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A POLTICA EXTERNA E O MERCOSUL NAS
ELEIES PRESIDENCIAIS DE 2014
The foreign policy and the Mercosul in the presidential
elections of 2014
Ana Regina Falkembach Simo1
Introduo
Este artigo analisa a poltica externa e as eleies de 2014 no
Brasil, com
destaque para a questo do Mercosul. crvel que desde o incio do
sculo XXI a
poltica externa tem se tornado um tema de debate na sociedade
brasileira, passando a
ocupar tambm um espao mais significativo nos processos
eleitorais. Historicamente
esta matria no fazia parte da agenda da mdia brasileira e,
tampouco, fazia parte dos
debates eleitorais. Em geral, a poltica externa ficaria restrita
aos espaos especializados
ao Itamaraty e ao mundo acadmico. De fato, a partir do governo
Lula a poltica
externa ganhou novos contornos e um deles foi o seu vis social
que, de certa forma,
contribuiu para aproxim-la da prpria sociedade brasileira.
Conforme observa Maria
Regina Soares de Lima (2009, p. 44) desde 2003, a mudana tem
predomnio sobre a
continuidade. A incluso da agenda social como tpico importante
da poltica externa
foi uma das primeiras e maiores inovaes.
No entanto, mesmo considerando o quanto efetiva a trajetria de
aproximao
do tema com a sociedade, a poltica externa ainda no se tornou um
assunto
determinante nos processos eleitorais. Ainda que nas duas ltimas
eleies presidenciais
2006 e 2010 , tenha ocupado um espao mais relevante no debate
poltico,
envolvendo uma camada no desprezvel da sociedade brasileira, a
poltica externa,
como lembram Oliveira e Onuki (2003, p. 145), [...] no d voto e
no tira voto.
1 Doutora em Histria pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Professora de Relaes
Internacionais da ESPM/Sul e da ULBRA.
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Segundo os mesmos autores, a poltica externa ainda desempenha
apenas uma
influncia indireta nas eleies. Cabe observar que a baixa
relevncia de temas
internacionais na deciso do eleitor explica, em grande medida, o
comportamento
reiteradamente pacfico do poder Legislativo em matrias
internacionais (OLIVEIRA;
ONUKI, 2003, p.145).
Os dois aspectos acima assinalados, embora aparentemente
contraditrios, so
complementares quando da anlise da realidade poltica brasileira.
Se por um lado, os
temas de poltica externa ainda no impactam as eleies, por outro
vm constituindo
matria recorrente na mdia e no prprio debate poltico. Vale
ressaltar que, desde o
incio de 2014, os assuntos de poltica externa tm sido
incorporados nas falas dos
candidatos presidncia do Brasil com uma intensidade digna de
nota. Seno, vejamos.
O senador e presidencivel Acio Neves, do PSDB, quando esteve em
Porto Alegre, em
maro deste ano, participando do Frum da Liberdade, promovido
pelo Instituto de
Estudos Empresariais (IEE) props simplesmente o fim do Mercosul.
Em palestra
durante o evento, classificou o bloco econmico como coisa
anacrnica que no est
servindo a nenhum interesse dos brasileiros (NEVES apud BUENO,
2014). O ento
tambm presidencivel Eduardo Campos, do PSB, que faleceu em meio
campanha
eleitoral em decorrncia de um fatal acidente areo ocorrido em
Santos, litoral paulista,
em treze de agosto de 2014, comungava da mesma posio. Em
entrevista concedida
dois meses antes de sua morte, Campos criticou a poltica externa
do governo Dilma,
baseada nas relaes Sul-Sul, sustentando que o Brasil no pode
ficar amarrado as
velhas institucionalidades do sculo 20, como o Mercosul. O
Mercosul precisa ser
preservado mas preservado com o interesse do pas, podendo
alargar suas fronteiras
comerciais e suas relaes bilateriais(Folha, online, 10/06/14).
Na contramo de seus
concorrentes, a presidente Dilma, dando continuidade ao projeto
do governo Lula,
guarda no Mercosul um dos pilares da poltica externa brasileira.
Portanto, em meio aos
vrios assuntos pautados nas eleies presidenciais de 2014,
seguramente encontra-se o
do Mercosul. Diante disso, caberia repisar alguns aspectos
acerca deste tema que, muito
embora j analisado pela academia em diversos contextos, ganha um
novo relevo no
perodo eleitoral.
