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MDIA E NOVAS FORMAS DE SUBJETIVAO Discurso publicitrio, consumo
e novas configuraes subjetivas na cultura ps-
moderna
Fernanda Saldanha Zorzan
Universidade Luterana do Brasil ULBRA Brasil
Arnaldo Toni Sousa das Chagas
Universidade Luterana do Brasil ULBRA Brasil
Resumo O presente estudo prope-se a refletir a cerca das novas
configuraes subjetivas do indivduo ps-moderno a partir da
problematizao da inter-relao entre o discurso publicitrio sobre o
consumo enquanto ideal de felicidade e completude na cultura
ps-moderna e a produo de subjetivao. Para tanto, discute-se a
influncia da mdia, especificamente do discurso publicitrio sobre o
consumo, que est a servio da manuteno da lgica capitalista que
perpassa a cultura ps-moderna, para a constituio de novas
configuraes subjetivas. A partir disto, tambm pensar-se- o discurso
da psicanlise frente ao ideal de completude oferecido pela
publicidade por meio de seus discursos sobre o consumo e o lugar da
clnica psicanaltica diante do mal-estar oriundo da cultura
ps-moderna.
Palavras-chave: Ps-modernidade. Discurso publicitrio. Consumo,
gozo e subjetividade.
Introduo Sabe-se, desde Freud, que a constituio da subjetividade
humana encontra-se
indissociavelmente ligada articulao entre a cultura e a histria
individual do sujeito. Nesse contexto, as transformaes sociais que
acompanharam a histria da civilizao humana refletem-se no modo que
o sujeito constri sua subjetividade mediante a poca em que
vive.
Freud (1930) em sua obra intitulada em O Mal-Estar na Cultura j
assinalava os tensionamentos presentes na relao entre
natureza/cultura, situando o mal-estar como sendo o desconforto
advindo das renncias pulsionais s quais o sujeito conduzido a
realizar em benefcio do sistema de interdies impostos pela
civilizao.
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Desse modo, como lembrava-nos Freud (1930), o recalque produzido
pela cultura daquela poca era o que fundava a estruturao neurtica
dos indivduos. Sendo assim, inegvel considerar que o modo de
constituio subjetiva e consequentemente de estruturao psquica
modifica-se, ao passo que a cultura sofre transformaes.
A partir dessa importante proposio freudiana, Melman (2008)
situa a constituio da subjetividade do sujeito ps-moderno da
seguinte forma: estamos no exato ponto do abandono de uma cultura,
(..) que obriga os sujeitos ao recalque e neurose, para nos dirigir
a uma outra em que propagandeia o direito a expresso livre de todos
os desejos e a plena satisfao deles (p.107, grifo meu).
Nesse mesmo sentido, acrescenta o autor, o que oferecido
atualmente uma liberdade para experenciar muitas situaes, no h mais
limite ao gozo, surge assim um homem novo, um homem liberal que
deve gozar a qualquer preo, e as expresses subjetivas diante desses
imperativos so bastante distintas da poca freudiana que tinha como
pilares a renncia satisfao dos desejos, isto , o homem ps-moderno
encontra-se sem uma referncia fixa, sem o estabelecimento de um lao
com o Outro.
Contudo, atualmente fala-se tambm em um esfacelamento de
referncias, mas poderar-se-ia falar tambm hoje em um excesso de
referencial. Isso porque, o que no est disposio uma legitimao de
uma referncia, de um ponto fixo para organizar o lao social
(LEBRUN, 2004).
neste sentido que refletir acerca do sujeito ps-moderno implica,
necessariamente, tom-lo diante de sua posio de desamparo decorrente
do declnio de referenciais como a famlia patriarcal, o
enfraquecimento do estado e a superao da cincia como promessa do
desenvolvimento humano (PARIVIDINI, 2001).
Nesse contexto, onde predomina o esfacelamento dos referenciais
tradicionais, quem assume o lugar de Outro de onde estvamos
submetidos a receber mensagens, a informao, a comunicao por
excelncia (MELMAN, 2008). Ainda nessa mesma direo, o autor conclui
que a mdia substitui esse Outro ao qual outrora os sujeitos se
referiam mediante o peso da histria.
Evidencia-se esta afirmao na medida em que deparamo-nos
diariamente com um inesgotvel fluxo de informaes por intermdio de,
principalmente, propagandas que prometem o acesso perfeio e
felicidade por meio da aquisio de seus produtos ofertados,
ocupando, deste modo, o lugar de verdade, de sentido para o
sujeito.
A respeito disto, Melman (2008) salienta que a mdia est a servio
da economia de mercado, interpela o consumidor a adequar-se s
ofertas que lhe so dirigidas, so elas que
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passam doravante a subjetiv-lo, que lhe impe um objeto, o qual
induz um apetite identificvel agora pela marca do produto
(p.181).
Sendo assim, quando pretende-se refletir amide sobre a construo
subjetiva em tempos ps-modernos deve fazer parte dessa apreenso a
relao entre a composio scio-histrica e subjetiva do sujeito imerso
na cultura em que vive, a qual est amplamente marcada pelos meios
de comunicao em massa, dos quais pretende-se destacar aqui a
publicidade a partir de seus discursos sobre o consumo.
Isso porque, o que percebe-se um incessante incentivo ao consumo
que claramente ultrapassa a questo de necessidade e uso de objeto.
O que predomina hoje seu valor de troca e no mais sua utilidade. As
propagandas publicitrias, por sua vez, reificam isto, a todo
momento, pelo seu discurso que, geralmente, apresenta um mundo
perfeito e feliz, sem contradies, na medida em que associa o
produto ofertado, o objeto de consumo, a uma atmosfera
perfeita.
Dessa maneira, ela acaba por persuadir o consumidor mais pela
ordem subjetiva do que propriamente pela objetividade da informao.
Para tanto, utiliza-se a vinculao de valores sociais aos produtos
ofertados pela publicidade. Como salienta Baudrillard (1981), a
aquisio dos objetos na nossa cultura traduz-se pela iluso de que o
consumo pode preencher a demanda de felicidade.
