1 MARIA ELIETE PINHEIRO AVALIAÇÃO RENAL DE PACIENTES PORTADORES DE FILARIOSE BANCROFTIANA Tese apresentada à Escola Paulista de Medicina - UNIFESP para obtenção de Título de Doutor em Medicina. Curso de Pós-Graduação em Nefrologia Orientador: Prof. Dr. Nestor Schor Coordenador: Prof. Dr. Horácio Ajzen SÃO PAULO 1998
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Transcript
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MARIA ELIETE PINHEIRO
AVALIAÇÃO RENAL DE PACIENTES PORTADORES DE FILARIOSE
BANCROFTIANA
Tese apresentada à Escola Paulista de
Medicina - UNIFESP para obtenção
de Título de Doutor em Medicina.
Curso de Pós-Graduação em
Nefrologia
Orientador: Prof. Dr. Nestor Schor
Coordenador: Prof. Dr. Horácio
Ajzen
SÃO PAULO1998
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Tese elaborada na Disciplina deNefrologia da Escola Paulista deMedicina durante Curso de Pós-Graduação em Nefrologia eapresentada como requisito parcialpara obtenção de Título de Doutorem Medicina.
Orientador:Prof. Dr. Nestor Schor
Apoio financeiro:FAPEAL e CAPES - PICD
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“De tudo ficaram 3 coisas:
- a certeza de que estava semprecomeçando,
- a certeza de que era preciso continuar e
- a certeza de que seria interrompido antesde terminar.
Fazer da interrupção um caminho novo,
Fazer da queda um passo de dança,
do medo uma escada,
do sonho uma ponte,
da procura um encontro. “
Fernando Sabino
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Dedicatória
À Elpidio, meu pai (in memorian), pela sua dedicação à minha
formação, que sempre foi uma de suas metas principais e pelo amor
incondicional que ajudou a me tornar o ser humano que sou.
À minha mãe Luiza, que à sua maneira peculiar sempre esteve
presente durante a elaboração desta tese cuidando de minhas filhas com
extremo amor e dedicação, o que me possibilitou trabalhar com maior
tranquilidade.
À Maurício, companheiro e cúmplice de todos os momentos nos
últimos 10 anos que, com seu amor, vem lapidando a “obra” de meus
pais. Mais ainda por ter me proporcionado a maior felicidade que pude
experimentar até o momento: tornar-me mãe de Maíra e Morgana, o que
completou sua tarefa de me tornar mulher. O fato de vocês
compartilharem suas vidas comigo me faz melhor e mais feliz a cada dia.
À Maíra e Morgana, fonte constante de amor e inspiração e razão
maior da minha existência, pela paciência com que têm suportado as
minhas ausências.
Aos irmãos Dinho e Neive, assim como seus familiares: Tânia,
Lívia, Murilo, Waldo, Ewerton, Ellen e Evelyn pelo amor com que
suprem e que me dá forças para seguir em frente.
Ao meu orientador Prof. Dr. Nestor Schor que acreditou na minha
capacidade de elaboração deste trabalho à distância e demonstrou que
sabe ser não apenas um profissional de reconhecido saber científico, mas
também um ser humano afetuoso e leal.
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Agradecimentos
Aos Profs. Drs. Oswaldo Luiz Ramos, Horácio Ajzen e Sérgio
Reynaldo Stella pela oportunidade de ter realizado minha formação
nefrológica na Escola Paulista de Medicina o que, sem dúvida, orientou
as diretrizes da minha vida profissional, fornecendo-me os alicerces
necessários para reproduzir os ensinamentos que me foram transmitidos,
dando-me autonomia para adquirir e/ou produzir novos conhecimentos e,
acima de tudo, capacidade para beneficiar os pacientes que me forem
confiados. Em especial ao Prof. Dr. Horácio Ajzen por ter me estimulado,
mais uma vez, no início deste trabalho e pelo apoio constante durante
todos estes anos.
Ao meu orientador Prof. Dr. Nestor Schor, exemplo de dedicação
ao trabalho, que me iniciou na carreira científica “contaminando-me”
com seu amor à ciência, sentimento este que não nos deixa esmorecer
quando temos que percorrer os árduos caminhos da universidade
brasileira.
À Profa. Dra. Maria Almerinda V. F. Ribeiro Alves, que com
prontidão e incondicionalmente se dispôs a realizar as leituras do material
histopatológico e pelas opiniões valiosas que muito colaboraram na
dissertação desta tese, tendo sido emitidas com humildade e alto nível de
conhecimento.
Ao Prof. Dr. Emmanuel de Almeida Burdmann pela revisão
cuidadosa e profissional, de grande valia e à sua esposa Lívia, pela
correção do inglês. À ambos pela amizade e pela pronta colaboração
quando solicitados.
À Profa. Dra. Celina Maria Costa Lacet pela agudeza de raciocínio
na análise da metodologia e elaboração dos textos, que muito
contribuíram para a redação final deste trabalho. Ainda pela realização
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dos exames ultra-sonográficos nos pacientes estudados e, acima de
tudo, pela amizade e afeto que tenho o privilégio de partilhar e pelo
carinho com que realizou esta revisão, como se fosse seu próprio
trabalho.
Aos Profs. Drs. Gilberto Fontes e Eliana Rocha, responsáveis pelo
estudo da filariose em Alagoas, pelos pacientes cedidos sem os quais
nada teria sido possível, pelo apoio técnico e laboratorial, pelo
fornecimento da DEC, pela colaboração quando solicitados, pela revisão
da tese e pela amizade.
Ao Dr. João Pereira Neto, amigo-irmão, pela realização das
punções-biópsias, pelo afeto, convívio agradável e apoio incondicional
que se traduz em uma palavra: amizade.
Ao Dr. Dimas Carnaúba Jr. por ter me estimulado a estudar
filariose e pelo carinho constante durante o desenrolar deste trabalho.
Ao Prof. Jairo Calado Cavalcante, pela realização da análise
estatística e pela disponibilidade sempre que solicitado, o que facilitou
muito o trabalho conjunto.
À Profa. Terezinha Callado pelo fornecimento de material para
fixação da microscopia eletrônica e pelo treinamento da aluna Cynthia
Farias Fernandes para fazer o procedimento. À ambas pela
disponibilidade e boa vontade.
Aos meus alunos de iniciação científica que participaram da coleta
de dados: Fernando Fireman, Alberto Pereira Madeiro, Myrna Serapião
dos Santos, Joelma Matias Sales, Syrly Correia da Silva e André
Marcondes Pereira, sem os quais não teria sido possível a realização deste
trabalho. Em especial à Fireman, Alberto e Myrna pela amizade,
cumplicidade e afeto que se estabeleceram durante este período e que se
tornou duradouro. À Myrna ainda pela acolhida em São Paulo, partilhada
por Alberto, Emily, Valéria e Saulo.
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Ao Prof. Dr. Aparecido Bernardo Pereira e o técnico Marcelo
de Souza Silva do setor de estudos de nefrites, pela dosagem de RBP e
microalbuminúria.
À amiga Sandra Coelho que muito me estimulou no início da
redação da tese, oferecendo-me sua residência para que eu pudesse fugir
da rotina diária e ter tranquilidade para escrever. Ainda pela torcida
constante, apesar dos entreveros do caminho.
Ao Prof. Carlos Conce e Dra. Carolina Bertand pelos ensinamentos
de comunicação verbal e pela amizade que tive o privilégio de angariar.
À Rosalina Soares, Wilker Soares e Jailson Ramos pela constante
disponibilidade, profissionalismo com que me atendem, acolhida nas
minhas vindas à São Paulo, torcida que fazem pelo meu sucesso e,
finalmente, pela amizade que me dispensam.
Aos colegas do Departamento de Clínica Médica, por cobrirem
minhas ausências, em especial ao Dr. Fernando Ressurreição.
Aos amigos Ludenulfo Cruz Lacet, Rosana Vilella, Luciana O.
Sampaio, Maria Ermecília A. Melo, Márcia Zoghbi Cruz, Maria Alayde,
Ebeveraldo A. Gouveia, Vicente de P.Teixeira, Mário Ronalsa, Carlos A.
Baía, Francisco Disnaldo, Clara e Míriam Boim pelo incentivo e apoio.
À Carlos e Josefa Roriz pela torcida constante e pelo afeto. À
Josefa ainda pela revisão de português, pela paciência com que me escuta
e pelo carinho, que foram imprescindíveis durante este período.