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O Mercosul na perspectiva histrica
A partir da segunda metade dos anos 1980, a formao de blocos
envolvendo
pases vizinhos compe o contexto internacional e reorienta as
polticas externas de
vrios pases da Amrica, sia e Europa. Neste novo cenrio veremos
surgir a
integrao entre os Estados Unidos, Canad e Mxico; do Japo, Coria
do Sul, Taiwan,
Hong Kong e Cingapura; da Comunidade Econmica Europeia, que
vinha num
processo de integrao regional desde a dcada de 1940, alm da
cooperao entre
Brasil e Argentina, que resultaria na criao do Mercosul, em
1991.
Em que pese o quadro de instabilidade econmica existente nos
pases latino-
americanos durante a dcada de 1980, houve uma mobilizao
consistente para a
integrao regional. O acercamento entre Brasil e Argentina na
dcada de 1980 pode ser
considerado um paradigma no processo de cooperao regional. Os
governos brasileiro
e argentino acabaram privilegiando a aproximao, valorizando a
poltica como
elemento fundamental para consolidar a cooperao, ainda que sem
desconsiderar a
importncia do aspecto comercial.
Alguns dados ilustram os caminhos da integrao comercial entre o
Brasil e a
Argentina. Entre 1975 e 1984, perodo marcado por governos
autoritrios em ambos os
pases, o Brasil fora responsvel por 40% das importaes
argentinas, que envolviam de
manufaturas a produtos de bens durveis, como TVs, tratores,
camionetas, vdeos, assim
como produtos qumicos e barras de ferro. De acordo com os dados
relativos s
exportaes brasileiras para a Argentina, h uma ntida elevao de
US$ 340.000
milhes, em 1978, para pouco mais de US$ 1 bilho, em 1980. Muito
embora tenha
havido um declnio nos trs anos seguintes de US$ 893.338, em
1981, para US$
687.716 milhes em 1982 e US$ 666.799, em 1983 , houve novamente
um aumento
das exportaes em 1984, para US$ 831.152 milhes (BANDEIRA, 2003,
p. 438).
Assinala-se, portanto, que com o governo de Joo Figueiredo, em
1979, o Brasil
e a Argentina apontam para o entendimento, dando incio a uma
nova fase da relao
entre os dois pases. A partir deste momento, o dilogo com a
Argentina passaria a ser
prioritrio. No so poucos os exemplos que ilustram esta
aproximao, a comear pela
assinatura do acordo Tripartite Corpus-Itaipu, em 1979, o acordo
de cooperao nuclear,
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a criao de um grupo binacional para negociar as questes
comerciais e o apoio dado
pelo Brasil Argentina durante a Guerra das Malvinas (SARAIVA,
2012, p. 57).
Na esteira desta nova fase de entendimento, esto os governos
civis de Jos
Sarney e de Ral Alfonsin, que no apenas deram continuidade aos
acordos j
estabelecidos pelos governos militares dos dois pases, como
tambm criaram um
mercado comum. Em 1985 os dois presidentes decidiram que em dez
anos seria criado o
mercado comum. Conforme aponta Raul Bernal-Meza (2002, p.
43):
A partir de 1985 o Brasil constri sua parceria estratgica com
a
Argentina considerada a principal e mais ampla, que serviria de
plataforma para redefinir as relaes no plano regional dentro do seu
universalismo seletivo. Permitiu proporcionar
instrumentalidade ao universalismo dos anos 80 e renov-lo
luz dos novos cenrios, ao mesmo tempo em que mantinha sua
vocao mundial.
Com o avano desta pareceria, em 1988, foi criado o Tratado de
Integrao,
Cooperao e Desenvolvimento. Pouco depois, em 1991, ocorreu a
Assinatura do
Tratado de Assuno, que anteciparia em quatro anos a criao do
Mercosul. Para o
Brasil de Collor de Melo e para a Argentina de Carlos Menem, a
formao do Mercosul
continuava sendo uma estratgia, porm naquele momento servira
para a insero
internacional brasileira e argentina, aps frustradas tentativas
de ambos os pases de
internacionalizarem-se via relao com Washington. Na percepo
equivocada de
Collor de Melo, os Estados Unidos eram o nico polo de poder
mundial. Eufrico com a
queda do muro de Berlim, com o colapso sovitico e com a ideia da
existncia de uma
nova ordem mundial, o jovem presidente no observou atentamente
as mudanas
polticas e econmicas do contexto internacional, que apontavam
para o desgaste dos
Estados Unidos.
relevante observar que a nova poltica externa brasileira e
argentina, que
acabou instituda com a Assinatura do Tratado de Assuno, criando
o Mercosul,
deixou de valorizar a soberania, a diplomacia autnoma, o
terceiro-mundismo, o projeto
de desenvolvimento econmico que vislumbrava a substituio das
importaes e, at
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mesmo, o aprofundamento no campo tecnolgico, em favor de um
modelo de
cooperao supostamente dinmico e inexorvel, pautado pelo mercado.
