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Loucura de Fã - VISIONVOX

Apr 01, 2023

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Khang Minh
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Copyright © 2018 Neiva Meriele

Capa: Laura MachadoRevisão e Diagramação digital: Carla Santos

Todos os direitos reservados e protegidos.

Nenhuma parte dessa obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meioeletrônico ou mecânico sem a permissão da autora.

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Capa

Folha de Rosto

Créditos

Agradecimentos

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Page 6: Loucura de Fã - VISIONVOX

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27

Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30

Capítulo 31

Capítulo 32

Capítulo 33

Capítulo 34

Capítulo 35

Capítulo 36

Capítulo 37

Capítulo 38

Capítulo 39

Capítulo 40

Capítulo 41

Capítulo 42

Capítulo 43

Capítulo 44

Capítulo 45

Capítulo 46

Capítulo 47

Capítulo 48

Capítulo 49

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Capítulo 50

Capítulo 51

Epílogo

Biografia

Obras

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Agradeço primeiramente a Deus por ter me permitido chegar até aqui. À Ele tudo o que tenhoe tudo o que sou.

Obrigada à minha família por apoiar meu trabalho desde o início. Sem vocês sei que não teriamotivação para prosseguir.

Ao meu marido, John Lennon, e meu filho, Juan Pablo. Espero que me perdoem pelas vezesem que fiquei perdida em pensamentos ou pelas horas digitando freneticamente para não deixarescapar nenhuma ideia. Nunca poderei retribuir o carinho e paciência que vocês têm comigo,mesmo durante as revisões, quando preciso me ausentar ainda mais. Amo vocês!

À Carla Fernanda, que além de excelente revisora é também um anjinho especial, colocadoem minha vida para provar que ainda existem pessoas generosas nesse mundo. Carla, você temum lugar especial no meu coração.

E, para finalizar, obrigada aos meus queridos parceiros e leitores. Nada disso faz sentido semo apoio de vocês. Loucura de fã já não é só meu, agora ele é nosso. Espero, de coração, que oCris e a Lu conquistem o coração de vocês assim como conquistou o meu.

Como sempre, deixo aqui o meu pedido: Se você se apaixonar por essa história, não deixe deme escrever para contar. Com certeza vou amar receber seu recadinho.

Boa leitura!

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O gesto obsceno de um hippie sentado ao longo da calçada faz com que Luana Savaris,

indignada, retroceda dois passos.Há exatos quinze minutos ela havia sido “gentilmente” demitida pela dona do sebo onde

trabalhava há quase dois anos.Depois de um dia de trabalho de uma segunda-feira normal, com o movimento esperado para

o primeiro dia da semana, Luana pegou sua bolsa, pronta para deixar o estabelecimento e irembora, quando dona Aurora — uma senhora de quase oitenta anos, com um coque impecávelno alto da cabeça e a quem ela aprendera a respeitar, apesar de ser extremamente geniosa —aproximou-se e segurou-lhe o braço com uma expressão de pesar no rosto. Por um momento,Luana pensou que ela tivesse perdido um parente próximo, mas em seguida veio a bomba:

— Luana, minha querida... Você sabe que a loja não está dando lucro nos últimos tempos.Com essa crise, comprar livros usados não é prioridade de ninguém... Eu acabaria me vendoobrigada a dispensá-la mais cedo ou mais tarde...

O quê? Sentiu uma tontura imediata acometê-la. Estava sendo dispensada?— Mas... eu não entendo, dona Aurora. Posso até não ser a funcionária do mês, mas minha

experiência com os livros...Dona Aurora cortou-lhe a frase como se achasse conveniente salientar que ela era sim a

funcionária do mês, uma vez que era também a única.— Tudo bem, eu sou a funcionária do mês — retrucou, tentando manter a paciência. —

Então, por que exatamente estou sendo demitida?A neta dela estava se mudando do interior para a casa da avó, aquilo explicava exatamente

tudo. Dona Aurora estava matando dois coelhos com uma cajadada só e Luana sequer podia

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culpá-la por isso.Ser solidária à patroa, porém, não diminuía seu ressentimento. Luana duvidava que essa tal

neta tivesse qualquer sonho relacionado à literatura, diferentemente de si mesma, que respiravalivros até mesmo depois do horário de trabalho, quando chegava em casa e se entregava amundos imaginários criados por sua mente fértil.

Seria prepotência se autointitular escritora. Na verdade, não passava de uma sonhadora. Aliás,a principal razão pela qual amava seu emprego (além de poder ler, é claro), era por poder passarhoras, entre um atendimento e outro, escrevendo o que sonhava um dia tornarem-se preciososbest-sellers. Quando não estava trabalhando ou escrevendo, perdia horas sonhando com ummundo perfeito, onde seria uma escritora famosa e reconhecida mundialmente. Brilharia feitouma estrela! Seria venerada pelo seu público! Quem sabe até o famoso ator Cristian Fedrizzi(reconhecido e aplaudido no mundo das celebridades) lhe pediria um autógrafo!

Sim, era uma sonhadora. Talvez fosse culpa dos inúmeros romances que lia. Era mais fácilcolocar a culpa neles a assumir que vivia no mundo da lua — onde não precisava enfrentar suadura realidade.

Desde que perdera a mãe, mantinha um ritmo acelerado trabalhando várias horas por dia nosebo para garantir o pagamento das aulas de teatro, que cursava à noite. O trabalho na loja nãoera lá muito rentável, mas a sensação de estar em meio aos livros lhe compensava todo o resto,inclusive a patroa caduca. Mari, sua melhor amiga, odiava esse cenário ligado à arte e nãoentendia como alguém como Luana podia desperdiçar sua juventude num mundo de faz-de-conta.

Agora estava tudo acabado. Adeus emprego e aulas de teatro. Por dois segundos, Luana tevevontade de grudar-se ao coque de dona Aurora e fazer com que aquele coquezinho branco no altoda cabeça se desfizesse, pelo menos, uma vez na vida. De repente, foi acometida por um ataquehistérico de riso ao imaginar a velha sendo atacada por uma funcionária doida, que não aceita suademissão. Tentou disfarçar com tosses nada convincentes, é claro que a senhora percebeu.

— Me desculpe, estou nervosa. — Apesar de ainda estar rindo, havia sido honesta com aidosa. Seu mundo estava desabando.

Como as coisas andariam dali em diante? Não seria fácil encontrar emprego, ainda mais deúltima hora. E ela não podia contar com mais ninguém. Era sozinha no mundo, órfã . A palavra,nada agradável por sinal, era a única que se encaixava com perfeição no seu caso.

— Sei como se sente sendo sozinha — a patroa parecia ter lido seus pensamentos —, mas nãose preocupe, vou cumprir com todo o protocolo para que possa procurar outro empregotranquilamente. Espero que não fique ressentida comigo... Eu realmente não tive outra opção...

Finalmente, depois de garantir a dona Aurora que não guardaria ressentimentos, colocou abolsa no ombro e despediu-se, já sentindo saudade do velho e bom Sebolinha.

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Caminhou devagar. Se havia um ponto positivo era que morava num pequeno apartamento,no centro, e não precisava pegar ônibus. Naquele momento, não ter que enfrentar um coletivolotado era uma verdadeira bênção.

O sinal para pedestres está fechado e, enquanto espera abrir, Luana se sente a mais infeliz dascriaturas. Agora não tem nem ao menos seu precioso emprego. O que mais a vida lhe tirará? Jánão bastava ter-lhe tirado a mãe, que fora seu porto seguro?

Uma imagem nítida de Lenira lhe vem à mente. Ela estava sentada na cama, no minúsculoapartamento, sorrindo, mesmo depois de ter voltado do hospital pela milésima vez.

— Como você consegue estar feliz em meio a essa situação, mãe? — ela havia perguntado, agarganta fechada pelo esforço em não chorar.

— Estar viva me deixa feliz, minha filha. Não importa se ainda me resta um ano, um mês ouapenas um dia, o fato de estar respirando me faz bem... Quando você levar uma rasteira da vida,em vez de ficar chorando pelos cantos, ria da situação. Diga à vida que você não liga, que o querealmente importa é estar viva...

Rir da situação? Talvez seja esse o remédio!Luana caminha pela calçada, passando diante de um carrinho de churros, que espalha no ar

um cheiro maravilhoso de baunilha e canela. Mudando completamente seu humor, ela sorri paraa vendedora e recebe outro sorriso de volta.

Mais à frente, um garoto, com o cabelo todo lambido para o lado, usando uniforme escolar,segura a cintura da namoradinha. Luana brinca com eles sentindo-se livre. Eles sorriem tímidos eacenam quando ela começa a caminhar novamente.

A vida é linda! É bom viver. Nem tudo está perdido, afinal.“Como nunca percebera a beleza das bijuterias que os hippies produziam?”, pergunta-se,

passando por um deles que está sentado com as pernas cruzadas admirando o céu (ou, pelomenos, é o que parece). Passa por ele e continua caminhando de costas, sorrindo. Então faz ofamoso gesto levantando o dedo indicador e o médio e quase cantarola:

— Paz e amor, amigão.O hippie a encara e levanta os mesmos dois dedos para em seguida baixar o indicador,

deixando assim um único dedo obsceno apontado para cima.— Vá se ferrar! — grita em alto e bom som.Luana volta dois passos, totalmente incrédula com o que acaba de acontecer.— Ei, seu mal-educado, sempre pensei que hippies fossem paz e amor. Se você está de mau

humor poderia simplesmente ficar de boca fechada em vez de responder grosseiramente. Eu lhedisse paz e amor, cara. Só. Paz. E. Amor — repete pausadamente.

Outro rapaz se aproxima segurando um violão e balançando seus longos dreads .— Qual foi, cara? — Cutuca o companheiro, que parece realmente mal-humorado.

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— Eu só queria que ele me dissesse paz e amor — Luana responde suplicante sentindo queagora sim estará amparada.

— Pô, bicho, fala logo paz e amor, e manda essa maluca dar o fora daqui...Ela fica ainda mais indignada diante da resposta dele. Um bando de hippies mal-educados,

isso o que são.— Quer saber? Acho que minha mãe estava errada! — grita sentindo os olhos se encherem de

lágrimas. — Não dá pra rir da situação... A vida é dura, é cruel...— E depois nós é que somos os paranoicos — o hippie de dreads reage, balançando a cabeça,

enquanto Luana se afasta rapidamente, cega de raiva.

Quem disse que um banho não faz milagres? Quando chega em casa, Luana procura esquecera demissão, os hippies e até o fato de que terá de dar adeus ao teatro. Entra debaixo do chuveiro edeixa que a água morna alivie sua tensão — não por muito tempo, já que o preço da luz está oolho da cara.

Ainda de roupão prepara um “delicioso” miollo , que devora em dois segundos. Então,equilibrando um copo de suco, vai sentar na velha poltrona (que, por baixo da colcha, guarda umgeneroso rasgo de fora a fora). Na velha televisão, Margô Cavalcante, apresentadora do seuprograma favorito de fofoca de famosos, o Dizem por aí , pratica o que de melhor sabe fazer navida: sensacionalismo barato.

Margô mostra celebridades ostentando carros luxuosos, sendo “flagrados” propositalmentepor paparazzis em seus iates ou em suas casas de praia. Famosos casando e descasando... Opa!Descasando? É isso mesmo o que acaba de ver? Não, não pode ser verdade!

A imagem no televisor não deixa dúvidas. É ele: seu ídolo Cristian Fedrizzi — o ator de olhoscor de mel e sorriso atrevido — se esquivando de repórteres que se acotovelam à porta de seucarro enquanto o “pobre coitado” tenta deixar o estacionamento.

Ele e a modelo Marcela Alves haviam se casado há menos de um ano. A megafesta decasamento dera o que falar antes, durante e depois, tamanha pomposidade. No entanto, segundoMargô, a assessoria do ator confirmara a separação do casal. Um pequeno vídeo mostra a topmodel embarcando rumo a Nova York, onde havia sido o segundo lar do belo casal até então.

Uma súbita alegria toma conta do coração de Luana e ela começa a dançar feito umaadolescente. A excelente notícia vale até mesmo seu emprego.

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Um pensamento realista corta seu barato quando invade-lhe a mente: é uma boba mesmo,sabe disso, aquele homem nem sabe quem ela é! No instante seguinte, porém, dá de ombros. Oimportante é que ele voltou a ser um homem livre, portanto, seus comentários nas redes sociaisdo ator já não precisam mais ser contidos.

A imagem da mãe lhe vem à mente outra vez, ela quase pode ver diante de si aquele olhar derecriminação, dois anos atrás.

— Você não é mais uma adolescente, Luana. Sua obsessão por esse homem não é saudável.Acompanhar cada passo dele pelas redes sociais , colecionar pilhas de jornais e revistas comentrevistas, saber cada detalhe da vida de alguém que não faz parte do seu mundo... Isso pode televar a uma depressão profunda quando se der conta de que esse amor platônico não a levou anada, meu bem.

— Mãe, ele é absolutamente tudo o que uma mulher deseja em um homem. E eu o amo —completou dando de ombros. — Se você tivesse um ídolo saberia como me sinto.

— Eu tenho um ídolo. Um não, vários: Roberto Carlos, Fábio Junior, Caetano Veloso, e nempor isso saio por aí recortando cada foto que vejo deles, nem faço um escândalo quando ouçosuas músicas na rádio.

— Você não entende, mãe...Suas lembranças são interrompidas com a chegada de Mari, que mora no apartamento ao

lado.— Você precisa saber de uma coisa, amiga — Luana continua eufórica. — Cristian Fedrizzi

finalmente se separou da modelo Marcela Alves. Eu bem que notei que ele andava tristeultimamente, até parou de postar no Instagram . Mas já não era sem tempo, né? Depois de tantasidas e vindas, brigas, traições e barracos... — Luana continua tagarelando.

Mari revira os olhos, faz o famoso sinal girando o dedo próximo ao ouvido, insinuando queLuana é louca, mas ainda assim para diante da televisão, onde Margô continua fazendoconjecturas e mostrando imagens que “incriminam” tanto o ator quanto a modelo.

— Ele não está nada bem, parece que foi a modelo que não quis mais...— É, eu sei. — Luana faz biquinho, mas muda de humor logo depois. — Mesmo assim, estou

muito feliz que tenham se separado. Nunca gostei daquela modelo. Além do mais, acho que elemerece alguém melhor...

— Quem? Você? — Mari debocha. — Se toca, Luana, ele é famoso, rico, lindo... e nem fazideia que você existe. Como diz o ditado: ele não é para o seu bico!

— Mas ele é meu ídolo... E ele sabe que eu existo sim porque já respondeu meus comentáriosnas suas redes sociais inúmeras vezes.

O olhar de Mari é exasperado. Ela conhece perfeitamente bem todas as loucuras que Luana jáaprontou em nome daquela obsessão... Algumas graves demais, inclusive.

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— Por favor, amiga, você age como se esse cara estivesse ao seu alcance. Qual é? Você temvinte e três anos, tem uma vida satisfatória até, sai frequentemente com rapazes legais, jánamorou sério com caras incríveis... Não entendo por que continua alimentando essa ilusão.

Sim, namorei sério com um único cara incrível, o cara que era amigo íntimo de CristianFedrizzi, pensa antes de começar a se defender.

— Alguns amam Shakira, Madonna ou Bono Vox com a mesma intensidade e ninguém falanada... Ah, quer saber, deixa pra lá, você não entende mesmo. — Balança a cabeçademonstrando desagrado. — Agora fique quieta porque eu quero assistir o resto da reportagem.

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— Você tem muita sorte, Luana — Mari comenta enquanto percorrem os arredores do local

onde será realizado o tão esperado evento.Um mês inteiro havia se passado desde a demissão de Luana e ela ainda não conseguira outro

emprego, nem mesmo de doméstica ou babá. Apesar de inúmeras vagas para os mesmos, aresposta era sempre igual: não possuía experiência na área. O mais doloroso de tudo, porém, foiter que trancar o curso de teatro — mais uma das suas paixões ligadas à arte.

No dia anterior, Mari havia recusado terminantemente o convite de Luana para acompanhá-laao Festival de Cinema, em Gramado, alegando não ser sua praia. Ela sabia que a amiga não eramotivada pelo passeio, tampouco pela premiação, mas sim pela presença confirmada de CristianFedrizzi, que fazia parte do elenco de um dos filmes indicados ao prêmio.

Seria loucura concordar com mais aquele absurdo.No entanto, Luana conseguira convencê-la ao prometer pagar todas suas despesas.Ela sabia que sua pequena reserva no banco seria seriamente comprometida com aquela

atitude, mas estava disposta a arriscar. Um encontro com seu ídolo e todo o esforço teria valido apena.

— Eu tenho sorte? — Luana joga os cabelos negros para trás num gesto automático. — Perdimeus pais cedo, envolvi-me seriamente com um cara aos dezoito anos e o caso durou poucosmeses. Trabalhei duro pra poder me sustentar depois da morte da minha mãe, agora nememprego eu tenho, e você ainda diz que tenho sorte?

— Pode ser verdade todas essas coisas que mencionou, mas você é linda. Os homens ficamencantados com sua beleza exótica, e ainda tem esse cabelo lisinho, como se acabasse de sair docabeleireiro...

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— Mari, você está com ciúmes de mim? — Luana usa um tom divertido para fazer apergunta. — Você é muito mais linda do que eu com esse corpão cheio de curvas, amiga. Alémdo mais, não acho que sou tudo isso que você falou — discorda com sinceridade.

Mari faz um gesto de indiferença com a mão e dá de ombros. Luana finge que aceitou o fimdaquela conversa estranha, mas a sensação de desconfiança não a abandona tão cedo.

Um dia após o encerramento do evento, as duas colecionam autógrafos e fotos com famosos.Mari já se sente realizada por ter conseguido uma foto com Fiuk, o filho do cantor Fábio Junior.Porém, para Luana, nenhum dos muitos autógrafos faz diferença quando, na verdade, o únicoartista que ela sonhara encontrar não comparecera ao evento.

No quarto do hotel simples onde estão hospedadas, ambas ajeitam seus pertences dentro damala. Luana amarga sua frustração tendo que aguentar as brincadeirinhas de Mari por ela tergastado seu precioso dinheiro sem ter a chance de ver o ídolo.

— A gente ainda pode ir ao teatro pra ver se você anima um pouquinho — Mari sugere porfim, sentindo-se compadecida. O ônibus delas só sairia mais tarde, teriam tempo de sobra.

O que parecia ser algo apenas para preencher o tempo, na verdade se mostra um excelenteprograma quando Luana e Mari entram e encontram o teatro completamente lotado, tão lotadoque ambas ficam em lugares péssimos.

A peça é uma comédia. Os atores principais, Miguel Falabella e Claudia Jimenez, arrancamestrondosas gargalhadas dos fãs. A alegria se torna contagiante. Quando Luana não faz mençãode rir, disfarçadamente Mari lhe faz cócegas e vice-versa. Assim, a apresentação segue para seusminutos finais, com uma plateia empolgadíssima.

A peça acaba e as pessoas começam a deixar seus assentos, quando Luana percebe, no meioda confusão de gente, alguém inconfundível. Não, não pode ser verdade! Cristian Fedrizzidesaparece de sua vista seguindo em direção a uma das salas atrás do palco, escoltado por doisseguranças. Ao mesmo tempo uma voz masculina se faz ouvir nos alto-falantes do teatro pedindosilêncio.

— Silêncio pessoal... Por favor, SILÊNCIO! — O homem ao microfone grita perdendo apaciência. — Pelo visto, vocês não querem saber quem foram os dois ganhadores do jantar comnossos ilustres atores...

Foi como se ele tivesse dito uma palavra mágica, subitamente o silêncio reina na sala lotada.Enquanto ele faz suspense, Mari e Luana se entreolham sem entender nada.

— Que palhaçada é essa? — Mari pergunta para a adolescente que está ao seu lado e não parade chorar, como se tivesse certeza de que ela será a grande sortuda da noite.

— Serão sorteados dois números e as duas pessoas que estiverem com os ingressoscorrespondentes ganharão um jantar com Miguel Falabella e Claudia Jimenez ou com o ator

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Cristian Fedrizzi, que ganhou a estatueta de melhor ator por sua atuação no filme Paraíso —explica a mãe da garota, que parece tão emocionada quanto a filha.

— Merda — Luana balbucia empalidecendo. — Quem será a cadela que vai tirar a sortegrande? — praticamente rosna em vez de falar.

É uma pessoa azarada por natureza, sempre foi assim. Ao contrário do que Mari afirmara, elajamais pôde se considerar uma pessoa de sorte, portanto, tem certeza absoluta de que até mesmoMari poderá ser sorteada, mas ela com certeza não será.

Quando a voz ao microfone informa os dois números sorteados, Mari cai numa gargalhadadebochada. Luana sente os olhos se encherem de lágrimas. Droga! Mil vezes droga!

— Você não chegou a acreditar que ironicamente a vida lhe daria esse presente, né? — Maripergunta ainda rindo muito.

Luana se sente tonta, vê tudo fora de foco. A voz debochada de Mari não ajuda em nada,muito menos a senhora do outro lado do teatro, que grita como se fosse uma adolescente no showdo One direction.

— Essa porcaria de ingresso vai ser minha — decreta lançando um olhar de desafio a Mari.Meia hora mais tarde, ela e a amiga estão sentadas em um dos elegantes cafés da cidade,

cientes de que perderam o último ônibus para casa, mas agarradas a um invisível fio deesperança.

— A senhora não tem nada a perder — Luana repete a frase pela décima vez à senhoraindecisa diante de si.

O marido dela a encara com olhos fulminantes, também pela décima vez, e as meninas sabemque têm ali um ótimo aliado.

— Nós precisamos desse dinheiro, Lourdes, pare de ser infantil — diz por fim, quasesoltando fogo pelas ventas.

— E quando eu terei a chance de jantar com uma celebridade outra vez? Provavelmentenunca — argumenta meio chorosa.

Luana sente que está perdendo a guerra. Já havia oferecido tudo o que tinha sobrado em suaconta no banco: dois mil reais guardados com muito sacrifício após quitar as dívidas pendentes.Era sua garantia de sustento enquanto não conseguisse outro emprego.

— Ok. Aumento mais quinhentos reais e não se fala mais nisso — diz, decidida, diante doolhar embasbacado de Mari.

— Nós aceitamos — responde o esposo ciumento, se apressando em apertar a mão de Luana,diante do olhar entristecido da senhora, que devia estar beirando os sessenta anos.

— O ingresso é seu. — Entrega-lhe o valioso papel com um sorriso triste.

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— Você me deve quinhentos reais, mais a passagem de volta para casa... minha e sua. E você

vai limpar o meu apartamento todinho por me fazer perder um dia de trabalho — Mari solta overbo. Luana não deixa de reparar que seu tom de voz está longe de ser brincalhão desta vez. —Quer saber? Acho que você cometeu a maior cagada da sua vida dando todas as suas economiasem troca desse maldito ingresso.

— Qual é, Mari, afinal você é minha amiga ou não? — Luana calça os sapatos de salto alto ese equilibra neles caminhando para a frente do espelho.

— Sou sua amiga e é por isso que estou preocupada com você. — Mari abranda a voz e aajuda a colocar os brincos. Sua amiga está radiante e vê-la daquela maneira, prestes a seencontrar com seu ídolo, desperta em Mari uma sensação estranha, que a faz falar coisas sempensar.

— Não fique preocupada, amiga, hoje é o dia mais especial da minha vida. Vou conhecermeu ídolo. Vou jantar com ele! — ela dá um gritinho empolgado.

— Por dois mil e quinhentos reais! Você é ridícula, Luana, parece que tem dezesseis anos,não vinte e três. — Mari solta a frase que esteve retendo desde que viu a amiga fazer a besteirade comprar o bilhete sorteado.

— Está falando sério? — Luana interrompe o ato de passar batom e encara Mari semconseguir acreditar que aquela é a sua melhor amiga falando. O que está acontecendo?

— Quer saber o que eu acho?— Não, porque você está estranha e está me magoando — Luana responde respirando fundo

a fim de evitar que as lágrimas borrem sua maquiagem.— Pois vou dizer mesmo assim. Acho que esse Cristian Fedrizzi é um babaca, um mauricinho

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que vai te esnobar e acabar com essa ilusão ridícula que existe na sua cabeça.— Você não vive dizendo que tenho que parar com essa ilusão? — Luana a encara

sustentando-lhe o olhar desta vez. — Então, quem sabe não é a chance perfeita para que eu medesiluda de uma vez por todas.

— Você que sabe. — Mari dá de ombros. — Falo isso para o seu bem — se justifica emseguida.

Luana lança um sorriso para a amiga. Claro que sim, Mari só quer o seu bem, é sua melhoramiga e aquela sensação horrível que ela está sentindo é fruto da ansiedade por conta do jantarcom seu ídolo.

Disposta a mandar embora aquele sentimento, caminha até Mari relaxando quando sente queseu abraço é retribuído.

Agora sim, está pronta para viver sua noite de Cinderela.

Luana se despede do motorista do Uber e quando sai do veículo sente o ar agradável da noiteesvoaçar seus cabelos. Solta um suspiro curto procurando não pensar na imponência dorestaurante à sua frente ou não terá coragem para dar os próximos passos.

À porta do recinto, um garçom uniformizado a intercepta perguntando se ela fez reserva comantecedência antes que Luana tenha tempo de vasculhar o local à procura do homem que é oculpado por todas as vezes em que foi chamada de louca, desvairada ou ridícula.

— É... Eu estou na mesma mesa do ator Cristian Fedrizzi — responde procurando manter avoz firme. Sim, porque nesse exato momento ela o vê.

O ator ocupa uma das últimas mesas do recinto e tem à sua volta um verdadeiro exército deprofissionais com quem conversa fervorosamente gesticulando como se estivesse distribuindoordens.

Acho que não foi uma boa ideia , Luana pensa enrugando a testa, com o nervosismoaumentando a níveis estratosféricos.

— Vou chamar o gerente — anuncia o garçom quebrando o breve silêncio que se instalara.Enquanto espera, Luana lança um novo olhar naquela direção e sente as pernas fraquejarem.

É ele, seu ídolo! E está tão lindo que o simples fato de admirá-lo faz com que seu peito batuqueenlouquecidamente. Os cabelos loiros, crescidos até a altura do queixo balançam sedutoramente,vez ou outra ele passa os dedos entre os fios sedosos e prende algumas mechas atrás da orelha.

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Luana se pergunta, como todas as mulheres presentes no restaurante conseguem jantartranquilamente como se a presença do astro fosse a coisa mais natural do mundo? Bem, talvezfosse, afinal, o que ela sabe sobre restaurantes chiques?

— Senhorita? — O gerente limpa a garganta uma segunda vez, disfarçando o riso.— Oh, me desculpe, eu estava distraída — responde sentindo o rosto corar de vergonha. — Já

posso ir até lá? — pergunta quase com infantilidade, sentindo as pernas ainda mais fracas sobreos saltos 15 centímetros.

— Acha que vamos cair nessa? — Não há mais um sorriso nos lábios dele.— Co-como assim? — Luana gagueja começando a temer o que virá a seguir.— A ganhadora desse jantar foi uma senhora beirando os sessenta anos, inclusive temos uma

fotografia para identificá-la, portanto...— Ah, isso! — Luana corta-lhe a frase respirando aliviada. — Sim, essa senhora foi a

ganhadora, mas eu comprei o ingresso premiado dela. Aqui está. — Entrega-lhe o papel que valeouro. Porém, o gerente continua olhando intrigado dela para o papel e vice-versa.

— Você...— Não peguei esse ingresso sob tortura, não a ameacei nem a matei, ok? — tenta brincar

vendo a expressão confusa do gerente. — Só quero entrar, me sentar com meu ídolo e... —“dizer a ele que o amo”, completa em pensamento. — E ter uma boa história para contar àsminhas amigas — diz por fim.

— Vou falar com a assessoria do ator. — Sai balançando a cabeça enquanto uma nova ondade nervosismo invade Luana.

Ótimo, quando enfim conseguisse chegar perto do seu ídolo estaria uma pilha de nervos,suada, com a maquiagem borrada e totalmente desestimulada.

Ela prevê que as coisas podem piorar quando uma mulher muito agitada caminha em suadireção. “Ah, não. Não me manda embora, por favor!”, pede em pensamento.

— Não é assim que as coisas funcionam, garota — começa a falar antes mesmo decumprimentá-la. — Você não pode simplesmente comprar o prêmio de outra pessoa e vir nolugar. Não sabemos quem você é, não sabemos o que pretende, nem...

— Sou só uma fã, que droga! — Luana eleva a voz totalmente indignada. Dera todo odinheiro que tinha na vida para estar ali. Não podia simplesmente dizer ok e voltar para casacomo se nada tivesse acontecido.

A alteração à porta chama a atenção de alguns clientes. Cristian Fedrizzi também ergue osolhos naquela direção com ar preocupado.

O que ele menos quer naquele momento é se expor ainda mais. Aliás, tão logo aquele malditojantar acabe, planeja voltar para o Rio de Janeiro, pedir férias e sumir para o fim do mundo ondeninguém possa encontrá-lo.

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— Não vai rolar, é melhor você cair fora antes que isso aqui vire bagunça. A última coisa queo Cris precisa é mais um escândalo — a assessora praticamente cospe as palavras dando oassunto por encerrado.

— Não vou sair daqui — Luana afirma no mesmo tom.Cristian percebe que a situação está saindo do controle. À porta do melhor restaurante de

Gramado estão um garçom, o gerente, sua assessora e uma garota que parece fora de si. Oumelhor, todos parecem fora de si. O ator se vê na obrigação de intervir ao supor que só pode serele o motivo de tanta desavença.

— Cristian Fedrizzi! — Luana deixa escapar quando o vê parado diante de si. Por ummilésimo de segundo inspeciona o rosto perfeito de queixo quadrado, dentes brancos e alinhados,lábios sedutores, olhos de uma tonalidade amarelo-dourado e os cabelos caindo sobre eles.Caramba, ele é a perfeição em forma de homem! E não está na tela da televisão, está bem à suafrente, ela consegue até sentir o cheiro de seu perfume.

— Essa garota comprou o ingresso da senhora que foi premiada — denuncia a assessorasuspirando, encarando Luana com olhar fulminante.

— Comprou?Luana repara no leve sorriso que escapa daqueles lábios cheios e tentadores, mas, em seguida,

o rosto dele torna a ficar sério.— Quando penso que já vi de tudo...— Eu já disse a ela que não vai rolar, mas ela é mais teimosa que uma mula — a mulher

explica como se Luana não estivesse ali, respirando com dificuldade.A essa altura Luana já começa a duvidar que terá algum prazer na companhia do astro depois

de toda a cena vergonhosa que está protagonizando.— Val, é o seguinte, não tenho tempo nem humor para outra discussão. A jovem comprou o

direito de vir a esse jantar, portanto, deixa que eu lido com isso, está bem?Embora Cristian Fedrizzi não tenha lançado um segundo olhar em sua direção, Luana sente o

corpo formigar ao ser mencionada pelo ídolo.“Isso tudo é irreal demais. Espero que não seja um sonho”, pensa enquanto o acompanha até

sua mesa.— Façam as fotos e podem se retirar — ele ordena quando sentam-se à mesa. Só então Luana

entende toda aquela parafernália à sua volta.Antes que tenha tempo de se preparar psicologicamente, está fazendo poses para um fotógrafo

que registra o “encontro” de Cristian Fedrizzi e a felizarda da noite. Quase suspira de deleitequando ele a puxa para mais perto e pousa o braço ao redor de seus ombros abrindo um sorrisoestonteante captado pelo flash do fotógrafo profissional. E um segundo depois tudo está acabado.

Luana está sentada do outro lado da mesa olhando para todos os lados, tentando se recompor

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daquela proximidade enquanto ele volta a fazer cara de paisagem.— Você tem quarenta e cinco minutos, garota. — A tal Val lhe diz com cara de poucos

amigos antes de deixá-los a sós.O garçom se aproxima e serve o vinho, em seguida traz o primeiro prato, sem que Luana

tenha tido a chance de analisar o cardápio. Não que ela quisesse isso, pelo contrário, ficou atéfeliz pelo fato de não precisar correr nenhum risco — sim porque ela teria pedido arroz, bife ebatata frita, ou seja, nada a ver com aquela miséria de creme verde estrategicamente colocado aum canto de seu prato com um ramo de salsinha de enfeite.

— Como você se chama?Luana respira aliviada quando Cristian puxa assunto após um silêncio constrangedor.— Luana Savaris — responde simplesmente voltando a ficar em silêncio, se maldizendo

mentalmente por ter travado justo na hora que mais precisava ser espontânea.— Ok, Luana. Esses jantares são sempre estranhos mesmo — menciona tentando ser gentil.

— Mas... confesso que é a primeira vez que alguém paga para estar na minha companhia, porisso estou me sentindo ainda mais esquisito.

Um pequeno sorriso se forma em seus lábios, mas Luana percebe que não chega aos olhos. Édesconfortável admitir a si mesma que ele só está representando, que nada daquilo tem a menorimportância para ele.

Ela raspa a garganta tomando coragem antes de dizer:— Você nunca vai saber o que é isso, mas usei todo o dinheiro que havia na minha conta para

viver esse momento com meu ídolo — confessa quase desgostosa.Curiosamente, o assunto, ou talvez seu tom de voz, chama a atenção de Cristian, que levanta

os olhos do prato intocado.— Nunca entendi por que vocês fazem isso. Eu sou uma pessoa como outra qualquer, o fato

de estar na televisão não faz de mim um semideus. — Há tanta tristeza, raiva e desânimo nasentrelinhas que Luana sente um inexplicável aperto no peito.

— Você é único, Cristian — murmura sentindo finalmente a emoção que desejou sentir a vidatoda, tendo os intensos olhos de seu ídolo fixos nos seus. Olhos tristes, mas ainda assim, são osolhos dele .

— Pra você, para outros sou apenas uma imagem na televisão — resmunga.Luana sabe o motivo pelo qual seu amado Cristian está ranzinza, desanimado e um pouco

raivoso: Marcela Alves!Recrimina-se mentalmente por ter comprado o bendito bilhete justo naquele momento. Não

está diante do divertido e espirituoso Cristian Fedrizzi que ela costumava ver na televisão, estádiante de alguém frustrado, que se sente fracassado como homem por ter o ego ferido pela ex-mulher.

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Luana empurra o prato para o lado e se aproxima o máximo que pode de Cristian. Sabe quenão pode tocá-lo, mas ninguém poderá impedir que ela o admire. Ele é mil vezes mais lindo doque podia imaginar; alto, com músculos nos lugares certos, na proporção exata, sem mais nemmenos. E muito, muito sexy.

— Não é apenas uma imagem na televisão. Eu adoro você — murmura sentindo os olhos seencherem de lágrimas. E como! Embora ninguém entenda seus sentimentos.

Ele parece dividido entre a ironia e a surpresa diante daquela confissão atropelada.— Me adora? — Eleva as sobrancelhas, ciente de que sua fisionomia fica ainda mais

espetacular com suas caras e bocas. — É mesmo? E o que sabe sobre mim?— Sei tudo . Sei de todos os papéis que você já interpretou em filmes, novelas e séries. Sei

dos contratos que recusou, sei de todas as namoradas que já teve, as que gostou pra valer e as queficou apenas por ficar. Sei que você já beijou de verdade uma atriz enquanto estava atuando —tagarela, ele ri deixando-a sem ar. — Sei que você se separou recentemente da modelo comquem esteve casado nos últimos meses e também sei que isso o faz infeliz. Dá pra notar em seuolhar, e...

O sorriso dele subitamente transforma-se em pura frieza.— Eu sabia que você era repórter. Bem que desconfiei desse papinho de ter comprado o

ingresso premiado e de se fazer passar por minha fã — ele solta as palavras num fôlego só. — Jávi repórteres fazendo de tudo para conseguir falar comigo, mas encher os olhos de lágrimasenquanto diz que me adora, só uma maluca feito você mesmo...

O seu sotaque carioca faz com que Luana tenha ímpetos de beijá-lo ardentemente, mesmo quedepois seja levada presa por atentado ao pudor ou por roubo (roubar um beijo poderia serconsiderado um crime? Nem sabia exatamente qual a descrição se daria a essa ousadia).

— Calma, Cristian, não sou nenhuma repórter — diz implorando com o olhar para que ele sesente novamente e não arme escândalo. — Se sei da sua vida pessoal é porque sou sua fã deverdade e me interesso por tudo que lhe diz respeito. Se não acredita pode me revistar... —completa diante de seu olhar desconfiado.

Ele bagunça os cabelos ao mesmo tempo que balança a cabeça, contrariado.— Me desculpe, eu ando um pouco nervoso ultimamente. Pode continuar o que estava

falando, por favor. — Seus olhos demonstram sinceridade, o que acaba por desarmá-la.— Você gostaria de ter Marcela de volta? — pergunta, surpreendendo-se com seu próprio

atrevimento.— Se você é mesmo minha fã como diz ser, sabe perfeitamente que eu daria qualquer coisa

para tê-la de volta — confessa amargurado. Só então Luana se dá conta de que ele estáesvaziando a segunda garrafa de vinho, provavelmente o responsável por tanta honestidade.

— Sabe o que eu acho? — Ela ri diante do próprio pensamento.

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— Hum? — Parecendo desinteressado, confere as horas no relógio de pulso que deve custar ovalor do apartamento dela.

— Acho que você devia fingir que não se importa. Enquanto estiver rastejando, a modelo sesentirá no controle. Só vai cair na real quando se der conta de que você já não se importa maiscom ela — fala com uma sinceridade que jamais pensou ser capaz de usar com qualquer outrohomem, sendo famoso ou não. Aliás, de todas as cenas que formulou em sua cabeça para essanoite especial, nenhuma chegou sequer perto dessa conversa maluca que estavam tendo.

— Mas eu me importo com ela, esse é o problema — suspira. Não via por que não serhonesto com uma fã, quando o país todo sabia disso. — Nunca vou deixar de me importar...

— Mas ela não precisa saber...— O que você sugere então? Que eu saia por aí pegando todas as garotas que aparecerem à

minha frente só para atingi-la? Não, não sou esse tipo de homem. — Ele troca o vinho pela água,certamente dando-se conta de que exagerou na bebida.

— Você é ator. — Um brilho divertido estampa os olhos de Luana. — Pode fingir que estáapaixonado por outra pessoa, alguém totalmente diferente dela em todos os aspectos, mas que afaça acreditar que foi amor à primeira vista.

Cristian se engasga com a água e Luana começa a rir em vez de socorrê-lo. Ele está com osolhos tão arregalados que a atitude dela é rir ainda mais.

— Está insinuando que você... nós... Você é louca ou está atuando? — É sua vez de rir; deincredulidade não por achar graça.

— Não estou atuando mas também sou atriz, faço teatro, Cristian, portanto, sei atuar se fornecessário. Acho que seria um ótimo laboratório pra mim e uma jogada certeira pra você sefôssemos amigos. — Se por fora Luana demonstra calma, por dentro seu coração só faltaexplodir. Tomou apenas uma taça de vinho, não está “alta”, portanto, sabe que assim que sairdaquele restaurante terá que aceitar a própria culpa por estar falando tantas bobagens.

— Amiga? Marcela nunca engoliria essa história. — Ele ri baixinho. — Aliás, quem megarante que Marcela não vai me odiar ainda mais se eu voltar para o Rio com uma amiga?

Nada mau. Para Luana aquela pergunta é sinal de interesse, por menor que seja. É umapossibilidade e, como ele pareceu ter mordido a isca, ela prosseguiria, afinal o que tem a perder?

— Posso lhe garantir que nós mulheres somos todas iguais nesse aspecto, não aceitamos“amiguinhas” rondando nossos homens. Tenho certeza de que Marcela irá implorar por umareconciliação quando souber da nossa amizade. Ela não vai aceitar ver o seu homem perdendotempo com alguém tão inferior...

— Não pre...— Não tente ser gentil comigo, está bem? É exatamente essa a ideia. Marcela precisa ficar

furiosa, indignada, despeitada, entende? — afirma tão empolgada que agora sim tem quase

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certeza de que acordará a qualquer momento de um sonho muito, muito maluco.Um sonho onde ela faz uma proposta de “amizade midiática” para ninguém menos que

Cristian Fedrizzi.— Não posso confiar em você, sequer a conheço — alega recusando completamente a oferta.— Não seja por isso, sou Luana Fernanda Savaris, solteira, vinte e três anos e...

desempregada. Fiz curso de teatro durante vários anos e estou convicta de que posso vir a sermuito útil para o meu ídolo. — Pisca audaciosamente para ele como se de fato tivessem umsegredo só deles.

— Sei... Mais uma fã querendo ficar famosa à minha custa. Em seguida vem o papinho deque seu sonho sempre foi protagonizar uma novela e vai querer que eu arranje um papel na RedeMundo pra você.

Mesmo Cristian estando alterado, Luana percebe uma nota de cansaço em sua voz. Ela atépodia imaginar quantas e quantas vezes aquilo deveria ter acontecido para ele estar assim nadefensiva. Por um momento sente pena. Não devia ser nada fácil nunca saber se as pessoas seaproximavam dele porque gostavam ou por interesse.

— Se eu cumprir meu papel direitinho acho que mereço até um contrato com a Rede Mundo— brinca. — E... prometo que se aceitar minha proposta não contarei nada a ninguém, mesmodepois que você tiver reconquistado sua mulher.

Cristian volta a bagunçar os cabelos com as mãos num nítido gesto de nervosismo.— Pensa bem, nós já estamos aqui, já fomos vistos jantando no restaurante mais chique da

região, vamos ter nossos rostos estampados nos jornais da cidade e, depois de cairmos nas redessociais, já viu, né, seremos vistos pelo Brasil todo. Vai ser fácil fingir que somos os mais novosamigos de infância...

— Me desculpe, mas você não é inocente. Sabe perfeitamente bem que se eu mencioná-la,mesmo que diga ser minha amiga, ninguém acreditará, a mídia fará da sua vida um inferno. Sejasincera comigo, o que você ganha fazendo isso por mim? Status, fama, dinheiro, roupas dasgrifes que me patrocinam?

— Não acha que só o fato de uma fã ter a chance de conviver com o ídolo já é algo único? —pergunta sendo totalmente sincera com ele.

— Você é maluca. E eu não vou cair na sua — responde decidido. Mas a testa enrugada e asmãos inquietas dele dão a Luana 1% de esperança. — Só vou registrar seu número porque areconheço das redes sociais, acabei de me lembrar — comenta com um meio-sorriso e então é avez de Luana se engasgar com a água que bebericava.

— Mentira!— Na sua foto de perfil você está fantasiada de Ladybug , não está? — Ele ri, dessa vez mais

alto, chamando a atenção de alguns clientes e da própria assessora que eleva as sobrancelhas

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num gesto indagador.— Eu gosto de joaninha, qual o problema? — Luana leva as duas mãos ao rosto e fica assim

por alguns segundos até tomar coragem para voltar a encará-lo, quando ele lhe alcança o próprioiPhone .

Luana anota seu número com dedos trêmulos. Dois mil e quinhentos era dinheiro demais, masnaquele momento ela teve certeza de que havia sido o melhor investimento de uma vida toda.Seu ídolo Cristian Fedrizzi era exatamente tudo o que ela imaginou e mais um pouco. E aquelanoite, mesmo comprada, ficaria gravada para sempre em seu coração.

A assessora dele se aproxima da mesa indicando que o jantar acabou e é hora da Cinderelavoltar à vida real. Cristian volta a ficar sério. Quando abre a boca suas palavras saem comformalidade.

— Quer um autógrafo? — pergunta meio sem graça.— Não... porque tenho esperança de vê-lo outra vez — responde mesmo sob o olhar de

desdém da assessora. — Mas será que eu poderia fazer uma selfie ? Minha amiga não vaiacreditar quando eu contar a ela o que aconteceu aqui.

Cristian a encara com desconfiança. Então dá alguns passos chegando bem próximo a ela, aabraça e fica assim por breves segundos. Ela não quer que aquele momento acabe nunca mais,por isso mantém a cabeça encostada no peito largo, sentindo seu perfume inebriante. Ele afasta-se devagar e beija-lhe a testa antes de sorrir para a tela do celular de Luana, que registra omomento mais inusitado de sua vida.

— Obrigada — ela agradece como se aquele contato íntimo fosse uma bênção dos céus.Cristian apenas sorri e quando Luana sai do restaurante, emocionada, ele suspira.— Que loucura. — Coloca as mãos na cabeça e ri baixinho. — Que loucura!

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— Você foi uma idiota em pensar que um famoso ator da novela das nove, ligaria pra você!

— Mari zomba, trinta dias mais tarde, diante de uma Luana ainda desempregada e totalmentedesanimada.

— É, eu sei... Você tem razão, Mari, eu não devia ter alimentado essa fantasia. Satisfeita ouquer que eu coloque um nariz de palhaço?

— Bem que você merecia andar por aí com o nariz pintado de vermelho por ser tão ingênua.Ele só a ouviu por pena, com certeza pensou que você fosse uma louca. Pensa comigo, amiga,uma garota compra um jantar com Cristian Fedrizzi e se convida para ser sua namorada dementirinha. Não tem a menor lógica.

— Você sabe que não foi bem assim, Mari. Digamos que eu me ofereci para trabalhar pra ele,é diferente.

Mari começa a gargalhar, se divertindo com o constrangimento de Luana.— Droga, já disse que você tem toda razão, não precisa tripudiar! — Luana explode. — Cada

vez que lembro do que fiz, morro de vergonha. Fui uma idiota, pior, fui inconveniente e infantil!Certamente Cristian se lembrará de mim sim, pelo resto da vida, mas como a guria maluca quesugeriu que se tornassem amigos íntimos para fazer ciúmes à ex-mulher. Detalhe: uma modelointernacional.

Assim que Mari e sua ironia se vão, Luana segue para o quarto. Já é tarde e no dia seguinteprecisa levantar cedo para procurar emprego outra vez.

Se não conseguir outra ocupação logo, mesmo que temporária, terá que começar a vender osmóveis da casa para se sustentar. Aliás, Mari não fora nem um pouco solidária quando pegaraseu computador, sem o menor remorso, em troca do dinheiro que Luana lhe devia.

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Quando está quase cedendo ao sono, o toque de seu celular quebra o silêncio da noite, ela sóespera que não seja Mari com mais uma de suas gracinhas.

— Que droga! — resmunga, levantando-se para buscar o aparelho que esqueceu na sala. —Isso é hora de ligar? — Passa da meia-noite e o número no visor mostra que a chamada é deoutro estado.

Se for algum presidiário metido a besta juro que vou mandá-lo enfiar esse celular...— Alô — atende sonolenta.— Desculpe ligar tão tarde, cheguei em casa agora e...— Quem tá falando? — pergunta despertando por completo. Será que havia enlouquecido de

vez?— Fala sério, você sabe quem é — responde num tom que deixa transparecer ironia e

nervosismo. — Acho que você acabou por me contaminar com sua loucura. Desde que falei comvocê aquele dia em Gramado, não consigo parar de pensar nas coisas que me disse. Já tentei detudo e Marcela não deu nem sinal de vida... Sua proposta ainda está de pé? — diz tudo numfôlego só, antes que perca a coragem.

— O que... vo-cê — Luana gagueja. Precisa encontrar as palavras certas com rapidez, antesque ele desligue, a ligação caia, ou ela acabe desmaiando. — Mas é claro que está. Você decidiuaceitar? — Com a sorte que tem já fica à espera de que a bateria de seu celular acabe. Ela malconsegue conter a respiração acelerada.

— Admito que perdi completamente a razão. — Ele ri. Luana se sente a pessoa mais sortudado mundo por ser a causadora daquele riso rouco. — Mas mereço perdão por ser um idiotaapaixonado. Aceito sua proposta maluca... com uma condição... Tem que encarar esse acordocomo um emprego, ok? Você está desempregada e eu preciso de ajuda, portanto...

Claro, ele quer deixar bem claro que aquele acordo não envolverá nenhum sentimento, querse certificar de que serão dois atores atuando. Ok, ela aceitaria todas as suas condições, seria aúnica fã do Brasil a viver sob o mesmo teto que seu ídolo, o que mais poderia desejar?

— Aceito seus termos. Estou pronta para começar o trabalho e disposta a enfiar meusimpulsos de tiete bem no fundo da mala — brinca, começando a recuperar o controle das suasemoções.

— Perfeito — ele responde num tom de voz brando, no limite entre a seriedade e adescontração. — Vou cuidar para que tudo seja arranjado para a sua vinda ao Rio. Quandochegar ao aeroporto, um motorista estará esperando por você, virá direto para a minha casa...Não sei se vou estar para recebê-la, mas deixarei instruções aos empregados para que arecebam bem. — Ele respira fundo. — Então, é isso?

Luana tem vontade de rir de seu tom formal, como se estivesse repassando um texto.— É isso. Nos falamos então. Errr... Cristian... Obrigada — agradece, tomando cuidado com

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as palavras, uma vez que sua vontade é gritar “eu te amo” em todos os idiomas que conhece.— Não estou te fazendo um favor, lembre-se disso. Somos cúmplices.Sim, seu lindo cúmplice. É assim que terá de vê-lo dali em diante.Quando Cristian encerra a ligação Luana grita a plenos pulmões, como uma louca — uma

louca apaixonada por seu ídolo —, que jogará tudo para o alto e, como prêmio por sua ousadia,receberá a chance de ficar muito próxima, literalmente, de Cristian Fedrizzi.

Ansiosa demais para conseguir conciliar o sono, Luana não consegue dormir durante aquelanoite.

— Não minta pra você mesma, Luana. É claro que não pode ser verdade, Cristian nuncaaceitaria recebê-la em sua mansão só porque você diz ser fã dele — Mari retruca em total estadode incredulidade ao saber da novidade na manhã seguinte.

A verdade é que a ficha de Luana também ainda não caíra. De repente, sua vida estavacaminhando num rumo que só ousara sonhar por ser uma maluca, como o próprio Cristiandissera.

— Você pode até não acreditar, mas é verdade. Veja como é a vida, eu estava no lugar certona hora certa — filosofa, o pensamento longe, mais especificamente no Rio de Janeiro. —Preciso de um favor seu, Má.

— O quê? Depois quando digo que você é uma garota de sorte, você não acredita. — Marirevira os olhos, toda enciumada.

— Se aparecerem aqui alguns repórteres fazendo perguntas, diga que Cristian e eu nosconhecemos em Gramado e nos tornamos amigos. Apenas isso, está bem?

Mari dá de ombros.— Tudo bem, fique tranquila, saberei me comportar em frente às câmeras — brinca para

disfarçar a voz embargada enquanto abraça a amiga, numa despedida silenciosa.À tarde, Luana arruma as poucas roupas que levará consigo e dirige-se ao aeroporto.A calça jeans da moda (a única que tinha no guarda-roupa), a regata de seda branca e o

Slipper prateado foram colocados para impressionar Cristian. Se tinha certeza do que estavafazendo? Nenhuma, mas espera que a sorte finalmente esteja do seu lado.

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Luana desembarca no Rio de Janeiro pelo meio da tarde; o voo havia sido rápido e tranquilo e

ela procurou não pensar que até mesmo o simples fato de voar era algo totalmente fora da suarotina.

Um homem de uniforme preto a espera. Luana belisca o próprio braço para ter certeza de quenão está sonhando. Não, não está, aquilo tudo é real. Se estivesse sozinha gritaria o próprio nomebem alto para ter certeza. Mas com aquele motorista sisudo, encarando-a com olhar de poucosamigos, acha melhor se comportar ou colocará tudo a perder antes mesmo de se encontrar com oastro que a contratou.

— Boa tarde, senhorita Luana — ele a cumprimenta, sério.— Boa tarde — responde com timidez, dando-se conta, pela primeira vez, de que está de fato

longe de casa, longe de seus amigos, do teatro e de Mari.Rodam pela cidade por algum tempo, Luana embasbacada, acha tudo maravilhoso. Rio de

Janeiro! As ruas movimentadas, com pessoas apressadas. Leblon! Um mundo diferente do seu. Aeuforia toma conta de cada pedacinho de si ao antecipar sua estadia naquela metrópole.

Quando o motorista estaciona o automóvel na garagem, Luana só não solta um gritinho desurpresa porque consegue segurar o impulso a tempo. A mansão de Cristian Fedrizzi é muitomais imponente do que se lembrava das matérias que lera e assistira. É a casa mais linda que elajá viu tão de perto, e como é grande, céus! O jardim impressionante. Grades enormes cercam olocal que emana riqueza e poder. Por um instante, Luana sente o medo consumi-la ao dar-seconta do quanto parece insignificante diante de tanto luxo. E se não conseguisse agir comnaturalidade? E se ficasse o tempo todo admirando aquele mundo tão diferente do seu e bancasse

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a boba diante do ídolo? Pior, e se sua mente fantasiosa começasse a cobrar o preço de suaousadia?

Balança a cabeça negando-se a formular mais perguntas desconcertantes como aquelas.— Por aqui, senhorita. — O motorista a guia até a porta da frente, levando-a por um caminho

de pedras cujas laterais são cobertas por um gramado cuidadosamente aparado.Folhagens discretas dispostas em vasos caríssimos ornamentam a porta que, segundos depois,

é aberta por uma empregada simpática, de sorriso fácil e olhar carismático, que se apresentacomo Margarida.

Luana não sabe se deve tirar os calçados, como quando faxina a casa e não quer sujar, ou sedeve mantê-los nos pés, evitando parecer cafona. É muita informação para sua mente.

Na sala de estar existem quadros de Cristian por toda parte, o que a deixa quase sem fôlego,em especial um quadro pintado à mão em que ele está seminu deixando muito pouco para aimaginação feminina.

Acostumada ao seu pequeno apartamento, mesmo que tente, Luana não consegue disfarçar ofascínio. Seus olhos correm pelo resto do ambiente e constata que, felizmente, existem poucasimagens da modelo Marcela Alves. Seria muito desagradável ter que ficar olhando para a carada Marcela-magricela!

— O patrão não pode recebê-la, mas recomendou-me que a tratasse muito bem e a fizessesentir-se em casa. É um prazer conhecê-la, Luana — a empregada a saúda com mais um de seussorrisos maternos.

— Obrigada, você é muito gentil — responde no mesmo tom. — É uma pena que meuquerido amigo não esteja em casa, estou com tanta saudade. — Pela primeira vez usa o termo“amigo” referindo-se ao ator e, no instante seguinte, se sente uma tola por isso. Agora, estandoali naquela mansão imponente, sua ideia, que a princípio parecera perfeita, lhe soa ridícula. Nemmesmo os empregados acreditariam naquele teatro de quinta.

O sorriso e as palavras de Margarida confirmam seus temores.— Não precisa manter as aparências, querida. Cristian nos alertou sobre a situação de vocês

dois e pediu que mantivéssemos discrição. Ele confia em nós e gostaria que você confiassetambém. — Ela pisca carinhosamente, percebendo o desconforto da jovem.

Luana levanta uma sobrancelha, totalmente surpresa. Cristian devia confiar muito em seusempregados para contar-lhes seus segredos. De certa forma, sentiu-se frustrada. Imaginava queele deixaria que todos, sem exceção, pensassem que realmente mantinham uma amizadecolorida. Tirar uma casquinha de seu ídolo não faria mal algum, faria?

— Mesmo assim, não será a primeira vez que me verá falando dele com tanto carinho. Eu oamo, sou completamente apaixonada por ele... E ele sabe disso — responde com o narizempinado.

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— Jura? — Margarida pergunta em tom propositalmente afetado antes de cair na risada. —Você e o resto das mulheres do Brasil, não?

Diante da expressão divertida de Margarida, Luana não se contém e ri também, enquantoatravessa cômodos e mais cômodos guiada pela empregada que, graciosamente, faz com queaquele momento embaraçoso acabe se tornando descontraído.

— Você é apenas mais uma nesse mar de tietes. A única diferença, claro, é que você teve umasorte de princesa em ser a escolhida. É mesmo uma “guria” iluminada, como dizem lá no seuestado. — Margarida muda de assunto quando chegam à escadaria. — Sugiro que você suba etome um banho na banheira pra relaxar. Aposto que essa viagem foi tensa — conjectura piscandopara Luana.

Apesar das palavras certeiras de Margarida, lembrando-a de que ela é apenas mais uma entretantas, Luana sente nela algo maternal, aliás, sua própria mãe diria o mesmo se ainda estivesseviva e presenciasse aquela loucura toda.

— Gostaria de conhecer a casa primeiro — pede, olhando fascinada para tantos corredores,portas e mais portas. Precisa conhecer os aposentos para não se perder dentro da casa nospróximos dias.

— Você vai ter todo o tempo do mundo, querida. — Margarida a empurra gentilmenteescadaria acima.

— Tudo bem. — Dá de ombros. A empregada deve estar pensando que ela é uma caipiradeslumbrada querendo conhecer a casa do príncipe encantado.

Margarida a conduz ao quarto onde ficará acomodada pelos próximos dias e, mais uma vez,Luana quase baba diante de tanta sofisticação. Tem a sensação de que está em um daquelesreality shows promovidos pela RM (Rede Mundo). O quarto decorado em tons claros possui umasacada, de onde se pode admirar o belo jardim lá embaixo e mais adiante uma piscina enorme econvidativa.

— Foi preparado exclusivamente pra você — Margarida anuncia em tom solene.— O quê? — Ela arregala os olhos, totalmente incrédula, não se sentindo merecedora de tanta

atenção. Será que não estou mesmo participando de um reality? Tem vontade de rir ao pensar nonome mais apropriado: Loucura de Fã! — Mesmo? — Volta sua atenção para Margarida. Secontinuar devaneando assim, o que a empregada pensará dela? — Mas... É lindo! E Cristian émesmo um cavalheiro em se preocupar com esses detalhes, foi muito gentil da parte dele mandarpreparar algo exclusivamente para mim — diz emocionada.

— Cristian é diferente dos homens que você deve ter conhecido, Luana. Ele é o cara! —Margarida fala toda orgulhosa enquanto abre uma porta diante de si. — Venha, quero lhe mostraruma coisa.

Luana abafa um gritinho quando vê o closet diante de si, cheio de roupas e calçados dos mais

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variados estilos e marcas famosas; vestidos, casacos de pele, sapatos, biquínis...— Uau! São as roupas da Marcela? — Seus olhos brilham de excitamento.— Claro que não, estas roupas foram compradas para você usar, garota. Aposto que não vai

ser nenhum sacrifício, mas imagino que você deve estar ciente de que haverá muitas mudanças evocê terá que estar preparada. Sendo a felizarda “amiga” que o Cris decidiu ajudar na cidadegrande, terá que andar sempre bem-vestida, elegante, lançando moda, entende? — Ela faz umsinal de aspas com os dedos ao usar a palavra que fazia de Luana a criatura mais feliz da face daTerra. — O Cris preparou tudo antes, tinha certeza de que viria. Aliás, acho que seria louca senão viesse, né?

— Não acredito. — Luana está maravilhada. — Todas essas roupas só pra mim?!Margarida ri e balança a cabeça. Foi melhor do que ganhar na loteria!— Duvido que vá precisar de sua mala diante deste closet dos sonhos, mesmo assim, vou

desfazê-la enquanto toma banho. A banheira já está cheia e com sais...— Eu mesma posso fazer isso, não se preocupe — se apressa em responder. — Você deve ter

milhões de coisas para fazer nesta casa gigantesca, a última coisa que quero é incomodá-la.— De jeito nenhum, a empregada aqui sou eu, não você, lembre-se disso — responde num

tom firme, sem dar-lhe espaço para retrucar.— Obrigada, Margarida, acho que você é a pessoa mais de bem com a vida que já conheci,

sabia?— Sabia! — ela responde sem falsa modéstia, virando as costas, deixando Luana sonhando

acordada no interior do quarto mais perfeito que ela já viu.

— Que. Banheiro. Mais. Lindo! — exclama admirada com o tamanho dele, praticamente asala de seu apartamento.

Luana se despe depressa deixando as roupas jogadas no chão impecável do banheiro, commedo de que se for lenta demais o sonho acabe. Coloca primeiro o dedão do pé na água e, nãoresistindo, imerge o corpo todo naquele amontoado de espuma, deixando apenas a cabeça parafora.

O banho está delicioso, a água morna cobrindo seu corpo a faz relaxar e o suave perfume dossais que Margarida adicionou na água lhe proporciona uma sensação indescritível. Ela sente que

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a dor nos músculos se dissipa lentamente, pouco a pouco... O sono, que fora embora namadrugada anterior, agora chega cobrando seu preço.

Já faz algum tempo que Margarida arrumou as poucas roupas de Luana e desceu paraterminar seus afazeres, por isso volta a subir ao andar superior para ver se ela precisa de algumacoisa. A chama por diversas vezes, como não há resposta, dá de ombros.

Deve estar distraída pensando na sorte grande que teve!Sai do quarto sorrindo diante de seus próprios pensamentos.Dali meia hora Cristian chega e a empregada volta a subir até o quarto para avisá-la de que o

patrão já está ali.— Cristian, meu filho, estou ficando preocupada — diz ofegante, após descer rapidamente as

escadarias. — A sua hóspede está no banheiro desde a hora que chegou, eu já a chamei váriasvezes, mas ela não responde.

Cristian afasta Margarida do caminho e sobe os degraus de dois em dois, entra rapidamenteno quarto e bate na porta do banheiro. O que aquela maluca estaria aprontando durante essetempo todo trancada lá dentro? Pela milésima vez se questiona se foi uma boa ideia tê-la trazidopara sua casa.

— Luana, abra a porta — pede pela terceira vez já perdendo a paciência.Como ela não responde, depois de várias tentativas, Cristian escancara a porta e entra. Dá

mais alguns passos e abre a porta de vidro do boxe de vidro fumê quase não acreditando nos seusolhos. Recua um passo ao ver o corpo esbelto de Luana, encoberto apenas pela espumaperfumada. A jovem dorme profundamente com a cabeça recostada na lateral da banheira.

Ele engole em seco antes de se aproximar e sacudir-lhe os ombros com delicadeza.— Luana, acorde. Acorde...Luana abre os olhos lentamente tentando lembrar onde está, então sente o pânico e a vergonha

tomar conta de si quando se dá conta de que está completamente nua diante dos olhos deCristian, que trocou o cabelo longo por um corte moderno, baixo dos lados e mais cheio no topo.Lindo!

Estarrecida, tenta tapar-se com as mãos, sem muito sucesso.— Meu Deus, há quanto tempo estou aqui?

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— Tempo suficiente para estar murcha feito um maracujá — ele brinca. — Por favor, saialogo daí ou vai acabar se desintegrando.

— Mas...Ele estende-lhe um roupão preto, felpudo e cheiroso.— Não precisa ficar com vergonha, vou deixá-la sozinha. — Suas palavras soam quase

paternais. No entanto, antes de sair do banheiro, acrescenta com um sorriso cínico: — Além domais, já vi tudo enquanto você dormia.

Ela se enrola no roupão toda atrapalhada e, consumida pela vergonha, vai para o quarto, ondeCristian a aguarda. Quando, enfim, consegue amarrar o cinto tem um ataque de riso.

— Deve estar pensando que sou louca!— Confesso que já considerei a hipótese um milhão de vezes — ele entra no tom da

brincadeira desfazendo o nó de embaraço que se instalara. — Mas, na verdade, estouconsiderando muito mais o fato de que você devia estar morta de sono, isso sim. — E fica sériooutra vez, não se permitindo ser mais íntimo do que o necessário. — Bem-vinda, Luana. Voutomar um banho e encontro você mais tarde. Se quiser comer alguma coisa peça à Marga, aindafaltam algumas horas para o jantar, você deve estar faminta.

— Obrigada. — Sente o coração acelerar ao olhá-lo nos olhos. — Procure não dormir nabanheira, seria muito desagradável se eu tivesse que ir lá me vingar por você ter me visto pelada— acrescenta, quase incapaz de manter-se séria, como parece ser o desejo dele.

Vendo Cristian rir daquela forma, Luana pensa estar vivendo um sonho. Se por fora semantém controlada, seu interior é uma verdadeira escola de samba. Até dias atrás era umasimples garota assistindo a um programa de fofocas e agora está sob o mesmo teto que seu ídolo.Cristian Fedrizzi! Se estivesse de fato acordada, aquilo era a prova de que milagres existiam,afinal.

É tanta roupa que Luana não sabe qual usar. Após um longo tempo experimentando váriosmodelos opta pela saia jeans verdadeiramente detonada (e que deveria ter custado uma nota,aliás, como tudo naquele closet), regata nadador branca e uma sandália rasteirinha. Simples, masbonita! Maquia-se levemente e prende os cabelos num rabo de cavalo.

Margarida espera por ela no pé da escada.

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— Venha, Luana, preparei um lanche pra você. — O carinho da empregada é algo tão naturalque Luana não consegue se manter indiferente, como pretendera a princípio.

Margarida a conduz por uma porta que dá acesso ao jardim. No terraço, sobre uma mesinhade vime com quatro cadeiras do mesmo material, há suco, café, leite, croissant de chocolatebranco e de goiabada, além de um potinho de Nutella que Luana devora com os olhos.

— Fique à vontade, querida. Preparei algo simples, pois logo será servido o jantar. — Eladesaparece pela mesma porta por onde haviam entrado deixando Luana sozinha para que tenhamais liberdade.