Às “Meninas do CSAU” e aos amigos do SPA Engenho do Corpo
que me proveram de alegria e energia suficientes para terminar mais esta
jornada.
Finalmente, mais uma vez, à minha fonte maior de inspiração:
Maurício, Maíra e Morgana por estarem ao meu lado me estimulando
constantemente e terem suportado o meu afastamento involuntário mas
III - CASUÍSTICA E MÉTODOS ________________________________________32
III.1 – Seleção dos pacientes: ______________________________________________ 32
III.2 - GRUPO I – Microfilarêmicos pré, durante e após tratamento._____________ 33III.2.1 - Seleção dos pacientes: __________________________________________________33III.2.2 - Avaliação antes do tratamento (AT) e durante o curso com DEC(DT). __________34III.2.3 - Avaliação após o tratamento (PT). ________________________________________34III.2.4 – Métodos de dosagem laboratorial - _______________________________________35III.2.5 - Imagem: _____________________________________________________________38III.2.6 - Avaliação da histopatologia renal: ________________________________________38
III.3 - GRUPO II - CONTROLE -__________________________________________ 39
IV – RESULTADOS___________________________________________________41
IV.1 – Seleção de pacientes________________________________________________ 41
IV.2 - GRUPO I – Microfilarêmicos assintomáticos ___________________________ 41IV.2.1 - Avaliação antes do tratamento (AT) e durante o curso com DEC (DT).__________41IV.2.2 - Avaliação após (PT) o uso da DEC (com 01, 03, 06, 12, 18 e 24 meses) ___________45
IV.3 - Grupo II - Controle ________________________________________________ 48
V - GLOSSÁRIO - TABELAS E GRÁFICOS________________________________50
VI – DISCUSSÃO ____________________________________________________67
VII – CONCLUSÃO __________________________________________________75
X - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ___________________________________77
VIII - APÊNDICE ____________________________________________________93
1
RESUMO
As manifestações clássicas de filariose ocasionadas por Wuchereria
bancrofti são aquelas associadas com dano linfático; com hiperresponsividade ao
parasito ou estado assintomático no qual microfilária é encontrada na circulação
periférica.
Tem havido vários relatos de ocorrência de anormalidades renais em
pacientes com infecção filarial. Para determinar doença renal nesta patologia,
estudamos indivíduos microfilarêmicos antes (AT), durante (DT) e após (PT) o
tratamento com Dietilcarbamazina (DEC) ( 6mg/Kg/dia, dose única oral, durante
12 dias).
Foram avaliados 96 microfilarêmicos assintomáticos, entre os quais 23
foram submetidos a investigação mais minuciosa. Os pacientes foram
selecionados randomicamente, sendo 04 (17,4%) mulheres e 19 (82,6%)
homens, com 20 + 8 (X + DP) anos. Todos os indivíduos foram avaliados clínica
e laboratorialmente AT, no 5o. e 11o. dias de DEC, sob regime de internação.
Eles também foram avaliados com 1, 3, 6, 12, 18 e 24 meses após tratamento.
Avaliação diagnóstica: uroanálise; proteinúria de 24 h; microfilaremia;
microfilarúria; creatinina; clearance de creatinina; uréia; microalbuminúria;
“Retinol Binding Protein” (RBP); C3 e C4; eletroforese de proteínas séricas;
hemograma e protoparasitológico. Raio-X simples de abdome e ultra-sonografia
renal e de vias urinárias também foram realizados em todos os pacientes e
biópsia renal em 10 deles.
Um grupo controle de 10 indivíduos, com 25 + 2 anos foi submetido aos
mesmos procedimentos, exceto à biópsia renal.
Todos os pacientes eram assintomáticos AT. A microfilaremia AT era
10,9 + 15,8 (X + DP) mf/ 20 µl mas todos os pacientes negativaram 6 meses
depois. A microfilarúria foi positiva em 01 paciente. A função renal era normal
2
em 100% dos pacientes, persistindo desta forma PT. Hematúria transitória
foi observada em 01 paciente DT.
O grupo controle mostrou função renal normal e proteinúria
quantitativamente em níveis normais AT, DT e PT em todos os casos.
Diferentemente, excreção de proteína urinária foi 303,8 + 168,7* (X + DP)
mg/24h AT; 335,9 + 300,8* no 5o.; 280,4 + 195,1* no 11o. dia e 304,9 + 204,9*;
Algumas das manifestações clínicas que têm sido descritas associadas à
filariose, como artrite, urticária, hematúria e proteinúria encontram-se em estudo(25,104).
Hematoquilúria é uma conhecida complicação da filariose, entretanto
hematúria aquilúrica, apesar de rara, também tem sido relatada nesta patologia(33,65,67,92). Ao contrário do que ocorre com a quilúria, a causa de hematúria isolada,
ainda não foi esclarecida. Entre os possíveis mecanismos considerados mais
prováveis estão a ruptura de pequenos vasos sangüíneos para dentro dos capilares
16
linfáticos dilatados ou diapedese de corpúsculos sangüíneos para dentro dos
canais linfáticos (65).
Outras formas de envolvimento renal associadas à filariose têm sido
documentados na literatura. Nos últimos 20 anos foram descritos casos de
aguda eosinofílica (18); glomerulonefrite com presença de depósito de IgG, IgM e
C3(98)
; glomerulonefrite mesangio-proliferativa (12,74,105); glomerulonefrite por
imunocomplexos em pacientes com quilúria (74)
e glomerulonefrite membrano-
proliferativa (19).
DATE (1983), estudando 50 pacientes com glomerulonefrite membrano-
proliferativa (GNMP) na Índia encontrou, como doença associada e possível fonte
crônica de antigenemia, filariose bancroftiana em três (6%) destes indivíduos. As
alterações histológicas renais foram depósitos subendoteliais, com ou sem
depósito mesangial, tendo ocorrido eosinofilia e hipocomplementemia em 88% do
total de pacientes (GNMP Tipo 1). Os achados clínicos e laboratoriais nos 50
pacientes, exceto pela eosinofilia, foram semelhantes aos de outros estudos de
GNMP. Por outro lado, a prevalência de GNMP tipo2 foi mais rara do que na
maioria dos relatos de países desenvolvidos ocidentais, o que poderia ser
explicado pela conhecida associação de GNMP tipo1 com condições de
antigenemia crônica comum nos trópicos (19). Este foi a primeiro relato de filariose
bancroftiana associada à GNMP, embora associação com outros tipos histológicos
já houvesse sido anteriormente descrita (12,18).
Alterações renais associadas com outra espécie de filária, a Loa loa, foram
descritas, onde proteinúria assintomática foi a principal apresentação clínica,
hematúria microscópica discreta ocorreu frequentemente e ocasionalmente mf
(geralmente mortas), puderam ser vistas no sedimento urinário. Os poucos casos
que incluíram biópsia renal, mostraram alterações patológicas descritas como
17
“glomerulonefrite crônica”, “edema de alguma ou todas paredes capilares,
algumas vezes com proliferação endotelial” ou “infiltração do interstício renal
com células mononucleares” (106). Glomerulopatia membranosa também tem sido
relatada em infestação por Loa loa (83).
DREYER (1992), observou alterações renais em 45% de 20
microfilarêmicos assintomáticos não tratados. Neste trabalho foi evidenciada a
presença de hematúria e/ou proteinúria. Em virtude dos pacientes serem
microfilarêmicos aventou-se a possibilidade da mf desempenhar um papel
mecânico na gênese do dano renal. As mf poderiam alcançar o túbulo renal por
passagem através dos capilares glomerulares ou por ruptura de linfáticos renais(65). Contudo, como não foi detectada microfilarúria nestes pacientes, levantou-se a
hipótese da lesão renal ser secundária à formação de complexos antígeno-
anticorpo iniciados pela parasitemia (30)
. Outros autores já sugeriram que a lesão
renal, embora rara, possa ocorrer devido a resposta imunológica do hospedeiro
pela deposição de imunocomplexos (ICs) (18,19,22,74,98)
.