De acordo com Santos (2003) estamos diante de um novo
encantamento do mundo, no qual o discurso e a retrica so o princpio
e o fim. Esse imperativo e essa onipresena da informao so prfidos,
j que a informao atual tem dois rostos: um pelo qual ela busca
transmitir conhecimento, e o outro, pelo qual ela busca persuadir.
Este o trabalho da publicidade.
Sobre o discurso Ferreira (2006, p. 169) diz:
Todo discurso proferido a partir de uma posio, uma situao de
fala que permite ou no, autoriza ou no, o sujeito que fala. Neste
sentido, todo dizer ideologicamente marcado, sujeito e discurso se
confundem, se fundem e materializam suas opes ideolgicas. No h
discurso sem sujeito, fora da lngua, do simblico ou da
ideologia.
Assim, a mdia, ao representar uma via de informao, por meio de
seu discurso de carter ideolgico, acaba por socializar os fatos e
normas, atuando como um agente organizador do espao social.
Ocupando, assim, um papel central para a consolidao das
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representaes que passam, ento, a assumir um carter coletivo
normalizador na constituio de uma identidade e subjetividade
especficas (VASCONCELOS; SUDO; SUDO, 2004).
Diante do exposto, o presente estudo prope-se a refletir acerca
das novas configuraes subjetivas do indivduo ps-moderno a partir da
problematizao da inter-relao entre discurso publicitrio sobre
objetos de consumo na cultura ps-moderna e a produo de subjetivao
e, a partir disso, pensar-se- o lugar da psicanlise frente s
demandas oriundas dessas novas configuraes subjetivas decorrentes
do ideal de consumo propagado pela publicidade.
Para tanto, no primeiro captulo sero abordadas as modificaes
culturais que ocorreram ao longo do ltimo sculo,
contextualizando-as com as proposies freudianas sobre a relao
existente entre a cultura e a constituio de subjetividade. Em um
segundo momento ser tratado, mais especificamente, o cenrio
cultural ps-moderno, enfatizando a lgica capitalista e os discursos
publicitrios sobre o consumo de objetos que perpassam o tecido
social atualmente, procurando estabelecer a compreenso acerca de
suas implicaes para a constituio da subjetividade ps-moderna. Por
fim, propor-se- pensar o discurso da psicanlise frente ao ideal de
completude oferecido pela publicidade por meio de seus discursos
sobre o consumo e o lugar da clnica psicanaltica diante do
mal-estar oriundo da cultura ps-moderna.
Cultura e produo de novas formas de subjetividade
Pensar acerca das mudanas que ocorreram no modo de constituio
subjetiva na ps-modernidade remete-nos indubitavelmente a
refletirmos sobre as modificaes sociais que transcorreram ao longo
dos ltimos tempos. Isso porque, sabe-se que a constituio subjetiva
est amplamente perpassada pela cultura na qual os sujeitos esto
imersos.
Sendo assim, abordar-se- neste primeiro captulo algumas mudanas
culturais que ocorreram no ltimo sculo, contextualizando com as
proposies freudianas acerca da constituio subjetiva a partir do lao
social dentro da cultura, para que dessa forma seja possvel
compreender e explicitar de que modo o contexto cultural atual
favorece a emergncia de novas configuraes subjetivas em tempos
ps-modernos.
No decorrer de seus trabalhos desenvolvidos sobre os fenmenos
sociais, Freud sempre reservou lugar de destaque para a importncia
da cultura para a subjetividade e estruturao psquica dos indivduos.
Em sua obra intitulada O mal-estar na cultura (1930),
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Freud j apontava para a relao entre o contexto cultural e a
produo de modos de subjetivao e adoecimento psquico.
Neste sentido, Freud (1930) atentava para o fato de o mal-estar
na cultura relacionar-se com o excesso de recalcamento sexual
imposto pela sociedade. Esse recalcamento tratava-se de um recalque
originrio,2 operado por um limite.
Entretanto, anteriormente, j em Totem e tabu (1913), Freud prope
a compreenso acerca da constituio da cultura a partir da instalao
de um limite, de uma lei moral advinda do mito do parricdio
originrio. Segundo o mito, nos primrdios da humanidade os seres
humanos viviam em bandos, agrupados em hordas, nos quais estavam
submetidos aos domnios de um macho onipotente que tinha acesso
exclusivo a todas as fmeas. Certa vez, os irmos rebelaram-se contra
o pai, mataram-no e devoram-no, extinguindo o regime que imperava
nessa horda primeva.
Todavia, aps o assassinato do pai os irmos foram surpreendidos
pela culpa de seu ato, o que propiciou a instalao da exogamia, isto
, a renncia s fmeas do cl do totem, e consequentemente a proibio da
morte do totem. Surge assim outra horda, agora fraterna, esboo da
primeira organizao social.
Nesse sentido, a instaurao da lei, segundo Freud (1913),
dar-se-ia mediante o assassinato do pai da horda primeva, que
detinha o poder de gozar de todas as mulheres. Aps a morte do pai,
surge a lei que inscreve uma nova ordem, que implica a renncia a
uma parte do gozo, uma vez que essa lei probe o incesto.
A partir disto, Freud (1913) confere ao dipo e a proibio do
incesto um carter histrico, isto , compreende que a instaurao da
lei, organizadora da sociedade e consequentemente da estruturao
psquica, reside na repetio dos desejos recalcados, a saber, o
desejo incestuoso de matar o pai, herdados inconscientemente desde
o tempo da refeio totmica, onde o totem nada mais era que um
substituto do pai.
A respeito disto, vejamos:
A psicanlise revelou que o animal totmico , na realidade, um
substituto do pai e isto entra em acordo com o fato contraditrio de
que, embora a morte do animal seja em regra proibida, sua matana,
no entanto, uma ocasio festiva, com o fato de que ele morto e,
entretanto, pranteado. A atitude emocional ambivalente, que at hoje
caracteriza o complexo-pai em nossos filhos e com tanta frequncia
persiste na vida adulta, parece estender-se ao animal totmico em
sua capacidade de substituto do pai (FREUD, 1913, p. 144).
