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MATERIAL DE APOIO
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Apostila 04
Cláusula Penal
Prof. Pablo Stolze Gagliano
1. Cláusula Penal
Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA, “não se confunde esta pena
convencional com as repressões
impostas pelo direito criminal, as quais cabem somente ao poder
público aplicar em nossos dias. A
pena convencional é puramente econômica, devendo consistir no
pagamento de uma soma, ou
execução de outra prestação que pode ser objeto de
obrigações”.1
Trata-se, pois, de um pacto acessório pelo qual as partes fixam,
previamente, a indenização devida
em caso de descumprimento culposo da obrigação principal, de uma
determinada cláusula do
contrato, ou, simplesmente, em caso de mora.
Veja a sua disciplina jurídica, no Código Civil:
Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal,
desde que, culposamente,
deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.
Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a
obrigação, ou em ato
posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à
de alguma cláusula
especial ou simplesmente à mora.
1 BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria Geral do Direito Civil. Campinas:
RED, 2000, pág. 104.
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Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de
total inadimplemento da
obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do
credor.
Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de
mora, ou em segurança
especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio
de exigir a satisfação da
pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação
principal.
Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não
pode exceder o da
obrigação principal.
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo
juiz se a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da
penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a
finalidade do negócio.
Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores,
caindo em falta um deles,
incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar integralmente
do culpado,
respondendo cada um dos outros somente pela sua quota.
Parágrafo único. Aos não culpados fica reservada a ação
regressiva contra aquele que
deu causa à aplicação da pena.
Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o
devedor ou o herdeiro do
devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na
obrigação.
Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que
o credor alegue prejuízo.
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na
cláusula penal, não pode o
credor exigir indenização suplementar se assim não foi
convencionado. Se o tiver sido, a
pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor
provar o prejuízo
excedente.
Selecionamos, nessa linha, alguns importantes enunciados (da 4ª
Jornada de Direito Civil):
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355 – Art. 413. Não podem as partes renunciar à possibilidade de
redução da cláusula
penal se ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do
Código Civil, por se tratar
de preceito de ordem pública.
356 – Art. 413. Nas hipóteses previstas no art. 413 do Código
Civil, o juiz deverá reduzir a
cláusula penal de ofício.
357 – Art. 413. O art. 413 do Código Civil é o que complementa o
art. 4º da Lei n.
8.245/91. Revogado o Enunciado 179 da III Jornada.
358 – Art. 413. O caráter manifestamente excessivo do valor da
cláusula penal não se
confunde com a alteração de circunstâncias, a excessiva
onerosidade e a frustração do
fim do negócio jurídico, que podem incidir autonomamente e
possibilitar sua revisão para
mais ou para menos.
359 – Art. 413. A redação do art. 413 do Código Civil não impõe
que a redução da
penalidade seja proporcionalmente idêntica ao percentual
adimplido.
Da 5ª Jornada, vale a pena conferir2:
428) Art. 413. As multas previstas nos acordos e convenções
coletivas de trabalho, cominadas
para impedir o descumprimento das disposições normativas
constantes desses instrumentos,
em razão da negociação coletiva dos sindicatos e empresas, têm
natureza de cláusula penal e,
portanto, podem ser reduzidas pelo Juiz do Trabalho quando
cumprida parcialmente a
cláusula ajustada ou quando se tornarem excessivas para o fim
proposto, nos termos do art.
413 do Código Civil.
429) Art. 416, parágrafo único. No contrato de adesão, o
prejuízo comprovado do aderente
que exceder ao previsto na cláusula penal compensatória poderá
ser exigido pelo credor
independentemente de convenção.
2 Fonte:
http://atualidadesdodireito.com.br/flaviotartuce/2011/12/14/divulgacao-oficial-dos-
enunciados-da-v-jornada-de-direito-civil/ acessado em 12 de
novembro de 2013.
http://atualidadesdodireito.com.br/flaviotartuce/2011/12/14/divulgacao-oficial-dos-enunciados-da-v-jornada-de-direito-civil/http://atualidadesdodireito.com.br/flaviotartuce/2011/12/14/divulgacao-oficial-dos-enunciados-da-v-jornada-de-direito-civil/
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Ao final do material de apoio, leia, também, jurisprudência
selecionada pertinente à matéria.
2. Jurisprudência Selecionada
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO NO JULGAMENTO DE
APELAÇÃO.
NÃO CONFIGURADA. COMPRA E VENDA PARCELADA DE VEÍCULO. RESCISÃO
POR
INADIMPLEMENTO. CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA. PERDAS E
DANOS.
CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REDISTRIBUIÇÃO DE ÔNUS DE
SUCUMBÊNCIA.
SUCUMBÊNCIA PARCIAL. REEXAME DE FATOS E PROVAS.
1.- A jurisprudência desta Casa é pacífica ao proclamar que, se
os fundamentos adotados
bastam para justificar o concluído na decisão, o julgador não
está obrigado a rebater, um a
um, os argumentos utilizados pela parte.
2.- A cláusula penal compensatória funciona a um só tempo como
punição pelo
descumprimento e como compensação previamente fixada pelos
próprios contratantes
pelas perdas e danos decorrentes desse mesmo inadimplemento.
3.- A pretensão de redimensionamento dos ônus sucumbenciais
envolve considerações
sobre a complexidade da demanda e a expressão econômica dos
pedidos formulados na
petição inicial, considerações que, a seu turno, desafiam fatos
e provas. Incidência da
Súmula 07/STJ.
4.- Recurso Especial a que se nega provimento
(REsp 1335617/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 27/03/2014,
DJe 22/04/2014)
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL. INADIMPLEMENTO
CONTRATUAL. CLÁUSULA
PENAL. NATUREZA COMPENSATÓRIA. CUMULAÇÃO COM PERDAS E DANOS.
IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO
DESPROVIDO.
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1. É inviável a cumulação da multa compensatória com o
cumprimento da obrigação principal, uma vez
que se trata de uma faculdade disjuntiva, podendo o credor
exigir a cláusula penal ou as perdas e danos,
mas não ambas, conforme o art. 401 do Código Civil.
2. A jurisprudência desta Corte de Justiça tem admitido tal
cumulação somente quando a cláusula penal
tiver natureza moratória, e não compensatória (REsp
1.355.554/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. SIDNEI
BENETI, DJe de 4/2/2013), o que, no entanto, não se verifica na
hipótese dos autos.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 741.776/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA,
julgado em 07/11/2013, DJe
11/12/2013)
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO DA SÚMULA
83/STJ. CUMULAÇÃO DA
CLÁUSULA PENAL E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. INCIDÊNCIA
SÚMULA 7/STJ. RECURSO
IMPROVIDO.
I- Não é possível a cumulação de cláusula penal compensatória e
indenização por perdas e
danos.
II- Aplica-se a Súmula 7 do STJ na hipótese em que a tese
versada no recurso reclama a
análise de elementos probatórios gerados ao longo da
demanda.
III- Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 788.124/MS, Rel. Ministro PAULO FURTADO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO
DO TJ/BA), TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2009, DJe
11/11/2009)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. OBRIGAÇÃO.
DESCUMPRIMENTO.
CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA. CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES.
POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI.
INEXISTÊNCIA.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA.
1. A instituição de cláusula penal moratória não compensa o
inadimplemento, pois se traduz
em punição ao devedor que, a despeito de sua incidência, se vê
obrigado ao pagamento de indenização
relativa aos prejuízos dele decorrentes. Precedente.
2. O reconhecimento de violação a literal disposição de lei
somente se dá quando dela se
extrai interpretação desarrazoada, o que não é o caso dos
autos.
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3. Dissídio jurisprudencial não configurado em face da ausência
de similitude fática entre os
arestos confrontados.
4. Recurso especial não conhecido.
(REsp 968.091/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA
TURMA, julgado em
19/03/2009, DJe 30/03/2009)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE PROMESSA
DE COMPRA E VENDA.
RESCISÃO CONTRATUAL. INADIMPLÊNCIA. CLÁUSULA PENAL.
ART. 53, DO CDC. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I - A estipulação de multa contratual de 10% sobre o valor total
do contrato, em caso de
desfazimento do acordo, não ofende o disposto no art. 53 do CDC,
porquanto apenas parte do
valor total já pago será retido pelo fornecedor.
II - Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando
a orientação do Tribunal se
firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 83 do STJ)
Agravo Regimental improvido.
(AgRg no Ag 748.559/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe
08/10/2008)
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA E
CESSÃO.
INADIMPLÊNCIA RECONHECIDA DOS RÉUS. RESCISÃO DECRETADA. PERDA
DAS IMPORTÂNCIAS PAGAS
CONSOANTE CLÁUSULA PENAL. CONTRATO CELEBRADO ANTES DA VIGÊNCIA
DO CDC. VALIDADE DA
COMINAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. SUCUMBÊNCIA. CPC,
ART. 20, § 4º.
I. Reconhecida a inadimplência dos réus, em contrato de promessa
de compra e venda e cessão
imobiliária, válida é a cláusula que prevê a perda das parcelas
pagas quando celebrado o contrato
antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes
do STJ.
II. Insuficiência de prequestionamento que impede, ao teor das
Súmulas n. 282 e 356 do C. STF, o
debate acerca do acerto ou não da extinção da ação
reintegratória de posse.
III. Ausente a condenação, a sucumbência deve ser fixada com
base no art. 20, § 4º, do CPC.
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IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente
provido.
(REsp 399.123/SC, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA
TURMA, julgado em
07.12.2006, DJ 05.03.2007 p. 288)
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E
VENDA.
INADIMPLÊNCIA DO DEVEDOR. CONTRATO ANTERIOR AO CDC.
INAPLICABILIDADE. PERDA DAS PRESTAÇÕES PAGAS PREVISTA EM
CLÁUSULA PENAL.
I. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor a contrato
celebrado antes da sua vigência,
pelo que a cláusula penal que prevê a perda da totalidade das
parcelas pagas, contratada antes da
entrada em vigor da Lei n. 8.078/80, não pode ser afastada com
base em tal diploma. Precedentes
do STJ.
II. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 435.608/PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA
TURMA, julgado em
27/03/2007, DJ 14/05/2007 p. 310)
Direito civil. Obrigações. Ação anulatória de contrato de cessão
de obras literárias por encomenda
(elaboração de duas telenovelas).
Reconvenção. Indenização por perdas e danos. Descumprimento
integral do contrato. Redução da
multa contratual. Cláusula penal. Função compensatória.
- Inviável a revisão do julgado, por força das Súmulas 5 e 7 do
STJ, se o Tribunal de origem, ao
analisar o processo, atento ao teor do contrato objeto da
controvérsia e ao acervo probatório
juntado pelas partes, concluiu pela inexistência de qualquer ato
omissivo ou comissivo passível de
macular o negócio jurídico.
- A redução da multa compensatória, de acordo com o Código
Civil, somente pode ser concedida
nas hipóteses de cumprimento parcial da prestação ou, ainda,
quando o valor da multa exceder o
valor da obrigação principal.
- Considerando-se que estipulada a cláusula penal em valor não
excedente ao da obrigação e que
foi total o inadimplemento contratual, não cabe a redução do seu
montante, que deve servir como
compensação pela impossibilidade de obtenção da execução
específica da prestação contratada,
na hipótese, a elaboração de duas telenovelas.
Recurso especial não conhecido.