Em relação a ação de ICs circulantes detectados por alguns autores neste
tipo de paciente (44,51,59,74,87)
, em apenas um estudo, em pacientes com
Oncocercíase, associa-se a presença de antígeno filarial com anormalidades em
biópsias renais (66). Achados similares têm sido produzidos experimentalmente em
modelos animais de O. volvulus, através de microscopia óptica, por KLEI (1974),
que encontrou espessamento de membrana basal glomerular (MBG), depósitos
densos subendoteliais e na MBG, que estavam associados com microfilaremia
elevada e prolongada. Os depósitos subendoteliais podem corresponder a
complexos Ag-Ac descritos em outras doenças. Entretanto a morfologia e
distribuição destes depósitos, igualmente distribuídos ao longo do capilar
glomerular, difere daqueles usualmente associados com a deposição de ICs, os
quais formam depósitos eletron-densos randomicamente localizados ao longo da
MBG, subepiteliais, intramembranosos ou áreas subendoteliais da parede capilar
18
glomerular. A natureza exata das lesões descritas é desconhecida até o
momento, embora elas possam ser induzidas por Ags da mf e/ou verme adulto (53).
O mecanismo de deposição dos ICs circulantes detectados permanece
especulativo na filariose bancroftiana. Apesar de existirem amplas evidências da
presença destes ICs circulantes, pouco se sabe sobre a caracterização do antígeno
no IC (22)
. Além disto, outras infecções parasitárias estão presentes em áreas onde
filariose é endêmica e outros Ags, provenientes destas infecções, podem também
induzir ICs circulantes. Contudo, tem sido demonstrado que os ICs são capazes de
modular a resposta imune e é sabido que imunomodulação é um achado primário
da infecção filarial. Adicionalmente, a capacidade patogênica dos ICs é bem
conhecida e várias das manifestações filária-induzidas são compatíveis com
etiologia mediada pelos mesmos (22,59).
Uma importante contribuição para o entendimento deste problema foi
realizada por RAMAPRASAD (1988), o qual estudou o efeito da terapia com o
medicamento Dietilcarbamazina (DEC) sobre microfilaremia e estado imune de
27 portadores de Wuchereria bancrofti durante 2 anos. Persistência da
microfilaremia foi observada em quatro dos 27 casos após terapia com DEC. Estes
pacientes foram novamente tratados, ocorrendo negativação de microfilaremia no
600 dia. Adicionalmente, ocorreu diminuição gradual dos títulos médios de
anticorpos (Acs) filariais IgM e IgG e aumento significante nos níveis de antígeno
microfilarial (Ag mf) no 70 dia, seguido por queda gradual dos mesmos,
alcançando níveis menores que os níveis pré-tratamento no 600 dia. Ocorreu
também a presença de imunocomplexos (ICs) filariais em todas as amostras,
mostrando ICs circulantes no 70 dia, o que deve ser relacionado à queda de Acs
IgM e IgG na circulação. De forma similar aos Ags, os níveis de ICs também
mostraram diminuição até o 600 dia. Entretanto, cerca de 12 pacientes mostraram
microfilaremia e antigenemia no 3600 dia, mostrando que a DEC tinha atenuado
apenas temporariamente o efeito do verme adulto.
19
Ainda com relação a este estudo, Ag mf foi encontrado na urina em
41% dos pacientes antes do tratamento, e em todos os pacientes durante o curso
do mesmo, guardando correlação com a administração de DEC e com a elevação
de Ags e ICs sangüíneos. Estes resultados indicam que a detecção de Ag na urina
pode ser útil como marcador para determinar se o paciente tomou ou não a droga
em programas de controle filarial (87).
De todos os parâmetros estudados, a detecção de Ag mf foi considerado
como o mais promissor indicador de infecção, mesmo quando mfs não forem
detectadas no sangue periférico(87). Corroborando esta afirmação, WEIL (1988)
observou que apesar dos níveis de microfilaremia caírem drasticamente após o
tratamento, os títulos de Ag mf e Ac IgG estavam aumentados 1 mês após o
tratamento e, apesar de apresentarem diminuição progressiva, encontravam-se
presentes 1 ano após, com e sem microfilaremia residual. Estes resultados
sugerem que DEC tem atividade macrofilaricida parcial sobre W. bancrofti, pelo
menos na dosagem preconizada pela OMS para a fase de microfilaremia. A
impressionante redução de mfs após o tratamento, apesar da significante
persistência de antigenemia, pode então ser explicada por efeito subletal da droga
sobre os vermes adultos. Portanto, estes achados sugerem que a detecção do Ag
parasitário representa uma valiosa contribuição para o monitoramento da eficácia
da terapêutica, o que levará a melhorar o uso das drogas existentes e a avaliação
de novas drogas para filariose (87,100).
A avaliação da eficácia da DEC sobre o parasito adulto “in vivo”, através
da observação de “ninhos” destes vermes que foram detectados em área escrotal
por ultra-sonografia, mostrou que uma proporção significante dos mesmos não
foram suscetíveis à DEC durante o período de estudo (69). Esta observação
corrobora os achados anteriores de atividade macrofilaricida apenas parcial.
Outra alteração renal importante encontrada em filariose foi a presença de
proteinúria, significativamente mais elevada que no grupo controle, observada por
20
NGU (1985) em um estudo epidemiológico de 1.011 pacientes, realizado em
região endêmica para Oncocercíase. Em uma segunda fase do estudo, foi realizada
investigação mais detalhada, incluindo biópsia renal de 63 pacientes consecutivos,
admitidos em hospital de referência, com proteinúria severa e/ou insuficiência
renal, provenientes da zona de Oncocercíase. Havia uma variedade de possíveis
fatores causais para a nefropatia, mas em 9 casos antígeno filarial foi demonstrado
nos depósitos de imunocomplexos no rim. Embora houvessem múltiplas infecções
parasitárias coexistindo, não se acreditou que esta fosse a causa da freqüência
maior de nefropatia neste grupo, porque a maioria destes parasitos eram intestinais
que não causam alterações renais. A maior diferença entre as duas populações
com respeito à seu reservatório de antígeno foi a presença de O.volvulus na
maioria do grupo com prevalência mais elevada de proteinúria (66)..
Mais recentemente, LANGHAMMER (1997) encontrou proteinúria em
vários estágios de filariose linfática em pacientes infectados por Brugia malayi. O
estudo constituiu-se da avaliação de grupos de pacientes em 3 diferentes fases da
doença, indivíduos endêmicos normais com altos níveis de Ac específicos e
controles não-endêmicos. Os portadores de filariose eram assim distribuídos: 1-
microfilarêmicos assintomáticos; 2- pacientes com manifestações agudas e 3-
pacientes com manifestações crônicas. Vários pacientes foram submetidos à
tratamento com DEC. Foi investigada proteinúria quantitativa e realizados testes
complementares para discriminar entre lesão tubular ou glomerular. Fator
reumatóide IgG sérico também foi determinado. Nem os endêmicos normais nem
os controles tiveram evidências de alterações renais, já os pacientes com infecção
filarial apresentaram proteinúria elevada significantemente quando comparados ao
grupo controle. Não houve diferença significante entre os 3 grupos de indivíduos
infectados, embora os níveis de proteinúria fossem mais elevados nos casos de
doença crônica, afetando predominantemente o glomérulo e mais reduzidos nos
microfilarêmicos assintomáticos, com características de lesão tubular. Tratamento
21
com DEC não alterou significantemente grau ou características da proteinúria,
mas níveis de microalbuminúria relativamente elevados na urina de pessoas
tratadas sugeriram alterações glomerulares nestes casos. Fator reumatóide IgG não
pareceu desempenhar papel na infecção filarial associada com doença renal.
Concluindo, proteinúria parece ser um evento comum em filariose por Brugia
malayi, envolvendo ambos os compartimentos: tubular e glomerular e sua
patogênese é obviamente complexa (57)
.
A proteinúria pode ser simplesmente um marcador da extensão do dano
glomerular ou pode, por si mesma, promover uma subsequente evolução da
doença para esclerose hialina (88). Proteinúria aumenta em modelo experimental de
ablação de massa renal - como conseqüência de perda de seletividade da barreira
glomerular - logo após a cirurgia e bem antes que a glomeruloesclerose se
desenvolva (71). O aumento mantido no fluxo e na pressão capilar glomerular neste
modelo está eventualmente associado com lesão glomerular, como documentado
por vacuolização de células epiteliais e fusão de pedicelos (71). Achados de função
e estrutura de células epiteliais glomerulares quase normais em ratos com rins
remanescentes, 3 semanas após o procedimento de ablação renal, quando os
animais já são proteinúricos, sugerem que proteinúria precede as alterações
estruturais de células epiteliais glomerulares detectáveis por microscopia
eletrônica (93).
De qualquer modo, a proteinúria é reconhecida como marcador de lesão
renal, podendo ser transitória ou persistente, sendo que quando persiste, a causa
deve ser pesquisada. Proteinúria persistente é caracterizada por valores acima dos
normais em amostras repetidas e pode originar-se através de três mecanismos:
alteração glomerular; lesão tubular e por sobrecarga protéica (80,96)
.
