o cultivo dos sentimentos. “Na economia dos sentimentos,
o bom objeto é o que resiste ao tempo e estabiliza o prazer; na das sensações, é o que excita,
hic et nunc, os sentidos, despertando o corpo para uma nova prontidão prazerosa: drogas
orgânicas ou mecânicas, instrumentos que transformam a força mecânica em força ou
plasticidade musculares etc”20.
Outra importante transformação no uso dos objetos é a questão da autoridade.
Enquanto a moral dos sentimentos legislou em cima do trabalho, da família e do civismo, a
ciência e a moda hoje trabalham sobre a irrelevância do que passou. O lugar da autoridade foi
18 COSTA, Jurandir Freire. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. p. 161.19 Idem, p. 155.20 Idem, p. 168.
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tomado pelo da celebridade, pois torna-se impossível ser autoridade em coisas futuras, como a
ciência ou passageiras como a moda. O aparecer social do sujeito desenraizado criou o objeto-
passaporte, a moral das sensações, o objeto dócil e o caso da autoridade. A moral das
sensações, do entretenimento – enfim do espetáculo – levou-nos a perceber bens e corpos
como coisas e existências que passam sem deixar história. Onde não há totem, não há tabu.
“Resumindo de modo abrupto, ideais morais e emocionais não se sustentam sem
objetos materiais, porque são eles que dão visibilidade e mundanidade aos sentimentos. Em
períodos não tão distantes, a compra de objetos corporificava ideais éticos, e só veio a se
tornar algo parecido com o “consumismo” dos teóricos ao ser transfigurada pela moral das
sensações e do entretenimento. Desde então, os objetos passaram a contribuir exclusivamente
para a auto-absorção no corpo próprio e cortaram os vínculos com o enriquecimento da
moralidade social.
Segundo Jurandir, se quisermos, portanto, enfrentar os problemas éticos de nosso
tempo, teremos de rever nossos ideais de felicidade e não dar ao “consumismo” mais do que
ele merece”21.
A nova cultura do desejo22, de Melinda Davis, questiona na área do marketing, o
privilégio dado a novidade pela novidade para pensar o desejo fundamental, buscando discutir
a questão custo/benefício da compra e apontando a importância de estudar as novas
motivações da unidade pesquisando o desejo e seus movimentos.
Transes e trânsitos: a roupa-instalação
Utilizaremos sobretudo as discussões de Mário Peniola e Massimo Canevacci sobre o
estatuto do sujeito como coisa sentiente e da coisa como sujeito. Exprimir uma subjetividade,
pensar, criar, não significa realização de si, mas perda de si, trâmite, passagem. Parece haver
desta forma uma contradição entre as mitologias, identidades e mesmo caricaturas procuradas
pelo público e o pensamento contemporâneo que se caracteriza como suspensão do subjetivo
e do privado, com abertura de espaços enigmáticos, como experiência que, por definição,
21 Idem, pp.180-181.22 DAVIS, Melinda. A nova cultura do desejo; tradução Eliane Fraga e Sylvio Gonçalves. Rio de Janeiro: Record, 2003.
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excede a lógica da identidade. Para Mário Perniola, entretanto, desde o momento em que a
filosofia deixa de ser metafísica e se coloca ao lado da realidade histórica os fenômenos, das
coisas, seu horizonte é o do mundo histórico e neste ele privilegia o presente ao contrário da
hermenêutica que privilegia o passado e do utopismo que privilegia o futuro. Ao contrário da
imagem de um mundo vazio, sua investigação é animada pela imagem de um mundo pleno. O
próprio simulacro não é negativo, mas uma afirmação do passado no presente. Sua posição é a
de que o lugar do pensador é o do trânsito. Cada dia mais parece verificar-se um processo de
osmose recíproca entre o homem e coisa. Essa dupla transferência já não diz respeito apenas
ao âmbito do conhecimento e da operatividade, mas alcança o âmbito do sentir, na vastidão
dos seus significados, desde a sensibilidade à emotividade, desde a capacidade de escuta à
afetividade. Por um lado, as coisas sentem em nosso lugar; por outro, nós somos investidos
por um processo de reificação mais radical e mais profundo do que aquele que conhecemos no
passado, pois desta vez atinge o aspecto mais imediato e mais íntimo da experiência.