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(REsp 687.285/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em
25.09.2006, DJ 09.10.2006 p. 287)
CIVIL E PROCESSUAL. COTAS DE CONSÓRCIO ADQUIRIDAS DE EMPRESA
VENDEDORA DE
VEÍCULOS. CARACTERIZAÇÃO COMO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA.
DESISTÊNCIA PELO
ADQUIRENTE. CLÁUSULA PENAL. CDC, ART. 53.
MITIGAÇÃO. RETENÇÃO PARCIAL PARA RESSARCIMENTO DE DESPESAS.
I. Reconhecido pelo Tribunal estadual que se cuidou, na espécie,
de compromisso de compra
e venda de quotas de consórcio, a desistência, pelo adquirente,
sob alegação de dificuldades
econômicas, implica na aplicação parcial da cláusula penal,
cabendo a retenção de parte dos valores a
serem restituídos, para ressarcimento de despesas
administrativas da vendedora.
II. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 165.304/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA
TURMA, julgado em
07.02.2006, DJ 20.03.2006 p. 273)
Mais recentemente, julgou-se:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E
VENDA.
RESCISÃO CONTRATUAL. INADIMPLÊNCIA DOS PROMITENTES
COMPRADORES.
CLÁUSULA PENAL. PERDA DA TOTALIDADE DAS PRESTAÇÕES PAGAS.
DESPROPORCIONALIDADE. CONTRATO ANTERIOR À VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE
DEFESA DO
CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA DO ART. 924 DO CÓDIGO CIVIL/1916.
POSSIBILIDADE.
I - Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a
contrato celebrado antes da sua
vigência.
II - Possibilidade de o juiz, com fundamento na regra do art.
924 do Código Civil/1916,
reduzir a pena convencional estatuída a um patamar razoável,
mormente quando se verifica a perda de
todas parcelas pagas.
III - Limitação da retenção das parcelas pagas ao percentual de
25% (vinte e cinco), em favor
da promitente vendedora.
IV - Precedentes específicos, em casos similares, deste Superior
Tribunal de Justiça III.
AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO
(AgRg no REsp 479.914/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA,
julgado em 05/10/2010, DJe 15/10/2010)
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3. Leitura Complementar
Texto Complementar 01 – Imputação do Pagamento O que se entende
por imputação do pagamento?
Imagine que um sujeito assumiu três débitos de 1.000 em face do
mesmo credor. Ou seja, a dívida
01 é de 1.000, a dívida 02 é de 1.000 e a dívida 03 também é de
1.000, devidas ao mesmo credor.
Todas as dívidas venceram.
Sucede que o devedor só dispõe de 1.000 para pagamento.
Pergunta-se: em qual delas o pagamento será imputado? Na dívida
01, 02 ou 03?
Pois bem.
A denominada imputação do pagamento nada mais faz do que
estabelecer as regras pelas quais
solucionamos tal questão, permitindo a indicação do pagamento
dentre tais dívidas vencidas e da
mesma natureza.
Como fazer então?
Simples.
Em regra, a imputação é feita pelo próprio devedor. É ele que
fará a indicação em qual das dívidas
será imputado o pagamento:
Art. 352. A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma
natureza, a um só credor, tem o
direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos
forem líquidos e vencidos.
Caso o devedor não faça a imputação do pagamento, poderá o
credor fazê-lo:
Art. 353. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas
líquidas e vencidas quer imputar o
pagamento, se aceitar a quitação de uma delas (OU SEJA, SE O
CREDOR DER A QUITAÇÃO,
IMPUTANDO EM QUAL DAS DÍVIDAS SERÁ FEITO O PAGAMENTO) não terá
direito a reclamar
contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele
cometido violência ou dolo.
(referência e grifo nossos).
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Entretanto, se o credor não fizer, a imputação é feita pela
própria lei3:
Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação do art. 352, e a
quitação for omissa quanto à
imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em
primeiro lugar. Se as dívidas forem
todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á
na mais onerosa.
Em síntese:
Regra 01 – a imputação é feita pelo DEVEDOR.
Regra 02 – se o devedor não indicar em qual das dívidas será
feito o pagamento, a imputação é
feita pelo CREDOR.
Regra 03 – se o credor também não fizer a indicação, a imputação
é feita pela LEI: a preferência
deverá ser a imputação na dívida mais ANTIGA, mas, se todas
tiverem o mesmo vencimento,
imputa-se na dívida mais ONEROSA (ex.: a que tenha uma previsão
de multa mais alta).
Mas uma pergunta, nesse contexto, não quer calar: e se todas as
dívidas forem vencidas ao mesmo
tempo e igualmente onerosas?
A lei é omissa quanto a este aspecto.
O antigo Código Comercial dispunha, em situações como esta, que
o pagamento seria “rateado”
entre as dívidas. Solução que não existe mais na lei comercial
(que fora neste ponto revogada),
embora sirva, em nosso sentir, como uma recomendação doutrinária
para que o juiz não deixe de
solucionar o caso concreto.4
Ainda sobre a imputação do pagamento, confira recente julgado e
noticia do STJ:
3 Em havendo dívida de juros, a regra legal aplicável é a do
art. 354: “Havendo capital e
juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e
depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor
passar a quitação por conta do capital”.
4 Tema tratado em nosso volume II – Obrigações, Saraiva.
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CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. ENCARGOS MENSAIS. IMPUTAÇÃO DO
PAGAMENTO.