- Proteinúria de origem glomerular:É a mais comumente encontrada, relacionada com processos patológicos
primários do próprio rim ou a doenças sistêmicas. Este tipo de proteinúria é
22
predominantemente constituída por albumina e poderá apresentar-se como o
único sinal de lesão glomerular (80,96)
. Se proteínas de peso molecular moderado
(40.000-90.000 Da) tais como albumina estão presentes na urina, o defeito
glomerular é denominado de seletivo. Por outro lado, se proteínas de moderado e
elevado peso molecular estão presentes na urina, a proteinúria é chamada de não-
seletiva (96).
- Proteinúria tubular:Consiste geralmente numa proteinúria constituída por proteínas de baixo
peso molecular, comumente resultante de alterações na capacidade de reabsorção
protéica tubular sendo que, freqüentemente, indica a presença de lesão tubular.
Substâncias encontradas em quantidades aumentadas na urina neste tipo de
proteinúria incluem β2-microglobulina; RBP; lisozima; α1-glicoproteína e vários
hormônios e enzimas. Distúrbios associados com proteinúria tubular isolada
usualmente resultam em menos que 1 g de proteína urinária total por dia (80,96)
.
- Proteinúria de sobrecarga:É causada por um distúrbio não renal, onde proteínas de baixo peso
molecular em excesso são filtradas pelo glomérulo, excedendo a capacidade
reabsortiva dos túbulos. Este tipo de proteinúria tem como forma clássica a
proteinúria de Bence-Jones, encontrada no mieloma múltiplo. No entanto, outras
patologias que cursam com aumento exógeno ou endógeno de proteína
plasmática podem originar este tipo de proteinúria (80,96)
.
Em determinadas situações poderá ser encontrada proteinúria resultante do
somatório destes 3 diferentes mecanismos.
Para avaliação da proteinúria faz-se necessário diferenciar sua origem, se
glomerular ou tubular. Testes para detecção de albumina (a principal proteína na
proteinúria glomerular) estão facilmente disponíveis, mas não há testes simples
para detecção de imunoglobulinas de cadeia leve e proteínas de baixo peso
molecular, as quais predominam na proteinúria de sobrecarga e tubular. Estas
23
pequenas proteínas podem ser detectadas por ensaios mais sofisticados tais
como eletroforese, cromatografia e métodos imunoenzimáticos (80,96)
.
A relação causa-efeito entre proteinúria e as outras alterações renais
encontradas em portadores de filariose bancroftiana não está totalmente
estabelecida. Faz-se necessário estudo prospectivo para avaliação da bancroftose
como promotora de dano renal, já que em todos os estudos disponíveis as
evidências de nefropatia induzida pela filariose bancroftiana foram
circunstanciais. Os trabalhos consistiram de relato de casos em que o diagnóstico
desta patologia foi geralmente feito por exclusão, devido ao fato destes pacientes
estarem em vigência de infecção filarial, ou então por ausência de outros
antígenos que são associados com nefrite por imunocomplexos e apresentarem
boa resposta ao tratamento específico. Este conjunto de fatores sugere que a
infecção filarial foi responsável pela formação de complexos antígeno-anticorpo
que levaram às lesões renais descritas acima.
I.5. DIAGNÓSTICOO diagnóstico de filariose bancroftiana pode ser difícil, basicamente porque
os quadros clínicos determinados pela W. bancrofti podem ter outras causas
etiológicas e a demonstração da presença do parasito (mf) não prova ser ele o
agente causal, visto que na maioria das vezes ele não exerce efeito patogênico (89)
.
Os dados clínicos e epidemiológicos são os responsáveis pelo
questionamento de possível infecção do paciente em áreas endêmicas. O
diagnóstico confirma-se por exames parasitológicos ou testes de imunidade,
podendo-se utilizar outros meios de diagnóstico, tais como: exame radiológico,
linfangiografia e, mais recentemente, ultra-sonografia. É sinal indireto a
comprovação de eosinofilia (16).
I.5.1. - Diagnóstico Parasitológico (direto)1.5.1.1. – Pesquisa de mf:
24
O diagnóstico parasitológico é realizado com métodos que visam a
detecção da mf no sangue periférico. Para melhorar a sensibilidade do método há
necessidade do conhecimento da existência da periodicidade de microfilaremia
local.
Entre as técnicas utilizadas rotineiramente a mais difundida é a gota
espessa, usando-se sangue de capilar periférico, geralmente em volumes de 20, 40
ou 60 µl. É o método de escolha para inquéritos hemoscópicos e diagnóstico
individual. As técnicas de concentração, como descrita por KNOTT (54)
, utilizam
maiores volumes de sangue de origem venosa (geralmente de 1 a 5 ml), o que
aumenta muito sua sensibilidade, devendo as mesmas serem utilizadas em
laboratórios de patologia clínica.
Nos centro de pesquisas tem-se utilizado a técnica de filtração sangüínea
em membrana de policarbonato “Nucleopore” (13)
, por permitir o exame de mais
de 10ml de sangue, o que a torna mais eficaz para o diagnóstico.
A mf também pode ser encontrada na urina em 2 situações: nos indivíduos
microfilarêmicos antes e durante o tratamento com antifilarial (associada ou não à
hematúria) e nos portadores de quilúria (29).
Qualquer que seja a técnica empregada, a pesquisa de mf deve ser feita de
acordo com o horário de maior concentração do embrião no sangue periférico do
hospedeiro, que em nossa região ocorre de 23:00 a 1:00 hora (39).
1.5.1.2 – Pesquisa de vermes adultos:
Esta pode ser feita através de biópsias de linfonodos (38,49,50) ou, mais
recentemente, através de ultra-sonografia (1,2).
I.5.2 - ImunodiagnósticoO imunodiagnóstico enfrenta problemas para a sua caracterização, como:
- Dificuldade de estabelecer critérios de positividade, pois os conhecimentos
atuais não permitem a distinção da resposta imunológica entre indivíduos
25
infectados e aqueles não infectados, que por residirem em área endêmica estão
expostos a larvas infectantes tornando-se sensibilizados (76,104)
;
- Imunossupressão específica em pacientes com microfilaremia patente (76,82)
;
- Existência de grande número de reações cruzadas com soros de indivíduos
infectados com outras parasitoses (70);
- Escassez de material para pesquisa proveniente de parasitos que infectam o
homem, principalmente quando se trata de verme adulto (104)
;
- Informações mínimas sobre o comportamento da resposta humoral durante
a infecção natural bem como quando é realizado tratamento específico (104)
.
Contudo, esforços vêm sendo desenvolvidos na busca de novas provas de
diagnóstico: ensaios para detecção de antígenos (Ag) somáticos e de superfície
(incluindo Ag em circulação no hospedeiro), imunocomplexos, ou tentativas de
detecção de Ag com anticorpos monoclonais específicos (16,104)
.
1.5.3 - Linfocintilografia: Tem sido desenvolvida com albumina ou dextran marcados
radioativamente. Estudos preliminares têm demonstrado a presença de linfáticos
anormais em microfilarêmicos assintomáticos, sem nenhuma evidência de edema.
Esta técnica poderá ser usada em indivíduos infectados mas assintomáticos para
determinar se eles têm morfologia e função linfática anormal, e como estas
alterações poderão se modificar, especialmente após terapêutica específica.
1.5.4- Ultra-sonografia:Foi introduzida mais recentemente, como método de diagnóstico,
permitindo a visualização dos linfáticos dilatados da área escrotal de indivíduos
com microfilaremia, assintomáticos, assim como de movimentos de vermes
adultos de W. bancrofti (16).
26
I.5.5 - Outros exames laboratoriais1.5.5.1 - Pesquisa de linfócitos na urina:
Deve ser solicitada quando há suspeita de quilúria, sendo que proteinúria de
24 horas também deve acompanhar, pois tem implicações na conduta terapêutica.
1.5.5.2 - Eosinofilia:A contagem absoluta de eosinófilos deve ser feita, principalmente nos casos
que cursam com sintomatologia pulmonar. A eosinofilia periférica pode não ser
importante nas demais formas clínicas da doença, já que a infestação
concomitante com outros helmintos tem sido demonstrada em nossa região (38).
Entretanto, outros autores têm relatado que eosinofilia precoce e que pode atingir
cifras elevadas (75% a 85%), ocorre devido à bancroftose, sobretudo no primeiro
ano de infestação (16). Deve-se realizar o tratamento anti-helmíntico prévio antes
da avaliação deste parâmetro nos pacientes com filariose bancroftiana.