Entretanto, tal
viso acabar sendo superada, bem como o prprio governo Collor que
entra em rota de
coliso com a sociedade e a classe poltica brasileira, at o
inevitvel impeachment.
Com os presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, o
Mercosul
ganhou uma importncia estratgica para o Brasil, alm de receber
consistncia
jurdico-institucional significativa. No governo de Fernando
Henrique Cardoso foi
institucionalizada a unio aduaneira entre os quatro pases
membros, alm da
participao da Bolvia e do Chile como membros associados ao
bloco. Na avaliao do
chanceler Luiz Felipe Lampria, realizada no ano de 1995, o
Mercosul alm de ser a
primeira unio aduaneira do hemisfrio meridional, propiciava uma
dinamizao da
atividade econmica como um todo e possibilitava a atrao de
investimentos na regio.
Para o chanceler com a adoo de uma tarifa comum (TEC) e a
concluso de um
programa de desagravao que reduziu os direitos alfandegrios no
comrcio intra-zona,
o Mercosul emerge de apenas trs anos e meio de negociao como
prova real de que a
integrao regional favorece a liberalizao comercial em termos
globais
(LAMPRIA, 1995, p. 32).
Para Raul Bernal-Meza, a poltica brasileira para o Mercosul teve
trs
finalidades:
1) permitir abrir gradualmente sua economia economia
mundial, fortalecido pela amplificao do mercado subregional,
e logo regional (ALCSA), graas aos ganhos de escala; 2)
enfrentar os desafios econmicos e polticos das estratgias
hegemnicas norte-americanas na Amrica Latina (ALCA); 3)
alcanar o reconhecimento mundial como potncia mdia,
graas sua liderana poltica no bloco e dimenso de um
mercado que o teria como o centro econmico-industrial
fundamental (MEZA, 2002, p. 44).
J Amado Cervo (2002), no balano da era Fernando Henrique
Cardoso, apontou
seis resultados positivos e seis aspectos que fragilizavam o
bloco, estes ltimos
responsveis pelo ceticismo de alguns analistas quanto ao seu
futuro. No que se refere
aos pontos positivos, foram destacados diversos aspectos em
diferentes reas: a
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empatia entre a inteligncia brasileira e argentina, resultando
numa srie de encontros
com a participao de empresrios, intelectuais, bem como a produo
de livros e
artigos, que apontaram as afinidades e as divergncias entre
ambos os pases; as novas
condies psicossociais, que conduziram naturalmente criao da zona
de paz no
Cone Sul, com impacto positivo sobre a Amrica do Sul; o aumento
do comrcio
intrazonal de 4,1 bilhes de dlares em 1990 para 20,5 bilhes em
1997 e 18,2 bilhes
em 2000, perodo em que as exportaes do bloco cresceram 50% e as
importaes
180%; a transformao do Mercosul em sujeito de direito
internacional pelo
protocolo de Ouro Preto de 1994, podendo negociar sobre a arena
internacional; e
finalmente, o fato do Mercosul ter produzido uma imagem positiva
acima da prpria
realidade, fortalecendo seu poder de barganha como bloco e o de
seus membros
isoladamente (CERVO, 2002, p. 25-26).
Quanto aos aspectos criticveis do bloco, destaca-se a observao
de que o
Mercosul seria caracterizado por um processo de integrao
assimtrico que no criou
mecanismos de superao de desigualdades entre os membros e, no
interior destes, entre
zonas hegemnicas e perifricas, frustrando assim a expectativa de
uma possvel
elevao do nvel social do bloco (CERVO, 2002, p. 26-27). Outra
avaliao ctica
refere-se ao enfraquecimento das negociaes internacionais
realizadas pelos Estados,
em funo de elevar a condio de zona de livre comrcio para a de
unio aduaneira
sem instituies comunitrias. Assim, um ponto de descrdito acerca
do futuro do
bloco, ainda segundo a avaliao de Amado Cervo, que o processo de
integrao do
Mercosul elegeu o comrcio exterior como ncleo forte. Os membros
do grupo
adotaram, contudo, medidas unilaterais, desmoralizando o
mecanismo da tarifa externa
comum que haviam implantado. Entretanto, conforme observa Andr
Reis (2009, p.