O lanche está maravilhoso e Luana não perde tempo com frescuras, estava mesmo faminta.Quando está acabando de tomar seu café com leite, Cristian aparece, mais lindo do que nunca,

usando bermuda, camiseta e havaianas, os cabelos ainda úmidos e desgrenhados, os olhos comaquela curiosa tonalidade de ouro derretido — o que mais chama atenção nele, na opinião deLuana.

— Você é ainda mais lindo pessoalmente! — pretendia que soasse em tom de desinteresse, oque não aconteceu.

Não tinha intenção de ficar babando o tempo todo, apesar dele ser irresistível... Mas dizer averdade pelo menos uma única vez também não fará mal a ninguém, pensa.

— Obrigado — responde com um sorriso divertido. — E já que estamos falando de beleza...— Ele para um instante semicerrando os olhos, o que o deixa ainda mais sexy. — Você tambémé mais bonita do que no Snapchat . Aliás, você consegue ficar bem com roupas simples. É umprivilégio, sabia? A maioria das mulheres que conheço só consegue chamar atenção com roupaschiquérrimas de estilistas famosos.

— Realmente acha isso, ou está falando só para ser gentil? — Impossível não ficar com umpezinho atrás.

— Eu não falaria se realmente não achasse, quando me conhecer melhor vai saber disso.E conhecê-lo melhor é tudo o que Luana mais deseja nesse mundo.Cristian senta na cadeira à sua frente ficando sério subitamente.— Luana, você sabe cada detalhe da minha vida, até mesmo sobre meu casamento

fracassado... Agora é minha vez de saber tudo sobre você, não quero parecer um idiota quandome perguntarem sobre a minha... amiga.

As palavras de Cristian provocam uma repentina vertigem em Luana. Como era de se prever,ele falara normalmente sem demonstrar nenhum sinal de emoção, ainda assim, aquilo sóconfirmava que ela não estava sonhando coisa nenhuma, faria papel de affair de um dos carasmais cobiçados da televisão para que a mídia se encarregasse do resto.

De repente, aquilo lhe pareceu assustador. Não estaria atuando em uma peça de teatro dobairro. Era vida real! Eles estariam atuando, claro, mas o resto do mundo não poderia sequer

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desconfiar disso.— Bem, talvez eu não saiba exatamente tudo sobre sua vida... Pra ser sincera, tenho algumas

curiosidades. — Sorri, sentindo-se tímida de repente.Cristian aperta a boca num claro sinal de nervosismo, mas, por fim, fala:— Respondo tudo o que quiser saber com a condição de que me conte cada detalhe da sua

vida, por menor que seja.— Mesmo se eu disser que minha vida não foi nem um pouco interessante até agora? — ela

avisa sentindo-se a pessoa mais sem graça da face da Terra.— Posso decidir se foi interessante ou não depois que me contar — brinca, então empertiga-

se na cadeira como se estivesse prestes a ser entrevistado num programa ao vivo. — Podeperguntar.

Luana tem vontade de rir, mas se contém. Já havia feito gracinhas demais para o primeiro diacom seu ídolo.

— Por que você e sua mulher se separaram? — pergunta de supetão. Se pensasse demaisacabaria desistindo. A pergunta era bastante íntima, pensou que ele não fosse responder.

— Acho que sempre fomos diferentes dos demais casais... — Começa a falar após algunssegundos de silêncio. — Nesse ano que ficamos casados raramente conseguimos estar juntosaqui. Esta casa já era minha antes de casarmos e como é espaçosa não quis trocá-la por outraquando oficializamos nossa união. A verdade é que Marcela nunca gostou daqui, eu devia terfeito como ela desejava... — Suspira antes de prosseguir: — Por outro lado, entendo que, comomodelo, ela precisava viajar bastante e por isso passava quase o tempo todo nos Estados Unidosdesfilando ou fazendo campanhas.

— Quer dizer que mal se viam? — Luana pergunta, incrédula. Já sabia que a vida dascelebridades era corrida, mas tanto a ponto de um casal sequer conseguir passar um tempo juntosna mesma casa?

— Muito pouco. Quando ela vinha para o Brasil, ia visitar os pais ou então íamos às inúmerasrecepções às quais éramos convidados. Acabávamos voltando para casa exaustos, e, na maioriadas vezes, estressados.

— Então foi por isso que se separaram? Digo, por que queria que ela ficasse mais tempo comvocê?

— Não exatamente. — Ele tem o olhar perdido, como se ignorasse a presença de Luana à suafrente. — Depois de tanta fofoca envolvendo nossos nomes, traições que nunca existiram, pelomenos, não da minha parte, nossa relação já estava bastante desgastada. Marcela queria que nosmudássemos para os Estados Unidos e eu não aceitei, isso foi a gota d’água. Não podiaconcordar, tenho contrato com a Rede Mundo, não posso simplesmente abandonar tudo. Quando

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disse isso à ela, ficou louca, gritou, chorou... E terminou nosso casamento alegando que eu eramachista e egoísta.

— Não entendo, se ela vai morar fora definitivamente nosso teatro não faz muito sentido. —Luana sente um aperto no peito, vendo a chance de estar ao lado de seu ídolo escoar pelo ralo.

— Aí é que mora a ironia. Marcela comprou um apartamento aqui no Rio e resolveu não irmais embora — Cristian explica. — Fui conversar com ela e tentar uma reconciliação, mas elame jogou na cara que não precisava mais de mim e confessou, cheia de ódio, que nunca meamou. Inclusive, chegou a insinuar que nem tudo o que disseram a seu respeito era fofoca.Talvez eu seja mesmo o corno da história...

Ela dissera a verdade ou somente para atingi-lo? Luana se pergunta.— E mesmo assim você a ama? — questiona, tentando esconder a indignação.— Você conhece a resposta. Estou disposto a qualquer coisa para que ela reconsidere.Com essa reposta, Luana resolve então trocar os papéis. Não quer fazê-lo remoer o desprezo

de sua ex-mulher. Está muito claro que seu ego está ferido.— Então... Agora acho que chegou sua vez. O que quer saber sobre minha vidinha pacata?Cristian parece não saber exatamente por onde começar. Bebe um gole do seu suco e limpa a

garganta antes de falar.— Bem, acho que esqueci de perguntar o mais importante: você é comprometida?— Claro que não, se eu fosse comprometida não estaria aqui — responde sorrindo. Aliás,

desde que viu Cristian, há poucos minutos, que o sorriso em seus lábios é a coisa maisespontânea em si.

— Não sei bem o que perguntar, então, que tal me contar exatamente tudo sobre sua vida?— Nossa, isso é mais difícil do que pensei — Luana começa a dizer, meio incerta de como

prosseguir. Sua vida nunca fora lá muito empolgante, menos ainda se comparada a de umacelebridade. — Sempre fui pobre, como deve perceber, mas fui criada com muita dignidade.Meu pai faleceu quando eu tinha apenas dez anos e fui criada por minha mãe, que tambémmorreu há dois anos, portanto, sou órfã. Minha mãe me deixou um apartamento no centro deCaxias do Sul e um Ford Ka em bom estado, mas tive que vendê-lo para reformar o apê.Consegui emprego numa loja de livros usados e sobrevivi com o salário dele até que fui demitidaum mês antes do nosso encontro. Amo ler, escrever e atuar. Faço teatro desde pequena... E isso étudo — conclui sentindo-se, mais uma vez, a pessoa mais sem graça do mundo.

— Não acredito que sua vida tenha sido assim tão monótona. Nunca teve um namorado ouum simples romance?

Definitivamente, ela não queria tocar no assunto “namoro”. Não queria revelar que a únicavez em que assumira um namoro sério fora porque a ideia de ter um namorado que era amigo

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íntimo de seu ídolo a seduzira mais que qualquer outro atrativo do ex. Então decide falar maissobre seu lado artístico.

— Não posso falar que minha vida é monótona. Saio frequentemente com minha amiga Mari.Também tenho amigos, sabia? — tenta soar engraçada. — E tenho também a escrita, que temsido minha melhor companhia nas horas de solidão. Não sou uma escritora profissional, mas souuma sonhadora — confessa quase amarga. — Talvez um dia meu talento tenha mais importânciado que minha classe social.

— Isso é realmente interessante! — Cristian exclama surpreso. — Escreve qual gênero?— Romance romântico — responde um tanto tímida. É a primeira vez que conversa sobre

seus livros com outra pessoa além de Mari, que, diga-se de passagem, nunca estava disposta aouvi-la.

— Se escreve histórias de amor deve ter tido vários amores. Se importa de falar sobre suavida amorosa? — pergunta interessado em saber aquela parte de sua vida que ela parecia quereresconder a qualquer custo.

Não tem jeito, Luana terá que contar a verdade. Não exatamente toda a verdade, mas, pelomenos, parte dela.

— Tive dois ou três namoricos... Mas apenas uma única vez, quando tinha dezoito anos, meenvolvi seriamente com outra pessoa, cheguei a morar com ele durante um tempo. — Emboranão se orgulhasse nem um pouco disso, fora sua escolha no passado e não pretendia omitir.

— Mas você era muito nova para se envolver assim com alguém!— Hoje eu também penso assim, mas, na época, nem mesmo minha mãe conseguiu me fazer

mudar de ideia — revela, abrindo seu coração para a pessoa mais improvável do mundo. — Eletinha vinte e nove anos, vivia em reuniões e jantares sociais. Era um homem importante...

— Estava com ele por interesse? — Cristian questiona sem a menor cerimônia.— Claro que não. Se fosse por interesse estaria com ele até hoje, já que nunca me deixou

faltar nada do que o dinheiro pode comprar. Pensei que o amava — mas descobri que amavamuito mais a ideia de ter um namorado que vivia no mesmo círculo social que meu ídolo —, masdepois descobri que era apenas uma paixão juvenil, atração física somente. Eu era muito criançapara saber separar uma coisa da outra.

— Ele a maltratava? — Os músculos saltam no maxilar de Cristian, demonstrando o quanto asimples possibilidade o enraivece.

— De certa forma... Nós não conseguíamos trocar duas palavras sem brigar. Ele não gostavaque eu saísse de casa e nem que recebesse minhas amigas. Essa tortura durou apenas três meses...E não me olhe com essa cara, não sou do tipo que suporta as coisas que não me agradam. Certanoite, ele chegou em casa bêbado depois de uma farra com os amigos – bebedeira e mulheresfaziam parte de sua rotina. — Naquela noite, nós discutimos outra vez e eu... acabei falando

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coisas que feriram seu ego masculino (jamais deveria ter confessado que não gostava dele, massim da possibilidade de vir a conviver com seu amigo famoso ). Valendo-se de sua embriaguez,ele tentou me bater, eu me defendi e lhe acertei um tapa no rosto. Eu estava cansada de tudoaquilo e, naquela ocasião, já tinha certeza de que não sentia absolutamente nada por ele. Quandomeu ex sentiu o rosto ardendo empurrou-me, eu caí rolando escada abaixo, o que resultou emuma perna quebrada e outros ferimentos leves. Isso foi a gota d'água, voltei a morar com minhamãe e nos separamos definitivamente.

Cristian abaixa a cabeça, pensativo.— Me desculpe, Luana, não queria ter tocado nessa fase triste do seu passado.— Não tem problema, fiquei aliviada em contar toda a verdade a você. Eu não falava sobre

isso há anos, mas não se preocupe, esse é um assunto que ficou num passado longínquo, estámorto e enterrado pra mim.

Luana ainda se perguntou como Cristian reagiria se soubesse que seu ex fora alguém muitopróximo dele.

Cristian se espreguiça, já faz um bom tempo que estão ali conversando. Levanta-se e oferece-lhe a mão induzindo-a a levantar-se também.

— Vem. Vou lhe mostrar a casa. A Marga disse que você estava louca pra conhecer —comenta sem soltar-lhe a mão.

— Posso confessar? Estou quase tendo um treco de curiosidade — admite. — Os cômodosque já vi, incluindo o quarto onde estou hospedada, me deixaram sem fôlego. Aliás, queriaagradecer pelas roupas, os calçados, os cosméticos, os perfumes... Sei que são para a sua“amiga”, não pra mim, mas mesmo assim... — Sorri adorando o contato de pele contra pele.

— Fico feliz que tenha gostado — responde se esquivando propositalmente da parteembaraçosa da conversa. Ele sabe que para Luana é muito difícil separar a atriz da fã, portanto,acha melhor nunca prolongar o assunto mais do que o necessário. — Pedi que trouxessem roupaspra você usar no dia a dia por enquanto, mas vou providenciar para que alguém a acompanhe nasmelhores butiques do Rio e então poderá comprar roupas de seu agrado.

Sobem para o andar superior onde ele lhe mostra vários cômodos, um mais lindo que o outro.Mas em frente a uma das portas, Cristian hesita.

— O que foi? — Luana quer saber. — Se não quiser mostrar seu quarto, tudo bem.— Não é meu quarto — responde abatido. — É o quarto da Marcela.Droga, Marcela novamente.— Ei espere — só agora Luana se dá conta da realidade dos fatos. —, Marcela não dormia no

mesmo quarto que você?— Ela costumava levantar tarde e não queria ser incomodada já que eu levanto bem mais

cedo pra gravar ou, nos dias livres, malhar — a defende sem pestanejar.

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— Bela desculpa! — Luana sussurra torcendo o nariz. Eu daria a vida para dormir no mesmoquarto que esse homem!

— O que disse?— Nada, não disse nada — trata de negar rapidamente.O quarto de Cristian fica em frente ao de Marcela e ao lado do quarto onde Luana fora

instalada. Ele não faz menção de mostrar sua suíte, disfarça e passa reto por ela. Luana não podenegar que se sentiu ofendida com o gesto dele mas não o julga. Cristian obviamente não quer queela invada sua privacidade, pelo menos, não mais do que já invadiu.

Margarida anuncia o jantar amenizando o clima estranho que se instalou entre eles.

No dia seguinte Luana levanta muito mais tarde que de costume. O relógio marca dez damanhã. Cristian já saiu há algumas horas para gravar uma cena externa num local retirado dacidade. Ele atua em Sorte no amor , da Rede Mundo, novela campeã de audiência. Luana nuncaperdeu um capítulo sequer. Todas as noites, às oito horas, para tudo o que está fazendo paraadmirar seu amado Cristian, sempre belo no papel de mocinho mimado.

É impossível não se perguntar como será assistir a mesma novela agora, sabendo que omocinho em questão é o dono da mansão onde está hospedada.

— Olha só quem está aqui. Cristian Fedrizzi ressuscitou! Quanto tempo, meu amigo! —brinca o belo e bem-humorado Giovane ao abrir a porta de seu pomposo escritório.

Após gravar uma cena em que o mocinho caía do cavalo e quebrava a perna na fazenda dospais, Cristian dirigiu de volta para a cidade, onde foi encontrar-se com seu advogado, quemcuidava de todo o lado burocrático de sua carreira e era também seu melhor amigo — em muitasocasiões, fazia papel de psicólogo também.

— Estive muito ocupado nesses últimos dias, cara, aliás, acabo de vir de uma gravação. Vidade ator não é fácil, meu querido — Cristian se desculpa após cumprimentar o amigo com

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generosos tapas nas costas.— Algum problema? — Giovane indica o sofá de couro marrom à sua frente e assume um ar

profissional.Cristian entreabre os lábios num sorriso.— Problema nenhum — responde sentando-se despojadamente.— Quer dizer que Marcela...— Não... Marcela e eu ainda não voltamos, mas...— Mas? — o incentiva, recostando-se na mesa de mogno e cruzando os braços cheios de

músculos.— Lembra da garota de quem lhe falei outro dia? — Giovane faz que sim com um gesto de

cabeça, Cristian prossegue: — Pois bem, ela chegou ontem, está na minha casa.— Cara, não acredito que você topou essa loucura! Acha mesmo que isso vai funcionar?— Pra falar a verdade acho que sim. A garota é linda e por ser minha namorada... ou minha

suposta namorada — se apressa em corrigir —, a imprensa estará focada nela, assim todossaberão que já me recuperei do doloroso rompimento. Eu poderia simplesmente postar nas redessociais uma foto nossa juntos em clima romântico e isso já geraria um verdadeiro alvoroço. Masprefiro ser cauteloso e deixar que a mídia pense que descobriram um grande segredo meu. — Eleconhece muito bem como funcionam as regras do jogo no meio artístico.

— Se você está dizendo... — Giovane não está seguro de que o amigo está fazendo a coisacerta. — E Marcela?

— Marcela odeia concorrência, posso jurar que morrerá de ciúmes.— Nossa! Você está muito animado, nem parece o Cristian de um mês atrás. Estou

começando a ficar ansioso para conhecer a garota que está fazendo essa lavagem cerebral emvocê — zomba.

— Irá conhecê-la logo — assegura-lhe. — Vou apresentá-la a você primeiro e, no próximoevento que for convidado, a apresento a todos como minha “amiga do Sul que está passando umatemporada no Rio” — brinca levantando-se para ir embora.

— Uau, que honra! Quer dizer que serei o primeiro a conhecer a misteriosa amiga do famosoCristian Fedrizzi?!

— Se tiver tempo, podemos marcar para essa semana ainda. — Subitamente fica sério,lembrando-se do real motivo que o trouxera ali. — E quanto àquele outro assunto, como estáindo tudo? — pergunta sentindo o coração acelerar no peito.

— Queria poder te dizer que ela voltou atrás, mas não é verdade. Marcela continua alegandoque você consumiu com todas as joias dela...

— Não entendo por que ela pensa isso de mim, cara. Marcela sabe que eu nunca faria isso.— Pare de ser ingênuo, Cristian. Quantas vezes vou precisar repetir que Marcela sabe

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perfeitamente bem que você não consumiu com joia nenhuma. Ela está mentindo para extorqui-lo, não seja idiota.

— Diz isso porque não gosta dela — Cristian o acusa. — Se depender de mim Marcela terá asmalditas joias de volta, nem que eu as tenha que buscar na Cochinchina.

— E se depender de mim você nunca pagará de otário. Não vou permitir que se humilhe dessamaneira em nome de um amor não correspondido.

— Quando dispensar o psicólogo e trazer de volta o advogado me chame que conversamos,ok? — Cristian encerra a conversa e sai pisando duro, sem se despedir do amigo.

Quando ele entra no elevador, Giovane balança a cabeça inconformado. Jamais compreenderácomo funciona a mente de um artista.

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— Oi, Cris, como foi nas gravações? — Luana pergunta solícita assim que Cristian põe os

pés em casa. Havia pensado muito durante o período que ele esteve ausente. No dia anterior, porinúmeras vezes, deixara seus impulsos de fã falar mais alto, mas agora estava disposta a ser umaverdadeira amiga enquanto estivessem longe dos olhos da mídia. Seria mais fácil e seu coraçãoestaria protegido.

— Meu personagem não teve muita sorte, pra falar a verdade — ele responde sorrindo, járecuperado da conversa que tivera com Giovane. — Ele caiu do cavalo e quebrou a perna,coitadinho — prossegue com ar brincalhão.

— Lucas quebrou a perna na fazenda dos pais, suponho. Então as revistas estavamexagerando quando disseram que ele sofreria um traumatismo craniano — conjectura distraída,quase como se estivesse pensando alto.

— Nunca acredite no que dizem as revistas, a única fonte segura é o próprio ator, podeapostar. — O sorriso espontâneo é ofuscante e ele tem consciência disso.

— Fique sabendo que eu não perco um único capítulo da novela, e, já que não posso confiarnas revistas, você foi o escolhido para me manter informada sobre tudo — tagarela empolgada.— Ai, eu morreria e mataria o autor da novela se acontecesse qualquer coisa ao Lucas —continua, fechando os olhos ao lembrar do início da novela, quando o protagonista descobriu queestava com câncer.

Cristian a segura pelos ombros procurando trazê-la de volta à Terra.— Não acha mais interessante olhar para mim do que para a tela de um televisor? — Tenta

ficar sério embora tenha vontade de rir. Aquela cena é tão inusitada. Sabia que as noveleiras deplantão amavam os personagens, mas não imaginava que fosse com tanto fervor.

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— Ah, aposto que você se sentiria como um rato acuado dentro dessa casa se eu o venerassedo mesmo modo como faço com seu personagem — responde sentindo-se desinibida por estarsendo totalmente sincera com ele.

— Princesa, você pode tudo o que quiser porque é a única dona do meu coração. — Cristianestufa o peito e pisca para Luana, que entende o recado na mesma hora e cai na gargalhada. Nãoé Cristian Fedrizzi quem está falando agora, é o mocinho da novela das nove.

— Lucaaaaas! — ela solta um gritinho de animação. — A cozinheira fez seu prato favorito:peixe recheado. Você me daria a honra de sua companhia? — Luana imita a mocinha da novela,empertigando-se e enganchando no braço dele.

— É sério isso? Odeio peixe. — Cristian torce o nariz estragando todo o clima da “novela”.Antes que Luana se dê conta do que está fazendo passa a estapeá-lo no peito, por ter

estragado a brincadeira, até se dar conta do quanto o gesto é descontraído e... íntimo. Paraabruptamente e passa a esfregar as mãos, sem graça.

— Vamos almoçar. Já é tarde e ainda preciso voltar para as gravações. — Cristian quebra osilêncio, mas continua sério, parecendo tão sem graça quanto a própria Luana.

Aquela semana passou voando e, se Luana esperava vê-lo sempre, enganou-se. Cristian malparava em casa devido às gravações da novela. Ela aproveitou para dedicar-se ao livro que estavaescrevendo, adorando a nova rotina que lhe possibilitava dedicar todas as suas horas ao querealmente amava fazer.

No entanto, ao final daquela semana, se sentia mais só do que nunca; deprimida e de baixoastral. Quando fez aquela proposta maluca ao ídolo, intimamente alimentava a ilusão de queviveria um conto de fadas, porém a realidade era bem diferente. Em última hipótese, ela pensaraque estando perto dele seu fascínio diminuiria. Mas também estava muito enganada nesseaspecto.

Distraída, desce as escadarias e dirige-se aos fundos da mansão. Faz uma noite muito quente,pra variar, por isso ela usa um vestido leve, logo acima dos joelhos, e rasteirinhas.

Saindo porta afora, circunda o jardim e senta-se à beira da piscina, mergulhando os pés naágua refrescante. Perdida em pensamentos, demora a perceber que já não está mais sozinhanaquele paraíso.

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Cristian saíra um pouco depois de Luana, torcendo para que o ar puro lhe acalmasse osânimos. Quando a viu, tão bela, totalmente descontraída com os pés balançando sob a água dapiscina, os olhos fixos num livro, parecendo fazer parte do cenário, deteve-se e ficou recostadoao tronco do coqueiro, admirando-a. Fora descoberto apenas alguns minutos depois, mas não seimportou em ser pego no flagra. Talvez em outra ocasião ficasse envergonhado, porémestranhamente sentia-se à vontade com sua mais nova hóspede.

— Faz tempo que está aí? — Luana pergunta sentindo o costumeiro friozinho na barriga quea visita toda vez que está próxima ao ídolo.

— Só há alguns minutinhos. — Ele mantém no rosto aquele sorriso de arrasar corações. —Queria falar com você. — Embora não tivesse saído para procurá-la, precisava mesmo conversarcom ela.

— Falar comigo? — Luana reage quase com perplexidade e isso não passa despercebido aosolhos de Cristian.

— Por que a surpresa? — pergunta sentando-se ao lado dela e imitando seu gesto de colocaros pés na água.

— É que... não temos nos visto muito ultimamente. — Engole em seco, reprimindo o desejode suspirar devido àquela proximidade.

— Me desculpe, tenho sido um amigo bem relapso, não? — Sorri de canto. — Mas não estouexagerando quando digo que os últimos dias têm sido enlouquecedores devido às gravações.

Luana pode jurar que há algo mais, ele parece cansado, desanimado, entregue. Sente vontadede acariciá-lo e confortá-lo, mas prefere se manter afastada ou seu coração romântico e sonhadorpode acabar confundindo as coisas. Mais uma vez, lembra a si mesma que, embora aquelasituação parecesse mágica num primeiro momento, não passa de um acordo comercial. Receberágrana para viver um sonho, portanto, sua obrigação é fingir que seus compromissos estão acimade tudo.

— Você não precisa se sentir culpado, eu já imaginava que a vida de um artista famoso fosseassim mesmo — diz, com um sorriso, voltando de seus devaneios. — Mas sobre o que quer falarcomigo?

Cristian respira fundo, como se estivesse tomando coragem. Finalmente fala:— Quero que esteja linda para o jantar. Levei uma joia até o seu quarto e quero que a use,

tudo bem? — pede com carinho.Luana sente as mãos trêmulas subitamente. Pelas palavras de Cristian, é fácil deduzir que sua

hora de atuar chegou. Preparada ou não, terá que agir.— Va-vai me apresentar a alguém? — E antes que ele responda sua pergunta, prossegue: —

Deve ser alguém muito importante...— Realmente é alguém importante — confirma sorrindo abertamente. — Não apenas meu

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melhor amigo como também meu advogado — explica. — E, para que você fique tranquila, jáadianto que não será nem um pouco difícil conquistá-lo, uma vez que ele nunca foi com a cara daminha ex-mulher.

O interior de Luana é só alegria. Um aliado! É tudo o que ela precisa. Quanto mais pessoasaprovarem aquela “relação”, mais fácil será representar seu papel.

— Serei apresentada a um velho barrigudo com uma linguagem difícil de entender? — Elanão pretendia debochar, mas, como está realmente feliz, não resiste à brincadeira.

— Nem uma coisa nem outra — revida sorrindo. Luana é uma mulher bem humorada, o quefacilitará bastante a convivência entre eles, pensa. — Meu amigo é jovem, malhado e, na maioriadas vezes, tem um linguajar inapropriado.

— Hum, deve ser interessante. — Luana levanta-se e pendura as sandálias nos dedos. — Voutomar um banho e ficar linda para impressionar seu amigo advogado.

— Nos surpreenda! — Cristian grita enquanto ela desaparece correndo como uma garotinhaem direção à porta da mansão.

É como se estivesse sonhando, Luana pensa enquanto sobe as escadas rumo ao seu quarto.Depois daquele laboratório se sentirá pronta para interpretar qualquer outro papel.

Havia acabado de entrar em seu quarto quando Margarida escancara a porta trazendo na mãoo celular que ela esquecera na cozinha.

— Obrigada, Margarida, juro que ainda aprendo a manter meu celular por perto — graceja.— Espero que sim ou vou comprar uma corrente e amarrá-lo ao seu pescoço — diz em tom

sério, mas que Luana sabe ser pura cena.— Oi, Mari. Como você está, amiga?— Eu é que pergunto, você chegou aí e simplesmente sumiu das redes sociais, mal responde

minhas mensagens no Whats — reclama em tom choroso.— Me desculpe, Má. Juro que não é descaso — desculpa-se envergonhada. — Você está

bem?— Estou ótima. Como sempre envolvida até o pescoço em confusão, afinal, esse é meu

normal — brinca.— E no quesito homens? — Luana quer saber entrando no clima descontraído da amiga.— Nem te conto! Pegando geral, você sabe que os gatinhos caxienses são os mais

espetaculares do planeta, né? — responde e Luana é capaz de jurar que ela está gesticulandoenquanto fala.

— É um despropósito o que vou falar, mas... nada comparado ao loiro mais sexy do Brasil —Luana arrepende-se do próprio comentário no instante seguinte, quando Mari destila seu veneno.

— Ah bom, mas eu estou falando em “pegação” de verdade, não de dois atoresinterpretando um papel ridículo. Quero saber como são os gatinhos cariocas, mas os

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verdadeiros...Luana percebe a inveja na voz de Mari, mas não a culpa, pelo contrário, se vê impelida a

concordar com ela porque, no fundo, só falou verdades.— Bom, não tive tempo de conhecer ninguém ainda, mas prometo que, quando isso

acontecer, você será a primeira a saber — volta a falar, tentando esconder o tom de mágoa.Depois de ter se despedido da amiga, sentindo-a um tanto estranha, toma um banho e se

detém à porta do closet ainda com a toalha enrolada no corpo. São tantas roupas que não sabequal vestir.

Finalmente, opta por um vestido de renda amarelo e sandálias de salto alto vermelhas – nãogosta da combinação de cores, mas as revistas que folheara recentemente asseguravam que podiaapostar no look. Por fim, prende os cabelos num rabo de cavalo frouxo, maquia-se com cuidadoe coloca o lindo conjunto de delicados brincos e corrente com pingente, de ouro branco, com oqual Cristian a havia presenteado.

Olha-se no espelho pela última vez, sem conseguir esconder de si mesma a sensaçãoincômoda que a invade. Com aquelas roupas sofisticadas, maquiagem de qualidade, perfumeimportado e joias caríssimas, mal lembra a pobre Luana de alguns dias atrás. Será que finalmenteentraria na personagem?

Já são quase dez horas quando desce as escadas. O amigo de Cristian ainda não haviachegado.

Que mania que esses ricos têm de jantarem tão tarde, pensa, dirigindo-se à cozinha.— Precisa de alguma coisa, Luana? — Margarida pergunta tão logo nota sua presença na

cozinha moderna, toda cromada.— Vim ver se você está precisando de ajuda já que o convidado de Cristian ainda não chegou.

— Dá de ombros.— Está louca, garota? Claro que eu não preciso de ajuda. Se o patrão descobre que você está

aqui, toda linda, querendo me ajudar, me mata.— Ai, Marga, que saco! Não sou nenhuma bonequinha de porcelana — reclama.— Não pode ficar com cheiro de tempero. Cristian está esperando seu melhor amigo, hum...

aquele gatão. — Margarida se abana. — Você está linda e cheirosa, não quero que perca suabeleza nesta cozinha. — Ela sorri e Luana retribui. Já simpatiza demais com ela paradesobedecê-la, por isso acata sua ordem.

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Como esse homem é lindo! Alguém me abana, por favor. Luana é acometida por uma súbitatontura quando entra na sala e encontra Cristian, que não poderia estar mais lindo em sua calçajeans justa delineando partes bem sexys de seu corpo. A camisa branca tem os primeiros botõesabertos dando uma visão do paraíso como amostra grátis.

— Você está muito bem — ele a elogia ao vê-la admirando-o emudecida.Luana fica sem graça diante daquela exuberância toda que ele emana.— Obrigada, mas não chego nem aos pés da sua bela Marcela Alves... — diz enquanto

procura com os olhos os quadros da modelo, mas não os vê em lugar algum. Por mais que oelogio de Cristian soe sincero, é impossível não fazer a comparação, para seu próprio dissabor.

— Não estamos falando dela, estamos falando de você — ele a corta sério. — E você estálinda. Sem comparações, ok? — finaliza abrandando a voz.

— Obrigada — agradece aceitando o elogio, sentindo o rosto corar. — E obrigada tambémpela joia, eu adorei.

— Ficou perfeita em você.Essa mulher não tem a menor noção do poder de sedução que possui.Seus pensamentos, nem um pouco sensatos, são interrompidos pelo barulho insistente do

interfone. Seu convidado chegou.Sentada no elegante sofá, de costas para a porta, Luana espera, aparentando uma calma que

está longe de sentir. Embora mantenha as pernas cruzadas numa postura elegante, não conseguemanter as mãos quietas, as torce o tempo todo denunciando seu nervosismo.

— Vai gostar dele, Luana, tenho certeza — afirma Cristian pousando uma das mãos em seuombro enquanto passa por ela em direção à porta de vidro corrediça, que separa a sala de estar dasala de jantar.

— Trouxe vinho — anuncia o advogado em tom alegre.— Que bom que conseguiu chegar a tempo do jantar — Cristian ironiza abraçando o amigo.

— Eu devia ter imaginado que você chegaria atrasado, pra variar.— Só meia horinha não faz diferença nenhuma — desculpa-se, mas não parece ligar

verdadeiramente para o fato. — E olha só quem fala, o cara que nunca ligou para regras deetiqueta — revida, bem-humorado.

Luana ainda não havia se virado para olhá-lo. Ouvira falar que pessoas elegantes esperamserem apresentadas primeiro.

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Cristian e o amigo finalmente param em frente ao sofá onde ela está, então Luana levanta-seeducadamente com um sorriso ensaiado nos lábios. Sorriso esse que se desfaz quando reconheceo belo homem parado diante de si.

— Ah, meu Deus! Vocês combinaram isso, não foi? — Sente o corpo todo formigando, orosto está pegando fogo e lágrimas de pura humilhação começam a brotar de seus olhos sem queconsiga evitar. Perfeito! Agora ela é a palhaça do circo.

Cristian e o advogado entreolham-se, incapazes de compreender o que está acontecendo.— Eu sei que a casa é sua e que tem todo o direito de trazer aqui quem bem entender, mas ter

insistido para que eu fizesse parte dessa palhaçada é muita maldade! — quase grita, admirada porainda conseguir articular as palavras. — Esse homem contou tudo, não foi? — Subitamente avergonha é substituída pela raiva. À essa altura está pouco se importando com o fato de estardiante de seu ídolo e do acordo que tem com ele. Tudo o que quer é sumir da frente deles o maisrápido possível.

— Por que está me chamando de “esse homem” como se me conhecesse, garota? — o amigode Cristian pergunta começando a achar que o ator substituiu uma louca por outra ainda pior.

— Garota? Você me chamou de garota? — Ela sabe que está gritando como uma histérica,mas não consegue mais se conter. — Não, Giovane, não sou mais aquela garota que vocêconheceu. — De repente, a lembrança de si mesma caindo escadaria abaixo graças à violência deGiovane volta com força total, fazendo-a desprezá-lo ainda mais do que o desprezara no passado.

— Já se conhecem? — Cristian pergunta olhando de um para o outro com o cenho franzido.— Não é hora de atuar, Cristian! — Luana rosna lançando um olhar furioso em sua direção.

— Não me diga que você já não sabe que esse é o mesmo homem com quem tive umrelacionamento doentio, porque não acredito.

— O seu ex-namorado? — Cristian pergunta boquiaberto, deixando claro que realmente nãofazia ideia do fato.

Giovane, por sua vez, parece em estado de choque.— Luana? Luana Savaris? — Ela finalmente deixara o cabelo crescer e não usava mais

óculos? — Então, você realmente conseguiu chegar aonde queria! — exclama com a vozcarregada de mágoa.

— Não vou permitir que você vire o jogo, Giovane. — Luana o encara furiosa. É tardedemais para tentar esconder qualquer coisa de Cristian, por isso prossegue: — Sei que errei comvocê, mas hoje percebo que nada do que fiz justifica o fato de você ter me agredido. Nada! Euera só uma criança — acrescenta fulminando-o com o olhar.

— Mas, pelo que vejo, a “criança” se tornou uma mulher estonteante e conseguiu exatamenteo que sempre quis. Deve estar orgulhosa de si mesma! — despeja as palavras com raiva,

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desviando o olhar na direção de Cristian por um momento antes de voltar a encará-la comdesdém.

— Eu te odeio, Giovane, vejo que não mudou nada, continua o mesmo riquinho mimado desempre. — Luana sai da sala pisando duro no piso caro e brilhante. Giovane não irá afastá-la deCristian. Não permitirá isso.

Quando Luana deixa a sala parecendo dividida entre a fúria e o desespero, Cristian finalmentetoma as rédeas da situação.

— Cara, não consigo acreditar que você é o homem que covardemente empurrou Luanaescadaria abaixo.

— Eu posso explicar... — Giovane começa a falar transtornado. Agira por impulso e sentiavergonha por isso, mas julgava ser merecedor de, pelo menos, uma chance para se explicar. Nãoera aquele monstro que a ex-namorada estava pintando.

— Por favor, Giovane, vá embora. — O ator balança a cabeça e suspira fundo. — Eu vouatrás de Luana... Depois procuro você e conversamos com calma.

Giovane sai resmungando, irritado e perplexo. Foram muitas emoções dentro de poucossegundos. Luana Savaris de volta à sua vida! É totalmente inacreditável.

Cristian vê Luana no exato momento em que ela entra em sua SUV branca, que está no pátio,e sai como uma louca pelo portão lateral. Num gesto automático, entra no Porsche e parte atrásdela para evitar que faça alguma besteira. Mas Luana dirige como uma desvairada, com otrânsito intenso. Mesmo àquela hora, fica difícil acompanhá-la.

— Agora que tudo estava tão bem na minha vida, por que Giovane teve que aparecer? —Luana resmunga balançando a cabeça. Só então percebe que sua visão embaçada se deve àslágrimas.

Nunca pensou que algum dia voltaria a vê-lo. Mas agora, pensando melhor, conclui que foiingênua em não ter antecipado o acontecido. Giovane era amigo de infância de Cristian, portanto,mais cedo ou mais tarde, eles acabariam se encontrando.

Enxuga as lágrimas com raiva. Não apenas raiva de Giovane, raiva de si mesma por ter sidotão leviana no passado.

A primeira vez que vira o belo advogado, reagira instintivamente, como reagiria diante dequalquer homem bonito e elegante que demonstrasse interesse por ela. Ficara impressionada sim,e como não ficaria! Porém, seu interesse por ele crescera estratosfericamente ao descobrir suaamizade com Cristian Fedrizzi. E seu grande (e talvez único) erro fora manter aquela relaçãomesmo depois de admitir a si mesma que não estava apaixonada pelo advogado e sim pelapossibilidade que ele representava.

Balançando a cabeça para mandar embora aquelas lembranças embaraçosas, entra por umarua escura com poucas casas e um aspecto sombrio. Quando, ao olhar pelo retrovisor, percebe o

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potente carro que a segue, acelera ainda mais. A última coisa que quer encarar naquele momentoé o olhar dourado de Cristian.

Naquele local onde se encontram, poucos carros trafegam. Jovens transitam livremente,alguns aparentemente embriagados, atrapalhando a fuga de Luana. Ela nota que estão chamandoatenção com os dois carros de luxo e se recrimina por ter agido sem pensar. Decidida a sairdaquelas ruas estreitas, acelera até reencontrar a rodovia, então respira aliviada. Cristian ainda asegue, mas, pelo menos, agora estão longe de olhares curiosos.

O ator aperta o volante com força começando a perder a paciência. Não pretende ficarrodando a noite toda atrás de Luana. Suspirando fundo para recuperar a calma, pega o celular eenvia uma mensagem de voz pelo WhatsApp , torcendo para que o aparelho esteja com Luana.

Se não parar essa droga agora, vou colidir no seu carro e você será obrigada a descer. Tôfalando sério.

Poucos minutos depois ela para no acostamento, Cristian estaciona logo atrás, aliviado por tersido bem-sucedido em sua ameaça. Porém, o alívio dura apenas alguns segundos, maisespecificamente até encará-la e ver seus olhos de chocolate com vestígios de choro.

Luana engole em seco ao vê-lo com os braços cruzados, recostado no Porsche. Sentindo-seenvergonhada, dá mais um passo ficando frente a frente com ele, tão próxima que é capaz desentir o cheiro intenso de sua loção pós-barba.

— É estranho que estejamos na mesma situação. — Sua voz está meio rouca, a cabeça deLuana dá um nó. — Você ainda o ama, não é? — Ele continua diante de seu olhar confuso.

— Claro que não — se apressa em afirmar. Aquela suposição é tão ridícula que a faz esquecera vergonha por um momento. — Nunca o amei, já disse isso antes quando contei sobre meupassado com ele. — Sente o coração acelerado pela adrenalina provocada pela corrida de carro,mas, principalmente, pela perigosa proximidade entre eles.

— Então, por que disse que o odiava? Amor e ódio são sentimentos que se confundem otempo todo, moram lado a lado — filosofa.

Luana vê tristeza nos olhos dele. Sabe que Cristian não fala apenas dela, mas de si mesmo eseu relacionamento com Marcela. Mas seu cérebro teima em bloquear aquela parte e focar emoutras, como, por exemplo, a reação de seu corpo a milímetros do dele. Precisa desviar o olhardaqueles lábios cheios e convidativos e parar de se perguntar se são de fato macios comoparecem ser.

— Falei isso sem pensar — responde desviando o olhar, antes que se veja tentada a provar asi mesma se são macios ou não. — Na verdade, o que sinto por Giovane é um enorme desprezo,não é ódio porque, durante todos esses anos, eu sequer lembrei que ele existia. Mas quando o vi,pirei... Na época, isso não me incomodou muito, eu era apenas uma criança... Mas agora... Sei lá,foi como se eu tivesse necessidade de defender a garota que ele humilhou, entende?

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— Eu entendo. Não vou forçar para que me fale de seus reais motivos para ter reagido assim.— Dá de ombros como se de fato não se importasse, Luana suspira aliviada. — Mas acreditamesmo que eu tive alguma coisa a ver com esse reencontro? Não faz sentido, como eu poderiaimaginar que meu advogado era seu ex?

— Me desculpe, eu exagerei — sussurra, incapaz de duvidar das palavras de Cristian quandoa verdade está estampada no dourado de seus olhos.

— Você vai ter que me beijar agora — ele diz também com voz sussurrante.Luana pisca várias vezes para ter certeza de que não está sonhando. Quando finalmente abre a

boca para questionar o motivo da mudança abrupta, Cristian a segura pela cintura puxando-apara si e cobre seus lábios com os dele, dando início a um beijo vagaroso, como se estivesseincerto sobre aquele primeiro contato. Luana sente as mãos dele deslizando por suas costas, umtorpor delicioso parece levá-la para um mundo totalmente desconhecido. O beijo se intensifica edurante os próximos minutos ela fica perdida em sensações jamais experimentadas antes, com amente desligada do mundo, como se fossem namorados de verdade e necessitassem daquelecontato íntimo. Sim, os lábios dele são macios e viciantes, como ela imaginara que fossem.

Por fim Cristian interrompe o beijo, mas mantém a testa colada à dela. Seus olhos seencontram. Ele sorri, Luana sorri de volta. Então um movimento do outro lado da estrada, algunsmetros longe dali, quebra o clima mágico entre eles.

Luana sente os olhos se encherem de lágrimas, mas não se permite chorar. Ela e Cristian têmum acordo, eles representarão um papel e é apenas isso que acabam de fazer. O paparazzo dentrodo carro, empunhando uma câmera, é como uma gigantesca pedra de gelo sobre o fogo que elaimaginou ter visto nos olhos do ator.

— As fotos devem ter ficado excelentes. — Sua voz soa indiferente apesar de estar com ocoração em chamas, aquecido pela lembrança dos lábios de Cristian nos seus.

Ele não responde, apenas deposita um último e casto beijo em seus lábios, dando um cliquebônus ao paparazzo , e então vira-se, já caminhando em direção ao seu próprio carro:

— Temos que voltar para casa, os empregados devem estar preocupados com o nosso sumiço.Dirija com cuidado.

Voltaram para casa. Não houve jantar, não houve diálogo, não houve nada. Luana estavaabalada pelo seu reencontro com Giovane, mas muito mais abalada pelo beijo que trocara com

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Cristian. Se ele, pelo menos, tivesse avisado que estariam atuando quem sabe ela não teria seentregado daquela maneira apaixonada.

“A quem estava tentando enganar?”, pergunta-se, vestindo um pijama e atirando-se na cama,cobrindo-se com o lençol até a cabeça. Desde o princípio sabia que quando, enfim, o beijasse nãoestaria atuando, estaria aproveitando a chance da sua vida, o beijaria como se fosse o últimohomem da face da Terra. Porém, o pensamento não alivia sua consciência. Primeiro, porquefizera papel de boba apaixonada; e, segundo, porque, mesmo sabendo estar sendo ridícula,sentia-se magoada por Cristian tê-la beijado apenas porque um paparazzo estava na cola deles.

Em seu quarto, Cristian caminha de um lado para o outro, irritado consigo mesmo por termetido uma fã naquela enrascada. É loucura! Ele sabia desde o começo e mesmo assim se deixoulevar pelo desespero. Luana era sua fã mais fiel, ela acompanhava sua carreira desde que era umagarotinha. Nos últimos anos, com tantas redes sociais, se tornara impossível não reconhecê-la emtodos os seus perfis, apoiando, incentivando, venerando, liderando clube de fãs... e olha como eleretribuíra!

Agora, em vez de um problema, tem dois: Marcela e Luana. Tem certeza de que, no diaseguinte, será o principal comentário das redes sociais. Marcela ficará sabendo, como planejado.Essa deveria ser sua maior preocupação, no entanto, é incapaz de tirar da cabeça o maldito beijo.

Preciso de um banho frio e de uma boa-noite de sono . Me fará relaxar e voltar a pensar comsensatez.

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No dia seguinte, já pela manhã, eles são notícias em todas as redes sociais. Val, a assessora de

imprensa de Cristian, ligara furiosa querendo um posicionamento da parte dele, uma vez que elanão fora informada de absolutamente nada. Mas só conseguiu falar com Margarida, que dissenão ter permissão para comentar sobre o assunto, o que deixou a assessora ainda mais furiosa.

Apreensiva, Luana liga o notebook e clica na primeira notícia que vê. A tela se expandeapresentando um vídeo de uma Youtuber famosa, que adora fofocar sobre os relacionamentosdos artistas brasileiros.

Estas fotos, que vazaram na net, deixam claro que o galã Cristian Fedrizzi não está tão tristee deprimido como pareceu há um mês. Desculpe, Marcela Alves, mas basta olhar para esse beijode cinema para perceber que seu ex-marido já não sente mais a sua falta.

Um close da foto na tela e a Youtuber volta a falar, fazendo caras e bocas.Agora nos resta saber quem é a bela morena da foto que roubou o coração do nosso galã.

Bye, bye, Marcela! caçoa, encerrando o vídeo com um irônico tchauzinho.— Conseguimos! — Luana balbucia esfregando os olhos. No fim das contas, o beijo que ela

julgara ser de verdade, pelo menos resultara em algo positivo.

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Cristian não levantou cedo como de costume, até porque raramente trabalha aos domingos.Estava desanimado e sentindo-se péssimo com sua atitude impensada.

Havia acabado de falar com Val e dado permissão para que ela espalhasse a nota oficial.Agora não havia mais volta, ele e Luana eram o casal da semana, talvez do mês. A assessoraficara transtornada com a notícia, mas ele não estava disposto a discutir sua vida particular comela, até porque não aceitaria numa boa, como fizera Margarida e seus outros empregados.

— Essa mulher não faz o seu tipo, Cristian, acorda! Ela é simples demais pra você, feiademais, sem graça demais... O que mais você quer eu diga para que caia na real? — Haviagritado do outro lado da linha.

— Essa é a questão, não quero que diga nada. Você é paga para cuidar da minha carreira; daminha vida amorosa cuido eu! — Cristian revidou mal-humorado. Luana podia ser tudo, menosfeia ou sem graça.

— Ok, depois não diga que não avisei. — Val sequer se despediu, desligou na sua cara.Cristian respira aliviado. Se fora capaz de convencer sua assessora, mesmo sendo tão

perspicaz, poderia convencer Marcela também.Seu celular volta a tocar, mas ao contrário do que pensou, não se trata de nenhum repórter

querendo detalhes de sua atual namorada.— Cara, que voz de sono é essa? Não me diga que esqueceu do jogo — Diego, um de seus

amigos dos tempos da faculdade, não poderia ter ligado em melhor hora.Naquela tarde, Flamengo e Vasco se enfrentariam no Maracanã, Cristian não pretendia perder

o jogo por nada nesse mundo. A expectativa de ver seu time jogando renova-lhe os ânimos.

Como era de se esperar, o clima entre Cristian e Luana está tenso, eles mal se cumprimentamquando se encontram à mesa do almoço. Depois disso, não trocam uma única palavra sequer.

Luana prefere assim, seria muito mais embaraçoso se Cristian puxasse o assunto do beijo nanoite anterior. É com alívio que ela termina o almoço e deixa a mesa, usando a desculpa de queprecisa fazer uma ligação.

Por volta das três horas, Luana desce as escadas dirigindo-se à sala de estar, onde se aninhano confortável sofá esperando o início do jogo. Liga a imensa televisão, que ocupa grande parteda parede em frente, incapaz de conter um sorriso de satisfação. Assistir ao jogo naquelatelevisão de última geração será quase como estar no estádio.

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Bufa ao constatar que ainda falta uma hora para o jogo começar. Ok, reconhece que foge àregra: é uma das poucas mulheres apaixonadas por futebol, mas a culpa é toda de seu falecidopai; outro fanático como ela. Pensativa, pergunta-se o que o pai diria se ainda estivesse vivo esoubesse que, de colorada de corpo e alma, ela se transformara em flamenguista roxa quandodescobrira ser o time do coração de seu ídolo.

Sinto tanta falta de vocês dois, pai e mãe!O relógio mostra que apenas cinco minutos se passaram desde que ela chegou à sala, é tolice

ficar sentada durante quase uma hora esperando pelo jogo.Levanta-se e vai até a cozinha beber um copo de água, mas pensa em voltar de fininho ao ver

Cristian, vestindo a camiseta do Flamengo, conversando com Marga. Porém, ele percebe suapresença.

— Você vai assistir ao jogo no estádio? — A vergonha cede lugar à curiosidade. Seus olhosbrilham de excitamento.

— Sim, vou com alguns amigos. Por quê? — pergunta tentando mascarar o mau humor.Luana não tem culpa de nada, não a usaria para descontar sua frustração.

— Posso ir junto? Torcemos para o mesmo time e sou louca por futebol, adoraria conhecer osjogadores, pedir autógrafo, foto... essas coisas de fã — tagarela empolgada sem nem parar parapensar que está agindo de maneira tão natural, totalmente desarmada. Totalmente Luana.

— Você parece ter bastante ídolos, não? — ele ironiza levantando uma sobrancelha.Luana demora alguns segundos para entender o significado do ponto de interrogação quase

visível em sua testa. Ele está enciumado? Aquilo é tão fantástico que ela tem vontade degargalhar. Em vez disso, o encara e continua enumerando os incontáveis atributos físicos dogoleiro, do atacante e de todos os outros jogadores dos quais lembra o nome.

Ele ri sem achar graça.— Quer saber, você não é torcedora coisa nenhuma. Se fosse, estaria muito mais interessada

no jogo do que no físico dos jogadores — diz saindo da cozinha, deixando uma Luana com osnervos em frangalhos por ter perdido a única chance que tivera na vida de ver seu time jogando,ao vivo e a cores.

Ela volta para a sala e não relaxa até ver seu time aparecer no televisor, dando os primeirostoques na bola. Nem repara que, de tão ansiosa que está, já devorou quase um pacote inteiro debiscoitos de chocolate fazendo uma verdadeira bagunça à sua volta. Porém, Margarida, sempreatenta e solícita, aparece com um pequeno aspirador de pó, pronta para sugar cada minúsculofarelo que encontrar pela frente.

— Tenha a santa paciência, Marga, você tem todos os cômodos da casa pra limpar, precisa virjusto aqui, agora, neste momento? Não viu que o jogo está começando? Prometo que depoisdeixo tudo limpinho...

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— Não tô acreditando. Pensei que estava brincando ou provocando o Cris quando disse queera louca por futebol! — ela recolhe seu material e sai torcendo o nariz e resmungando. —Pobre, Cris, trocou uma louca por outra.

— Eu ouvi isso, hein, dona Margarida! — Luana grita mas não contém uma risada. Marga éimpossível, vive resmungando e reclamando das suas bagunças, mas Luana já aprendeu a amarcada pedacinho da personalidade dela.

— Gol. Gol. Gooooool! — grita eufórica pulando do sofá e dançando pela sala.— O que aconteceu? — Marga entra na sala ofegante e com cara de espanto.— Olha isso, após quarenta minutos do segundo tempo, o meu time fez o gol de desempate.

— Luana abraça a empregada pela cintura e tenta erguê-la sendo totalmente malsucedida em seuintento devido ao tamanho desproporcional das duas. Acabam caindo na risada, ambas estiradasno belo e caro tapete persa.

— Não entendo muito sobre futebol — Margarida comenta quando se recompõe —, mas seique um jogo tem a duração de noventa minutos, isso significa que faltam cinco minutos para ojogo acabar. Nesses cinco minutos, o time adversário pode fazer um gol.

— Mar-ga-ri-da! Você é vascaína, sua traíra! — a acusa com olhos arregalados de surpresa.— Por isso estava querendo ligar o aspirador, estava secando o jogo, sua... sua...

Margarida ergue as mãos em forma de rendição e sai da sala segurando a barriga de tanto rir.— Isso, vai rindo, vai. — Luana aumenta o volume da televisão balançando a cabeça.

Vascaína! Era só o que faltava.São os últimos minutos de jogo, seu time tem que fazer tempo para não permitir que o Vasco

marque mais nenhum gol. E é o que os jogadores fazem. Minutos depois o apito do árbitro soaanunciando o término do jogo. Mais uma vez seu time ganhara!

— Suas mandingas não fizeram efeito, Marga. Meu time ganhou, ouviu bem? Ganhou! —Luana invade a cozinha feito uma adolescente.

— Quem disse que eu sou vascaína, sua boba? Só estava tirando onda, como vocês jovenscostumam dizer — Margarida enxuga as mãos num imaculado pano de prato dando de ombros.

— Tirando onda, sei... Vou sair pra comemorar — avisa atirando-lhe um beijo.Luana pega as chaves e sai com a SUV branca, havia recebido permissão de Cristian para

usá-la quando quisesse.Não demora para encontrar uma fileira de carros cujos motoristas buzinam e o resto da galera

balança bandeiras do Flamengo, comemorando a vitória do time. Luana segue a trupe, acenando,buzinando e gritando quase a ponto de ficar rouca.

De repente, uma cena chama-lhe atenção e ela diminui a velocidade. Uma mulher, quecuriosamente não lhe é estranha, está chutando o pneu do carro com uma raiva incontida.

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Quando a mulher ergue os olhos e avista a SUV, começa a acenar pedindo que ela pare.Luana dirige mais alguns metros até estacionar a caminhonete do lado oposto ao que a mulher

se encontra, então desce do veículo e atravessa a rua, tentando não gritar de euforia ao se darconta de que está diante de ninguém menos que Gabriele Damasceno, a atriz revelação do ano,colega de Cristian na novela das nove.

— Ai, que droga! Me desculpe por fazê-la parar. É que eu reconheci o adesivo dacaminhonete... Pensei que fosse o Cris — ela explica, as mãos caindo ao longo do corpo.

Ela deve ter a sua idade, Luana deduz, e é muito mais linda pessoalmente.— Eu peguei a caminhonete emprestada — esclarece um pouco sem jeito por estar na frente

de uma superestrela da televisão brasileira. — Mas posso ajudá-la se precisar — oferece comdelicadeza. E antes que perca a coragem, prossegue: — É um grande prazer conhecê-la, admiromuito seu trabalho.

— Ai, minha nossa, não acredito que minha ficha só caiu agora. — Gabriele estende a mãopara cumprimentá-la, Luana estranha o gesto espontâneo até a atriz continuar, após tê-la puxadopara um abraço carinhoso: — Você é a garota que está bombando nas redes sociais. Não deviasair sozinha, hein? Já, já, o pessoal te reconhece e você não tem mais um segundo de paz.

— Eu... — Luana não sabe bem o que dizer. Está no meio da rua conversando com uma atrizfamosa que não para de tagarelar, como se realmente estivesse muito feliz em conhecê-la. —Acho que você corre mais riscos que eu — brinca.

— Sei disso, mas essa droga de carro resolveu me deixar na mão bem aqui, no meio do fervo— comenta olhando inconformada para o carro quebrado. — Mas, vem cá, então é sério esselance com o Cris? Cheguei a pensar que fosse sensacionalismo barato. — Torce o nariz, Luanaconclui que esse tipo de assédio é muito comum na vida dela, de Cristian e da maioria dos outrosfamosos.

— Dessa vez é verdade — Luana confirma, o coração batucando no peito, cheio de umorgulho que não deveria ser seu. — Cris e eu estamos juntos.

— Que bom. Torço muito pela felicidade do Cris, ele é um ser humano extraordinário,merece alguém que o ame de verdade — diz sorrindo, mas parece sem graça assim quepronuncia as palavras.

— Você já chamou um guincho? — Luana muda de assunto evitando que ela se sintaconstrangida por ter tocado em um assunto delicado.

— Já, mas eles estão demorando.— Acho melhor esperarmos dentro do meu carro então — Luana sugere. — Não vai demorar

para a galera te reconhecer e se isso acontecer vai ser muito mais difícil sair daqui.Enquanto esperam pelo guincho, a conversa flui. Gabriele quis saber como Cristian e ela se

conheceram e, como não havia pensando em nada melhor, Luana decide contar sobre sua

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maratona correndo atrás da ganhadora do ingresso premiado para o inesquecível jantar com oator.

— A verdade é que eu sempre fui apaixonada por ele —confessa, amando a sensação depoder ser completamente verdadeira, pelo menos naquele aspecto.

— Você e o resto da população feminina deste país — Gabriele graceja revirando os olhos.— Você também? — Luana pergunta sem conseguir segurar a língua.— Ah, não, não, fique tranquila. Cristian é lindo, gostoso e irresistível, mas sempre o vi como

amigo mesmo. Gosto de homens morenos — responde em tom de confidência.— E existe algum moreno na sua vida que a mídia ainda não tenha descoberto e contado pra

nós? — Luana pergunta, ciente de que está xeretando, mas incapaz de não fazê-lo estandoconversando assim descontraidamente com alguém tão importante.

— No momento estou sozinha. — Dá de ombros. — Passo tanto tempo gravando que não mesobra tempo pra ter algo mais sério...

— Ah, Gabi, a gente sempre encontra um tempinho para o amor. Mas acho que entendo você— diz, pensativa. — Deve ser bem difícil conseguir manter um namoro longe dos olhos damídia, por isso vocês preferem relacionamentos sem compromisso... pelo menos é isso que ouçoa maioria dos artistas falarem.

— Pior que não é isso... Sério — Gabriele reitera quando vê dúvida nos olhos de Luana. —Eu realmente não sou o tipo de mulher que tem aversão a compromissos.

— Então? — Luana a incentiva.— Ainda não encontrei o homem certo, essa é a verdade. — Luana sorri e ela continua: —

Ninguém acredita quando falo, mas é verdade. Ainda sonho com o dia em que vou encontrar ohomem que fará minhas pernas amolecerem e me despertará aquela famosa sensação deborboletas voando no estômago, exatamente como acontece com as personagens que interpreto.

— Uau! — Se essa é a descrição de uma mulher apaixonada, então estou seriamenteencrencada , Luana pensa. — Você é linda e simpática, não vai demorar para encontrar o caraque despertará tudo isso em você — assegura-lhe.

As duas sorriem.— Espero que sim. Não estou à procura de um namorado, mas confesso que, como toda

mulher, sonho em encontrar meu príncipe encantado.Luana aponta o dedo indicador em direção à rua.— Ele chegou!— Ai, minha nossa, não me diga que está num cavalo branco também.— Estou falando do guincho. — E as duas caem na gargalhada como se fossem grandes

amigas.

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Cristian chega em casa eufórico, com os cabelos desalinhados e uma bandeira do Flamengoenvolta no corpo, como se fosse um manto. Está cansado também, o assédio dos fãs é sempremais intenso quando sai sem os seguranças, mas naquele dia nem isso o aborreceu, o título deseu time é só o que importa.

Sobe correndo as escadas para tomar um banho, mas não resiste à tentação de provocar Luanaquando passa em frente ao quarto dela. Será que ela ficará feliz com o presente?

— Ei, onde você se meteu, flamenguista falsificada? Trouxe uma camiseta com o autógrafode todos os jogadores pra você — avisa imaginando que ela esteja tomando banho ou no closet.— Não me diga que dormiu na banheira outra vez — brinca.

Nada, nenhuma resposta.Negando-se a admitir que está decepcionado, vai até a cozinha perguntar a Margarida sobre

ela.— Luana saiu com a caminhonete dizendo que ia comemorar a vitória do Flamengo —

informa dando de ombros ao notar o olhar interrogativo do patrão.— Aposto que fez isso para me provocar porque não quis levá-la ao estádio — responde com

um sorriso torto.— Eu não apostaria se fosse você. Luana assistiu ao jogo com o maior entusiasmo, depois me

explicou que deixou de ser colorada para torcer para o Flamengo quando soube que era seu timedo coração... E isso faz anos! Ah, e ela quase cortou meu pescoço fora porque inventei de passaraspirador no sofá enquanto ela assistia à partida — Margarida despeja num fôlego só.

Cristian começa a rir só de imaginar a cena. Àquela altura, Luana devia estar bem magoadacom ele por ter se recusado a levá-la junto ao estádio. Droga, como ele poderia saber que ela eramesmo fã de futebol quando só fizera questão de falar do traseiro dos jogadores?

— Vamos, eu levo você pra casa, Gabi, é só me dizer onde fica — Luana se prontifica. Nãofaz sentido deixá-la ali esperando pelo Uber quando tem a caminhonete de Cristian só para si e

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nenhum compromisso pelas próximas horas, quiçá dias.— Eu estava pensando em outra coisa — Gabriele eleva as sobrancelhas num gesto sugestivo.

— Poderíamos ir ao Bar do Édi, fica perto dos estúdios da Rede Mundo. Suponho que vocêainda não teve tempo de conhecer, então, que tal?

— Os fãs te deixariam em paz? — responde com outra pergunta.Não pode negar que está se sentindo a última bolacha do pacote por ser convidada por

Gabriele Damasceno para conhecer um de seus lugares favoritos, mas, com o sucesso que a atrizvem fazendo, é bem provável que não tenha sossego em lugar algum.

— O Édi é meu amigo e o lugar é frequentado quase que exclusivamente pela galera da RM— explica penteando os cabelos platinados com os dedos.

Isso significa que poderá dar de cara com dezenas de atores e atrizes da Rede Mundo? Oconvite é tentador demais para que ela sequer pense em recusar.

— Tudo bem. Bora conhecer o tal Bar do Édi — responde bem mais empolgada do quepretendera demonstrar.

— Você deveria avisar o Cris, não? — Gabriele sugere indecisa quando Luana dá partida nacaminhonete. — Ou... talvez seja melhor nem avisá-lo mesmo. — Mostra a língua num gesto demoleque travesso. — O bar está sempre recheado de homens maravilhosos e o Cris é ciumentopra caramba — finaliza rindo.

— Ele sabe que o amo e que não o trocaria por nenhum outro homem maravilhoso. — Estásendo sincera e isso a assusta, porque naquele momento não está representando nenhum papel.

O Bar do Édi é, na verdade, um pub dos mais lindos e aconchegantes. Luana tem a sensaçãode ter entrado em uma das novelas da Rede Mundo. Sim, porque, além do cenário de tirar ofôlego, ainda desfruta da visão dos sonhos com tantos artistas descontraídos, se divertindonaquele finalzinho de domingo.

— Como é possível que os fãs de todos esses artistas ainda não tenham descoberto esselugar? — Luana pergunta embasbacada enquanto se acomodam no deque, nos fundos do bar,onde a vista é espetacular.

— Eles até sabem sobre o bar, mas entrar aqui não é pra qualquer um, se é que me entende.— Gabriele revira os olhos e torce os lábios.

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— Entendo. — Ah, sim, Luana entende perfeitamente bem. Aliás, entende o suficiente parasaber que não poderá consumir nem mesmo um copo de suco se não quiser pagar mico, uma vezque tudo o que possui são dez reais amassados no bolso do short jeans.

— O que vai pedir? — Gabriele pergunta antes mesmo de chamar o garçom.— Tenho dez reais, será que paga um copo de água nesse paraíso frequentado por astros e

estrelas? — decide ser sincera, ficaria muito mais constrangida se bancasse a musa da dieta.Gabriele solta uma sonora gargalhada e oferece o punho, num gesto típico masculino. Luana

aceita o cumprimento, divertindo-se com a espontaneidade dela.— Você pode pedir o que quiser; eu a convidei, eu pago. Mas da próxima vez não tem a

desculpa de ter esquecido a carteira — brinca.— Pelo menos, hoje, você tem certeza de que não fiz de caso pensado — retruca, rindo

também para, em seguida, ficar séria. — Vem cá, você não se importa com a maneira como estouagindo com você? Como se a conhecesse e fôssemos amigas desde sempre? — pergunta meiosem graça.

— Você é a gata do meu melhor amigo. Nossos destinos acabariam se cruzando mais cedo oumais tarde — afirma sem cerimônia antes de chamar o garçom e pedir cerveja e casquinhas desiri.

Luana intercepta o garçom quando ele se prepara para se retirar.— Pra mim pode trazer suco de abacaxi com hortelã em vez da cerveja.— Oh, esqueci que você está dirigindo — Gabi se desculpa.— Ah, não, não é por isso. Eu realmente não bebo.— Nem uma cervejinha quando está fazendo um calor infernal como hoje? — Gabriele

pergunta incrédula, porém Luana não ouve mais nada.Na outra extremidade do bar, o homem inconfundível, com braços cheios de músculos à

mostra, faz seu coração disparar, como se ela estivesse vendo-o pela primeira vez. Cristian estáde costas e conversa animadamente com um grupo de rapazes que vez ou outra olha na direçãoda mesa onde ela e Gabriele estão.

Luana sente as mãos suarem e esfrega no short sem se importar em sujá-lo. Torce para queGabriele continue sem notar a presença de Cristian. O que fará se ela o enxergar e o chamar?Não haviam combinado nada, nenhuma cena, nem mesmo tinham um plano, ela e Cristianpoderiam facilmente colocar tudo a perder se ambos respondessem às perguntas de Gabi comafirmações diferentes.

Teria alguma maneira de sair de fininho sem ser notada? Mas o que diria a Gabriele?Não tem jeito, está enrascada, pra variar.