A produção de eosinófilos é dependente de células T, porque sua
proliferação e maturação estão sob o controle de três citoquinas derivadas de
células T: Interleucina 3 (IL3), Interleucina 5 (IL5) e fator estimulador de colônia
granulócito-monócito (CSF-GM), dos quais a IL5 é a mais importante. Níveis
elevados de IL5 são encontrados em doença parasitária. O mecanismo da
eosinofilia parece ser similar ao de doença alérgica, com resposta tipo “T Helper
2” ao Ag helmíntico, resultando em produção aumentada de IL5 (97).
Os eosinófilos têm habilidade de matar larvas opsonizadas de parasitas,
secretando produtos como proteína básica maior, proteínas catiônicas e
peroxidases que danificam tecidos e larvas de parasitas (10).
Adicionalmente, já foi observado que ocorre exacerbação da eosinofilia
durante a terapia antifilarial nos indivíduos microfilarêmicos, provavelmente
devido à liberação de antígenos circulantes causada pela morte das mf, voltando
ao nível basal cerca de 6 meses após o tratamento (15,29).
27
1.5.5.3 - Neutrofilia:Também ocorre na filaríase linfática, de forma moderada, tendendo a
aumentar nos surtos febris, reduzindo-se a porcentagem de eosinófilos (16).
I.6. TRATAMENTOHá mais de 40 anos a DEC tem sido a droga de escolha para tratamento da
filariose linfática. A ampla experiência com DEC tem mostrado sua baixa
toxicidade e sua segurança para uso em larga escala em filariose linfática (75,104). A
DEC foi sintetizada em 1947 como 1-dietilcarbamil-4-metilpiperazina, sendo um
derivado da piperazina. É um pó branco, solúvel em água e estável em condições
ambientais (75)
. Provavelmente devido ao fato de ser derivado da piperazina, a
DEC tem bom efeito clínico contra Ascaris lumbricoides, e tem mostrado um
certo efeito contra Dracunculus medinensis, Strongyloides, Paragonimus e larva
migrans visceral (Toxocara canis) (75)
. O tratamento usual preconizado pela OMS
para filariose linfática bancroftiana consiste na administração de 6mg/Kg/dia de
DEC por 12 dias, por via oral, podendo ser repetido se necessário, dependendo de
cada caso (102)
.
1.6.1. Tratamento com DEC:1.6.1.a. Mecanismo de ação:
A DEC não tem efeito significante “in vitro” nas mf de algumas espécies.
Contudo, “in vivo” a DEC causa rápido desaparecimento das mf da circulação(104)
. A ação filaricida depende do bom funcionamento das respostas humoral e
celular do hospedeiro. A destruição das mf sangüíneas é realizada
predominantemente pelas células do sistema macrófago-linfóide do baço e fígado,
mas algumas podem escapar da ação do medicamento mesmo após tratamentos
consecutivos. As mf que sofreram alguma ação da DEC desenvolvem-se
normalmente nos mosquitos (88,103)
. O mecanismo preciso de ação da DEC
permanece indefinido (104)
.
28
Existem evidências da ação filaricida da DEC sobre os vermes adultos:
1. Achados histológicos obtidos pelo exame direto de parasitos removidos por
biópsia de pacientes tratados, os quais apresentavam-se mortos, cercados de
células degeneradas;
2. O desenvolvimento de reação nodular local ao longo do trato linfático de
pacientes em curso de tratamento;
3. O efeito prolongado de redução nos níveis de microfilaremia em pacientes
tratados;
4. A resolução clínica de sinais e sintomas agudos após o tratamento;
5. Presença da mudança imunológica indicando o desaparecimento da infecção
ativa (75,104)
.
O mecanismo pelo qual a DEC mata o verme adulto é desconhecido e de
eficácia variável (75,104). Existem evidências apontando para atividade
macrofilaricida apenas parcial, devido à persistência da antigenemia, comprovada
através da dosagem de IgG, embora em níveis reduzidos, após o tratamento com a
dosagem preconizada pela OMS (100). Além disso, com o advento da ultra-
sonografia no arsenal diagnóstico da filariose, tem sido detectada a presença de
vermes adultos vivos em vasos linfáticos, após terapêutica com DEC (68,69).
Até o momento devido à ausência de droga ideal com propriedades micro e
macrofilaricida, associada aos novos parâmetros para monitorar a eficácia da
droga, DEC permanece com a importância conquistada no início de sua
descoberta (28).
A prevalência e a incidência de adenolinfangite decresce significantemente
após o tratamento com DEC, bem como a freqüência de funiculites e epididimites.
Pacientes com linfedema temporário, pequena hidrocele, hematúria ou quilúria
usualmente respondem bem ao tratamento, apesar de cursos repetidos de DEC
serem freqüentemente necessários para eliminar os vermes adultos. Em casos de
elefantíase de alguns anos de duração pode ocorrer redução parcial do problema
29
apenas com o uso de DEC (104)
. Diante de grandes hidroceles e elefantíases
com deformidades, o uso de DEC tem se mostrado ineficaz (104). Portanto,
resultados satisfatórios do tratamento podem ser esperados durante as fases
precoces da infestação e no período agudo, sendo que as manifestações crônicas
dificilmente são eliminadas, pois são resultado de profundas alterações
anatômicas dos tecidos afetados, tornando difícil sua total resolução (16).
A DEC é a droga de escolha no tratamento da EPT, sendo observada
marcante melhora clínica e hematológica após alguns dias de seu uso na dosagem
de 6mg/Kg/dia, que deve ser mantida por 21 dias (104)
.
1.6.1.b. Efeitos colaterais:As reações que ocorrem com o tratamento com DEC são basicamente de 2
tipos. O primeiro é devido à ação tóxica da droga por si mesma é dose dependente
e pode induzir: anorexia, náuseas, dor abdominal, fraqueza, tonturas e letargia.
Estes sintomas iniciam-se 1 a 2 horas após o uso, persistindo por algumas horas.
O segundo é a resposta do hospedeiro infectado à destruição e morte dos parasitas.
Os efeitos colaterais devem-se então à sua toxicidade farmacológica, ou à sua
ação microfilaricida e efeitos sobre o verme adulto, sendo que podem resultar da
elevação da carga antigênica liberada ou da modificação do metabolismo dos
leucotrienos (89,104).
A desintegração das mf e/ou a morte dos vermes adultos promovem reações
de natureza imunológica, que podem ser sistêmicas ou locais. As reações
sistêmicas incluem cefaléia, algia generalizada, dor articular, vertigem, anorexia,
vômitos, mal-estar, hematúria temporária, reação alérgica e algumas vezes crise
de broncoespasmo e febre. As reações locais incluem linfadenites, abcessos,
úlceras, linfedema temporário, hidrocele, funiculites e epididimites. Estas reações
sistêmicas ou locais, cessam espontaneamente, não sendo necessário a interrupção
do tratamento e são proporcionais ao número de mf presentes. Podem ser
atenuadas pelo emprego simultâneo de corticóides e anti-histamínicos(89,95,104)
.
30
Com relação à nefrotoxicidade da DEC, não existem relatos na
literatura de dano renal ocasionado pela droga. Não há acumulação da droga após
tratamento prolongado e toxicidade crônica não ocorre (104) .
1.6.2. Tratamento com outras drogas:A Ivermectina é um macrolídeo semi-sintético com largo espectro de ação
contra diversos nematóides e ectoparasitas, que tem bom resultado na
Oncocercíase e, atualmente, está se tornando droga de escolha também para a
filariose bancroftiana. Estudos realizados em Recife, Pernambuco (15), revelaram
que doses baixas de ivermectina (20 µg/Kg) administradas em dose única por via
oral, são tão eficazes quanto doses altas (200 µg/Kg), e as reações adversas
diminuem significativamente.
Atualmente existem outras drogas em curso de pesquisa como: CGI 18041
(um benzotiazole) e UMF 078 (um benzimidazole) (104).
1.6.3. Tratamento cirúrgico:O tratamento cirúrgico da elefantíase tem sido feito através de fístulas
linfonodovenosas ou linfovenosas, acompanhadas pela remoção do excesso de
gordura subcutânea e tecido fibroso da extremidade afetada e adequada drenagem
postural, mais fisioterapia. Melhora significativa é evidente meses ou anos após a
fístula, mas a duração da permeabilidade desta e o curso da doença depois da
cirurgia não são bem conhecidos (104).