144), considerando os ganhos e as perdas, o Mercosul como unio
aduaneira imperfeita
favoreceu o Brasil, que conservou sua autonomia decisria e usou
o bloco como
instrumento de negociao em outros espaos.
Com a chegada de Luis Incio Lula da Silva presidncia do Brasil,
em 2003, o
Mercosul ganhou novos contornos. Embora o governo Lula tenha
herdado um bloco
com fragilidades, em funo da crise brasileira de 1999 e da crise
argentina de 2001, a
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reconstruo do Mercosul e a integrao da Amrica do Sul se tornaram
itens
prioritrios na agenda de poltica externa do Brasil. Segundo
Paulo Visentini (2013), a
poltica externa brasileira buscou estabelecer uma nova aproximao
com os pases do
bloco, apontando para uma parceria que fosse capaz de retomar o
crescimento
econmico dos pases vizinhos. O incremento da economia dos pases
que compe o
bloco uma condio indispensvel para que a integrao deixe de ser
virtual,
possibilitando uma ao estratgica no plano global que reverta a
marginalizao
crescente que a regio sofre (VISENTINI, 2013, p. 114).
Um dos instrumentos voltados para esta finalidade foi a criao de
novos
mecanismos, a exemplo do FOCEM Fundo de Convergncia Estrutural
e
Fortalecimento Institucional do Mercosul. Este fundo foi
apresentado como uma medida
singular para fortalecer o processo de integrao regional. Criado
no final de 2004, o
fundo tem o objetivo de financiar projetos de melhorias na
infraestrutura das economias
menos robustas do bloco o Paraguai e o Uruguai bem como melhorar
as condies
das regies menos desenvolvidas e promover o desenvolvimento
social nas zonas de
fronteira. Na mesma direo, Paulo Visentini (2013) destaca os
financiamentos
promovidos pelo BNDS para os projetos de melhorias na
infraestrutura fsica sul-
americana, medidas que contribuem para mitigar as assimetrias
que comprometem o
futuro do bloco. Embora as assimetrias sejam uma realidade de
difcil soluo na regio,
defende o autor, tais iniciativas, conjuntamente, contribuem
para o aprofundamento da
integrao regional (VISENTINI, 2013, p. 114). Quanto ao papel
financiador do BNDS
na Amrica do Sul, Williams Gonalves anota que em 2011, a soma
dos financiamentos
do banco na regio chegou cifra de US$ 1,7 bilho, recurso que tem
beneficiado,
sobretudo, Argentina e Venezuela. Desta forma, no ano de 2011,
os emprstimos
realizados pelo BNDS na regio representaram o dobro dos
emprstimos feitos pelo
Banco Mundial (GONALVES, 2013, p. 57).
Outro aspecto digno de nota, que contraria as previses cticas em
relao ao
Mercosul e tambm aponta para a busca de qualificao da integrao
regional e
diminuio das assimetrias, o fato de que a partir de 2003 outras
reas, para alm da
comercial, foram incorporadas ao bloco. A educao, a poltica e o
campo cientfico-
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tecnolgico passaram a compor o projeto de cooperao regional.
Como lembra Miriam
Saraiva, o bloco avanou para reas no previstas no Tratado de
Assuno, mostrando
que a defesa de uma integrao de carter mais poltico e social est
em sintonia com
as escolhas do governo brasileiro (SARAIVA, 2013, p. 148). Tais
escolhas da poltica
externa possibilitam a criao de novos espaos para a integrao da
regio que vo
alm do econmico/comercial, aspectos que embora fundamentais para
o sucesso de um
bloco regional, so limitados e podem ficar ao sabor dos ganhos
em curto prazo e
conjunturais.
Eleies, poltica externa e o futuro do Mercosul
Aps mais de duas dcadas deste a criao do Mercosul, o futuro do
bloco tem
sido avaliado com consistncia por diferentes lentes tericas.
Embora no sejam poucos
os estudos que demonstram as fragilidades do Mercosul e apontam
para seus aspectos
contraditrios, a quase unanimidade das pesquisas reconhece a
importncia do Mercosul
e a necessidade de sua manuteno e aprofundamento, tanto no
campo
econmico/comercial, como tambm em reas que possibilitem uma
maior simetria no
bloco.