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Freud (1913) ento situa o momento inaugural da vida coletiva a
partir da explicitao do mito do parricdio originrio. Nesse sentido,
o autor postula que foi a partir do assassinato do pai primitivo
que advm a vida social, isto , o tabu do incesto torna-se a partir
do mito a pedra angular em que repousa a constituio da
civilizao.
Posteriormente, em O mal-estar na cultura Freud (1930) retoma
este ponto, enfatizando que a civilizao se edifica a partir da
renncia pulso, sendo ento o mal-estar fruto desta renncia, assim
como tambm dos destinos que esses impulsos tomam em cada
sujeito.
Entretanto, como nos lembra Melman (2008), atualmente passamos
de uma cultura fundada no recalque, proveniente da imposio de um
limite instaurada pela funo paterna, para outra forma de organizao
social na qual impera a plena satisfao, onde a renncia parece
desaparecer.
A respeito da funo paterna de instaurar um limite frente ao
gozo3, Lebrun (2010) depreende que justamente a relao que o sujeito
estabelece com o limite na contemporaneidade que reside a maior
dificuldade, uma vez que precisamente em relao ao limite que o
sujeito ps-moderno acredita ter-se libertado.
De acordo com Lebrun (2010) constata-se na vida social uma
ruptura com o que era outrora transmitido pela tradio. Por isso,
atualmente fala-se tanto em um esfacelamento de referncias, mas
poder-se-ia falar, em contrapartida hoje em um excesso de
referencial. Isso porque, o que realmente no est disposio a
legitimao de uma referncia, de um ponto fixo para organizar o lao
social.
Sendo assim, a ps-modernidade tem sido marcada por uma
progressiva falncia nos referenciais, o que implica uma crescente
crise de valores. Consequentemente, o sujeito ps-moderno cada vez
mais caracteriza-se pela ruptura com a tradio cultural, resultando
em um esvaziamento de ordem simblica na medida em que ele vem
perdendo a inscrio psquica dos traos impostos pela herana
cultural.
Nesse sentido Jameson (1996) refere que atualmente assistimos ao
gradual rompimento na articulao entre passado, presente e futuro,
isto , o sujeito ps-moderno passa a viver em um constante presente,
o que produz uma espcie de esquizofrenizao da experincia biogrfica
e da vida psquica.
Calligaris (1993) corrobora essa idia, na medida em que situa a
ps-modernidade como a poca em que impera a renncia ao patrimnio da
humanidade, isto , a ordem simblica representada pela tradio
cultural, o que corresponde a um progressivo esquecimento da
histria e da experincia.
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Lebrun (2010) situa a mutao cultural atual, mais
especificamente, a partir do declnio do patriarcado, essencialmente
ao declnio da funo patriarcal, isto , o lugar do pai na sociedade
ocidental. O que ocorre, segundo o autor, que na sociedade a figura
que outrora sustentava a referncia de um ponto fixo exgeno
atualmente est a desabar, colocando o lugar da autoridade em situao
difcil.
Ainda nesse sentido, Lebrun (2010) esclarece que a mutao
cultural est de fato relacionada ao declnio do patriarcado, o que
deve ser apreendido essencialmente quando este remete-se ao declnio
da funo patriarcal, aquela que implica precisamente o declnio da
funo do pai.
Tratar-se-ia, ento, do lugar que o pai passou a deixar de ocupar
na vida das sociedades ocidentais, isto , um lugar que antes
apoiava-se no lugar legitimado transcendncia, o que resulta no
declnio da funo do pai como maior sintoma de nossa sociedade atual
(LEBRUN, 2010).
De fato, como salienta Forbes (2005) nossa sociedade atual no se
organiza mais por um eixo vertical das identificaes, como tambm
apontava Lebrun ao tratar da poca patriarcal. Ainda nesse sentido,
Forbes (2005) assinala que naquela poca um homem pretendia ser
igual ao seu pai, havia uma predeterminao de modelos de identificao
no mundo orientado pelo eixo vertical. Porm a globalizao levou
essas formas de orientao verticais horizontalidade, ou seja, ao
excesso, multiplicidade de modelos.
Neste mesmo sentido, Melman (2008) acrescenta que o que
oferecido atualmente uma liberdade para experenciar inmeras
situaes, no h mais limite ao gozo, surge assim um homem novo, um
homem liberal que deve gozar a qualquer preo e as expresses
subjetivas diante desses imperativos so bastante distintas da poca
freudiana, que tinha como pilares a renncia satisfao dos
desejos.
Destarte, sabemos que a partir da operao de um limite que o
sujeito constitui-se, ou seja, pela ordem da impossibilidade de
satisfao completa, de se deixar de crer tudo poder, como fora no
tempo do narcisismo primrio4, que a relao do sujeito com seu desejo
possvel.
Essa seria a funo do pai, possibilitar criana tornar-se sujeito
na medida em que coloca o impossvel a servio do gozo sexual...
Melman (2008, p. 22). Entretanto, lembra o autor, o que assistimos
atualmente que aquele que deveria se fazer identificar enquanto
interditor do desejo passou a ser doravante o primeiro a
promov-lo.
A partir dessa importante constatao, Melman (2008) situa a
constituio da subjetividade do sujeito ps-moderno da seguinte forma
estamos no exato ponto do
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abandono de uma cultura, (...) que obriga os sujeitos ao
recalque e neurose, para nos dirigir a uma outra em que
propagandeia o direito a expresso livre de todos os desejos e a
plena satisfao deles (p.107. Grifo meu).
De fato, o que se assiste atualmente a tentativa de supresso do
terceiro, da lei, do limite, que produzido principalmente pelo
discurso capitalista de consumo propagandeado pela publicidade. A
respeito disso Melman (2003) acrescenta que a relao do sujeito com
o mundo no regida por uma ligao simples e direta com um objeto, mas
pela falta de um objeto, como j apontava Freud, que na situao
edpica era da me que se tratava. Portanto, lembra Melman, preciso
que o indivduo renuncie a este primeiro objeto de amor, a me, para
que o sujeito possa ter acesso a uma relao com um mundo de
representaes que lhe fornea o sustento necessrio para o seu
ser.