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— Disfarça e olha atrás de você, Cristian. Tem uma mulher linda olhando pra cá. — Um de

seus amigos cutuca-lhe o braço que ele afasta irritado.— Se é tão linda, olhe você. Não tô a fim, cara.— Mas é claro que eu vou olhar, só estava querendo dividir a “paisagem” com você, mas fica

aí com esse mau humor e perca a chance de apreciar a beleza de uma mulher de parar o trânsito.— Volta a cutucá-lo apenas para provocá-lo e fazer a festa dos amigos, que estão se divertindo àbeça com a cena.

— Quem vai chegar nela? Vamos de par ou ímpar? — outro amigo entra na disputa.— Meu, vocês são muito infantis. Juro que não sei porque ainda saio com um bando de

idiotas! — Cristian bufa, mas um sorriso torto acaba escapando de seus lábios. Eles são idiotas,infantis e agem como retardados, mesmo tendo passado dos quarenta, mas ainda são os seusamigos.

— Jura que não quer entrar na disputa? — O moreno alto e metido a hipster pergunta,coçando a barba espessa.

Cristian vira-se devagar na direção de onde seus amigos não desgrudam os olhos e quaseengasga com a bebida ao deparar-se com o sorriso lindo e nervoso de Luana.

— É a minha garota, seus imbecis... — vocifera feito um cão raivoso sem nem se dar conta daespontaneidade do gesto.

— Deixa de ser mentiroso, cara. Todos nós aqui sabemos que você ainda é apaixonado pelasua ex.

Uma expressão desdenhosa surge em seu semblante. Agora sim decide atuar com maestria.Luana é seu troféu. O olhar duvidoso dos amigos o enche de coragem.

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— Vocês não andam muito ligados nas notícias, pelo visto. — Arqueia as sobrancelhasdesafiando-os.

Um segundo depois, os três amigos que ocupam a mesa junto dele estão com seus celularesem punho, teclando rapidamente.

— Desgraçado!— Puta que pariu!— Minha mãe é que tá certa quando diz que nunca devemos confiar nos sentimentos de um

ator — diz Rafael, o amigo de rabo de cavalo e barba grande.— Aposto que sua mãe adotou o ditado para usar em relação a você — Cristian retruca, feliz

em ver os três de queixo caído.— Vai apresentá-la, pelo menos? — pergunta o mais jovem do grupo, esperançoso.— Só se eu fosse um idiota, o que não é o caso — caçoa, já se levantando e caminhando em

direção à mesa de Luana.

Luana conta até dez mentalmente, respira fundo, planta um sorriso descontraído nos lábios eentão levanta quando Cristian se aproxima com aquela energia intensa, só dele. Desta vez, elaestá preparada, não o beijará apaixonadamente, sem reservas, como ontem.

Acontece uma rápida troca de olhar, um acordo mudo entre os dois. Luana estica os braços,levando as mãos ao pescoço de Cristian, como se o gesto íntimo fosse algo muito natural e éinvadida pelo cheiro másculo que emana dele; uma mistura de sabonete, loção pós-barba e umperfume simplesmente estonteante, que deduz ser importado, pois jamais sentiu aroma tãoperfeito antes.

O beijo espetacular que trocam é muito mais intenso do que planejaram. Cristian sente umfrio no estômago que não o acomete quando está em cena com a colega de elenco, e isso é osuficiente para fazer com que afaste os lábios daquela tentação em forma de fã. No entanto,depois daquele show que haviam dado, ele não pode simplesmente abandoná-la ali, por isso amantém ao seu lado, a mão apertando-lhe a cintura com mais força do que deveria.

— O que está fazendo aqui, Lu? — É gratificante para Cristian perceber que sua voz continuafirme após o beijo. — E... como conheceu a Gabi? — pergunta desconfiado.

Antes que Luana possa abrir a boca, Gabriele levanta de onde está sentada e se posicionadiante dos dois, os olhos arregalados, ambas as mãos cobrindo a boca para abafar os risinhos

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empolgados.— Caraca! Cris, meu querido amigo, como foi que você superou a... — A frase morre antes

de ser completada e sua expressão de euforia se transforma em embaraço. — É... eu...— Tudo bem, Gabi, não precisamos de cerimônia. A Luana sabe de toda a minha história

com Marcela... Enfim, acho que não preciso responder a sua pergunta com palavras, hum? —brinca, cheirando o pescoço de Luana para confirmar o que acaba de dizer.

Luana só espera ter resistência para aquela doce tortura. Atuar com Cristian Fedrizzi nunca,jamais dará certo.

Os três sentam-se à mesa enquanto Gabriele, já recuperada da suposta gafe que julga tercometido, conta a ele como se conheceram.

— Enfim, eu sinalizei pensando que fosse você, a Luana acabou me reconhecendo e meajudou com o carro quebrado — finaliza comendo a quinta casquinha de siri, fazendo Luana seperguntar como é possível manter um corpo como o dela comendo tanto assim.

— Não sabia que, além de todas as suas qualidades, você também é mecânica, meu amor —Cristian graceja tirando-a de seus devaneios.

Ela joga a cabeça para trás num riso gostoso antes de bater com força no braço dele.— Deixa de ser bobo. — Gabi também ri, migrando do copo de cerveja para o de água. —

Agora, falando sério, estou muito feliz por vocês. — Existe uma emoção genuína em suaspalavras que não passa despercebida aos olhos de Luana e Cristian. Vocês são perfeitos juntos eme fazem desejar um amor igual — confessa.

Luana se remexe na cadeira, sentindo-se desconfortável com o comentário de Gabi. Elamesma também deseja um amor igual aquele. Quem não desejaria? Mas sabe que precisabloquear esses pensamentos, entrar por aquele caminho de comparações pode ser seu fim.Precisa aproveitar o que o momento lhe oferece, que, diga-se de passagem, é de mentira, é umailusão, mas numa irônica contradição, é de verdade. Sim, porque Cristian é de carne e osso enaquele momento tem os dedos entrelaçados aos dela, acariciando-os como se o gesto fosse algocomum entre eles.

— Obrigado, estamos muito felizes — Cristian responde pelos dois quando percebe queLuana ficou tempo demais sem dizer nada.

— E também tem toda essa coisa de “loiro e morena”, queijo com goiabada, café com leite,pão com manteiga... essa química perfeita, sabe? Minha nossa, vocês dois formam um casal tãolindo que chega a doer os olhos — Gabriele recomeça animada, desfazendo completamente o nóde angústia que se instalara no coração de Luana segundos atrás.

Os três começam a rir com suas comparações. Gabriele é hilária. Luana jurava que aquelebom humor todo que ela emanava na novela fosse devido à personalidade da personagem, masacabava de confirmar que não, Gabriele Damasceno é a animação em pessoa.

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— Mas não se acha não, tá, Cris, porque Luana é muito mais deslumbrante que você —conclui limpando a boca após ter acabado com as casquinhas de siri que haviam no prato.

— Parece que meus amigos também pensam assim. — Ele faz um movimento com a cabeçaem direção à mesa deles.

— Ai, não acredito, é o Rafa? Vamos nos juntar a eles — Gabi propõe já levantando-se.A ideia não o agrada, mas Cristian não tem outra opção a não ser acompanhar Gabriele e

Luana até a mesa onde os marmanjos babam despudoradamente pela sua amiga e sua“namorada”.

Luana apreciou muito a companhia dos rapazes, eles são divertidos e espirituosos. Noentanto, ela tem a impressão de que Cristian não está à vontade. Talvez ele e Marcela fossemacostumados a sair com aquelas mesmas pessoas. E quem sabe, naquele momento, ele estivessesendo invadido por todo tipo de lembrança da ex.

Disposta a voltar para casa e deixá-lo ali com os amigos para que pudesse relaxar e ser elemesmo, Luana se levanta e despede-se de todos, afirmando que foi um prazer conhecê-los.

— Fiquei de ligar para uma amiga do Sul a fim de tratar das pendências chatas que deixeiquando vim para o Rio e prefiro ligar de casa que é mais tranquilo — mente, mas tem certeza deque seu sorriso espontâneo foi convincente. Estou ficando boa nisso.

— Eu levo você. — Cristian se levanta prontamente pousando a mão em sua cintura.— Obrigada, querido, mas estou com a caminhonete. — Pelo menos poderia respirar

normalmente na volta para casa, aquela proximidade constante a estava deixando apavorada.— Emprestei para a Gabi enquanto seu carro não fica pronto — Cristian explica, sem deixar

de sorrir, ciente de que Luana pretendia manter-se afastada dele.— Não se importa, não é, Luana? — Gabi pergunta preocupada.— Imagina, claro que não. — Inclinando-se, a beija no rosto em despedida. — Espero

reencontrá-la qualquer dia desses.— Quando você quiser. Adorei conhecê-la. Você não se parece nem um pouco com aquela

arrogante que não suportava minha amizade com o Cris. — Ela olha de soslaio para o amigo e dáde ombros. — É verdade, você sempre soube o que eu acho dela, Cris.

— Vamos deixar Marcela no passado, ok? — Cristian interpela e, pelo modo como saltam-lheos músculos do maxilar, Luana tem certeza de que ele está fazendo um grande esforço para não

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explodir com Gabriele.

Quando entram no Porsche, Cristian já está relaxado e volta a ser o mesmo de sempre,totalmente no controle de suas emoções.

— Qual é o problema com você? — pergunta sorridente dando partida no carro.A pergunta direta a pega desprevenida.— Problema? Do que está falando? — inquire prendendo o cinto de segurança.— Tive a impressão de que não queria vir no meu carro. Prometo que não vou mordê-la —

brinca.Pensa rápido, Luana. Pensa rápido!— Você deixou claro que eu seria uma intrusa no jogo, achei que eu poderia ser uma intrusa

no seu carro luxuoso também — improvisa, sorrindo, satisfeita com sua criatividade.— Ainda está chateada com isso? Você está sendo infantil, Luana. — Reconhece que não foi

legal de sua parte ter se recusado a levá-la para assistir seu time do coração, mas haverá outrasoportunidades.

Luana olha para o outro lado, prestando atenção nos prédios e casas que ficam para trás.Giovane a havia acusado um milhão de vezes de ser uma idiota infantil quando descobrira suapaixão pelo ator. Que ironia agora o ator em questão repetir as mesmas palavras! Permanece emsilêncio por um longo tempo refletindo sobre a loucura que está vivendo. Lembrar de Giovanenão ajuda em nada. Como poderá haver harmonia entre eles depois de terem humilhado tanto umao outro no passado?

— Me desculpe por dizer que você é infantil e... por não tê-la levado ao estádio para assistirnosso time jogar — Cristian quebra o silêncio.

Luana o encara, as sobrancelhas erguidas, um brilho de surpresa no olhar. Então ele haviapensado que seu silêncio era por estar magoada com algo que ele dissera ou deixara de fazer?

— Deve ter sido muito difícil para o importante Cristian Fedrizzi pedir desculpas a alguémtão insignificante como eu — ironiza. Não devia ter falado as palavras naquele tom, percebe oerro tão logo as pronuncia.

— Não vou implorar por compreensão, fiz isso durante um longo período e estou cansado. —O sorriso transforma-se em irritação. Luana abre a boca, mas não consegue falar nada, tamanhasurpresa. — Sempre fui o bom moço, aquele que entende os outros, o politicamente correto, o

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que se sente culpado mesmo quando não tem culpa de nada e olha o resultado: cada vez meafundo mais na merda.

Luana poderia ter se ofendido com aquela explosão, mas sabia que Cristian não estava sedirigindo diretamente a ela. Os últimos meses haviam acabado com seu orgulho e ele semantivera firme, era natural que em algum momento não aguentasse mais ficar com todo aquelesentimento só para si.

Porém, sua personalidade forte não permite que ela permaneça ali quietinha, ouvindo aspalavras que deveriam ser ditas a Marcela Alves. Quer acalmá-lo, abraçá-lo, beijá-lo e dizer a eleque tudo ficará bem. Mas quer fazer isso como Luana, não como a falsa namorada.

— Se está insinuando que a merda sou eu, então me vejo obrigada a me defender — respondetentando não gritar. Já haviam chegado na mansão e não seria nada bom se os empregados osvissem brigando. — Alguém precisa dizer pra você que a merda, a grande merda da sua vida, éMarcela...

A cachorra que não soube valorizar o homem maravilhoso que tinha. A idiota que conquistouo amor dele para, em seguida, jogá-lo na lata do lixo. A mulher que talvez nunca tenha chegado aamá-lo. Luana queria que, pelo menos, um terço daquele amor fosse destinado a ela. Se umhomem a amasse da mesma maneira algum dia então se sentiria a pessoa mais afortunada daTerra.

— Me desculpe, esqueça o que eu disse — ela prossegue, arrependida por ter cedido aos seusimpulsos. Sai do carro balançando a cabeça.

Ótimo, Luana, você conseguiu sua passagem de volta para o Sul.

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Durante as gravações, Cristian recebera vários “puxões de orelha” do diretor por sua falta de

concentração. Agora, encaminhando-se para o escritório de Giovane, sente a irritação consumi-lo– além de fome, sede, calor, raiva, culpa... A lista é interminável. E ter que dar de cara com oamigo naquele péssimo dia promete só agravar a situação.

Não era de admirar a terrível dor de cabeça que não o abandonara desde o instante em queexplodira com Luana, no dia anterior. Aliás, por conta disso, passara a noite em clarorememorando todas as coisas idiotas que dissera. Não é hipócrita, reconhece que a culpa de seuataque histérico havia sido toda de Gabriele, que pintara Marcela como se fosse uma megera eele fora obrigado a se calar e fingir que concordava. Porém, Luana não tinha nada a ver com seuego ferido e ele lhe devia um pedido de desculpas. Pretendera fazer isso logo cedo, antes de sairpara as gravações, mas não obteve sucesso.

Quando soube que Luana já estava acordada, fez menção de ir até o quarto falar com ela, masMargarida o interceptou alertando-o de que a jovem estava concentrada, escrevendo os últimoscapítulos de seu novo livro. De maneira que tudo o que ele pôde fazer foi dar meia volta e ir parao trabalho, torcendo para que o personagem que ela criara não fosse um cretino explosivo feitoele.

— Sabia que já inventaram um aparelhinho chamado celular? — Giovane solta a frase antesmesmo de cumprimentá-lo. — Podia ter, pelo menos, mandado uma mensagem em vez de medeixar no vácuo todo esse tempo — reclama, atirando-se na cadeira giratória.

— Acontece que eu não estava a fim de falar com você — Cristian responde no mesmo tom.— Aliás, continuo sem a menor vontade.

— Qual é, cara, senta aí e me conta logo o motivo da carranca.

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— Vamos almoçar e conversamos, tudo bem? — Cristian suaviza as feições, mas permanecesério.

— Não estou com fome, mas acho que você não aceitaria não como resposta, então, bora lá— Giovane tenta descontrair. Conhece o amigo o suficiente para saber que a conversa que terãonão será nada fácil. Ele já estava preparado para isso!

Alcança seu tablet e faz algumas anotações, em seguida liga para a secretária, pedindo a elaque desmarque o almoço com seu sócio, o também advogado Roberto Almonte. Sabe comperfeição o motivo da presença de Cristian: Luana. Há muitos esclarecimentos a serem feitos eele pretende assumir a parcela de culpa que lhe cabe.

O restaurante que escolheram é bastante calmo, o que possibilita que almocem e conversemcom tranquilidade, sem a interrupção das fãs do ator.

— Acho que sabe por que vim procurá-lo desta vez, não sabe? — Cristian lhe dirige a palavrapela primeira vez desde que saíram do escritório.

— Não sou nenhum retardado, Cristian. É claro que sei porque você está aqui com essa carade quem está louco para me dar um soco no nariz. — O advogado retira os óculos escuros,depositando-os sobre a mesa antes de prosseguir: — Para ser honesto, estranhei que não tenhame procurado antes...

— Pode ir direto ao ponto — Cristian o corta. — Somos amigos, cara, quero que seja sincerocomigo. — Finalmente o ar pesado lhe abandona as feições, mas Giovane deduz que se devamuito mais ao aroma delicioso da culinária italiana do que por qualquer outra coisa.

— Luana e eu realmente tivemos um relacionamento anos atrás...— Não tenho dúvidas quanto a isso, acreditei em cada palavra de Luana e é por isso que estou

aqui. — Há um brilho de cumplicidade em seus olhos quando fala de Luana, que incomodaGiovane.

— Imagino que ela deve ter contado o canalha que fui...— Não conhecia esse seu lado covarde, Giovane. Por um momento quis acreditar que era

invenção de Luana, mas, mesmo não a conhecendo bem, sei que é incapaz de mentir.O garçom se aproxima e eles fazem o pedido.— É por isso que está aqui, não? Agora que já conhece a versão da Aninha, será que pode me

dar a chance de me explicar? — À essa altura, ele está começando a perder a paciência também.As sobrancelhas de Cristian se elevam num gesto desdenhoso ao ouvir o apelido carinhoso

pelo qual o amigo chama Luana. Mas acha melhor não interrompê-lo, a situação já é bastantecomplicada sem que precise colocar mais lenha na fogueira.

— Provavelmente você não sabe, mas o pai dela foi um homem com uma posição financeiramuito boa. Os pais dela tinham uma rede de fábricas de biscoitos na capital gaúcha e região.Porém, numa época de crise, ele fechou sociedade com dois primos e o resto você deve

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imaginar... Foi um péssimo negócio, em pouco tempo ele só tinha dívidas e não demorou paradeclarar falência. — Ele para de falar quando o garçom traz os pratos e a bebida. — Como nãopossuíam mais nada, acabaram se mudando para Caxias do Sul para tentar a vida numa novacidade, no entanto, ele morreu pouco tempo depois sem ter conseguido se reerguer. Mãe e filhaficaram desamparadas, mas dona Lenira era uma guerreira e, com muita dignidade, levantou acabeça e foi atrás de emprego...

Giovane leva mais uma generosa porção de massa à bolonhesa à boca, bebe alguns goles daCoca-Cola e continua:

— Pra resumir, dona Lenira conseguiu emprego num restaurante chiquérrimo e, como eramuito comunicativa, acabou conquistando a dona do estabelecimento que, compadecendo-se dasituação daquela mãe com uma filha pequena, e sem nenhuma proteção, entregou-lhe as chavesde uma quitinete no centro da cidade para que ela e Aninha não precisassem mais pegar trêsônibus até o serviço.

— A mãe da Luana a levava junto para o trabalho? — Cristian pergunta aflito, quase como sepudesse visualizar a cena descrita pelo amigo, que parecia ter entrado no túnel do tempo e estavaconcentrado lá.

— Sim, naquela época alguns empregadores ainda aceitavam isso. Bem, mas o foco não éesse — diz fazendo um gesto de “deixa pra lá” com a mão.

— Sim, tem razão, mas... não entendo. Você está me contando a triste história da vida da Lu,não tentando me convencer das suas razões por ter agido covardemente com ela — Cristianfinalmente chega ao ponto que o trouxera ali.

— Você a chama de Lu agora? — Giovane o interpela, incapaz de manter-se alheio aosentimento que volta com força total.

— Qual o problema? Você a chama de Aninha! — Cristian quase cospe as palavras e searrepende em seguida. Não tem nenhum motivo para agir assim. São dois adultos tendo umaconversa de adulto. Se não refrear seus impulsos, ele e Giovane acabarão brigando feito doismoleques apaixonados, o que não é o caso (pelo menos, prefere acreditar que não, ou terá sériosproblemas). — Tá legal, conclua logo a história porque não tenho muito tempo — diz por fim,verificando as horas na tela do celular.

— Só quero que entenda como e por que nos conhecemos... — Giovane suspira. — Bem, avelha senhora, dona do restaurante, manteve a mãe de Luana por muitos anos no emprego. Aquitinete foi um presente, se é que se pode chamar assim, mas nunca foi transferido para o nomede dona Lenira. Quando Luana tinha dezoito anos, a dona do restaurante faleceu e então vieramos problemas, a começar pelo emprego que a mãe dela perdeu. Os filhos da dona do restaurante adispensaram e queriam tirar-lhe o apartamento. Foi então que ela procurou meu pai, que nessaépoca advogava no projeto Justiça para todos, que beneficiava pessoas de baixa renda.

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— Foi quando você conheceu Luana e se apaixonou por ela — Cristian comenta começando ase interessar pela história.

— Não no sentido exato da palavra. Nós éramos muito jovens e nos sentíamos atraídos umpelo outro. Saíamos quase todas as noites, ela era uma das poucas garotas que me fazia rir, masera tão novinha...

— Seu pai concordava? — Cristian quis saber lembrando-se do Dr. Romualdo Alencar e seujeito conservador de ser.

— Meu pai não se opunha. O problema mesmo era dona Lenira. No começo, eu não entendiapor que ela era tão contra aquela relação... — Giovane torna-se sério subitamente, seu olhar tãogelado quanto um iceberg.

— Mas, cara, não acredito que você levou uma garota dessa idade para morar no seuapartamento! — Cristian o recrimina.

— Ela grudou em mim feito chiclete! — Giovane dispara com o olhar ainda frio. E antes queCristian possa questionar, prossegue: — Não me olhe assim, acredite quando digo que não estousendo convencido. Luana praticamente se mudou para o meu apartamento sem que eu pudessefazer nada para evitar isso. A princípio fiquei lisonjeado... Até descobrir que ela estava lá porvocê e não por mim.

Cristian arregala os olhos. Aquilo não faz o menor sentido. Acontecera cinco anos atrás,como ele poderia ter alguma ligação com aquela palhaçada toda?

— Em uma das nossas conversas, aninhados nos braços um do outro no sofá da casa dela,depois de termos assistido um filme, cujo protagonista era o famoso Cristian Fredrizzi, fiz abesteira de comentar que éramos amigos de infância.

O cérebro de Cristian passa a trabalhar velozmente. De repente, tudo começa a fazer sentido eo olhar frio de Giovane passa a ser totalmente compreensível.

— Luana...— Luana se mudou para o meu apartamento depois dessa revelação, mas eu fui tão tapado

que não me dei conta de que ela estava só me usando como trampolim para chegar até o seuamado ídolo. — Ele ergue a mão quando Cristian faz menção de falar. — Ok, eu entendo quevocê nunca teve culpa de nada, mas olha a ironia, cara! Eu encontro minha ex-namoradaexatamente no lugar onde sempre sonhou, inclusive, pisou em cima da própria honra para estar.É humilhante, pô. Não justifica os atos que cometi, mas será que você consegue se colocar só porum momento no meu lugar quando descobri toda a verdade? — Há tanta mágoa no olhar deGiovane que, por um momento, Cristian tende a minimizar seus atos violentos. Mas então selembra:

— Ela era só uma garota — diz, sentindo uma necessidade inexplicável de defendê-la.— Eu sei. — Giovane bebe mais um gole do refrigerante e respira fundo. — E nada justifica

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as atitudes que tomei quando soube disso. É por isso que estou disposto a passar uma borrachano passado — confessa abrindo um meio sorriso.

Cristian não lhe dá espaço para continuar. Talvez porque não queira que as coisas voltem aser maravilhosas entre Giovane e Luana, conclui a contragosto.

— E quanto a não deixá-la receber as amigas no seu apartamento? — pergunta sério. —Luana me disse que você tinha atitudes machistas quando estava com ela.

— Nunca fui machista, nem jamais a proibi de ver quem quer que fosse. Acontece que aAninha tinha uma “amiga” chamada Mari — ergue os dedos e faz o sinal de aspas parademonstrar o que diz — que vivia tramando em suas costas e não perdia uma oportunidade de sejogar em cima de mim. Tudo que eu tentei fazer na época foi alertá-la sobre a índole da garota.— Dá de ombros. — E o resto da história você já conhece. Uma noite cheguei bêbado ediscutimos um monte, até ela jogar na minha cara que estava comigo só pela chance de conhecervocê. Eu a machuquei e a deixei lá sozinha sem me importar com o que poderia acontecer.Peguei minhas coisas e voltei para o Rio. Juro que nunca me perdoarei por isso. Embora eu tenhainventado mil desculpas para o que fiz, talvez Aninha tenha razão e eu seja mesmo esse bandidoque ela está pintando.

Seu rosto demonstra um só sentimento agora: pesar. E é isso que faz Cristian abrir a boca paraformular a pergunta que está entalada em sua garganta desde o reencontro do amigo com a ex.

— O que você pretende fazer com todos esses sentimentos? — solta de supetão.— Aninha continua maravilhosa, mesmo estando tão diferente da garotinha que conheci. Ela

está espetacular! — Um sorriso sonhador adorna os lábios do belo advogado. — Tanto que nema reconheci.

Cristian estuda cada reação do amigo sem nada dizer. Seu coração bate num ritmo diferente,mas ele não está disposto a interpretar essa mudança. Não naquele momento. Não com seumelhor amigo perdido entre um milhão de fantasias.

— Talvez eu tenha interpretado tudo errado. Ela sempre gostou do meio artístico, écompreensível que quisesse estar na companhia de atores importantes como você — dizreflexivo, quase como se falasse consigo mesmo. — Talvez o destino a tenha trazido de volta pramim — completa sonhador.

Cristian, que já havia terminado de almoçar e bebericava um cafezinho, quase engasga. Temímpetos de levantar e socar a cara de Giovane. O que ele pensa que está fazendo? Agora é tardedemais. Luana é sua namorada, está comprometida com ele, mesmo que tudo não passe de puraencenação.

— Você quer reconquistar a minha namorada? — Finalmente consegue verbalizar a perguntaque o está deixando furioso.

— Um momento. — Ergue a mão em protesto. — Você está tendo um falso namoro com

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minha ex-namorada. Eu não estou atuando, você sim — completa irritado.— Nós dois temos um acordo, é diferente — afirma tentando voltar ao seu tom de voz

normal. — Além do mais, ela deu a impressão de que não suporta a ideia de vê-lo outra vez.— Não sabia que existe ciúme midiático também, brother — Giovane provoca.Cristian respira fundo e se recrimina mentalmente por ter falado sem pensar. Não tem

nenhum direito sobre Luana, a vida particular dela não lhe diz respeito. Porém, não está dispostoa deixar que namoros antigos coloquem a perder o teatro que a muito custo ele se convenceu aparticipar. Está disposto a lutar para que, pelo menos, o seu faz de conta dê resultado. E demaneira alguma deixará que Giovane estrague tudo.

— Não viaja, meu! Não tem nada a ver com ciúmes. O que acontece é que a imprensa está emcima de mim e da Luana, nós somos o casal da vez e, enquanto não aparecer a “próxima vítima”,estaremos na mira deles.

Giovane ergue uma sobrancelha, nada convencido.— Imagine se virem meu melhor amigo o tempo todo na cola da minha namorada? As

especulações começariam e o plano para reconquistar minha mulher iria por água abaixo —completa categórico.

— Quanto a isso, não se preocupe, sei muito bem ser discreto. — Faz um sinal para ogarçom, dando a entender que para ele o assunto está encerrado. — Posso conquistar Luana nosbastidores e, se ela me perdoar e me quiser de volta, espero o acordo de vocês acabar antes delevar a público.

— Duvido que ela perdoe você. — Cristian paga sua parte e encara o amigo. — Mas se quertentar... — Dá de ombros tendo que controlar a irritação que parece querer voltar com força total.

Os dois levantam e se encaminham para o estacionamento.— Você pode me ajudar a reconquistá-la. — Giovane o cutuca nas costelas, como fazia

quando ainda eram crianças. — Aninha tem admiração por você, tenho certeza de que ela oouviria se dissesse que eu sou o homem perfeito pra ela.

Cristian não disfarça a surpresa provocada pela autoconfiança nas palavras do amigo. Mas,quando responde, consegue disfarçar.

— Não sei...— Valeu, Cris. Eu sabia que podia contar com você. — O soco nada gentil no braço do ator é

algo automático e tão corriqueiro que ele nem se importa, só revira os olhos.— Eu ainda não concordei com nada, portanto, não tem que agradecer — responde dando de

ombros, dentro de si já sabe que foi vencido.— É um favor que estou te pedindo, Cris, vai. Quebra essa pra mim e eu prometo não

atrapalhar sua vida.— Vou falar com ela, ok? — Recebe outro soco no braço e, dessa vez, revida com muito mais

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força do que deveria. — Mas só pra você parar de encher minha paciência.

Como haviam saído no Porsche, Cristian leva Giovane de volta ao seu escritório. Durante otrajeto conversam trivialidades, como se a conversa séria que tiveram minutos atrás nunca tivesseacontecido. Porém, quando está se despedindo do amigo, à porta do prédio, Cristian sente umasúbita onda de franqueza invadi-lo.

— Giovane, preciso confessar uma coisa...— O quê?— Luana e eu nos beijamos naquela noite em que você esteve na mansão. — Um lado seu o

inocenta, afinal, ele não pode esconder algo tão importante do amigo, uma vez que ele estádisposto a reconquistar Luana. Porém, seu outro lado o alerta de que está sendo honesto por purodespeito.

— Se beijaram? Como assim? Por quê? — Giovane não consegue se controlar e a voz saialterada.

— Foi meio sem querer, acabou rolando. Ela estava chorando por ter ficado cara a cara comvocê, estava nervosa... — Cristian já está arrependido por ter abordado o assunto, por isso dá deombros tentando passar a impressão de que o beijo não foi nada de mais.

— Está falando do beijo que saiu em todos os programas de fofocas da televisão? — Eleparece aliviado. — Pensei que estivesse falando de outro beijo, de um beijo de verdade... Nãohouve um beijo de verdade, houve? — pergunta após uma pausa enervante.

— Pra mim não, mas para ela talvez... — Cristian deixa a frase no ar. Não está sendototalmente sincero. Aliás, àquela altura já nem sabe mais o que pensar sobre seus sentimentos.

— Foi só um beijo técnico, cara! — Giovane ri minimizando a tensão entre eles. — Nemparece que você é um ator acostumado a isso. Além do mais, Luana também já beijou outroscaras no teatro, fica “sussa”.

Giovane fazia com que tudo soasse simples e descomplicado, mas o beijo que havia dado emLuana em nada se parecia com os beijos técnicos que costumava dar a toda hora durante asgravações.

Após ter se despedido de Giovane, fica rodando pela cidade, resolvendo assuntos pessoais eprocurando a todo custo esquecer todas as questões que estão pendentes em sua mente.

Volta para a mansão quando já anoiteceu.

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Luana está começando um novo capítulo de seu livro quando Cristian entra. Ela está tãoconcentrada que leva um susto quando ouve a voz profunda e inconfundível soar atrás de si.

— Bati na porta, mas acho que você não escutou — se desculpa meio sem jeito.— Não tem problema. Eu estava focada no meu livro, não percebi você entrar.— Precisamos conversar — diz indo direto ao assunto.— Sobre o quê? — pergunta ficando tensa de repente.— Sobre Giovane. Nós almoçamos juntos, conversamos sobre você... Ele está arrependido.Luana não diz nada, apenas revira os olhos.— Acho que ele está sendo sincero dessa vez. — Cristian o defende, exatamente como

prometera ao amigo, mas não se sente bem com isso. — Pra falar a verdade, embora não aproveo modo como ele agiu com você, consigo entender como ele se sentiu quando tiveram aqueladiscussão.

— Ele te contou tudo, não foi? — Luana se levanta e vai até a janela onde fica admirando ojardim lá embaixo, incapaz de encará-lo.

— Contou. E só para que você saiba, também não a julgo, ok? — ele se apressa em explicar.— Você deve estar me achando uma idiota, isso sim. — Ela se vira e o encara pela primeira

vez encontrando um meio sorriso nos lábios de Cristian, que ele trata de disfarçar.— Eu acho que vocês dois agiram errado e deviam conversar. Se passaram muitos anos desde

então, as coisas mudaram, vocês amadureceram. — Ele não consegue sustentar-lhe o olhar, masainda assim prossegue: — Pelo menos, escute o que ele tem a dizer.

Luana pensou por um momento, talvez Cristian tivesse razão. Na época Giovane era novo,impulsivo e sem vivência, e ela fora a maior culpada quando praticamente se mudou para a casadele ao se ver deslumbrada pela possibilidade de conhecer o ator Cristian Fedrizzi.

— Tudo bem — diz por fim encolhendo os ombros com indiferença. — Diga a ele quepodemos conversar qualquer hora dessas.

Cristian assente com um gesto de cabeça e alguns resmungos que Luana não conseguedecifrar.

Quando sai do quarto, ela balança a cabeça sem entender nada. Afinal, ele queria que elaperdoasse o ex ou não?

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Luana mal vira Cristian nos últimos quinze dias. Todas suas horas eram destinadas a escrita

dos últimos capítulos de seu livro. Embora soubesse que talvez jamais tivesse coragem de trazersuas obras à público, a tensão, o nervosismo e a expectativa não a abandonavam toda vez queestava criando o desfecho de uma história. E daquela vez não era diferente, pelo contrário, tinhaum agravante: Cristian talvez quisesse lê-lo. Intimamente torcia muito para que isso acontecesse.Mas, ao mesmo tempo, pensava se não era melhor deixar o livro inacabado, só para ter umadesculpa caso ele demonstrasse interesse.

Confusa com a ambivalência de sentimentos decide que é hora de sair da mansão e respirar arpuro.

— Vai à festa hoje à noite? — Gabriele pergunta quando finalmente os fãs se afastam e elaconsegue se esticar na esteira a fim de aproveitar o sol.

— Que festa? — Distraidamente Luana pega um punhado de areia e deixa escorrer por entreos dedos.

— Não está sabendo sobre a festa dos melhores do ano? — Para por um instante parecendointrigada. — Cristian não lhe contou?

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Luana passa os dedos nos cabelos negros num gesto que denuncia nervosismo, depois selevanta da esteira e sorri.

— Ah sim... contou sim, mas eu havia esquecido completamente. — Tendo certeza de queCristian não a convidará, emenda: — Mas é claro que eu não vou. Devo estar vermelha feito umcamarão e não posso aparecer ao lado do Cris dessa maneira.

Gabriele revira os olhos antes de responder:— Que bobagem! Acabamos de chegar e o sol nem está tão forte. — E com ar zombeteiro

acrescenta: — E se essa é uma desculpa sua para não acompanhá-lo sinto informar que sua peleestá impecável, não vejo nenhum sinal de vermelhidão.

Luana estica o braço até alcançar sua bolsa, de onde tira a carteira e vê seu reflexo através dopequeno espelho. Dá de ombros desanimada ao constatar que Gabi tem razão, sua pele morenaestá do mesmo jeitinho que sempre foi, sem o menor sinal de manchas ou queimaduras de sol.

— Mas como eu não sou morena acho melhor irmos embora, do contrário minha pele vaisentir inveja da sua esta noite. — Gabi levanta-se também, coloca um vestido leve sobre obiquíni e conseguem escapar antes que uma nova onda de fãs se aproxime.

Luana volta para a mansão, quando chega sobe direto para o quarto, louca para tirar a areia eo sal do corpo. Tira o short e a camiseta, ficando apenas com o biquíni azul de bolinhas brancas,já ansiando pelo potente jato do chuveiro.

Ao passar em frente ao enorme espelho para de repente, admirando o próprio corpo esguio,porém com curvas discretas nos lugares certos. Sorri para seu reflexo num gesto deautoaprovação. Distraída, como sempre, só percebe a presença de Cristian quando, ao levantar acabeça, vê através do espelho o homem alto e másculo atrás de si.

— Por que não bate antes de entrar? — dispara irritada, sentindo as batidas do coraçãoreverberarem nos ouvidos.

— Eu bati, mas, pra variar, você não ouviu — se desculpa tentando não focar no corpo dela,tarefa quase impossível.

— O que quer? — pergunta mais irritada ainda vestindo um roupão para esconder suaseminudez.

— Não sei por que teima em esconder seu corpo de mim. — Cristian esboça o sorriso decanto mais estonteante que ela já viu na vida e Luana pode jurar que ele sabe perfeitamente que aestá enlouquecendo. — Não tem nada de mais... — a provoca.

— Quer me dizer por que veio aqui no meu quarto? — pergunta cutucando o esmalte daunha, fingindo não ligar para suas palavras.

— Ah sim, já ia me esquecendo o motivo de ter vindo aqui — confessa, mas não dá tempopara ela analisar a frase. —A RM está promovendo uma festa para a entrega do Troféu Melhoresdo ano. Eu estive pensando e... acho que a ocasião é perfeita para apresentá-la a todos.

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Ela não esperava por aquele ultimato.— Gabi comentou comigo sobre essa festa, mas pensei que eu não iria acompanhá-lo —

admite com honestidade. — Por que não avisou antes? Uma mulher precisa de tempo para ficarbonita — completa quase desgostosa.

— Você já é linda por natureza, Luana. — Seus olhos demonstram verdade quando a encara.— E quanto a ter avisado antes, eu até tentei, mas você vem se esquivando de todas as formaspossíveis.

Tinha que admitir, mesmo a contragosto, que nos últimos dias estivera fugindo dele.Intimamente sabia o porquê: se sentia cada dia mais ligada à Cristian. Cada gesto, cada sorriso,cada reação dele, por mais insignificante que pudesse parecer, lhe desencadeava um milhão desentimentos, muito mais avassaladores do que quando ela era apenas uma fã desconhecida. Nãobastasse ter consciência do que estava acontecendo em seu coração, ainda não podia fingir quenão via a tristeza quase palpável que acompanhava o ator. E a culpada dessa sombra constanteem seus olhos era ninguém menos que Marcela Alves.

Constatar o fato a deixa ainda pior.No entanto, precisa lembrar a si mesma o motivo pelo qual está ali. Não terá mais como adiar

o inevitável. Naquela noite, o verdadeiro teatro começará.— A que horas será o evento? — pergunta por fim, disposta a cumprir com sua obrigação.— Às oito e meia. Você vai? — Ele parece nervoso. Luana por sua vez tenta mostrar-se

animada embora esteja tão nervosa quanto ele.— Pode contar comigo — responde com uma piscadela. — Ainda tenho algumas horas para

me produzir e estar à altura de Sua Alteza. — Faz uma mesura ensaiada, Cristian joga a cabeçapara trás rindo com vontade.

O que ele não pode imaginar é que o riso espontâneo faz o coração de Luana falhar umabatida alertando-a para um fato perigoso que ela não quer – e não pode – admitir.

Depois de se despedir do cabeleireiro, que aparecera como por milagre em seu quarto, Luanase admira mais uma vez no espelho do closet. O vestido longo vinho, assinado por uma estilistaitaliana cujo nome ela nem tentaria pronunciar, lhe cai como uma luva. É um modelo (que diasatrás jamais sonharia usá-lo) de corte perfeito que valoriza cada uma de suas curvas. E o cabelosofisticado a deixa parecendo... uma celebridade!

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A constatação faz com que um sorriso se insinue nos lábios cuidadosamente pintados devermelho matte. No fim, ela havia chegado aonde sempre desejara. Então, por que não se sentiarealizada? A resposta é tão clara quanto água cristalina.

Ainda pensa sobre o assunto quando se depara com Cristian na sala de estar. Não estavapreparada para o encontro com o ator, que usa smoking preto e parece mais maduro, maismásculo e mais sexy, para seu desespero. Felizmente consegue conter o suspiro enlevado queameaçara sair de sua garganta. Para disfarçar, imita uma tosse nada convincente antes de dizer:

— Você vai matar do coração todas as mulheres da festa... E eu vou morrer de ciúmes —completa intimamente.

— Você também está maravilhosa, Luana! — Não há o menor sinal de sorriso em seus lábios.Ele permanece sério e Luana desconfia que esteja apreensivo.

Ela jamais poderia imaginar que a seriedade de Cristian não tinha nada a ver com a festa etudo a ver com a estranha sensação que começava a sentir todas as vezes que a via.

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Luana parece estar em um de seus constantes sonhos. Flashes pipocam em sua direção sem

parar. No banco de trás do imponente carro, dirigido pelo motorista particular, de mãos dadascom Cristian, sente quando ele aperta-lhe a mão tentando passar-lhe confiança.

Assim que colocam os pés para fora do veículo, dezenas de repórteres surgem fazendomilhões de perguntas, todos ao mesmo tempo. Ele poderia ter dispensado a todos, mas decideque é hora do show.

— Tudo bem, pessoal, vou responder às perguntas de todos. Só peço que perguntem um decada vez para que eu possa entender — pede com a naturalidade de alguém que já passou porisso milhares de vezes.

Uma repórter começa a falar encarando a câmera ligada à sua frente:— O charmoso e talentoso Cristian Fedrizzi acaba de chegar e não podemos deixar a

oportunidade passar... Cristian, responda a dúvida que está causando um verdadeiro alvoroçoentre seus fãs e para a qual ainda não obtivemos nenhum esclarecimento. Luana Savaris é mesmouma fã que não desgrudou do seu pé até vencê-lo pelo cansaço? — É impossível não perceber anota de maldade que é empregada à pergunta.

Luana sente um frio percorrer sua espinha, a vergonha provoca uma onda de pânico em si.Como pode ser ingênua a ponto de não antecipar que muitas outras fãs de Cristian areconheceriam das redes sociais por liderar páginas e clube de fãs?

Cristian, porém, demonstra total controle da situação. Sorri para Luana com adoração edeposita um beijo delicado em seus lábios antes de começar a falar:

— Por que não pergunta a ela? — pergunta à repórter e lança um olhar incentivador paraLuana.

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Ela sorri timidamente para as câmeras posicionadas à sua frente, sem dúvida ela e Cristianagora são o centro das atenções.

— Embora você tenha empregado um tom maldoso a sua pergunta, a resposta é sim. Semprefui apaixonada pelo ator Cristian Fedrizzi e quando tive a chance de conquistá-lo não hesitei emusar todas as minhas armas — responde, surpreendendo-se com a própria firmeza. A repórter fazmenção de retirar o microfone para fazer uma nova pergunta, mas Luana a segura, obrigando-a amanter o microfone à sua frente. — Acontece que, nesse jogo de sedução, acabei conhecendo apessoa por trás do ator e adivinha: me apaixonei de vez — conclui sentindo o rosto afogueado,mas satisfeita consigo mesma.

Assovios e palmas se ouvem no ressinto aprovando a honestidade de Luana. Cristian estáposicionado atrás dela pressionando-lhe a cintura e qualquer um que não conheça a verdade portrás daquela história diria que ele está radiante.

Outro repórter se aproxima e aproveita a brecha da colega para dar continuidade aointerrogatório, desta vez direcionando-se a Cristian.

— Luana foi o pivô da separação entre você e a modelo Marcela Alves?— É claro que não, se você me conhecesse só um pouquinho saberia que não sou desse tipo

— Cristian continua demonstrando tranquilidade. — Separação é sempre um assunto delicado,prefiro não comentar mais sobre isso, uma vez que não envolve apenas uma pessoa. Estou feliz eé isso o que importa — finaliza com firmeza, sem dar espaço para mais perguntas sobre oassunto.

— Por hoje chega, pessoal. — A assessora de Cristian, que acabara de chegar, abre passagempara que o dois possam finalmente entrar no salão. — Quando o evento acabar, eles voltam pararesponder todas as perguntas.

— Queremos registrar um beijo — pede um repórter baixinho que tenta chegar perto do casalsem sucesso.

Todos começam a gritar em coro:— Beija, beija, beija...Cristian a enlaça pela cintura e a beija como se estivesse apaixonado, porém o beijo é meio

estranho; uma mistura de timidez, desejo e encenação. Por um momento, Luana quase se entrega,então lembra a si mesma de que está beijando um talentoso ator. São os flashes que os trazem devolta à realidade.

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Luana tenta disfarçar o fascínio quando entra no salão lindo e ricamente decorado, ondemesas cobertas por toalhas de linho ostentam os mais finos cristais. No entanto, o sorriso decanto nos lábios de Cristian não esconde que ele está prestando atenção a cada uma de suasdiscretas reações.

Ele a conduz delicadamente com a mão pousada em sua cintura a uma das mesas e puxa acadeira para que ela se sente antes de se acomodar também. Pouco tempo depois, Gabriele sejunta a eles, está tão linda que tanto Cristian quanto Luana a enchem de elogios.

— Aposto cem reais que você não sai daqui desacompanhada hoje — Cristian sussurraamigavelmente. — O que você acha, meu amor? — Encara Luana que, mais uma vez, sente oestômago dar cambalhotas ao ser chamada de “meu amor”.

— Aposto cem também — responde com um sorriso que tem muito mais a ver com a formapela qual foi chamada do que pela aposta em si.

— Vocês são dois sem-noção — é a resposta dela, mas em vez de ficar sem graça, elagargalha atraindo mais olhares na direção deles.

Após um longo discurso feito pelo presidente da Rede Mundo, regado a champanhe damelhor qualidade, Mateus Constantino, um conhecido apresentador de televisão, toma posse domicrofone anunciando:

— Sem mais delongas, vamos à entrega dos troféus dos melhores do ano.Cristian fica tenso ao lado de Luana que, ao dar-se conta do gesto, afaga seu braço com

carinho.O cerimonialista esboça seu melhor sorriso, ciente da grande missão que lhe foi incumbida.Nos próximos minutos entre palmas e discursos, vários artistas em suas respectivas categorias

são chamados para receberem o troféu.Fascinada com aquele mundo mágico, que vira apenas em filmes e novelas, Luana demora

alguns segundos para perceber o causador dos insistentes olhares da mulherada em direção à

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porta de entrada. Giovane usa terno chumbo e está tão atraente que, por mais que queira, éincapaz de negar o fato.

— O que Giovane está fazendo aqui? — a pergunta sai automaticamente.— É meu convidado — Cristian responde no mesmo tom antes de prosseguir: — Pensei que

não iria se importar depois da conversa que tivemos. — Eleva as sobrancelhas como se adesafiasse.

— Por mim tudo bem. — Dá de ombros. — Mas da próxima vez que convidá-lo para algumevento importante peça a ele que não chegue atrasado. — A maneira descontraída como a frase édita tranquiliza o ator.

Na verdade, a presença de Giovane a incomoda muito, mas ela não tem a menor intenção dedemonstrar isso a Cristian, muito menos ao ex-namorado.

Intrigada com os sussurros entre Cristian e a namorada, Gabriele olha na mesma direção queeles estão olhando e sente o ar faltar em seus pulmões. Estaria sonhando ou aquele semideus emforma humana está realmente se encaminhando para a mesa deles?

A resposta vem segundos depois, quando ele os cumprimenta com um aceno de cabeça e,discretamente, junta-se a eles sentando-se ao seu lado.

Gabriele sorri. Então esse homem magnífico é amigo de Cristian!Os minutos se passam e o cerimonialista prossegue com a premiação.— Na categoria atriz revelação... — Gritos e assovios são direcionados na direção de

Gabriele. Não existe uma única pessoa no recinto que não tenha certeza de que será ela aganhadora do troféu. — A jovem brilhante e talentosa que encanta com sua irreverência esimpatia. Desejamos todo o sucesso do mundo para nossa queridíssima... — Ele faz suspenseantes de anunciar: — Gabriele Damasceno.

Gabriele não podia dizer que estava surpresa com o prêmio. Seu primeiro trabalho natelevisão havia sido muito elogiado e lhe rendera ótimos frutos. No entanto, a emoção de seraceita e amada pelo público de uma maneira tão sublime, bem como o respeito e admiração doscolegas, isso sim é novidade para ela.

Todos os olhares e as câmeras estão voltados para si. É nesse momento que o nervosismo adomina. Ela lança um olhar suplicante na direção de Cristian. O amigo não se recusará a fazerpapel de acompanhante só para a entrega do troféu, recusará?

— Vem, Cris, você é bom em falar em público. Vamos lá... — diz com um sorriso incerto.— Posso acompanhá-la, se não se importar — Giovane se prontifica. Mas em vez de olhar

para a atriz, ele olha para Luana, que se vira para Cristian, como se não tivesse percebido odesafio no olhar do ex-namorado.

Com o braço enlaçado ao de Giovane, e ostentando o sorriso mais contente do mundo,Gabriele sobe os poucos degraus até o palco ovacionada pelos presentes, que estão em polvorosa,

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realmente satisfeitos com a premiação.Giovane pega o microfone que a bela assistente estende em sua direção e com a outra mão

segura o troféu. Ele sorri, primeiro para Gabriele, abusando de todo seu charme, e em seguidaolha na direção do público antes de começar a falar:

— Aqui ao meu lado está a mulher que conquistou o Brasil com seu talento, simplicidade e,principalmente, pelo seu carisma. — Ele faz uma pausa estratégica e então prossegue: — E nãofoi apenas na novela. Essa mulher incrível é exatamente assim na vida real, no dia a dia, dandoatenção a todos e recebendo em troca a admiração e o respeito de seus fãs. Palmas para GabrieleDamasceno! — grita instigando a plateia, em seguida a beija levemente no canto dos lábios.

A atriz sorri entre lágrimas enquanto admira a pequena estatueta dourada antes de erguê-lapara o alto para ser clicada pela multidão de fotógrafos que se aglomera à sua frente.

— Você não sente nada? — Cristian sussurra no ouvido de Luana, se referindo ao beijo queGiovane acaba de dar em Gabriele.

— A verdade? Sinto... Sinto alívio.Ambos ainda estão rindo quando o cerimonialista começa a mencionar a próxima categoria a

receber o prêmio.— E o nosso melhor ator protagonista, com um currículo invejável de cinco filmes, duas

minisséries e dez novelas, é ninguém mais ninguém menos que... — Faz um suspense, emboranão seja necessário. — Uma dica: ele ganhou dois títulos consecutivos de melhor atorprotagonista e hoje levará o terceiro... Agora vocês já sabem de quem estou falando. Isso mesmo,quem leva a estatueta para casa é o galã Cristian Fedrizzi! — grita por fim fazendo o salão voltarà explosão de palmas e assovios.

Cristian segura firme a mão de Luana enquanto sobem os degraus até o palco e é isso que amantém de pé, pois suas pernas têm a mesma consistência de gelatina.

Ela conta até dez intimamente e amplia o sorriso. Xô, Luana Savaris, é hora de atuar!Decidida, pisca para Cristian e empunha o microfone.— Eu não precisaria dizer nada porque todos aqui conhecem o seu talento. Mas não poderia

deixar de mencionar o quanto admiro sua competência, carisma e dedicação. — Os convidados erepórteres se agitam, não querendo perder nada do discurso, Luana aproveita a chance para darsua cartada final. — Portanto, preciso afirmar que nesse momento meu coração está repleto deorgulho pelo meu talentoso namorado. Amor, você é mais do que merecedor desse troféu... Teamo! — Desvia os olhos da plateia e foca no ídolo, que mantém um sorriso indecifrável noslábios.

O beijo é inevitável, mas acontece tão naturalmente que é como se eles já houvessem treinadocentenas de vezes.

— Você foi maravilhosa — Cristian sussurra em seu ouvido quando estão descendo os

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degraus, ainda sob os aplausos dos convidados. — Era você quem merecia este troféu.Ele não precisa saber que todos os beijos que trocamos até hoje estão a anos-luz de serem

atuação , pensa, fingindo aceitar o cumprimento dele.Quando o ato da entrega dos troféus termina, um clima descontraído se instala entre os

convidados. Uma banda nacional começa a tocar enquanto grupos se reúnem para conversar ecomemorar as premiações da noite.

— Não vai me apresentar seu amigo, Cristian? — Gabi pergunta, sem o menor sinal deconstrangimento, servindo-se de uma taça de champanhe.

— Pensei que vocês já se conhecessem depois daquela cena — Cristian provoca referindo-seao beijo. — Mas ok, essa é a famosa Gabriele Damasceno. E Gabi, esse é Giovane de Alencar,meu amigo e advogado.

— Muito prazer, Giovane. — Gabriele estende a mão que ele segura no ar e deposita umbeijo nela. — A propósito, obrigada por ter me acompanhado na entrega do troféu.

— Foi um prazer, Gabi — responde galante. — Tudo bem se eu chamá-la assim?O sorriso de aprovação dançando nos lábios de Gabriele não deixa dúvidas de que ele poderia

chamá-la da maneira que quisesse que ela o atenderia prontamente.Luana mal consegue disfarçar o alívio que está sentindo ao ver o ex tão entretido com

Gabriele. No entanto, não demora para que a atenção de Giovane se volte para ela, para suaconsternação.

— Obrigado — sussurra quando Cristian e Gabriele estão distraídos. Luana eleva umasobrancelha, fingindo não saber a que ele se refere. — Você sabe... Sobre me perdoar.

— Não vai voltar a acontecer nada entre nós dois, se é isso que está tentando, Giovane. —Luana decide ser sincera com ele antes que a conversa tome outro rumo e atraia a atenção dealgum convidado que possa estar mais atento.

— Você não deveria dizer isso sem antes conversarmos... tentarmos outra vez. Pode serdiferente agora que estamos mais maduros — insiste sem deixar de lado o sorriso que afeta todasas mulheres da festa, menos Luana que só tem olhos para certo ator loiro, de olhos dourados e aboca mais sexy que ela já beijara.

Cristian, que agora está do outro lado da mesa conversando com a amiga, a pega no flagra episca charmosamente deixando-a constrangida.

Ao perceber o gesto, Giovane balança a cabeça contrariado.— Você não desiste dessa loucura, não?— É a melhor loucura que já vivi, Giovane. E não vou permitir que você estrague isso. — O

tom de voz de Luana, embora baixo, não deixa dúvidas de que está falando sério.— Você é louca!— Precisa de proteção, Lu? — Cristian se aproxima por trás e beija seus cabelos num gesto

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possessivo. Porém, seu tom de brincadeira é o bastante para dissipar a tensão.— Não falei que o Cris é o cara mais ciumento que conheço? — Gabriele entra na conversa.— Não devia ser. — Giovane troca de lugar e senta ao lado de Gabriele esticando o braço

pelo espaldar da cadeira. — Você já tinha ganhado essa parada antes mesmo de conhecê-la —dispara sem preâmbulos.

Gabriele franze a testa, Cristian sente o sangue gelar. Não é a primeira vez que ele e o amigotrocam indiretas por causa de Luana. Aquilo pode ficar fora de controle se um dos dois nãoceder.

— Gabi, preciso conferir a maquiagem. Você me acompanha? — Luana age rapidamente aoperceber que o clima está ficando tenso.

— Sua maquiagem está perfeita. Você está ótima, fique tranquila — responde distraidamente.Luana lança um olhar suplicante em sua direção e ela é incapaz de recusar, pensando que

talvez esteja com problemas femininos.— Hum... Acho que também preciso checar minha maquiagem — se desculpa antes de

levantar. — Comportem-se, meninos.

Luana está passando uma última camada de batom quando, através do espelho, reconhece amulher alta e elegante atrás de si. Marcela Alves esbanja beleza e imponência.

Ela se pergunta como não havia reparado em sua presença antes. Mas agora não importa,Marcela provavelmente estivera aquele tempo todo no evento e presenciara todos os momentosde atuação entre ela e Cristian. Subitamente é invadida por uma sensação de prazer ao imaginarMarcela sendo obrigada a ver ela e o ator se beijando no palco e sendo “atacados” pelosrepórteres como o casalzinho da vez.

Luana empina o nariz e a ignora por completo, como se não fizesse ideia de que está nomesmo ambiente que a ex-mulher de Cristian Fedrizzi.

— Quer fazer o favor de me soltar? — diz, abismada com a petulância da top modelexuberante, que de súbito perdeu a compostura e a mantém presa, com as unhas cravadas em seubraço.

— Não sem antes alertá-la sobre o papel ridículo que vocês estão fazendo — responde aindamantendo-a presa. — É uma garotinha infantil e insignificante, não pode se comparar a mim.Você e Cristian estão enganando a mídia, mas não me enganam, que isso fique bem claro. Sei

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que posso voltar a ter meu marido comendo na minha mão tão logo eu desejar — completa maissegura de si do que nunca e finalmente solta seu braço.

— É mesmo? — Luana tenta parecer confiante, mas por dentro seu coração bate num ritmodesenfreado, por medo de ter sua farsa descoberta, mas, principalmente, por medo de perder seuamor. — Pois eu acho que você está enganada, Marcela. Cristian finalmente se deu conta de quenão valia a pena continuar rastejando atrás de você... E se não acredita, pague pra ver. — Então,quase sem conseguir dominar as próprias pernas, sai do banheiro, deixando Marcela a ponto deavançar na próxima pobre mulher que ousasse entrar no recinto nos segundos seguintes.

— Quando mais preciso do meu celular, ele não está comigo — Gabi lamenta quando sejuntam à saída do banheiro.

— Você ouviu tudo, não foi? Que vergonha, tomara que você tenha sido a única a presenciaressa cena horrorosa.

— Que vergonha, que nada! Você foi ótima, Lu. Colocou essa mulherzinha exatamente nolugar que ela merece.

Disso Luana não tem certeza. Seu coração a alerta justamente do contrário. A única que foracolocada em seu devido lugar naquela história havia sido ela mesma.

— Preciso que deixe aflorar todos os seus instintos de ator agora, querido — Luana fala tãologo encontra Cristian à mesa. Em seguida, o segura pelo braço, induzindo-o a levantar-se eacompanhá-la. Não poderia contar na frente de Gabi e Giovane o que acabara de acontecer notoalete feminino.

— Por quê? — pergunta desconfiado.— Vamos dançar e, por favor, finja estar apaixonado como quando nos beijamos. Tem algo

importante que preciso lhe falar.Demonstrando uma naturalidade que a impressiona, ele convida Giovane e Gabi para

acompanhá-los à pista de dança.A música é romântica, o que piora a situação para Luana, que não consegue raciocinar com

clareza estando totalmente envolvida pelos braços de Cristian.— Se é sobre Marcela já sei que ela está na festa, vi quando chegou faz algum tempo. — Seu

rosto está inexpressivo, de maneira que Luana não faz ideia do que se passa em seu interior.

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— Jura que você já tinha visto? — Ao contrário do ator, ela não consegue disfarçar asurpresa. — Devia ter me avisado — reclama. — Acabei de me defrontar com ela no banheirofeminino.

— Fale mais baixo, alguém pode nos ouvir — Cristian a recrimina, então aproxima o rostoaté colar no dela fazendo-a estremecer. — O que ela disse? — sussurra.

— Basicamente disse que desconfiava que nosso namoro era para provocar ciúmes nela.Marcela está convencida de que basta um estalar de dedos para que você volte correndo — soltanum fôlego só, sentindo a garganta se fechar com a súbita (e inoportuna) vontade de chorar.

— Talvez toda essa segurança que ela fez questão de demonstrar signifique justamente ocontrário — ele fala quase como que para si mesmo.

— Talvez... Mas eu ainda acho que você deve esperar mais um tempo até que ela aprenda avalorizá-lo. — Na verdade, Luana tem a impressão de que isso jamais acontecerá. Marcelaparece ser o tipo de mulher que domina, jamais que reconhece o valor de alguém.

Ela quase grita quando sente uma leve mordida no lóbulo da orelha.— Está com ciúmes de Marcela?— E se eu dissesse que sim, que estou morrendo de ciúmes dela? — Seu olhar encontra o de

Cristian e é capaz de jurar que há um brilho diferente neles.Eles já haviam dado seu show particular no palco, mantiveram-se próximos o suficiente

durante todo o evento para que não restassem dúvidas sobre o relacionamento deles e se beijaramquando o momento exigiu isso. Cristian não tem nenhum motivo a mais para beijá-la naquelemomento. Portanto, quando os lábios se aproximam e se devoram sem pudores, nenhum dos doistem qualquer outra desculpa a não ser a impetuosa vontade que os domina.

Ao final do evento, quando já estão à porta principal para irem embora, dão de cara comMarcela sendo entrevistada por Margô, a pessoa mais sensacionalista da televisão brasileira.

— O que você achou da nova namorada de seu ex-marido? — O tom de provocação é quasepalpável.

Ela ri ironicamente, como se a alfinetada houvesse sido para Luana, não para ela.— Juro que não deveria nem parar para responder à sua pergunta, querida. Mas vamos lá. —

Ela troca o peso de um pé para outro com impaciência. — Eu não perco meu tempo pensando no

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que meu ex-marido faz ou deixa de fazer. Cristian tem todo direito de namorar quem ele bementender... até mesmo uma suburbana...

— Perdão, mas sua resposta soou bastante exaltada para uma pessoa que diz não se importar— a repórter volta a alfinetar.

— Só estou sendo sincera, algo tão raro em nosso meio artístico — responde empinando onariz. — Cristian está se expondo ao ridículo e eu sinto muito por isso — finaliza e está prestes adar as costas para a repórter e ir embora quando ele a intercepta sem que Luana consiga detê-lo.

— Você sendo sincera, Marcela? Juro que pensei que desconhecesse essa palavra. — Há tantamágoa em suas palavras que Luana vê seu castelo de areia se desmoronar quando fica óbvio paratodos que ele ainda é apaixonado pela ex-mulher.

A modelo cora violentamente, mas se mantém altiva, como se nada a afetasse.— Não seja ridículo, meu bem. Não vamos discutir nossas diferenças diante das câmeras,

para todo mundo ver. Nossos advogados são muito bem pagos para isso. — Finalmente saiandando, com passos decididos, para longe da multidão de repórteres.

Luana suspira aliviada quando Cristian busca sua mão e entrelaça seus dedos antes deseguirem para o carro onde o motorista já espera por eles. Quando se acomodam no interior doveículo, ele desaba.

— Sinto muito pelo que Marcela disse. — Balança a cabeça e ela sabe que ele está sendosincero.

— Não me importo com a opinião dela a meu respeito... Mas ainda acho que você devia terignorado suas provocações. Mesmo que essa não seja a verdade, precisa demonstrar que ela nãoo afeta mais. — Quer gritar e sacudi-lo até que enxergue o quanto foi tolo diante das câmeras,mas o ama demais para deixá-lo ainda pior.

— Pode ser. — Dá de ombros como não se importasse, mas Luana sabe que ele se importa, emuito. — Eu acho que ela me ama e está com ciúmes, só isso. — Subitamente um sorriso tortosurge nos lábios dele.

— Significa que estamos no caminho certo — Luana murmura sorrindo também. Ossentimentos dentro de si não fazem o menor sentido, mas no momento a única coisa que importaé saber que ela e Cristian continuarão fingindo. E que ainda terá mais algum tempo ao lado dele.

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A segurança que Cristian sentira no dia anterior se desvanece tão logo os canais de fofocacomeçam a exibir as cenas dele e Marcela trocando farpas diante das câmeras.

Outra vez ele e a ex-mulher são tema de discussão e isso começa a cansá-lo. Talvez Luanatenha razão e Marcela não mereça seu amor. Mas chegar a essa conclusão não impede que ele seirrite com ela e seu vício em programas de fofoca.

— Quer fazer o favor de desligar essa porcaria? — esbraveja entrando na sala e arrancando ocontrole da mão dela. — Você deve estar bem feliz com toda essa repercussão, não é? —continua vociferando, incapaz de manter-se calmo.

— É exatamente para isso que estou aqui, querido.Cristian a encara, a cabeça levemente inclinada para o lado.— Sabe qual é o problema com você? — Ele não espera por uma resposta. Ela tampouco

arriscaria um palpite, está surpresa demais com sua intempestividade. — Nunca sei quando estáatuando e quando está sendo você mesma.

Luana levanta-se irritada. Cristian a acusa de algo que ele mesmo faz. Não é justo!— Eu sou sincera com você o tempo todo, nunca estou atuando — confessa com raiva de si

mesma por ser tão sensível a ele. — Esse é meu grande problema, entende?Sem esperar um segundo a mais, sai da sala deixando-o parado com o controle da televisão na

mão, balançando a cabeça.

— No fim sou sempre eu a louca explosiva — resmunga enquanto retira as roupas que estáusando e veste legging e regata.

Quando sai do quarto não consegue evitar o estrondo da porta, que bate com mais força doque deveria.

— Onde você vai? — Cristian pergunta ao vê-la vestida com roupa de ginástica, pronta parasair.

O sorriso aparece naturalmente em seus lábios quando responde de forma atrevida:— Não é da sua conta, amor.

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Correr por vários quarteirões a deixara exausta. De repente, a larga faixa de areia da praia,mesmo provavelmente torrando de quente, é uma verdadeira tentação. Determinada, ela diminuio passo e para próximo a uma barraquinha, pensando em aproveitar a sombra projetada por ela.Exclama aliviada quando finalmente se joga na areia. Fica ali respirando com dificuldade com osolhos fechados até recuperar o fôlego.

A sombra de alguém parado à sua frente encobre o sol. Ela quase chora de alívio ao sedeparar com uma garrafinha de água mineral estendida em sua direção.

— Como sabia que eu estava morrendo de sede? — pergunta com a voz ainda ofegante.— Sou bom em deduções. — Giovane ri aprofundando as covinhas em sua bochecha. —

Acompanhei você correndo durante um bom tempo — confessa sem o menor sinal deconstrangimento.

Luana dá uma rápida olhada para suas roupas: calça social de corte perfeito e camisa lilás, ededuz que ele topou com ela por acaso, provavelmente após algum encontro com um de seusclientes.

— Hum... Obrigada — diz com um sorriso polido. — Digo, pela água, não por me seguir —esclarece. A última coisa que deseja é que ele interprete seus gestos de maneira errada. E paraassegurar o que diz bebe quase todo o líquido da garrafa.

Ele solta uma gargalhada gostosa que descontrai um pouco o ambiente, mas Luana continuana defensiva. Ele percebe.

— Sério, Aninha, você não precisa agir como se eu fosse um estranho — diz, sentando-se aoseu lado, na areia.