Avaliando o desenvolvimento do bloco, Willians Gonalves (2013,
p. 57)
destaca que o Mercosul marcado por duas fases bem definidas. A
primeira, que inicia
em 1991, caracterizada por um vis neoliberal segundo o qual o
bloco regional
deveria fomentar o comrcio intrabloco e atrair investimentos do
exterior. J a
segunda, que tem incio em 2003, seria conduzida pelas ideias
neo-
desenvolvimentistas, de acordo com as quais ao Estado compete o
papel de abrir
caminho e apoiar a integrao regional estimulando a produo, por
meio da ampliao
do mercado interno. As duas fases ilustram com clareza o debate
acerca da importncia
do bloco regional. Ou seja: por um lado h uma crena de que a
dimenso comercial
deve ser preponderante e que o bloco serve para que os pases que
o compem tenham
supervits comerciais e com isso possam ter as melhores relaes
possveis com os
pases desenvolvidos, na expectativa de serem beneficiados com a
abertura de mercados
para suas exportaes e com a recepo de investimentos produtivos
(GONALVES,
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2013, p. 59). Os governos brasileiros e argentinos dos anos 1990
aliceraram suas
polticas externas com base neste iderio, oferecendo em troca dos
possveis
investimentos votos nos fruns multilaterais. A alternativa a
esta percepo seria
apresentada pelos governos de vis nacionalista, voltados para a
proteo das riquezas
nacionais e para a industrializao, supondo que somente por esse
meio possvel
alcanar mais desenvolvimento econmico-social (GONALVES, 2013, p.
59).
Nesta perspectiva de anlise, a ordem internacional apontada
como
benevolente com os pases do Norte e, portanto, somente atravs de
polticas conjuntas
desenvolvidas entre os pases do Sul haveria uma possibilidade
real de alterao desta
ordem. Neste sentido, o Mercosul e a Unasul so exemplos de
parcerias estratgicas que
apontam para este desiderato. No entanto, em oposio a esta
perspectiva, se encontra a
ideia de que a ordem internacional muito pouco permevel mudanas
e, sendo assim,
o recomendvel associar-se aos que tm maior poder no tabuleiro
poltico e
econmico internacional. De acordo com esta linha de conduo
diplomtica, o mais
adequado para o Brasil seria ter nos Estados Unidos e Europa os
grandes parceiros
estratgicos. Evidentemente, guardando a devida importncia ao
regional na medida em
que ele contribui para a ampliao do livre comrcio. De fato, so
estas duas percepes
de poltica externa e de proposta de integrao regional que
norteiam e certamente
conduziro o debate poltico acerca dos rumos e do futuro do
Mercosul.
Neste ano de eleies presidenciais no Brasil, os dois modelos de
integrao so
(re) apresentados para a sociedade brasileira atravs dos
distintos programas de governo
e, sobretudo, de diferentes concepes de polticas externas. crvel
que o Mercosul
enfrenta desgastes e que mudanas seriam pertinentes para o
aprofundamento do bloco.
Sabe-se tambm que as dificuldades encontradas na integrao
regional muitas vezes
decorrem do contexto internacional e no so reflexos apenas da
falta de adequadas
polticas que melhorem as condies de integrao regional. Conforme
os cientistas
polticos Marcos Cepik e Carlos Arturi, existem imperativos
estratgicos sistmicos
(ligados ao reordenamento do poder mundial) e regionais [...]
que impelem a regio para
a construo de polticas de defesa, externa e de provimento de
ordem pblica
sinrgicas e consistentes (CEPIK;ARTURI, 2011, p 681).
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Analisar o meio internacional e conseguir ocupar as brechas do
sistema torna-se
um desafio para a diplomacia de qualquer pas. No caso do Brasil,
as mudanas no
sistema internacional foram observadas, sobretudo, a partir de
2003. O projeto de
insero internacional do governo Lula colocou a diplomacia
brasileira num patamar de
destaque, inclusive no mbito de uma agenda miditica, mobilizando
intensas reaes
de elogios e crticas. Ou seja: se por um lado a poltica externa
do presidente Lula pode
ser considerada um dos pontos altos e de sucesso do governo, na
medida em que inseriu
o Brasil internacionalmente de forma afirmativa construindo
novas parcerias
estratgicas, a exemplo do Frum de Cooperao ndia, Brasil e frica
do Sul, da
participao nos BRICS, do aprofundamento das relaes com a Amrica
do Sul e
Caribe e da prpria consolidao de uma nova fase do Mercosul por
outro, foi alvo de
grande parte das crticas ao governo, que em geral a
classificaram e a classificam como
sendo ideolgica e partidarizada, na medida que est em sintonia
com o paradigma
das relaes Sul-Sul.