Entretanto, justamente isso que parece encontrar-se falho na
sociedade ps-moderna, uma vez que o que conduz o sujeito no mais um
limite imposto por um referencial fixo, como afirmava Lebrun
(2010), mas a tentativa de se fazer acreditar que o sujeito autnomo
e pode-se libertar da incidncia de um limite. Cabe ressaltar o que
a psicanlise nos ensina sobre isso, a saber, justamente a instaurao
de um limite, o que possibilita algum vir a ser sujeito, algo que o
sustenta na relao com seu desejo.
claro que isso no se opera sem consequncias para a subjetividade
humana, pois se a constituio da subjetividade, como vimos, passa
indubitavelmente pela renncia pulso operada por um limite, e
justamente a imposio de um limite o que parece estar caducando na
ps-modernidade, como o indivduo passa a subjetivar-se atualmente?
Aonde ele encontra algo que seja capaz de sustent-lo enquanto
sujeito do desejo?
Para que possamos compreender essas questes, no prximo captulo
ser abordada a relao que o sujeito passa a estabelecer com o mundo
a partir da falta de um referencial vertical, ou ainda na exposio
de um excesso de referenciais, discutindo a partir disso o discurso
da publicidade sobre o consumo de objetos como uma oferta para que
sujeito supostamente possa dar conta da sua falta, que , a priori,
constitutiva.
O sujeito ps-moderno
Como vimos, cultura e subjetividade esto indissociavelmente
ligadas. Portanto, se o objetivo do presente trabalho reside na
compreenso acerca das novas formas de constituio subjetiva na
ps-modernidade torna-se pertinente abordar, de modo mais especfico,
o cenrio
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cultural ps-moderno de que tanto se fala atualmente, a fim de
compreender como este produz novas subjetividades.
Chagas (2002) ao tratar da era ps-moderna, refere que esta se
caracteriza pela sua transitoriedade, velocidade, to caractersticos
da globalizao. Vive-se diante de um mundo individualista,
competitivo, onde o que possui valor hoje poder perd-lo amanh, j no
se sabe o que o bem ou o mal, bem como o que pertence ao territrio
do sagrado ou do profano. Encontramo-nos em um mundo desorientado,
inseguro e instvel.
Neste mesmo sentido, Forbes (2004) acrescenta que o homem
ps-moderno est desbussolado, desorientado. Diferentemente da era
moderna, onde as identidades eram organizadas por um eixo vertical
e as pessoas tinham um ideal a seguir, por exemplo, ser um dia como
o pai, na era ps-moderna, globalizada, o lao social se
horizontaliza e os ideais agora se pulverizam, so mltiplos.
Isso porque, os ideais em tempos de globalizao esto subordinados
lgica capitalista. Isso equivale a dizer que o perodo ps-moderno
tem como caracterstica a economia primar sobre a cultura e a
subjetividade. Com os discursos de carter ideolgico dominantes, a
cultura calcada na mercadorizao, por meio da indstria cultural,
produz comportamentos de consumo, provenientes da subordinao de
processos constitutivos da subjetividade, como a identificao, os
ideais e o desejo, lgica mercantil (MOURO, 2007).
A partir disso, podemos pensar que o cenrio ps-moderno tem como
tela de fundo uma economia liberal, cuja ideologia explicitamente
convocar os indivduos sociais a ultrapassar todas as restries ao
gozo, que deveriam vir como mensagem recebida do Outro, levando,
ento, a abolir todas as interdies ao gozo e aceitar o excesso na
relao com os objetos como ttulo de normalidade (MELMAN, 2003).
O fato que, os discursos, as mensagens a que esto expostos os
sujeitos ps-modernos, em prol do capitalismo avanado, demonstram um
lao constitudo por uma cultura que os leva ao gozo sob a forma de
consumo. A astcia desses discursos reside justamente em apresentar
uma dada realidade de modo indiscutvel, o que se torna equivalente
prpria verdade do sujeito e do seu objeto de gozo, ambos comandados
pela lgica capitalista (ROSA; CARIGNATO; BERTA, 2006).
A respeito disso Melman (2003) ressalta que, se outrora estvamos
expostos a uma hermenutica, isto , ramos levados a interpretar o
que o outro queria para ns, hoje a mensagem proveniente da dimenso
horizontal no evoca a capacidade interpretativa, reflexiva dos
sujeitos, uma mensagem pura e direta.
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Essa mensagem nos indica o objeto ideal, capaz de nos satisfazer
e que como lembra-nos Melman (2003), no mais semblante de objeto,
um objeto puramente real. Esse tipo de mensagem impossibilita que o
sujeito reconhea-se como um ser dividido e, sendo assim, como o
sujeito pode sustentar seu lugar no mundo?
Poder-se-ia pensar ento que o sujeito ps-moderno tornou-se
atpico, isto , deslocado de seu lugar originrio, um lugar marcado
inerentemente pela imposio de um limite. Nessa mesma direo, Melman
(2003) acrescenta que na medida em que a ideologia da economia
liberal tem como pretenso aniquilar todos os limites satisfao, ao
gozo, isso tem como consequncia um descrdito do Nome-do-Pai.5
Nesse sentido, a imposio de um limite ao gozo como parte
constituinte e necessria ao devir de um sujeito, promulgado pela
incidncia de um terceiro, ou seja, o Nome-do-Pai, parece cada vez
mais ceder lugar ao primado do excesso, da satisfao ilimitada. Tal
atravessamento no pode se operar sem consequncia para a
subjetividade e por conseguinte para o sujeito, um sujeito que a
cultura ps-moderna parece querer convencer-lhe de que no dividido,
barrado, o que o torna desorientado na medida em que o faz crer
tudo poder gozar.
neste sentido que Melman (2008) esclarece que na falta de um
referencial nico, fixo, que direcione o sujeito atravs de suas
mensagens, isto , ao passo que o Outro de quem recebamos as
mensagens esfacela-se, quem passa doravante a assumir seu lugar a
comunicao. Ainda nessa mesma direo, o autor conclui que a mdia
substitui esse Outro ao qual outrora os sujeitos se referiam
mediante o peso da histria, por isso o sujeito ps-moderno
encontra-se sem gravidade, flutuando, suspenso.