Segundo o autor, nossa experiência hoje caminha na direção oposta à subjetividade,
mas não implica um movimento para a objetividade. Trata-se sobretudo, de uma situação
enigmática de osmose recíproca. Sem dúvida, tal efeito tem a ver com a maior independência
das coisas tecnológicas, de sua interferência direta em nossos organismos, mas não só. O
homem deve aprender a deixar cair o seu “pathos” subjetivo. Tornar-se poeta é tornar-se coisa
entre coisa, dissolver-se na paisagem.
Colecionismo, fotografia e quadrinhos, antecipam e preparam a dissolução de todo
tipo de perspectiva orgânica, sem realizá-la completamente. O romance de Henry James, The
Spoils of Poynton, mostra, por exemplo, como uma coleção possa ela mesma ambicionar
aquela organicidade que caracteriza a obra de arte; a fotografia nutre a pretensão de conservar
a experiência vivida; enfim histórias em quadrinhos são demasiado dependentes da linguagem
narrativa e de sua intenção de contar uma vivência. Somente com a instalação é que a obra se
transforma de fato em coisa, em entidade inorgânica não utilitária, rica de dimensões
simbólicas. Com a instalação, a obra transborda fora de si mesma e adquire uma externalidade
radical e extrema. Tal expansão não se detém no local em que contida: dado que em geral ela
tem um caráter temporâneo, e está estreitamente conexa com uma ocasião específica, as
fotografias e eventualmente o vídeo que lhe transmitem a memória são parte integrantes dela.
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A instalação é por isso uma espécie de happening posto em cena por coisas, em vez de
pessoas, um evento cujos protagonistas são entidades transbordantes e ejaculadoras,
condensados de informações e de mensagens que nos invadem e nos submergem. As
instalações não devem ser consideradas como o objeto da avaliação de um visitante; a relação
com este último é completamente invertida quanto à tradicional visita a museus e galerias. É a
instalação que sente o visitante, que o acolhe, o tateia, o apalpa, dirige-se a ele, faz com que
ele entre nela mesma, o penetra, o possui, o inunda. Não se vai mais às mostras para ver e
desfrutar da arte, mas para ser vistos e possuídos pela arte. O voyeurismo pertence à
sexualidade orgânica, formalista e natural; no mundo inorgânico, são as coisas sencientes que
nos vêem e se excitam conosco; não podemos fazer nada além de oferecer-nos à sua libido
suspensa e considerar que a maior perturbação não é certamente o seu interesse, mas a sua
negligência!
Se até os anos 50 a moda fez propostas autoritárias que vinham do estrangeiro para o
corpo brasileiro, se nos anos 60 e 70 a roupa tornou-se expressividade de uma interioridade
em revolução, nos anos 80 o inorgânico, o objeto faz sua aparição através do império das
grifes que se tornam mais importantes que o próprio corpo. É o “look” como o descreve
Perniola. No momento atual de nossa evolução, a moda e suas antenas já não querem
direcionar mentes e vontades com discussões sobre drogas, multiculturalismo e outros
assuntos corretos. A roupa torna-se mais ambiente, clima, participação, provocação das coisas
para poeticamente entrarmos em seu mundo. Penso que os japoneses e suas formas estruturais
tiveram importância nesse movimento. Os adolescentes de São Paulo por exemplo,
inconscientemente talvez estão no clima quando passeiam pela Avenida do rolê, a Paulista.
“Adoro este clima de metrópole, tem mais haver comigo, diz Leandro [...]”. “Eu gosto de vir à
Paulista porque é muito movimentada, você sente a cidade, diz Gabriela [...]”. “Em shopping,
são sempre iguais, diz Alessandra [...]”23.