Giovane tem olhos de uma tonalidade escura, quase negros. O cabelo, muito curto, é suamarca registrada desde quando ainda namoravam. E também existe uma mistura de malícia einocência que faz dele um homem e tanto, isso Luana não pode negar. No entanto, é estranho quenão lhe provoque nada. Ela se sente como se estivesse diante de um velho conhecido, não dealguém com quem mantivera um relacionamento sério.

— Ei, está pensando em quê? — pergunta curioso quando percebe que ela ficou quieta portempo demais.

— Estava pensando que lhe devo um pedido de desculpas. — As palavras escapam por seuslábios deixando a si própria surpresa com a facilidade com que as pronunciara.

— Eu a machuquei, por que você teria que pedir desculpas. — Ele fica sério de repente, como

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se o assunto o deixasse envergonhado.— Vamos ser honestos um com o outro, Giovane. Passei todos esses anos culpando você pelo

que aconteceu... — Não está sendo fácil abrir seu coração daquela maneira, mas Luana sente queé necessário, talvez não tenha outra chance de estar a sós com ele. — Mas agora, quando nosreencontramos, pude analisar tudo friamente e reconheci que a maior culpada de tudo fui eu.

O advogado faz menção de falar, mas Luana o detém com um gesto de mão.— Eu o magoei, usei você para chegar até o Cris... Isso não significa que eu não tenha

gostado de você.— Gostou? — Giovane a interrompe, as sobrancelhas elevadas num gesto inquisitivo.— Gostei muito, de verdade. Mas quando soube que você conhecia o meu ídolo, as coisas

tomaram outro rumo, entende? Eu fiquei deslumbrada e, bem, você sabe o resto da história. Agimal, me deixei levar, sei lá... Fato é que aquele sentimento bom que tínhamos um pelo outro seperdeu.

Um silêncio constrangedor paira sobre eles. Luana está envergonhada, pode até jurar que seurosto está ainda mais corado, mas, em contrapartida, o alívio que está sentindo compensa todo oconstrangimento. Devia ter feito isso há muito tempo.

— Então não restou nada mesmo, nenhuma esperança? — Giovane faz desenhos aleatórios naareia, usando o dedo como lápis.

— Dizem que a amizade, às vezes, é mais importante que o amor — argumenta, dando deombros.

— Amigos então? — Ele estende a mão para ajudá-la a levantar.Ela reluta apenas um instante antes de aceitar com um sorriso satisfeito nos lábios.— Amigos.— Como amigo, posso oferecer uma carona de volta até a mansão do seu namorado?Luana o encara para ver se ele está sendo irônico ou maldoso, mas curiosamente só encontra

resignação e é isso que a faz aceitar sua oferta.O trajeto de volta é rápido e tranquilo. Luana, que pensava jamais conseguir estar à vontade

na companhia do ex, agora se surpreende com a leveza entre os dois depois da conversa quetiveram na praia.

Giovane abre a porta para ela quando estão em frente à mansão e a beija no rosto despedindo-se.

— Foi bom encontrá-la — diz sorrindo, voltando de costas para o carro antes de assumir ovolante.

Luana acena e ele vai embora deixando-a contente consigo mesma.Sentindo o calor sufocá-la e, como não havia entrado no mar, embora estivesse usando

biquíni por baixo da roupa de corrida, resolve dar um mergulho na piscina. Contorna a mansão e

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para de repente quando avista Cristian, mais esplendoroso do que ela jamais vira, usando apenasuma sunga preta. Uma verdadeira tentação em forma de homem. Porém, por mais que desejemuito ficar ali apreciando aquela beldade, Luana está decidida a não se dar esse luxo. Movendo-se com rapidez, está virando as costas, pronta para voltar o mais depressa possível para asegurança de seu quarto, quando ele a chama.

— Pode vir, a piscina é grande o bastante para nós dois.— Eu esqueci o protetor solar — mente descaradamente para não demonstrar que ficara

embaraçada.Quando volta ainda sente a garganta seca e as pernas trêmulas, mas procura disfarçar ao

reparar no ar zombeteiro que estampa o belo rosto do ator. Procurando não ficar babando por ele,move a cabeça contrariada e se atira na piscina dando vigorosas braçadas na água.

— Por que não me avisou que queria malhar? Tenho uma academia aqui em casa — esclarecesuavemente aproximando-se dela como se o episódio de mais cedo estivesse totalmenteesquecido.

— Queria sair um pouco, só isso. — Dá de ombros evitando encará-lo. — Está falando sériosobre a academia?

— Eu não mentiria pra você, gata. — Ele pisca, um sorriso presunçoso aponta em seus lábios.Luana tem vontade de enfiar a cabeça embaixo d’água até fazer a razão voltar ao cérebro. Ele ahavia irritado profundamente apenas algumas horas mais cedo, será que toda sua zanga seevaporava à simples visão de seus músculos?

— Agradeço pela informação, gato , mas ainda prefiro caminhar vendo pessoas emmovimento e sentindo o ar batendo no rosto. — Salta para fora da piscina e disfarça um sorrisoquando percebe que Cristian está desviando os olhos em todas as direções para não focar nocorpo dela.

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A última semana se passou sem que Luana desse conta. Mais do que nunca, ela tinha a

sensação de estar dentro de um sonho e tinha medo de acordar a qualquer momento.Enquanto descasca batatas na cozinha, relembra pela milésima vez tudo o que aconteceu a

partir do momento em que ela deixou a piscina. Seu coração ainda estava acelerado quando entrou no quarto e se atirou na cama enfiando a

cabeça no travesseiro. Eu deveria ir embora dessa casa enquanto ainda me resta um pingo desanidade... O pensamento foi interrompido por vários bipes no seu celular. Eram tantos quechegou a desconfiar que o aparelho estivesse danificado. No entanto, assim que olhou para a tela,não conseguiu evitar um gritinho que misturava espanto, excitação e o maior amor do mundo.Era estranho ver a si própria nas redes sociais usando apenas um biquíni. Naquele momento,porém, a vergonha cedia lugar a sentimentos bem maiores.

Cristian a havia fotografado sem que ela percebesse, a descrição da foto em seu Instagram adeixara extasiada: Ela é perfeita... E é minha!

A frase era acompanhada de um emoji de Joaninha.Luana tinha a impressão de que se não mantivesse os pés firmes no chão, sairia flutuando

feito uma pluma. Somente ela conhecia o que significava aquela Joaninha. Não, não era ingênuaa ponto de acreditar que a frase era sincera, mas sabia, sem sombra de dúvidas, que aquela era amaneira de Cristian se desculpar pelo seu comportamento pela manhã. Naquele momento, oamor que já sentia por ele crescera em níveis estratosféricos. O mais alarmante, porém, eraconstatar que esse amor já não era mais de fã para ídolo. Ela amava o homem por trás do artista.

O restante da semana foi surreal para Luana, ela vira suas redes sociais “bombar”. Sua conta

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no Instagram agora continha quase 100 mil seguidores e a hashtag Crisana estava em toda parte.Jornais, revistas e programas de televisão passaram a contatá-la para agendar entrevistas.

Com a permissão de Cristian, ela concedera algumas à beira da piscina ou na sala de estar damansão.

Luana sorri. Ver seu rosto na televisão ou estampando capas de revistas ainda fazia seu

coração disparar. E tudo graças a ele...— O que está fazendo, Luana?— Filho da mãe, que susto! — Estava tão concentrada que por um triz não cortou o dedo.— Que novidade, eu vivo assustando você. — Cristian ri. Luana sente os pelos da nuca se

arrepiarem. A conexão que existe entre eles está se tornando cada dia mais inegável. — E, então,o que está fazendo?

— Descascando batatas.— Isso eu sei, engraçadinha. — Cutuca as costelas de Luana e ela solta um gritinho de

surpresa. — Quero saber por que não pede à Margarida, você não precisa fazer isso.— Margarida tem um monte de outros serviços pra fazer e eu posso me virar com isso

perfeitamente bem, era acostumada a fazer na minha casa. Esqueceu que sou órfã?— Por isso mesmo, agora não precisa mais fazer esse tipo de serviço. Pode ocupar o tempo

com seus livros... ou com qualquer outra coisa mais prazerosa.Seu coração se aquece diante de tanto carinho. Mas procura disfarçar a emoção quando o

encara.— Cristian, meu querido — brinca —, eu amo batatas fritas do fundo do meu coração e

conheço uma técnica que as deixam deliciosas, mas como é segredo não posso contar a ninguém,então, o jeito é eu mesma prepará-las.

Ele solta uma sonora gargalhada que atinge direto o coração de Luana, fazendo com que seatrapalhe toda.

— Você é muito convencida, eu duvido muito que essas batatinhas sejam diferentes dasdemais — provoca mostrando um falso desdém.

— Vou fazer você lamber os dedos — promete aceitando o desafio.— Aguardo você na sala de estar, dona Benta.— Estarei lá em alguns minutos, Visconde de Sabugosa — responde no mesmo tom de

brincadeira.

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Após ter preparado uma generosa porção de batatas fritas, Luana sobe para seu quarto ondetoma um banho rápido a fim de mandar embora o cheiro de fritura e, em seguida, opta por shortjeans e a camiseta do Flamengo que ganhara de Cristian. Depois de tantos dias acompanhada depersonal stilyst e cabeleireiros de celebridades, tudo o que mais quer é se sentir ela mesma outravez.

Voltando à cozinha, separa guardanapos, duas latinhas de Coca-Cola, fatias de limão, além deum pote com pedras de gelo e leva tudo para a sala de estar, onde Cristian assiste ao jogo.

— Já começou? — pergunta parando abruptamente, a voz alterada.— Faz alguns minutos — ele responde com os olhos vidrados no imenso televisor à sua

frente.— Por que não me chamou, seu malvado? — reclama indignada. Sempre gostou de assistir

aos jogos desde o início.— Você estava tomando banho, fiquei com medo de entrar e encontrá-la outra vez dormindo

nua na banheira. — Dessa vez, ele a encara com um brilho de malícia e divertimento no olhar.— Muito engraçado — retruca, mas sai rindo em direção à cozinha para trazer em seguida a

travessa com as batatas fritas.Só há uma maneira de ficar de frente para a televisão: sentando-se no sofá de dois lugares...

exatamente no luxuoso sofá onde Cristian está confortavelmente instalado.Luana engole a saliva com dificuldade. Pode bancar a boba e sentar-se em outro lugar

fingindo-se subitamente indiferente ao jogo ou...Balança a cabeça, desgostosa, enquanto leva a travessa com batatas fritas até a mesinha de

centro. A situação com Cristian está acabando com seus nervos e o que ela mais deseja é saberonde foi parar a Luana desinibida e extrovertida que todo mundo conhecia e da qual ela tanto seorgulhava.

Ainda está pensando sobre isso quando ele faz um gesto batendo com a mão no espaço vazioao seu lado.

— Vem aqui e sirva-me das famosas batatas fritas de Luana Fernanda Savaris.— Famosas? — As sobrancelhas bem feitas se elevam num gesto natural de indagação.— Giovane elogiou-as dias atrás quando estávamos jantando na Choperia — responde sem

encará-la, de maneira que Luana não consegue decifrar suas emoções.— Queria falar comigo quando foi me procurar na cozinha? — ela muda de assunto

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propositalmente. Embora tudo esteja muito bem acertado com Giovane, não quer falar sobre ele.— Ah sim, você veio com essa história de batatas fritas especiais e acabei esquecendo.— E a culpa é minha, pra variar — Luana o interrompe, só porque não consegue se manter

calada tendo-o tão próximo de si encarando-a com aqueles olhos que são capazes de provocarum ataque cardíaco até mesmo na mulher mais puritana da face da Terra.

Cristian ri e quebra o contato visual quando estica o braço para pegar uma batatinha frita datravessa.

— Na verdade, queria sugerir que você contratasse um profissional para assessorá-la —começa a falar enquanto mastiga, deliciado com a crocância da batatinha. — A Val não está maisdando conta de cuidar da minha carreira e da sua.

Luana imita o gesto dele, mas em vez de pegar uma única batatinha, pega um punhado eenche a boca, mastigando sem parar. A outra opção seria sair gritando e pulando pela sala. Osúltimos dias haviam sido de fato corridos e cheios de compromissos que ela jamais sonhara, masnão imaginava que estivesse chegando ao ponto de ter uma assessora só para si.

— E se for apenas uma onda? Meus quinze minutos de fama? — questiona encarando-oquando engole o que tem na boca ao mesmo tempo que abre sua Coca-Cola e sorve um gole.

— Não tem como sabermos. Mas, se for, você precisa aproveitar cada segundo, cadaoportunidade que aparecer. — Ele volta a pegar batatinhas antes de continuar: — Aliás, é assimque os “quinze minutos” se transformam em trinta, em 24 horas, em meses e anos. Está nas suasmãos, querida.

Luana sente o corpo trêmulo. Não por estar à porta de entrada do mundo da fama, mas porqueo homem, por quem ela esteve apaixonada quase uma vida inteira, a está tratando de igual paraigual, o carinho estampado em seus olhos demonstra que ele realmente se importa.

Num gesto automático, ela segura suas mãos com firmeza.— Cris, eu vim pra cá cheia de segundas intenções, você sabe... — É difícil abrir seu coração

dessa maneira, mas ela nem cogita a ideia de voltar atrás agora que começou. — No fundo sópensei em mim, em como seria maravilhoso ficar perto do meu ídolo, numa possível carreiracomo atriz, no quanto minha vida mudaria com esse reconhecimento... E ainda recebendodinheiro para interpretar esse papel. Não é justo que eu me beneficie tanto assim enquanto você eMarcela...

— Nós temos um acordo, Lu. — Cristian sabe que está sendo repetitivo, mas é seu únicoargumento. Algumas coisas saíram dos eixos, tem consciência disso, portanto, até que saibaexatamente o que se passa em seu interior, até que não se sinta mais dividido, não há outraresposta que possa dar à Luana. — Você foi honesta o tempo todo, comigo e com você mesma...Sempre soube que para você eu represento todos os mocinhos que já interpretei...

— Cris — ela o interrompe disposta a dizer que ele está enganado, que ele deixou de ser seu

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ídolo para ser o homem de carne e osso a quem ela deseja mais que tudo. Mas a gritaria vinda datelevisão quebra o clima propício a confissões que havia se instalado entre eles.

— Gooooooooooooool!!!Cristian e Luana olham para a tela plana no exato momento em que a bola entra na goleira

marcando o primeiro gol do Flamengo.— Goooooooool! — eles gritam em uníssono. O abraço apertado e eufórico que trocam é um

gesto totalmente espontâneo.Quando ambos se dão conta de que estão praticamente um em cima do outro, a euforia do gol

já passou e o comentarista esportivo está falando normalmente a respeito da qualidade do jogo.— Você não devia se jogar desse jeito em cima de mim ou eu posso começar a confundir

loucura de fã com outros sentimentos — Cristian brinca, mas é impossível esconder o alto teorde sinceridade contido naquela frase.

Luana quase geme numa mistura de alívio e frustração quando ele se afasta.— Não fale dessa maneira comigo ou então serei eu a confundir atuação com vida real. —

Luana fica séria subitamente, mas não deixa de encará-lo. Sutileza nunca foi seu forte. Se elecontinuar agindo assim, ela tem certeza de que, num piscar de olhos, acabará confessando queestá perdidamente apaixonada.

— Me desculpe, é que... eu estou confuso. — Cristian bagunça os cabelos. — Nunca tive ummomento como este com Marcela — confessa de súbito.

— Como assim? — A última pessoa de quem gostaria de lembrar naquele momento eraMarcela. Mas como o clima outra vez fora quebrado o jeito era levar o assunto adiante para nãoaborrecê-lo. Não podia negar que estava curiosa.

— Marcela nunca pôs um short, muito menos uma camiseta de time de futebol ou qualqueroutra roupa simples, nem preparou batatinhas para comer com Coca-Cola assistindo a um jogode futebol, aliás, como a maioria das mulheres, ela odiava esse esporte. — Balança a cabeçacontrariado, arrependido por ter tocado no assunto. — Deixa pra lá, acho que você não consegueentender...

— Pra ser honesta, não consigo entender mesmo. É estranho que você fique fazendocomparações porque Marcela era sua mulher enquanto eu sou apenas uma atriz. — Luana nãoqueria ter dito isso e se odiou por pressioná-lo daquela maneira. O que esperava que ele dissesse,afinal? Que de uma hora para outra descobrira estar morrendo de amores por ela? Não era justocom nenhum dos dois apostar naquele jogo. Ele mesmo não havia confessado que estavaconfuso?

— Não estou fazendo comparações, até porque vocês duas são totalmente diferentes, emtodos os aspectos. — Com essa frase Cristian dá o assunto por encerrado deixando Luanaboquiaberta.

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— Espero que isso seja um elogio.Cristian solta um riso gostoso. Luana está virando seu mundo de pernas pro ar. E o mais

preocupante é constatar que está gostando dessa bagunça toda muito mais do que deveria.— A propósito, está deliciosa! — Suas feições agora estão divididas entre a seriedade e o

bom humor, quase como se ele não estivesse decidido sobre qual dos dois deve prevalecer.— O que disse? — Luana sente o rosto esquentar e o coração palpitar ao reparar que os olhos

de Cristian estão fixos em sua boca.— Que a batatinha frita está deliciosa. Um dia ainda descubro o seu segredo. — Então ele

pisca charmosamente e volta a concentrar sua atenção no jogo enquanto Luana tenta disfarçar orubor da face.

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Nos últimos dias, todos os comentários giram em torno da festa que Patrícia Salvador dará em

sua mansão para comemorar o aniversário de trinta anos. A imprensa comemora por antecipação;pela primeira vez terão livre acesso à vida privada da polêmica apresentadora de televisão,inimiga declarada de Margô Cavalcante.

Luana começava a se acostumar com aquela rotina, desde que, quinze dias atrás, com a ajudade Cristian, contratara uma assessora de imprensa. Alguns convites ainda chegavam até seuconhecimento através da assessoria de Cristian. Val não escondia o antagonismo em relação àLuana, mas colocava sua profissão acima de tudo, portanto, a respeitava como se fosse isenta desentimentos.

Desta vez, sem conseguir falar com seu cliente, Val liga para Luana avisando-a sobre a festade Patrícia Salvador, porém quando Luana começa a fazer perguntas atropeladamente, semconseguir esconder o entusiasmo, Val se limita a dizer que ligará para Cristian e o colocará a pardos detalhes.

— Aposto que você não sabe o que é ser uma plebeia — Luana resmunga sozinha depois queVal encerra a chamada.

Seu livro novo ainda precisa de alguns reparos e várias revisões antes que ela crie coragempara submeter à avaliação de alguma editora pela primeira vez na vida. Mas, sabendo ser incapazde controlar a euforia, Luana decide deixar a tarefa para mais tarde.

— Oi, Gabi. Será que você pode dar uma pausa na sua vida de estrela famosa? Preciso dasua companhia para uma missão importantíssima. — Luana manda a mensagem de voz peloWhatsApp .

Poucos segundos depois vem a resposta.

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— Somente à tarde, Lu. A superestrela aqui está no meio de uma gravação e o diretor estálouco da vida por eu ter esquecido o celular ligado.

— Ai, des-cul-pa! — Luana retorna apressadamente e começa a rir quando ouve a resposta deGabriele.

— Se o diretor não me matar ou eu não morrer de curiosidade até lá, encontro você pelomeio da tarde, ok? Beijo.

— Ainda não me acostumei com esse trânsito. Fora que também não conheço as butiquestops daqui, portanto, você dirige. — Luana entrega as chaves da caminhonete para Gabrielequando entram na garagem da mansão.

— Uau! E posso saber o que a madame tem em mente? — Gabriele brinca posicionando-seatrás do volante.

— Não sei direito. Acho que vou precisar de um vestido de noite estilo princesa da Disney.Você se importaria de me levar à sua loja favorita?

— De maneira alguma, será um prazer. — Gabriele deixa a garagem e segue peloparalelepípedo até chegar à rua. — Mas me conta, você e o Cris vão a algum lugar especial?

— Bem, pra mim é especial — Luana comenta animada. — Vamos à festa de aniversário daPatrícia Salvador, você não foi convidada?

Gabriele irrompe numa gargalhada que domina o interior do veículo. Ela demora algunssegundos para se recompor, enquanto Luana aguarda impacientemente com as sobrancelhaselevadas.

— Não está pensando em ir à festa da Pati com vestido de noite, está?Elas estão paradas no sinal vermelho. Luana está abrindo a boca para responder, mas um

alvoroço no carro ao lado chama sua atenção.— Olha, mamãe, é a namorada do Cris Fedrizzi! — uma adolescente grita e colocando a

cabeça para fora da janela do carro berra ainda mais alto: — Você é muito linda, Luana! Minhasamigas e eu agora somos suas fãs também.

— Obrigada, querida — ela agradece com um sorriso abobalhado antes do sinal abrir.— Prepare-se porque, em breve, você não conseguirá mais andar normalmente na rua — Gabi

a alerta e trocam um sorriso de cumplicidade.Então Luana lembra do comentário da amiga, segundos atrás.

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— Por que não posso ir à festa com vestido de noite? — pergunta finalmente.— Não leu o convite? — Gabi dobra uma esquina e entra numa rua movimentada.— Pra falar a verdade, não li. Deveria? — Começa a morder os cantinhos das unhas

manicuradas no dia anterior.— O convite deixa claro que será uma festa informal com direito a banho de piscina. Quer

saber? Acho que o pessoal anda cansado de tanto luxo e vestido brilhante — comenta enquantoestaciona o veículo. — Você não tem que comprar um vestido chique, mas sim arrasar nobiquíni.

A ideia de uma festa informal a deixa empolgada. Estar em meio a tanta gente famosa semprecisar se preocupar com o vestido, o penteado, ou o sapato chique e desconfortável, prometeser inesquecível.

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— Você vai assim? — Luana pergunta incapaz de manter-se indiferente a Cristian, encostado

à soleira da porta do quarto, de banho recém-tomado, usando bermuda jeans, camisa polo eHavaianas.

— Estou pronto pra festa. E você, vai assim? — pergunta no mesmo tom usado por elaenquanto a avalia da cabeça aos pés.

— Lógico que não! — reage indignada olhando para o roupão felpudo azul royal que a cobrequase inteiramente. — Na verdade, ainda não decidi o que usar.

— Quer ajuda?Cristian não espera pela resposta. Um segundo depois invade o quarto e segue na direção do

closet. Sai de lá tão rapidamente quanto entrou, segurando um cabide em uma das mãos e umasandália Havaianas branca na outra.

— Vai ficar linda com essa roupa — diz satisfeito estendendo-lhe o vestido de um jeans leve,com lavagem muito clara, quase branco.

— Nunca pensou em ser consultor de moda? — Luana zomba, embora esteja realmenteadmirada com seu bom gosto.

Ele vai para o closet e volta trazendo um cintinho estreito, de couro cru, para definir a cintura.— Prontinho. — Alcança-lhe o acessório ignorando a provocação. — Agora não tem

desculpas para demorar. Te espero na sala.Está se virando para sair quando Luana o interrompe, a voz meio indecisa quando diz:— Só... não vou usar essas sandálias. Minha mãe teria um ataque se ainda estivesse viva e me

visse usando “chinelos de dedo” numa festa de gente chique.Ele explode numa gargalhada gostosa.

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— Havaianas deixou de ser brega há muito tempo, meu amor — diz quando se recompõe. —Além do mais, vai que algum publicitário a vê e decide convidá-la para o comercial da marca. —Cristian pisca charmosamente e deixa o quarto sem se dar conta de que Luana está prestes asurtar.

Meu amor?! Definitivamente, Cristian perdeu a noção do perigo!

Cristian a espera dentro do Porsche. O clima na noite carioca é opressor, nem mesmo o arcondicionado colabora para diminuir o calor.

Ao vê-la se aproximar do veículo se sente como um adolescente outra vez. Quando escolheuo vestido para Luana (e se surpreendeu pelo fato de ela ter acatado a ideia tão prontamente)estava pensando em simplicidade, no entanto, quando ela senta no banco ao seu lado, sóconsegue pensar nas pernas expostas (não muito, mas o suficiente para levá-lo à loucura) e nosbotões prateados que percorrem a peça do início ao fim, na parte frontal, um convite mudo paraseus dedos.

— Eu disse que ia parecer uma idiota com essas Havaianas — Luana desabafa quando se dáconta de que ele ainda não parou de analisá-la.

— Você está maravilhosa, tanto que não consigo parar de admirá-la — confessa num fio devoz. Ele pensou que Luana iria retrucá-lo ou, como sempre, dar um jeito de se esquivar doelogio, mas ela estica os lábios num sorriso torto de clara satisfação.

— Nem em meus sonhos mais malucos imaginei ouvir isso do meu ídolo, parece mentira —admite num rompante de sinceridade enquanto ele dá partida e ganha a estrada.

— Está feliz? — Num gesto automático, Cristian segura a mão dela e entrelaçam os dedos.— Muito. Você não é capaz de imaginar o quanto!

Cristian e Luana são recebidos pela própria aniversariante numa mansão repleta decelebridades.

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De fato, a maioria dos convidados usa traje de banho e os demais vestem-se de maneiradespojada. Ainda assim, Luana se sente pouco à vontade diante dos olhares nada discretos emsua direção. O motivo não é sua Havaianas, registra mentalmente depois de um rápido olhar paraa mulherada que, assim como ela, também usa sandálias semelhantes.

Tentando não entrar em pânico, Luana aperta a mão de Cristian lembrando da última vez queestiveram juntos em público. Certamente o fiasco da festa anterior ainda não fora esquecido.

E Marcela Alves? Por onde andará? O que estará aprontando? Se manterá afastada de Cristiandefinitivamente ou voltará exigindo seu posto na vida dele outra vez?

— Ei, Lu, em que planeta você está? — Cristian a sacode levemente para chamar sua atenção.Só então ela percebe que esteve todo esse tempo olhando para o vazio.

— Desculpa, me distraí. O que você disse?— Sugeri que fôssemos nos juntar à galera na piscina.— Ah... claro. Eu estava justamente pensando onde trocaria de roupa — mente.Embora esteja usando uma linda canga em tons de laranja e amarelo e se sinta satisfeita com

seu físico, Luana não consegue evitar a timidez quando flashes espocam em sua direçãocapturando cada detalhe de seu corpo esguio enquanto se dirige para a piscina, onde Cristian aespera.

Os fotógrafos dos meios de comunicação mais badalados estão se sentindo no paraíso.— Está com o rosto vermelho, aconteceu alguma coisa? — Cristian indaga preocupado ao vê-

la se aproximar.Luana entra na piscina, Cristian a puxa pela cintura e a abraça. Um súbito arrepio lhe percorre

o corpo quando se dá conta de que viver ao lado dela está se tornando cada dia mais fácil e queseus gestos, a princípio ensaiados para impressionar e convencer a plateia, agora sãoautomáticos.

— Eu estou bem. Você tem um efeito milagroso sobre mim — Luana confessa vendo aprópria emoção refletida nos olhos dele também.

Ela se desvencilha do abraço apenas para receber Gabriele, que acaba de chegar e estáradiante em um macaquinho verde-água.

— Está atrasada, dona Gabi — Cristian brinca ao cumprimentá-la.— Digamos que meu acompanhante é metrossexual e tive que esperar algumas horas até que

ele se considerasse apresentável — explica revirando os olhos, caindo na risada.— Giovane? — Cristian chuta e acerta de primeira. — Vocês dois se entenderam bem rápido,

hein? — E ele não poderia estar mais feliz. A última coisa que deseja é ver o amigo paquerandoLuana outra vez.

Mas quando Giovane aparece, não perde a oportunidade de provocá-lo. Por trás de Luana, elemostra a língua num gesto infantil, enquanto a abraça por mais tempo do que deveria.

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— Aninha, Aninha, ainda não acredito que nos reencontramos depois de todos esses anos —diz quando a solta.

Gabriele franze a testa, olha de Cristian para Giovane e finalmente para Luana, mas nenhumdos três diz nada, continuam agindo normalmente, com exceção de Cristian, que volta a abraçarLuana quase como se não pudesse ficar longe mais um minuto sequer.

— Você não tem vergonha de paquerar a minha namorada, brother ? — Apesar do tom debrincadeira, todos percebem que ele está falando sério.

— Ah, por favor, você está me constrangendo, Giovane — Gabi reclama, também em tom debrincadeira, e consegue ser bem mais convincente do que Cristian.

— Não vá na onda desse palhaço, gatinha. — Giovane a enlaça pela cintura e os dois caem naágua abraçados.

Cristian aproveita a deixa e vira Luana rapidamente para si. Antes que tenha tempo de pensarou agir com maturidade, gruda os lábios nos dela e a beija intensamente. Ele sabe. Luana sabe.Não há atuação nenhuma naquele beijo.

— Uau!!! — Gabi grita entusiasmada, interrompendo o ato, mas longe de quebrar a magiaque os envolve.

Giovane balança a cabeça, mas já não parece mais tão afetado quanto dias atrás.— Será que agora que já deu seu show você pode soltá-la e me dar um minuto de atenção? —

pergunta, sentando na beira da piscina, junto dos amigos.— Qual é, tá carente, mano? — Cristian ri e é prontamente acompanhado por Luana e Gabi.— Preferem que a gente dê uma volta para que possam ter uma conversa de macho pra

macho? — Gabriele pergunta enquanto cutuca as costelas de Giovane num gesto de intimidade.— Ah, claro, como não pensei nisso antes. — Luana faz menção de sair, mas Cristian a

mantém presa impedindo-a de se mover.— Vocês podem ficar, garotas. — Pisca charmosamente para elas. — E você, desembucha

logo, não há nada que elas não possam ouvir.— Uau! Tem certeza? — Giovane pergunta, o olhar que lança na direção do amigo está

repleto de significados. — É sobre sua ex.Cristian sente Luana se retesar em seus braços e a aperta, demonstrando que está tudo bem,

embora não esteja. Eles estão tão próximos um do outro que certamente ela consegue sentir seusbatimentos cardíacos descontrolados.

— Vá em frente — diz finalmente criando coragem para afastar Luana, somente o suficientepara encará-la.

— Ah, tá legal, fala logo porque estou me consumindo de curiosidade pra saber o que aquelavaca aprontou dessa vez — Gabriele solta a pérola num fôlego só.

— Já pedi um milhão de vezes pra não falar dessa maneira, Gabriele. — Ele solta Luana e se

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aproxima de Gabriele, o sangue fervendo nas veias.— Você também, hein, Giovane? — Luana o censura lançando-lhe um olhar furioso.— Desculpa, Cris. Eu devia saber que seu cavalheirismo não permite que ninguém ofenda sua

ex. — Gabriele alcança o braço do amigo e o aperta levemente. — Juro que não falo maisassim...

— Foi mal, eu que devo um pedido de desculpas... a todos vocês. — Cristian baixa os olhos.— Vamos esquecer isso, ok? Bora comemorar com a galera, hoje é dia de festa. Vem, Luana,

vamos nos enturmar. — Gabriele sai da piscina e puxa a amiga, que a acompanha, grata por teruma desculpa para sair dali.

A determinação com a qual Cristian defendeu Marcela havia causado uma dor quase físicanela. Precisava se afastar, pensar em outra coisa ou acabaria chorando no ombro de Gabriele econfessando toda a farsa entre ela e Cristian.

Depois de conhecer a mansão, na companhia de Gabriele e a aniversariante, Luana se sentemais leve e desinibida. Enquanto bebe uma latinha de energético, ela conversa animadamentecom Gabriele e mais duas atrizes da Rede Mundo, que parecem realmente gostar de suacompanhia.

Mais tarde, ela é apresentada a uma turma de rapazes e quase tem um ataque cardíaco quandoreconhece Alessandro Reis, atacante do Flamengo. Os minutos seguintes são indescritíveis, elasente como se estivesse flutuando, quase solta gritinhos de empolgação quando o jogador pedepara fazerem uma selfie juntos.

— Vamos?Luana se sobressalta com a voz grave em seu ouvido. Cristian está sério, os músculos saltam-

lhe no maxilar, ele parece estar se controlando para não explodir. Embora Luana não esteja coma menor vontade de deixar a festa e seus empolgantes convidados, o olhar do ator a alerta que émelhor não contrariá-lo. Sendo assim, ela se despede de todos e o segue, um pouco surpresa como braço possessivo que ele mantém em sua cintura.

— Poxa, temos mesmo que ir já? — Não resiste e pergunta a meio caminho do veículovoltando-se para trás para admirar a galera dançando ao som de Avitti.

— Se quiser ficar pode pegar uma carona com Gabriele, mas tenho impressão de que ela eGiovane não vão gostar muito de terem companhia. — O primeiro sorriso se insinua nos lábios

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dele desde que ela o deixara conversando com Giovane.— Se você não quer ficar, não vejo motivos para que eu fique — confessa dando de ombros.Ele solta uma risadinha satisfeita, mas o ato é tão rápido que Luana pensa ter imaginado

aquela súbita expressão de satisfação da parte dele.Eles seguem de mãos dadas até o Porsche, ninguém ousaria pensar que se trata de um casal de

“mentirinha”... Até porque talvez já não sejam mais.— Quer um conselho? Não beba da próxima vez que sair. Você fica soltinha além da conta.Luana começa a rir sentindo-se aliviada por saber que, pelo menos, parte de sua apreensão se

dissipou.— Eu não bebi, seu mala. Você que estava agindo feito um namorado ciumento — o acusa.

— Posso saber o que Giovane disse para tê-lo deixado tão inquieto?Cristian não procura negar que esteve agindo feito um namorado ciumento, exatamente como

Luana o acusara. Na verdade, toda a alegria provocada pela notícia que Giovane lhe dera fora porágua abaixo quando a viu feliz da vida na companhia daqueles jogadores de futebol.

Ele se comportara feito um adolescente, reconhece isso, mesmo assim não se arrependia nemum pouco por tê-la tirado da festa.

— Pra você ver como estou enlouquecendo com essa confusão entre atuação e vida real —diz subitamente quando gira a chave na ignição. — Eu devia estar feliz com a notícia queGiovane me deu, no entanto, fiquei uma fera quando a vi tirando fotos com aqueles marmanjos.

— Você está falando sério, Cris? — Luana o encara, ele sustenta o olhar por breves segundosantes de voltar a atenção para a estrada.

— Eu não mentiria sobre isso — afirma, a voz num tom mais baixo que o habitual. — Nãosei porque você se mostra surpresa, qualquer homem com sangue correndo nas veias sentiriaciúmes de você.

— O-obrigada... acho — responde se sentindo meio boba pelo agradecimento sem sentido. Eantes que comece a viajar por lugares proibidos na terra da fantasia, trata de mudar de assuntovoltando a perguntar: — O que Giovane disse que o deixou tão feliz?

Cristian se remexe no banco de couro. Ao perceber seu súbito desconforto, Luana trata de seapressar:

— Tudo bem se não quiser me contar...— Marcela está começando a reagir ao nosso teatro.A informação a pega totalmente desprevenida. Por alguns instantes esquecera completamente

o que Giovane havia dito mais cedo – que o que tinha para falar era sobre Marcela.— Reagir? Você quer dizer reagir positivamente? — “Ela quer voltar pra você?”, sua mente

grita em desespero. — Como assim?— Você quer conhecer minha mãe? — ele pergunta de ímpeto fazendo a cabeça de Luana dar

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um nó.— Tudo bem, tanto faz — diz sem pensar, seu foco voltado apenas para Marcela. — O que

aconteceu e por que Giovane sabia de alguma coisa relacionada a ela?— Giovane é meu advogado — a lembra enquanto ultrapassa um veículo. — Bem, quando

nos separamos, Marcela me acusou de ter ficado com todas as joias dela...— O quê? Como ela pôde fazer isso com você? — reage indignada.— Ela deve ter feito isso para chamar atenção — Cristian a defende. Luana bufa ao seu lado.

— O importante é que agora Marcela retirou a queixa, alegando que estivera enganada, que asjoias estavam na nossa casa, em Nova York.

— Isso o deixou feliz? — Luana interpela com cara de desdém.— Deixou, não vou mentir pra você. Se ela retirou a queixa significa que está começando a

ceder. Você acha que eu devo procurá-la?Luana volta a encará-lo e encontra uma expressão tão desarmada em seu semblante que

consegue entender, pela primeira vez na vida, o verdadeiro significado de abrir mão da própriafelicidade em prol da pessoa amada.

— É para isso que estamos juntos, não é? — responde sentindo a garganta se fechar peloesforço em não chorar. — Ela deu o primeiro passo, então... o próximo passo é você quem temque dar — completa reprimindo um suspiro desanimado.

Permanecem em silêncio pelo resto do percurso. Só quando param em frente a umcondomínio de tirar o fôlego, Luana se dá conta de que está prestes a conhecer sua “sogra”. Quehistória Cristian teria contado a ela? Teria dito a verdade ou preferira esconder da mãe sobreaquele falso namoro?

Ele abre o portão com o próprio controle remoto e segue pela estrada de paralelepípedo atéparar diante de uma casa branca, de dois pisos, circundada por um belíssimo jardim ondesapinhos e anões de gesso dão um toque todo especial.

— Você não se incomoda? — Cristian pergunta depois de ter dado a volta no veículo e abertoa porta para ela descer.

— Estou um pouco nervosa, mas faz parte do processo, não? Mais cedo ou mais tarde, euteria que conhecer sua mãe... — responde aceitando a mão que ele lhe oferece.

— Eu não estava falando disso — a voz do ator é apenas um sussurro.— Não? Do que...— Se você não se incomoda que eu vá falar com Marcela — explica.Luana sente as pernas fraquejarem. Seria tão mais fácil se ele não se importasse com o que ela

pensa ou sente a respeito daquela situação.— Você foi sincero comigo quando disse que sentiu ciúmes de mim com aqueles jogadores

— começa a falar sentindo a pressão dos dedos dele entrelaçados aos seus enquanto caminham

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rumo à casa. — Portanto, lhe devo a verdade agora... Eu não suporto a ideia de saber que vocêainda está totalmente ligado à sua ex-mulher, nem que pretende vê-la e talvez reconquistá-la...

— Por quê?— Porque eu amo você, Cristian. — Não havia um momento ideal para confessar seus

sentimentos. Poderia ser no dia seguinte, dali alguns meses ou quem sabe nunca, no entanto, foramais forte do que ela, as palavras saíram sem que planejasse. Agora ele já sabia.

Os lábios de Cristian se distendem num sorriso amplo. Pela primeira vez, desde que Luanachegou a sua vida, ele tem certeza absoluta de que o amor que ela havia declarado era destinadoao homem, não ao ator. Aquilo é tudo o que ele precisa saber.

Emocionado, para à entrada da casa da mãe e a abraça antes de beijá-la sofregamente.— Eu também te amo, Lu.Não houve explosões de fogos de artifícios com aquela confissão. Eles não estão em meio a

um jantar à luz de velas, nem velejando pelos canais de Veneza. No entanto, as palavras deCristian provocam o mesmo impacto em Luana. É como se ela estivesse explorando o paraíso,descobrindo os mais preciosos tesouros. Ele a ama, seus olhos não deixam dúvidas.

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— Nada. Parece que minha mãe escapou sem me avisar outra vez — Cristian comenta após

dar uma rápida olhada pela casa e perceber que está vazia.— Você devia ter avisado que viria. — Luana, que ainda suspeita estar em meio a um sonho,

admira a casa, fascinada. É tudo tão maravilhoso, desde os móveis em madeira escura até osinúmeros quadros e esculturas estrategicamente distribuídos pela sala de estar.

Cristian mal ouve o que ela está falando enquanto a observa, absorvendo cada uma de suasreações. Seu interior está repleto de um sentimento que nunca experimentou antes, nem mesmona adolescência. Embora tente defini-lo, não consegue, é mais grandioso do que palavras. Eassustador também.

Procurando não focar nos aspectos complicados daquela situação, ele a enlaça pela cintura e atraz para perto de si ao mesmo tempo que pega o celular e disca o número da mãe. Ela atendequando a ligação já está prestes a cair.

— Já olhou no relógio, querido? Não devia acordar uma anciã a essa hora — ela resmungado outro lado da linha antes mesmo de dizer alô.

— Em primeiro lugar, pare de drama, dona Júlia, a senhora está longe de ser uma anciã. Enem é tão tarde assim — ele ri adorando a sensação de ter Luana apertada entre seus braços.

— São quase três horas da madrugada, meu filho...— Três horas? Você está onde? — ele pergunta de cenho franzido.— Em Paris. Jenny pediu que eu viesse para que pudéssemos planejar juntas a próxima

exposição.— Devia ter me avisado...— Lá vem você outra vez. Quantas vezes preciso repetir que já tenho idade suficiente para

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viajar sozinha?Cristian ri do tom reprovador na voz da mãe.— Tem razão, mãe. — Embora se preocupe com as constantes viagens que ela faz à trabalho,

não é justo que peça explicações. — Só fiquei preocupado quando não a encontrei na sua casa.Acabamos de chegar da festa da Pati Salvador...

— Luana está com você? — A euforia de dona Júlia é perceptível na voz. Luana está perto osuficiente para ouvir e sente os pelos da nuca se eriçarem num misto de medo e empolgação. —Poxa, não é justo que eu a conheça apenas por meio de fotos e reportagens. Por favor, peçadesculpas a ela. Diga que, tão logo eu retorne, ligo para marcarmos um encontro.

— Quer falar com ela? — Cristian pergunta a Luana por meio de mímica. Ela negaimediatamente. Não está pronta para isso. — Eu digo a ela, mãe. Agora volte a dormir, imaginoque amanhã será um dia longo para você.

— Juízo, hein? Amo você, querido.— Essa casa é maravilhosa. Presente seu? — Luana se afasta quando ele encerra a ligação.Cristian sorri divertido.— Dona Júlia jamais aceitaria um presente dessa magnitude. Absolutamente tudo o que

possui adquiriu com os próprios esforços — explica, o orgulho pontuando cada palavra.— Sua mãe tem muito bom gosto, aliás, acabo de descobrir que temos algo em comum —

afirma enquanto analisa uma pintura que retrata uma criança maltrapilha ao lado de um enormecão, imponente e vistoso. O contraste, como sempre, provoca em Luana uma mistura desentimentos.

— Está se referindo às obras de arte?— Aos quadros, mais especificamente. Sou apaixonada pelos quadros da pintora

desconhecida. Lembro de ter lido uma matéria alguns anos atrás e desde então sou capaz deidentificar suas obras mesmo antes de ver a assinatura.

— Lu, você é capaz de guardar um segredo? — ele pergunta subitamente.— Você sempre faz isso? Muda de assunto com uma velocidade enlouquecedora?— Não estou mudando de assunto — responde com um sorriso enigmático. — Só preciso

saber se você guardaria um segredo de família.— Acho que já provei que sou capaz de guardar muito bem um segredo, não? — Ela também

sorri.Sem dizer mais nada, ele a segura pela mão e a conduz escadaria acima. O segundo andar é

tão magnífico quanto o primeiro.— Está preparada? — Cristian sussurra as palavras tão próximo ao ouvido dela que, por um

instante, Luana pensa não ser capaz de sustentar o peso das próprias pernas.— Lógico que não. Nem sei o que está acontecendo, para ser honesta.

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Então Cristian abre a porta e deixa o riso fluir ao notar a cara de espanto de Luana. Comoadoraria ter uma câmera naquele momento para registrar cada expressão, da incredulidade aeuforia.

— Cris, isso é... inacreditável! — exclama ao recuperar a voz.O cômodo de paredes imaculadamente brancas está repleto de cavaletes com telas em branco,

outras inacabadas, além de pincéis e potes de tinta de todas as cores e tamanhos.— Minha mãe é a pintora desconhecida — Cristian afirma sem deixar de sorrir.— Não sei por que estou surpresa. Você vive num mundo mágico, nada mais natural do que

ter uma mãe brilhante... Mas por que ela prefere o anonimato? — Era uma pergunta queimplorava por resposta.

— Não é muito mais emocionante, meu amor? — Cristian se posiciona atrás dela e beija suanuca. — Vem cá.

Ele a leva para a sacada, mas a mantém dentro do círculo formado por seus braços.— Tem tanta coisa que quero falar com você, podemos falar sobre minha mãe mais tarde...Luana sabe a que ele se refere. Todos seus medos estão ligados a Marcela Alves. Alguma

coisa dentro dela a alerta a não baixar a guarda, a não se doar totalmente. Cristian ainda não estáliberto de sua antiga vida.

— Meu amor, não vamos falar sobre sentimentos agora, está bem? — diz procurandoesconder a aflição na própria voz.

— Mas eu quero falar. Acabamos de nos declarar lá embaixo. Não podemos simplesmentecontinuar fingindo — Cristian replica.

— Você não está pronto, Cris.— Mas...— Mas nada. — Ela o silencia com um beijo. O contato dos lábios é quente e lento e dura

tempo suficiente para que ambos se esqueçam de todas as dúvidas, pelo menos por enquanto.— Vamos falar sobre sua mãe — ela diz quando se afastam. — A maioria dos artistas querem

ser vistos, faz parte do processo. Por que sua mãe optou pelo anonimato?— Minha mãe é bastante excêntrica, confesso. Mas, diferente de mim, ela odeia plateia e

morre de vergonha de ser o centro das atenções. Desde que começou a expor, quando eu aindaera um garotinho, vendia suas obras sem aparecer. Ela tinha um amigo, dono de uma galeria, quefazia todo o processo, desde a organização das exposições até as vendas sob encomenda. Foijustamente o fato de minha mãe não querer aparecer que acabou levantando muitas especulaçõesem cima do trabalho da pintora desconhecida, como passaram a chamá-la, e trazendo-lhe a famaque tem hoje. Agora todos a chamam simplesmente de Jota. Felizmente as especulações já nãosão mais tão constantes como antes, acho que todo mundo aceitou que ela prefere que seja assim.

— Como Elena Ferrante, a escritora italiana que prefere não ter seu nome real divulgado. Isso

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é tão chique! — Luana solta um gritinho de empolgação. — Obrigada por ter me confiado umsegredo tão importante, Cris.

— Há mais uma coisa que gostaria que soubesse. — Ele fica sério subitamente.— O quê? Mais segredos? — pergunta em tom de brincadeira.— Minha mãe não sabe que nosso namoro era só atuação no começo... E-eu preferia que ela

nunca ficasse sabendo, tudo bem pra você?Um súbito aperto no peito a impede de responder prontamente. Seus olhos se enchem de

lágrimas, ela trata de disfarçar balançando a cabeça.— Foi por isso que você se declarou?— Não. Claro que não! — Cristian a corta, indignado. — Lu, olhe pra mim. — Segura o rosto

dela entre as mãos e a faz encará-lo. — Eu jamais mentiria pra você. Tudo o que disse é verdade.Pode parecer maluco, coisa de novela, mas a verdade é que nos apaixonamos, nenhum dos doispode negar isso.

— Me desculpe — reponde num sussurro, a garganta dolorida pelo esforço em não chorar.— É natural que se sinta insegura, eu entendo. — Os olhos dele demonstram compreensão,

Luana o ama ainda mais por isso. — Mas não quero que duvide jamais do meu amor, porque é acoisa mais linda e pura que já senti na vida, Joaninha.

O apelido carinhoso soa natural aos seus ouvidos, como se ela estivesse acostumada a ouvi-lo.

— Eu te amo, Cris.— Não mais do que eu. — E para provar o que diz, ele leva uma de suas mãos até o peito.

Luana sente primeiro o contato dos dedos contra os músculos definidos e, em seguida, o pulsardescompassado de seu coração.

Aquilo vai muito além do que ela poderia ter sonhado.Enquanto deixam o cômodo, Luana se pergunta se Cristian não contou o segredo da mãe nem

mesmo a Marcela, mas não tem coragem para fazer tal pergunta a ele. Não importa, conclui, oimportante é que agora o relacionamento deles terá mais solidez. Descem as escadas lado a lado,tão próximos que Luana é capaz de sentir o perfume que a água da piscina não conseguiueliminar totalmente da pele dele.

— Sabe preparar um café? — ele pergunta caminhando em direção à cozinha.— Você só pode estar brincando comigo. Jamais volte a subestimar meus dotes culinários —

ela finge estar zangada, mas não consegue conter uma gargalhada. — Até uma criança sabepreparar um café, Cris.

— Marcela não sabia ou fingia não saber — comenta dando de ombros.— Prefere café passado ou instantâneo? — ela o corta rapidamente não querendo que o

assunto siga naquela direção.

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Ele sorri, um daqueles seus sorrisos estonteantes deixando à mostra dentes perfeitos. Luana écapaz de apostar que ele acaba de ler seus pensamentos.

— Tanto faz, amor. O que fizer pra mim está ótimo. — E então dá uma piscadela de derreterqualquer coração.

Luana coloca o pó e a água na cafeteira enquanto ele pega duas canecas no armário.— Quer leite também? — ele pergunta.— Sempre tomo café puro... mas parece que você não tem reparado muito em mim mesmo —

diz, consciente de que está fazendo charme.Cristian se aproxima perigosamente até que seus corpos estejam a milímetros de distância um

do outro.— Você está muito enganada, Lu. Reparo muitas coisas em você. Por exemplo, que você é a

mistura mais louca e atraente que já vi em uma mulher; é simples e ao mesmo tempo elegante; éuma gatinha manhosa, mas, às vezes, vira uma gata selvagem; tem o coração de uma garota, masé uma mulher irresistível...

Luana arqueja quando sente os músculos rígidos daquele peitoral pressioná-la contra ageladeira.

— Quer que eu continue? — ele provoca arqueando as sobrancelhas.— Hum-hum... — responde, incapaz de formular uma frase decente.— Você tem os olhos mais lindos do mundo, de um chocolate brilhante que me enlouquece.— O que mais? — finalmente pergunta ofegante.— Eu não deveria, mas sei que a amo de uma maneira tão intensa, que as palavras perdem o

sentido quando tento explicar esse sentimento.— Então não explique, apenas sinta — Luana murmura com a voz enrouquecida.O apito da cafeteira que os interrompe, tirando-os daquele momento mágico, anunciando que

o café está pronto. Cristian se afasta relutantemente e vai buscar a cafeteira servindo em seguidaas duas canecas com o café fumegante. Luana sai do transe e se obriga a reagir. Após abriralgumas portas finalmente encontra pacotes de biscoitos, pega um amanteigado e o acompanhaaté a sala de estar.

Cristian liga a televisão e a luz da tela clareia parcialmente a sala, antes iluminada apenaspelo abajur.

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— Hoje foi um dia e tanto, hein? — ela é a primeira a falar sentando-se ao lado dele no sofáantes de bebericar seu café. — Hum, que café divino!

— Minha mãe é exigente nesse quesito, só bebe café do cafezal dos amigos dela, em MinasGerais. — Cristian sorve a bebida também. — Lu...

O olhar dele é intenso. Luana tem certeza de que ele quer abordar o assunto difícil que elaconseguiu contornar anteriormente, por isso se antecipa:

— Cristian, eu realmente não quero analisar o que estamos sentindo, ok?Ele faz menção de começar a falar, mas ela move a cabeça energicamente, impedindo-o.— Eu sei que você ainda ama sua ex-mulher, sei que está dividido e tenho consciência de que

provoquei essa situação...— Não pode se culpar por isso, Luana. Você não me obrigou a nada, o sentimento

simplesmente nasceu e fluiu... — Ele lhe acaricia o rosto e se detém ao passar os dedos sobreseus lábios.

— É por isso que não quero falar sobre o assunto, Cris. Ok, me sinto uma covarde por isso.Droga, eu não quero perder você, meu amor — confessa sentindo as lágrimas chegando emondas gigantescas.

— Você nunca vai me perder, está bem? Eu prometo — ele sussurra retirando a xícara dasmãos dela e largando-a sobre a mesinha de centro antes de puxá-la para si.

Um romance se desenrola na televisão, no entanto, nenhum dos dois parece estar prestandoatenção. Ficam por um longo tempo abraçados, sem dizer palavra alguma. Não é necessário, osilêncio é muito mais significativo naquele momento.

Luana não sabe dizer quando nem como adormeceu só acordando no dia seguinte, com osprimeiros raios de sol batendo direto em seu rosto.

Bocejando, inspeciona com o olhar o lugar onde está. Reconhece a sala da casa de dona Júliae o mesmo sofá onde estivera na noite passada, assim como os braços musculosos que aenvolvem carinhosamente. Com cuidado, afasta-se de Cristian, que murmura algoincompreensível e volta a dormir.

Levanta-se e caminha devagar até a outra sala, então sobe as escadas a fim de fazer suahigiene matinal.

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O banheiro é tão limpo e moderno quanto o resto da casa. Embora esteja tentada a mergulharnaquela enorme banheira, decide tomar uma chuveirada rápida, antes que Cristian acorde. Apromessa feita por ele na noite anterior lhe vem à mente fazendo um sorriso brotar em seuslábios.

— Ele é muito melhor do que eu imaginava — murmura para si mesma enquanto se seca.Dona Júlia não se importaria, pensa tomando emprestado um roupão felpudo que encontrou

na gaveta do armário. A peça fica grande, mas é melhor do que usar as mesmas roupas do diaanterior, que agora estão amassadas depois de ter passado a noite no sofá. Resiste à vontade depegar maquiagem também (seria muita ousadia!) e desce em direção à cozinha determinada apreparar o desjejum.

Ainda são nove horas. Cristian continua dormindo, como se aquele sofá fosse tão confortávelquanto a cama gigante e macia de seu quarto. Luana permanece por longos minutos apreciando ohomem lindo à sua frente, dormindo como um anjo. Em questão de segundos, um filme passa emsua mente. O que Mari diria se soubesse que o relacionamento deles mudara de status?

Sorri. Certamente a amiga daria um jeito de colocar milhares de pulgas atrás de sua orelha.Como Cristian não demonstra qualquer sinal de que irá despertar logo, ela o beija de leve e

sai da sala disposta a deixá-lo dormir até a hora que quiser. É domingo e ele precisa mesmodescansar depois da semana de trabalho intensa que teve.

Na cozinha, sentindo o estômago reclamar de fome, dá um jeito de encontrar tudo o queprecisa para preparar o café da manhã. À princípio fica um pouco perdida, uma vez que não sabeonde estão os alimentos, mas logo tem à sua frente tudo o que precisa, então começa a pôr amesa.

Queijo, torradas, presunto de peito de peru, manteiga, geleias, banana, mamão papaia, suco delaranja... Maravilha!

Depois de encher uma forma com bolinhos de queijo congelados e levá-los ao forno, Luana sededica a preparar o café.

— Bom dia, gatinha, espero que tenha dormido bem. — Cristian se aproxima por trás e abeija na nuca.

Ele está barbeado e com os cabelos ainda úmidos do banho recente. E está em vantagem,pois, ao contrário de Luana, que veste um roupão emprestado, Cristian usa camiseta branca, ejeans limpinhos. A mistura de masculinidade com simplicidade faz com que Luana se sinta amulher mais sortuda do mundo, principalmente depois da noite anterior.

Ela gira em seus braços, fica na ponta dos pés e o beija suavemente, tentando não pensar emquem ele é e o que significa para o resto do Brasil e se concentrar somente no que ele significavapara ela.

— Bom dia, galã — responde quando se afasta. Prestando atenção nos bolinhos que retira do

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forno, continua: — Pra ser sincera, dormi feito uma pedra, só me sinto um pouco doloridaagora...

Ele sorri com malícia diante de seu comentário impensado fazendo-a enrubescer.— Espero que sua mãe não fique chateada comigo — trata de mudar de assunto logo.— Com o quê?— Por invadir a casa dela dessa maneira; usar seu banheiro, sua cozinha e... sua roupa — diz

sentindo-se tímida.— Duvido — responde enquanto pega a cafeteira e leva até a mesa. — Hummm... que mesa

linda, me deu água na boca. Venha, linda dama. Dê-me a honra de sua companhia — ele brinca,imitando alguns dos mocinhos que já interpretou.

— Com prazer, gentil cavalheiro! — responde rindo à beça.Exceto pelas vezes em que Cristian elogia os pãezinhos de queijo, o desjejum é feito num

agradável silêncio. Não há necessidade de palavras.Mas, embora estejam envolvidos naquela suposta atmosfera de serenidade, o interior de

ambos é um caleidoscópio de dúvidas e incertezas.

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— Não acho que você e o Cris devem ir à exposição de joias, Lu — Gabriele diz, a voz

ofegante depois da última meia hora na esteira.A personal trainer percebe o tom de segredo que as duas estão usando e discretamente se

afasta, deixando-as a sós na magnífica academia particular de Gabriele.— Já sei que Marcela estará lá, foi a primeira coisa que minha assessora disse quando ligou

essa manhã. — Luana revira os olhos ao relembrar.— Vocês dois estão tão bem, nunca vi meu amigo tão exultante como nos últimos dias... De

verdade — salienta ao notar a expressão de dúvida nos olhos dela.Sim, eles estavam ótimos, desde aquela noite na casa da mãe dele. Terem assumido o que

realmente sentiam um pelo outro havia sido como um bálsamo sagrado. Os dias se tornaram maiscoloridos, o riso fluía facilmente, assim como a cumplicidade aumentava naturalmente. MasLuana ainda se perguntava quanto tempo aquela fase duraria. Era por esse motivo que fazia tantaquestão de ir ao evento onde sabia, de fonte segura, que Marcela estaria. Precisava provar a simesma que não estava se iludindo.

— Por que você acha que não devo ir? — pergunta, subitamente desconfortável.— Tenho medo, desculpa — diz honestamente enquanto enxuga o rosto em uma toalha. —

Cristian pode ter uma recaída, você sabe...Em outra ocasião Luana teria ficado chateada, mas sua amizade com Gabriele permitia que

falassem abertamente. Ou melhor, não tão abertamente assim.Mais uma vez, Luana sente vontade de contar toda a verdade à amiga, mas pensa em Cristian

e é o suficiente para fazê-la mudar de ideia.— Qual é, não confia no meu taco? — muda de tom se esticando na bola de pilates.

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— Só estou tentando dizer que no seu lugar eu preferiria ficar em casa fazendo qualquer outracoisa — responde entonando uma garrafinha de água gelada que oferece para a amiga emseguida.

Luana aceita a oferta com prazer e se levanta equilibrando-se no braço de Gabriele. As duasse despedem da personal com um aceno e seguem para o jardim, onde sentam em cadeiras debalanço.

— Entendo seu ponto de vista, amiga. Pra ser sincera, eu preferia ficar em casa revisandomeu livro — confessa antes de beber o restante da água deixada por Gabriele. — Mas eu quero,preciso , ficar frente a frente com Marcela outra vez...

— Por falar em livro, já que você não me ofereceu até agora, vou lustrar minha cara de pau epedir para lê-lo. Que amiga você, hein?

Luana joga a cabeça para trás quando solta uma gargalhada.— Se não ofereci foi porque pensei que você não tivesse interesse — se defende.— Pois se enganou. Agora pare de enrolar e mande logo para o meu e-mail! — ordena sem

preâmbulos.— Vou fazer melhor. — Sorri quando uma ideia maravilhosa lhe invade os pensamentos. —

Vou imprimir e encadernar, assim poderá grifar, suprimir ou acrescentar o que acharconveniente.

— Por que eu faria isso? Sandraaaaa! — grita. Quando a empregada aparece, ela pede quetraga dois sanduíches naturais e suco de frutas. — Estou louca de fome.

— Porque você será minha leitora beta — Luana retoma a conversa quando a empregada seafasta.

— Ai, minha nossa, que chiqueza! — Gabriele se empolga como se Luana fosse a artistafamosa, não ela.

— Você aceita?— Que pergunta! — exclama. — É claro que aceito. Mas, olha, já vou adiantando que adoro

dar pitacos.Luana sorri. É exatamente de uma pessoa assim que ela precisa para aperfeiçoar seu texto;

alguém que não tenha medo de dizer o que pensa.— Perfeito! Vou providenciar e levo pra você hoje à noite, na exposição.

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Sem dúvida, Cristian Fedrizzi é o homem mais lindo da exposição. O smoking azul-marinholhe cai perfeitamente bem. A maneira como ele se movimenta, fazendo o terno agarrar-se aosseus músculos, deixa quase todas as mulheres do recinto com água na boca.

Ao seu lado, igualmente linda, usando um conjunto discreto, de saia e cropped pretos,contrastando com os sapatos de um prata cintilante, Luana não esconde o quanto está feliz. É aprimeira vez que ela e Cristian saem como namorados de verdade.

— Já mencionei o quanto você está maravilhosa? — Cristian sussurra em seu ouvido aomesmo tempo que pressiona com mais força sua cintura, gesto usual do ator que costumavaprovocar o maior agito em seu interior.

— Bom, você usou os adjetivos linda, exuberante, estonteante e gostosa enquanto vínhamospara cá, então... — Ela ri baixinho e encosta os lábios nos dele para um beijo delicado.

Após terem posado para dezenas de fotos, vão de mãos dadas ao encontro de Gabriele eGiovane, que acabam de chegar.

— Uau, você está radiante, Luana! — Gabi exclama antes de puxar a amiga para um abraçocaloroso, que, naturalmente, é registrado por vários fotógrafos.

— Obrigada, mas você também está um arraso — retribui com sinceridade.Cristian e Giovane também se cumprimentam e os quatro seguem na direção do bar.É nesse momento, enquanto se acomodam nas banquetas, que a atenção de Luana é voltada

para a mulher que está provocando um verdadeiro alvoroço entre os repórteres por se recusar afalar com eles e posar para as fotos.

Cristian, Giovane e Gabriele também olham naquela direção, os músculos de Cristian ficamrígidos involuntariamente. Ele sabia que Marcela estaria ali e queria poder provar a si mesmoque estava fazendo a coisa certa. Não esperava que a presença dela voltasse a incomodá-lo. Masfoi o que aconteceu. Talvez por estar verdadeiramente envolvido com Luana sentia como seestivesse traindo a ex-mulher. Era um pensamento ridículo, sabia, mas não conseguia evitar.

Luana é a primeira a desviar o olhar e focar na taça que segura com mãos trêmulas. Não deviater ido àquela exposição. Não estava pronta para encarar a realidade.

Ela é arrancada de seus pensamentos quando Cristian se levanta da banqueta alta do bar e aabraça por trás. Não é um gesto ensaiado, também não parece ser apenas para provocar ciúmesem Marcela. Luana sente que ele está perdido, confuso e agoniado, e que realmente precisadaquele contato, por isso leva uma das mãos ao braço dele em torno de si e o acaricia.

— Obrigada — ele sussurra antes de afastar-lhe os cabelos e depositar um beijo em sua nuca.O agradecimento não faz nenhum sentido para Gabriele e Giovane, que não perdem nada,

mas de uma maneira nada fácil de explicar, faz todo sentido do mundo para Luana, queresponde, também num sussurro:

— Eu amo você!

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— Você parece abatido. Algum problema, Cris? — Gabi pergunta mais tarde quando Luanaestá distraída admirando um anel de ouro branco, cravejado de minúsculos fragmentos em rubi.

— Apenas cansado — responde sem dar espaço para novas perguntas.Algum tempo depois, quando Cristian está tentando interagir normalmente com seus colegas

(os mesmos que estavam com ele no Bar do Édi) e Gabriele sai para dar uma entrevista, Giovanese aproxima um pouco mais de Luana.

Ela dá um sorriso amarelo. Seria submetida a outra sessão de galanteios?— Você e Cristian andaram brigando? Ele está estranho hoje — Giovane comenta sem tentar

nada mais íntimo como das outras vezes.— Nós não brigamos, acho que ele está trabalhando demais, só isso — responde, esperando

que com aquela resposta ele desista do assunto, mas engana-se.— Meu amigo está doente, e essa doença tem nome e sobrenome: Marcela Alves. É

impressionante...— Para sua informação, nosso namoro deixou de ser atuação há um bom tempo — ela o

corta, feliz por poder dividir aquilo com alguém.— Isso não me surpreende nem um pouco, Aninha. — O apelido carinhoso a deixa

ligeiramente incomodada, apesar do tom de voz dele ser brando e sincero. — Você émaravilhosa. E não estou falando apenas da sua beleza, falo do seu caráter também, tão diferentede Marcela... Mas permita-me dar um conselho: cuidado com essa mulher, ela é uma verdadeiracobra peçonhenta.

— Obrigada por me deixar ainda mais nervosa e insegura, querido. — O sorriso irônico delaquebra um pouco o clima tenso, no entanto, quando Giovane se afasta, suas palavras aindaecoam em sua cabeça.

Aproveitando que está sozinha, Luana passa a estudar os movimentos da modelo.Pelo que se lembra, Marcela surgira na mídia pouco antes de conhecer Cristian. Ela havia

sido a ganhadora de um concurso de beleza promovido por uma famosa marca de lingerie. Poucotempo depois já era a “sensação do momento”. O rápido namoro seguido do casamento com oator só fez aumentar o fascínio em torno dela. A partir de então a carreira da modelo estouroutambém no exterior, foi quando ela passou a recusar todos os convites para desfilar no Brasil efocou na carreira internacional. Talvez fosse jogada de marketing, pois, quanto mais ela se

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negava a aparecer no Brasil, mais dinheiro lhe ofereciam para que aceitasse desfilar, posar e atéatuar.

Sentada sozinha num lugar retirado, Marcela olha para todos com ar de superioridade. Poruma ou duas vezes alguém se aproxima tentando entrevistá-la e ela nega com veemência. Emcontrapartida, sua atenção está totalmente voltada para Cristian. Luana também não perde nemum detalhe e se pergunta qual é a da modelo. Por que, depois de humilhá-lo e deixar claro quenão o queria mais em sua vida, ela voltara e fazia questão de aparecer nos mesmos lugares ondeo ex estava?