Em retificação à nota do REsp 1.095.852-PR (Informativo n. 493,
divulgado em 28/3/2012), leia-se: A
Seção entendeu que, para os contratos celebrados no âmbito do
Sistema Financeiro da Habitação (SFH),
até a entrada em vigor da Lei n. 11.977/2009, não havia regra
especial a propósito da capitalização de
juros, de modo que incidia a restrição da Lei de usura (art. 4º
do Dec. 22.626/1933). Para tais contratos
não é válida a capitalização de juros vencidos e não pagos em
intervalo inferior a um ano, permitida a
capitalização anual, regra geral que independe de pactuação
expressa. E, caso o pagamento mensal não
seja suficiente para a quitação sequer dos juros, cumpre-se
determinar o lançamento dos juros vencidos
e não pagos em conta separada, sujeita apenas à correção
monetária e à incidência anual de juros.
Ressalva do ponto de vista da Min. Relatora no sentido da
aplicabilidade no SFH do art. 5º da MP n.
2.170-36, permissivo da capitalização mensal, desde que
expressamente pactuada. Decidiu-se também
que no SFH os pagamentos mensais devem ser imputados
primeiramente aos juros e depois ao principal
nos termos do disposto no art. 354 do CC/2002 (art. 993 do
CC/1916). Esse entendimento foi consagrado
no julgamento pela Corte Especial do REsp 1.194.402-RS,
submetido ao rito do art. 543-C. REsp
1.095.852-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
14/3/2012. (grifei)
Regra de imputação de pagamentos é tema de nova súmula no
STJ
05/09/2010
A regra de imputação de pagamentos estabelecida no artigo 354 do
Código Civil não se aplica às
hipóteses de compensação tributária. A conclusão é da Primeira
Seção do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), ao aprovar a proposta da ministra Eliana Calmon
para a Súmula n. 464 e pacificar o
entendimento da Corte sobre o assunto.
A súmula tomou como referência legal os artigos 108 e 110 do
Código Tributário Nacional, o artigo
543-C do CPC, o artigo 66 da Lei n. 8.383/1991, o artigo 74 da
Lei n. 9.430/1996 e a Resolução n. 8
do STJ.
Em um dos precedentes (Resp n. 960.239), o ministro Luiz Fux,
relator, entendeu que a imputação
do pagamento na seara tributária tem regime diverso daquele do
direito privado (artigo 354 do
Código Civil), inexistindo regra segundo a qual o pagamento
parcial imputar-se-á primeiro sobre os
juros, para, só depois de findos estes, amortizar-se o capital.
“O próprio legislador exclui a
possibilidade de aplicação de qualquer dispositivo do Código
Civil à matéria de compensação
tributária, determinando que esta continuasse regida pela
legislação especial”, afirmou.
No caso, a empresa Madeiras Salamoni pediu a declaração de
inexigibilidade da Cofins, nos moldes
http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/jurisprudencia.asp?tipo=num_pro&valor=REsp+1095852http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/jurisprudencia.asp?tipo=num_pro&valor=REsp+1095852
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da ampliação da base de cálculo e majoração da alíquota
previstas na Lei n. 9.718/1998, com o
recolhimento do direito à compensação dos valores recolhidos
indevidamente a esse título,
corrigidos monetariamente.
A sentença reconheceu a inconstitucionalidade da ampliação da
base de cálculo da Cofins
determinada na Lei n. 9.718/98, a ser dita contribuição
calculada com base na Lei Complementar
n. 70/1991, assegurado o direito da empresa de compensar o
respectivo crédito com tributos
administrados pela Secretaria da Receita Federal, nos termos da
Lei n. 9.430/1996, na redação
dada pela Lei n. 10.637/2002, após o trânsito em julgado,
corrigidos monetariamente pela taxa
Selic. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a
sentença.
Também foram usados como fundamentação para a súmula os recursos
especiais n. 970.678,
987.943, 1.024.138, 1.025.992, 1.058.339 e 1.130.033 e o agravo
regimental no Resp n. 1.024.138.
Como as súmulas compreendem a síntese de um entendimento
reiterado do Tribunal sobre
determinado assunto, a pacificação do entendimento a esse
respeito servirá como orientação para
as demais instâncias da Justiça, daqui por diante.
Fonte:
http://www.stj.jus.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=398&tmp.texto=98
855 acessado em 06 de setembro de 2010.
Texto Complementar 02 É sempre vedado ao julgador conhecer, de
ofício, da abusividade de
cláusulas em contrato bancário?
Reflexões sobre a Súmula 381 do STJ
Pablo Stolze Gagliano5 e Salomão Viana6
5Juiz de Direito (BA), mestre em Direito Civil pela PUC-SP,
especialista em Direito Civil pela
Fundação Faculdade de Direito da Bahia, professor da
Universidade Federal da Bahia e da
Rede LFG. 6 Juiz Federal (BA), especialista em Direito
Processual Civil pela UFBA, professor da
Universidade Federal da Bahia e da Rede LFG.
http://www.stj.jus.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=398&tmp.texto=98855http://www.stj.jus.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=398&tmp.texto=98855
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Um dos pontos fundamentais do pensamento do filósofo da
linguagem ROBERT ALEXY7 é a defesa
da imperiosa necessidade de o jurista desenvolver o fundamento
discursivo do seu pensamento
em bases lógicas, visando a atingir convincentemente o resultado
hermenêutico de sua atividade
cognitiva.
E está certo ALEXY.
Afinal, não cabe ao magistrado julgar de acordo com o seu
“achismo”, mas, sim, segundo valores
socialmente objetivados, e na linha de uma hermenêutica
filosoficamente justificada.
Por isso, em nossa atividade acadêmica, exortamos,
continuamente, os nossos alunos a não
imaginarem existir uma fronteira entre a dogmática jurídica e os
outros ramos do conhecimento
humano, especialmente o filosófico.
Aliás, em um sistema cada vez mais marcado pela abertura
conceitual dos preceitos normativos –
império dos conceitos vagos e das cláusulas gerais – a
comunicação entre as diversas fontes do
conhecimento humano, além de traduzir uma quebra do
encastalamento autopoiético do Direito,
passou a ser uma obrigatória exigência para a adequada aplicação
da norma ao caso concreto.