Portanto, podemos pensar que, diante da ausncia da imposio de um
limite, o sujeito no pode mais haver-se com seu desejo, pois se no
h a presena de uma falta simblica, no h como o sujeito organizar-se
a partir de seu desejo, este passa, ento, a existir somente em nvel
imaginrio, pois no refere-se a um Outro.
Destarte, na falta de uma referencia slida, fixa, capaz de
sustentar o devir de um sujeito, este se v deprimido, desorientado,
frgil e perdido, capturado pela busca de um objeto consumvel capaz
de dar conta de seu desejo, de sua singularidade. nesse sentido que
Melman (2008) refere que neste cenrio ps-moderno o que se torna
referncia do eu deixa de ser uma referncia ideal, mas uma
referencia puramente objetal. O autor ainda chama-nos a ateno para
o fato de que o objeto, ao contrrio do ideal, para convenc-lo,
exige que satisfaa-o ininterruptamente.
Nesse sentido a publicidade parece ocupar-se bem da lgica do
desejo do sujeito, que , em sua essncia, insatisfeito, na medida em
que oferece inmeros objetos de valor que
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prometem ser capazes de estancar o furo constitutivo do sujeito.
Parece-nos que realmente na ausncia de um referencial capaz de
sustentar o lugar do sujeito ps-moderno, este se v capturado pelo
discurso essencialmente sedutor da publicidade que promete ofertar
um objeto capaz de dar conta de satisfazer seu gozo, obliterar o
vazio deixado pela perda do objeto a.6
O discurso publicitrio como agente significante
Como se viu at o presente momento, vivemos em tempos nos quais
impera a oferta de consumo veiculada por mensagens que sugerem que
pode-se tudo, basta querer. Desse modo, passamos a viver pautados
pelo excesso e no mais pela renncia, como outrora. No h mais limite
e/ou barreiras no mundo globalizado e informatizado que busca de
todas as formas fazer crer a inexistncia de fronteiras.
Isso porque a cultura ps-moderna, como j foi visto antes, est
amplamente marcada pela globalizao e sua lgica de mercado,
respondendo aos interesses do sistema capitalista. Tais interesses
difundem-se de diversas formas a fim de possibilitar a produo e a
reproduo da sociedade, que devem garantir determinado modo de
fabricao de produtos, gerando assim o processo constante do
consumo.
A respeito disso Kincheloe (1997) afirma que a mdia,
especialmente a publicidade, somada as tecnologias, correspondendo
aos interesses capitalistas, produziram uma era de consumo. O autor
referencia o consumo como centralizador do modo de vida do sujeito
ps-moderno, a ponto de o prprio consumo, ou mais especificamente as
empresas que formam uma cultura de consumo, produzir sentido.
Conforme Gomes (2001), esse sentido constri identidades, produz
sujeitos a partir de determinados discursos. O autor ainda ressalta
que, como sujeitos de consumo, somos atravessados por discursos
publicitrios que vendem, por meio dos objetos ofertados, imagens e
modos de ser.
Esse o papel da publicidade, que atende a lgica capitalista.
Trata-se de persuadir o consumidor vendendo imagens, sonhos,
despertando necessidades e desejos, fazendo-o crer que precisa
adquirir determinado produto para ser feliz, realizado e sentir-se
completamente satisfeito.
Nasce toda uma cultura hedonista e psicologista que incita
satisfao imediata das necessidades, estimula a urgncia dos
prazeres, enaltece o florescimento pessoal, coloca no pedestal o
paraso do bem-estar, do conforto e do lazer. Consumir sem esperar;
viajar; divertir-se; no renunciar a nada: as polticas do futuro
radiante
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foram sucedidas pelo consumo como promessa de um futuro eufrico
(LIPOVETSKY, 2004, p.60-61).
nesse sentido que Kell (1996), afirma que a publicidade, a
partir de seu discurso sedutor, convoca os sujeitos a apostar em
sua onipotncia. Isso por que, segundo a autora, o discurso
publicitrio explicita o dever de gozar que suplanta o interdito ao
gozo, que o que funda a sociedade humana.
Desse modo, o sujeito ps-moderno, que acredita-se onipotente,
vive um delrio anlogo ao que Freud exps como o estado psquico
governado pelo princpio do prazer:7 sem histria, sem mediao de
tempo e esforo entre desejar e obter, sem dvida para com nenhum
passado, nenhuma instncia paterna (KELL, 1996, p. 1).
Assim, como afirma Kell (1996), o sujeito envolto pelo discurso
publicitrio sobre o consumo passa a acreditar-se sem outro
compromisso que no seja seu prprio gozo, ao qual a publicidade
veicula incessantemente. Portanto, de fato, vive-se em um tempo em
que abandonou-se a cultura que primava pela renncia e o recalque
para nos referirmos a outra que demanda a satisfao plena dos
desejos dos indivduos, surgindo assim as patologias narcsicas.
Assim, o sujeito ps-moderno deixa de referir-se a um Outro que
era ancestral, ao qual nos referamos mediante o peso da histria e
da dvida simblica para passarmos a referirmo-nos a esse Outro da
mdia, da informao, do discurso publicitrio. Portanto, passa-se a
receber desse Outro, agora representado pela mdia, especialmente
pelos discursos publicitrios, as mensagens, traduzidas pela demanda
de se primar pelo excesso, pelo consumo desenfreado, sem
possibilitar um espao para a instaurao de uma dimenso reflexiva,
pois elas passam doravante a ocupar lugar de verdade e significao
para o sujeito ps-moderno (MELMAN, 2008).
Nesse sentido, Santos (2006) salienta que a cultura de massa, to
caracterstica da era ps-moderna, almeja o consumo por intermdio de
signos, fazendo com que o indivduo se identifique com eles,
proporcionando ao ser humano uma fuga da realidade. A maior
preocupao reside no efeito que as mensagens veiculadas nos
produtos, pelos discursos publicitrios, causariam nas pessoas.
Elas, por sua vez, influenciam sobremaneira as necessidades e os
desejos dos indivduos e consequentemente produz subjetividades.