Conforme o embaixador Rubens Barbosa, em artigo publicado no
site do
Instituto Millenium, em 15 de janeiro de 2014, neste
momento:
[...] parece ser oportuno que alguns temas comecem a ser
discutidos para influir nos programas dos futuros
candidatos.
Um dos temas que mais suscitaram controvrsia nos ltimos 12
anos foi o da formulao e execuo da poltica externa e a
conduo do Itamaraty, que era considerada uma das instituies
de excelncia na vida pblica brasileira
(http://www.imil.org.br/artigos/poltica-externa-eleies).
No mesmo artigo, o embaixador Rubens Barbosa2 apresenta uma
anlise feita
pelo senador e presidencivel Acio Neves acerca da poltica
externa brasileira. Embora
os pontos abordados por ele no sejam uma novidade para o
leitor/eleitor brasileiro
pois parte das crticas apresentadas j se tornaram corriqueiras
na mdia brasileira desde
o governo Lula a retomada da posio do candidato sinaliza para a
importncia que a
politica externa ostenta nas eleies presidenciais de 2014. Para
Acio Neves:
2 Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Washington no
perodo de 1999-2004.
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O vis ideolgico imposto nossa poltica externa nos ltimos
anos est isolando o Brasil do mundo. Demos as costas para
importantes naes democrticas e abraamos regimes de clara
inclinao totalitria, em flagrante contraste com as melhores
tradies da nossa diplomacia. Com viso de futuro, o
compromisso conquistar um lugar privilegiado para o Brasil
no mundo. necessrio abandonar a poltica externa de
alinhamento ideolgico adotada nos ltimos anos e resgatar a
tradio de competncia e a atuao independente da diplomacia
brasileira. O Itamaraty deve servir ao Brasil e defender o
interesse nacional, acima de todo e qualquer interesse
partidrio.
Nossa diplomacia deve, tambm, recuperar no exterior os
compromissos que defendemos internamente, como o repdio s
tiranias, o direito paz, a solidariedade internacional em
defesa
da democracia, o respeito aos direitos humanos e ao meio
ambiente
(http://www.imil.org.br/artigos/poltica-externa-eleies).
relevante notar que esta proposta de acabar com o Mercosul
apresentado no
Frum da Liberdade, em maro de 2014 que arrancou aplausos de uma
platia pouco
especializada em poltica e diplomacia, mas conhecedora do livre
mercado e defensora
da aproximao do Brasil com os Estados Unidos , no teve
continuidade, entretanto,
no programa de governo do candidato posteriormente divulgado
nacionalmente. Em
julho deste ano, ao apresentar oficialmente as diretrizes da sua
politica externa, observa-
se um recuo do candidato do PSDB em relao a alguns
posicionamentos, em especial
ao Mercosul. Segundo o programa do candidato tucano, comentado
pelo embaixador
Rubens Barbosa, no jornal Estado de So Paulo, em 22 de julho de
2014, no que diz
respeito ao Mercosul, paralisado e sem estratgia, a alternativa
ideal seria recuperar
seus objetivos de liberalizao comercial e abertura de mercado e
flexibilizar suas
regras a fim de poder avanar nas negociaes com terceiros pases
(BARBOSA,
2014).
Na mesma linha, embora menos eloquente, estavam as propostas do
ex-
governdor de Pernambuco e tambm presidencivel, Eduardo Campos,
que assinalava
que o Brasil precisaria ter outra poltica comercial para no
isolar o Brasil do mundo
e da competitividade. E como j anteriormente apontado, o resumo
de Campos
vaticinava que o Brasil no pode ficar amarrado ao Mercosul
(Folha, online,
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10/06/14). Vale destacar que, com a inesperada morte de Eduardo
Campos, a candidata
vice-presidncia Marina Silva, ex-Senadora, ex-Ministra do Meio
Ambiente do
governo Lula e lder do partido REDE, ganhou o apoio do PSB para
assumir a
candidatura presidncia pela Coligao Unidos pelo Brasil PSB,
REDE, PPS, PPL,
PRP, PHS, PS.