Nesse contexto, resta óbvio que não pode o juiz tornar-se um
mero reprodutor de uma ideia
preconcebida, esteja ela insculpida em uma lei ou aparentemente
incrustada no entendimento
sumulado de um tribunal.
Uma postura acomodatícia de um membro do Poder Judiciário em
tais casos, além de gerar o risco
político imanente ao amesquinhamento dos limites da atividade
jurisdicional, menoscaba a certeza
de que, em toda atividade interpretativa, uma ideia que se
concebeu a priori precisa,
invariavelmente, ser reconstruída por ocasião da sua aplicação
no caso concreto.
7 Teoria da Argumentação Jurídica. SP: Editora Landy, 2005.
-
É este o grande medo que nos assoma, ante a publicação do
enunciado n. 381 da súmula da
jurisprudência dominante do STJ.
Tememos que tal enunciado produza interpretações açodadas,
superficiais, cômodas, com
desprezo ao “ônus da argumentação jurídica”, anunciado por
ALEXY.
A prevalência de interpretações desta natureza, além de produzir
os resultados indesejáveis já
apontados, poderia culminar em um desastroso retrocesso nas
concepções que passaram a
nortear a teoria do contrato, mormente após a entrada em vigor
da Constituição Federal de 1988.
Lembremo-nos do teor do enunciado: “Nos contratos bancários, é
vedado ao julgador conhecer,
de ofício, da abusividade das cláusulas”.
Ora, se, por um lado, a edição de mais um enunciado de um
tribunal superior traduz
fortalecimento da segurança jurídica, por conta do
estabelecimento de um parâmetro claro para
que se alcance a desejada uniformização da jurisprudência, por
outro, não podemos olvidar que a
aplicação do preceito nele contida, segundo as características
de cada caso posto sob apreciação
judicial, demanda um esforço hermenêutico mínimo por parte do
julgador, para que se não
despejem, no mesmo cadinho jurisprudencial, situações marcadas
pela dessemelhança.
GERIVALDO NEIVA, em recente texto, faz as seguintes ponderações:
“Ora, da forma em que foi
editada a Súmula, quando o STJ diz que o Juiz não pode conhecer
de ofício de tais cláusulas, por
outras vias, está querendo dizer que os bancos podem inserir
cláusulas abusivas nos contratos,
mas o Juiz simplesmente não pode conhecê-las de ofício. Banco
manda, Juiz obedece! Como diz o
jargão de uma comediante da televisão: cláusula abusiva?
Pooooooode!! Nesta lógica absurda,
considerando que as cláusulas abusivas são sempre favoráveis aos
bancos e desfavoráveis ao
cliente, o STJ quer que os Juízes sejam benevolentes com os
bancos e indiferentes com seus
clientes. Devem se omitir, mesmo sabendo que esta omissão será
favorável ao banco, e não
podem agir, mesmo sabendo que sua ação poderá corrigir uma
ilegalidade”8.
8
http://gerivaldoneiva.blogspot.com/2009/05/sumula-381-do-stj-um-ato-falho.html.
-
E é exatamente para se evitar situações como a prevista pelo
aludido autor que precisamos nos
aprofundar nas bases da justificação do entendimento sumulado e,
especialmente, estabelecer os
limites da sua aplicação.
Neste passo, uma primeira conclusão deve ser, de logo,
anunciada: desde que sejam respeitados
os limites estabelecidos pelo sistema jurídico, em especial os
previstos no núcleo principiológico
da congruência, não pode ser vedado ao julgador conhecer, de
ofício, da abusividade de uma
cláusula, em um contrato bancário.
Esta é a vontade do sistema jurídico. E não há súmula que tenha
o poder de contrariá-la.
Assim, a proibição contida no enunciado somente pode se dirigir
a hipóteses em que o
reconhecimento ex officio afronte o princípio da
congruência.
E é exatamente neste ponto que nos encontramos, de novo, com
ROBERT ALEXY.
Se é reconhecidamente indispensável que o jurista desenvolva o
fundamento discursivo do seu
pensamento em bases lógicas, de modo a atingir convincentemente
o resultado hermenêutico de
sua atividade cognitiva, sem estabelecer fronteiras entre a
dogmática jurídica e os outros ramos
do conhecimento humano, é igualmente imprescindível que o
jurista, ao aplicar uma norma que
integra um microssistema jurídico, não ignore a existência de
núcleos principiológicos de outros
ramos da ciência do Direito.
Assim, é no Direito Constitucional e no Direito Processual
Civil, mais precisamente no exame do
núcleo principiológico da congruência, que devemos buscar as
bases necessárias para que seja
dada ao enunciado n. 381 a sua exata interpretação.
-
Para tanto, vale lembrar que “existe um poder-dever da
autoridade jurisdicional de responder ao
pedido feito pela parte”9, sendo-lhe “vedado se pronunciar sobre
o que não tenha sido objeto do
pedido”10. Igualmente, não é permitido ao Poder Judiciário ir
“além do pedido formulado,
concedendo ou deixando de conceder expressamente mais do que
tenha sido pedido”11.
Pronunciamento judicial decisório em que o magistrado deixa de
responder, na íntegra, ao pedido
feito pela parte, em que se manifesta sobre o que não tenha sido
objeto do pedido ou em que se
pronuncia sobre matéria além do pedido formulado, é
pronunciamento tisnado de vício. A
depender da situação em que se enquadre, dentre as três acima
mencionadas, tratar-se-á de uma
decisão infra, extra ou ultra petita. E a ocorrência de qualquer
destas situações “consiste em
infração ao princípio da congruência do decisum com o
pedido”12.