Pelas observações efetuadas até o momento, alterações imunológicas
induzidas por ICs são a causa das alterações renais observadas na filariose
bancroftiana. Entretanto, além de relatos de casos isolados, houve apenas um
estudo prospectivo (30) no qual não ficou estabelecido se a hematúria e/ou
proteinúria eram de origem glomerular, não foi feita investigação imunológica e
31
nem pode ser realizada biópsia renal, já que as alterações renais
desapareceram 60 dias após o tratamento.
Enquanto associação entre ICs filária-específicos e lesão renal tem sido
bem estabelecida em oncocercíase (66), associação similar ainda não foi feita na
filariose bancroftiana, que tem a peculiaridade de não possuir modelo
experimental adequado, já que apresenta como único hospedeiro definitivo o
homem (89).
Com o intuito de observar a freqüência da anormalidades renais em
filariose bancroftiana em uma região onde a mesma vem se tornando endêmica,
decidimos estudar pacientes microfilarêmicos assintomáticos do bairro Feitosa -
Maceió - AL, onde a prevalência de microfilarêmicos por W. bancrofti na
população geral é de 5,4% (39). Estes pacientes foram avaliados antes (AT),
durante (DT) e após (PT) o tratamento com DEC e as alterações renais
encontradas foram estudadas minuciosamente, com as técnicas apropriadas e
ampla avaliação clínica para excluir etiologias não-filariais. Adicionalmente estes
pacientes foram comparados a um grupo controle submetido às mesmas
condições, comprovadamente amicrofilarêmicos.
32
II- OBJETIVOS
- Avaliar a associação entre doença renal e filariose bancroftiana em área
endêmica.
- Estudar lesão renal existente em pacientes microfilarêmicos, pesquisando
hematúria e proteinúria nos grupos estudados.
- Pesquisar o tipo de nefropatia que leva à proteinúria: componente glomerular ou
tubular.
- Determinar anormalidades renais em pacientes microfilarêmicos antes, durante e
após tratamento com DEC, comparando-os com um grupo controle.
- Avaliação histopatológica renal através de microscopia ótica, eletrônica e
imunofluorescência
III - CASUÍSTICA E MÉTODOS
Este trabalho foi elaborado na Escola Paulista de Medicina – Universidade
Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP), realizado no Serviço de Nefrologia do
Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas (HU-UFAL), em
cooperação com Centro de Ciências Biológicas – Universidade Federal de
Alagoas (CCBI-UFAL).
No período de abril de 1993 a outubro de 1996 realizamos estudo
prospectivo e sequencial em indivíduos microfilarêmicos assintomáticos, sendo os
grupos alocados da seguinte maneira:
III.1 – Seleção dos pacientes:Foram estudados 96 indivíduos microfilarêmicos, previamente
diagnosticados pelo grupo do Projeto Filariose, CCBI-UFAL, avaliados clínica e
33
laboratorialmente através de protocolo preestabelecido. Para o diagnóstico de
filariose por Wuchereria bancrofti foi realizado análise de sangue periférico,
obtido por punção digital, através do método da gota espessa (91)
.
Deste grupo, 63 (65,6%) eram do sexo masculino e 33 (34,4%) do sexo
feminino, com idade entre 08 e 65 anos, média de 19+10 anos (X+DP).
III.1.1.Avaliação clínica: realizada no Ambulatório de Nefrologia do HU-UFAL,
foi feita investigação de possíveis alterações compatíveis com doença filarial,
como adenolinfangite, febre, linfedema, astenia, tosse asmatiforme, hidrocele,
quilúria e/ou elefantíase. Desordens renais foram pesquisadas através de
antecedentes patológicos, exame clínico completo com medidas de pressão
arterial (PA) e abordagem laboratorial.
III.1.2. Avaliação laboratorial: realizadas dosagens sanguíneas de uréia e
creatinina e 3 exames sumários de urina consecutivos.
III.2 - GRUPO I – Microfilarêmicos pré, durante e após tratamento.
III.2.1 - Seleção dos pacientes:Em uma segunda etapa, foi selecionado aleatoriamente um subgrupo, para
investigação minuciosa de alteração renal. Este foi constituído de 23 pacientes,
sendo 19 (82,6%) do sexo masculino e 4 (17,4%) do sexo feminino, idade de 20+8
anos (X+DP), variando entre 14 a 45 anos.
Neste grupo de pacientes foi coletada história clínica completa e realizado
cuidadoso exame físico, sendo todos os pacientes assintomáticos, sem nenhum
sinal ou manifestação clínica da filariose. Para exclusão de outras patologias que
cursam com alterações renais, além da avaliação clínica detalhada, com medidas
sequenciais de PA, foram realizados os seguintes exames complementares: Raio-
X simples de abdome; ultra-sonografia renal e de vias urinárias; pesquisa de ovos
de esquistossomose; hemograma completo; bioquímica sangüínea para
determinação de uréia, creatinina, sódio, potássio, cálcio e ácido úrico; 2 colheitas
34
de urina de 24 h para dosagem de cálcio, ácido úrico, sódio, magnésio,
creatinina e proteína; além de urocultura.
Em todos os pacientes foi realizado exame protoparasitológico antes do
início do tratamento com DEC e efetuado tratamento anti-helmíntico com
mebendazol, na dosagem de 200 mg/dia durante 3 dias. O exame
protoparasitológico foi repetido nos controles posteriores, assim como o
tratamento, quando necessário.
Os pacientes foram submetidos a avaliação clínica e laboratorial, seguindo
Teste de hipóteses para amostras dependentes: a : p = 0,93 vs AT d : p = 0,65 vs AT g : p = 0,99 vs AT b : p = 0,93 vs AT e : p = 0,39 vs AT h : p = 0,84 vs AT c : p = 0,99 vs AT f : p = 0,93 vs AT
Gráfico 2: Proteinúria – Grupo I.
mg/24h
0
50
100
150
200
250
300
350
AT DT1 DT2 PT1 PT2 PT3 PT4 PT5 PT6
MÉDIA
NORMAL
53
Tabela 3: Proteinúria (mg/24h) - Grupo II - Controle
TempoEst
AT DT1 DT2
X 77,3 86,0 a 91,8 b
DP 48,4 61,9 63,1
Teste de hipóteses para amostras dependentes:
a : p=0,914 ; b : p= 0,86 vs AT
Tabela 4: Proteinúria (mg/24h) – Grupo I vs Grupo II
Controles Microfilarêmicos TemEst AT DT1 DT2 AT DT1 DT2
X 77,3 86,0 91,8 303,8 a* 335,9 b* 280,4 c*
DP 48,4 61,9 63,1 168,7 300,8 195,1
a : p = 0,0005 vs controles b : p = 0,0140 vs controles * p < 0,05 vs controles - Teste t de Student c : p = 0,0050 vs controles
54
Tabela 5a: Microfilaremia vs Proteinúria – Grupo I (AT).
Microfilaremia Proteinúria Sim Não
Total
Sim 19 4 23Não 0 0 0
Total 19 4 23
Não podem ser efetuados testes estatísticos, pois segunda linha = 0
Tabela 5b: Microfilaremia vs Proteinúria – Grupo I (DT1).
Microfilaremia Proteinúria Sim Não
Total
Sim 4 0 4 Não 13 6 19 Total 17 6 23
Qui - Quadrado: 1,71 p = 0,19 Fisher unicaudal: p = 0,27
Tabela 5c: Microfilaremia vs Proteinúria – Grupo I (PT3).
Microfilaremia Proteinúria Sim Não
Total
Sim 0 1 1 Não 13 9 22 Total 13 10 23
Qui - Quadrado: 1,36 p = 0,24 Fisher unicaudal: p = 0,43
55
Tabela 6 : RBP (mg/l) urinária – Grupo I.
TemEst
AT DT1 DT2 PT4
X 0,04 0,03 a 0,03b 0,04c
DP 0,03 0,02 0,01 0,02
Teste de Hipóteses para amostras dependentes: a: p = 0,78 ; b: p = 0,76 ; c: p = 1,0 vs AT
Tabela 7 : Microalbuminúria (mg/l) – Grupo I.
TemEst
AT DT1 DT2 PT4
X 22,2 39,6a* 29,5 b 30,6c*DP 10,7 32,8 22,0 12,9a : p = 0,019 vs AT b : p = 0,141 vs AT c : p = 0,017 vs AT
Teste de Hipóteses para amostras dependentes * p < 0,05 vs AT
56
Tabela 8: Complementos C3 e C4 (mg/dl) – Grupo I.