Quem perambula pela Paulista vê de tudo: de artistas de rua fazendo caricaturas ou
estátua viva a ambulantes vendendo uma espécie de sutiã de silicone, o “hit” do momento.
Faz parte do ambiente interativo da moda contemporânea, os encontros em lugares que
não incluem a passarela como refere Erika Palomino: “daí eu ter achado super legal ter ido ao
23 Folha de S. Paulo. Cidade, 11 de abril de 2005. p. 6.
11
eventinho de sábado na Pelu, a simpática lojinha numa vilinha da alameda Lorena. Tudo no
diminutivo porque tudo sem pretensão”24.
Uma das tônicas do momento é, efetivamente, a uma inspiração livre prá lá de mix: “a
moda está abrindo a cabeça dos homens, mostrando mais possibilidades de vestir”25.
O método do fetichismo metodológico utilizado por Massimo Canevacci enfoca
justamente o fator de que as mercadorias visuais não são mais objetos mas sujeitos com
individualidade26.
Segundo o autor, o fetichismo metodológico dissolve o caráter de mercadoria das
coisas com valor comunicacional agregado através do deslizamento semiótico dos códigos
nelas incorporadas. A dimensão visual cria um valor acrescido entre o corpo da mercadoria e
o corpo do consumidor. Esse valor acrescido vivifica-se nas novas formas do fetichismo. O
valor não é mais uma metáfora genial que deveria permitir-nos penetrar no arcano dessas
mercadorias. As novas mercadorias-visuais multiplicam o valor das coisas com seu
“espectro”.
As dimensões visuais das mercadorias, portanto, são tanto as que emanam de suas
formas estetizadas e estilizadas (design, packaging), isto é inscritas em seu corpo da criação à
produção, quanto aquelas comunicadas pela circulação (publicidade), pela troca (cartão de
crédito) e, obviamente, pelo consumo (a mercadoria em seu reino: os shoppings). Todos esses
níveis estão inscritos nos fluxos produtivos, simbolicamente e em termos de valor, que
apresentam acelerações imprevisíveis com o aperfeiçoamento do novo nível comunicado,
imposto pelas tecnologias interativas nos pós-mídia (computador, modem, CD-rom, realidade
virtual). O conjunto de todos esses níveis constitui a comunicação visual.
SOBRAS:
“Passarela da moda no meio da rua: Desfiles em locais inusitados marcam o quinto dia
da SPFW”.
Fora do calendário oficial dos desfiles, mas já importante o suficiente para arrastar a tribo fashionista até a Galeria Vermelho, foi a vez de Karlla Girotto gritar como importante 24 PALOMINO, Erika. Folha de S. Paulo. Ilustrada, 08 de abril de 2005. p. E-6.25 PALOMINO, Erika. Folha de S. Paulo. Ilustrada, 26 de julho de 2005. p. E-6.26 CANEVACCI, Massimo. Op. cit., p. 20.
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designer do cenário nacional. Karlla se apôs à tradicional sala com cadeiras e deixou o público lotar a galeria. Em seguida, espalhou as modelos, algumas em grupo, outras sozinhas, de forma caótica pelos espaços. Para ver todas as roupas, as pessoas tiveram que se movimentar em grupos.
A coleção tinha peças únicas em patchworks de estampas, cores e formas plissadas, além de muitos volumes. A influência de Rei Kawakubo, estilista da cultuada grife Comme des Garçons, é visível, mas não desmerece o trabalho de Karlla. O valor da realização desta coleção e a forma de apresentá-la já foram autorais.
No prédio da Bienal, com quase uma hora e meia de atraso, a pernambucana Lourdinha Noyama trouxe para a passarela costumes e materiais característicos do Estado com uma coleção inteiramente realizada em tons crus, investindo no conceito de inverno tropical, ou seja, suave e brasileiro.