Nenhuma dúvida, pois, pode restar de que para que um julgador
possa conhecer, de ofício, da
abusividade de uma cláusula, em um contrato bancário, ele
somente poderá fazê-lo se o
julgamento que resultar do fundamento discursivo do seu
pensamento não violar o princípio da
congruência13.
Por outras palavras, o julgador deve, sim, conhecer, de ofício,
da abusividade de cláusulas em
contratos bancários, desde que, com isto, não profira um
julgamento extra ou ultra petita14.
9ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, vol. 2. São
Paulo: RT, 2005, p. 552. 10 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 554. 11
ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 557. 12 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p.
557. 13 Cuidamos, aqui, da chamada congruência externa objetiva. “A
congruência externa da
decisão diz respeito à necessidade de que ela seja
correlacionada, em regra, com os sujeitos
envolvidos no processo (congruência subjetiva) e com os
elementos objetivos da demanda
que lhe deu ensejo e da resposta do demandado (congruência
objetiva). A congruência
interna diz respeito aos requisitos para a sua inteligência como
ato processual. Nesse
sentido, a decisão precisa revestir-se dos atributos da clareza,
certeza e liquidez” (DIDIER
Jr., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de
Direito Processual Civil, vol 2,
4ª edição. Salvador: Editora JusPodivm, 2009, p. 309). 14
Observe-se que não há possibilidade lógica de que do conhecimento,
de ofício, da
abusividade de uma cláusula contratual resulte uma decisão infra
petita. Por este motivo,
apesar de a aplicação do princípio da congruência implicar
também a proibição de
julgamentos infra petita, nos adstringiremos, nestas reflexões,
a tratar das hipóteses de
julgamentos extra e ultra petita.
-
E aí é de todo indispensável que se realce que a necessidade de
que o magistrado atue com
obediência ao núcleo principiológico da congruência está a
anos-luz de distância da odiosa aplicação do
direito mediante perspectiva puramente processual.
Diferentemente disto, a atenção à congruência entre a demanda
proposta e o seu julgamento
pelo Poder Judiciário é consectário irrenunciável do respeito a
aspectos basilares de um Estado
Democrático de Direito.
Efetivamente, admitir que o Poder Judiciário possa proferir um
julgamento a respeito do que
não lhe foi pedido ou de modo a conceder mais do que foi pedido
é permitir que o patrimônio jurídico de
uma das partes seja invadido sem que a ela tenha sido dada
oportunidade de se manifestar e de
interferir no conteúdo da decisão. É permitir, portanto, que a
garantia constitucional do contraditório e,
por conseguinte, o princípio do devido processo legal sejam
reduzidos ao nada.
Proclama-se, atualmente, a necessidade de que os agentes
políticos do Poder Judiciário tenham
uma atuação proativa. Anuncia-se um novo tempo, um tempo de
ativismo judicial, em que novas
posturas do jurista frente à Constituição conduziriam ao que se
rotula de neoconstitucionalismo, com os
seus consectários lógicos, dentre eles o neocivilismo e o
neoprocessualismo (ou formalismo-valorativo).
Não somos resistentes a que os preceitos decorrentes destes
novos tempos se instalem.
Muito pelo contrário!
O que não é possível, entretanto, é admitir que a desejada
proatividade do Poder Judiciário
resulte por colocar em risco a segurança jurídica de quem quer
quer seja. Se os preceitos de ordem
pública, tais como os estabelecidos no Código Civil e no Código
de Defesa do Consumidor para assegurar
a função social da propriedade e dos contratos, devem ser vistos
com pre-eminência sobre outras
normas, eles nunca tiveram, não tem e nunca terão força para
inumar a garantia constitucional do
contraditório, a menos que, nesse roldão, seja demolido um dos
pilares do Estado Democrático de
Direito.
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Com a palavra, nesse ponto, HUMBERTO ÁVILA15:
“O Poder Judiciário não deve assumir, em qualquer matéria, e em
qualquer intensidade, a
prevalência na determinação da solução entre conflitos morais
porque, num Estado de Direito, vigente
numa sociedade complexa e plural, deve haver regras gerais
destinadas a estabilizar conflitos morais e
reduzir a incerteza e a arbitrariedade decorrente da sua
inexistência ou desconsideração, cabendo a sua
edição ao Poder Legislativo e a sua aplicação, ao
Judiciário”.
Ao lado da violação à garantia constitucional do contraditório,
aliás, outras agressões ao sistema
jurídico são facilmente identificáveis no permissivo de que o
Poder Judiciário julgue fora ou além do que
lhe foi pedido. Assim é que, apenas a título de exemplo,
restariam também feridos o princípio
dispositivo e o princípio da inércia da jurisdição.
Não é, definitivamente, esta a ordem jurídica que se deseja.
Porém, não se pode confundir este tipo indesejável de atuação do
Poder Judiciário, com outro,
este também marcado pela proatividade.
Todavia, a proatividade que marca este tipo outro de atuação a
que nos referimos é saudável,
hígida, reverente ao Estado Democrático de Direito e, por isto
mesmo, perfeitamente ajustada ao
sistema jurídico.
E, nessa perspectiva, o julgador deve, sim, aplicar, de ofício,
preceitos de ordem pública, tais como
os estabelecidos no Código Civil e no Código de Defesa do
Consumidor para assegurar a função social
da propriedade e dos contratos, ou em observância a outro
princípio de matriz constitucional, desde
que o faça no estritos limites do julgamento da lide posta sob
sua apreciação.
Com efeito, segundo norma expressa, contida no Código Civil,
nenhuma convenção prevalecerá
se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os
estabelecidos naquele código para assegurar a
função social da propriedade e dos contratos (art. 2035,
parágrafo único16).