No fundo, Luana sabia a resposta. Marcela estava marcando território e esperando o momentoideal para atacar.

Ela se sobressalta quando Cristian se aproxima e a enlaça pela cintura.— Vamos, Joaninha? — Seu tom de voz é suave e carinhoso. — Não queria tê-la deixado

sozinha, mas achei que estaria mais segura aqui do que com o Rafa e sua equipe deconquistadores baratos.

Luana ri do comentário e aceita o braço que ele lhe oferece. O convite não poderia terchegado em momento mais apropriado, tudo o que ela mais quer é voltar para o conforto esegurança da mansão, longe do olhar de Marcela.

Quando estão chegando à porta principal do salão, Luana vê Gabi acenando. Cristian paraeducadamente, sem tirar o braço de sua cintura.

— Já estão indo embora, tão cedo? — pergunta ofegante.— Que bom que está aqui, Gabi. Vamos até o carro pegar o manuscrito — diz sem responder

sua pergunta.Eles seguem até o carro onde Luana pega o arquivo no banco de trás. O coração acelera em

ritmo de samba. Gabi será a primeira pessoa a ter contato com seu trabalho, a emoção que aenvolve naquele momento é tão grande que precisa respirar várias vezes até se acalmar.

— Leia com carinho, amiga — fala enquanto entrega a apostila com relutância, vendoCristian sorrir, apoiando-a silenciosamente.

— Nem eu tive acesso a esse tesouro, Gabi, portanto, valorize essa oportunidade — eleacrescenta antes de entrar no carro, enquanto as amigas se despedem.

— Luana... — Gabi parece nervosa ao sussurrar em seu ouvido enquanto a abraça. — Euestava prestando atenção em você e Giovane sozinhos no bar... Pareciam íntimos, tem algumacoisa acontecendo entre vocês?

Luana suspira antes de dizer:— Consegue conter a curiosidade até amanhã? — Gabi acena em confirmação embora pareça

contrariada. — Prometo que contarei tudo o que você quer saber.— Promete mesmo? — Ela parece duvidosa e aborrecida.

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— Eu juro — reponde apertando-a num abraço carinhoso.Cristian esteve distante, com o pensamento longe até chegarem à mansão. Ele adoraria

manter-se calado, guardando apenas para si a confusão que havia em seu interior. Calar talvezfosse a maneira mais simples (e cômoda, tinha que admitir) de enfrentar seus problemas.

Mas Luana tinha o poder de mudar seus conceitos. Não fazia sentido manter-se naquelaconcha. Ainda mais sabendo que ela facilmente associaria esse silêncio ao fato de terem seencontrado com Marcela. E, justamente por ela não estar errada, via a necessidade de, pelomenos, tentar explicar como se sentia. Não era nada fácil, mas precisava se esforçar. Luanamerecia.

— Lu — chama com voz branda quando ela já está subindo os primeiros degraus rumo ao seuquarto.

Ela se volta surpresa tentando esconder que está chateada; não com ele, talvez consigomesma.

— Será que podemos conversar um minutinho? — ele prossegue com um sorriso meioincerto.

Ela assente com um movimento de cabeça, contente que a noite não tenha terminado damaneira que ela imaginou.

Os dois vão para a sala de estar onde Luana tira os sapatos de salto alto, que a estavammatando. Ao seu lado, Cristian se livra do paletó e afrouxa a gravata antes de puxá-la para pertode si.

— Você não precisa se justificar, Cris — começa a falar depois de alguns minutos de silêncio.— Sei que ainda ama sua ex-mulher, aliás, vocês ainda são casados então...

— Eu não a amo — Cristian a interrompe e segura seu rosto entre as mãos para que não deixede encará-lo. — Entende agora? É exatamente por isso que estou tão confuso.

— O que quer dizer com isso? — questiona, a voz apenas um sussurro pelo esforço em nãochorar.

— Exatamente o que ouviu, minha vida. Me humilhei, implorei, fiz as maiores loucuras queum homem pode fazer... E você é prova disso — completa beijando-a na ponta do nariz —,porque estava convencido de que jamais voltaria a ser feliz se Marcela não fizesse parte daminha vida. Mas quando a vi hoje, foi como se uma janela tivesse sido aberta à minha frente eatravés dela vi a verdade, descobri que Marcela já não representa mais nada pra mim. E sabecomo percebi isso? — Luana nega com a cabeça e ele prossegue: — Quando parei para prestaratenção nos homens que se aproximavam dela...

Luana eleva uma sobrancelha, não conseguindo acompanhar seu raciocínio.— A aproximação deles não provocou absolutamente nada em mim. Mas bastou que Giovane

conversasse a sós com você para que despertasse em mim um leão adormecido. Outra vez tive

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vontade de esganá-lo e mostrar a ele que você é minha.Luana sorri, mas seus lábios estão trêmulos. Aquela é a declaração de amor mais perfeita que

uma mulher poderia desejar.— Mas eu me senti mal — Cristian continua, ficando sério de repente, sem no entanto deixar

de acariciá-la nas costas. — Porque percebi claramente que Marcela está arrependida e quervoltar.

Luana sente uma pontada no coração, como se tivesse sido cravado por um punhal. Aspalavras dele confirmam o que ela não queria admitir: Marcela está de volta disposta areivindicar seu amor.

— Agora é tarde demais porque você já é meu — Luana fala antes que perca a coragem. — Evamos namorar, casar, ter filhos... — completa quando percebe que ele está tão envolvidoemocionalmente quanto ela.

— Não sei se estou preparado para pensar em filhos por enquanto — brinca —, mas sei comcerteza absoluta que quero tudo com você — responde começando a beijá-la nos olhos,bochechas, pescoço, antes de finalizar apossando-se de seus lábios com determinação.

— Cris, Cris... — Luana balbucia arfando.— Você não acredita? Dê-me uma chance então — ele diz olhando na direção da escadaria.Luana sabe exatamente a que ele se refere. Porém, a imagem de Margarida lhe vem à mente,

bem como as palavras dela, que retumbam em seu cérebro desde que foram proferidas.— Sinto que não estou preparada, Cris... — responde escondendo parte da verdade.— Por quê? — ele quer saber.— Você sabe... A única vez que me envolvi seriamente com alguém, ambos acabamos

feridos.

— Eu sou uma idiota mesmo! — Luana exclama jogando-se na cama, cobrindo a cabeça como travesseiro após ter se despedido de Cristian à porta de seu quarto. — Fico dando ouvidos àMargarida e olha como acabo — bufa.

A conversa que tivera com a empregada dias antes ainda a perturbava muito mais do quegostaria de admitir.

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Tão logo chegara da casa de dona Júlia, Margarida a atacara com perguntas nada discretas.Ela queria ter certeza de que Luana não se entregara ao patrão.

— Ah, não! Não me diga que você é careta a esse ponto, Marga. Aposto que o Cris já dormiucom dezenas de outras mulheres aqui, bem debaixo do seu nariz e você nunca se importou. Porque isso agora?

— Porque me importo com você. Sei que o ama de verdade — respondeu demonstrandoressentimento.

— Ele também me ama, as coisas mudaram entre nós — Luana havia dito cheia de orgulhona voz.

— E eu jamais duvidaria desse amor, meu anjo. Mas você quer realmente se entregar a umhomem casado?

— O que quer dizer com isso, Margarida? — perguntou intrigada e aborrecida.— Exatamente o que você ouviu. Cristian ainda é casado com Marcela e eu aposto meu

salário inteirinho que ela está apenas esperando o momento oportuno para voltar implorandoperdão.

— Por que você acha isso? — Luana quase gritou, mas se controlou a tempo. Margarida erasua amiga, quase como uma mãe, se estava sendo honesta a esse ponto, devia ter lá seusmotivos.

— Conheço Marcela muito melhor que você...— E acha que estou sendo uma palhaça por acreditar nele porque, obviamente, Cris vai

escolher ficar com a ex. — Seus olhos ficaram marejados e o aperto no peito se intensificou.— Não fique assim, meu bem, não quero que se martirize com o que pode acontecer, apenas

sinto a necessidade de alertá-la a não entregar tudo o que tem sem antes ter certeza...Luana revirou os olhos.— Tenho medo que Marcela volte e faça chantagem emocional, como era acostumada a

fazer, minha filha. Cristian é um homem maravilhoso, mas sua bondade já o colocou em váriassaias-justas — entregou o patrão sem o menor pudor.

Outro suspiro e Luana volta ao presente, criando coragem para se levantar e trocar a roupa

por um pijama confortável.Cristian havia dado a entender mais cedo que sentia pena de Marcela.Pena de um lado e chantagem emocional de outro. Sim, talvez Margarida, por ser imparcial,

conseguisse ver a situação com mais clareza.A mim cabe esperar... E torcer para que meu conto de fadas não chegue ao fim.

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Apesar da noite maldormida e a consequente dor de cabeça, Luana está feliz, sentada diante

da elegantíssima senhora. Havia visto dezenas de fotos na casa de Cristian e em algumasrevistas, mas, pessoalmente, dona Júlia era ainda mais impressionante.

— Finalmente nos conhecemos, querida — ela diz acariciando as mãos de Luana comternura. — Você é tão novinha, no entanto, demonstra ser tão forte... Senti isso quando a vi pelatelevisão — confessa como se a conhecesse desde muito tempo.

— Também estou muito feliz em conhecê-la, dona Júlia — Luana responde com um sorrisoque flui naturalmente na companhia da senhora.

— Meu filho fez uma ótima troca — deixa escapar, em seguida, bebe um longo gole de águana tentativa de ganhar tempo. — Eu não queria ter dito isso, sinto muito.

Luana também bebe um gole de sua bebida. Estão sentadas em cadeiras de ferro, forradascom almofadões coloridos, dispostos no impecável jardim de dona Júlia.

— Não me importo que faça comparações — Luana responde finalmente e, tomandocoragem, acrescenta: — Principalmente porque parece que a senhora não simpatizava muito comsua ex-nora.

— Marcela nunca gostou de mim — dona Júlia revela escolhendo as palavras com cuidado.— Mas não posso julgá-la, pois também nunca simpatizei com ela.

Ser aprovada pela sogra é o sonho de toda nora. Com Luana não é diferente. Para ela, aaprovação de dona Júlia tem um valor ainda mais especial. Principalmente pela situação em quese encontra, com todo mundo apostando que Marcela reivindicará seu lugar de esposa a qualquermomento. O pensamento provoca-lhe um arrepio, ela precisa fazer um grande esforço para seconcentrar no que a mãe de Cristian está dizendo.

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— ... Você acredita? — pergunta indignada.Luana lança um olhar envergonhado em sua direção.— Me desculpe, eu... me distraí por um momento. O que você falou?— Estava dizendo que nada me tira da cabeça que Marcela é viciada em drogas...Luana se afoga com a própria saliva. Dona Júlia levanta e vai ao seu socorro, dando tapinhas

em suas costas até que se recupere.— Isso não pode ser verdade, dona Júlia. Cristian teria percebido se algo assim estivesse

acontecendo — começa a falar pausadamente, ainda ruborizada por conta do engasgo.— Peço desculpas se estou me comportando feito uma velha fofoqueira. A verdade é que eu

estava com isso tudo entalado na garganta e não via a hora de desabafar com alguém.Não parece implicância de uma velha fofoqueira, Luana deduz. As desconfianças de dona

Júlia a deixam confusa, sua cabeça dá mil voltas, mas não consegue chegar a lugar nenhum.Ordenando a si mesma que foque no que a senhora está dizendo, a fim de evitar outro mico,

Luana deixa de lado suas conjecturas e volta a prestar atenção na conversa.— Respondendo sua pergunta, meu filho não perceberia nada de anormal em Marcela.

Primeiro, porque ela era uma visita na própria casa; e segundo, porque ela sempre teve o poderde manipulá-lo conforme lhe fosse conveniente.

— Porque ele a ama — Luana sussurra, a garganta doendo pelo esforço em não chorar.— A amava — dona Júlia a corrige prontamente. — Ou pensava que amava. Agora ele está

com você e nunca vi meu filho tão radiante antes... Meu bem — ela volta a pegar nas mãos deLuana —, é por isso que estou te contando todas essas coisas. Você não pode permitir queCristian se deixe levar por essa mulher outra vez. — Seu semblante demonstra uma preocupaçãogenuína, que provoca uma sensação estranha em Luana. — Sim, eu não a suporto, mas não é sóimplicância minha... Essa mulher pode ser uma viciada ou... Deus me perdoe, uma traficante...

Luana solta uma risada alta diante de tamanho absurdo, mas emudece rapidamente aoperceber que dona Júlia se tornou ainda mais séria do que antes.

— Ai, não... A se-senhora não po-pode estar fa-falando sério — gagueja ridiculamente.— Acha que eu seria capaz de caluniar uma pessoa só porque não simpatizo com ela? — A

voz firme da senhora não deixa dúvidas quanto à sua índole.— O que significa que... — deixa a frase no ar esperando que ela complete.— Que a ouvi ao telefone na única vez em que esteve aqui em casa. Ela falava com alguém

com voz zangada, explicando que “desta vez não poderia pegar a branquinha tão cedo”.— Meu Deus! — Luana arregala os olhos.— Mas daí ela me viu e, claro, deu um jeito de mudar o rumo da conversa. Começou a dizer

que sua cachorra teria que ficar no petshop mais um tempo...Luana ri tão alto e irrefreadamente que sente correr lágrimas dos olhos e os músculos da

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barriga doerem. Cristian não a havia alertado sobre as paranoias da mãe.— Pensei que você fosse mais madura — dona Júlia muda o tom de voz bruscamente

parecendo ressentida.— É que toda a situação foi esclarecida, dona Júlia. Não há motivo algum para desconfiança.— Exceto o fato de que Marcela odeia animais e jamais teria um cachorro, um gato, um

coelho, ou seja lá o que for — joga as palavras com ar vitorioso fazendo cessar definitivamente oacesso de riso de Luana, que agora a encara com olhar preocupado.

— Será? — A pergunta é mais para si mesma que para dona Júlia. — Bem, ela é modelo ealguns artistas... Não, ela não faria isso — conclui, mas lá num cantinho escondido a dúvida jáfoi plantada.

— Enfim, se Marcela usa drogas ou deixa de usar, já não é mais da minha conta... desde queela fique bem longe do meu menino. E pra isso, claro, conto com a sua ajuda — pede com umapiscadela de cumplicidade.

A jovem se remexe desconfortável na cadeira. A mãe de Cristian é meio maluquinha, apesarde ser um doce de pessoa, e a pressão que ela sutilmente coloca nas costas de Luana a deixa meioque em pânico. Se, pelo menos, tivesse alguém com quem conversar, pensa quase com pesar. Énessas horas que a falta de dona Lenira ataca com força total.

— Não posso interferir nas escolhas do Cris, dona Júlia — responde em voz baixa. —Sempre dei a ele todo o meu amor, mas isso é tudo o que tenho. Lógico que, se eu desconfiar deque o estou perdendo, lutarei para mantê-lo ao meu lado, porque não sou o tipo de mulher quesenta e chora... Mas não posso obrigá-lo a ficar comigo, nem Marcela ou qualquer outra mulher.

— Mas você pode fazer algo que o prenda para sempre ao seu lado — dona Júlia se adiantacom um sorrisinho malicioso nos lábios. — Algo que Marcela jamais faria para não estragar ocorpinho de modelo.

Se Luana estivesse bebendo alguma coisa no momento, certamente teria se afogado outra vez.Como dona Júlia ousava insinuar que ela deveria engravidar para manter Cristian ao seu lado?

Aquele era um pensamento tão mesquinho e imoral que ela tem vontade de responder comum belo palavrão. Onde estaria a senhorinha serena e cheia de princípios que Luana idealizara?

Um sorriso enviesado lhe escapa dos lábios, ela balança a cabeça contrariada. Claro, donaJúlia é uma artista, e das mais excêntricas pelo visto.

Liberal do jeito que é, o que dirá se souber que Luana sequer chegou a dormir com seu filho?!— Adorei conhecer a senhora, sua companhia é agradabilíssima, mas realmente preciso ir. —

Luana se levanta tentando convencer a si mesma de que a mulher à sua frente é só uma mãecoruja, preocupada com o bem-estar do único filho. — Combinei de almoçar com Gabriele e jáestou atrasada — explica, agradecendo mentalmente pelo providencial encontro.

— Mas já? — O olhar de dona Júlia é pura decepção. Ela parece realmente triste com a

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despedida. — Você tem que prometer que voltará para me ver sempre que puder...— Claro que sim, dona Júlia — promete abraçando-a. Apesar da personalidade falante e

direta dela, Luana não pode negar que se afeiçoou à senhora. — Mas também quero que vá nosvisitar sempre que puder.

— Tão diferente da outra! — ela diz maravilhada juntando as mãos como se estivessefazendo uma oração.

Luana espera até chegar ao carro e dar partida para só então soltar a gargalhada que estiveraretendo.

— Essa mulher não existe! — exclama antes de plugar o pen drive com uma seleção demúsicas da Shakira.

O Bar do Édi está um verdadeiro tumulto. Luana demora quase dez minutos até conseguirchegar onde Gabriele está. Isso porque foi parada dezenas de vezes por amigos de Cristian quequeriam conhecê-la ou simplesmente cumprimentá-la como se já fossem velhos amigos.

— Ufa, consegui sobreviver! — Luana desabafa depois de ter abraçado a amiga.— Esse é o preço da fama, Lulu — Gabi graceja enquanto lhe oferece o drinque que está

bebendo.— Obrigada — dispensa a bebida num gesto automático. — Você não imagina de onde estou

vindo.— Não faço a menor ideia. — Dá de ombros e Luana percebe que Gabi não consegue olhá-la

nos olhos. O que estaria acontecendo?— Estava na casa da dona Júlia. Minha nossa, por que nunca me disse que ela era tão maluca?Gabriele solta uma gargalhada, por um momento o olhar preocupado é substituído pelo

divertimento.— Era responsabilidade do Cris tê-la alertado quanto a isso. — Subitamente muda de humor

ficando séria. — Mas vamos logo ao que interessa... O que está rolando entre você e o Giovane?Claro, é exatamente para isso que ela está ali. Cristian que a perdoe, mas não pode mais

esconder a verdade de sua amiga.Suspira profundamente antes de começar:— Quando você me conheceu, eu era apenas uma atriz representando um papel. Cristian e eu

não éramos namorados de verdade?

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— O quê? — Gabriele solta um grito que chega aos ouvidos de metade dos frequentadores dolugar. — Você é uma atriz?

— Quer fazer o favor de falar baixo? — Luana pede entredentes. — Sim, eu sou atriz. Semum pingo de fama, mas ainda assim, atriz. Bem, acontece que as coisas mudaram, nós nosapaixonamos de verdade... — Luana começa a explicar diante dos olhos de uma Gabi para lá deincrédula.

Quando termina, as feições da amiga demonstram surpresa e fascínio.— Não entendo. Se você e o Cris descobriram que se amam de verdade, por que sinto que

tem alguma peça fora do lugar em relação a Giovane? — pergunta atacando a porção de batatasfritas que o garçom trouxe junto com a salada e o peixe recheado.

— Giovane e eu tivemos um relacionamento anos atrás — confessa já prevendo o choque queprovocará na amiga. — Pois é, acredite se quiser, ficamos juntos por um tempo, mas tudo foi porágua abaixo quando descobri que ele era amigo de infância do Cris...

— Peraí que minha cabeça deu um nó. — Ela para de mastigar e engole a comida com umgeneroso gole de água antes de prosseguir: — Cristian? Cristian Fedrizzi?

— Você deve conhecer a história da princesa Kate Middleton, não?Gabriele a encara como se ela fosse louca de pedra.— A atual princesa grudou no pé do príncipe William feito chiclete, calculou cada passo para

alcançar seu sonho...— E? — Gabi se agita querendo chegar logo ao ponto.— Claro que não consegui ser tão sofisticada quanto ela, mas usei todas as armas que eu tinha

— “ou quase todas”, acrescenta mentalmente — para me aproximar do Cris. Quando descobrique Giovane era amigo íntimo do meu ídolo, todo o resto deixou de ter importância. Eu só viaisso como um sinal do destino de que eu estava no caminho certo...

Desta vez, Gabriele solta uma gargalhada ainda mais alta, pouco se importando com osolhares curiosos.

— Garota, em que mundo você vive que, mesmo sendo escritora, ainda não colocou essahistória toda no papel? Você seria best-seller num piscar de olhos! — exclama estupefata.

— Não queremos divulgar essa história, Gabi — afirma com convicção. — Não traria nadade positivo para a carreira do Cris, pelo contrário, a mídia faria da vida dele um inferno. Vocêtem que me prometer que não dirá a ninguém — pede com seriedade.

— Só porque você está pedindo, porque eu adoraria ser a primeira a soltar essa bomba cor-de-rosa nas redes sociais.

— Obrigada — Luana agradece levando à boca a primeira garfada do peixemaravilhosamente temperado com ervas.

— Ah, não, por favor, não me agradeça. — Gabriele volta ao seu estado de ânimo habitual.

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— Estou aliviada por saber que você não sente nada pelo Giovane. — Ela para um momento. —Bem, pensando melhor, não sei se me sinto totalmente aliviada, ele ainda parece bem caidinhopor você.

— Engano seu, amiga — Luana assegura. — Nós já tivemos uma conversa esclarecedora, nosperdoamos mutuamente e posso garantir que o caminho está totalmente livre pra você.

— Ai, Luluzinha! — ela choraminga. — Me deseje boa sorte, porque eu estou perdida deamores por esse homem... E nem um pouco disposta a ficar apenas no sexo sem compromisso.

— Pois então, faça por merecer. — Luana dá uma piscadinha.— É o que você está fazendo? — Gabriele pergunta interessada no assunto.— Com certeza — afirma sentindo as bochechas corarem.

Mais tarde, despedem-se num clima de total cumplicidade.Luana dá apenas alguns passos antes de ouvir Gabriele chamá-la.— Hum? — pergunta arqueando as sobrancelhas ao reparar no nervosismo da amiga.— Não esquece da gravação na minha casa amanhã — diz finalmente forçando um sorriso.Luana sorri, aliviada, e Gabriele balança a cabeça quando a vê partir, recriminando-se por não

ter tido coragem de confessar que perdeu os originais do livro que ela lhe confiara com tantocarinho.

Luana a mataria quando descobrisse!

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Luana sobe os degraus de dois em dois. Estava tão distraída, repassando mentalmente a

conversa que teve com Gabriele, que se sobressalta ao abrir a porta do quarto e dar de cara comCristian, tão sério que a faz retroceder um passo.

— O que... O que está fazendo no meu quarto? —Aproxima-se dele após ter fechado a portaatrás de si.

— Eu estava preocupado. Já te falaram que existe um aplicativo chamado WhatsApp queserve, entre outras coisas, para avisar quando você vai demorar? — desabafa levantando-se dapoltrona onde esteve sentado.

— Ah não, droga! Eu fiquei sem bateria. — Luana pega o celular na bolsa e mostra a ele paracomprovar o que diz. — Me perdoe, eu esqueci completamente que você tinha planos para essatarde. — Leva a mão à testa chateada consigo mesma.

— Não é por causa do compromisso, Lu. Por favor, não faça mais isso. O Rio de Janeiro nãoé como Caxias. Aqui é perigoso andar sozinha. Fiquei maluco quando liguei para minha mãe eela disse que você havia se despedido havia horas. — O olhar de Cristian é ao mesmo temporecriminador e preocupado.

Luana não consegue conter um sorriso lisonjeado. Depois da morte de dona Lenira, é aprimeira vez que alguém se preocupa com seu bem-estar. Sentindo o peito aquecer diantedaquele olhar preocupado, Luana se aproxima até sentir o corpo envolvido pelos braços dele.

— Não vamos brigar por causa disso, né? — sussurra antes de pressionar os lábios contra osdele.

— Não — responde no mesmo tom. — Mas só porque você tem o poder de mudar tudo comesse jeitinho. Fique sabendo que eu estava furioso minutos atrás — confessa.

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Luana sorri. Um segundo depois, ela sente o mundo girar quando Cristian a beija, a barba porfazer provoca-lhe a sensação mais deliciosa do mundo.

Quando ele se afasta, o brilho preocupado desapareceu de seus olhos; a emoção que prevaleceestá além da compreensão de ambos.

— Aonde nós vamos? — ela limpa a garganta a fim de disfarçar a rouquidão.— Gravar uma externa. Sugiro que se vista confortavelmente e use tênis de caminhada,

vamos ter que caminhar um pouquinho dentro do parque.— Não é uma pegadinha, é? — Luana mal consegue disfarçar a empolgação. — Você vai

mesmo me levar a uma gravação, com toda a equipe da novela?— Isso se você conseguir se trocar a tempo. Já estamos atrasados — avisa olhando no relógio

do celular.— Saia já daqui — brinca, empurrando-o para fora do quarto.Quando ele fecha a porta atrás de si, Luana solta o gritinho de entusiasmo que estivera

contendo.Controle-se, Luana. Controle-se!Depois de um banho rápido, escolhe a primeira legging e regata que encontra no closet, calça

os tênis e prende o cabelo num rabo de cavalo. Embora sua vontade seja descer as escadariascorrendo para se encontrar com Cristian, para alguns segundos em frente ao espelho para passarum lápis nos olhos e um batom clarinho.

Confere o visual uma última vez e vai ao encontro de Cristian que está... Uau! Lindo, emboracontinue usando bermuda, camiseta e tênis.

— Vou me vestir lá — responde sua pergunta muda. — Agora vamos antes que eu mude deideia e fique por aqui mesmo...

— Tanta malícia que estou até envergonhada! — Margarida aparece em seu campo de visãosecando as mãos num pano de prato. — Você devia pedi-la em casamento, isso sim — completatão séria que Luana sente o rosto vermelho de vergonha. Sim, porque a empregada a encaracomo se a ideia tivesse partido dela.

— Você está deixando a Lu sem graça, Marga — Cristian a recrimina, mas o sorriso de cantodeixa óbvio que ele está amando a cena toda.

— Minha vez de dizer “vamos logo”. Se continuarmos aqui, Margarida se encarregará de mematar de vergonha — diz, arrastando-o para fora da mansão.

Na garagem, após ter sido informada sobre o destino que os aguarda, Luana se dirige àcaminhonete num ato automático. Só se dá conta disso quando Cristian a detém prendendo-acom seu próprio corpo contra a lataria do carro.

— Eu dirijo, gata. Prezo muito minha integridade física, sabia? — murmura roçando os lábioscarnudos nos dela de modo provocativo.

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Por um momento, Luana fica sem ação, dividida entre o calor provocado pela proximidade deCristian e a indignação ao se dar conta de que ele está questionando sua capacidade de dirigir,fazendo alusão ao dia em que ela dirigiu feito uma louca após ter reencontrado Giovane.

— Juro que se você não fosse tão perfeito... e se eu não te amasse tanto, ficaria ofendida comseu comentário — Luana responde arfando, aproveitando sua distração para escapar para o ladodo carona.

Cristian ganha a estrada com um sorriso contente nos lábios. Luana é contagiada pelo gestogenuíno e se pega sorrindo também, incapaz de esconder o quanto está feliz pelo simples fato deestar ali com ele, a caminho da Floresta da Tijuca, para viver a inédita experiência de vê-logravando.

— Como foi com minha mãe? — ele pergunta subitamente.— Pensei que você nunca fosse perguntar — brinca revirando os olhos, provocando uma

gargalhada gostosa no namorado. — Devia ter me avisado que ela era tão... descerimoniosa.Cristian arregala olhos divertidos e desvia a atenção da estrada por breves segundos para

encará-la.— Foi a melhor definição que ouvi até hoje referente a minha mãe.— Falo sério. Devia ter me prevenido. Se minha mãe ainda fosse viva e a conhecesse... e

ouvisse as loucuras que saiu daquela mente... teria um ataque do coração.— Não faço a menor ideia do que ela possa ter aprontado para causar essa impressão em você

— Cristian brinca, não levando a sério o timbre indignado na voz de Luana.— Nada de mais, claro — finge indiferença dando de ombros, focando sua atenção na janela.

— Ela só insinuou que eu deveria engravidar para assegurar, a mim e a ela, que você não reatariacom Marcela.

Cristian aperta as mãos no volante e cerra os dentes sentindo a raiva aumentar dentro de si.Luana está tentando mostrar-se indiferente – fica óbvio quando, com o canto dos olhos, a vêcutucando insistentemente as cutículas –, mas ele não tem a menor dúvida de que sua mãe amagoou. Engole a saliva várias vezes se recriminando por não tê-la acompanhado nesse primeiroencontro.

— Sinto muito pelas besteiras que minha mãe te falou — fala finalmente, soltando uma dasmãos do volante para acariciá-la no rosto.

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— Tudo bem. — Luana retribui com seu melhor sorriso. Não devia ter dito nada a ele ,pensa. — Sua mãe é tão coruja quanto outra qualquer... E acho que ela simpatizou comigo nofim das contas — o tranquiliza. — É sério, não precisa ficar com essa cara desconfiada.

— Minha mãe já namorou um cara mais novo que eu, pulou de paraquedas, nadou com ostubarões, foi a um show do Michael Jacson... Eu realmente não devia estar surpreso com asloucuras que saem daquela mente liberal.

É a vez de Luana arregalar os olhos diante da revelação. Então os dois começam a rir juntos,mandando para bem longe o clima tenso de minutos atrás.

O resto do trajeto é feito em silêncio, tendo como fundo musical as faixas do inseparável pendrive de Luana com músicas da colombiana Shakira.

Luana mal tem tempo de surtar com a natureza deslumbrante do parque, sua atenção é atraídapara o grupo de pessoas que vão e vem dentro da área grande, delimitada exclusivamente para asgravações. Ela reconhece alguns atores da novela, cujo personagem principal é o galã ao seulado, que absorve cada uma de suas reações com um sorriso satisfeito.

Nos minutos seguintes, Luana é conduzida pelo namorado até o local onde o diretor (umsenhor que beira os cinquenta anos, e é dono de um charme de arrasar) parece impaciente, dandoordens para a galera se posicionar em seus lugares.

— Está atrasado, Cristian — resmunga antes mesmo de cumprimentá-lo.— Boa tarde pra você também, Jaime. Seria muita ousadia pedir para que você

cumprimentasse minha namorada educadamente? — Cristian brinca, consciente de que aquelazanga toda é pura fachada.

Luana o belisca nas costas, morta de vergonha.— Claro, me perdoe a grosseria. — Jaime entrega à sua assistente os papéis que estivera

segurando e se vira para Luana com um sorriso enviesado. — Seja bem-vinda ao nosso mundode faz de conta, querida. — Aperta-lhe a mão com firmeza, em seguida volta sua atenção para aassistente, que espera pacientemente ao seu lado. — Dani, acomode Luana em algum lugar ondeela possa ver toda a movimentação. — E então dá uma piscadela charmosa antes de sairarrastando Cristian consigo.

Luana suspira vendo-o afastar-se rumo ao camarim formado por grandes contêineres.Sorrindo, se pergunta se a princesa Kate Middleton se sentia assim, realizada, toda vez que via o

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seu príncipe em ação.

Dani faz de tudo para agradá-la, oferecendo-lhe café, água, biscoitos... E, de fato, aexperiência de ver seu namorado atuando pela primeira vez é uma das coisas mais maravilhosasque lhe aconteceu nos últimos dias. É diferente de vê-lo pela televisão, assim como é diferente devê-lo no conforto de sua mansão. Ali, ele é o profissional esforçado e centrado. Nas raras vezesem que desviou sua atenção das filmagens foi para lançar uma piscadela em sua direção.

O elenco filma uma cena de acampamento. Luana não está perto o suficiente para ouvir o queeles falam, mas consegue notar que Cristian está em quase todas as tomadas. O diretor grita“corta” depois de um tempo e, após conversar com o elenco, retoma as gravações.

O sol se esconde rapidamente, embora ainda seja cedo para isso. Ao olhar para o céu, Luanapercebe as nuvens negras se aproximando rapidamente.

— Sem mimimi pessoal, vamos lá! — o diretor berra gesticulando sem parar. — Dá tempo degravarmos mais uma cena ainda.

É então que Luana sente os batimentos cardíacos acelerarem, quase a ponto de seu coraçãoexplodir, quando a morena de curvas exuberantes entra em seu campo de visão vinda de um doscamarins, pronta para gravar a parte que lhe cabe.

Como fora desligada! Era óbvio que Cristian contracenaria com sua companheira de elenco, amocinha de quem seu personagem é o par romântico.

As cenas seguintes se arrastam como se estivessem em câmera lenta. Tudo está perfeitamentenormal à sua volta. Até mesmo as nuvens pesadas parecem contribuir para o clima perfeito dasgravações enquanto o “casal apaixonado” se beija diante das câmeras.

Incapaz de permanecer ali, se corroendo com uma dor jamais sentida antes, Luana levanta e,sem que ninguém perceba, segue na direção da árvore frondosa onde se recosta em seu tronco noexato momento em que uma fina garoa começa a cair junto com seus soluços descontrolados.

— Droga, droga, droga! Eu não devia ter vindo — sussurra se esforçando para controlar aslágrimas.

Os minutos passam vagarosamente até que, ao longe, ela vê a movimentação dos atoresreunindo seus pertences, prontos para partir. Felizmente sua respiração está controlada, e ostremores que percorrem seu corpo têm mais a ver com a roupa encharcada do que com o ciúmedescabido que sentira ao ver o namorado beijando sua colega de atuação.

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— Até que enfim te achei! — Cristian se aproxima subitamente fazendo-a sobressaltar-se. —Meu amor, o que aconteceu com você? Por Deus! Está encharcada! Por que não ficou com aequipe?

— E-eu... — Luana não sabe o que responder. Sua atitude infantil não tem explicação. Elatambém é uma atriz, embora nunca tenha beijado intensamente outro homem no teatro.

— Tudo bem. Vem aqui. — Cristian a abraça estremecendo quando encosta no corpo miúdo etodo molhado. — Vamos para o carro.

Os dois seguem abraçados até o veículo. Ele a ajuda a acomodar-se e a envolve com ummoletom, que estava jogado no banco traseiro, antes de posicionar-se atrás do volante.

Contudo, Cristian não liga o veículo. Pacientemente vira-se para Luana e segura suas mãoscom carinho.

— Agora me conta. O que aconteceu? Seus olhos estão vermelhos e inchados, não entendo...— Eu não estava me sentindo muito bem — ela sai pela tangente. Confessar que chorou feito

uma criança por sentir ciúmes dele é a última coisa que deseja no mundo.Cristian balança a cabeça contrariado antes de voltar a encará-la.— Lu, presta atenção no que vou te dizer. Eu amo você como jamais imaginei amar algum

dia, entendeu? Não sei por que tenho a impressão de que você resiste a aceitar isso de uma vezpor todas. — Suspira antes de continuar: — Não importa que nossa relação tenha começado damaneira como começou. Foi só um jeitinho inusitado que o destino achou de nos unir.

Suas palavras são carregadas de uma emoção genuína e o brilho naquele olhar de mel dizmais do que um milhão de palavras.

— Mas...— Mas nada, Joaninha. Desde que reconheci a mim mesmo o amor que sinto, você passou a

ser prioridade na minha vida. — Ele dá um sorrisinho tímido. — Até porque espero serprioridade na sua também.

— Ai, Cris, eu acho que não mereço um homem como você! — Ela o abraça, incapaz de ficarmais um segundo sequer longe do conforto que aqueles braços lhe proporcionam. — Eu te amotanto que chega a doer — confessa emocionada.

— Eu também te amo, meu amor — declara antes de beijá-la até que ambos estejam prestes aperder o fôlego.

Quando se afastam, Luana sorri com o rosto afogueado.— Perfeito! Agora estamos os dois com a roupa molhada. — Ela aponta para a camiseta dele

sentindo-se culpada.— Mas não por muito tempo — Cristian responde enigmático. — Vou dar um jeito nisso já,

já. — Pisca charmosamente dando partida no veículo.

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Poucos quilômetros após terem deixado o parque, Cristian entra numa rua secundária,

parando em frente a um charmoso hotel. Um sorriso nervoso escapa dos lábios trêmulos deLuana.

— Você não precisa fazer isso, Cris — diz, esfregando as mãos nos braços úmidos, com avoz saindo meio trêmula.

— Eu não estou com segundas intenções, se é isso que está passando por essa sua cabecinhamaldosa — retruca com um sorriso de canto.

— Isso nem me passou pela cabeça — reage fingindo estar profundamente indignada.Saem do veículo sorrindo, Luana completamente esquecida da crise de choro que tivera mais

cedo.Ele a enlaça pela cintura sem se importar pelo fato de ela estar ensopada, e seguem abraçados

à recepção, onde uma jovem uniformizada quase surta ao reconhecê-los.— Pelo visto, o capuz não serviu de nada — Luana cochicha aconchegando-se mais nos

braços do namorado.

— Só uma selfie e eu juro que os deixo em paz — a recepcionista implora pela terceira vez.

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— Ok. Mas só se você não fizer alarde. Não queremos ser incomodados — Cristian cededando de ombros.

— Nem acredito que estou com a roupa seca. Obrigada, amor. — Luana se dirige à Cristianque, assim como ela, usa apenas um roupão e está bebericando uma xícara de café no conforto deum quarto colorido e aconchegante.

— Hum... Acho que você poderia me agradecer com um beijo — o tom é brincalhão, mas seuolhar é sério.

Luana vai até a porta-balcão sentindo as pernas meio trêmulas. A chuva voltou e lá fora ocenário é de filme. Na verdade, o quarto onde estão também parece cenário de filme... E o atorprincipal está bem ali atrás dela usando apenas um roupão branco.

Quando Cristian aperta sua cintura e encosta os lábios na curva de seu pescoço, Luana temcerteza de que, embora o cenário todo pareça de filme, o que está acontecendo ali não poderia sermais real. E quando ele a gira e os olhares de ambos se cruzam, os dois sabem que a promessafeita a Margarida não poderá ser cumprida.

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— Então, Lu, você não vai mesmo me contar o motivo de tanto bom humor? — Gabriele

pergunta após despachar os dois fotógrafos.Luana morde os lábios indecisa. Depois de ter passado a noite nos braços de Cristian e de ter

sido amada de uma maneira que ela sequer saberia descrever, tudo o que mais desejava era ficarperto dele o dia todo, só para ter certeza de que o encanto não se quebraria. No entanto, ambostiveram que voltar logo cedo para casa e dar início a uma maratona de compromissos; ele com asgravações da novela, ela com a equipe de gravação do programa Toda Bela, que ia ao ar àsquintas-feiras à noite.

Dias atrás sua assessora havia entrado em contato para informar que a apresentadora doprograma queria gravar uma matéria mostrando os “bastidores” da amizade entre ela e Gabriele.

E agora ambas estão ali, no closet de Gabriele, de banho tomado e devidamente vestidas, apósterem sido gravadas durante quase uma hora na companhia da personal trainer fazendo osexercícios rotineiros.

— É sério que a galera curte nos ver suadas enquanto levantamos peso na academia? —Luana foge do assunto propositalmente.

— Quando você era apenas uma fã, não enlouquecia só de ver o Cris malhando ou correndona praia? — Gabi a cutuca nas costelas.

— Ainda enlouqueço — confessa sentindo o rosto enrubescer ao lembrar da noite anterior.— Hummm... Isso me faz lembrar que está fugindo do assunto. O que houve pra você estar

com essa pele maravilhosa e esse sorriso quase irritante?— Você é muito enxerida, sabia? — Luana desconversa analisando as opções de sapatos para

a entrevista com Tamara Lopes.

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— Sabia. Agora conta logo antes que os fotógrafos voltem a nos perseguir.— Ontem eu e o Cris... Nós fizemos amor pela primeira vez — fala finalmente.O grito de Gabriele provoca uma reação imediata em Luana que, instintivamente, dá um tapa

forte no braço da amiga.— Pare de gritar, sua louca! Quer que a equipe da Tamara venha aqui conferir o que está

acontecendo?— Não, é que... Fala sério! Não acredito que você e o Cris ainda não tinham feito isso. Em

que século você vive, garota?— Tá vendo? É por isso que não queria dizer nada. Sabia que reagiria assim — Luana

suspira, chateada.— Me desculpe, eu esqueci que o namoro de vocês era de mentirinha até pouco tempo...— Fala baixoooo — pede exasperada.— Tá. Tá. Tá. Desculpa de novo... e vamos logo ao que interessa. Pela sua cara, o negócio foi

muito além do esperado — sussurra com um sorriso largo nos lábios.— O Cris é maravilhoso, amiga — Luana choraminga quase com pesar. — Agora eu entendo

quando dizem que fazer sexo e fazer amor são duas coisas bem diferentes. Ontem o Cris meamou como nunca fui amada antes — confessa com todas as letras.

— Uau! Ótimo! Isso é perfeito! Não entendo por que você está com essa cara amuada —Gabriele diz voltando sua atenção para o batom nude que está passando.

— Porque, depois da minha frustrante experiência com o Giovane, eu jurei à minha mãe quesó voltaria a me envolver dessa maneira com o homem que fosse meu marido.

Gabriele para o movimento de passar batom e a encara através do imenso espelho com olharperplexo.

— Eu queria ter cumprido a promessa. Não só pela minha mãe, mas por mim mesma —completa antes que Gabriele tenha oportunidade de soltar o verbo. — Por mais que eu ame oCris, ainda preciso conviver com o fato de que ele e Marcela continuam casados pela lei... Epodem voltar a qualquer momento porque artistas são todos voláteis...

— Quer saber, Lu? Eu estava pronta para rir de você e chamá-la de louca, retrógrada, puritanae mais um monte de coisas, você me conhece... Mas não sei... No fundo, a admiro por pensarassim. O Cris ganhou a sorte grande quando você o atacou naquele jantar. — Embora empregueum tom de humor à frase, Luana percebe que a amiga está sendo sincera.

— Agradeço por não me julgar. — Abraça-a emocionada.— Não vou julgá-la, mas isso não significa que eu tenha me transformado numa amiga que

tapa o sol com a peneira...Luana franze o cenho.— Eu preciso lembrá-la de que agora vocês já estão grudados feito chiclete...

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— E?— À essa altura você não vai mais conseguir cumprir promessa alguma.— Obrigada por me lembrar, Gabriele — Luana reage fingindo estar zangada. — Vamos logo

para a entrevista.Enquanto se dirigem para a ampla sala de estar, onde acontecerá a entrevista, Luana só

consegue pensar que a amiga tem razão: agora ela e Cristian estão definitivamente juntos... Oque antecipa os fatos trazendo uma interrogação gigante ao seu coração. Algum dia Cristian apedirá em casamento ou continuará sendo apenas a atual namorada do artista famoso?

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Luana abre os olhos lentamente e não contém um sorriso ao ver que Cristian dorme

profundamente ao seu lado, com a serenidade de um anjo.Com cuidado para não acordá-lo, acomoda-se melhor na cama virando-se de lado,

completamente desperta, enquanto o sorriso se alarga. Apesar de acordar todas as manhãs aolado dele, a rotina não faz com que o fato de ser a namorada de Cristian Fedrizzi se torne menosimportante. Cada vez que volta ao passado, ela se vê em Caxias, sonhando com um amorimprovável e agora...

— Só meu — murmura admirando-o.Os dias haviam se passado depressa transformando-se em semanas. O dia em que Luana o

acompanhara nas gravações foi um divisor de águas no relacionamento de ambos.Margarida havia ficado chateada com a atitude dos dois. Na primeira oportunidade que tivera

a sós com Luana deixara claro que não aprovava uma relação assim, sem compromisso, segundoseus conceitos.

— Nós nos amamos! — Luana havia retrucado exasperada.— Não é o suficiente! — a empregada revidou com convicção.Procurando não pensar muito sobre os princípios de Margarida, Luana havia seguido a vida.Não poderia estar mais feliz. Cristian era muito mais do que ela idealizara. E sua carreira

seguia de vento em popa. Os inúmeros comerciais que fizera haviam lhe proporcionado nãoapenas uma generosa quantia no banco como também reconhecimento nacional.

E esse reconhecimento acabara por revelar quem de fato gostava e se importava com ela.Mari não era uma delas, relembrou aborrecida.

A pessoa que ela considerara uma grande amiga no passado, havia lhe alfinetado em todas as

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postagens possíveis e imagináveis. Qualquer foto ou vídeo onde Luana aparecesse, lá estavaMari com um comentário falsamente lisonjeiro carregado de veneno nas entrelinhas. A princípio,Luana não quisera acreditar, sempre inventava uma desculpa a si mesma para o comportamentodela. No entanto, da última vez, Mari chegara longe demais quando comentou em uma fotopostada por Cristian, onde ele e Luana apareciam abraçados e sorridentes num eventobeneficente. Mari havia escrito: “Quem vê os dois assim até acredita! Hahaha”.

Um bipe no celular de Cristian tira Luana de seus devaneios. Ele permanece no mundo dossonhos.

No automático, ainda pensando no comportamento de Mari, Luana estica o braço por cima donamorado e alcança o aparelho, que à essa altura já apitou mais três vezes anunciando novasmensagens no WhatsApp.

Suas mãos ficam trêmulas quando lê o nome na tela, por pouco não derruba o celular nacabeça de Cristian. Não há segredos nem enigmas quanto ao remetente: Marcela. O nome e afoto estão ali.

Luana sabe que o que está prestes a fazer não é correto, mas não consegue evitar. Umsegundo depois clica na mensagem. A cabeça começa a girar, sente a bile subindo gargantaacima. Não. Aquilo não pode estar acontecendo...

Segurando o aparelho com ambas as mãos para evitar que caia, Luana sobe a tela atéencontrar a primeira mensagem, datada de um mês atrás. As mensagens seguintes têm umintervalo de três ou quatro dias.

“Querido, por que você não atende minhas chamadas? Não acha que já esperamos temposuficiente? Sei que magoei você, mas o arrependimento veio logo em seguida... Você não precisacontinuar com essa farsa.”

“Ok. Você não vai falar comigo por aqui também. Mas está lendo minhas mensagens, é isso

que importa.” “Querido, eu amo você. Me perdoe por ter agido da maneira como agi. Se quiser, eu

imploro. Me dê mais uma chance e vai perceber que sou a única mulher que merece estar ao seulado.”

Um soluço escapa da garganta de Luana. Ela respira fundo a fim de controlar as lágrimas e

continua lendo, o peito apertado quase a ponto de deixá-la sem ar. “Bom dia, meu bem. Espero que tenha reconsiderado. Podemos fazer do seu jeito dessa vez.

Estou disposta a qualquer coisa para tê-lo em minha vida. Amo você!”

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São inúmeras mensagens. Em todas elas, Marcela se mostra disposta a tudo para voltar a ser a

mulher de Cristian. Mas uma, em particular, faz com que a insegurança ameace nocautear Luana. “Nós ainda somos casados, querido. Pelo que vivemos juntos, pelo amor que você sempre

disse sentir por mim, aceite se encontrar comigo para conversarmos. Eu preciso disso, não menegue essa última chance.”

E então a resposta de Cristian: “Tudo bem, Marcela. Vamos marcar. Assim que eu conseguir um horário entro em contato.” As últimas mensagens de Marcela são as que chegaram ainda há pouco: “Obrigada. Você não irá se arrepender.”“As coisas serão diferentes agora, meu bem.”“Aguardo ansiosa pelo seu contato.” — Não... — o gemido escapa da garganta de Luana sem que ela consiga evitá-lo.Por que Cristian não lhe contara nada? Mais de um mês havia se passado desde que Marcela

começara a mandar mensagens para ele. Por que escondera algo tão importante? E ele haviatopado se encontrar com a ex! Aquilo era muito mais do que poderia suportar.

— Que cara estranha é essa logo cedo, Joaninha? — Cristian pergunta com a voz rouca,esticando-se para depositar um beijo nos lábios da namorada.

Seu olhar encontra o de Luana e ele sabe que nada está bem quando percebe o celular nasmãos dela.

— Por que você não me contou sobre as mensagens da sua ex-mulher? — Dispara sem seimportar em estar admitindo que invadiu sua privacidade.

— Porque eu não queria que você ficasse chateada — responde calmamente, como se oassunto não merecesse nenhum alarde.

Luana sente o sangue esquentar nas veias. É a primeira vez em toda sua vida que experimentaaquela mistura de sentimentos. Embora tenha vontade de implorar que Cristian não a abandonepara voltar com a ex-mulher, também tem vontade de esbofeteá-lo até que esteja vazia de tudo;da dor, da mágoa e daquela sensação horrível de insegurança que está sentindo.

— Meu amor, quero que preste atenção no que vou dizer. — Cristian tenta aproximá-la de si,mas ela se levanta da cama. — Marcela não significa mais nada pra mim — afirma com

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convicção.— Tem certeza? — reage irônica. — Porque até bem pouco tempo atrás você seria capaz de

qualquer loucura para que ela voltasse a ser sua mulher.— E você sabe melhor do que ninguém que as coisas mudaram — responde exasperado.— Não sei se mudaram, Cristian. Você tem o número dela no seu WhatsApp, e não me contou

que ela mandou dezenas de mensagens nos últimos dias. Você aceitou se encontrar com ela,caramba! — completa à beira do histerismo.

— Quer saber qual é o problema, Luana? — Cristian também se levanta perdendo apaciência. — O problema é essa porcaria de insegurança da sua parte. Marcela é minha ex-mulher, nós vivemos juntos durante quase um ano e, quando ela foi embora, eu pensei quemorreria, sim. Mas então você chegou e mudou tudo, me fez perceber que o que eu sentia porMarcela era nada comparado ao que sinto por você...

Luana faz menção de falar, mas Cristian eleva a voz, impedindo-a de retrucá-lo.— Mas isso não significa que Marcela tenha que ser minha inimiga, que eu tenha que excluir

até o nome dela dos meus contatos. Eu não a amo mais, o que significa que podemos estar nomesmo ambiente e isso não vai mais me incomodar como acontecia antes... A vida não énovelesca, Luana. Não tem mocinhos e vilões. Todos temos um passado e precisamos convivercom isso. Você mesma não foi namorada do meu melhor amigo?

— É diferente — Luana responde, à essa altura completamente envergonhada por ter agidono impulso. Sim, ainda está chateada porque o namorado omitiu sobre o que estava acontecendo,mas, diante de tudo o que Cristian dissera, a admiração que sentia por ele só aumentou.

— Meu amor, eu acho que também preciso conversar com Marcela, foi por isso que aceiteiesse encontro. É um ciclo que se encerra. — Cristian chega mais perto e ela se deixa serenvolvida por braços firmes e protetores. — Você precisa confiar em mim — completa beijando-a suavemente no pescoço.

— Não vai ser uma tarefa fácil, Cris. Ainda mais sabendo que ela continua te amando —choraminga. — Não sei o que seria da minha vida se eu deixasse de ser a sua garota.

— Você não vai deixar de ser a minha garota, Joaninha — promete. — Nunca!

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As ruas do Rio de Janeiro são invadidas pelas cores vermelho, branco e dourado. Faltam dois

dias para o Natal. O calor de quarenta graus é quase insuportável, mas a atmosfera natalina deixaa todos com a sensação de que tudo é perfeito.

Cristian havia gravado as últimas cenas da novela dias atrás e finalmente gozava de suasmerecidas férias. Já Luana não podia dizer o mesmo. Embora não tivesse assinado nenhumcontrato que exigisse sua presença diariamente, as campanhas de Natal em comerciais de lojas epropagandas na televisão, consumiam praticamente todas as suas horas, impedindo-a, inclusive,de dar continuidade aos seus projetos literários.

Ela sabia que Marcela continuava mandando mensagens para o ex-marido e isso a tirava dosério quase a ponto de explodir. No entanto, a sinceridade de Cristian somado ao olhar sério einquestionável da última vez em que tocaram no assunto, a impedia de dar chilique. Erasurpreendente que tivesse evoluído àquele ponto, mas, sim, confiava nele.

— Está pronta? — Cristian pergunta enlaçando-a pela cintura ao mesmo tempo que depositaum beijo em seu pescoço.

Ela se vira rapidamente, fica na ponta dos pés e o beija nos lábios.— Prontíssima! Nem acredito que meu ídolo favorito vai me raptar assim no meio da semana.— Hum, ainda sou seu ídolo favorito? — pergunta tentando dar naturalidade à voz para que

Luana não perceba que o fato ainda tem o poder de estremecer seu coração.— Como se você não soubesse a resposta — retruca mordendo seu queixo num impulso.

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O chalé alugado em Campos do Jordão é um pedacinho do paraíso, um verdadeiro oásisdepois de tantos dias de trabalho intenso tanto para Cristian quanto para Luana.

— Esse lugar é simplesmente fantástico, amor — Luana comenta bisbilhotando cada cantinhodo chalé.

— Minha mãe sempre fica aqui quando vem para a cidade — Cristian responde pegando-apela mão e puxando-a para o terraço, onde uma mesa de vime com duas cadeiras do mesmomaterial, uma rede e pequenos vasos de flores completam o visual aconchegante do local.

— Excêntrica, mas com ótimo bom gosto — Luana comenta provocando uma gostosagargalhada no namorado, que senta na rede e a traz para si, fazendo-a sentar em seu colo.

— Sinto sua falta, sabia? — ele diz apertando-a um pouco mais contra o próprio peito.— Nós moramos na mesma casa, amor — Luana retruca afastando-se um pouco, somente o

suficiente para encará-lo.— É estranho, né? — Um sorriso discreto suaviza suas feições. — A impressão que tenho é

que tudo o que vivemos juntos ainda é pouco, é insuficiente...— Sinto isso também. — A voz de Luana soa baixa, seus olhos ficam marejados. — Mas, no

meu caso, talvez seja porque sempre sonhei que ficaria com você, então, agora que aconteceu...tenho medo de perdê-lo — confessa num fio de voz.

— A gente poderia casar...Luana não consegue ficar quieta ao lado dele esperando que prossiga. Num salto, se levanta

da rede e fica parada à sua frente tentando encontrar algum sinal de brincadeira em seu rosto.— Aposto que Margarida andou importunando você — tenta soar engraçada, mas sabe que

falhou miseravelmente.Cristian também se levanta e segura o rosto dela entre as mãos, obrigando-a a encará-lo.— Não tem nada a ver com Margarida. Tem a ver com o que sentimos um pelo outro. Eu

quero me casar com você... — Ele suspira profundamente, então joga a cabeça para trás,tentando manter as emoções sob controle. — De todos os relacionamentos que já tive, emnenhum encontrei essa cumplicidade...

— E olha que você já teve umas trezentas namoradas — Luana brinca escondendo o rosto nopeito másculo. As batidas aceleradas fazem com que ela sinta as pernas fraquejarem. Cristianestá tão emocionado quanto ela.

— Pois é — concorda apertando-a contra si. — Acontece que, meses atrás, certa Joaninha

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comprou um ingresso premiado e me fez uma proposta maluca... Nunca acreditei em destino,intervenção divina e essas coisas todas, apesar da insistência de Margarida. Mas agora, sei lá...Sou capaz de jurar que havia um anjo guiando os meus passos e os seus para que nosencontrássemos, e, posteriormente, manipulando nossas mentes para que fizéssemos escolhasimprováveis, tudo para que no fim pudéssemos descobrir o verdadeiro amor.

— Eu não quero chorar, mas você não está colaborando — Luana sussurra.— Você só precisa dizer que aceita. — A voz dele está firme, os olhos cor de caramelo

brilhando intensamente. Apenas o leve tremor nos lábios denuncia seu nervosismo.— Cris...— Ai, droga, me precipitei! — ele pragueja afastando-se um pouco dela. — Me desculpe, não

devia ser assim. Queria ter feito o pedido numa sala repleta de pétalas de rosa, sob a luz de velase com o anel mais lindo do mundo... Olha só pra mim — Sorri. — Estou de short e camiseta,pedindo em casamento a mulher mais espetacular desse mundo e nem sequer tenho um anel denoivado.

— Ai, que susto, seu bobo! — Luana desfere soquinhos de brincadeira em seu peito e braços.— Quando começou a se desculpar pensei que tivesse voltado atrás.

— Então... Isso significa que você aceita, mesmo tendo sido um pedido todo desajeitado? —Ele não espera resposta e a ergue no ar, girando-a e depositando pequenos beijos no rosto todoantes de finalizar beijando-a nos lábios.

— É claro que aceito, meu amor. Como eu poderia não aceitar um pedido de casamento domeu maior ídolo?

Os dois se beijam outra vez, sentindo-se envolvidos por uma bolha colorida que protege eilumina o amor de ambos.

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Luana perdeu a noção do tempo. O olhar aflito preso à tela do celular visualiza imagens

embaçadas. Ela limpa as lágrimas que, teimosas, voltam a rolar incessantemente.— Eu sabia que isso iria acontecer, eu tinha certeza! — grita alto o bastante para sentir a

vidraça do chalé estremecer. Depois de ser pedida em casamento, dias atrás, Luana sentia como se fosse explodir de

felicidade a qualquer momento. Seu peito estava tão repleto de sentimentos bons que, pelaprimeira vez na vida, ela se sentia invencível, com a sensação de que nada poderia acabar comsua alegria.

Haviam comemorado o Natal e o Réveillon com toda a simplicidade do mundo, valorizando acompanhia um do outro e fazendo planos para o futuro. Luana conseguira inclusive colocar aleitura em dia, aconchegada nos braços do noivo.

Mas a sensação de invencibilidade havia durado apenas até algumas horas atrás, quandoCristian recebera a ligação de Marcela, avisando que estava em Campos do Jordão e não osdeixaria em paz enquanto não conversasse algo muito importante com o ex-marido.

Cristian havia encerrado a chamada demonstrando aborrecimento por aquele inesperadotelefonema. E Luana soube na mesma hora que o paraíso particular deles havia sido invadidopela serpente.

— Você não devia ir ao encontro dessa mulher, meu amor — Luana reagiu tão logo soubeque Marcela queria vê-lo.

— A última coisa que quero nesse momento é deixar você para me encontrar com Marcela,amor, mas nós dois sabemos que esse encontro já deveria ter acontecido há muito tempo. Além

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do mais, não podemos nos casar enquanto Marcela e eu não nos divorciarmos — a lembrou.— Eu sei disso — expirou ruidosamente. — Droga, eu sei de tudo isso, mas não consigo

deixar de sentir uma sensação horrorosa toda vez que o nome dessa mulher é mencionado... —Cristian fez menção de falar, mas ela se adiantou: — E não adianta você tentar me convencercom aquele papo de que isso aqui é vida real e não existem vilões como nas novelas, porquenada me convence de que Marcela não é a vilã dessa história — concluiu sob o olhar contrariadode Cristian.

— Tá legal, não vou tentar convencê-la de nada. Só quero que confie em mim, está bem? —disse usando o indicador para levantar seu queixo até que estivessem olhando um nos olhos dooutro.

Luana concordou embora seu interior estivesse fervilhando de raiva e ciúmes.De alguma maneira Marcela descobrira que eles estavam em Campos do Jordão e se dera ao

trabalho de ir até lá para provocar Luana. Era óbvio demais que ela não facilitaria as coisas paraCristian. Foi com esse pensamento nada animador que, após Cristian ter saído, Luana trilhou porcada cômodo do pequeno chalé até quase desgastar o chão.

Uma hora e meia havia se passado desde que ele saíra. Luana estava tomando a terceira xícarade café quando o celular começou a tocar. Certa de que era o namorado, ela nem se preocupouem verificar o número antes de atender.

— Tudo certo por aí? — irrompeu nervosamente.— Nada está certo, Luana. Pelo amor de Deus, me diga o que está acontecendo, pois não sei

mais como segurar a língua dessa gente toda! — Sua assessora reagiu irritada.— Do que você está falando? — Luana largou a xícara pela metade e sentou na primeira

cadeira que encontrou, sendo acometida por uma súbita tontura.— Das fotos que estão circulando nas redes sociais, oras. Garota, você e Cristian saíram

daqui apaixonados, esfregando na cara do mundo esse amor e em poucos dias tudo mudou?Poderia, pelo menos, ter me prevenido, assim eu não ficaria com cara de boba diante dosrepórteres fofoqueiros de plantão...

A assessora continuou desabafando sua infelicidade e inconformismo enquanto a mente deLuana só conseguia pensar em algo... ou melhor, em alguém. Marcela.

— Eu realmente não sei do que você está falando, Cássia. Então, quer fazer o favor deexplicar? — pediu tentando ao máximo não explodir.

Cássia silenciou por alguns segundos antes de suspirar.— Eu sinto muito, querida... Dê uma olhada nas redes sociais e vai entender do que estou

falando.— Vou fazer isso — Luana respondeu, a voz saindo com dificuldade.— Me ligue quando estiver se sentindo melhor — a assessora pediu antes de encerrar a

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chamada. Os olhos de Luana ainda estão embaçados pelo choro, mas as inúmeras imagens passando na

tela do celular são bastante nítidas e demonstram algo que ela já previa. É claro que Marcela nãoperdoaria o comportamento do ex-marido. Ela daria um jeito de estragar tudo. Ali, bem diante deseu nariz estão as provas de que Cristian estava errado: Marcela sempre foi a vilã.

Aquilo era um beijo, um beijão. Havia um paparazzo na hora e no local certo somenteesperando para fazer o “flagra”. Luana ri sem achar graça. Cristian nunca faria isso com ela.Mesmo que ele não a tivesse pedido em casamento dias atrás. Ele não faria isso, não beijariaMarcela porque não a amava, tinha certeza. Mas, obviamente, isso tudo não importava paraMarcela. Seu objetivo fora alcançado. A providencial foto do beijo entre o famoso CristianFedrizzi e sua ex-mulher já fora compartilhada milhares de vezes. Luana já estava sendo citadacomo a “mulher traída”. Fãs enraivecidas proferiam todo tipo de comentário contra Cristian,enquanto outras aplaudiam o ato parabenizando o “Fedrizzi pegador” que estava de volta.

— Eu avisei e você não me deu ouvidos! — Luana urra ao mesmo tempo em que acompanhacom o olhar o próprio celular voar em direção à parede se espatifando em mil pedaços.

Cega pelo ressentimento, ela corre até o quarto, que até poucas horas atrás fora testemunha domaior amor do mundo, e começa a jogar suas roupas dentro da mala. Não consegue pensar comclareza, muito menos ser racional.

— Ótimo, agora todo mundo me vê como a pobre infeliz, traída. Ninguém vai acreditar nainocência dele, ninguém. — Para alguns segundos, curvada sobre o próprio corpo quando nãoconsegue controlar os soluços. — É a maior humilhação pela qual já passei na vida.

No voo de volta para casa, pela primeira vez, Luana sente os efeitos colaterais da famaquando todos a encaram e sussurram baixinho, outros riem... Mas a pior parte é ser consolada poruma idosa, que aparentemente se solidariza com a situação ao ouvir da neta sobre a recente“traição”.

— Ele vai se arrepender e vai voltar pra você, meu bem, confia em mim.Luana só quer ficar sozinha, mas aquelas palavras, ditas com tanta convicção, provocam uma

nova torrente de lágrimas que ela procura esconder enterrando os óculos escuros nos olhos edeixando-os lá até desembarcar do Uber em frente à mansão de Cristian.

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Margarida a recepciona com o melhor abraço do mundo. E quando Luana faz questão de abrira boca, ela deposita um dedo em seus lábios, silenciando-a.

— Já estou sabendo de tudo, querida. Cristian me ligou assim que chegou ao chalé e não aencontrou. Não devia ter deixado o pobre coitado sem nenhuma explicação — a repreende, masseu tom é carinhoso. — Você sabe que ele não tem culpa de nada e está tão atormentado quantovocê.

Luana se separa do abraço e repara na mancha de choro e rímel que deixou na camisa azul-clara que Margarida está usando.

— Ele não devia ter caído na conversa mole daquela cobra, Marga, portanto a culpa é deletambém.

— Se você for por esse caminho vai provocar exatamente o que Marcela está esperando queaconteça.

— Não tenho sangue de barata, Marga. Estou muito irritada, quero bater em alguém, querofalar um monte de palavrão e depois encher a cara... e depois morrer.

— Eu sei que você está irritada e com razão, meu bem. Mas tente esfriar a cabeça agora paraque, quando o Cris chegar, você esteja raciocinando com mais clareza. Suba e tome um banho,tente dormir um pouco...

— Eu não quero vê-lo, Marga — diz limpando as lágrimas com o polegar. — Se você gostamesmo de mim e torce para que Cristian e eu sejamos felizes, por favor, faça alguma coisa paraevitar que ele vá falar comigo.

— Mas... Eu não...— Estou falando sério — Luana avisa começando a subir os degraus de dois em dois.

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Cristian entra pela porta dos fundos e vai direto para a cozinha, dá um beijo em Margarida e

toma dois copos grandes de água antes de começar a falar:— Onde ela está?— Deve ter seguido meu conselho: tomado um banho e ido dormir um pouco — Margarida

responde lavando o copo que ele acabara de usar só para se ocupar com alguma coisa, já quetodo mundo parece estar com os nervos à flor da pele.

Ele suspira, balança a cabeça e faz menção de sair, porém a empregada o detém, segurando-opelo braço.

— Dê um tempo a ela, meu filho. A Luana está chateada e deixou bem claro que não quer vê-lo tão cedo.