TemEst
AT DT1 DT2
C3 C4 C3 C4 C3 C4
X 100 27 93a 26 b 92 c 24 d
DP 36 14 33 10 35 08Teste de Hipóteses para amostras dependentes:
a : p = 0,89 ; b : p = 0,95; c : p = 0,87; d : p = 0,85 vs AT
Tabela 9 : EFP (g%) Grupo I (mf) vs Grupo II (C) - AT.
Apesar de glomerulonefrite aguda e síndrome nefrótica como complicação
de filariose ter sido bem documentada anteriormente, a maioria dos casos foram
diagnosticados por esfregaço de sangue periférico. Microfilária como fator causal
de lesão renal causa problemas diagnósticos desde que elas raramente são
demonstradas dentro de glomérulo renal.
Um fator limitante na avaliação da provável lesão renal ocasionada pela W.
bancrofti, especificamente, é a impossibilidade de realizar estudos experimentais,
pois o único hospedeiro definitivo é o homem (37,89). Entretanto, em modelos
animais de oncocercíase, foram encontrados depósitos subendoteliais,
espessamento e depósitos densos em MBG, associados com microfilaremia
elevada e prolongada. Estas alterações patológicas descritas podem ter sido
induzidas por Ags da microfilária e/ou verme adulto (53).
Alterações renais em oncocercíase também foram descritas no homem, em
estudo epidemiológico realizado em região endêmica para esta patologia. Havia
uma variedade de possíveis fatores causais para a proteinúria encontrada nestes
pacientes, mas em 9 casos foi demonstrado Ag filarial nos depósitos de ICs no rim
e a proteinúria foi significantemente elevada comparada ao grupo controle (66).
Além destas observações em oncocercíase, LANGHAMMER e col. (1997)
encontrou proteinúria em vários estágios de filariose linfática em pacientes
infectados por Brugia malayi (57). A proteinúria estava aumentada nas diversas
manifestações clínicas da doença com tendência a elevação nos casos de doença
crônica, onde afetava predominantemente o glomérulo, e mais reduzida nos
microfilarêmicos assintomáticos, com características de lesão tubular. Fator
reumatóide IgG não pareceu desempenhar qualquer papel na infecção filarial. Em
conclusão, este estudo sugere que além da patogênese da lesão renal ser
complexa, não parece ser somente mediada por imunocomplexos (57).
69
Enquanto associação entre ICs filária-específicos e lesão renal tem sido
bem estabelecida em oncocercíase (66), associação similar ainda não foi feita na
filariose bancroftiana, sendo que até o momento apenas um estudo prospectivo
havia sido realizado por DREYER e col. (1992). Nesta avaliação foi evidenciado
surgimento ou exacerbação de hematúria e/ou proteinúria em pacientes
microfilarêmicos assintomáticos tratados com DEC numa percentagem de 45%
entre 20 pacientes avaliados. Entretanto, apesar da hematúria ter sido mais
expressiva (35% pré-tratamento), não foi realizada pesquisa de dismorfismo
eritrocitário, não sendo possível confirmar se a hematúria foi de origem
glomerular ou não. A proteinúria encontrada (20%) na fase anterior ao tratamento
foi mínima (< 250 mg/24 h), ocorrendo exacerbação durante os três primeiros dias
de tratamento e normalização após 30 dias do início da DEC. Adicionalmente, foi
constatado que proteinúria não foi induzida pelo tratamento com DEC em 5
pacientes amicrofilarêmicos (30).
Portanto a literatura apresenta vários relatos de ocorrência de
anormalidades renais em pacientes com infecção filarial, sem entretanto
estabelecer de forma clara o grau de lesão renal nesta patologia. Também são
escassos os relatos com relação ao tratamento e envolvimento renal, dado este
que nos estimulou a estudar de forma detalhada a inter-relação do tratamento e
eventual comprometimento renal. Para determinar nefropatia nesta patologia,
levando em consideração a prevalência elevada de microfilarêmicos em 3 bairros
de Maceió, estudamos indivíduos microfilarêmicos provenientes desta população
antes, durante e após o tratamento com Dietilcarbamazina, comparando-os a
grupo controle.
Em nosso trabalho entre os 96 indivíduos previamente selecionados, não
tratados, foi observada alta freqüência de cristalúria, podendo isto ter ocorrido
devido ao nosso clima tropical, aos hábitos dietéticos, bem como pela baixa
ingestão de líquidos. O que fala a favor de uma ingestão protéica adequada ou
70
elevada nestes pacientes é que, apesar de tratar-se de uma população de nível
sócio-econômico baixo, os valores médios de proteína plasmática encontram-se
no limite superior da normalidade. Entretanto estas observações fogem ao objetivo
do presente estudo, valendo a pena ressaltar apenas que o valor médio da fração
gama foi estatisticamente significante quando comparada ao grupo controle, o que
é indício da presença de patologia crônica nestes indivíduos.
O tratamento com DEC foi eficaz para negativar a microfilaremia em todos
os pacientes, sendo que mesmo aqueles que apresentaram discreta positividade
após o primeiro tratamento, responderam com negativação total após o novo
tratamento e assim persistiram até o controle de 2 anos (Tabela 1), reafirmando a
eficácia da droga como microfilaricida (36,78,104).
Na avaliação durante o tratamento com DEC foi observado hematúria em
1/23 (4,3%) paciente antes e durante o tratamento, tendo a hematúria apresentado
exacerbação após o início da terapêutica e normalizado após o tratamento. Na
literatura são descritos casos isolados de hematúria, sem quilúria associada (33, 65)
.
Em 1992, em trabalho realizado por DREYER e col. (30)
foi observado hematúria
(sem quilúria) em 35% pacientes antes do tratamento e 70% durante o mesmo. Em
nosso estudo apesar da hematúria ter sido mínima apresentou comportamento
semelhante, em relação a terapêutica com DEC, à encontrada por DREYER e col.
Além disso, a presença de hematúria associada a proteinúria usualmente indica
um processo patológico e primariamente implica algum tipo de alteração
glomerular como a causa da proteinúria (96). Estes dados indicam que a presença
de hematúria de etiologia não esclarecida em área endêmica necessita de
investigação sobre possível etiologia filarial.
Na segunda etapa do nosso estudo, durante e após o tratamento com DEC, a
principal alteração encontrada foi proteinúria quantitativamente elevada em 22/23
(95,6 %) dos indivíduos em pelo menos uma amostra de urina de 24h analisada
(Tabela 2). A utilização de dois métodos para avaliar a proteinúria foi devido ao
71
fato de que as tiras reagentes, usadas no exame sumário de urina, são úteis
apenas para detecção da albumina urinária, sendo pouco sensível às
imunoglobulinas e outros tipos de proteínas, além de só expressar
qualitativamente a proteinúria e com baixa sensibilidade (80).
A proteinúria foi persistente, em níveis menores do que 1g/dia, sem
influência postural ou de esforço físico, já que foi dosada com paciente em
repouso, sob regime de internação hospitalar. Os indivíduos microfilarêmicos
apresentaram proteinúria significantemente elevada quando comparados ao grupo
controle (Tabelas 3 e 4), a qual não apresentou correlação com os níveis com os
níveis de microfilaremia (Tabelas 5a, 5b, 5c). Apesar da tendência à normalização
gradativa da proteinúria no Grupo I na avaliação de 03 meses, após 6 meses de
tratamento com DEC, observamos que 12/23 (52,2%) dos pacientes mantinham
proteinúria, o que não deixou de significar uma melhora comparada com os 19/23
(82,6%) do início. Entretanto, após 2 anos, 18 (78,3%) indivíduos ainda estavam
apresentando níveis urinários de proteína acima da normalidade, apesar de ser
uma alteração discreta.
A permanência da proteinúria por um tempo mais prolongado
provavelmente se deve à persistência da infecção filarial, ou da resposta imune do
hospedeiro, apesar da microfilaremia haver negativado (78).
Para avaliarmos mais detalhadamente essa alteração, no grupo que foi
tratado com DEC foram realizadas dosagens de eletroforese de proteínas, RBP e
microalbuminúria. As dosagens do RBP ou da beta-globulina, por estas serem
proteínas de baixo peso molecular, são utilizadas para avaliação de função tubular,
sendo que a pesquisa de RBP oferece vantagens sobre a beta-2-microglobulina
porque a primeira apresenta maior estabilidade em pH ácido (81).