15 Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o
“Direito da Ciência”. Revista
Eletrônica de Direito do Estado (REDE), n. 17, jan./fev./março
de 2009. Salvador: Instituto
Brasileiro de Direito Público. Disponível em
www.direitodoestado.com.br/rede.asp,
http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp
-
A dicção imperativa “nenhuma convenção prevalecerá” conduz à
clara conclusão de que o juiz não
depende de manifestação alguma para que possa reconhecer a
abusividade lesiva ao sistema de
princípios constitucionais. Todavia, ele somente poderá fazê-lo
se, ao conhecer, de ofício, da
abusividade, a conclusão a que chegar não o conduza a desbordar
os limites daquilo que lhe foi pedido e
que constitui o chamado thema decidendum.
É que se é certo que o magistrado, em regra, não pode conhecer
de fatos que não tenham sido
alegados pelas partes17, não está ele, porém, atrelado ao
enquadramento normativo que as partes
fizerem dos fatos por elas alegados.
Um exemplo tornará mais claro o nosso pensamento.
Imagine-se, que seja proposta, por um banco, uma demanda, cujo
pedido esteja voltado para a
cobrança do valor resultante da aplicação de uma cláusula
penal18.
Ao narrar os fatos, o banco-autor, invocando a qualidade de
credor, informa que celebrou
determinado contrato com o réu, seu cliente, a quem imputa a
situação de devedor, e que, no
mencionado contrato, foi inserido um pacto acessório, pelo qual
os contratantes fixaram um valor a
título de indenização para a hipótese de descumprimento culposo
da obrigação principal. Por considerar
16 Art. 2.035. (...)
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar
preceitos de ordem pública,
tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a
função da propriedade e dos
contratos. 17 As exceções a esta regra somente podem estar
contidas na lei, a exemplo do que se dá
com as normas insculpidas nos arts. 131 e 462 do CPC. 18 Sobre a
cláusula penal, um dos autores deste artigo, em obra da qual é
coautor, fez o
registro de que se trata ela de “... um pacto acessório, pelo
qual as partes de um
determinado negócio jurídico fixam, previamente, a indenização
devida em caso de
descumprimento culposo da obrigação principal, de determinada
cláusula do contrato ou
em caso mora. Em outras palavras, a cláusula penal, também
denominada pena
convencional, tem a precípua função de pré-liquidar danos, em
caráter antecipado, para o
caso de inadimplemento culposo, absoluto ou relativo, da
obrigação” (GAGLIANO, Pablo
Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil,
Direito das Obrigações,
Saraiva, 6ª ed, 2006, pág. 355).
-
que a obrigação principal assumida por seu cliente teria sido
descumprida, o banco formula o pedido de
que seja imposta ao devedor a obrigação acessória de pagar o
valor constante na referida cláusula.
O devedor, por sua vez, em defesa, argumenta que o valor cobrado
é inexigível, em razão de a
cláusula penal conter determinado vício invalidante.
Muito bem.
Ao apreciar o caso, o juiz conclui que o vício apontado pelo réu
inexiste.
O valor cobrado pelo banco, pois, se examinada a situação apenas
à luz dos argumentos esgrimidos
pelo réu, seria exigível.
Ao lado disto, porém, o magistrado constata que o valor
estabelecido a título de indenização é
abusivo, porque excede o valor da própria obrigação principal, o
que constitui afronta ao que dispõe o
art. 412 do Código Civil19.
Nessa linha, apesar de o art. 41320 do mesmo código nada dizer a
respeito de a redução judicial do
valor previsto na cláusula poder se operar de ofício, deverá o
juiz fazê-lo, reconhecendo a abusividade
do valor excedente, independentemente de manifestação do
demandado.
Ao assim atuar, o magistrado permanecerá atrelado aos estritos
lindes da demanda, sem qualquer
afronta ao princípio da congruência.
Observe-se, neste passo, que a decisão a respeito da questão
principal (a imposição, ao réu, da
obrigação de pagar o valor constante na cláusula penal) terá
como fundamento o juízo de valor formado
pelo magistrado a respeito da abusividade da cobrança.
19 Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não
pode exceder o da
obrigação principal. 20 Art. 413. A penalidade deve ser reduzida
eqüitativamente pelo juiz se a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da
penalidade for manifestamente
excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do
negócio.
-
Ele, o juiz, não decidirá fundamentado na invalidade integral da
cláusula (que é a tese defendida
pelo réu), mas na sua invalidade parcial, naquilo em que o valor
nela previsto for abusivo,
independentemente de manifestação do interessado.
Assim, a resolução da questão da abusividade – que é uma questão
a ser resolvida incidenter
tantum – não exsurgirá do processo como fruto da atuação
jurisdicional fora dos limites do que foi
pedido ao Poder Judiciário, mas rigorosamente dentro das
fronteiras do que é dado ao julgador conhecer
ao proferir uma decisão numa determinada causa: o Poder
Judiciário foi provocado para decidir a
respeito da imposição de uma obrigação a alguém e sobre ela
decidiu21.
Imagine-se, agora, uma situação inversa, na qual a demanda é
proposta pelo cliente do banco, que,
em situação semelhante à anteriormente descrita, comparece em
juízo para obter a declaração da
invalidade de uma cláusula penal. Neste caso, o consumidor dos
serviços bancários não aguardou que o
banco lhe cobrasse. Ele próprio resolveu tomar a iniciativa.
Ao apresentar os seus argumentos, o autor perfilha a linha de
entendimento segundo a qual o
pacto acessório contido no contrato contém determinado vício
invalidante, pugnando pela sua
declaração, para, assim, firmar a sua inexigibilidade.
Se, ao apreciar o caso, o juiz concluir que o vício apontado
pelo autor inexiste, mas,
simultaneamente, constatar que o valor estabelecido a título de
indenização é abusivo, porque excede o
valor da própria obrigação principal, deverá promover, ex
officio, a redução judicial do valor previsto na
cláusula, independentemente de manifestação do demandante.