Conforme o programa de Governo desta Coligao, reapresentado aps
a
confirmao de Marina Silva como candidata presidncia, o Mercosul
deve ser
renovado e o Brasil ter que combater a estagnao do bloco.
Portanto, dentro desta
lgica, fundamental que o pas proponha mudanas, tais como
investir em
negociaes com outros pases e fechar acordos com cronogramas
diferenciados, visto
que, no entendimento desta Coligao, o Mercosul no tem cumprido
bem o desgnio
original de constituir uma modalidade de regionalismo aberto. A
expanso
significativa do comrcio intrarregional no foi acompanhada de
empenho negociador
do bloco em aumentar suas transaes com outras regies, critica
ainda o documento.
(PROGRAMA DE GOVERNO - http://marinasilva.org.br/programa/).
Em convergncia com o Programa de Governo, a candidata Marina
Silva aponta
que em seu governo haver "o princpio da integrao, mas isto no
impede que
possamos encontrar meios para ter rapidez para acordos
bilaterais, conforme
declaraes divulgadas pela Agncia de Notcias EFE. Ainda quanto a
questo do
Mercosul, a presidencivel assinala que na sua percepo, "na
negociao h
dificuldades, como o caso da Argentina, mas isso no deveria
impedir que o Brasil
seguisse. uma questo de defender os interesses do pas sem
prejudicar o resto". A
sequncia de suas declaraes esclarece o que seria exatamente esse
resto: a candidata
observou que " preciso relanar o dinamismo no comrcio com os
Estados Unidos e a
UE e fundar novos padres comerciais com o Chile". (Agncia de
Notcias EFE -
http://www.efe.com, 29 de agosto de 2014). Finalmente, no que
tange totalidade do
continente americano, a Coligao Unidos pelo Brasil prope uma
poltica de
aproximao do Mercosul com a Aliana do Pacfico e uma "agenda
positiva" com os
Estados Unidos.
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Em outra direo, a presidente Dilma Rousseff, no encontro da
Cpula do
Mercosul, que ocorreu em Caracas nos dias 28 e 29 de julho,
sinalizou para a
importncia do bloco, destacando sua significao no contexto
poltico e econmico
global. De acordo com a presidente:
No podemos negligenciar uma insero de nossas economias
no mundo global, porque o Mercosul no um espao
econmico insignificante. Pelo contrrio, tem o segundo maior
territrio, a quarta maior populao e a quinta maior economia
do mundo. Possui as maiores reservas de gua doce, um dos
maiores potenciais energticos e minerais, alm de uma
agricultura moderna de alta produtividade. Tambm temos uma
indstria que se no inteiramente completa extremamente
significativa. (ROUSSEFF, O Globo, 2014).
O n grdio do debate sobre o Mercosul que aps os vinte e trs anos
da sua
criao, o bloco encontra-se em transformao, fenmeno que dever ser
observado
pelos atores polticos, empresariais e sociais dos pases que o
integram. Isso exigir de
seus integrantes muito mais do que o retorno ao livre comrcio,
mas sim o empenho no
investimento poltico que vislumbre a consolidao de uma agenda
comum entre os
parceiros do bloco. Uma agenda cujo desafio o de conjugar os
interesses internos de
cada pas-membro com o estabelecimento de um modelo de integrao
que seja positivo
economicamente, mas que tambm possibilite o desenvolvimento
social do bloco como
um todo, visando mitigar as assimetrias.
Em que pese a oposio tratar a poltica externa dos governos Lula
e Dilma
como partidarizada e ideologizada, o fato que a conduo da questo
nos ltimos
governos brasileiros est coerente com o pragmatismo da poltica
externa brasileira, to
conhecido e analisado pela histria da nossa diplomacia. Pois ao
tratar o Mercosul como
um espao poltico/estratgico importante, capaz de contribuir para
uma maior insero
do pas junto aos vizinhos sul-americanos e de ser um ator na
promoo da estabilidade
regional, as diplomacias de Lula e Dilma no deixaram de ser
pragmticas. A
valorizao da dimenso poltica no significa necessariamente
ideologizao.
Conforme observa Maria Izabel Mallmann (2013, p. 207), os custos
desta poltica
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externa pautada numa agenda poltico/estratgica so intangveis,
pois no podem ser
mensurados como os dados que resultam da balana comercial dos
pases ou atravs dos
fluxos de investimentos, o que seria uma tarefa inglria, pois
tais ndices so
resultados meramente na dimenso econmica da integrao.