As dosagens de RBP realizadas nos pacientes que apresentaram proteinúria
elevada, mostraram níveis de normalidade em todas as amostras (Tabela 6), o que
fala contra lesão tubular. O fato da microalbuminúria apresentar-se pouco acima
72
do valor normal AT, e sua elevação durante e após o tratamento (Tabela 7),
associado à dosagem normal de RBP, fala a favor de proteinúria glomerular,
desde que este tipo é constituído principalmente de albumina (96).
Assim, estes dados sugerem que a proteinúria seja de provável origem
glomerular (por dano mecânico ou imunológico), já que os níveis de RBP foram
normais, e possivelmente determinada pela infestação filarial. Apesar do achado
de microfilarúria em 01 paciente durante o tratamento, não é possível implicar o
dano mecânico na gênese dessa possível lesão glomerular.
Com relação à exacerbação da proteinúria durante o tratamento com DEC
em nossos pacientes, pode ter ocorrido devido à liberação de carga antigênica
ocasionada pela morte dos parasitas já que no grupo controle, submetidos ao
mesmo tratamento, não ocorreu alteração nos níveis de proteína urinária. Este
achado é condizente com a literatura pois existe tendência para ocorrer reações
colaterais mais severas quanto mais elevados forem os níveis de microfilaremia(36,95). Vale ressaltar que o grupo controle foi submetido ao tratamento levando em
consideração que quase a totalidade dos efeitos colaterais são resultantes do efeito
macro ou microfilaricida da DEC e que, como esperado, não apresentou efeitos
colaterais gerais ou renais (78,104).
Em comparação ao trabalho realizado por DREYER e col. (1992), no qual
foi encontrada hematúria em 35% e proteinúria acima do valor normal em 20% de
uma população adulta masculina, nossos dados apresentam um percentual de
positividade mais elevado com relação à proteinúria (30). Além disso, o
comportamento dos nossos dados de proteinúria após o término do tratamento
com DEC são diferentes, pois DREYER e col. observaram normalização da
proteinúria em 100% dos pacientes, que tinham proteinúria acima do normal, em
torno de 3-4 semanas, o que não ocorreu em nossos pacientes.
Entretanto no estudo de LANGHAMMER e col. (1997) em pacientes
infectados por Brugia malayi, tratamento com DEC não alterou significantemente
73
grau ou características da proteinúria, mas níveis de microalbuminúria
relativamente elevados na urina de pessoas tratadas sugeriram alterações
glomerulares nestes casos. Adicionalmente, nem os endêmicos normais nem os
controles tiveram evidências de alterações renais, já os pacientes com infecção
filarial apresentaram proteinúria elevada significantemente quando comparados ao
grupo controle, semelhante ao nosso trabalho (57)
.
Uma outra possibilidade é que a filariose tenha um comportamento
semelhante ao da esquistossomose na qual seria esperado que a doença glomerular
por estar relacionada a uma doença parasitária crônica, imunologicamente
mediada, o tratamento específico desta parasitose pudesse reverter ou prevenir a
progressão da glomerulopatia. Entretanto vários estudos indicam que uma vez
deflagrado o quadro clínico, a glomerulopatia já é avançada, irreversível, em um
estágio no qual os mecanismos não imunológicos de progressão da doença renal já
estão ativados e independem da presença ou ausência do parasita (60).
Na esquistossomose a natureza imunológica da lesão glomerular está bem
estabelecida e a lesão renal é progressiva pela indiferença a esquemas terapêuticos
diversos (34). Entretanto a constatação de lesões incipientes e sub-clínicas em
alguns pacientes, oferece perspectivas de que nesta fase é possível que possam ser
bloqueados os mecanismos que a perpetuam (9).
Se realmente existe um paralelismo entre as duas parasitoses com relação à
fisiopatogênese e resposta terapêutica, apenas estudos longitudinais com ênfase na
avaliação imunológica e terapêutica nas várias fases da doença poderão,
possivelmente estabelecer esta resposta.
Constatamos eosinofilia em 91,3% dos pacientes no início do estudo, apesar
de terem sido previamente tratados com anti-helmíntico, antes da realização dos
exames laboratoriais. Houve uma exacerbação da eosinofilia absoluta durante o
tratamento com DEC, provavelmente devido ao aumento na carga antigênica,
como descrito por FIGUEIREDO-SILVA e col. (1994) (38), mas não ocorreu
74
normalização após 6 meses, onde 52,2% dos microfilarêmicos ainda
apresentavam eosinofilia. A persistência da eosinofilia pode ser devido à um
escape do tratamento anti-parasitário, às novas infestações em área de risco, ou à
uma persistência da infecção filarial com o verme adulto, apesar do
desaparecimento da microfilaremia periférica. A presença da eosinofilia reafirma
as descrições de literatura, confirmando o envolvimento do eosinófilo na resposta
imune do hospedeiro à esta patologia (89).
Portanto, a principal alteração renal encontrada foi proteinúria discreta, que
se exacerbou durante o tratamento, provavelmente devido à morte das mf, com
liberação maior de carga antigênica. Na investigação foi afastada a possibilidade
desta proteinúria ser de origem tubular, devido aos níveis normais de RBP
dosados antes, durante e após o tratamento com DEC. Além disso, o achado que
também fala a favor de proteinúria glomerular foi a elevação significante e
persistente da microalbuminúria durante e após o tratamento com DEC. Como a
proteinúria persistisse após o tratamento, sugerindo alteração glomerular, foi
realizada biópsia renal em quase metade (10/23) dos pacientes, após ter submetido
o projeto à Comissão de Ética Médica, já que os mesmos eram assintomáticos.
A histologia mostrou alterações discretas tanto à microscopia óptica como à
eletrônica, sendo que foram encontrados glomérulos esclerosados isolados em 2
pacientes, fusão focal de podócitos em 3 pacientes e atrofia tubular focal discreta
em outros 3 pacientes. Uma explicação para isto poderia ser o fato dos pacientes
já terem sido tratados no momento da realização da biópsia, o que poderia estar
mascarando a lesão realmente existente. Entretanto, como a proteinúria persiste,
apesar do tratamento, temos que admitir a possibilidade da proteinúria preceder as
alterações estruturais glomerulares detectáveis por microscopia eletrônica, o que
já foi descrito por Schwartz e col. (1987) em modelos animais de ablação renal (93).
É possível que o tratamento específico com DEC, recebido anteriormente à
biópsia, possa ter modulado qualquer alteração histológica induzida pela filariose,
75
sendo que não podemos afirmar com certeza que as alterações mínimas
encontradas sejam devidas à parasitemia. A ausência de dados de literatura em
população semelhante, nos impede de estabelecer comparação com os nossos
pacientes e reafirma a necessidade de investigação de Ag filarial em biópsia renal
para estabelecer relação causal.
VII – CONCLUSÃO
- Associação de doença renal e filariose foi verificada em 95,6 % dos
indivíduos.
- Hematúria foi constatada em apenas 1/23 (4,3%), enquanto que proteinúria foi
observada em 22/23 (95,6%) dos casos.
- Proteinúria observada foi de provável origem glomerular.
- A hematúria regrediu após o tratamento com DEC, ao contrário da proteinúria
que apresentou uma exacerbação durante o tratamento com persistência em
níveis mais reduzidos após o mesmo. O grupo controle não apresentou
hematúria nem proteinúria, mantendo-se inalterado com o tratamento.
- A avaliação histopatológica renal apresentou alterações discretas sendo que
foram encontrados glomérulos esclerosados isolados em 2 pacientes, fusão
focal de podócitos em 3 pacientes e atrofia tubular focal discreta em outros 3
pacientes.
Assim o impacto do tratamento pela DEC, com provável liberação de
sobrecarga antigênica, não modificou substancialmente as alterações renais
preexistentes. Em outras palavras, não induziu nefropatia pós-tratamento,
sugerindo que esta doença deva ser tratada mesmo na vigência de alterações
renais discretas.
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Para estabelecer de forma clara o grau de lesão renal existente nesta
patologia, acreditamos que sejam necessários:
- realização de avaliações longitudinais para definir a história natural da doença;
- estudos posteriores em pacientes na fase crônica da doença, sem tratamento
prévio;
- detecção de Ics circulantes e Ag filarial em biópsia renal, para definir de forma
clara reação imunomediada da patologia.
Apesar de todos os questionamentos levantados, a presença de hematúria
e/ou proteinúria na bancroftose, parece consistir uma das formas de expressão
desta infeção. Portanto, principalmente em áreas endêmicas de filariose, torna-se
importante pensar nesta patologia como diagnóstico diferencial quando estas