Dessa forma, a publicidade utiliza a subjetividade do consumidor
e a lgica do seu desejo, visando desencadear identificaes com os
produtos ofertados no mercado, vendendo sonhos e desejos. Sendo
assim, o discurso publicitrio influencia o modo como o sujeito
ps-moderno percebe-se e relaciona-se com o mundo, isto , a sua
subjetividade e seu modo de
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pensar, uma vez que, ao adquirir determinado produto, ele cr
apropriar-se de uma nova forma de existir (BORIS; CESDIO,
2007).
A respeito disso, Melman (2008) salienta que a mdia,
principalmente os discursos publicitrios, esto a servio da economia
de mercado e, portanto, interpelam o consumidor a adequar-se s
ofertas que lhe so dirigidas, sendo elas que passam doravante a
subjetiv-lo, que lhe impem um objeto, o qual induz um apetite
identificvel, agora, pela marca do produto (p.181).
De acordo com Santos (2003) estamos diante de um novo
encantamento do mundo, no qual o discurso e a retrica so o princpio
e o fim. Esse imperativo e essa onipresena da informao so prfidos,
j que a informao atual tem dois rostos: um pelo qual ela busca
transmitir conhecimento, e o outro, pelo qual ela busca persuadir.
Este o trabalho da publicidade.
Sobre o discurso Ferreira (2006, p. 169) diz: Todo discurso
proferido a partir de uma posio, uma situao de fala que permite ou
no, autoriza ou no, o sujeito que fala. Neste sentido, todo dizer
ideologicamente marcado, sujeito e discurso se confundem, se fundem
e materializam suas opes ideolgicas. No h discurso sem sujeito,
fora da lngua, do simblico ou da ideologia.
Assim, a mdia ao representar uma via de informao e reproduo de
uma prtica discursiva, portanto ideolgica, acaba por socializar os
fatos e normas, atuando como um agente organizador do espao social.
Ocupando, assim, um papel central para a consolidao das
representaes que passam, ento, a assumir um carter coletivo
normalizador na constituio de uma identidade e subjetividade
especficas (VASCONCELOS; SUDO; SUDO, 2004).
O fato que, como lembra-nos Enriquez (1991), a publicidade
utiliza-se de um discurso incontestavelmente sedutor e sendo assim
o discurso no necessita significar coisa alguma, pois ele se apia
em palavras bem selecionadas, formas de pronunciao evocadoras,
sorriso aliciador, a fim de convencer o consumidor e mostrar uma
irrealidade como verdade.
Frente a esse cenrio de seduo, onde a publicidade atravs de seu
discurso fascinante busca convencer os indivduos que na aquisio de
objetos este poder sentir-se completo e feliz, assumindo um lugar
de agente da verdade, que o sujeito ps-moderno que, como se viu
encontra-se desorientado diante de tantas opes que o demandam gozar
acima de tudo. Alm disso, o sujeito ps-moderno, que encontra-se sem
um referencial fixo e organizador de sua subjetividade como fora em
outrora, acaba mais suscetvel a seduzir-se pela promessa da
publicidade de que ao consumir determinados objetos poder
satisfazer-se plenamente.
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Entretanto, sabe-se a partir da psicanlise que a satisfao
completa um ideal impossvel, uma vez que na falta e a partir da
falta que o sujeito se constitui e se organiza subjetivamente.
Podemos, ento, pensar que o discurso publicitrio repousa sobre um
ideal avesso ao da psicanlise, na medida em que o que promulga a
iluso de que o sujeito possa se desfazer da angstia oriunda da
perda do objeto, e isso, como sabemos, sempre deixa restos. So
esses restos, incapazes de obliterar-se, justamente o que permite
emergir o sujeito, que o discurso publicitrio sobre o consumo
parece querer aniquilar. Mas quais seriam as implicaes desses
discursos para a produo de subjetividades?
O discurso publicitrio sobre o consumo e a produo de novas
configuraes subjetivas
Como se viu, nesse cenrio cultural o qual se denomina de
ps-modernidade, a renncia pulsional que outrora era imposta pela
sociedade moderna cede seu lugar a uma outra lgica de organizao
subjetiva, operada pela incitao satisfao completa dos desejos dos
sujeitos pelo consumo de objetos que adquirem uma dimenso ilusria
de poder tamponar a falta constitutiva do sujeito.
Nesse novo dispositivo operado principalmente pelos discursos
publicitrios, percebe-se que o sujeito ps-moderno encontra-se
destitudo de seu lugar, isto , no mais o sujeito do inconsciente, o
sujeito do desejo que estrutura-se a partir da relao com um objeto
que inconsciente (MELMAN, 2003).
Sendo assim, o sujeito ps-moderno torna-se explcito,
diferentemente da poca freudiana na qual a cultura lhe impunha o
recalque, o que equivale a dizer que o sujeito passa ento a ficar
completamente presente no campo das representaes, o sujeito do
enunciado, que designa de maneira totalmente clara qual o objeto
concernido por seu desejo, o conhecimento deste objeto provindo da
opinio (MELMAN, 2003, p. 150).
Ora, o que Melman quer dizer que, justamente na medida em que o
sujeito ps-moderno passa a referir-se no mais quele Outro da era
freudiana, um Outro ancestral capaz de sustentar o sujeito, mas sim
a um Outro da opinio, da informao, do discurso publicitrio, o
sujeito, aquele do desejo, tende a perder seu lcus, seu
estatuto.
Isso porque, vive-se ento, em um tempo em que, diferentemente
daquele pautado na tica edipiana onde havia a implicao em perder
algo, que o que possibilita o indivduo vir a ser sujeito, a tica
atual pretende burlar a dimenso da perda, parte constitutiva da
subjetividade. Na ps-modernidade o que passa operar ento, nos
discursos publicitrios, que pode-se ser qualquer coisa, ter
qualquer coisa e com isso sentir-se completo e feliz. a
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era do voc quer, voc pode!, onde prima-se por um excesso em
tudo, por um gozo pleno, culminando em uma falsa promessa de
completude.