21 FREDIE DIDIER JÚNIOR, em editorial publicado em 13 de maio de
2009 no seu site,
intitulado Sobre o n. 381 da súmula do STJ (Editorial 63,
www.frediedidier.com.br), faz
precisas considerações a respeito de aspectos processuais que
envolvem o tema,
estabelecendo conexão com a norma contida no parágrafo único do
art. 112 do CPC, que
versa sobre a possibilidade de o juiz conhecer de ofício sobre a
nulidade de cláusula de
eleição de foro em contrato de adesão. O aludido editorial é de
leitura indispensável para
quem pretende formar uma ideia clara a respeito do real alcance
do novo enunciado.
http://www.frediedidier.com.br/
-
Ao fazê-lo, o magistrado permanecerá atrelado aos limites que
foram traçados no pedido
formulado pelo autor. Mas não estará sujeito – melhor dito,
escravizado – a uma manifestação do
interessado para que possa atuar em respeito a um princípio
matricial, como o é, na hipótese dada, o da
boa-fé objetiva.
E aí é de todo adequado analisar, agora, ambas as situações sob
a ótica da garantia constitucional
do contraditório.
No primeiro caso, o banco, na qualidade de autor, viu o Poder
Judiciário se pronunciar, ex officio,
sobre uma questão incidental e, com base no seu entendimento,
decidir o que lhe foi pedido. E isto –
nenhuma dúvida pode restar a respeito – o julgador pode, sim,
fazer.
Inaplicável é, pois, num caso como este, o enunciado n. 381 da
súmula do STJ.
Na segunda hipótese, o banco réu, por ocasião da citação, tomou
conhecimento de que o pedido
do autor estava voltado para a declaração da invalidade de
determinada cláusula. Ao lado disto, a ele,
réu, não é dado ignorar que o sistema jurídico, máxime no que
toca à existência de preceitos de ordem
pública, tais como os estabelecidos no Código Civil e no Código
de Defesa do Consumidor para assegurar
a função social da propriedade e dos contratos, bem como a
boa-fé objetiva, permite que o magistrado
conheça de ofício de abusividades. Assim, cabia ao réu, em
obediência à norma contida no art. 300 do
CPC22, defender, sob todos os aspectos jurídicos – e não apenas
quanto aos aspectos que foram objeto
de abordagem pelo autor – a validade da cláusula.
Destarte, quanto à incolumidade, em ambos os casos concretos
imaginados, da garantia
constitucional do contraditório, restará ela mantida, na
íntegra, uma vez que o magistrado, em nenhum
dos casos, ao decidir, teria desbordado os limites da lide posta
para a sua apreciação.
22 Art. 300. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a
matéria de defesa, expondo as
razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e
especificando as provas
que pretende produzir.
-
Não é por outro motivo que continua a merecer loa o enunciado n.
356 da IV Jornada de Direito
Civil, segundo o qual nas hipóteses previstas no art. 413 do
Código Civil, o juiz deverá, de ofício, reduzir a
cláusula penal.
Observe, porém, caro leitor: à vista dos pedidos concretamente
formulados nos casos propostos,
não poderia o magistrado, por exemplo, conhecer de ofício da
abusividade do índice de correção
monetária escolhido pelas partes para incidir sobre o valor da
obrigação principal, pois tal tema desborda
os limites do objeto litigioso do processo.
Por tudo isto, o que se conclui é que, em nosso sentir, o STJ
não pretendeu, com a súmula n. 381,
impedir, em termos absolutos, a atuação judicial espontânea
diante de cláusulas consideradas abusivas,
pois, se assim fosse, estaria aquele tribunal mandando às favas,
não apenas a própria principiologia
constitucional, mas também o Código Civil (arts. 421 e 422) e o
Código de Defesa do Consumidor (art.
51).
Não é isso.
A pretensão, com toda a certeza, é a de ajustar a atuação
jurisdicional aos limites processuais do
thema decidendum, para evitar aquele “ativismo judicial”
indesejável a que nos referimos.
Aliás, uma leitura atenta do julgamento do REsp n. 1.061.530/RS
– que foi o recurso admitido, nos
termos do art. 543-C do CPC, como representativo da controvérsia
– traz um valoroso contributo para o
entendimento das razões que conduziram o STJ a publicar o
enunciado n. 381.
No julgamento, restou claro que a preocupação daquela corte
superior esteve voltada para impedir
que a atuação ex officio do Poder Judiciário resulte em violação
ao núcleo principiológico da congruência.
Na sua redação, entretanto, o enunciado disse mais do que
poderia ser dito. Por isto, a sua
construção redacional merece revisão, a fim de que não sirva de
base – ou de desculpa – para justificar
decisões injustas, calcadas em interpretação superficial ou
açodada.
-
Nessa ordem de idéias, conclamamos você, amigo leitor, a adotar,
diante desse novo e importante
enunciado, uma postura crítica e inteligente, a fim de que não
se reverbere a falsa idéia de que, a partir
de sua edição, os juízes se converteram em meros repetidores de
normas, dependentes sempre de
provocação das partes, mesmo em temas de índole constitucional,
num inegável revival da interpretação
exegética dos primórdios do Código Francês.
(17 de março de 2009. Artigo. Professores Pablo Stolze e Salomão
Viana.)
Veja outros artigos no site: www.pablostolze.com.br
4. Bibliografia Básica do Curso
Novo Curso de Direito Civil – Obrigações – vol. II, PABLO STOLZE
GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA
FILHO, (Saraiva) www.saraivajur.com.br
5. Mensagem
Deus fique na sua companhia!
E lembre-se: Fé acima de tudo!
Paz e luz!
Um abraço!
O amigo, Pablo.
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C.D.S. 2014.1
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