— Mas que droga, Margarida! A culpa não foi minha...— Em partes foi sim. Você sempre acreditou nas boas intenções da sua ex-mulher e ela

sempre o manipulou.Ele abre a boca para falar, mas volta a fechá-la.— Me desculpe a honestidade, mas não posso deixar de puxar sua orelha. Agora que

encontrou a mulher da sua vida... não deixe que ninguém estrague isso, querido.— Quem disse que a Lu é a mulher da minha vida? — Um sorriso enviesado atravessa os

lábios do ator.— Tá escrito na testa de vocês — Margarida responde prontamente. — Nunca fui a favor de

terem “juntado os trapos”, vocês dois sabem disso, mas agora já foi, né? Peça ela em casamento,filho...

— Eu já fiz isso, Marga. — Cristian deixa os braços caírem ao longo do corpo. — E agora

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preciso de toda sorte do mundo pra fazer com que a Lu acredite em mim.Finalmente ele sai da cozinha deixando Margarida confusa, com um misto de alegria e pesar.— Meu Paizinho querido — murmura juntando as mãos, os olhos elevados ao céu. — Esses

dois precisam mais do que nunca da Sua ajuda.

Cristian sobe as escadas sentindo o coração acelerar gradativamente conforme se aproximados quartos. Por instinto, concluindo que Luana voltou para o quarto que ocupava quandochegou ao Rio, segue naquela direção.

Margarida tem razão, conclui, ele é culpado por ter confiado cegamente em Marcela.Ela havia sido astuta. Conversaram de forma educada durante quase uma hora. Ela tentara

induzir Cristian a pensar que Luana estava com ele apenas por interesse e que jamais o amara deverdade. No entanto, ao perceber que ele não entraria na sua onda, aparentara estar conformadacom a iminente separação. Então falaram sobre divórcio e partilha de bens. Marcela mencionouque não precisavam ser inimigos, podiam manter uma relação amigável. Cristian concordara,principalmente por estar surpreso com a inesperada maturidade da ex-mulher em relação aoassunto.

Porém, quando foram se despedir, Marcela o pegara desprevenido, jogando-se para cima delefeito um furacão e sugando-lhe os lábios um segundo antes que ele a afastasse, alarmado.

— Eu vou te amar pra sempre, gatão — dissera com um sorriso satisfeito.— Você ficou maluca? — Cristian reagiu furioso, sentindo o sangue borbulhar nas veias. —

Pensei que tivesse entendido que nossa história terminou e que vou me casar com Luana embreve — continuou elevando a voz para baixá-la em seguida ao perceber que tinham plateia.

— Você não vai se casar com ela, amorzinho — garantiu pegando sua bolsa e saindovitoriosa.

Mesmo atordoado com o que acabara de acontecer, Cristian percebeu o gesto sutil que ela fezpara um jovem ao sair do café. E então compreendeu o significado do que a ex acabara de falar.

— Abra a porta, Lu — pede após ter batido três vezes sem sucesso.Passos lentos em direção à porta fazem com que ele endireite a postura. Um segundo depois o

rosto de Luana aparece através de uma pequena fresta; o quarto às escuras atrás de si.— Pedi a Margarida que não o deixasse subir, que droga! — resmunga irritada.— Precisamos conversar. Por favor, me deixe entrar — pede esfregando a testa, nervoso.

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— Não quero falar com você, não quero vê-lo... Pra ser bem sincera, minha vontade é matá-lonesse momento. — Mas, apesar da raiva que pontua cada palavra, Cristian percebe que a mágoapredomina. E é isso que faz com que ele empurre a porta e entre quarto adentro.

Luana bufa e volta para o ninho de lençóis sobre a cama. Cristian a segue, sentando nabeirada, o colchão afundando e rangendo sob seu peso.

— Eu sei que você está chateada, minha pequena, e com toda razão, mas...— Mas nada, Cristian. — Luana senta na cama e o encara magoada. — Eu pedi para que você

não fosse... Porque alguma coisa dentro de mim sempre me avisou sobre o caráter de Marcela,mas você não quis me escutar. — Uma lágrima escorre em sua face, seguida de outra e outra,mas ela não se importa. — Uma vez Margarida me implorou para que eu não me envolvesseintimamente com você até que tudo estivesse resolvido entre você e a modelo. Mas eu fui burra,teimosa, impulsiva... Disse a mim mesma que Margarida estava forçando a barra com essamoralidade toda, critiquei mentalmente sua religião, mas quer saber? Ela tinha razão, ela sabiaque eu sofreria...

Cristian balança a cabeça em negativa, mas deixa que Luana continue seu desabafo:— E olha como estou agora! Minha foto está em todos os memes possíveis e imagináveis na

internet. Todo mundo, TODO MUNDO — reforça elevando o tom de voz — está sentindo penade mim porque você me traiu...

— Eu não te traí e você sabe disso — a interrompe secando suas lágrimas carinhosamentecom o polegar.

— Mas adianta eu saber que você não me traiu quando todo mundo pensa o contrário? —grita, o rosto vermelho de indignação. — Sabe o que eu acho? Que você sempre teve medo demagoar a “pobrezinha” da sua ex. No fundo, não tenho nem certeza se você sabe de fato comqual de nós duas quer ficar — explode extravasando todo seu ressentimento.

— Ah, já chega, Luana! — reage no mesmo tom levantando-se da cama. — Devíamos terresolvido isso tudo em Campos do Jordão e vindo juntos para casa. Ao pegar um avião e virsozinha, você só colocou mais lenha na fogueira desses repórteres sensacionalistas. Você mecritica, mas não pensou um segundo sequer em mim ou na minha carreira. Não pensou queminha reputação também está indo por água abaixo, que agora sou o sem-vergonha que “pega”duas mulheres ao mesmo tempo. E você só reforçou essa mentira agindo da maneira como agiu— a acusa. — Se quer mesmo estar no mundo das celebridades precisa saber como esse universofunciona — completa.

Em seguida sai do quarto batendo a porta com força, deixando uma Luana totalmenteincrédula com aquela repentina explosão.

No fundo, sempre tem como piorar , ela pensa, chateada.

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Luana encerra a chamada e desliga o aparelho enquanto caminha pelo jardim feito um felino

enjaulado.Desde a discussão no dia anterior, ela e Cristian não se falaram mais. Ele havia saído cedo,

provavelmente para fazer o mesmo que ela também fazia desde que acordara, concluiu:responder a inúmeros telefonemas e e-mails na tentativa de justificar o que havia acontecido.Quanto às notificações nas redes sociais, essas ela nem pensara em responder, eram tantosabsurdos envolvendo seu nome e o de Cristian que ela se recusava a alimentar tamanha maldade.

— Aí está você — Gabriele anuncia sua chegada. Espalhafatosa como sempre, ela usa umalegging de academia coloridíssima, regata branca e tênis, embora não pareça que veio de algumtreino.

— Nenhuma ligação ou mesmo um áudio. Pensei que fôssemos melhores amigas, Gabriele —Luana reclama.

— E você acha mesmo que eu seria tão insensível a ponto de ligar ou mandar um simples zapperguntando por que o Cris fez essa burrada? — Gabriele larga a bolsa no chão e abraça a amiga,que não resiste e acaba retribuindo. — O que aconteceu, Luluzinha? Não entendi nada quando vitoda essa fuzarca nas redes sociais.

Luana prende os cabelos num rabo de cavalo alto e engancha no braço de Gabriele levando-apara a mesa, que fica à sombra da árvore mais frondosa do jardim, enquanto dá detalhes de tudoo que aconteceu no dia anterior.

— Enfim, por culpa daquela víbora, Cristian e eu estamos sem nos falar. E, pra ser sincera,não sei como consertar isso — confessa desanimada.

— Eu sabia que mais cedo ou mais tarde “essazinha” mostraria as garras! — Gabriele reage

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raivosamente.Margarida aparece com uma bandeja e as cumprimenta polidamente. Luana repara que ela

também parece abatida e seu amor por aquela senhorinha simples e de coração gigante, quetambém está sofrendo com a situação, só aumenta dentro de si.

— Obrigada, mas estou sem fome, Marga — Luana agradece, recusando a salada de frutasque ela trouxera.

— Mas eu não, aliás, essa situação provoca uma cratera no meu estômago — Gabi comenta.— Será que você poderia me trazer algo mais substancial, Margarida?

— Claro, querida. O que você gostaria? — Ela e Luana trocam um olhar divertido.— Torradinhas com patê de ricota e tomate seco, pode ser? — responde prontamente.

Margarida sai rindo baixinho.— Boca nervosa — sussurra quando pensa estar longe o suficiente.— Ei, eu ouvi isso, Marga Amarga! — retruca, mas começa a rir em seguida.— Você está feliz demais pro meu gosto — Luana comenta analisando suas feições. — Um

pouquinho de solidariedade cai bem, sabia? — brinca. — Não está vendo meu estado?— Você acreditaria se eu dissesse que sou uma péssima atriz? — Ela ri alto, seu bom humor

contrastando com o terrível humor da amiga. — Falando sério, Lulu, não consigo serdissimulada com você. Eu realmente estou muito, muito feliz... Sinto muito — completa e seurosto reflete sinceridade.

Margarida aparece com as torradas de Gabriele, que praticamente ataca a empregada e enchea boca, revirando os olhos com prazer.

— Anda logo, me conta o motivo de tanta alegria — Luana pede impaciente, distraindo-sedos próprios problemas por alguns minutos.

— Giovane me pediu em namoro — celebra, as maçãs do rosto proeminentes com o sorrisoque não a abandona. — E foi um pedido com direito a jantar romântico, velas aromáticas epétalas de rosa.

— Fico tão feliz por vocês, amiga. Mas não posso dizer que estou surpresa com isso, vocêsforam feitos um para o outro. — Luana levanta e abraça a amiga. Apesar de seu passadonebuloso com Giovane, ela está genuinamente feliz por ele, e claro, principalmente por Gabrieleque, apesar de ter usado durante tanto tempo a máscara de “sou uma mulher independente e nãopreciso de homem para ser feliz”, sempre sonhou com um namoro assim, semelhante aosromances das novelas nas quais atuara.

— Obrigada, Lu... Mas confesso que estou me sentindo um pouco mal por estar tão felizenquanto você e o Cris enfrentam essa barra.

— Não pense nisso agora, Gabi. Nós vamos dar um jeito nisso, vai ficar tudo bem. — Ela seesforça para acreditar nas próprias palavras, pois isso é o que mais deseja no mundo.

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Margarida aparece correndo trazendo o telefone sem fio.— É pra você, e parece importante — diz ofegante.— Poxa, Marga, desliguei meu celular porque já estou farta de dar satisfações sobre...— Dá aqui essa porcaria — Gabriele pega o telefone das mãos da empregada, que ainda tenta

evitar puxando o aparelho contra si, mas perde a batalha.— Gabi — Luana tenta intervir, em vão.— Escuta aqui, se você ligou para importunar... O-o quê? Quem? E-entendi, me perdoe. É

que... Tudo bem, vou passar pra ela — completa petrificada, mal conseguindo esticar o braço eentregar o telefone para a amiga.

— É pra você, amigaaaa! — solta um gritinho estridente. — Atenda logo — a incentiva antesque Luana tenha a chance de perguntar de quem se trata.

— Pois não? — atende franzindo o cenho.— É Luana Savaris? — pergunta o homem do outro lado da linha.— Eu mesma. Quem gostaria? — indaga sentindo-se nervosa subitamente.— Aqui é Marcos Mendes, você já deve ter ouvido sobre mim...Luana quase engasga com a própria saliva, de repente começa a entender o comportamento de

Gabriele segundos atrás.— Sim. Claro. Sei perfeitamente bem quem é Marcos Mendes e... ele não me ligaria, deve ter

um milhão de assessores para fazer isso...— Sou eu mesmo, Luana, não é uma brincadeira — ele dá uma risadinha. — Estou à sua

procura há algum tempo... Enfim, precisamos muito conversar e fico feliz que finalmente a tenhaencontrado. Você teria algum tempo livre para um café? — conclui, decidido.

— C-claro, seria um prazer — responde, obrigando a voz a sair firme. — Onde possoencontrá-lo, Sr. Marcos Mendes? — Firma o telefone com força contra a orelha com medo dederrubá-lo, uma vez que suas mãos estão trêmulas. — Pode ser, sim, só me passe o endereço —pede após ouvi-lo.

Gabriele destrava o próprio celular, abre no bloco de notas e entrega a Luana que digita oendereço rapidamente, torcendo para que o corretor ortográfico não faça nenhuma gracinha.

— Sei que não estou sendo muito claro, peço desculpas, mas realmente prefiro tratar oassunto pessoalmente — Marcos Mendes diz. — Às cinco da tarde tenho um tempo livre, tudobem pra você?

— Perfeito! — Luana responde lembrando imediatamente que terá de cancelar uma sessão defotos, mas não se importando nem um pouco com isso. — Até breve, então — completa antes deencerrar a chamada com o coração galopando no peito.

— A-mi-ga!!! Se eu não estivesse aqui, juro que não acreditaria que você vai se encontrarcom o diretor mais top do país — Gabriele começa a gritar exultante.

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— Eu sei... Pra ser sincera, nem eu estou acreditando — confessa, esticando o braço para seapropriar do suco da amiga, na tentativa de aliviar a secura na garganta. — Não faço ideia do queum homem da categoria dele quer comigo — diz após beber alguns goles.

— Ai, fala sério, vou dar um soco bem no meio da sua cara! — Gabriele reage exasperada,mas seu tom é mais divertido do que raivoso. — É claro que ele quer te dar um papel em um deseus filmes, dã.

— Fala sério você . Eu sou atriz de teatro... Corrigindo: do teatro da minha cidade, queninguém conhece nem nunca ouviu falar — conclui mais nervosa do que antes. — Por que eureceberia um papel num filme do monstro Marcos Mendes?

— Sei lá. — Gabriele dá de ombros. — Alguns diretores gostam de apostar em novostalentos. Eu não sei, e também não importa. Esse cara marcou um encontro, NA CASA DELE,isso já é motivo suficiente pra você se sentir a pessoa mais afortunada do meio artístico.

À menção do termo “meio artístico”, Luana lembra de Cristian e do quanto gostaria que eleestivesse ali agora. Onde estaria naquele momento?

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Luana saiu de casa sem conseguir falar com Cristian. Ele ainda não havia voltado e ela se

negava a ligar para saber onde ele se encontrava e o que estava fazendo, apesar de todos osprotestos de Margarida, que insistia que o melhor a fazer era esquecer a mágoa e fazer as pazes.

Ela tinha razão, Luana sabia disso, mas seu maldito orgulho a impedia de pegar o celular ediscar para o noivo (que a essa altura talvez nem fosse mais).

Ter saído de casa sem vê-lo havia reduzido a quase zero a expectativa do iminente encontrocom Marcos Mendes.

E agora lá está ela, sentada numa confortável poltrona, em uma sala com pouca iluminação,mas tão aconchegante, que chega a ser quase um pecado, tamanho conforto e beleza. Porém, nemmesmo a imensa árvore de Natal recoberta de estrelas douradas e um anjinho fofo no topo sãocapazes de diminuir o nervosismo que está sentindo por finalmente ficar frente a frente com ofamoso diretor.

Marcos Mendes é um senhor de quase sessenta anos, com olhos grandes e expressivos e umsorriso paternal daqueles que acalentam o coração. Luana o analisa discretamente quando eleentra na sala, seguido de uma empregada que oferece drinques. Luana recusa educadamente.

— Devo admitir que não mentiram quando exaltaram sua beleza! — exclama. — É aindamais bela do que nas fotos, querida — completa beijando-lhe ambas as mãos num gestocavalheiresco e respeitoso.

— Obrigada. É um imenso prazer conhecê-lo, senhor — responde meio emocionada.Ele faz um movimento com a mão, como se não fosse importante, e então se senta na poltrona

à sua frente. A empregada vai até a janela e afasta um pouco as cortinas, um feixe de luz irrompena sala, mas o ambiente continua acolhedor.

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— Quer que diminua a temperatura do ar-condicionado? — pergunta distraidamente.— Ah... Não, está ótimo aqui. — E está mesmo, ao contrário do clima na rua, que beira os 40

graus.— Você deve estar se perguntando por que a chamei aqui, certo? — Ele começa a dizer

preguiçosamente, como se estivesse saboreando aquele momento.— S-sim... Muito — a voz sai gaguejante. — Mas antes de qualquer coisa, gostaria que o

senhor soubesse que, embora eu nunca tenha atuado em uma novela, me saio muito bem noteatro... — continua falando até se dar conta de que o diretor aparenta estar confuso.

— Você é atriz também? — a interrompe. — Olha só, parece que os ventos estão soprando aseu favor, mocinha — sorri antes de beber um pequeno gole de seu uísque com gelo.

— Tá legal, eu desisto — diz subitamente mandando pelos ares a pose de mulher centrada. —O senhor está me deixando confusa. Se não me chamou até aqui para me oferecer um papelcomo atriz então...

— Estamos interessados no seu livro — ele solta de uma vez por todas.A cabeça de Luana, já confusa, dá um nó diante das palavras do diretor, que não fazem o

menor sentido para ela.— Lembra que comentei com você ao telefone como foi difícil encontrá-la? — pergunta

pacientemente.— Sim, e, como tudo até agora, não faz o menor sentido pra mim, me perdoe.— Acontece que minha esposa encontrou um arquivo no banheiro feminino durante uma

exposição de joias. Ela ficou curiosa com o título e não resistiu a dar uma espiadinha noconteúdo... Enfim, como não havia identificação, Helena entregou a apostila a mim, acreditandoque eu saberia quem era o escritor da obra...

Gabriele perdera seu manuscrito!Luana havia se ressentido muito pelo fato de Gabriele nunca mais ter mencionado sobre ser

leitora beta de seu novo livro. Mas fizera de tudo para não alimentar aquele sentimento, alegandoa si mesma que era por falta de tempo.

— Enfim, não vou ficar discursando sobre isso. O importante é que depois de todo essetempo, descobri que você é a mente brilhante por trás dessa história — conclui com um sorrisocontente.

— Espera... Você disse que tinha interesse no meu livro. — A voz sai um tom acima donormal, ela limpa a garganta para se recompor. Milagrosamente a empregada aparece na sala eela tem a chance de pedir um copo de água, consciente de que precisa se acalmar ou vai ter umataque do coração bem ali no meio da sala luxuosa do diretor mais aclamado do país.

O líquido gelado cai como uma bênção em seu estômago, mas a calma que ela tanto busca sóvem aos poucos, conforme Marcos Mendes dá risinhos curtos, demonstrando entendê-la

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perfeitamente.— Eu li seu livro, Luana — ele recomeça a falar. — É sua primeira obra? — pergunta

verdadeiramente interessado.— N-não, já escrevi outros livros, apesar de nunca ter publicado nenhum — responde

começando a relaxar, embora a ficha ainda não tenha caído.— É impressionante! Essa comédia romântica que você escreveu é exatamente o que o senhor

Vincenzo e eu procurávamos, você acredita? — O sorriso amplo de Marcos Mendes é tãocontagiante que Luana se pega sorrindo também.

— Não. Pra ser sincera estou esperando acordar a qualquer momento só para me dar conta deque tudo isso aqui não passou de um sonho.

Dessa vez, o sorriso dele se transforma em uma gargalhada.— Ah, eu lhe garanto que não é nenhum sonho. Aliás, se você aceitar nossa oferta, em breve,

muito em breve — faz questão de frisar — sua história estará nas telonas. O que você me diz? —Ele continua sereno, um verdadeiro contraste com o turbilhão de emoções dentro de Luana.

— O que eu posso dizer além do que o senhor já sabe? — Luana obriga a garganta acolaborar. — Provavelmente esse é o sonho de todo escritor: ver seu livro se tornar filme, não?

— O senhor Vincenzo me deixou uma proposta. — Ele levanta, vai até a escrivaninha emmadeira escura e abre a primeira gaveta, retirando alguns papéis de lá. — Ele é um investidoritaliano e tem olhos de lince quando o assunto é escolher um roteiro promissor — contaentregando-lhe os papéis antes de voltar a sentar na poltrona.

Ai, minha nossa, eu devo estar sonhando!Esse é o primeiro pensamento que atravessa a mente de Luana quando ela lê a proposta de

compra dos direitos autorais de seu livro: Em nome do amor . O livro que ela escrevera nummomento tão especial de sua vida, com leveza, sem pressão. A história de um casal de políticosrecém-casados que descobre que serão pais e se dão o prazo-limite de nove meses para “tocar oterror” na cidade na qual foram eleitos até o bebê chegar, pretendendo tornarem-se pais honestose ótimos exemplos com a chegada do bebê. Uma comédia romântica que ela cogitara mandarpara as editoras, mas já prevendo recusa por não se encaixar na linha de publicação da maioriadas grandes casas editoriais.

Agora, porém, as coisas se mostram infinitamente mais promissoras. Os papéis em sua mãosão prova disso. Tudo o que ela já ganhou até o momento com comerciais e eventos é irrisórioperto do valor oferecido por Marcos Mendes e seu parceiro investidor.

Suas mãos ficam mais instáveis conforme vai passando as folhas contendo termo de cessãodos direitos autorais e outras formalidades que, devido ao seu estado de incredulidade, nãoconsegue processar.

Então, finalmente sua ficha cai. Nem em seus sonhos mais malucos poderia prever que sua

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paixão pela escrita a levaria até ali.— Tínhamos esperança de que aceitasse nossa proposta, por isso decidimos agilizar — o

diretor quebra o silêncio, começando a ficar preocupado com um eventual pedido de aumento emrelação à proposta inicial.

— Eu preciso conversar com um advogado antes... acho... — Luana finalmente sorri. Aincredulidade foi embora deixando em seu lugar uma sensação de euforia. Agora ela só quercorrer para casa o quanto antes e contar a novidade a Cristian.

— É claro que sim, aliás, nós fazemos questão — reage satisfeito. — Mas tem mais...— Mais? — Aquele é sem dúvida o momento mais marcante em sua carreira de artista. O que

mais pode acontecer para ficar melhor? Pergunta-se.— É só uma possibilidade que me ocorreu ainda há pouco, preciso falar com o meu pessoal

antes... E com você, claro. — Ele esfrega as mãos, os olhos brilhando de excitação. Luana quaseconsegue ver seu cérebro talentoso trabalhando velozmente.

— Eu praticamente já concordei com tudo até agora, então... — deixa a frase no ar,começando a se sentir mais descontraída.

— Bem, como já mencionei, você é a mente brilhante por trás da história e quem melhor doque a criadora para interpretá-la?

A boca de Luana se abre no formato de um O e fica assim por alguns segundos intermináveis.Sua garganta não produz som algum, os olhos estão arregalados. Aquilo é muito mais do quepoderia ter sonhado algum dia.

— E-eu aceito. Ai, meu Deus, você precisa convencer sua equipe de que sou a pessoa certapara o papel — começa a falar atropeladamente dando férias à vergonha por tempoindeterminado.

— Assim é que se fala, garota! — Marcos Mendes aplaude e fica de pé, começando a andarpela sala com olhar sonhador. — Já estou imaginando a capa do filme: O palácio do Planalto aofundo e um casal usando roupa social, fazendo cara de espanto para o bebê que a nova mamãesegura nos braços.

A imagem que a mente de Luana cria diante da descrição provoca-lhe risos.— Não, espera — o diretor não dá tempo para que ela diga nada. — Pensei em algo muito

melhor. O Palácio do Planalto como pano de fundo... E um jovem político vestido à rigor, comcara de pânico, segurando o recém-nascido nos braços. E então vem a melhor parte. — Olha parasua futura estrela para ter certeza de que ela está acompanhando seus pensamentos. — O título:Pai Prefeito. O “prefeito” rasurado e logo abaixo a retificação “PERFEITO”.

Com destreza ela levanta da poltrona onde estivera sentada, suas mãos criam vida própriaaplaudindo calorosamente, o coração a ponto de sair pela boca, os pelos da nuca eriçados,provocados por uma sensação estranha, surreal... e maravilhosa.

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Luana atravessa o Bar do Édi ao encontro da assessora, que a aguarda em uma das mesinhas

com um sorriso mal disfarçado nos lábios.— Hum, vejo que está de bom humor — Luana a cumprimenta com um beijo no rosto. — Só

espero que tenha um bom motivo para ter me arrastado até aqui. Eu devia estar em casa à essahora comemorando com o Cris — avisa sentando-se.

— Um “muito obrigada” cairia bem melhor — Cássia ironiza. — Eu poderia ter negociadocom Marcos Mendes, mas fiz questão que ele falasse diretamente com você, achei que mereciadepois do seu final de ano infernal.

Luana coça a nuca sentindo-se um pouco incomodada. Ainda não está acostumada comalguém cuidando de sua vida. Claro, eu devia ter imaginado que minha assessora estava portrás de tudo, conclui, intimamente admitindo sua eficácia.

— Desta vez, o mérito é todo seu — Cássia diz, como se lesse seus pensamentos. — FoiMarcos Mendes quem me procurou, não o contrário.

— De qualquer forma, agradeço por tê-lo incentivado a falar diretamente comigo.— Você está feliz, não é, criança? — Cássia brinca. — Esse brilho intenso no seu olhar não

esconde.— Ainda é como se fosse um sonho, Cássia. Aliás, tem sido assim desde que conheci o Cris

— confessa. — Mas preciso ser sincera com você. Estou morrendo de medo. Não tive coragemde mencionar ao Marcos Mendes que minha vida está uma bagunça, com todo mundo pensandoque Cris e eu vamos nos separar por conta de uma suposta traição...

— Não se preocupe com isso, é perda de tempo. — Cássia dá de ombros. — Provavelmente,Marcos Mendes já sabe da confusão toda e não está nem aí...

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— Acontece que existe uma chance muito grande de eu ser a protagonista do filme — conta,o semblante dividido entre a possibilidade de se tornar uma estrela e o medo de ser vetada devidoaos acontecimentos recentes.

— Garota, você está se saindo melhor que a encomenda! — a assessora exclamaanimadamente chamando a atenção de um garçom, então aproveita para pedir uma bebida.

Luana pede uma água de coco.— Obrigada. Mas você consegue entender minha preocupação? — volta ao assunto.— Nada, criança. Não sofra por antecipação. Você ainda tem muito que aprender nesse

mundo maluco dos artistas. Com a gente é assim, quanto mais barraco, mais fama.Luana torce o nariz desgostosa. Definitivamente, sua vida nunca será baseada nessa teoria.— O que tiver de ser, será — responde antes de agradecer ao garçom, que voltou com seu

pedido.— Será sim, garota. Aliás, sua estrela está brilhando. Foi por isso que a chamei aqui, não

podemos deixar nenhuma chance passar. Pode ser seus quinze minutos de fama, nunca se sabe...— deixa a frase no ar. Luana franze a testa.

— E então? — a incentiva a prosseguir.— A editora da OneBoy me ligou, querem você peladona nas páginas da revista. — Solta

uma gargalhada. — Não faça essa cara, você sabia que isso aconteceria assim que se tornassemais conhecida.

— Não vou fazer isso, Cássia. Você me conhece...— Exatamente por conhecê-la é que respondi dizendo que você jamais aceitaria... Então, eles

dobraram a oferta e eu me comprometi a convencê-la. É a sua chance de levar mais uma bolada,espero que não me decepcione. — As feições de Cássia se tornam sérias. Luana sabe que nãoserá fácil sair daquela enrascada.

— Eu entendo que você esteja buscando as melhores opções pra minha carreira, Cássia. Masvou vender os direitos autorais do meu livro, talvez eu até atue no filme. Isso por si só já metorna uma mulher rica, não tenho por que...

— Não seja burra, garota. Tem ideia de quantas atrizes e modelos gostariam de estar no seulugar? Você é só a namorada de Cristian Fedrizzi e, no entanto, todos a querem... Mas isso podeser apenas uma onda, hã?

Luana não se sente ofendida. Embora conheça Cássia há pouco tempo, sabe que ela éexatamente assim, curta e grossa, por isso se dá tão bem nos negócios.

— Tudo bem. Prometo que vou pensar — responde desanimada.— Não mesmo. Não a trouxe aqui só para tomar água de coco! — reage exasperada. —

Quero uma resposta agora ! — exige.Luana bufa.

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— Manda o contrato para o meu e-mail. Vou assinar e devolver pra você ainda hoje.Satisfeita? — retruca levantando-se e pegando sua bolsa.

— Melhor assim — Cássia assente.

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Luana joga as sapatilhas longe assim que se vê dentro de casa. O dia foi atípico, sem sombra

de dúvidas. Tudo que ela deseja nesse momento é um banho gelado para tirar da pele os efeitosde um dia de calor sufocante e emoções controversas. Bem, isso não é tudo. Ela também desejaolhar nos olhos de Cristian e pedir desculpas.

Passos suaves atrás dela fazem com que fique alerta, a respiração acelerando.— Que bom que chegou.— Ah, é você, Margarida — reage desanimada quando se depara com o rosto ansioso da

empregada.— Eu aqui toda preocupada com sua demora e você me trata assim — responde fingindo

ressentimento.— Me desculpe, pensei que fosse o Cris. — As duas seguem na direção da cozinha. — Onde

ele está?— Ainda não chegou. — A testa vincada de Margarida entrega sua preocupação.— O quê? Mas já é quase de noite. — Luana aponta o óbvio. — Ele não ligou nenhuma vez?Margarida nega. As duas ficam em silêncio por alguns segundos. Luana sente o coração tão

pesado, subitamente perdendo toda a euforia que sentira até então.— Mas você também sumiu, mocinha — Margarida aperta seu braço chamando-lhe atenção.

— Você e Cristian ainda vão me matar do coração qualquer hora dessas. O Cris sabe se virar,mas você andando sozinha por essa cidade violenta me deixa com o coração na mão.

Um sorriso amável desponta nos lábios de Luana. O cuidado de Margarida a emociona.— Obrigada por se preocupar comigo, Marga. Te amo ainda mais por isso, mas sumi por um

bom motivo. — E então começa a contar sobre seu encontro com Marcos Mendes, evitando tocar

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no outro assunto que roubara seu tempo: a proposta da revista OneBoy.

Depois de tomar um banho refrescante e recusar gentilmente o jantar preparado porMargarida, optando por um suco de maçã verde, Luana dá uma checada na tela do celular, mas omonte de notificações a desmotiva, ela sabe perfeitamente bem o motivo de tantas menções.Após verificar o WhatsApp e se deparar com o veneno de Mari, perguntando sobre o “babado”,ela desiste de vez e vai para o quarto de Cristian onde deita nos lençóis macios e cheira otravesseiro dele, que possui a fragrância que mais ama no mundo: aquela mistura de xampu,loção pós-barba e perfume amadeirado.

Frustrada, coloca os fones no ouvido e desmorona física e emocionalmente.— Nada faz sentido se você não estiver aqui, meu amor — murmura com tristeza ouvindo ao

longe a voz da Shakira cantando a música Nada ; o sono faz suas pálpebras pesarem.

“No sirve de nada llegar aún más lejos Ni toda la fama, ni todo el dinero

No sirve de nada si no estás conmigo Y la soledad se me clava en los huesos

No sirve de Na ah-ah nada.”

Cristian está exausto depois de passar o dia todo lidando com assuntos difíceis. FelizmenteGiovane não o abandonara um momento sequer. Aliás, a alegria do amigo, após ter assumido onamoro com Gabriele, fora vital para manter seu humor estável naquelas últimas horas.

Ele só não esperava chegar em casa e encontrá-la mergulhada no mais profundo silêncio.Não é nem nove horas ainda. Onde estará Margarida? Se pergunta. Diferentemente dos outros

empregados da casa, ela só ia embora aos finais de semana.

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Ele liga algumas luzes a caminho do escritório. Ao entrar, guarda os documentos naescrivaninha e então obtém a resposta para aquele silêncio todo ao reparar no bilhete sobre otampo de vidro. Nele Margarida avisa que precisou ir resolver alguns assuntos em casa e nãoquis incomodar Luana, que chegara cansada e fora dormir cedo.

— Um dia, ela aprende a usar o Whats . — Cristian ri, conversando com seus botõesenquanto sobe as escadas.

O quarto está às escuras como o resto da casa, o que não impede Cristian de reparar nasilhueta esguia envolta em lençóis de seda, dormindo profundamente, o fio do fone de ouvidoemaranhado entre seus cabelos. O coração dá um loop no peito, fazendo explodir dentro de si otipo de sensação que até hoje só interpretara na televisão, jamais sentira.

Com cuidado para não acordá-la, entra no banheiro e toma um banho rápido. Em seguida,usando apenas uma bermuda, passa pé ante pé pela porta e segue para o andar inferior, ondejanta sozinho na bancada da cozinha.

Luana tenta se mover na cama, mas não consegue. A aflição dá lugar a um sorriso sonolentoquando se dá conta de que Cristian está com os braços e as pernas enroscados nela.

— Você está me sufocando — ela geme cutucando-o.Ele resmunga alguma coisa ininteligível e a aperta ainda mais. Luana sorri, mas continua se

retorcendo na tentativa de desenroscar-se dele, só um pouquinho para conseguir respirar melhor.— Vou acordar morta se você não afrouxar os braços...Cristian ri alto, o som reverberando pelo quarto na madrugada silenciosa.— Você precisa se decidir entre acordar ou morrer, amor — ele brinca respirando fundo para

recuperar o fôlego.— Você estava acordado esse tempo todo! — reage indignada dando-lhe tapinhas quando,

enfim, consegue se soltar.Ele sustenta o peso do corpo em apenas um cotovelo e a encara, os olhos dourados brilhando

através da penumbra.— Pensei que pretendia sair correndo e voltar para o seu quarto outra vez. — Ele nunca se

importara nas vezes que Marcela fizera isso, mas com Luana é diferente.— Esqueceu que vim para sua cama por livre e espontânea vontade, mesmo correndo o risco

de ser expulsa? — responde sentando-se, o colchão macio afundando com seu peso e o de

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Cristian, que também senta, encosta as costas largas no estofado de couro da cabeceira e a puxapara si.

— Eu jamais a expulsaria, Joaninha — afirma beijando seus cabelos.— Nós brigamos feio ontem, nos magoamos, saímos hoje pela manhã sem conversar um com

o outro... — Luana suspira, sentindo o tiquetaquear do coração dele contra sua bochecha. — Eunão quero te perder, amor. Não quero perder meu noivo na mesma semana que ele me pediu emcasamento. Ainda mais por causa de uma intriga daquela modelo recalcada — choraminga. —Você me perdoa? — pergunta encarando-o com olhos rasos d’água.

— Está tudo bem — assente. O sorriso lindo acompanhando as palavras é o que a convence.— Pelo visto, você ainda não abriu suas redes sociais hoje...

— Pra falar a verdade, não. A Gabi veio aqui pela manhã, depois eu estive com minhaassessora e com... — Ela se endireita na cama e morde os lábios encarando-o, fazendo suspense.— Com o diretor Marcos Mendes. Ele tem interesse em adquirir os direitos autorais do meu livroe adaptá-lo para o cinema — conta com os olhos brilhando de empolgação.

— Espera aí. Repete. — Cris liga o abajur para vê-la melhor. — O diretor Marcos Mendes empessoa a procurou? Caramba, ter uma obra sua adaptada para o cinema, dirigida pelo maiordiretor do Brasil será um marco na sua carreira, meu amor — diz empolgado, o brilho dos olhosse intensificando, chegando a um tom caramelo que ela não lembrava de ter visto antes.

Luana contou toda a história, exatamente como fizera com Margarida mais cedo. Agora,porém, tudo ganhava um significado especial, pois via admiração e orgulho nas reações dohomem que amava.

— A doidinha da Gabi esqueceu seu manuscrito na exposição e o resto o destino seencarregou de fazer. Mas quer saber? Não estou surpreso, Joaninha, eu sempre soube que a suagarra e determinação – isso sem falar no seu talento e esse jeitinho especial que encanta todomundo –, retornaria em forma de bênçãos na sua vida. — Ele abaixa a cabeça até encostar oslábios nos dela. — Eu te amo.

— Eu também amo você, Cris. — Luana não quer que ele se afaste, precisa daquela bocaquente e convidativa só mais um pouquinho. Mas alguma coisa em seus gestos a faz retroceder.

— Vou descer e buscar um champanhe — avisa sem deixar de sorrir. — Hoje foi um longodia. — Suspira.

— Aceito o champanhe se me disser onde passou o dia. — Luana tenta parecerdesinteressada, mas seu coração está a galope.

— Combinado — responde simplesmente, saindo do quarto sob o olhar ansioso da namorada.Luana afofa os travesseiros, sorrindo, o coração finalmente em harmonia por ter feito as pazes

com Cristian.Subitamente suas palavras lhe voltam à mente: pelo visto, você ainda não abriu suas redes

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sociais hoje .Estivera tão empolgada contando sobre a proposta de Marcos Mendes que esquecera de voltar

ao assunto.Estica o braço embaixo dos lençóis à procura do celular. Quando o encontra, imediatamente

abre uma de suas contas e sente os olhos se encherem de lágrimas. O coração acelera, arespiração torna-se difícil, mas não é de tristeza. Mais uma vez, mesmo sem necessidade,Cristian provava a ela o tipo de homem que era.

Ele entra naquele exato momento trazendo uma garrafa de champanhe dentro de um baldecromado e duas taças. O sorriso largo que ele abre ao vê-la com o celular na mão parece iluminaro quarto todo.

— Meu amor, não sei como você fez isso... — Luana levanta da cama e caminha até sentir ocorpo se chocar contra aquela muralha de músculos, que é o peito dele. — Mas, acredite,significou o mundo pra mim. Eu... — Tenta evitar as lágrimas, mas elas continuam caindovagarosamente. — Não sei explicar...

— Não precisa explicar. — Cristian a cala com um beijo, e outro, e outro, até que os doisestejam sem fôlego. — Eu estou me sentindo livre, finalmente, e feliz que essa confusão todatenha resultado em alguma coisa boa. Essa sua carinha de deslumbramento faz tudo valer a pena,Joaninha — completa afastando-se somente o suficiente para alcançar o balcão, onde larga obalde e as taças.

— Livre? — Luana enxuga as lágrimas e o encara na semiescuridão. — Acho que agora nãoentendi.

Cristian caminha até a poltrona e a puxa até que esteja sentada sobre suas pernas.— Dei entrada no processo de divórcio. Isso já devia ter acontecido há muito tempo, eu sei...— Não — Luana o corta. Embora ela queira saltitar pelo quarto com a notícia, prefere

manter-se tranquila. — As coisas acontecem no tempo certo, você precisava ter certeza...— Eu já tinha certeza quando me declarei pra você na casa da minha mãe, meu amor —

afirma sério. — Só não tinha agido antes em relação ao divórcio por consideração a Marcela.Julguei que ela necessitasse de um tempo até aceitar, mas depois do que ela fez...

— Não importa mais, amor. — Luana beija seu queixo, a barba rala fazendo-lhe cócegas noslábios. — Eu pensei que não poderia ficar mais feliz quando, ainda há pouco, li a declaração deMarcela nas redes sociais confessando que planejou tudo para que parecesse que vocês doishaviam tido uma recaída... Mas receber a notícia de que em breve você estará livre para ser meumarido é milhões de vezes mais emocionante do que tudo, até mesmo do que trabalhar comMarcos Mendes — confessa sorridente.

— Olha que eu acredito — brinca.Naquela noite, quando se amaram, algo parecia ter mudado. Existia tanta cumplicidade entre

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eles que era como se finalmente estivessem livres para recomeçar.

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Naquela manhã, quando Cristian a convidou para irem visitar sua mãe, Luana manteve os

olhos alguns segundos a mais nas páginas do livro que estava lendo, na tentativa de disfarçar onervosismo.

— Algum problema? — ele havia perguntado, a testa franzida.Ela e dona Júlia costumavam trocar mensagens pelo WhatsApp, Luana realmente apreciava o

bom humor da sogra. Mas lembrava com perfeição da vez em que estiveram juntas e a senhoranão pareceu ter o menor pudor em falar horrores de Marcela. Na ocasião se sentiradesconfortável, mas contornara a situação porque estava sozinha. Como reagiria estando comCristian?

— Não, problema nenhum — se apressou em responder. — Eu adoraria rever dona Júlia.A verdade é que ela tinha razão em estar apreensiva. Dona Júlia os atacara com perguntas

sobre Marcela tão logo os viu chegar e, mesmo agora, enquanto admiram os últimos quadrospintados por ela, continua tagarelando.

— Você fez muito bem em colocar aquela mulherzinha em seu lugar, filho — desabafa. —Mas ainda acho que a retratação que ela fez em seu perfil foi pouco, devia tê-la obrigado a pedirdesculpas no jornal da noite.

— Já chega, mãe. Nós não queremos mais falar sobre Marcela — Cristian pede abraçandoLuana por trás.

— Parece mentira que você se curou da obsessão que tinha por essa mulher — continua semdar ouvidos ao filho. — Agora que você e Luana vão se casar, já posso ir planejando a decoraçãodo quarto dos meus netinhos — diz sonhadora. — Já imaginaram uma menininha com cabelosnegros como os da Luana e olhos cor de mel como os seus, filho?

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Cristian pisca para Luana antes de se afastar indo na direção da mãe e abraçando-a,conduzindo-a na direção da porta. Luana os segue e começam a descer as escadas.

— E se forem gêmeos... — prossegue, animada.— Mãe, você é tão moderna, tão liberal, não devia ter essa ideia fixa de que um casal só é

feliz se tiver uma penca de filhos. Luana e eu queremos aproveitar a companhia um do outro...— Sempre cortando meu barato, não? — retruca. Mas não é a única a se sentir desanimada.Mesmo que queira focar no fato de que Cristian quer aproveitar sua companhia, uma

nuvenzinha cinza encobre a alegria que Luana estivera sentindo. Já é a segunda vez que Cristianrejeita a ideia de ter filhos. Será que ele e Marcela combinavam tanto por isso? Por que ambosdesejavam apenas uma vida a dois?

Apesar das dúvidas, o restante do tempo passado ao lado de dona Júlia e de Cristian, entrerisos e histórias hilárias, é o suficiente para fazê-la esquecer de toda e qualquer preocupação.

Nos meses que se seguem, Luana vê sua vida mudar radicalmente. Seus dias antes sossegadosagora são recheados de reuniões com pessoas importantes e encontros diários com Lorena, aprofissional que está roteirizando seu livro e faz questão que ela participe do processo.

Muita gente ainda olha para ela com pena, como se Cristian fosse de fato o artista semescrúpulos pintado pela imprensa. Luana teve que aprender a não se importar com a opiniãoalheia e, principalmente, a confiar em Cristian. No fundo, Marcela acabara lhe fazendo um favor,pois, com toda a confusão, Cristian finalmente tomou coragem para dar início ao processo dedivórcio, que já estava sendo concluído. Marcela não mostrou resistência quanto ao pedido dedivórcio, isso havia preocupado Luana durante muitos dias, com medo de que a modelo quisessevingar-se dela de alguma forma, o que, milagrosamente, não aconteceu.

Luana suspira e volta sua atenção para o papel em sua mão.— Essa parte está perfeita — elogia relendo pela terceira vez o trecho que Lorena adaptou

anteriormente.— Maravilha — a roteirista sorri agradecida.Depois de assinar o contrato cedendo os direitos autorais de sua obra, Luana viu sua conta

bancária passar de razoável a conta dos sonhos; a alegria de finalmente se tornar uma mulherindependente havia transbordado na forma de um sentimento de realização.

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Nada disso, porém, podia ser comparada a sensação que sentia toda vez que estava sentada noelegante escritório de Lorena mexendo em seu próprio texto, cortando cenas, dando sugestões,rindo das encrencas nas quais os protagonistas políticos se metiam.

— Minha mãe teria adorado me ver conquistando tantas coisas grandiosas, coisas que sequersonhei — diz de repente, as folhas suspensas na mão, o pensamento voando longe.

— Sinto muito que ela não tenha tido o privilégio de ver aonde você chegou. — Lorena esticaa mão sobre a escrivaninha até alcançar a dela, então faz um carinho. — O importante é queDeus nunca a desamparou, querida. E suas conquistas são prova disso.

Luana esfrega os olhos para evitar que as lágrimas caiam.— Desculpa, entendo que você queira me confortar, mas sou meio cética quanto a essas

coisas... — diz limpando a garganta.— Quanto a quê? — Lorena desvia os olhos da tela do computador e a encara.— As pessoas têm o hábito de envolver Deus em tudo, como se ninguém fosse merecedor de

nada — argumenta com convicção.— Você não acredita em Deus? — Lorena pergunta surpresa.— Não foi isso que eu disse. Lógico que acredito, e como! Mas acho que Ele é importante

demais para se envolver com os nossos problemas, entende? Acredito que o que acontece aquinesse mundo, de bom ou de ruim, é consequência das nossas escolhas. Não é como se existisseum telefone disponível e todas as vezes que o ser humano precisa de algo, ou quer agradecer poralgo, ele liga e fala com o ser superior.

— Existe. — Lorena sorri amavelmente. — E esse telefone se chama oração... Mas acho quevocê não está interessada no assunto, não é? — completa encabulada ao perceber o leve revirarde olhos da jovem.

— Tudo bem. — Luana dá de ombros. — Margarida, a empregada do Cris, também pensaassim e eu respeito.

— Também respeito sua maneira de pensar — Lorena afirma. — Vamos voltar ao trabalho?— muda de assunto. — O que acha de adiarmos essa parte em que a primeira dama tem umataque de riso durante o discurso do marido? Acho que surtiria mais efeito.

Elas continuam trabalhando em sintonia pela próxima hora, até que Lorena dá o dia porencerrado e libera Luana.

— Foi um dia muito produtivo — comenta feliz. — Amanhã estarei aqui na hora de sempre.As duas se despedem à porta do escritório e, quando Luana está prestes a entrar no elevador,

Lorena a chama:— Esqueci alguma coisa no escritório? — pergunta já começando a abrir a bolsa.— N-não... Eu só queria que você prometesse que se algum dia estiver enfrentando algo

difícil e achar que realmente não conseguirá resolver sozinha... vai lembrar da nossa conversa...

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O telefone...Luana joga a cabeça para trás e ri, divertida.— Você é incrível, Lô. Mas tá bem, eu prometo — diz antes de entrar no elevador.Quando as portas se fecham e ela encara o próprio reflexo no espelho, algo estremece dentro

de si. As palavras da roteirista ecoando em sua mente.Luana pensa na possibilidade de se tornar a protagonista do filme. A situação ainda não foi

definida, irá depender muito da opinião do investidor italiano. E, sim, ela quer muito aquelepapel. Se fizer a tal “ligação” pedindo, implorando por aquela chance, será atendida? As portasdo elevador se abrem deixando-a no térreo. Ela se dirige ao local onde estacionou o carro, entranele e balança a cabeça, recriminando a si mesma pelos pensamentos malucos que acabara de ter.

— Eu vou conseguir — afirma em voz alta. — Sei que vou.

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É domingo. Margarida acaba de servir uma torta de limão e não esconde o riso ao ver

Gabriele atacar o segundo pedaço enquanto Giovane, Cristian e Luana ainda nem começaram oprimeiro.

— Não me olhe com essa cara, Marga Amarga. A culpa é sua por fazer essas coisasdeliciosas. Eu não resisto, oras — Gabi lambe o dedo sujo de merengue suíço.

— Eu não falei nada. — A empregada ergue as mãos em forma de rendição fazendo todoscaírem na risada.

— Está mesmo uma delícia, Marga, mas eu exagerei no almoço, acho que nem vou conseguirterminar esse pedaço. — Luana arrasta a sobremesa para o namorado, que aceita com prazer.

— Espero que você não esteja fazendo onda, hein? — Gabi a encara com ar de repreensão.— Que que tá rolando? — Giovane se interessa pelo assunto, a colher suspensa a meio

caminho da boca.— Me deixaram curiosos agora — Cristian também quer saber.— A Lu entrou numa paranoia de que está gorda e é por isso que ainda não a aprovaram para

o papel de protagonista do filme — Gabriele explica com a boca cheia de doce. — Pronto, falei.— Gabi! — Luana reage indignada.— Credo, Aninha, você nunca foi assim — Giovane diz e recebe um cutucão da namorada.

— O quê? Por que fez isso?— Em primeiro lugar, porque já disse que não pode mais chamá-la de Aninha; em segundo,

porque eu posso criticá-la, você não...— É mesmo uma ciumentinha. — Num gesto rápido rouba-lhe um beijo.Mas Cristian e Luana nem percebem a brincadeira dos amigos, estão entretidos demais

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encarando-se.— É verdade o que a Gabi falou, Lu? — Cristian inquire, a testa franzida em claro sinal de

desaprovação. — Você não precisa disso, amor. Todo mundo quer ter o seu corpo, a sua cintura— salienta exasperado. — E tudo isso faz parte de você, naturalmente, sem que precise pirar...

— Ah, ok, então você pode se enfiar na academia do subsolo durante horas todos os dias e eunão posso cuidar do meu peso? — Luana reage irritada. — Sou tão artista quanto você e a Gabi equero fazer minha parte, qual o problema?

— Tudo bem, não estou questionando isso. Só acho que não deve forçar a barra, não vale apena...

— Pra mim vale a pena, é isso que vocês não entendem — o corta sentindo-se a ponto deexplodir. Por que ninguém entendia o quanto aquele papel no filme era importante para ela?

— Não fica chateada comigo, só estou pensando no seu bem. — Cristian respira fundo, osmúsculos do maxilar saltando-lhe, o olhar magoado.

— Me desculpe — Luana se arrepende no mesmo instante ao ver tanto amor refletido em seusolhos. — Estou ficando paranoica com essa incerteza — desabafa. — Me perdoa?

— Só se você comer a sobremesa direitinho — brinca beijando-a na ponta do nariz.Luana, porém, consegue driblá-lo e pula a sobremesa indo direto para o cafezinho sem

açúcar.— E você, dona Gabriele, só a perdoo porque, graças a um vacilo seu, me transformei na

queridinha de Marcos Mendes, mas você tem que parar com essa mania de ficar me dedurandopara o meu noivo.

— Até parece que você não me conhece. — A amiga solta uma de suas típicas gargalhadas.— Vou dedurar quantas vezes forem necessárias, exatamente como faria com uma irmã.

O comentário, mesmo naquele tom de brincadeira, que é a cara de Gabriele, faz com queLuana desvie os olhos para disfarçar as lágrimas que brotam deles.

Bem mais tarde, quando Giovane e Gabriele já foram embora, Luana aproveita para malharcom Cristian. Normalmente seus horários não batem, principalmente agora que Cristian estágravando um programa de auditório, que irá ao ar em breve. Mas como é domingo, e ambosestão livres, ela o convence.

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— Vou pegar pesado com você. — Ele pisca charmosamente ao mesmo tempo que entram naacademia toda espelhada. Lá embaixo o clima é bem mais agradável.

— Hummm, gosto da ideia — revida no mesmo tom.Os dois começam a se alongar, mas Luana se afasta um pouco para esticar os braços e se

perde no tempo ao admirá-lo. Vários meses se passaram desde que ela e o ator estiveram juntospela primeira vez. No entanto, mesmo agora, depois de todo esse tempo vivendo juntos,dividindo o mesmo teto e a mesma cama... Agora que ele é seu noivo – e o anel maravilhoso emseu dedo anular, que ela ganhara de Cristian dias depois de ter aceito seu pedido de casamento, éprova disso –, ela ainda se pergunta como pôde um sonho de fã se transformar naquelacumplicidade tão linda, que ela não vira nem mesmo em muitos casais com mundos semelhantes.

— O que foi? — Cristian se aproxima, pousando ambas as mãos em sua cintura e alevantando com facilidade. Luana cruza as pernas ao redor do corpo grande e musculoso paramanter o equilíbrio.

— Eu estava só admirando essa gostosura toda — confessa. — Às vezes, ainda não acreditoque você é meu. Você sabe, eu era só uma tiete e essas coisas não costumam acontecer na vidareal...

— Posso confessar algo? — Os olhos dele são duas pedras brilhantes, o sorriso largodeixando os dentes branquíssimos à mostra.

— Deve. — Ela procura controlar a respiração para não ofegar com toda aquela proximidade.— Eu não era indiferente à sua perseguição nas redes sociais — apesar do tom brincalhão,

aquela luz em seu olhar faz com que Luana fique séria.— Sempre pensei que fosse sua assessora quem administrava suas contas...— Mas não era isso que eu ia confessar — a interrompe mostrando-se ansioso. — O que eu ia

dizer é que... eu sabia que você morava naquela região do Sul e quando estive no Festival deCinema torci para que você também estivesse por lá.

A boca de Luana abre e volta a se fechar, incrédula, então um sorriso enorme ilumina seurosto. É algo que ela não consegue evitar, as emoções borbulham e querem sair de dentro de si aqualquer custo. Sem se conter, alcança os lábios do noivo e o beija lentamente. Só para de beijá-lo a fim de satisfazer a própria curiosidade.

— E quando você me viu no restaurante? — Está ofegante, o coração batucando no peito.— Eu fiquei surpreso, de qualquer forma, porque esperava uma senhorinha de idade

avançada, jamais você — responde, um sorriso torto suavizando seu rosto viril. — E agora, quetal deixarmos o papo pra depois e continuarmos o treino?

Luana entende que ele já falou demais, abriu seu coração de maneira que poucos homensfariam. Seu ego, porém, quer ouvir mais, exatamente tudo o que ele pensou ou sentiu, mas arazão a alerta que tudo que acabou de ouvir já seria o suficiente para uma vida toda.

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— Você é quem manda, galã — graceja escorregando pelo corpo firme até sentir os péstocarem o chão da academia. Antes que mude de ideia e decida ficar colada nele pela próximameia hora, Luana segue na direção do elíptico.

Os dois se exercitam durante quarentas minutos e só param porque Luana está se sentindotonta.

— Estou um trapo — reclama contrariada.— Está vendo por que Gabriele e eu pegamos no seu pé por insistir nessa loucura de

emagrecer a qualquer custo? Vai acabar prejudicando sua saúde, Lu.— Minha pressão deve ter caído, só isso — retruca.— Nada disso, nós vamos subir agora e eu vou pedir a Margarida que faça uma vitamina

deliciosa pra você. Vamos. — A conduz gentilmente escada acima.— Só se você tomar também. — Ela faz beicinho.— Essa carinha é golpe baixo — cede.

Na cozinha, Luana começa a preparar as vitaminas de morango e kiwi porque Margarida estáocupada adiantando o jantar.

— Vou deixar tudo prontinho, é só aquecer — avisa secando as mãos no avental.— Aonde a senhora vai, posso saber? — Cristian pergunta ao mesmo tempo que alcança os

ingredientes para a noiva.Luana faz sinal negativo com a cabeça, mas a empregada empertiga o corpo numa postura

determinada.— Ai, Luana, desculpa, mas não acho justo uma ação tão linda ficar escondida por debaixo

dos panos...Cristian eleva as sobrancelhas, a testa enrugada em sinal de confusão.— Eu estou indo conferir como estão as coisas lá na Casa Lar. A Lu fez uma generosa doação

quando recebeu a grana daquele diretor famoso e o pessoal está reconstruindo o local. Tá ficandotão lindo, a dona Vani, diretora da casa, nem fecha a boca de tão feliz.

Cristian não desvia os olhos de Luana. A sua Joaninha é, sem dúvida, a pessoa maisiluminada que ele já conheceu.

— Estou tão orgulhoso de você. — Ele se aproxima e a beija na testa. — É o primeirodinheiro considerável que você ganha e olha sua primeira ação! — exclama, um sorriso amplo

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brincando em seus lábios.— Obrigada, amor. A Marga já tinha me falado sobre essa instituição que, além de cuidar de

crianças órfãs, também faz almoço e jantar para pessoas carentes. Então quando recebi o chequesó conseguia pensar numa maneira de ajudá-los...

— E fez muito bem... Mas podia ter me contado antes — Apesar da queixa, aquela luzcontinua presente em seu olhar.

— O que uma mão dá a outra não precisa ficar sabendo, não é assim o ditado? — retrucarindo do beiço que ele está fazendo.

— Essa garota, hein? — Margarida prova um pouco do molho, que cheira deliciosamentebem. — Você tem que morrer de orgulho mesmo, Cris.

Quando ela sai, Cristian e Luana vão para a sala de estar assistir um filme enquanto tomam avitamina.

— Promete que não fica chateada se eu disser uma coisa? — ele pergunta acariciando-lhe oscabelos.

Luana, que está deitada no sofá com a cabeça sobre as pernas dele, o encara surpresa.— Claro que não, amor. — Fica séria de repente. — Não me diga que Marcela voltou a

incomodar. — O divórcio sairia dentro de poucos dias e Luana não suportaria se Marcelavoltasse a aprontar.

— Não, claro que não — a tranquiliza. — É que... como seu noivo, quase marido — os doissorriem espontaneamente —, me sinto no dever de cuidar de você... Eu fiquei pensando sobre oque a Gabi falou, sobre você ficar sem comer, e me dei conta de que nos últimos dias você andoupassando mal várias vezes...

— Já disse que estou bem, Cris. A Gabi é uma exagerada. Além do mais, estou muito nervosaporque amanhã farei a sessão de fotos para a revista OneBoy — confessa sentando-se no sofásentindo-se desconfortável.

— E está nervosa por quê? — pergunta intrigado.— Não sei porque topei fazer isso. Devia ter dito à Cássia que não faria e ponto. Agora é

tarde — conclui aborrecida.— Você não precisa fazer, se não quiser. — Cristian segura uma de suas mãos e a leva aos

lábios beijando carinhosamente.

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— Eu assinei um contrato, amor. E você sabe o quanto odeio falhar.— Eu sei... Mas, vem cá, vamos esquecer isso por enquanto. — Cristian a puxa para si. —

Ouvi dizer por aí que, com jeitinho, atores famosos e loiros de olhos cor de mel conseguemqualquer coisa.

Luana começa a rir esquecendo por um momento todo o estresse que a perseguiu durante asemana anterior por conta da iminente sessão de fotos.

— Achei um tanto convencido da sua parte, mas não é que até isso cai bem em você? —graceja, fazendo-o cair na risada junto com ela.

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O dia amanhece abafado e cinzento, prevendo uma enxurrada.Cristian já está de banho tomado e usa calça jeans e paletó creme. Está tão lindo que Luana se

vê tentada a arrastá-lo de volta para a cama. Só não o faz porque sabe que ele vem dando omelhor de si, radiante com o novo rumo em sua carreira de ator e apresentador. Não será ela adistraí-lo.

Antes de sair, porém, o noivo se aconchega ao seu lado na cama. Luana enterra o nariz nopescoço dele e aspira o aroma marcante e único.

— Não importa a decisão que tenha tomado, saiba que estou do seu lado, Joaninha — afirmaantes de beijá-la para sair.

Luana apenas sorri, incapaz de pronunciar palavra alguma. Quando o vê sumir por detrás daporta, cobre o rosto com as mãos em desamparo.

A sessão de fotos aconteceria dentro de alguns minutos, segundo o horário combinado. Aequipe da Revista OneBoy havia deixado bem claro que ela não deveria tomar o café da manhãpara não comprometer seu abdômen, que deveria estar totalmente achatado na hora das fotos.

Com um sorriso de satisfação quase sádico, Luana corta um generoso pedaço de bolo decenoura com cobertura de chocolate, feito por Margarida no dia anterior, e prepara uma caneca

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grande de café com creme.— Hum, tô gostando de ver. — Margarida aprova entrando na cozinha. — Vai compensar os

dias que comeu feito um passarinho? — Ela para de repente. — Espera, Deus me perdoe pordizer isso, mas você não deveria estar peladona a essa hora?

— Deveria. Mas acabei de decidir que não vou mais fazer isso. Passei a noite toda pensandosobre o assunto e resolvi que não quero e nem preciso desse tipo de exposição...

— Sua assessora vai matar você.— Ela não manda em mim. — Balança os ombros para cima e para baixo como uma menina

malcriada.— Mas você não é ingênua a ponto de não saber que vai ter que pagar uma multa, não é? —

Margarida retruca, o rosto vincado numa expressão preocupada.— O Cris vai me ajudar, Marga. Ele conhece a editora da revista, então... — Dá de ombros.— Então dá um abraço aqui, meu bem. — A empregada a abraça apertado quase provocando

um engasgo em Luana que mastiga o bolo. Ela ri, é como se um fardo de mil quilos tivesse sidoremovido de suas costas.

Porém, a alegria de ter feito o que seu coração mandava só dura alguns minutos. Maisprecisamente até ligar para Cássia e ouvi-la explodir do outro lado da linha.

— Me nego a assessorar uma mulher volúvel... Não, pior, uma criança mimada e burra comovocê! — vocifera. — Está colocando tudo a perder.

— Não vou dizer que sinto muito porque não sinto — Luana responde no mesmo tom. —Agradeço por tudo o que fez por mim até agora, mas sinta-se à vontade para me deixar quandoquiser. Sou eu quem se nega a aceitar esse tipo de proposta em troca de dinheiro — completasentindo o rosto esquentar de raiva.

— É claro que vou deixá-la. Mas lembre-se do que vou dizer: artistas de verdade aceitamtodo tipo de desafio para só bem mais tarde darem-se ao luxo de recusar trabalho por conta deprincípios idiotas. O fato de você estar noiva de uma celebridade não quer dizer nada. Cristianpode se cansar a qualquer momento. E no dia que você se vir sozinha, morando numa favela, vaise arrepender por ter sido tão boba...

— Agradeço pela preocupação — Luana zomba de volta. — Mas, se esse dia chegar, pelomenos estarei de bem com minha consciência.

Margarida a aplaude baixinho, lágrimas de orgulho brilham em seus olhos.— Sugiro que use seu sarcasmo na hora de negociar com o advogado da revista, quem sabe

funciona — assevera antes de desligar.— Não tenho mais assessoria, Marga. — Luana ri depositando o celular na bancada da

cozinha. Aos poucos, porém, o riso ganha força e se transforma numa gargalhada histéricamisturada a lágrimas de nervosismo pelo que ela sabe que terá de enfrentar.

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A tarde foi dedicada a resolver a questão ao lado de Gabi e Giovane, que se prontificou paradar-lhe uma força. Os dois haviam sido uma verdadeira bênção naquele momento turbulento.

Mas, felizmente, nem mesmo o trânsito caótico causado pela chuva torrencial a impediu dechegar em casa antes de Cristian.

Ele havia ligado várias vezes ao longo do dia depois de saber que Luana tinha de fatodesistido da sessão de fotos, e fizera de tudo para tranquilizá-la, garantindo-lhe que resolveriaaquela questão da melhor maneira possível. Então, ela fizera os amigos jurar que não diriam nadaa ele porque, certamente, o noivo se sentiria na obrigação de pagar a multa rescisória, e isso elajamais aceitaria.

— Foi um longo dia não é, meu bem? — Margarida a recebe à porta com uma toalha brancaem mãos. — Seque-se antes que pegue um resfriado.

— Obrigada, Marga. Vou subir e tomar um banho. Quero que Cristian me encontre inteiraquando chegar — segreda-lhe.

— Você quer conversar? — A empregada percebe os olhos fundos e o aspecto cansado nasfeições de Luana, mas ela diz que está tudo bem.

— É sério, estou apenas cansada — responde quando Margarida insiste. — Se o Cris chegar,diga a ele que desço em um minuto. — Sai da sala deixando Margarida intrigada. Ela balança acabeça e Luana segue escada acima tentando segurar as lágrimas até chegar ao quarto. Lá eladesmorona.

Meia hora depois, porém, está pronta, usando macacão jeans e sapatilhas vermelhas. Caprichana maquiagem para esconder as olheiras e opta pelo perfume que ganhou de Cristian semanasatrás, no dia de seu aniversário.

Ela entra na sala no exato momento que Cristian chega, com os cabelos bagunçados epingando de chuva, mais lindo do que ela se lembrava.

— Uau! Tem coisa melhor do que chegar em casa e ser recebido por uma mulher linda, sexye cheirosa? — Ele a beija demoradamente e Luana nem se importa de estar se molhando tambémporque aquele momento, que antes ela só vivera nos seus sonhos, é real demais; tem gosto,cheiro... e músculos poderosos.

— Te amo. Obrigada por ter se preocupado comigo o dia todo. Espero não ter atrapalhado asgravações do programa...

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— Você nunca atrapalha, Joaninha. Eu estava realmente preocupado. Você parecia bem malhoje de manhã. — Eles caminham abraçados até o pé da escada. — Mas o importante é que vocêconseguiu se livrar da multa, não? Giovane comentou comigo que as minhas ligações para aeditora da revista contribuíram. — Ele sorri maliciosamente. — Não disse pra você que meucharme sempre funciona?

Luana assente com o coração aos pulos. Giovane cumprira a promessa e não contara nada aele. Embora esteja se sentindo mal por omitir a verdade, está certa de que foi melhor assim.

— Obrigada por ter insistido tanto com o pessoal da revista, amor, significou muito pra mim.— Ela não está mentindo. Embora agora tenha voltado a ser uma mulher pobre, depois de deixarum cheque com valor absurdo na revista, como pagamento pela multa rescisória, a sensação desaber que, pela primeira vez, depois da morte de sua mãe, ela tem alguém caminhando ao seulado, considerando importante o que também é importante para ela, a faz se sentir a mulher maisfeliz e realizada do mundo.