Sendo assim, os discursos publicitrios sobre o consumo ao
propagar um ideal de que se pode tudo, onde no h limite para o gozo
desde que se queira, contribui sobremaneira para alteraes no modo
do sujeito constituir-se subjetivamente. De acordo com Rolnik
(1997), as subjetividades, independentemente de sua morada, tendem
a ser povoadas por afetos dessa profuso cambiante de universos; uma
constante mestiagem de foras delineia cartografias mutveis e coloca
em cheque seus habituais contornos.
Isto porque como vimos anteriormente, a constituio de
subjetividades est indissociavelmente ligada a cultura em que se
vive. Dessa forma, o processo de constituio subjetiva opera-se por
intermdio da relao estabelecida com o mundo e com os demais
indivduos, todos esses imersos em determinada cultura e perodo
histrico. Entretanto, cabe ressaltar que essa relao estabelecida
entre o mundo e as pessoas mediada pela linguagem. Nesse sentido,
Benveniste (1995), tratando do sistema simblico, aponta a linguagem
como um dos dados mais essenciais da condio humana, da conclui o
seguinte:
No h relao natural, imediata e direta entre o homem e o mundo,
nem entre o homem e o homem. preciso haver um intermedirio, esse
aparato simblico, que tornou possveis o pensamento e a linguagem.
Fora da esfera biolgica, a capacidade simblica a capacidade mais
especfica do ser humano (BENVENISTE, 1995, p. 31).
Ora, o discurso por sua vez, para a psicanlise, um modo de
estruturao da linguagem que organiza a comunicao, pois todo o
discurso dirige-se a um outro, determinando as relaes do sujeito
com os significantes, com o objeto causa de desejo, produzindo o
sujeito e as suas formas de gozo, ao passo que regula as formas do
vnculo social (BETTS, 2003).
Sendo assim, inegvel considerar que as estruturas discursivas
determinam as formas de funcionamento do lao social e do curso da
histria, bem como os funcionamentos linguageiros aos quais o
sujeito se encontra assujeitado (CHEMAMA, 2002).
neste sentido que a psicanlise prope um destaque ao discurso, a
linguagem, como aquilo capaz de determinar um sujeito, isto ,
produzi-lo, caus-lo, orient-lo na relao que estabelece com seu
desejo, com o objeto perdido para sempre, mas que busca
reencontrar, o que equivale dizer que produz subjetividade
(CHEMAMA; VANDERMERSCH, 2007).
A partir disso, poder pensar-se que o discurso publicitrio sobre
o consumo contribui para a produo de subjetividades especficas na
medida em que o que justamente nega o de
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mais peculiar do sujeito, a sua impossibilidade de satisfazer-se
completamente com um objeto.
Lacan, em seu seminrio intitulado A tica da psicanlise (1959),
retoma a noo freudiana da perda do objeto. O autor refere ento que
este objeto trata-se de uma perda originria, pela qual o sujeito
passa a se inscrever como sujeito construdo pela linguagem e pela
cultura. Lacan, nesse mesmo seminrio, vai mostrar que o gozo da
ordem do impossvel, uma vez que a lei que instaura o gozo nessa
ordem.
Sendo assim, na medida em que o sujeito ps-moderno passa a
subjetivar-se pelo imperativo do gozo, deslocando o imperativo da
renncia, surgem novas configuraes subjetivas. Nesse sentido,
Antunes (2003), contribui salientando que no lugar do simblico na
formao dos sintomas em nvel inconsciente vemos reinar soberanos
sintomas que se confundem com o carter e o modo de viver e usufruir
o corpo. Surgem assim, segundo a autora, o pnico no lugar da
angstia de outros tempos, a hiperatividade, as compulses,
toxicomanias e adices, entre outras.
Podemos pensar que em tempos nos quais triunfa o excesso sobre a
renncia, que evidentemente surgiro formas de subjetivao perpassadas
justamente pelo excesso, onde tudo na medida em que no tem limite
acaba por transbordar. o que aparece cada vez mais na clnica
psicanaltica, sujeitos engolfados pelo excesso de tudo,
impossibilitados, muitas vezes, de simbolizar a constante demanda a
que esto submetidos.
Neste sentido, as novas subjetividades que se configuram em
tempos ps-modernos, nos quais impera o ideal pautado pelo excesso
de gozo, parecem ter o corpo como lugar privilegiado do mal-estar e
sofrimento que no conseguem ser simbolizados pelo sujeito, haja
vista a maior incidncia das toxicomanias, bulimia, anorexia.
Ora, se vemos emergir novas patologias, novas formas de
subjetivao, qual ser o lugar da clnica psicanaltica frente a este
novo cenrio?
A psicanlise frente s novas configuraes subjetivas na
ps-modernidade
Como se viu at o presente momento, enquanto na poca freudiana a
psicanlise deparava-se com uma cultura repressora, que claramente
impedia a satisfao das pulses, hoje na era ps-moderna vive-se em
uma cultura que prima pela liberdade, que incentiva a busca
desenfreada pelo prazer, uma sociedade que como lembra-nos Melman
(2008) propagandeia a livre expresso dos desejos e a busca pela
plena satisfao deles, ideais que,
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em contrapartida, como vimos da ordem do impossvel, portanto
conduz o sujeito ao fracasso e impotncia.
Em termos psquicos tal situao vivenciada sob a forma de um
excesso pulsional resultando em imensa angstia para os sujeitos.
Portanto, diferentemente da poca freudiana que se detinha nas
consequncias psquicas das represses impostas pela cultura, a
satisfao da pulso, nossa clnica psicanaltica hoje passa a se ocupar
dos efeitos subjetivos oriundos da imposio cultural, propagada
principalmente pelos discursos publicitrios sobre o consumo, que
orienta a busca pela satisfao completa dos desejos a qualquer
custo.