Ainda sobre a anlise do Mercoul, hoje, a autora aponta que:
[...] tem pesado a favor da integrao fatores de ordem
estratgica e geopoltica tanto quanto a ordem econmica-
comercial. O apreo pela estabilidade e prosperidade
regionais
no so mera retrica do Brasil, um pas que tem fronteira com
dez pases sul-americanos. Ao Brasil interessa poder contar
no
apenas com os mercados dos paises vizinhos, mas tambm com
estabilidade poltica e institucional em suas fronteiras. O
preo
que o Brasil est disposto a pagar por isso parece estar
sendo
traduzido, pelo menos em parte, nos custos pagos por ele na
construo da integrao sul-americana que remonta
aproximao entre Brasil e Argentina e construo do
Mercosul. (MALLMANN, 2013, p. 207).
Desta forma, no que tange ao Mercosul, no se trata apenas de
propor um
retorno a 1991, postulando sobre a liberalizao comercial e
abertura de mercado e a
flexibilizao de suas regras a fim de poder avanar nas negociaes
com terceiros
pases, ou, de maneira retrica e vazia, observar a necessidade de
implementar uma
outra poltica comercial, para que o Brasil no se isole do mundo
e da
competitividade. E tambm no basta enaltecer a importncia
econmica do bloco e
seu lugar dentro do contexto poltico e econmico internacional,
enfatizando que o
segundo maior territrio, a quarta maior populao e a quinta maior
economia do
mundo. Trata-se, na realidade, de avanar num projeto (j
iniciado) de integrao que
conjugue a dimenso econmica/comercial e as dimenses sociais e
polticas,
resultando num bloco com menos assimetrias. De fato, parte
destas assimetrias no se
encontra apenas nas diferenas sociais, de desenvolvimento
econmico ou de infra-
estrutura, mas tambm na fragilidade das prprias instituies
polticas internas dos
pases-membros. Portanto, o avano do Mercosul no estar na busca
de vantagens
econmicas/comerciais particularizadas de um pas ou de outro, mas
sim num projeto de
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longo prazo que envolva diferentes segmentos sociais e polticos
dos pases que compe
o bloco.
Assim, em que pese a campanha eleitoral ter trazido ao debate
pblico temas
relevantes da poltica externa, as propostas dos presidenciveis,
iluminadas pela agenda
miditica, correm o risco de apresentar sociedade brasileira uma
simplificao da
poltica externa, que podem obscurecer a complexidade do projeto
de integrao
regional, tratando questes diplomticas de forma meramente
ideologizada. A histria
do Mercosul j d conta de dois modelos conhecidos e que, de certa
forma, j colheram
resultados. O fato que as propostas eleitorais apresentadas como
uma alternativa de
mudana e de soluo para a estagnao do Mercosul se no constituem
um mero
retrocesso, so no mnimo um retorno ao iderio da dcada de 1990.
As eleies de
2014 promovem, de forma certamente involuntria, uma espcie de
revival que talvez
no encontre mais espao num cenrio claramente marcado por mudanas
na
distribuio do poder global, onde novos arranjos vem sendo
consolidados ao longo,
especialmente, da primeira dcada do sculo XXI.
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Resumo
O presente artigo visa refletir sobre a poltica externa e as
eleies presidenciais de 2014
no Brasil, a partir de uma retomada da posio dos candidatos
acerca do Mercosul e do
futuro do bloco, no contexto de uma maior visibilidade do tema
na agenda miditica.
Para tanto, sero abordados aspectos histricos da formao e
desenvolvimento do
Mercado Comum do Sul, seus avanos e desafios, alm das principais
avaliaes
tericas e do campo da diplomacia sobre o complexo processo de
integrao regional,
que opem duas distintas vises historicamente consolidadas.
Palavras-Chave
Poltica Externa; Eleies; Mercosul.
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Abstract
The present article aims at to reflect on the Foreign Policy and
the presidential elections
of 2014 in Brazil, from one retaken of the position of the
candidates concerning the
Mercosul and the future of the block, in the context of a bigger
visibility of the subject
in the mass media agenda. For in such a way, it will be boarded
historical aspects of
Mercosuls formation and development, its advances and
challenges, beyond the main
theoretical and diplomatic evaluations on the complex process of
regional integration,
that oppose two distinct visions historically consolidated.
Key Words
Foreign Policy; Elections; Mercosul
Artigo recebido em 09 de agosto de 2014.
Aprovado em 03 de setembro de 2014.