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Luana sente o suor escorrer pelas costas e braços, mas se nega a dar uma pausa. O esforço

pela corrida à beira da praia faz com que se sinta menos pior.Meses se passaram desde que ela vendera os direitos autorais para Marcos Mendes, período

longo o bastante para que enriquecesse e empobrecesse. Ela e Lorena já estavam na reta final naadaptação da obra, no entanto, o diretor não voltou a falar nada a respeito de sua participaçãocomo atriz no filme e isso a está deixando doente – quase literalmente.

O cansaço finalmente a obriga a parar quando já está no local menos movimentado da praia.Desanimada, apoia uma mão em cada joelho, as pernas afastadas, o rosto pingando de suor, acabeça jogada para a frente. Leva alguns segundos até perceber que tem alguém chamando porela.

— Você é Luana Savaris, não é? — Um carro para e dois rapazes acenam sorridentes, celularem mãos, prontos para o “ataque”. — Tenho o seu pôster de Mamãe Noel na parede do meuquarto, ficou gatinha, hein?

Luana força um sorriso sem conseguir deixar de pensar que àquela altura o rapaz poderiaestar com um pôster bem menos inocente em seu quarto se ela não tivesse ouvido a voz docoração e desistido de posar para a OneBoy no último instante.

— Podemos fazer uma selfie ? — O motorista grita reduzindo a velocidade do veículo até queele esteja quase parando.

— Eu estou toda suada e descabelada! — Luana protesta apontando para as roupas deginástica.

— Só uma e a gente te deixa em paz, vai! — insiste.Luana não está em seu melhor dia. E esse é o motivo que a faz concordar. Quanto mais cedo

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fizer o que eles querem, mais cedo a deixarão em paz, conclui.— Tá legal! — Torce a boca contrariada e sobe a pequena elevação de areia até alcançar a

calçada.Tudo acontece tão rapidamente que ela não tem tempo de gritar ou correr. A porta de trás do

veículo é aberta subitamente e um terceiro sujeito surge do nada empurrando-a para dentro.Antes que consiga dizer qualquer coisa, sente uma picada no braço.

— O que... — A agulha é retirada, o carro já está em movimento. Ninguém na rua viu nada.Estou perdida , é o último pensamento que lhe vêm à mente antes de apagar por completo.

Quando acorda, a cabeça está confusa. Levanta e caminha com passos trôpegos até encontrara maçaneta da porta. Em desespero, a força várias vezes até que sua ficha cai. Não há comoescapar daquele cubículo escuro e apertado no qual foi jogada.

Cristian chega em casa na hora do almoço. Ele não poderia estar ali. Teria que fazer umesforço hercúleo para estar de volta à Rede Mundo no horário marcado com o diretor, mas valeráa pena se conseguir convencer Luana a fazer uma refeição decente.

As conversas que tiveram sobre o assunto não surtiram efeito. A noiva continuava sealimentando mal e se exercitando em excesso. Por duas vezes, ele a encontrara quasedesmaiando na academia do subsolo. Esse comportamento não combinava com a personalidadede Luana. Cristian havia passado praticamente uma vida inteira envolvido com o meio artísticopara saber que essa paranoia destruía sem dó nem piedade. E se o sonho de atuar setransformasse num pesadelo então não poderia trazer nada de bom à vida dela.

Ao estacionar na garagem, seu olhar recai sobre a sacola no banco carona. Se Luana não seinteressar pelas delícias chinesas que estão ali dentro, talvez seja hora de amarrá-la e levá-la aomédico. Um sorriso maroto escapa de seus lábios ao imaginar a cena.

O toque insistente do celular o arranca de seus devaneios.

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— Alô — atende no automático ao mesmo tempo que sai do carro e o contorna para pegar asacola com o almoço.

— A sua noiva está com a gente. — A voz do outro lado da linha é abafada, masperfeitamente compreensível.

Cristian franze a testa, um sorriso irônico escapa-lhe dos lábios quando se dá conta da ameaçapor trás daquela frase.

— Minha noiva está bem aqui, junto comigo. Vá procurar outro trouxa pra sacanear —blefa. Aquele tipo de chantagem aconteceu tantas vezes com ele que já deveria estar acostumado.No entanto, a súbita dor na boca do estômago faz com que ele tenha dificuldade em manter-secalmo.

— Não sei quantas noivas você tem, mas a princesinha Luana Savaris está na minha frente,amordaçada e com as mãos amarradas. — Um riso debochado acompanha sua afirmação.

Cristian sente o coração falhar uma batida, a sacola com o almoço cai no chão, mas ele nempercebe. E é então que seu mundo desaba ao ouvir os sons abafados que parecem gritos... na vozde uma mulher... da sua mulher! Como se não pudesse ficar pior, a ligação é encerrada.

De repente, é como se suas pernas antes amolecidas criassem vida. Ele desata numa corridadesenfreada até chegar à cozinha onde para bruscamente sob o olhar alarmado de Margarida.

— Onde a Luana está? — As mãos em torno dos braços da empregada demonstram seudescontrole. — Por favor, diga que ela está lá em cima...

Margarida quer perguntar o que aconteceu, mas a urgência no olhar do patrão não dá espaçopara prolongar a conversa.

— A Lu saiu cedo pra correr na praia e ainda não voltou. Pensei que tivesse ido para a casa daGabriele. O senhor já ligou?

— Por favor, me diga que isso é um pesadelo, Marga — Cristian desaba na primeira cadeiraque encontra, o corpo todo tremendo.

— O que aconteceu? — Margarida não sabe se corre para pegar uma água ou se abana ohomem pálido à sua frente, que confere o celular a cada meio segundo. Por fim, se decide pelaágua.

— Luana foi sequestrada.O copo escorrega das mãos dela e se espatifa no chão em milhões de pedaços.— Ai, meu pai celestial, proteja a minha menina — as palavras são acompanhadas de

lágrimas. — Você precisa avisar a polícia.Cristian se levanta, obrigando o cérebro a pensar. Margarida está errada. Chamar a polícia

pode colocar a vida de Luana em risco. Além do mais, os sequestradores já haviam entrado emcontato, o que significava que não demorariam a pedir resgate.

Recusando o novo copo de água com açúcar que Margarida lhe ofereceu, ele conta a ela sobre

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a ligação que recebera minutos atrás.— Pobre menina, nem bem entrou para o mundo da fama e já está conhecendo o lado negro

dela. — Limpa os olhos com a pontinha do avental.Os minutos seguintes são angustiantes. Cristian liga para Gabriele e Giovane só para

confirmar que não estão com Luana. Embora não queira acreditar, a realidade não deixa dúvidas.Desolado, sobe até o quarto que divide com ela, o coração acelera no peito, as lágrimas

começam a descer sem que ele as impeça.— Volta pra casa, Joaninha — murmura, dando-se conta, pela primeira vez, de que seu

mundo não faz sentido sem ela por perto. A ideia de não voltar a vê-la, o angustia a ponto deenlouquecê-lo. A casa parece vazia e envolta em nuvens cinzentas.

Procurando não surtar, ele seca as lágrimas e desce as escadas indo de encontro a Margarida.— O que está fazendo? — pergunta ao vê-la se ajoelhar sobre o tapete felpudo da sala.— A única coisa que nos resta: orar e pedir a Deus que proteja nossa Luana — explica, os

olhos vermelhos do choro compulsivo.Sem pestanejar, Cristian a imita, dobrando os joelhos ao seu lado no exato momento em que

seu celular começa a chamar.— Alô. — Ver o número restrito na tela do aparelho é ao mesmo tempo uma bênção e uma

maldição.— E aí, playboy, à essa altura já deve ter sacado que eu não tava blefando. — A voz é

irritante e abafada como da outra vez.— Por favor, não a machuque! — implora, a mão livre abrindo e fechando numa vontade

louca de voar no nariz de quem quer que seja o bandido que ousara tocar em sua noiva.— Isso vai depender de você. Se entrarmos num acordo, a patricinha volta em segurança

para o seu lado o mais rápido possível...— Quanto você quer? — Cristian não espera que o homem conclua a frase. Não há dúvidas

de que Luana está sendo vítima de um sequestro relâmpago.O valor é alto, mas bem abaixo do que ele estivera imaginando. De qualquer forma, o fato de

ainda ser cedo é um verdadeiro presente divino. Com sorte, talvez consiga providenciar odinheiro antes do final do dia.

— Quero falar com ela — ordena e o sequestrador entende que a quantia estipulada foi aceita.— Se encostar num fio de cabelo da minha noiva, juro que o procuro até no inferno e faço vocêpagar! — vocifera perdendo o controle.

O bandido solta uma gargalhada carregada de sarcasmo.— Eu só quero a grana, meu chapa — assegura antes de passar o aparelho para Luana.— Meu amor — ela sussurra. A tensão das últimas horas cobra seu preço, ela desmorona num

choro descontrolado.

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— Eu vou te tirar daí, juro pelo que é mais sagrado — se apressa em acalmá-la. — Você estábem, eles te machucaram?

— Eu devia ter sido mais cuidadosa... — começa a dizer, mas o telefone é arrancado de suasmãos pelo homem mascarado. Os jovens que pediram autógrafo haviam sido apenas a isca.

— Já viu que sua cachorrinha está bem, agora trate de conseguir a grana. Amanhã bem cedoentro em contato pra combinarmos o local da troca.

Cristian sente o sangue ferver nas veias, mas a raiva é substituída pela pressa quando osequestrador encerra a chamada.

As chaves do Porsche aparecem misteriosamente em suas mãos. Margarida o empurra portaafora e já vai abrindo o portão eletrônico para que ele saia o mais rápido possível.

— Que Deus o acompanhe, querido — diz, mas ele já não pode mais ouvi-la, pois está dentrodo carro dando partida ao mesmo tempo que liga para o gerente do banco.

Naquela noite, Cristian, Margarida, Gabriele e Giovane ficam de vigília, esperando pelaligação que dará fim ao sofrimento de todos. Porém, o sequestrador só volta a ligar perto dascinco horas da manhã.

— Já conseguiu a grana?— Está comigo. Onde podemos nos encontrar? — O nó formado na garganta de Cristian faz

com que sua voz soe rouca, fraca.— Eu devia ficar com ela por mais um tempinho — zomba. — Sua noiva é mó gostosa...— Desgraçado. Filho da mãe! — As palavras saem entredentes, a raiva ameaçando sufocá-lo.— Calminha aí, playboy. Vou devolvê-la intacta, mas só porque estou com um pouquinho de

pressa — debocha rindo da impotência do ator naquele momento.As ordens do sequestrador são claras. Cristian deverá estar dali a duas horas na Estação

fantasma, a estação de metrô abandonada há décadas, sozinho e desarmado, levando consigouma valise contendo o valor combinado; a troca só será feita quando o bandido conferir as notas.

Giovane insiste em acompanhá-lo, mas Cristian agradece. É a vida de seu amor que está emjogo, por nada nesse mundo ele a colocará em risco.

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As cenas parecem se passar em câmera lenta. Luana está no banco do carona há, pelo menos,uma hora. Chegaram à estação quando ainda estava escuro. O bandido continua usando máscarae tem um revólver, mas ao contrário do que ela imaginava, ele não grita, nem a ameaça. Mantém-se tranquilo, como se estivesse acostumado a fazer aquilo diariamente.

— Falta só mais um pouquinho. — O tom de voz totalmente diferente do que ele usou parafalar com Cristian ao telefone.

Luana prefere não dizer nada. No intervalo de um suspiro e outro, Cristian aparece por entreas sombras do túnel.

— Boa, playboy! — O sequestrador abre a porta do carro e faz a volta “escoltando” Luana,agora sim, com a arma apontada para sua cabeça.

Cristian apressa o passo ao vê-los. As batidas de seu coração estão prestes a ensurdecê-lo.Apenas alguns passos o separam de Luana. Mais um pouquinho e tudo estará acabado.

— Cris — ela choraminga ao vê-lo. O sequestrador a segura firme, impedindo-a que corra.— Segura tua onda, garota! — ameaça pressionando um pouco mais seu braço.E, enfim, eles estão perto o suficiente para que a respiração pesada de Cristian seja ouvida.— Acabou. — A voz dele é só um sussurro, quase um sopro.Incapaz de falar, Luana apenas assente, as lágrimas escorrendo pela face.Ele estende o braço, a mão segurando a maleta com firmeza. O bandido pega e cochicha algo

no ouvido de Luana, mas ela está tão atordoada que não consegue entender, talvez porque eletenha falado muito baixo.

Um segundo depois de conferir o conteúdo entregue por Cristian, ele empurra Luana nadireção do ator.

— Boa sorte, gatinha — diz com uma piscadela.Luana e Cristian se entreolham desconfiados, mas o sequestrador já virou as costas e está

correndo de volta para o local onde deixou o veículo.— Meu amor, minha Joaninha. — Ele vence a pequena distância que os separa e envolve os

braços ao redor do corpo pequeno e magro. — Tive tanto medo de perdê-la.Luana continua sem poder falar, é como se tivesse desaprendido a pronunciar as palavras.O desespero em seu olhar, porém, faz com que Cristian compreenda que não é momento para

diálogo. Precisam sair dali o mais rápido possível.— Vem. Vamos pra casa. — A puxa pela mão e correm, literalmente, até o local onde ele

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estacionou o carro.Luana sente as pernas fraquejarem, felizmente já está dentro do veículo. Acometida por uma

forte tontura, leva ambas as mãos à cabeça e a deixa pender para frente no exato momento emque seu corpo é sacudido por lágrimas de puro alívio.

— Vai ficar tudo bem, amor. O pesadelo acabou — Cristian assegura ajeitando-a no bancoaté que seus olhos estejam no mesmo nível. — Nós vamos para casa e depois vou chamar ummédico para examiná-la, está bem?

Ela concorda e ele gira a chave na ignição. Luana percebe que as mãos dele estão trêmulas,então estende a mão até tocá-lo no rosto.

— Obrigada — murmura fracamente um segundo antes de desmaiar.

Quando volta a si, alguns minutos depois, está no banco traseiro e tudo o que conseguevislumbrar são os olhos atormentados de Cristian sobre si.

— Ai, graças a Deus! Pelo que é mais sagrado, não faça mais isso comigo. — As lágrimas seempoçam naquelas duas esferas douradas, agora vários tons mais escuras.

— O que aconteceu? — Limpa a garganta antes de prosseguir: — Por que ainda estamosdentro do carro?

— Você desmaiou — explica. — Vamos para o hospital agora mesmo. — Começa a ajeitá-lamelhor no banco, mas Luana o detém.

— Eu estou bem, Cris. Juro. Tudo o que mais quero é voltar pra casa e descansar com vocêao meu lado. — Sorri debilmente.

— Tem certeza? Você parece à beira de um colapso nervoso.— Não é à toa, acabo de ser vítima de um sequestro relâmpago — reage tentando manter um

sorriso nos lábios. — Vamos pra casa, amor.

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Mesmo sob os protestos de Luana, Cristian chama um médico para avaliá-la. O doutor sai delá dizendo o que todos já sabem; é normal que o psicológico dela esteja abalado depois de tudo oque passou nas últimas horas. Mas sugere que ela o procure na clínica tão logo esteja se sentindomelhor para fazer exames mais precisos.

— Obrigado, doutor, faremos isso — Cristian promete no lugar dela.Quando ele sai, Giovane, Gabriele e Margarida entram no quarto atropeladamente sem se

importar com a orientação do médico sobre a paciente precisar de descanso.— A Marga quase me converteu de tanto que me fez orar. — Gabi beija a amiga na testa

fazendo-a rir do seu comentário.— Obrigada por estarem aqui. — Luana ainda segura a mão do noivo. É nesse momento, ao

focarem no anel de noivado, que ele e Giovane trocam um olhar estranho.— Nunca serei grato o suficiente por estarem comigo no pior momento da minha vida. —

Cristian começa a dizer enquanto afaga os cabelos dela. — Mas agora a Lu precisa mesmodescansar.

Ela pensou que não conseguiria dormir depois de todo o estresse pelo qual passou. Mas tãologo todos saem do quarto, depois de Cristian prometer que voltaria em poucos minutos, ela cainum sono profundo e sem sonhos, como se estivesse flutuando em nuvens de algodão.

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Os dias que se seguem ao sequestro são de uma falsa tranquilidade, Luana sente isso o tempo

todo embora não entenda o motivo.A casa segue em silêncio, Margarida a trata como se estivesse doente, oferecendo comida a

cada cinco minutos e perguntando se está tudo bem. Já Cristian, apesar de estar por perto omáximo de tempo possível, não consegue esconder a nuvem cinza que encobre o amarelo de seusolhos nos últimos dias.

Luana tenta decifrá-lo sempre que estão próximos o suficiente e se sente inquieta ao perceberque é inútil. Por fim, se convence de que todos ainda estão muito abalados pelo que aconteceu edá o assunto por encerrado.

A oportunidade, porém, reaparece quando ela menos espera.Ela e Cristian estão deitados de frente um para o outro na cama do casal. A respiração

ofegante, o olhar iluminado e um sorriso apaixonado.— Eu amo você, Joaninha. — Se aproxima até encostar os lábios nos dela num beijo quente e

carinhoso ao mesmo tempo.— Eu acho que amo mais — sussurra antes de encostar a cabeça em seu peito. Os braços que

a envolvem transmitem-lhe segurança.Eles ficam assim por um tempo que parece infinito. Luana está quase cochilando quando ele

começa a falar, a voz baixa e subitamente tensa.— Ainda está acordada?— Hum-hum...— Podemos conversar um pouquinho? — Luana o sente tão tenso que não consegue

permanecer quieta, levanta a cabeça e o encara na penumbra.

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— Claro, amor. Aconteceu alguma coisa? — questiona, a testa franzida em preocupação.— É sobre o seu sequestro. — Ele equilibra o peso do corpo no cotovelo, mas desvia o olhar

não conseguindo mantê-lo em Luana. — Queria esperar a poeira baixar...— Você ainda acha que devemos fazer um boletim de ocorrência? — Luana senta na cama e

liga o abajur para vê-lo melhor. Ele a imita acendendo a luminária ao seu lado.— Você mudou de ideia? Quer fazer isso? — Um brilho diferente surge em seus olhos.— Na verdade não, Cris. Continuo achando que é uma exposição desnecessária tanto pra

mim, quanto pra você. A essa altura não vamos conseguir recuperar o dinheiro, então... —Balança a cabeça em negativa. — Mas não entendo... nós já conversamos sobre isso.

— Me desculpe por tocar num assunto tão chato, Lu. — Cristian se levanta e coloca umabermuda, depois volta a sentar perto de Luana, que está começando a ficar nervosa, sem entenderpor que o noivo está tão inquieto. — Você pode me contar como foi que tudo aconteceu? Querodizer, depois que você acordou...

— E-eu não sei direito. Acordei num lugar estranho, uma sala pequena e sem janelas, por issoem nenhum momento consegui ver onde estava...

— Mas você chegou a ver o rosto de alguém? A maltrataram? Agiram de modo estranho?— Só vi os caras que me enganaram, fingindo querer uma selfie. — Ela se levanta e vai até o

banheiro fazer xixi, em seguida lava o rosto, na tentativa de se sentir melhor. Ao encarar opróprio reflexo no espelho, se questiona aonde Cristian está querendo chegar com tantasperguntas. — Depois não vi mais ninguém. O único homem que conversou comigo após issousou máscara o tempo todo — eleva a voz para ser ouvida.

Quando volta para o quarto o encontra sentado na poltrona, o cabelo bagunçado, a cabeçaentre as mãos. Parece atormentado.

— Não entendo por que está perguntando tudo isso, amor. — Se aproxima ajoelhando-se asua frente, os joelhos afundam no tapete creme, mas a agradável sensação não parece relevantenaquele momento. — Ninguém me machucou, pra falar a verdade ninguém sequer gritoucomigo... Está tudo bem, Cris.

— É isso que não faz o menor sentido, Lu. — Sua voz é baixa e rouca, como se ele estivesseencontrando dificuldade para falar. — Você foi e voltou com o seu anel de noivado...

Ele deixa a frase no ar. Luana leva um choque com a constatação de que ele está certo. Comonão reparou nisso antes? O anel esteve o tempo todo em seu dedo.

— No dia do resgate... O sequestrador cochichou alguma coisa no seu ouvido... e depoisdesejou boa sorte. Na hora não entendi, mas agora... Droga, eu não queria ter dito isso, mas...

Luana levanta de um salto. De repente, todas aquelas perguntas fazem sentido, mas aincredulidade é tão grande que, por alguns segundos ela não consegue dizer nada.

— Meu Deus, me diz que isso é um pesadelo. Não consigo aceitar que você esteja

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desconfiando de mim — quando finalmente consegue falar, a voz sai esganiçada.Sim, por algum motivo seu anel caríssimo (o único objeto que ela tinha consigo na hora do

rapto) passara despercebido pelo sequestrador. Ou talvez ele não quis correr o risco de ficar comalgo que o incriminaria facilmente. Havia mil possibilidades. Nada, porém, justificava a claradesconfiança de seu próprio noivo.

— Não a estou acusando, Lu. Juro que não é isso — agora ele parece desesperado. — Eu sóprecisava conversar, desabafar, sei lá... estou ficando maluco desde que recebi a ligação.

— Que ligação?— Não importa. — Faz um gesto de desdém com a mão. — O que eu quero que entenda é

que não havia outra coisa a fazer a não ser conversarmos sobre isso... O que você queria que eufizesse?

— Acha mesmo que eu planejaria meu próprio sequestro? — grita exasperada.Ele balança a cabeça e volta a bagunçar os cabelos, mas quando fala sua voz está quase

normal.— Giovane me contou que você mentiu e omitiu coisas de mim... Gastou todo o dinheiro que

possuía no banco quando teve que pagar a multa rescisória para a OneBoy...— Menti porque não queria que você se sentisse na obrigação de resolver meus problemas

financeiros. Isso não lhe dá o direito de pensar que sou uma criminosa.— Você está entendendo tudo errado. — Respira com dificuldade. Por mais que Luana queira

compreendê-lo, tudo o que consegue sentir no momento é uma decepção gigantesca. — Eu nãoestaria conversando com você sobre isso se duvidasse do seu caráter. Por favor, você é minhanoiva! — Ele caminha na direção de Luana. Ela sente o coração quebrando, pedacinho apedacinho.

— Não, Cristian... Não. — Balança a cabeça freneticamente. As lágrimas queimam seusolhos, o rosto está pegando fogo tamanha humilhação. Mas a pior dor, a maior de todas, é saberque, embora Cristian esteja confuso e claramente arrependido, não há como voltar atrás.

O cristal precioso, a ligação invisível, mas poderosa que existia entre eles, foi quebrada noexato momento em que ele, mesmo que por um segundo, duvidou de sua idoneidade.

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O branco recobre cada canto onde os olhos de Luana alcançam. Até mesmo o sofá, onde ela e

Gabriele estão sentadas, é de um branco impecável.— Que ótima maneira de aproveitar suas férias — Luana ironiza, encarando Gabriele, que

parece satisfeita depois de ter acabado com todo o chá e os biscoitos da recepção.— Eu não iria viajar, de qualquer maneira. — Dá de ombros. — Giovane não pode sair agora

do escritório e eu não tenho a menor intenção de deixá-lo sozinho. Além do mais, hoje ésegunda. O que eu teria para fazer na manhã de uma segunda-feira chuvosa?

— Ainda assim, obrigada por ter me acompanhado.— Digamos que seu noivo me mataria caso eu não viesse. — Ri alto, mas baixa o tom diante

do olhar severo da recepcionista do consultório.Cristian! O coração de Luana falha uma batida. Gabriele não faz ideia do que aconteceu no

dia anterior.Depois da discussão, Luana saíra do quarto dele e fora para o seu. Havia chorado tanto que,

em determinado momento, pensou que fosse morrer. A dor de cabeça, junto com a tontura e aarritmia levaram-na a pegar o celular por duas vezes para chamar uma ambulância, masconseguira se acalmar com comprimidos para os nervos.

Naquela manhã, assim que acordou, ligou para o consultório médico e agendou um horário.Antes de descer, fez malabarismo com o estojo de maquiagem na tentativa de esconder asolheiras. Ficou bom o suficiente para que ninguém percebesse as marcas do choro compulsivo.No entanto, a dor refletida em seu olhar, essa não podia ser mascarada com maquiagem.

Cristian já estava acordado quando ela desceu e insistiu para que conversassem. Ele nãoestava melhor do que Luana, seus olhos vermelhos denunciavam isso.

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— Lu, por favor, me perdoe... Eu estou destruído...— Não tão destruído quanto eu, Cristian — disse sem encará-lo, as lágrimas ameaçando

voltar. — Não estou me sentindo bem, vou ao médico — informara ainda sem fitá-lo. — Quandovoltarmos conversamos.

Ela ainda não sabia o que diria quanto voltasse. Precisava ficar fora um tempo para pensar, aida ao médico talvez a ajudasse.

— Vou com você — declarou pegando a chave do carro sobre a mesinha de centro.— Eu preciso desse tempo, Cristian. Não me negue isso, por favor. — Seu coração estava tão

acelerado que teve medo de desmaiar ali mesmo. E não era apenas pela presença dele.— Você está pálida, não vou deixá-la ir sozinha — insistira.Foi quando Luana enfim elevou o olhar até encará-lo. Ele estava mesmo destruído. Não havia

aquele brilho contente no olhar, nem o menor sinal daquele sorriso que fazia seus dias setornarem mais coloridos. Mas havia determinação, isso ela conseguia ver com clareza. Ele não adeixaria sair de casa sozinha.

— Ei, acorda, Luana. — Gabriele estala os dedos bem diante do nariz dela. — Eu estavabrincando, você sabe que eu não a deixaria vir sozinha. Além do mais... — Ela desvia o olhar,como se fosse incapaz de encará-la.

— O quê? — Luana suspira longamente, como se o ato fosse capaz de apagar as lembranças.— Você está desmaiando com muita frequência e as dores de cabeça aumentaram, além da

arritmia... — Balança a cabeça como se não pudesse continuar, mas o olhar indagador de Luanaa faz prosseguir: — Tá legal, estou me sentindo péssima por dizer essas coisas, mas... estivepesquisando na internet e até conversei com minha médica...

— Ai, minha nossa, não estou gostando nada da sua cara — Luana reage receosa. — O quesua médica disse?

— Você pode estar com problemas cardíacos — a frase sai de supetão. Ela busca a mão daamiga em seguida e a aperta num sinal de solidariedade.

— Não viaja, Gabi. Eu tenho só vinte e quatro anos e sou perfeitamente saudável. A menosque estar apaixonada seja um problema para o coração. — Ri, mas não consegue evitar apontinha de medo ao lembrar dos problemas cardíacos do pai, que acabaram por levá-lo emboratão cedo.

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— Ah, esquece o que eu disse. — Gabriele percebe o nervosismo da amiga e trata detranquilizá-la. — Seu médico já deve estar de volta com o resultado dos exames. Não dê ouvidosà minha boca grande, vai ficar tudo bem — assegura.

Luana faz um gesto desinteressado com a mão, como se não se importasse com o assunto.— Vem cá. — Ela puxa a mão da amiga e entrelaça seus dedos nos dela. Em seguida, pega o

celular e faz uma foto das mãos entrelaçadas. Um segundo depois, a imagem está no Instagramcom a legenda: Amigas para sempre. — Se eu morrer ou sumir de vista, quero que olhe para estafoto e lembre da nossa amizade.

— Não vai me marcar?— Deixe que o povo morra de curiosidade — brinca.— Olha, se você sumir vou persegui-la até o fim do mundo e, se morrer, juro que te mato de

novo por ousar me deixar sozinha. — As duas sorriem, mas as lágrimas ameaçam cair.— Senhorita Luana Fernanda Savaris? — a enfermeira chama, abrindo a porta do corredor,

que leva aos consultórios médicos. — Por favor, me acompanhe.Gabriele faz questão de entrar junto, mas Luana é categórica ao negar.— Eu preciso desse espaço, amiga — implora, Gabi concorda a contragosto.Sentindo o coração bater nos ouvidos, ela senta diante do doutor; um negro lindo de dentes

branquíssimos e sorriso franco.— Como vai, Luana?Ok. Ele quer quebrar o gelo antes de me dar a notícia bombástica.— Não vou negar, estou tendo um ataque de pânico, doutor.Ele continua sorrindo enquanto Luana, a ponto de explodir, retorce as mãos e limpa no

vestido diversas vezes num gesto contínuo.Então o doutor bonitão lhe entrega um envelope grande, os olhos negros brilhantes são

enigmáticos. Mas, quando começa a falar, nem mesmo sua voz tranquila consegue diminuir oimpacto de suas palavras.

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— Já chega, Lu. Você está chorando desde que saímos do consultório do doutor Miguel! —

Gabriele esbraveja ao estacionar na garagem de sua casa. — Respeitei seu tempo, agora se nãome contar o que está acontecendo vou ter que chamar o Cris...

— Não, eu... preciso de mais alguns segundos — Luana faz um esforço descomunal parafalar. E quando encara a amiga percebe que, apesar do tom severo, seu olhar é de preocupação.

— Mais cinco minutos, nada mais! — retruca descendo do carro. Dá alguns passos rumo àporta principal, mas volta logo depois e abre a porta do carona. — Me desculpa por estar agindoassim, Lu. — Abraça a amiga, que finalmente parou de chorar. — Eu... estou com medo deperder você.

As duas seguem abraçadas até a sala de estar. A empregada aparece e tenta disfarçar asurpresa ao ver o péssimo estado emocional em que ambas se encontram.

— Traga uísque — Gabriele pede sentando e indicando o sofá de um rosa vibrante à suafrente. — Nós duas precisamos disso, amiga.

Luana recusa terminantemente e, antes que a empregada saia, ela pede apenas um copo comágua gelada.

— Antes de mais nada, quero que saiba que estarei sempre com você, não importa o queaconteça, amiga. — Gabriele senta ao seu lado no sofá e acolhe a mão dela entre as suas. — Hojeem dia, a medicina está tão avançada. Tenho certeza de que essa doença pode ser tratada...

— Não estou doente, Gabi... Estou grávida! — O fato ganha um significado diferente ao serdito em voz alta pela primeira vez.

— O-o quê? Ai, não brinca. Mas, como? Não entendo. Por que você está chorando feito umalouca? — Gabriele não aguenta ficar sentada e levanta, praticamente atacando a empregada que

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acaba de aparecer com a água e o uísque.— Isso não podia ter acontecido, Gabi. Não nesse momento. Eu estou desesperada, meu

mundo caiu. — As lágrimas voltam com força total. Gabriele, no entanto, parece aliviada.Com palavras entrecortadas por soluços, Luana conta à amiga o que aconteceu no dia

anterior.— Entende agora por que não posso simplesmente chegar e dizer: “Oi, amor, estou grávida!”

— Gabriele faz menção de falar, mas ela prossegue: — Pra falar a verdade, é bem maiscomplicado que isso. O Cris sempre deixou claro que não pensa em ter filhos, ao mesmo tempoque dona Júlia não perdeu uma oportunidade sequer de dizer que eu deveria ter um filho paraamarrá-lo.

Gabriele arregala os olhos.— Como você acha que estou me sentindo agora? Não dá a impressão de que segui seu

conselho? Isso é demais pra mim, Gabi. — Coloca ambas as mãos no rosto.— Pensa pelo lado positivo, amiga. Todos os sintomas que você vinha sentindo não tinham

nada a ver com doença, era o seu bebê querendo mandar um recadinho. — Ela volta a sentar aolado de Luana. — Ele merece viver, minha amiga. — Seu olhar é suplicante.

É a vez de Luana arregalar os olhos.— Não, não, não. Desculpa se passei essa impressão. Eu jamais interromperia essa gravidez,

Gabi, jamais . Esse filho é minha luz, a prova do amor mais improvável e intenso do mundo. —Leva a mão automaticamente ao ventre ao mesmo tempo que sente um agradável calor tomá-lapor completo.

Gabriele sorri, aliviada. Trocam um olhar cúmplice... e nervoso também.— Mas o Cris precisa saber disso, tipo pra ontem, Lu. — A voz dela se abranda ainda mais.Luana balança a cabeça freneticamente.— Não, Gabi. Eu preciso de um tempo, preciso tomar coragem antes de contar a ele —

afirma. — É por isso que você tem que jurar não contar nada a ninguém, nem mesmo aoGiovane... Ele já provou sua lealdade ao melhor amigo — acusa ressentida.

— Tente compreendê-lo, Luana... — Gabriele começa a interceder em favor do namorado.— Eu entendo, amiga, juro. Mas, a partir de agora, não posso correr nenhum risco. — Bebe

toda a água do copo de uma única vez. — Se eu tivesse descoberto a gravidez antes, talvez ascoisas pudessem ser diferentes. Mas depois de ontem... — Suspira triste. — Ainda não conseguidigerir que estou com um homem que alimenta desconfianças a meu respeito.

— O Cris é um homem bom, Lu. Deve estar confuso, apenas isso. Tente se colocar no lugardele por um segundo — Gabriele tenta fazê-la reconsiderar.

— Eu sei... Ele é o melhor homem do mundo, a pessoa mais incrível que conheci, Gabi, e éexatamente por isso que preciso de um tempo para colocar a cabeça no lugar. — Seus olhos

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voltam a brilhar, mas consegue manter as lágrimas sob controle. — Todas as vezes que ele pisouna bola comigo, desde quando ainda nem estávamos namorando... ele nunca me pediudesculpas...

— E mesmo assim você o considera o melhor homem do mundo? — Gabriele brinca paraquebrar o gelo.

— Pois é, ele não pede desculpas porque sempre arranja uma maneira de me dizer isso comgestos e não com palavras...

A mente de Luana viaja. É como se estivesse vivenciando esses momentos outra vez.Quando Cristian fora grosseiro com ela, logo que se conheceram e ela insistira em ir ao

estádio, ele voltara trazendo uma camiseta do time, autografada por todos os jogadores.Quando ela se sentiu mal por vê-lo atuando e beijando sua companheira de cena, ele se sentira

culpado de alguma forma e seu pedido de desculpas havia resultado na primeira noite de amordeles naquele hotelzinho colorido e romântico.

Quando Marcela provocara aquele escândalo todo, armando para que todos pensassem queele era um “galinha”, Cristian procurou a ex-mulher exigindo que se retratasse e aquela era suamaneira mais linda de demostrar o quanto se importava com Luana.

Ela poderia ficar ali o dia todo relembrando como ele fora especial. No entanto...— Não tenho coragem de voltar para casa ainda, Gabi. Não vou conseguir olhar nos olhos

dele — confessa.— Você não precisa ir ainda. Vamos comer alguma coisa, depois você descansa. Algumas

horas de sono vão fazer com que sua cabeça funcione melhor. Vem. — Decidida, a conduz até acozinha. — Eu ainda acho que você deve ser honesta com ele e contar logo... Mas respeito suadecisão — completa ao reparar em suas feições contrariadas.

Luana demora até pegar no sono. Nunca se sentiu tão confusa antes. A mistura de sentimentosé tão intensa que a dor de cabeça ameaça voltar. Ainda é difícil acreditar que existe um pequenoser se formando dentro de si. Sim, ela devia ter desconfiado quando percebeu a irregularidade emseu ciclo menstrual, mas associara ao estresse e ao excesso de exercícios físicos que vinhafazendo, além dos longos períodos de jejum, na tentativa de emagrecer.

Um sorriso fraco lhe escapa dos lábios. Seu filho! Apesar de toda a confusão dentro de si, nãohavia espaço para arrependimentos.

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Com esse pensamento em mente, sente os olhos pesarem até que não consiga mais raciocinarcom clareza.

Acorda com o toque insistente do celular. O coração pula no peito. Se for Cristian, o que dirápara que não desconfie de seu comportamento? Mas não é ele.

Quando encerra a ligação percebe que o quarto está bem mais escuro do que quando deitou.Incrédula, constata que já é noite.

Encontra Gabriele na cozinha, o cabelo preso num rabo de cavalo, adornado por uma bandanade estampa azul e amarelo.

— Olá, dorminhoca. Sei que meu colchão é uma delícia, mas não precisava ter dormido atarde toda — brinca lambendo uma colher com brigadeiro.

Luana apenas sorri. O que seria da sua vida se não tivesse o apoio de Gabriele naquelemomento tão complicado?

— Ele não ligou nenhuma vez, não é?Gabriele se vira com um sorriso nos lábios e lhe oferece uma colherada repleta de néctar dos

deuses.— Cara, não é justo o que estão fazendo com o relacionamento de vocês. Tá na cara que são

loucos um pelo outro. — Balança a cabeça contrariada. — O Cris ligou a cada meia hora prasaber de você, mesmo eu tendo assegurado que você estava bem, mas que precisava de umtempo.

Luana solta um gemido.— Não tem que ser assim, Lu — Gabriele continua, sentando na banqueta alta.— Diz isso porque não estava naquele quarto ontem. Apesar de amá-lo com todas as minhas

forças, não consigo perdoá-lo. Sempre pensei que nosso relacionamento era baseado naconfiança, acima de qualquer outra coisa. — Dá de ombros como se não se importasse mais,embora o coração esteja em pedaços. — Ele sempre teve todos os motivos para desconfiar demim, afinal eu era uma fã desmiolada que fez de tudo para chamar sua atenção. O Cris podia terme acusado de oportunista no começo e eu teria entendido perfeitamente. Mas agora, depois detudo o que passamos juntos... Não dá, Gabi.

— E o que você vai fazer?

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— Tomar um banho, pegar uma roupa sua emprestada, tirar forças de onde não tenho e ir aoencontro do Sr. Vincenzo Dalla Vecchia.

Gabriele franze a testa.— Marcos Mendes acabou de me ligar, parece que o italiano quer me conhecer.— Boa sorte. — Gabriele torce o nariz. — Ouvi dizer que é um velhote tão rico quanto

tarado.— Que merda! — Luana deixa escapar. — Você o conhece?— Só a fama. O velho acha que pode tudo simplesmente porque é um dos maiores produtores

de vinhos e espumantes da Itália. — Ela revira os olhos.— Paciência. Marcos Mendes pediu com tanto carinho, não tenho como dizer a ele que mudei

de ideia e não vou ao jantar. Não teria nem argumento. — Leva a colher até a pia e se vira para aamiga. — Não estava brincando quando disse que precisava de uma roupa emprestada...

— Ai, Lu, não tenho o menor problema em emprestar o meu closet inteiro, mas tem certezade que não é melhor voltar para casa e conversar com o Cris antes? Ele vai ficar cada vez maispreocupado. — Seus olhos normalmente divertidos ganham um ar de seriedade.

— Eu irei amanhã cedo — promete trocando o peso de uma perna para a outra.— Claro, quando ele estiver gravando e não puder vê-la. Fugir não vai adiantar de nada, você

sabe.Luana não retruca. Gabriele a conhece suficientemente bem para estar certa em seu

julgamento.

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Luana não está no clima para conhecer ninguém e, não fosse a generosidade com que Marcos

Mendes sempre a tratou, teria recusado imediatamente aquele jantar.No entanto, lá está ela, usando um vestido azul-marinho, confortável e elegante – a única peça

discreta que encontrara no closet de Gabriele. O local, um exótico restaurante mexicano, onde elanunca estivera antes, é aconchegante, mas com iluminação fraca demais, na opinião de Luana,que não consegue tirar da cabeça as palavras de Gabriele a respeito do senhor Vincenzo.

Após fazê-la jurar que tomaria cuidado e não colocaria a vida de seu “sobrinho” em perigo,Gabriele entregou-lhe a chave do próprio carro com a única exigência de que ela avisasse quandochegasse ao local do encontro. E é isso que Luana está tentando fazer, mas sua internet não estáconectando. Ansiosa por entrar logo e cumprir com o protocolo, faz check-in para poder usar owi-fi do restaurante e finalmente consegue enviar uma mensagem via WhatsApp tranquilizando aamiga.

— Você é Luana Savaris? — O forte sotaque não deixa dúvidas quanto ao dono daquela voz.Luana ergue os olhos do celular e dá de cara com o italiano. Mas não exatamente o italiano

que ela criara em sua mente.Vincenzo Dalla Vecchia não era um velhote nojento e tarado, segundo Gabriele? Porque o

homem à sua frente é totalmente o oposto disso. É um moreno alto que não deve ter mais do quetrinta e cinco anos, dono de um sorriso franco e acolhedor. Ok, ele é bonito pra caramba e o fatoa deixa desconfortável, pois, num cantinho bem escondido dentro de si, a sensação de que estásendo desleal a Cristian começa a se expandir.

— Ah, sim... sou eu mesma — trata de falar logo antes que ele perceba seu desconforto. —Você e seu pai devem ter o mesmo nome, suponho. — Felizmente sua cabeça trabalha rápido, o

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que evita um grande constrangimento.— Você é mais bella pessoalmente — elogia após confirmar que ela está certa sobre seu

nome. Luana tenta encontrar nele traços do pai tarado, mas tudo o que vê ali é gentileza.— Obrigada.Ele a conduz até a mesa onde estivera sentado. O silêncio, embora breve, a deixa

constrangida. Disposta a não deixar que o sentimento prevaleça começa a abrir a boca mesmoque não tenha ideia do que dizer, mas é interrompida pela garçonete que traz o cardápio e lhe dáa chance perfeita para dizer a coisa certa.

— Um italiano que gosta de comida mexicana. Interessante. — Sorri ao mesmo tempo quecomeça a folhear o cardápio, não muito apetitoso aos seus olhos.

— Quando me conhecer melhor vai ver que não sou nada convencional. — Ele piscacharmosamente. Como se já não bastasse o sotaque.

— Imagino que quis me conhecer para falarmos sobre o filme, não? — Luana diz a primeiracoisa que lhe vem à mente para fugir daquela aura de intimidade.

— Sua história é incrível, li os originais. — Ele começa a falar como se só então lembrasse oreal motivo de estar ali. — Você não é o tipo de escritora que derrama um pote de zucchero emcada cena ou abusa di lacrime , isso foi o suficiente para me ganhar. Mas você foi além; o seucasal protagonista é tão verossímil... E a transformação pela qual passam ao longo da história, depolíticos corruptos a pais exemplares, foi gradual e muito bem planejada. Só uma excelenteescritora consegue isso, cara. Costumo largar roteiros pela metade quando percebo que ospersonagens são falsos. — Luana eleva as sobrancelhas, o papo está melhor do que elaimaginava. — Sim, quando começam a história de um jeito e, de repente, mudam totalmente apersonalidade sem nenhuma justificativa aparente. Fico com a impressão de que o autor seperdeu no meio do caminho — explica, completamente compenetrado.

— Você é escritor ou roteirista também? — quer saber animada.— Sou produtor cultural — explica. — Pensei que soubesse — brinca, os lábios esticados

num sorriso amplo.— Eu nem sabia que você era você — se enrola com as palavras, mas é compreendida. —

Pensei que estivéssemos falando de alguém que cansou de ganhar dinheiro com vinhos eespumantes e decidiu investir no cinema brasileiro, desculpa. — Dá de ombros.

A comida chega. Luana e Vincenzo provam seus tacos, ela aprova silenciosamente seperguntando o que seu acompanhante diria se soubesse que é a primeira vez que prova daculinária mexicana.

— Fico lisonjeada que tenha aprovado meu trabalho — começa a falar depois de beber meiocopo de água para amenizar a sensação de queimação na língua, provocada pela pimenta.

— Perfetto! Quase não acreditei quando Marcos mencionou que você nunca chegou a

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publicar nada.— Na verdade nunca tentei — confessa. — Sempre gostei de escrever e, após ter lido

centenas de livros, senti a necessidade de contar minhas próprias histórias. Mas nunca tiveoportunidade de apresentar meus trabalhos a ninguém. A chegada de Marcos Mendes à minhavida foi intervenção divina mesmo. — Ela empurra o prato para o lado incapaz de continuarcomendo. Apesar de delicioso, o recheio está picante demais e ela teme que faça mal ao bebê.

Pensar no filho, ainda uma pequena sementinha, provoca um leve tremor em seu corpo. Elaestá ali conversando com um produtor cultural italiano, que não economiza em sorrisos e elogios,quando deveria estar pensando numa maneira de resolver sua vida, que de uma hora para outravirou de pernas pro ar.

— Além de talentosa você também tem muita sorte. — Ele limpa a boca no guardanapo. —Imagino que Marcos tenha conversado com você a respeito da sua participação no filme... comoprotagonista.

Luana estaria mentindo se dissesse que não desconfiara do motivo daquele jantar. Nãoalimentara esperanças, mas no fundo era como se soubesse exatamente o que esperar. E aconfirmação está ali, vinda da boca do importante Vincenzo Dalla Vecchia.

— Ele disse que existia uma grande possibilidade de você aceitar a ideia e me dar uma chance— começa a dizer. Havia colocado a vida de seu filho em risco, com dietas malucas, pensandonaquele bendito papel. Agora, porém, justamente quando mais precisava de dinheiro parasustentar-se pelos próximos meses, ironicamente tudo mudava dentro de si.

— Por isso quis conhecê-la pessoalmente. Quero lhe dar essa chance, bella . — O sorrisocontente faz com que Luana se sinta mal. No entanto, embora não queira decepcioná-lo, temcerteza de que é hora de agir com maturidade.

— Eu... não posso aceitar, Vincenzo. Sinto muito. — Quando o encara vê surpresa em seusemblante. — É uma chance única, sei disso, mas tenho meus motivos para não aceitar essedesafio. Além do mais, pensei melhor e cheguei a uma conclusão. O filme tem tudo para ser um“estouro”, não vale a pena corrermos o risco de ofuscar seu brilho com meu amadorismo.

Vincenzo assente com um movimento de cabeça.— Confesso que estou surpreso e um pouco frustrado com a recusa, mas a admiro pela

coragem. — Ele a analisa por alguns segundos antes de voltar a falar: — Embora eu ainda acheque você está escondendo alguma coisa.

Luana desvia o olhar e só volta a fitá-lo quando está se sentindo forte outra vez.— É por causa do seu noivo? — pergunta apontando para seu dedo anular onde o solitário

brilha.— Ah, não. — Luana sorri. — Cristian provavelmente ficaria muito feliz se eu

protagonizasse o filme de um livro escrito por mim. Ele sempre torceu muito nesse sentido —

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conta, o olhar perdido, dividido entre o amor e a mágoa.— Então o quê? — O italiano insiste.Luana não pretende contar a verdade a ele. Até que se sinta pronta para contar a verdade a

Cristian, a única pessoa a par de seu segredo será Gabriele.O fato de estar grávida é sim um fator determinante. Dali a dois meses, quando as gravações

começarem, é provável que sua barriga já esteja começando a crescer. Caso ela aceitasse a ofertapara atuar, poderia vir a ser um problema. Porém, aquela não é a única razão pela qual abriu mãode atuar. Depois de fazer tantas loucuras pensando em ser aceita, Luana havia percebido que seela entrasse naquele mundo ficaria tão fora de si que em pouco tempo estaria destruída,exatamente como Cristian a alertara.

— Durante dias a fio trabalhei com a roteirista Lorena Aguiar, você deve conhecer. —Quando ele confirma, ela prossegue: — Eu me apaixonei ainda mais pela escrita e acabeichegando à conclusão de que esse é meu mundo. Vou continuar escrevendo...

— Mesmo sabendo que é um setor bastante complicado aqui no Brasil? — Vincenzo ainterrompe.

Ele tem razão, mas, levando em consideração que sua vida nunca foi fácil, aquilo pode serconsiderado apenas mais um desafio para Luana.

— Bem, eu tenho uma legião de fãs que ainda não sabe que sou escritora. Estou apostandoalto que, quando souberem, irão me apoiar. Talvez isso seja mais relevante para as editoras doque meu talento em si.

— Você tem potencial, bambina. E eu tenho alguns contatos. Se precisar, conta comigo —assegura.

A noite termina assim: tequila para Vincenzo, suco para Luana. E um papo empolgante sobreliteratura e cinema.

Quando volta para a casa de Gabriele, porém, a calmaria da última hora e meia é substituídapelo nervosismo. Ela tem apenas algumas horas, até que o dia amanheça, para decidir o que faráda sua vida dali em diante.

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Luana volta para a mansão de Uber. Já são quase dez horas da manhã e àquela hora Cristian

já deve estar trabalhando, deduz ao abrir o portão eletrônico.A casa está silenciosa e ela aproveita a quietude para se esgueirar até o quarto sem que

ninguém veja.— Fugindo de alguém?Luana leva um susto e se sente ridícula por estar bancando a adolescente, sem coragem de

encarar sua nova realidade.— Claro que não, Marga. Eu só... Ah, Marga, poxa, não faz eu me sentir uma menina má. —

Ela acaba rindo junto com a empregada.— Lu, você está bem?Ela para de rir imediatamente quando seus olhos encontram aqueles olhos cor de mel. Cristian

acaba de sair do quarto e a encara, mas Luana não consegue decifrar seu humor, uma vez quesuas expressões denunciam apenas preocupação.

— Estou bem, Cris. O médico falou que é só estresse. Passei por uma mudança drástica nomeu estilo de vida nos últimos meses e isso acabou refletindo no meu sistema nervoso — mentetentando não encará-lo, torcendo para que sua explicação tenha sido convincente.

— Na minha época, não tinha nada dessas frescuras — Margarida pensa alto, como sempre.Luana ri, mas Cristian se mantém carrancudo.— Isso pode ser sério se não for tratado, Marga. Não banalize o problema — a adverte.— Vou deixá-los à sós — ela diz, sem dar ouvidos às explicações do patrão.Quando ela sai, Cristian se aproxima um pouco mais de Luana, que está dividida entre a

vontade de dar um passo para trás e dois para frente.

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— Precisamos conversar — ele é o primeiro a falar. — Quer descer para o jardim? — Apesarda seriedade, sua voz continua gentil.

— Você não devia estar trabalhando? — ela pergunta tentando prolongar o assunto.— Não iria a lugar algum sem antes conversar com você — diz simplesmente, conduzindo-a

escadaria abaixo. — Aliás, quando foi que Gabriele se tornou nossa intermediária? — Ele nãoestá sorrindo.

— Eu pedi um tempo, Cris. Não vou fingir que nada aconteceu e que não estou muitomagoada com você — responde quando estão próximos à piscina.

Cristian suspira, desanimado. Afasta uma cadeira de vime, mas Luana senta naespreguiçadeira. Ele fica de pé diante dela, o corpo grande cobrindo parcialmente o sol.

— Foi uma decisão infeliz da minha parte ter levantado o assunto com você, amor...— Não, tudo bem — Luana o corta. — Não quero que comece a pensar que precisa ser

cauteloso comigo. Não devemos ter assunto proibido entre nós, mas... pelo menos, por enquanto,Cris, preciso de um tempo — implora.

Estar assim tão perto dele e não ser totalmente honesta é quase uma tortura física para Luana.De repente se dá conta de que a briga não tem mais importância. Em algum momento naquelasúltimas horas conseguira entendê-lo e perdoá-lo. O assunto agora é muito mais sério.

— Não entendo por que está fazendo isso comigo. — Cristian puxa outra espreguiçadeira esenta perto dela. — Olhe pra mim, Joaninha. — Prende o queixo dela entre os dedos e a fazencará-lo. A emoção nos olhos dele é tão transparente que Luana se sente tentada a contar tudo.

Chega a abrir a boca, mas fecha um segundo depois sem coragem de prosseguir ao reproduzirna mente, pela milésima vez, as palavras de dona Júlia, palavras essas que ela mesma fizeraquestão de reprisar, deixando Cristian chateado com o comportamento da mãe. Não. Não podiacontar nada até ter certeza de que ele estava disposto a amar aquele bebê tanto quanto ela jáamava.

— Você está estranha — comenta quando ela desvia o rosto sem falar nada.— Quero passar uns dias na minha cidade. — Finalmente cria coragem e volta a fitá-lo só

para ver estranheza em seu olhar.— Está acontecendo alguma coisa e você não quer me contar, não é? — Levanta da

espreguiçadeira e volta a sentar quando lembra de algo. — Tem alguma coisa a ver com seuencontro com aquele italiano ontem? Vocês pareciam íntimos na foto — acusa chateado.

Luana reage surpresa e Cristian interpreta mal sua reação. A mágoa em seu olhar agora é bemnítida fazendo com que se sinta cada vez mais perdida.

Ela nem pergunta de que foto ele está falando. Já está tempo o suficiente nesse círculo parasaber como as coisas funcionam. A noiva de uma celebridade a sós com um italiano charmoso...e solteiro, sem dúvida é um prato cheio para a mídia.

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— Não, meu amor. — Leva a mão ao belo rosto com a barba por fazer e o acaricia desejandoque ele perceba através daquele gesto todos os sentimentos que é capaz de provocar nela com umsimples olhar. — Marcos Mendes fez questão de me apresentar a Vincenzo porque queria que elemesmo me fizesse a proposta...

— Proposta? — Num gesto automático, ele segura sua mão e a mantém entre as suas.— O tão sonhado convite para que eu protagonizasse o filme — conta.— Mas isso é maravilhoso, Lu! Não era o que você mais queria? Por que não está dançando

de alegria? — A testa franzida sugere que ele ainda quer fazer milhões de perguntas.— Não aceitei — Luana trata de explicar logo. — E, antes que você fique preocupado, não

aceitei porque cheguei à conclusão de que não nasci pra isso. Eu queria o papel para ganhardinheiro, status... não vou negar. Mas pensar em atuar não mexe mais com minhas emoções, nãofaz meu coração quase saltar pela boca...

— E o que faz? — Um brilho zombeteiro substitui o ar de preocupação.— Você — responde no mesmo instante. Ele sorri e, uau, aquele sorriso causa-lhe arrepios.

— Mas a escrita também faz algo parecido comigo. Claro, não posso comparar ao que vocêprovoca em mim, não seria justo — brinca, embora esteja falando muito sério.

— As suas atitudes me deixam boquiaberto — Cristian confessa abertamente. — Desistiu deposar nua e pagou caro por isso, doou quase toda sua grana para uma instituição de caridade eagora recusa o convite para atuar num filme dirigido por Marcos Mendes porque prefere ser fielaos seus sentimentos...

— Não sei por que tenho a impressão de que no meu lugar você faria o mesmo. — Sorri,encantada por saber que compartilham o mesmo sentimento.

— Pode ser. Mas você ainda pode voltar atrás, eu ficaria feliz em vê-la atuando. — Ele mudade lugar, agora sentando-se atrás dela na espreguiçadeira, que reclama rangendo sob seu peso.

Cristian a posiciona melhor trazendo-a para perto e envolvendo seu corpo esguio com ambosos braços, uma das mãos acidentalmente pousando em sua barriga ainda achatada. Luana fechaos olhos por um segundo, aproveitando-se do fato de que ele não pode ver seu rosto. A mão deCristian, acariciando-a exatamente ali, no cantinho seguro onde o filho de ambos está sedesenvolvendo, faz com que Luana se sinta feliz e segura por alguns segundos.

— Mesmo se eu quisesse atuar no filme, não poderia... — confessa acariciando a mão donoivo sobre a sua. No instante seguinte enrijece o corpo quando percebe o que acabou de dizer.— Como disse antes, não é pra mim — emenda rapidamente.

Eles ficam em silêncio por longos minutos, mas é um silêncio gostoso. Luana percebe quandoMargarida vem na direção da piscina e volta imediatamente, pensando não ter sido vista, aodeparar com os dois.

É sua inocente intromissão, porém, que faz com que Luana se lembre do real motivo de

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estarem ali. Apesar daqueles últimos minutos terem funcionado como um poderoso calmantepara seus nervos em frangalhos, ela ainda precisa pensar com clareza, e só conseguirá isso longedali.

— Eu preciso ir, Cris — murmura após um suspiro.— Mas está tão bom aqui — replica apertando-a um pouco mais contra si.— Você não entendeu. Eu preciso ficar uns dias longe pra pensar em tudo o que está

acontecendo — explica, agradecendo mentalmente por estar de costas para ele e, portanto, nãoprecisar encará-lo.

— Pelo que aconteceu? Olha, sei que fui um babaca, mas...— Não é só por isso, amor. — Ela levanta voltando a sentir-se angustiada. — Algumas coisas

não saíram como planejei e preciso encontrar uma maneira de ficar em paz comigo mesma,entende?

— Não, Luana, não entendo. Não sei do que está falando, assim como não entendo por quenão se abre comigo e conta o que está acontecendo. Somos um casal, esqueceu? Entendo queesteja magoada comigo e queira me punir...

— Eu não sou criança, Cristian — reage irritada. — Só estou pedindo um pouco de espaço.Vou para o meu apartamento em Caxias... — explica diante do olhar indignado dele.

Cristian levanta também, mas não continua a questioná-la, como Luana imaginou que elefaria. Ao contrário, segue calado em direção à entrada da mansão, balançando a cabeça emnegativa.

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Nem mesmo quando deixara tudo para trás em nome de um amor impossível, Luana se sentira

indecisa. Na época, a decisão fora simples, fizera o que toda tiete em seu lugar faria. Agora,porém, ela nada mais era do que um poço de vulnerabilidade e incertezas.

Depois que Cristian a deixara sozinha no quintal, Luana havia se arrastado até o quarto quedividia com ele e arrumado uma mala grande o suficiente para caber o que precisasse pelospróximos sete dias. Ele não tentou demovê-la da ideia, manteve-se distante e calado. Não haviase manifestado nem mesmo quando Margarida surtou, indignada com o fato de ele não fazernada para “fazer a noiva cair na real”, segundo suas próprias palavras.

— Só vou ficar uma semana, Marga. Não seja tão dramática — havia replicado apertando-lheas bochechas num gesto carinhoso.

Mas a angústia provocada pelo claro ressentimento no olhar de Cristian não permitiu que elacontinuasse agindo com espontaneidade. Sim, talvez não estivesse fazendo a coisa certa. Masserá que ninguém entendia que ela mesma precisava de alguns dias sozinha para se convencer deque seria mãe e, enfim, criar coragem para contar ao noivo que, diga-se de passagem, nuncademonstrara interesse em ser pai?

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Mais tarde, quando se despediram, Cristian a beijara como se fosse a última vez. Haviaurgência e desespero. Era como se ele estivesse implorando que ela não fosse. E era exatamenteisso que Luana queria fazer naquele momento, mas sabia que não podia.

— Eu te amo, Joaninha. — A voz não passava de um sussurro. — Não sei o que está meescondendo e fico triste por não confiar em mim, mas... eu não ficaria bem com minhaconsciência se não a deixasse livre para fazer o que tiver vontade — completou como seestivesse fazendo um esforço gigantesco para se expressar corretamente.

— Ei, não estou indo embora. — Luana sentia que as lágrimas despencariam a qualquermomento. — Também amo você, galã. E eu não me arriscaria a deixá-lo sozinho dando sopa poraí. Quando você menos esperar estarei de volta — brincou.

E então eles finalmente haviam se despedido à porta do carro, onde um motorista a aguardavapara levá-la ao aeroporto.

A decisão de ir até a casa de dona Júlia foi tomada de última hora, num momento de puraaflição.

E agora ela está ali, sentada diante da pintora famosa e desconhecida, a mulher elegante eespalhafatosa a quem ela se acostumara a ver como sogra.

— Sei que você ama meu café mineiro, mas aposto cem reais que não veio aqui só para isso.— Ela sorri amavelmente enquanto lhe entrega uma xícara de café, que deixa um rastro do aromadelicioso no ar.

— Você nunca foi nos visitar, então vim ver o que está acontecendo.A senhora reage com uma gargalhada gostosa antes de responder:— Cristian deve ter lhe contado que não sou nada convencional. Eu definitivamente não sou o

tipo de sogra que vive na casa do filho e da nora atrapalhando o casal. Vou em datascomemorativas e olha lá. Acho que são os filhos que devem procurar os pais, não o contrário...

— Essa decisão é meio maluca, não? — Luana eleva as sobrancelhas quase sem acreditar naspalavras da sogra.

— E você diz isso pra mim? — Ela volta a rir. — Agora, chega de enrolar, não nasci ontem,mocinha. O que a trouxe aqui? Está com problemas com o Cris? Eu vi uma foto sua com aqueleitaliano de dar água na boca...

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— Não! — Luana a corta indignada. — Foi só um jantar de negócios — explica, começandoa se irritar com a intromissão constante dos paparazzi.

— Então? — a incentiva.— A senhora finalmente vai realizar o sonho de ser avó. — Contar a verdade a dona Júlia traz

um sentimento de alívio, que ela não imaginou que experimentaria tão cedo.— E-eu... Minha nossa! — dona Júlia não sabe quais palavras usar para expressar o que está

sentindo.— Você está bem? — Luana acaricia sua mão trêmula sobre a mesa, começando a se

arrepender por ter sido tão direta.— Se estou bem? Lembra que acabei de dizer que não sou o tipo de mãe que vive na casa do

filho e da nora? — Começa a dizer, os dedos curvados abaixo dos olhos para secar as lágrimassem borrar a maquiagem perfeita. — Então, mudei de ideia...

Luana suspira aliviada quando se dá conta de que a sogra não vai ter um ataque cardíaco, elasó está emocionada com a notícia. É essa certeza que faz com que prossiga:

— O Cris ainda não sabe. Eu estou viajando para o Sul, vou ficar uns dias na minha cidadeporque preciso de um tempo para pensar... A senhora sabe, eu não estava preparada, isso nãodeveria ter acontecido... Além do mais, seu filho nunca mencionou o desejo de ser pai... —Abandona as mãos no colo, desistindo de continuar falando.

A alegria de dona Júlia se desvanece em poucos segundos.— Então está explicada sua súbita visita — diz em tom acusatório. — Você espera que eu não

resista e conte ao meu filho enquanto você está no Sul. — Não é uma pergunta.Luana baixa os olhos sentindo o rosto queimar, confirmando mentalmente o que dona Júlia

acaba de dizer. Não foi premeditado, mas, no fundo, era exatamente o que Luana desejava.— Contei ao Cris que você sugeriu que eu engravidasse para prendê-lo — confessa

envergonhada. — E agora estou grávida...— Luana, eu a entendo perfeitamente, querida — dona Júlia suaviza o tom de voz. —

Acredite, entendo que esteja se sentindo perdida com algo tão inesperado. Mas se você pensa quemeu filho a rejeitaria, então não o conhece de verdade. — A voz baixa não consegue esconder otom de mágoa.

— É exatamente isso que me mata. Eu sei que ele jamais faria isso. Mas e eu? Como acha quevou me sentir sabendo que estou impondo algo a ele?

— Em que mundo você vive, hein, garota? — A voz dela volta a ficar firme, o que obrigaLuana a encará-la. — Esse filho é tão seu quanto dele. Você não precisa carregar a culpasozinha...

— Não estou me sentindo culpada — Luana trata de justificar, começando a perder apaciência.

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— Você entendeu o que quis dizer. A verdade é que a minha neta é filha de vocês dois,ponto-final. — Um brilho molhado volta a surgir em seus olhos claros ao mencionar o bebê, masela se recompõe rapidamente. — Tudo bem, não foi planejado, mas e daí? As melhores coisas davida acontecem de repente, sem nenhum roteiro.

Luana suspira e fica em silêncio por alguns segundos enquanto se distrai mexendo o café coma colher.

— Nós estamos no século XXI, dona Júlia, ninguém engravida sem querer — a constatação édolorosa. — Eu não percebi porque fui burra. Pensei que o atraso se devia às dietas malucas queestive fazendo ou mesmo ao estresse depois do sequestro...

Tarde demais percebe que falou mais do que deveria. Dona Júlia faz milhões de perguntas edepois passa mais uns dez minutos praguejando a nora e o filho por não terem contado a ela oocorrido.

— Não queríamos preocupá-la — Luana se desculpa mais uma vez. Então olha para o celulare encontra a desculpa perfeita para escapar: seu voo para o Sul.

Quando se despede de dona Júlia, porém, a senhora está mais calma e a abraçacarinhosamente transmitindo a força que ela precisa para enfrentar os próximos dias.

— Espero que essa semana no clima ameno do Sul faça bem a você e a minha netinha. — Osorriso é genuíno quando afaga a barriga de Luana, deixando claro que já ama aquele bebê, queela insiste em adivinhar o sexo.

— Obrigada, dona Júlia... Por tudo.

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Ao descer no aeroporto, em Caxias do Sul, Luana sente o peso do arrependimento aumentar

pela enésima vez desde que deixara o Rio.Dentro do carro, a mão repousando sobre a barriga, ela aprecia a cidade que deixou para trás

há meses disposta a um único objetivo: passar um tempo ao lado do ídolo. Um meio sorriso lheescapa dos lábios. Apesar de estar feliz por presenciar o entardecer em sua cidade, o sentimento éde que não pertence mais àquele lugar.

Essa ideia é reforçada quando, após subir os degraus do seu antigo prédio, encontra a porta deseu apartamento semiaberta. Ela não fica surpresa; deixara Mari encarregada de cuidar do localenquanto estivesse fora. No entanto, abrindo a porta completamente, é tomada pelo choque aover seu antigo lar tão bagunçado, com roupas espalhadas pelo chão e restos de comida sobre amesa. Tomada pela raiva, caminha apressada rumo ao quarto, que fora seu refúgio, um lugar desossego e paz, onde ela deixava os sonhos correrem livres... Mas que no momento parece maiscom um boteco de beira de estrada.

A fumaça vinda dali não deixa dúvida quanto ao que está acontecendo. Ainda assim, Luanaforça as vistas e empurra um pouco mais a porta, apenas o suficiente para vislumbrar Marisentada no chão, aos pés da cama, enquanto um hippie faz dread locks em seus cabelos. Luananão tem certeza, mas parece muito com o hippie que meses atrás a xingara enquanto ela selamentava pela perda do emprego. Dá de ombros; não importa. O que importa de verdade é quesua melhor amiga (ou seria ex-melhor amiga?) se mudou para seu apartamento e está dando umafestinha com direito a cerveja e maconha.