Assim, o sujeito ps-moderno v-se aprisionado em um discurso
sedutor, que promete o acesso felicidade e satisfao plena caso ele
adquira o produto certo, um produto que ilusoriamente promete dar
conta da singularidade do sujeito, isto , do seu desejo. Como
vimos, esse discurso avesso ao da psicanlise sobre a peculiaridade
do sujeito do desejo, que um sujeito barrado, dividido, organizado
subjetivamente a partir da instaurao de uma falta, falta esta que o
funda e o posiciona frente ao seu desejo incapaz de ser plenamente
satisfeito.
neste sentido que Birman (2001) afirma que em primeiro lugar a
psicanlise deve abster-se de sua onipotncia inicial, quando na poca
freudiana pensara o acesso felicidade a partir do equilbrio dos
desejos sexuais com o processo civilizatrio. Sendo assim, deve
antes de tudo retomar os textos freudianos a partir de 1915, nos
quais Freud reconhece que o desamparo originrio e, portanto,
estrutural.
Sendo assim, poder-se-ia pensar que a clnica psicanaltica das
novas subjetividades uma clnica que deve constituir-se mais alm do
princpio do prazer, da busca de formas de estancar o mal-estar, ou,
em outras palavras, ser irredutvel clnica do sujeito cindido. Isso
porque, na era ps-moderna, o discurso publicitrio, que atende a
lgica capitalista, apresenta ao sujeito a via do consumo como soluo
da falta-a-ser que constitui o sujeito, expulsando da sua morada o
sujeito do inconsciente, como explicitara Melman.
De acordo com Kell (2007), na ausncia do lugar de falta-a-ser do
sujeito ps-moderno a psicanlise deve ocupar o lugar de trao mnimo
para designar o sujeito perante o Outro, isto , o reconhecimento da
filiao, isso significa reconhecer a dvida simblica, o que
possibilita assegurar ao sujeito as marcas inconscientes que do
consistncia ao ser.
Portanto, a clnica psicanaltica deve oferecer um lugar possvel
para que o sujeito possa produzir respostas ticas sobre seus
conflitos, que um caminho bastante distinto daquele pautado pelo
imediatismo e, assim, possibilitar que o sujeito possa falar para
surgirem suas verdades singulares.
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Pois na falta de quem nomeie o campo do desejo e do gozo, o
sujeito da atualidade fica perdido, desorientado. por isso que o
papel do analista seria ento de legislar sobre o gozo, isto ,
introduzir significantes que separem o sujeito e suas demandas na
busca de satisfao plena e imediata, possibilitar que uma nova posio
subjetiva se instale pela via do desejo, e no mais por uma submiso
passiva ao gozo do outro (OCARIZ, 2003).
Para esses indivduos, a clnica deve se pautar para alm da
interpretao, mas para a nomeao, dar nome ao que no existe, ao que
transborda, possibilitar a simbolizao. Reinserir o sujeito que foi
excludo do campo do desejo, para assim resgatar a dimenso do
sujeito do inconsciente.
Pois afinal, de que tica fala-nos a psicanlise? Uma tica
puramente do desejo, isto , cabe ao analista sustentar o lugar da
causa de um sujeito, um lugar essencialmente de encontro com a
ordem da impossibilidade da satisfao pulsional, para que assim o
indivduo possa elaborar aquilo que provm da sua diviso enquanto
sujeito, a saber: o desejo.
MEDIA AND NEWS FORMS OF SUBJECTIVITY Speech advertising,
consumption and new settings postmodern culture
Abstract This study aims to reflect about the new subjective of
settings post-moderns person from questioning the
inter-relationship between advertising speech on consumption as an
ideal of happiness and completeness of the postmodern culture and
the production of subjectivity. Thus it was discussed the influence
of the media, specifically advertising speech on consumption, which
serves to keep the capitalist logic that passes over post-modern
culture, to form new subjective configurations. From this it will
be thought the discourse of psychoanalysis face the ideal of
completeness offered by advertising through its speeches on
consumption and the place of psychoanalytic practice facing the
uncomfortable caused from the postmodern culture.
Keywords: Post-modernity. Advertising speech. Consumption.
Enjoyment e and subjectivity
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________________________
1 O Outro no se trata de um semelhante, mas sim de uma ordem
radical anterior e exterior ao sujeito, da qual
depende, mesmo que pretenda domin-la (CHEMAMA, 2002).
2 Trata-se do afastamento de uma significao, a qual, devido
castrao, no tolerada pelo consciente: a
significao simblica suportada pelo falo (CHEMAMA; VANDERMERSCH,
2007).
3 O gozo refere-se ao desejo, essencialmente, ao desejo do
inconsciente. O gozo se ope ao prazer, no podendo
ser compreendido como satisfao de uma necessidade, trazida por
um objeto capaz de preench-la. Portanto, o gozo da ordem do
interdito (CHEMAMA; VANDERMERSCH, 2007).
4 Refere-se a um momento precoce em que a criana investe toda a
sua libido em si mesma. Trata-se da criana
tomar a si como objeto de amor, antes de escolher objetos
exteriores (LAPLANCHE; PONTALIS, 2008).
5 Produto da metfora paterna que atribui primeiramente a funo
paterna ao efeito simblico de um puro
significante e posteriormente designa aquilo que rege a dinmica
subjetiva, ao inscrever o desejo no registro da divida simblica
(CHEMAMA; VANDERMERSCH, 2007).
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6 Segundo Lacan, o objeto a o objeto causa do desejo. No um
objeto do mundo, portanto s identificado sob forma de fragmentos
parciais do corpo, redutveis a quatro: o objeto da suco (seio), o
objeto da excreo (fezes), a voz e o olhar. Portanto, como parte
destacada do corpo representvel, o objeto a constitui-se e opera
como falta a ser. Essa falta substituda, como causa inconsciente do
desejo, por: a de uma causa para castrao (CHEMAMA, 2002).
7 Refere-se a um princpio econmico que, segundo Freud, busca a
regulao, isto , evitar o desprazer e proporcionar o prazer
(LAPLANCHE; PONTALIS, 2008).
Data de recebimento: 22/06/2012 Data de aceite: 15/01/2014
Sobre os autores: Fernanda Saldanha Zorzan Psicloga,
especialista em Atendimento Clnico - Abordagem Psicanaltica - ULBRA
- Santa Maria. Endereo eletrnico: [email protected]
Arnaldo Toni Sousa das Chagas Psiclogo, doutor em Cincias da
Comunicao pela UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos /
RS). Professor da ULBRA Santa Maria. Endereo eletrnico:
[email protected]