O gaúcho Mareu Nitscke foi beber na fonte de sua infância sulista. Na passarela, a trilha sonora era o som do vento minuano, enquanto chiripás (saias-calças usadas pelos primeiros gaúchos), ponchos, correntes de arreio de cavalos, botas, camisas campeiras e guaiacas (pochete presa ao cinto) viravam tendência para o outono-inverno brasileiro.
Ainda desfilaram Rodrigo Fraga e a marca carioca Osklen, de Oskar Metsavaht, com turma quente do Rio refrescando a paisagem concretista do prédio da Bienal, no Parque do Ibirapuera. (Jornal do Brasil, Caderno País. 02 de fevereiro de 2004. p. A5).
Dumas Amenidades:
– 29 de junho de 2005 (Especial São Paulo fashion Week)
- A Gente Viu... O prefeito de São Paulo José Serra anunciar a criação do Centro de Referência de Moda. Segundo ele, este centro é parte da política da prefeitura para impulsionar a indústria com informação e tecnologia. Aumentar a produtividade é nossa estratégia para fazer frente à indústria chinesa”, explicou ele, depois de enfatizar que o Centro será um lugar para eventos, um portal de negócios e espaço para acervo de estilistas, entre outras atividades.
- 30 de junho de 2005 (Especial SPFW)- A Gente Viu... Ronaldo Fraga utilizar do universo privado para falar do público.
Através do conceito “banho tomado”, Ronaldo apresentou uma coleção que, na verdade, também fala de um desejo por um Brasil mais cordial e generoso. Uma vontade por “espíritos de costureira de antigamente” que trabalhavam de domingo a domingo e sempre arranjavam um tempo para nos servir um bolinho, um docinho ou um mimo como um sachê perfumado.
- Melissa Favela, nova criação da linha Campana.O representante da Melissa na Europa, Airton da Silva Junior, explicou que as duas
peças que Rashid desenvolveu são parte da linha Concept, que comercializa edição limitada
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de 2 mil pares em lojas de ponta em todo o mundo e garante a proposta de que um sapato de plástico Melissa tem DNA brasileiro mas não é souvenir. Além de já ter inserido o produto em Paris e em Londres, Airton contou que está prestes a fechar uma parceria com a Walter (loja do festejado designer Walter Bierendonk) na Antuérpia.
- 01 de julho de 2005 (Especial SPFW)- A Gente Viu... O patrocínio da Speedo guiar parte do conceito do desfile masculinho
de Fause Haten na manhã do terceiro dia de desfiles da SPFW. Com o campeão Gustavo Borges na platéia e modelos desfilando peças feitas com a tecnologia Fast Skin (tecido que imita pele de tubarão), o estilista investiu nos clássicos e mostrou uma coleção de costumes impecáveis. A alfaiataria dos casacos apareceu estruturada por tecidos como gabardine e sarja que coordenavam looks sofisticados quando combinados com calças de boca justa e comprimento um pouco acima do tornozelo. Esses mesmos blazers criaram um visual irreverente ao serem mostrados junto a bermudas, short-surf e jeans com lavagens diferenciadas.
- A Gente Viu... paria lounge com a Vanessa da Mata cantando “Eu sou neguinha” deu o clima necessário à apresentação da coleção da Água de Coco. Com maiôs e biquinis repletos de detalhes de modelagem diferenciada, a marca cearense de Liana Thomas mostrou uma coleção eclética no estilo e no uso de materiais.
- A Gente Viu... A British Colony, de Maxime Peremulter, decretar: Fuck Polution!, ao conjugar conceitos e materiais naturais e sintéticos, orgânicos e industriais, aludindo à poluição química que contamina as praias do mundo.
- 02 de julho de 2005 (Especial SPFW)- A Gente Viu... Érika Ikizelli explorar as escrituras sagradas e apresentar sua coleção
em quatro estágios que representavam a evolução do homem pela fé.