— Luana? — A surpresa é tanta que Mari parece subitamente perdida. — É você mesmo?— Sou eu sim, Mari. Acredite, não é uma viagem da sua cabeça “emaconhada” — reage

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cheia de ressentimento. — Pode me dizer o que está acontecendo no meu apartamento? —Começa a se afastar do quarto, consciente de que aquela fumaça toda num ambiente fechadopode fazer mal ao bebê.

Mari a segue desajeitadamente.— Amiga, eu posso explicar... Não sabe como minha vida desandou depois que você foi

embora. No fundo, a culpa disso tudo é sua por ter virado uma celebridade e jamais ter seimportado em saber como eu estava. Nunca passou pela sua cabeça que a sua melhor amigapoderia estar precisando de ajuda? Você foi pro Rio, foi morar numa mansão, até conseguiumanipular o playboyzinho, e me deixou aqui com a missão de guardar seu segredo. Foi o que fizenquanto você estava lá se dando bem sem sequer pensar em mim...

— Já chega, Mari! — Luana a detém já prestes a sair porta afora. — Você transformou aminha casa num albergue. E agora vem com esse discursinho de que a culpa é minha? Estáredondamente enganada se pensa que vou cair na sua.

— O que veio fazer aqui então? — ela grita, os olhos flamejantes. — Não, deixa ver seadivinho. Você veio para rir da minha desgraça, é isso?

— Não vou discutir com você, Mari. Eu devia ter desconfiado que você não estava no seujuízo perfeito. Os comentários carregados de ódio que deixava nas minhas postagens deviam terme alertado quanto a isso — diz apontando para o apartamento bagunçado.

— Vou pedir para que os meninos saiam daqui, ok? — Mari sai antes que Luana consigadetê-la, mas volta sozinha alguns segundos depois.

— E então? — Luana inspira e expira várias vezes na tentativa de se acalmar.— Ele é meu namorado, não posso jogá-lo na rua — responde balançando os ombros, o olhar

quase suplicante.— O que aconteceu com o seu apartamento? Por acaso, sua mãe a despejou dele? — começa

a gritar perdendo o último resquício de calma que lhe restava.Está prestes a se lançar sobre Mari quando seus olhos deparam com uma sacola plástica

entreaberta, jogada sobre o sofá, perto da porta.— Está roubando também, Mari? — Ver aquela sacola recheada de dinheiro a assusta. A

situação é muito pior do que imaginara, o que faz com que queira correr dali e voltar para o Rio,para o sossego ao lado de Cristian. O pensamento, porém, a faz se sentir mal no mesmo instante.Talvez Mari tenha razão. Se ela tivesse se preocupado em saber como a amiga estava, quem sabea situação não teria chegado àquele ponto.

— Sei que estou ocupando seu apartamento, mas isso não é da sua conta! — Mari vocifera,começando a mostrar-se agressiva.

— Não é da minha conta mesmo! — Luana explode sentindo o rosto queimar de indignação.— Não quero saber o que faz com a porcaria da sua vida. Mas não vou permitir que use drogas

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ou esconda dinheiro roubado no meu apartamento! — grita, o dedo em riste apontado amilímetros do nariz da pessoa que um dia ela considerou alguém de confiança. — Vou sairdaqui, mas dou vinte e quatro horas para você deixar esse lugar junto com esse bando demaconheiros, entendeu? Se não sair, voltarei aqui com a polícia — completa sentindo as mãostrêmulas e as pernas fracas.

Mari ainda tem o desplante de bater a porta com toda a força quando ela entra no elevador.Lágrimas de tristeza e frustração despencam antes mesmo das portas de metal se fecharem.

Com a visão periférica, ela vislumbra uma senhora de bengala olhando-a com curiosidade, masnem mesmo isso a faz controlar o choro. Mari era sua melhor amiga e agora se transformaranuma pessoa invejosa, rancorosa, e pior, sem escrúpulos.

Seu celular dá um bipe no exato momento em que as portas do elevador se abrem. Ela desce eprocura o aparelho na bolsa, quando o encontra sorri. É uma mensagem de voz dele.

— Oi. Sei que prometi dar um tempo, mas não resisti. Você chegou bem, Joaninha? Não medeixe sem notícias, por favor. Essa casa sem você é tão sem graça!

Luana sorri entre as lágrimas. É loucura o que está prestes a fazer, mas aquele tempo com ele,vivendo a conexão mais linda do mundo, a ensinou que o amor é assim mesmo, não temexplicação. Por isso, digita rapidamente:

Acabei de chegar e estou voltando amanhã . Descobri que ficar longe de você é a últimacoisa que quero nesse mundo. Te amo, galã. Sempre e pra sempre!

Volta a guardar o aparelho na bolsa e só então percebe que a senhora de bengala continuaparada, encarando-a.

— Você não é a namorada daquele gatão da novela? Minha neta não vai acreditar... — Elacomeça a preparar o celular para tirar uma foto, mas Luana dá alguns passos até alcançá-la e adetém suavemente.

— Por favor, senhora, eu preciso de privacidade... Estou num momento complicado da minhavida e quero evitar qualquer tipo de exposição desnecessária — suplica.

— Olha, minha jovem, eu posso abrir mão de uma fotografia e dar toda a privacidade de queprecisa, mas duvido que vá conseguir despistar todos os seus fãs. — Luana eleva assobrancelhas, confusa. — Desde que você se tornou uma celebridade, todo mundo aqui do prédiosonha com o dia em que você vai voltar, então...

— Merda! — Luana deixa escapar baixinho. Está convencida de que nunca se acostumará aisso. — Olha, não lembro da senhora e sei que estou sendo inconveniente, mas não posso ficarno meu apartamento no momento, então... será que eu não poderia ficar um tempinho no seu atédecidir o que fazer? — Faz uma tentativa desesperada ao ver o claro olhar de reconhecimento doporteiro. — Juro que tiro todas as fotos que a senhora quiser e dou quantos autógrafos sua netadesejar — insiste.

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A idosa, de cabelo branco azulado, se apoia na bengala e abre um sorriso grande enquantoaponta na direção do mesmo elevador de onde desceram minutos atrás.

— Vem comigo!Luana suspira aliviada quando se vê dentro do apartamento da senhora, que se apresentou

como Julieta Mendonça.— Obrigada por me ajudar, dona Julieta. — Senta no sofá indicado pela dona da casa, mas

em seguida pede licença para pegar um casaco na mala. Totalmente desacostumada ao friozinhodo Sul, teme que se não se aquecer logo acabe pegando um resfriado.

— Não tem que me agradecer, querida — gesticula com as mãos. — Eu a ajudaria dequalquer forma... mesmo se não fosse famosa — faz questão de salientar.

— Vim para ficar uma semana por aqui, sabe? — Luana começa a falar sem pressa, sentindoque deve a verdade à senhora que a ajudou tão prontamente. — Mas quando entrei no meuapartamento caí na real...

Ela explica toda a situação, omitindo apenas o motivo que a levou a voltar para o Sul. DonaJulieta a ouve com atenção e reage com indignação diante das atitudes de Mari.

— Não quer tirar uma sonequinha? — a idosa sugere um tempo depois. — Você parece bemabatida.

Luana sorri diante do comportamento típico de avós (algo que ela só vivenciou quando eramuito pequena e seus avós ainda eram vivos).

— Vou recusar sua oferta, mas aceito um chá. Eu mesma posso preparar se a senhora não seincomodar — propõe.

— Nada disso, um café bem forte “arriba tudo” — retruca rindo do próprio jeito de seexpressar enquanto se levanta e segue na direção da cozinha.

Luana lembra a si mesma que café não é bom para o bebê, mas assente só para não ficarrecusando tudo o que a amável senhora oferece.

Pensar no bebê a faz recordar da promessa que fizera ao noivo, de que voltaria para casa nodia seguinte. Aquilo implica num fato iminente: no dia seguinte ele ficará sabendo sobre agravidez. Ela suspira.

— Minha neta vai ficar feliz de saber que acolhi uma celebridade em minha casa! — donaJulieta grita da cozinha. — Ela é blogueira e vive dizendo que precisa se destacar para ganharseguidores. Foto da avó com a noiva do bonitão deve ajudar, não?

Luana solta uma gargalhada esquecendo suas preocupações por um momento.— É, acho que ajuda sim...— Venha. Vamos tomar nosso cafezinho aqui, se não se importar. Assim já vou adiantando o

jantar.— A senhora não precisa se preocupar, estou bem assim — responde ajeitando o casaco

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quando se levanta e se junta à idosa na cozinha. — Não quero dar trabalho.— Ah, por favor, não me prive disso. Minha vida é tão sem emoção que vou passar os

próximos meses relembrando essa visita especial.Luana sorri, sem jeito, e enquanto tomam café com bolo de laranja, ela ouve dona Julieta

contar sobre sua vida solitária e sobre a neta blogueira, a única que a visita com frequência.

Mais tarde, enquanto a dona da casa está preparando um jantar leve composto por arroz, bifegrelhado e salada, incapaz de manter-se inativa após a senhora ter recusado terminantemente suaajuda na cozinha, Luana caminha pelo pequeno apartamento apreciando a decoração de bomgosto, embora simples. Um dos quadros, retratando o contraste entre luz e trevas, chama suaatenção e ela se aproxima até identificar a assinatura da pintora desconhecida, ninguém menosque sua sogra.

Um sorriso se forma em seus lábios ao lembrar da noite em que Cristian revelara aquelesegredo... na mesma noite em que haviam se declarado.

— Onde comprou o quadro? — Luana quer saber.Dona Julieta se aproxima vagarosamente secando as mãos no pano de prato, então se

posiciona diante do quadro, apreciando-o junto de sua hóspede.— Deve estar se perguntando como comprei, não é? Foi em uma exposição no Rio, há muitos

anos. Na época, as obras da pintora desconhecida eram de fato desconhecidas e paguei umaninharia por esse aí — diz, parecendo orgulhosa pela aquisição. — Meu falecido marido haviaviajado a trabalho e eu o acompanhei. Sempre fui apaixonada pela arte, quando soube que estavaacontecendo uma exposição, fomos à galeria... Lembro de ter me apaixonado pela pintura tãologo coloquei os olhos nela.

— É linda mesmo! — Luana concorda apreciando os traços não tão precisos quanto àspinturas mais recentes da sogra.

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O jantar é servido, Luana ajuda dona Julieta com a louça e o resto da noite é destinado àslembranças da idosa, que com um álbum de família já gasto pelos anos faz uma verdadeiraviagem no tempo.

Quando ela finalmente vai para o quarto e se deita em lençóis cheirando a talco de alfazema,o sono a encobre totalmente, trazendo-lhe o merecido descanso.

Descanso esse que proporcionará a força necessária para que enfrente o que está por vir.

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Luana recusa a balinha que uma jovem sorridente oferece na tentativa de puxar assunto dentro

do avião. Em outro dia qualquer ela teria sido mais simpática, mas naquele exato momentoconversar é a última coisa que quer. E não é apenas pelo enjoo constante que está sentindo desdeo instante em que pôs os pés no chão ao se levantar da cama, já perto do meio-dia, na casa dedona Julieta. Alguma coisa estava muito errada. Cristian não atendeu nenhuma de suaschamadas, nem respondeu às inúmeras mensagens que deixara no WhatsApp antes de pegar oavião.

O fato de ter acordado tão tarde fora facilmente explicado por dona Julieta que, com aexpressão mais inocente do mundo confessara ter colocado um “remedinho fraquinho” no chá desua hóspede ao constatar que ela estava precisando de descanso.

Luana se sentira meio traída, mas o olhar amável da senhora a fez deixar para lá, tinha coisasmais importantes com que se preocupar.

Pouco depois, fizera algumas fotos com dona Julieta, deixara um bilhete carinhoso para a netablogueira e se despedira, prometendo nunca esquecer o carinho que recebera ali.

De casaco largo e óculos escuros, se esquivou pelos corredores do prédio até chegar à rua,onde um motorista do Uber a aguardava, e rumou ao aeroporto onde finalmente respirou,parcialmente aliviada. Apesar do enjoo e da angústia, conseguira chegar até ali sem serreconhecida.

— Você está bem pálida, quer que eu pegue uma água? — a jovem insiste. — Não estoupuxando seu saco, juro — se desculpa rapidamente ao receber um olhar irritado.

— Me desculpe — Luana se apressa em dizer. — Estou com um pouco de dor no estômago,mas já estamos chegando... Vou ficar bem, obrigada.

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Desta vez, se esforça para retribuir a gentileza com um sorriso. A pobre garota não tem culpapor ter sentado ao lado de alguém que está tendo um péssimo dia.

Luana quase solta um gritinho de alívio quando chega ao aeroporto, no Rio. Mas o alívio setorna pesadelo tão logo ela se encaminha à saída. Dois policiais a abordam discretamente, asexpressões sérias provando que não estão em busca de um autógrafo. Logo atrás ela vêGiovane... E Cristian, ambos com expressões ainda mais sérias que dos policiais.

— Luana Fernanda Savaris?Ela assente com medo de abrir a boca e vomitar, o enjoo aumentando gradativamente.— Você precisa nos acompanhar até a delegacia para prestar depoimento — um dos policiais

avisa sem rodeios.Ela encara Cristian e Giovane esperando que eles caiam na gargalhada a qualquer momento e

confessem que se trata de uma pegadinha para um programa de televisão qualquer.— Nós vamos acompanhá-la, Aninha, não se preocupe. — Giovane se aproxima um pouco

mais e toca em seu ombro num gesto reconfortante. O carinho é bom e ao mesmo tempodesesperador, afinal, não deveria ter partido de seu noivo?

— Podem, pelo menos, me dizer o que está acontecendo? — reage exasperada.— Se continuarmos aqui vamos provocar um verdadeiro espetáculo, é isso o que querem? —

o outro policial intervém, demonstrando irritação.Finalmente Cristian se aproxima e passa o braço ao redor dos ombros de Luana. Ela franze o

cenho, confusa com o turbilhão de sentimentos que a acomete. Ele está estranho.Giovane conversa rapidamente com os policiais, mas ela não consegue prestar atenção porque

está coordenando a própria respiração, a fim de não entrar em pânico.— Podemos ir? — Cristian diz, despertando-a do transe. Os policiais assentem, então ela, o

noivo e Giovane seguem na direção do carro, entram em silêncio e permanecem assim porsegundos que parecem infinitos a Luana.

Logo atrás os policiais os seguem de perto.— Será que alguém pode me explicar o que está acontecendo? Por que fui interceptada pela

polícia e agora tenho que prestar depoimento numa delegacia? — explode, o rosto quente deindignação.

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Cristian permanece quieto, para seu total desespero. É Giovane quem suspira pesado ecomeça a falar:

— Encontraram o dinheiro do resgate no seu apartamento, no Sul. — Não é o seu amigoGiovane quem está falando e sim o advogado. — Então é bom que você me conte exatamentetudo para que eu possa encontrar uma maneira de defendê-la.

— O quê? Do que você está falando? — Aquilo causa tanta estranheza nela que, por ummomento, volta a pensar que tudo não passa de uma brincadeira de mau gosto.

— Todas as suspeitas recaem sobre você, Luana. A polícia recebeu uma denúncia anônima.Hoje cedo foram ao seu apartamento e encontraram um pessoal estranho lá, além da grana doresgate... Estou surpreso que não tenham encontrado você...

— A grana... — Luana murmura baixinho, depois encara Cristian, que continua dirigindo emabsoluto silêncio. — Vocês acham mesmo que forjei meu próprio sequestro? Cris, nós jáhavíamos conversado sobre isso — joga as palavras, pontuadas de ressentimento.

— Eu não sei o que pensar, Luana. — A voz dele está rouca, ele parece... magoado? — Vocêprecisa contar tudo...

— Claro, eu insisti em ir para o Sul criando evidências contra mim mesma. — Ri com ironiaembora não ache graça. — Mas eu posso provar que não fiz nada do que estão me acusando.Quanto a vocês, estou realmente decepcionada. — As lágrimas finalmente escorrem pela face eela tapa a boca para evitar um soluço.

— Ninguém a está acusando, Lu. Só que nada faz sentido na minha cabeça — Cristian volta afalar, Luana vê em seu olhar a mesma sinceridade que vira dias atrás, quando brigaram pelomesmo motivo. Outra vez, porém, ela se sente sufocada pela injusta desconfiança da parte dele.

— Pra mim já chega! — decreta com voz embargada. Embora queira entender a postura deGiovane e do próprio Cristian, não consegue. Eles deveriam estar fazendo de tudo para provarque ela é de fato inocente em vez de tentarem arrancar-lhe uma confissão.

— Nós vamos provar sua inocência, ok? — Cristian balança a cabeça como se estivessevoltando de um transe. — Escuta, amor, vai dar tudo certo. — Ele estica o braço e afaga uma dasmãos dela.

— Você só precisa contar tudo o que sabe — Giovane reforça do banco traseiro. Luana temímpetos de pular no pescoço dele... E de Cristian também.

Determinada a não demonstrar fraqueza, ela limpa as lágrimas e se afasta do carinho donoivo.

O restante do trajeto é feito em silêncio.Cada um perdido num mundo de pensamentos. A cabeça de Luana, no entanto, está

trabalhando rapidamente como se estivesse costurando uma colcha de retalhos, tudo fazendosentido agora. A inveja de Mari. O olhar raivoso. A mágoa por se sentir abandonada... E ainda

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tinha toda aquela gente estranha, inclusive o namorado, que poderia muito bem ter sido comparsadela. Sim, porque sozinha ela jamais teria conseguido bolar algo tão grandioso. Havia também asdenúncias anônimas. Mari certamente queria incriminá-la, acabar com sua reputação, mesmo queisso a fizesse cair também.

Ela se sobressalta quando Cristian a toca no braço avisando que chegaram.Respirando fundo, aceita a mão que o noivo lhe oferece após ter aberto a porta do carona para

ela.— Eu acredito em você, Joaninha. Me perdoe pela forma como agi. — Os olhos dourados são

sinceros, mas Luana sente seu lado rancoroso dar as caras e precisa fazer um esforço hercúleopara não soltar um “tarde demais”. Em vez disso, apenas concorda com um gesto de cabeça eambos, seguidos por Giovane e os dois policiais, abrem caminho entre curiosos e repórteres quese aglomeram à porta da delegacia.

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O delegado, um senhor minúsculo e barrigudo, que equilibra os óculos na ponta do nariz, a

analisa brevemente com olhos perspicazes antes de apontar as cadeiras à sua frente. Em seguidase apresenta e explica o que está acontecendo ali.

Luana estala quase todos os dedos das mãos; só para quando Cristian a cutuca discretamente.— Imagino que seu advogado tenha conversado com você sobre o que está acontecendo. —

Seus olhos passam pela suspeita, o ator famoso e o advogado. — Está sendo acusada de terforjado o próprio sequestro...

— Você tem o direito de permanecer em silêncio, Luana. Deixe que eu cuido disso —Giovane interrompe encarando-a com um olhar determinado.

— Não vou me omitir. Estou aqui para esclarecer as coisas e é isso que vou fazer — respondeempinando o queixo. Então, armando-se de coragem, mas ciente de que a consequência de seuato será dolorosa, vira-se para o noivo: — Gostaria de ficar a sós com o delegado e meuadvogado, tudo bem pra você, Cris?

Cristian aperta os olhos, franze a testa e se remexe desconfortavelmente na cadeira. Pela suaexpressão corporal, Luana tem quase certeza de que ele explodirá ali mesmo. Mas então ele selevanta, pede licença e deixa a sala... Não sem antes lançar um olhar recriminador em suadireção.

— Como eu estava dizendo — o delegado retoma, já um tanto impaciente. — Nós recebemosuma ligação anônima acusando-a de forjar o próprio sequestro para extorquir dinheiro do seucompanheiro...

— Isso não é verdade, eu jamais faria algo assim — responde prontamente antes mesmo deser questionada.

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— Queremos acreditar que não, senhorita, mas nessa mesma denúncia anônima fomosinformados de que você despachou o valor para sua cidade e que o mesmo estava em seuapartamento. O delegado de Caxias do Sul, que está nos dando todo suporte nas investigações,esteve no local indicado ainda esta manhã e encontrou a maleta com parte do dinheiro no seuapartamento...

— Está claro que tem alguém tentando incriminar minha cliente, delegado Almeida. Qualladrão em sã consciência esconderia o dinheiro do roubo na própria casa? — Giovane interfere,indignado.

— É exatamente por esse motivo que sua cliente foi chamada para esse interrogatório.Queremos entender por que fez isso e qual sua ligação com Mari dos Santos. — O delegadolevanta da cadeira, ajeita as calças, vai até o frigobar e tira uma garrafa de água de lá. Quandovolta, toma o conteúdo em grandes goles. — Pelo que me consta, eram melhores amigas, não?

— Sim, senhor. Fomos grandes amigas, no passado...Mesmo sob o olhar de advertência de Giovane, ela conta ao delegado exatamente tudo o que

aconteceu desde o dia em que fora raptada, até o momento em que chegou ao seu apartamento edeu de cara com a invasão. Também não omite que chegou a ver o dinheiro, mas pensou quefosse de algum negócio sujo de Mari e seus comparsas.

O delegado a ouve atentamente. Vez ou outra suspira, balança a cabeça de forma negativa oupositiva, bebe mais um pouco de água... Quando por fim começa a falar com mais objetividade,Luana prende a respiração.

Segundo ele, ao ser encontrada no apartamento em posse do dinheiro, Mari a princípio reagiumal, gritando e ofendendo o delegado e os policiais quase a ponto de ser presa. Eles acreditavamque ela estivesse sob o efeito de drogas. Mas sua postura mudou quando soube que, se não seacalmasse, seria algemada. Mari então foi levada para depor na delegacia logo nas primeirashoras da manhã. Ao saber disso, Luana fica estarrecida. E pensar que estivera dormindo algunsandares acima, no apartamento de dona Julieta, enquanto acontecia toda a confusão.

Almeida continua narrando todos os fatos. Agora é Luana quem precisa de água. Felizmente oenjoo deu uma trégua, mas a garganta está seca.

— Na delegacia, Mari a culpou de tudo... — As palavras do delegado não a pegam desurpresa, mas a Giovane sim. Mari nunca fora boa pessoa e agora Luana está descobrindo da piormaneira possível. — Ela disse que você precisava de dinheiro, mas não tinha coragem de pedirao noivo, tampouco queria que ele a visse como uma fracassada. Portanto, tendo certeza absolutade seu bom coração, arranjou o próprio sequestro. Mas, para isso, contou com a ajuda dasenhorita Mari, sua melhor amiga, que veio para o Rio de Janeiro e, junto do namorado, a ajudouem tudo...

— Me desculpe, delegado, mas não posso acreditar que, sendo o senhor um excelente

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profissional, tenha caído nessa historinha ridícula — Giovane o interrompe.— E então, Luana? — ele prossegue olhando diretamente nos olhos da acusada.— É mentira, senhor. Dói muito pensar que alguém seja capaz de fazer tudo isso por

vingança, inveja e ódio... Mas é exatamente isso que vejo em Mari. Ela queria encontrar umamaneira de me destruir. Eu era uma pessoa comum como ela e em questão de poucos meses metornei uma celebridade. Isso deve ter mexido com ela... Pra falar a verdade me sinto até culpadapor isso. Eu devia tê-la procurado, mantido nossa amizade mesmo a distância...

— Você está tagarelando, senhorita Luana. Suas palavras não são suficientes para que eu aconsidere inocente. Principalmente porque Mari esteve de fato aqui no Rio de Janeiro, ondepassou alguns dias. — Diante do olhar desconfiado de Luana, ele prossegue: — Já confirmamosa informação. Ela esteve aqui dias atrás. Segundo a própria Mari, ela veio buscar o dinheiro doresgate que ficaria sob seus cuidados até que a poeira baixasse. E também disse que, na segunda-feira dessa mesma semana, vocês passaram o dia todo juntas; estiveram nessa clínica pela manhãe nesse restaurante à noite. — Ele mostra os endereços rabiscados num papel.

— Não serve como prova de nada, delegado, e o senhor sabe muito bem disso — Giovaneinterfere outra vez.

Luana começa a rir. Obviamente o delegado precisa fazer seu trabalho, afinal, uma graveacusação fora feita a respeito de si, mas era algo tão amador, que ficava claro, até para ela, tratar-se de uma vingancinha infantil e mal planejada.

— Que bom que está se divertindo, minha jovem. Mas devo alertá-la de que estamos em umadelegacia, não em um circo.

Luana se recompõe rapidamente, se endireita na cadeira, dá uma piscadinha para Giovane,limpa a garganta e então começa a falar, segura de si:

— Me desculpe, senhor, não quis lhe faltar com o respeito. Mas me dá graça que Mari tenhausado como argumento informações que ela encontrou nas minhas redes sociais.

Giovane e o delegado se entreolham. Luana prossegue:— Mari pode até ter estado aqui no Rio de Janeiro. Aliás, se ela tem um pingo de inteligência

se viu obrigada a fazer isso ou não teria nenhum álibi... Acontece que, na segunda-feira, eu estiveo tempo todo com pessoas que podem facilmente comprovar o que estou afirmando. Pela manhã,sim, estive nessa clínica com minha amiga Gabriele Damasceno, namorada do doutor Giovane,por sinal. Logo em seguida fui para a casa dela onde passei o tempo todo até à noite, quandoestive num restaurante mexicano na companhia de Vincenzo Dalla Vecchia, que também podeconfirmar minha versão.

O delegado a olha por cima dos óculos, em seguida rabisca rapidamente numa pequenaagenda.

— Vamos verificar mais tarde... — Dá uma pausa por um segundo. — Está sugerindo então

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que Mari a seguiu em todos esses lugares?— Ela não precisou fazer isso, senhor — Luana pede licença e começa a mexer no celular.

Em seguida mostra uma imagem ao delegado. — Vê isso?Na tela do celular está a postagem que ela fez de mãos dadas com Gabriele, quando pensava

que tinha alguma doença terrível. Era uma pena ter tirado foto apenas das mãos e não do rosto.— Sim. — Ele e Giovane fazem um gesto afirmativo com a cabeça. — Abaixo das mãos

entrelaçadas está o cartão da clínica — o delegado conclui pensativo.Luana não dá tempo para que ele volte a questionar. Em vez disso, aponta para a tela do

celular outra vez.— E quanto ao restaurante mexicano, olhe isso. Aqui está. Fiz check-in porque precisei usar o

wi-fi do local, de forma que a informação ficou visível a todos.Giovane dá um sorrisinho torto e a cutuca no braço.— Nunca pensou em investir na carreira de investigadora?O delegado lança um olhar de repreensão aos dois. Pelo visto, ele não está nada contente em

ver todos seus argumentos escorrendo água abaixo.— Bem, já tomei bastante seu tempo. Sua colaboração foi de grande importância. — Luana

respira aliviada diante da clara intenção do delegado em despachá-los. — Provavelmente terãoque voltar aqui mais algumas vezes, mas por hoje é só — encerra a conversa levantando-se.

Luana e Giovane fazem menção de levantar, mas antes que o façam, o delegado os detémcom uma pergunta que parece ter sido estrategicamente planejada para pegá-los desprevenidos.

— Só mais uma dúvida. Se você não tem nenhum envolvimento com esse crime, comoafirma, o que exatamente estava fazendo em Caxias do Sul logo após supostamente ter entregadoo dinheiro a Mari?

— Assuntos pessoais, delegado Almeida — Giovane responde ao ver o olhar de pânico daamiga. Apesar de também querer saber a resposta, precisa agir como advogado; é para isso queestá ali, lembra a si mesmo.

O delegado dá um sorrisinho torto, quase convencido de que finalmente a pegou.Incapaz de manter-se quieta, Luana levanta da cadeira e lança um rápido olhar na direção da

porta.— Foi uma infeliz coincidência, delegado, e isso não posso mudar. Mas só viajei para minha

cidade porque recebi uma notícia que me tirou o chão, mudou o rumo da minha vida... E-euprecisava ficar sozinha para pensar, então me ocorreu que o único lugar seria meu apartamento...— A voz fica meio embargada. Giovane se levanta também e contorna seus ombros com o braçonum gesto carinhoso.

— Cristian me contou sobre isso, Aninha. — Diante do agitamento de Luana, esquececompletamente de representar seu papel de advogado. Agora ele é simplesmente o amigo, tanto

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dela quanto de Cristian. — Ele ficou arrasado quanto você saiu, e essas frases em código quedisse a ele não contribuíram em nada. Pelo contrário, quando soube do que estava sendo acusada,só serviu para colocar mais uma pulga atrás de sua orelha.

— Na segunda-feira, justamente quando estive com Gabriele na clínica do doutor Miguel,descobri que estou grávida...

Giovane arregala os olhos, mas felizmente reprime a tempo a comemoração que estavaprestes a sair de sua boca. Em vez disso, balança a cabeça em compreensão.

— Muita coisa faz sentido agora.— Delegado — ela lança um olhar sério —, eu não queria que Cristian soubesse sobre a

gravidez, foi algo que não planejamos... O senhor deve entender que estamos juntos há poucotempo e...

— Não precisa explicar suas razões, jovem — ele ajeita os óculos sobre o nariz e, pelaprimeira vez, parece amolecer um pouquinho.

— Obrigada... Eu só precisava de um tempo para pensar e me preparar psicologicamenteantes de dar a notícia a ele sem parecer uma oportunista. Aliás, o fato de eu estar hoje aquiprestando meu depoimento só comprova que não estava errada quanto aos meus receios, nofundo é o que todos pensam de mim. — Para um segundo, então suplica: — Conto com a suadiscrição quanto ao que acabo de confessar.

— Tem minha palavra — assegura. — Olha, não quero parecer insensível — o homenzinhocoça a cabeça. — Mas... você tem como provar?

— Que estou grávida? — ela quase grita, em seguida lança um olhar de pânico na direção daporta, que felizmente está devidamente fechada. — É claro que tenho como provar, tenho oexame de sangue, inclusive datado, que comprova o que estou dizendo.

Com destreza, abre a bolsa e pega o papel que estivera o tempo todo ali para lembrar a simesma que não é um sonho, o coraçãozinho de um anjo bate dentro de si.

— Aqui está. — Entrega ao delegado que abre o envelope, lê as informações e então devolvepara ela com um aceno de cabeça.

— Parabéns!Não é tudo. Não é encerramento do caso. Mas o sentimento de paz que envolve Luana lhe

traz a certeza de que, a partir dali, tudo o que envolver seu bebê será assim, como um raio de luzem meio à névoa.

Ela e Giovane deixam a sala do delegado e seguem lado a lado, cientes de que tão logoultrapassem os portões do prédio terão de lidar com muito sensacionalismo barato.

— Você devia ter contado a ele no primeiro dia — Giovane a censura baixinho. De ondeestão já podem avistar Cristian a postos atrás do volante.

— Por duas vezes ele acreditou, mesmo que por alguns instantes, que eu pudesse tê-lo

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extorquido — reage ressentida. — Aliás, se bobear só vai tirar isso da cabeça quando o delegadodecretar Mari como culpada. O que você acha que ele vai pensar quando souber que engravidei?

— Não sei o que ele vai pensar. O que eu sei é que ele é tão responsável quanto você...— Mas ele nunca quis um filho!— Mas ele te ama e isso muda tudo — Giovane contra-ataca.— E você vai me jurar manter essa boca bem fechada, ok? — rosna entredentes.— Mesmo sabendo que está sendo egoísta, injusta e inconsequente? — Ele reage agora

totalmente sério.— Você não está na minha pele! — Luana o acusa raivosamente e não tem mais tempo de

dizer nada, pois uma chuva de repórteres cai sobre eles, dispostos a arrancar qualquer informaçãoque seja.

No entanto, a incômoda investida dos repórteres é insignificante diante do silêncio mordazque Cristian adotou.

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— Maravilha, então agora você nunca mais vai falar comigo! — Luana esbraveja quando já

estão na mansão.Cristian não havia aberto a boca para dizer uma única palavra, causando um desconforto

sufocante dentro do carro.— Como foi o interrogatório, meu anjo? — Margarida os interrompe, sem se importar com a

cara de cão raivoso de ambos. Propositalmente chega mais perto e abraça Luana, quebrando oclima tenso.

— Oi, Marga — retribui o abraço antes de prosseguir. — Foi tudo bem, não tenho nada atemer. Ao contrário do que muitos pensam, não sou esse tipo de pessoa! — cospe as palavrasvoltando à carga de ressentimento.

— E como você quer que eu reaja? — Finalmente ele fala e Luana se dá conta de que nunca oviu tão irritado antes. — Primeiro diz que as coisas não saíram como planejado, pede um tempoe some para o Sul. Depois é acusada de um monte de merda e em vez de segurar a mão que lheestendo, prefere virar as costas e me enxotar da sala do delegado. Que bela maneira de provar suainocência.

— Por favor, crianças, não é hora pra isso — Margarida tenta interferir outra vez, mas é tardedemais.

— Se você confiasse em mim, as coisas seriam diferentes. — Luana aponta o dedo em risteem sua direção. — Ah, sim, claro, esqueci que sou a pobre infeliz que ousou sonhar em ocupar olugar da maravilhosa modelo internacional. No fundo, nunca passei de uma breve distração, nãoé, Cristian Fedrizzi?

— Você colocou tudo a perder com essa síndrome de inferioridade. A pedi em casamento!

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Será que ainda é pouco para provar que nunca foi uma breve distração? — reage indignado, osolhos faiscando, a face ganhando uma coloração rosada. — Você é minha noiva, caramba!

— Eu era sua noiva, Cristian! — grita histérica, assegurando-se de que ele ouviu e registroucada uma de suas palavras.

Sim, ele ouviu, e sua reação é apenas um mover de cabeça, os músculos saltando-lhe nomaxilar. Por alguns segundos, se uma agulha caísse no chão ouviriam o tilintar, tamanhosilêncio.

— É isso o que quer? — ele pergunta por fim.Luana não responde, não é necessário. Os dois sabem que é o fim da linha.Esforçando-se para não chorar, enquanto tenta descobrir dentro de si o que é maior: a raiva ou

o ressentimento, ela lhe dá as costas e vai para o quarto que dividiu com o ator nos últimosmeses. Margarida a segue silenciosamente, mas o silêncio dura apenas até chegarem aosaposentos.

— Você ficou maluca? — A segura pelos braços sacudindo-a levemente como se o ato fossecapaz de colocar um pouco de juízo em sua cabeça. — É de Cristian Fedrizzi que estamosfalando, do ator que você perseguiu durante anos, do homem que você ama... e que a amatambém.

— Nós nos odiamos nesse momento, Marga. — A voz sai rouca pela batalha ferrenha queestá travando para não berrar a plenos pulmões.

— Mas isso vai passar. Vocês estavam prestes a se casar, como acha que seria depois decasados se cada vez que discutissem decidissem se separar, hein? — Carinhosamente a faz sentarna cama enquanto a abraça. — Raciocina um pouquinho, querida. Vocês precisam conversar...

Luana pensa no filho que carrega no ventre, então balança a cabeça em negativa. Se contar aele sobre o bebê agora, nunca se perdoará por ter jogado tão baixo.

Decidida, levanta da cama e respira fundo. É hora de tomar uma importante decisão.— Marga, eu quero ficar na sua casa.Luana riria da cara de espanto de Margarida se não estivesse tão nervosa.— Acho que toda essa confusão acabou afetando seu cérebro, não pode ser! — reage

indignada. — Minha casa é simples, fica no interior, não tem conforto nenhum, Luana. Esqueceuque moro aqui na maior parte do tempo?

— Por isso mesmo, Marga. Você mora aqui então não pode usar a desculpa de que sua casaestá ocupada — apela. — E dizer que sua casa é simples não implica em nada, afinal, tambémsou pobre agora, exatamente como era antes — alega dando de ombros.

— Você era, querida. Nos últimos meses experimentou a fama, roupas boas, festas chiques...A gente se acostuma com o luxo...

— Que besteira, Marga! Eu sou a mesma pessoa de sempre. Aliás, no mundo de onde venho

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as pessoas se apoiam quando uma precisa da outra...— Sem drama, Luaninha! — Margarida a corta. — Você tem a Gabi, por que não fica na casa

dela?— Está dizendo que não posso ficar na sua casa?Margarida deixa os braços penderem ao longo do corpo.— Estou dizendo que não quero que você faça uma besteira. Quero que fique aqui onde é o

seu lugar. Você é minha chefe agora, como posso aceitar que vá morar na minha casa?— Não sou sua chefe. — Luana ri apesar da ansiedade. — Você precisa me ajudar, Marga,

por favor!— Por que tenho a impressão de que ainda vou me arrepender disso? — diz completamente

desarmada.— Obrigada, você é meu anjinho da guarda. — Beija-a nas bochechas antes de apertá-la nos

braços.— Mas fique sabendo que não concordo com sua decisão... Além do mais, o Cris vai ficar

muito chateado quando souber que consenti com esse absurdo.Ficar na casa de Margarida por um tempo a ajudará a colocar a cabeça no lugar, sem dúvida.

Está ciente de que nesse meio tempo precisará fazer alguma coisa para dar ao filho uma vidadigna. Ah, sim, porque o fato de estar decidida a contar sobre a gravidez a Cristian tão logo apoeira tenha baixado não significa que está disposta a aceitar que ele a sustente.

— Seu celular está berrando — a empregada corta o fluxo de seus pensamentos.É Marcos Mendes.— Aconteceu alguma coisa? Algum problema com o roteiro? — Luana questiona ao reparar

em sua voz preocupada.— Tudo certo com o roteiro. Eu é que pergunto o que houve. Você está com algum problema

sério, Luana? — Ele não se preocupa em ser sutil. — Voltei de viagem certo de que você eVincenzo haviam deixado tudo acertado e então sou informado de que você não aceitou o papel.

Droga, com a descoberta da gravidez e toda a confusão posterior, ela esqueceracompletamente de se desculpar com o diretor.

— É... Na verdade sim, estou com alguns problemas bastante sérios — opta por ser sincera.— Mas não foi por isso que não aceitei o convite. Sinto muito se o decepcionei, mas, como dissea Vincenzo, de repente me dei conta de que não nasci para atuar...

Marcos Mendes suspira do outro lado da linha, parece refletir sobre o que acaba de ouvir.— Bem, não foi apenas para isso que liguei. Podemos conversar?Agora? Tem vontade de dizer. Sua vida está desmoronando. Acabou de desmanchar o

noivado e está começando a se arrepender por ter sido impulsiva; a última coisa que deseja éconversar com quem quer que seja.

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— Tudo bem. Passo no seu escritório daqui a pouco. — Desliga após se despedir e encaraMargarida, que parece ter se desligado do mundo e esfrega as mãos num gesto contínuo. —Marga, vou tomar um banho antes de ir ao escritório do diretor. Você pode arrumar minhascoisas e deixar na garagem, por favor? Quando voltar vou direto para sua casa.

— Tem certeza de que é isso o que quer, meu anjo? — Seus olhos entristecidos dizem tudo.— Não é o que quero, Marga, mas é o que tem de ser feito. Você viu, o Cris nem tentou me

impedir.— Eu vi — Margarida concorda, triste, começando a abrir os armários e a retirar as roupas.

— Tem uma torta de frango no forno, coma antes de sair. Você parece tão cansada.— Obrigada. Por tudo. — Luana a beija no topo da cabeça, contendo as lágrimas. — Embora

eu não seja uma pessoa devota como você, tenho lá minha fé e acredito que foi Deus quemcolocou você em meu caminho pra ser meu anjo da guarda — diz antes de fugir em direção aobanheiro para que Margarida não a veja chorar.

A sensação de desamparo não a abandona. Com exceção de Margarida, está totalmente sóoutra vez.

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Marcos Mendes ostenta um sorrisão que contrasta totalmente com o estado de espírito de sua

pupila.— Que bom que veio, querida. Nós estávamos ansiosos para contar-lhe a brilhante ideia que

tivemos. — O diretor a abraça calorosamente.— Lorena está aí? — pergunta apressando-se na direção do elegante escritório.É quando percebe a presença marcante de Vincenzo Dalla Vecchia, que ao vê-la sorri

abertamente, do mesmo modo que Marcos Mendes.— Bella , que prazer em vê-la! — Ele não faz cerimônia, a abraça como se fossem velhos

amigos.— Muito bom vê-lo também, Vincenzo. Não imaginei que ficaria pela cidade — diz quando

ele a solta.— O Rio de Janeiro continua lindo — cantarola com a voz carregada de sotaque. — Então,

decidi ficar mais uns dias para recarregar as baterias.— E isso foi muito bom porque, durante um café despretensioso, tivemos uma grande ideia.

— Marcos indica uma poltrona para que Luana se sente e, em seguida, ocupa a sua, atrás dalinda escrivaninha em madeira de demolição.

— E imagino que eu esteja incluída nessa “grande ideia”. — Luana sorri com carinho para ohomem que a acolheu como uma filha. O fato de ele não tê-la recriminado por não ter aceito opapel no filme a faz admirá-lo e respeitá-lo ainda mais.

— Você tem papel fundamental, Luana. — Vincenzo dá uma piscadela cúmplice na direçãode Marcos.

Nos instantes seguintes, com um sorriso incrédulo nos lábios, Luana fica sabendo de toda a

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estratégia montada pela equipe de Vincenzo para a divulgação do filme, o que inclui omegalançamento do livro que deu origem ao filme. O seu livro!

— Espera, deixa ver se eu entendi. — Luana leva a mão ao ventre num gesto que se tornaraautomático nos últimos dias. — Vocês estão me dizendo que, antes da estreia do filme, haverá olançamento do livro? — Algo vibra dentro de si. Ela quase consegue se ver autografando livro alivro enquanto uma fila de fãs aguarda para receber um abraço e fazer uma selfie ... — Mas... euainda não tenho público, nunca publiquei um livro antes...

— Isso não será problema, querida, acredite em mim. — Marcos está tão empolgado quantoela. — Você é a queridinha do momento, se escrever receita de bolo seus fãs vão querer ler, podeapostar.

— Ou seja, não importa o que escrevo, desde que eu seja a noiva do galã da novela das nove?— Seu semblante murcha de repente.

— Você não é amada pelo Brasil por ser a noiva de Cristian Fedrizzi, mas sim pelo seucarisma e autenticidade... Isso, claro, sem falar na sua bellezza — Vincenzo afirma, todo galante.

— Assino embaixo. — Marcos Mendes levanta e coloca uma mão no ombro dela. —Vincenzo vendeu o seu peixe muito bem. Assim que as editoras souberam do filme, nãopensaram duas vezes em aprovar a publicação do livro. Então, só temos que escolher uma delas...

— Isso parece um sonho — Luana deixa escapar. — O que eu tenho que fazer? — perguntaum segundo depois na tentativa de recompor-se e mostrar profissionalismo.

— Após escolhermos a casa editrice , um profissional trabalhará com você na lapidação dotexto; como você é uma das roteiristas também, acredito que não terá problemas em adaptar olivro para que não divirja muito do filme.

— E a melhor parte é que fará isso no conforto de sua casa, sem precisar sair de trás docomputador — o diretor completa exultante.

— Ainda temos um problema. — Não é algo que queira lembrar, mas sabe que não podeomitir a verdade deles. — Eu estou sofrendo algumas acusações infundadas...

Então ela conta detalhes de tudo o que enfrentou nos últimos dias, inclusive da visita aodelegado.

— Mas você é inocente, corretto ? — Soa mais como afirmação do que como pergunta. —Então, está tudo certo. Provavelmente o fato de estar sendo acusada de algo que não fez, e quetem como provar, a tornará ainda mais admirada aos olhos do público, o que é perfeito para nós— completa com naturalidade. Luana sente uma pontada no peito ao se questionar por queCristian também não agiu assim, colocando-a acima de qualquer suspeita. Seria tão mais fácil.

— Nós estamos do seu lado, ok? — Marcos afirma categoricamente. — Somos uma equipeagora.

A essa altura, Luana já está com o pensamento longe.

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Margarida teria razão? Deus realmente se importaria com ela a ponto de fazer tudo aquilo?Ainda mais cedo plantara um sorriso no rosto para encontrar-se com Marcos Mendes quando, naverdade, seu coração estava em pedaços. De uma hora para outra a convivência com Cristian setornara difícil demais, tudo o que faziam quando estavam juntos era brigar... E justo nummomento em que ela mais precisava de compreensão. No caminho até o escritório, enquantodirigia, lembrou das palavras de Lorena e sua analogia, do telefone e a ligação celestial, e seperguntou se não era hora de fazer a ligação, afinal estava sozinha com um bebê na barriga; Deusnão se importaria de atendê-la desta vez, não? Mas então desistira, acreditando ainda ter forçaspara lutar sozinha mais um pouco...

E agora... A resposta estava ali. Um emprego que parecia ter caído direto do céu no momentoque ela mais precisava. Talvez as coisas funcionassem assim, afinal. Talvez a conexão nãoprecisasse ser verbal, reflete.

— Eu só preciso ter mais fé — murmura ao mesmo tempo que sente as lágrimas encheremseus olhos.

— O que disse, bambina ? — Vincenzo pergunta lançando um arquear de sobrancelhas nadireção do amigo diretor.

— Estava pensando alto. — Sorri acanhada. — Obrigada, vocês dois estão sendomaravilhosos — diz emocionada.

— A estrela aqui é você, nós que temos de agradecê-la — Marcos assegura. Então se levantae começa a organizar sua escrivaninha, dando o assunto por encerrado.

— A gente só precisa registrar esse momento, amici. — Vincenzo retira o celular do bolso efaz um sinal para que Marcos se aproxime.

Precisamos? Luana se pergunta, pensando nas olheiras e no rímel escorrido.— Falou o especialista em marketing digital — Marcos Mendes assente. — Tem razão,

precisamos deixar o povo curioso. Venha, Luana!Um segundo depois Vincenzo posta a foto dos três no Instagram com a legenda: “Vem

novidade boa por aí”.Luana se despede deles com a frase dançando na cabeça. Se desejasse de todo coração,

chegaria em casa e encontraria tudo resolvido? Resgataria a antiga relação que tinha comCristian?

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Apesar de toda a alegria em finalmente ter sua vida se encaminhando no meio literário, o

sentimento de vazio volta com força total quando se aproxima da mansão. Pensar que ali fora seuverdadeiro lar nos últimos meses, ao lado do amor de sua vida, e que agora tudo não passa delembranças, a deixa deprimida.

Assim como combinado, Margarida deixou suas malas na garagem.Sem querer prolongar o momento, desce do carro e ajeita seus pertences no porta-malas

tentando não sucumbir à dor que lhe aperta o coração.Luana procura Margarida na cozinha e na sala, como não a encontra, sobe para o andar de

cima, disposta a deixar o anel de noivado em algum lugar onde Cristian possa encontrar.Ao chegar ao quarto, porém, a dor ameaça sufocá-la. Cristian está deitado, dormindo de roupa

e calçado; parece ter desmoronado ali. Fazendo o mínimo de barulho possível, se aproxima dacama e senta na beirada, tão perto dele que pode sentir sua respiração. Lágrimas silenciosasdeslizam pela face. De repente, se dá conta de que não faz o menor sentido se separarem, existeamor suficiente entre eles para colocar tudo em ordem novamente.

Com dedos trêmulos, Luana o acaricia no rosto. Está na hora de mandar todos seus temorespelos ares e contar a ele a verdade.

Quando Cristian se remexe na cama, ela trata de secar as lágrimas rapidamente. Ele aperta osolhos, confuso, então senta na cama como se acabasse de levar um choque.

— Cris... E-eu — Luana começa a gaguejar. Não consegue encará-lo, as mãos tremem tantoque ela sente a vibração nos braços.

— Você não precisa dizer mais nada, Luana — Cristian a corta, a voz meio rouca pelo sono,o cabelo bagunçado, os lábios rosados... Luana nunca o vira mais sexy antes. — Tem coisas que

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não precisam de explicação.Ela sabe que não está diante do Cristian apaixonado que a pedira em casamento, sua voz está

repleta de mágoa e censura.— Eu...— Não, Luana, não diga mais nada. Nos últimos dias você me deu pistas suficientes para que

eu a deixasse ir sem maiores problemas, mas o idiota aqui continuou forçando a barra... — Eledá um risinho forçado.

— Do que você está falando? — quer saber meio brava, meio chocada.— Que não precisa mais ficar inventando desculpas. Nós dois sabemos que acabou, portanto,

é melhor você sair da minha casa antes que a imprensa comece a importunar minha vida... Nãovou bancar o corno da história outra vez, ok?

— Tem certeza de que você acordou? Sim, porque eu acho que está variando, só pode! —reage indignada.

— Esse joguinho não vai colar comigo, tá legal? É melhor você voltar para o seu italianometido a besta e me deixar em paz — conclui levantando da cama respirando feito um leão feroz.

Luana balança a cabeça, os dentes cerrados de raiva. Como ele pode julgá-la dessa maneirasimplesmente porque a viu com Vincenzo? Jamais esperaria essa atitude dele.

— Vincenzo está me apoiando num projeto muito importante pra mim, só isso. Será que émuito difícil de entender? — vocifera levando a mão ao ventre automaticamente.

— Ah sim, e o Papai Noel em pessoa me convidou para ir visitá-lo na Finlândia, dá praacreditar? — retruca ironicamente. — É melhor você ir agora — completa diminuindo o tom devoz.

Luana o encara perplexa, mas não diz nada e sai do quarto anestesiada. Não sabe nem comoconseguiu descer as escadas. Quando se dá conta está dirigindo estrada afora, sem rumo certo.Nos alto-falantes, a voz tristonha de Shakira embala seu momento de fossa outra vez.

Tú me abriste las heridasQue ya daba por curadasCon limón, tequila y salUna historia repetidaSolamente un déjà vu

Que nunca llega a su final...

¿Quién puede hablar del amorY defenderlo?

Que levante la mano, por favor

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¿Quién puede hablar del dolor?Pagar la fianza

Pa' que salga de mi corazónSi alguien va a hablar del amor

Te lo aseguroEsa no voy a ser yo.

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Luana tem o olhar perdido na caixinha aveludada onde o belo anel de noivado foi deixado no

dia em que Cristian a enxotou de sua vida, dois meses atrás. Desde então, ela não tivera temponem cabeça para raciocinar e entregar-lhe o símbolo que já significara o amor de ambos, nopassado.

As lágrimas deslizam devagar enquanto guarda a carne no forno e apaga as velas de cima damesa antes de ir para a varanda, onde se senta na velha cadeira dobrável. Através da poucaluminosidade, ela olha para os vasos de planta vazios, com terra seca ao fundo, se recriminandopor ainda não ter ajeitado o local, é o mínimo que poderia fazer para mostrar a Margarida oquanto é grata por tê-la deixado ficar ali. A verdade é que não tivera tempo para absolutamentenada desde que se mudara. Foram dois meses intensos em que passara o tempo todo focada noseu livro, em campanhas de divulgação e concedendo entrevistas; não conseguira sequer visitar ainstituição de caridade que ajudara a reconstruir.

Cansada, alisa a barriga, que está apenas levemente crescida, algo totalmente imperceptívelpara quem não tenha conhecimento de sua gravidez. Perdera a chance de ter revelado toda averdade à Cristian da última vez que estiveram juntos, agora, a cada dia que passava, via suacoragem escoar pelo ralo.

— Pelo menos, ele sabe que foi injusto comigo — murmura para si mesma.

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Logo que deixara a mansão, chegou à casa de Margarida, se atirou na primeira cama queencontrou e chorou por dois dias a fio. Gabriele descobrira seu paradeiro, após ter enchido apaciência da pobre Margarida, e surtou ao vê-la sozinha, em um lugar afastado da cidade enaquele estado de autocomiseração.

— Me nego a vê-la chorando dessa maneira por uma pena que você mesma se sentenciou —havia dito irritada. Mas, contrariando o tom de suas palavras, tratou de levantar a amiga e levá-laà sala onde a obrigou a tomar um suco gelado.

— E por que você acha que estou nesse estado? Será que é por que estou ciente da merdatoda? — reagira chorosa.

— Só que agora já chega. Que bom que sabe que fez uma merda gigante ao abandonar o amorda sua vida... Agora, se acha que consegue consertá-la volte lá e faça isso, mas se acha que nãoconsegue, já está mais do que na hora de levantar a cabeça e seguir adiante, ok? — Gabriele aencarou com seriedade.

— Eu sei, é o que pretendo fazer, só me dá um tempo — Luana mudara o tom de voz, pareciadeterminada.

— Acontece que você não tem tempo. Meu afilhado precisa que a mãe dele esteja forte paraenfrentar as coisas com coragem, como a guerreira que ela é — diz, de maneira suave, enquantoacaricia o ventre da amiga.

— Não é nada fácil quando se tem acusações gravíssimas pesando nas costas, Gabi.— Vincenzo e eu fomos chamados para depor. Amanhã estaremos diante do delegado

comprovando tudo o que você já disse em seu interrogatório, fique tranquila.— Sinto muito que tenham que passar por isso.— Não, eu é que sinto muito por você ter sido enganada por uma piranha ciumenta e mal-

amada! — manifestou-se enraivecida. — Giovane me contou sobre ela.— Mas agora eu tive a sorte de encontrar você...As duas se abraçaram e foi através do imenso carinho transmitido naquele abraço que Luana

entendeu que jamais sucumbiria enquanto pudesse contar com pessoas como GabrieleDamasceno.

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Naquela mesma semana, após ouvir o depoimento de todas as testemunhas, o delegado, emparceria com a equipe de investigadores de Caxias do Sul, chegara a conclusão de que não havianenhuma prova concreta que incriminasse Luana. Depois disso, bastara uma pequena pressãopara que Mari confessasse toda a verdade: agira por despeito e porque com essa ação conseguiriapegar um bom dinheiro para si e o namorado, também envolvido no crime.

Como Luana já esperava, porém, nenhum dos dois foi preso. Ela por ser ré primária e ele porapresentar em sua defesa um documento confirmando problemas psicológicos.

Luana se conformara com o fato, típico da justiça brasileira. O importante era ter sidoinocentada.

Devido a toda situação envolvendo seu nome, a mídia caíra em cima de si. Todos queriamsaber sobre seu passado, presente e planos para o futuro. Dera infinitas entrevistas na casa deGabriele e posara para inúmeras fotos. Repetira um milhão de vezes que o rompimento com oator Cristian Fedrizzi nada tinha a ver com a infundada acusação... E outras milhões de vezes quenão, não estava namorando o italiano Vincenzo Dalla Vecchia, o envolvimento deles erapuramente profissional.

As especulações, porém, continuaram. Isso porque Vincenzo decidiu ficar um tempo noBrasil cuidando pessoalmente da carreira de Luana até que o livro fosse lançado. A mídia não osdeixava em paz, mas, segundo Vincenzo, esse era o marketing gratuito que eles mais precisavamno momento. Sendo assim, não houve um único evento badalado onde Luana e Vincenzo nãoestivessem juntos, espalhando aos quatro ventos o iminente lançamento do seu livro de estreia,seguido do filme, que começaria as gravações em breve.

Diante de tanta repercussão, Vincenzo lhe oferecera um apartamento, onde pudesse ter maistranquilidade para fazer os ajustes finais em seu livro. Luana recusara terminantemente. Famanão necessariamente significava dinheiro e ela não se comprometeria sem antes ter certeza deque tinha como pagar cada centavo do que usufruísse.

— Você é orgulhosa demais, bella — a havia acusado.— Apenas precavida — retrucara.

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E hoje fui definitivamente rejeitada. Seca os olhos, mas não adianta, eles voltam a ficarumedecidos por novas lágrimas. Margarida não conseguiu convencê-lo a vir... Estoucompletamente sozinha.

Durante os últimos sessenta dias fora forte, pensando apenas em estar saudável física epsicologicamente para o seu bebê. Sabia que em algum momento teria que contar a verdade aCristian, mas não se sentia preparada. Principalmente depois que ele se tornara o solteiro maisdesejado do pedaço.

Luana não o reconhecia. Notícias do magnífico Cristian Fedrizzi chegavam-lhe a todomomento pelos mais variados meios de comunicação. Ele estava nas redes sociais, nosprogramas de televisão e em revistas, sempre ao lado de mulheres tão exuberantes quanto ele.Nunca a mesma.

— Você o abandonou e ele está tentando esquecê-la do mesmo modo que a maioria doshomens faz — Margarida lhe dissera no dia anterior, quando a veio visitar.

— Não o abandonei, ele me mandou embora — Luana retificou.— Após você ter terminado o noivado precipitadamente.— De qualquer forma, ele me esqueceu bem rápido, não? — O ressentimento era quase

palpável.— Da mesma maneira que você — Margarida a culpou sem piedade. — O Cris a acusou de

estar enganando ele com o italiano e o que você fez? Passou a andar para cima e para baixo como dito cujo, confirmando as piores suspeitas do seu noivo. Como queria que ele reagisse?

— Vem cá, Margarida, você está do lado dele, é isso? — reagira furiosa.— Não estou do lado de ninguém. O que mais quero é que fiquem juntos, só isso. Mas vocês

dois são tão teimosos que não conseguem perceber que só estão perdendo tempo longe um dooutro. Ele te ama do mesmo modo que você o ama, são dois idiotas! — Balançou a cabeçacontrariada.

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— Ele disse que ainda me ama? — Os olhos de Luana brilharam, a esperança renascendoapesar de todo ressentimento.

— Você não é mais uma adolescente, sabe perfeitamente bem que ele te ama — Margaridarespondeu revirando os olhos.

— É... Eu acho que sei, mas... — Não queria contar a Margarida sobre a gravidez.Provavelmente ela não teria a mesma postura da mãe de Cristian. — Agora ele começou a saircom Marcela. Com Marcela! De todas as mulheres no mundo, escolheu sair com a ex. Pra mimisso é imperdoável, Marga. Só pode significar que ele nunca a esqueceu. — Quando vira umafoto dele e a ex numa revista de fofocas, na semana anterior, havia sentido uma dor quase física.Pareceu-lhe a confirmação de que de fato não havia mais volta para eles.

— Isso é o que mais me preocupa, querida. Aliás, foi por isso que vim aqui. — As expressõessérias não deixavam dúvidas sobre sua real preocupação. — Marcela é astuta e ardilosa feito umacobra, pode voltar a manipulá-lo agora que ele está vulnerável.

Luana baixou a cabeça, refletindo sobre o que diria a seguir. Pensar era uma coisa, verbalizarera outra bem diferente.

— E se eu for a errada dessa história, Marga? — Torceu as mãos nervosamente. — Você queé sempre tão conservadora, fiel aos seus princípios, não acha que estou pagando pelos meuserros? Que Marcela é a matriz enquanto eu sou a cachorra?

— Nunca aprovei o fato de você e o Cris estarem juntos antes de se casarem, você sempresoube disso — ela começara a dizer, procurando as palavras cuidadosamente. — Mas não souburra a ponto de não torcer pelo verdadeiro amor, que na minha opinião é algo raro e sagrado.Marcela nunca o amou e, mais tarde, ele descobriu que a relação dos dois não passava de umcapricho. Enquanto que vocês dois sim se amam, até um cego consegue ver isso.

— Então por que Marcela o quer de volta? E por que ele a aceitou de volta em sua vidadepois de toda a humilhação que ela me fez passar? — Era mais um desabafo, não esperava queMargarida fosse responder.

Mas ela respondeu:— Marcela tem mil motivos para querê-lo de volta, querida. A fama, o dinheiro, a

comodidade... e principalmente para curar o ego ferido. Quanto ao Cris...— O que tem ele? — apressou-se em perguntar.— Ele sabe que você odeia Marcela, meu bem.— E?— Temo que esteja fazendo isso somente para atingir você.— Não sei... Às vezes penso que o perdi por não ser merecedora desse amor — Luana

segredou-lhe.— Se não fosse merecedora, ou melhor, se vocês dois não fossem, Deus não os presentearia

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com esse serzinho que se desenvolve dentro de você, Luana, pense nisso.— O-o quê? Mas... co-como você sabe? — a surpresa fez com que começasse a gaguejar.— Dona Júlia me contou e implorou para que eu não dissesse nada ao filho e nem a você,

pois não queria que perdesse a confiança nela. Mas, diante de tudo isso, não posso ficar debraços cruzados.

Luana sorriu e balançou a cabeça. Então, dona Júlia não revelou nada ao filho, mas não seimportou em contar seu maior segredo para a empregada dele, que o amava e o protegia quasecomo se fosse seu filho biológico!

— Você precisa contar a ele, Luana. Não deixe que o orgulho os cegue a ponto de privarem ofilho de vocês de ter um lar de verdade... Isso sim é pecado — reforçou levantando-se.

— Tenho medo que seja tarde demais, Marga. — Luana levantou-se também.— Nunca é tarde para ser feliz, querida — filosofou antes de encaminhar-se para a cozinha

disposta a preparar um jantar especial para elas.— Você daria um recado a ele? — Luana se enchera de coragem.A resposta de Margarida foi o maior sorriso do mundo.

Enxugando os olhos mais uma vez, Luana olha para o relógio do celular, que marca duashoras da madrugada. É hora de ir para o quarto tentar dormir um pouco se quiser estarminimamente apresentável no lançamento de seu primeiro livro.

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São cinco horas da tarde. Luana dá uma última olhada no espelho e não gosta do que vê. A

bolsa de gelo que mantivera nos olhos ao longo do dia não fora capaz de suavizar a sombraescura ao redor deles, provocada pela noite maldormida.

Não é certo, não tem que ser assim, pensa. Aquele deveria ser um dos dias mais felizes de suavida, o dia do lançamento! A melhor livraria do Rio está pronta para recebê-la dali poucas horas.Centenas de fãs (e outras centenas de curiosos) já confirmaram presença. A mídia em pesoregistrará cada reação sua! É o seu dia! A sessão de autógrafos esperada por ela desde a épocaem que digitava freneticamente entre o atendimento a um cliente e outro, no sebo.

No entanto, o desânimo que a preenche não combina nem um pouco com a festa que aaguarda. Culpa do homem que mais amo nesse mundo, que ironia!

Gabriele já havia ligado cinco vezes prometendo arrancar-lhe todos os dentes caso ela nãoestivesse dentro de uma hora, no salão combinado, onde fariam juntas cabelo e maquiagem.

Já dentro do carro, suspira, talvez pela milésima vez naquele dia. Dá uma conferida no bancotraseiro. Quando se certifica de que o vestido e a sandália que usará à noite estão ali, dá partidano carro, prometendo a si mesma esquecer, pelo menos por aquela noite, que já não existe maisesperança para a família maravilhosa que tanto idealizou.

É quando sente um movimento diferente no ventre. Um gritinho lhe escapa dos lábios e elasolta uma das mãos do volante para acariciar a barriga. É a primeira vez que seu bebê chuta e,nem mesmo a certeza de que seus olhos ficarão ainda mais inchados, a impede de recomeçar ochoro.

— Você não concorda com isso, não é, meu amor? — sussurra entre soluços. — Só possoprometer que serei a melhor mãe do mundo, anjinho.

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Seca as lágrimas com as costas das mãos e ganha velocidade, decidida a não decepcionarmais ninguém. Gabriele, Lorena, Margarida, Marcos Mendes e Vincenzo ficarão orgulhosos delanaquela noite.

— Meu Deeeeeus! — grita em pânico ao fazer uma curva e visualizar o cachorro queatravessa o asfalto numa corrida desenfreada.

Não dará tempo de desviar o veículo, ainda assim ela tenta, e então nada mais faz sentido. Ocarro gira no asfalto. E bate contra alguma coisa... Barulho de lata riscando o asfalto. Vidroquebrado... E queda... Luana sente que está despencando, despencando...

— Me ajuda... — pensa estar dizendo, mas a própria voz não lhe chega aos ouvidos. — Deus,cuida do meu bebê...

A última coisa que consegue enxergar é um ser de branco, envolto numa luminosidade quequase cega. Ele estende a mão. Ela agarra com a pouca força remanescente... E o resto é apenasserenidade, conforto e esplendor.

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— Desmancha essa carinha amarga, Marga — Cristian brinca entrando na cozinha, onde a

empregada ajeita as frutas na geladeira. — Você não deveria estar se arrumando para olançamento? — Tenta fazê-la falar.

Margarida o ignora deliberadamente. Guarda o último abacaxi no repartimento inferior, fechaa geladeira e segue rumo ao seu quarto. Cristian a acompanha com um sorriso torto nos lábios.No entanto, antes que ela possa chegar aos seus aposentos, o ator a detém carinhosamente pelobraço.

— Está assim por que não fui conversar com a Luana ontem, não é?— Se você sabe por que pergunta? — responde sentida. — Dei minha palavra de que o

convenceria e você me decepcionou...— Sinto muito por ter pisado na bola com você, Marga. Mas pense um pouco. — Ele a enlaça

pelos ombros e a conduz em direção à sala. — Luana e eu cometemos muitos erros, nosmagoamos demais... Não achei correto simplesmente chegar lá e fingirmos que nada aconteceu.Quero que nosso reencontro seja especial. — Dá um sorrisinho travesso. — Um pouquinho desuspense não faz mal a ninguém, você não acha?

— O que quer dizer com isso? — Margarida muda de postura, agora o brilho nos olhos éintenso.

— Eu vou ao lançamento, Marga — segreda-lhe com aquele sorriso espontâneo queMargarida não vira no rosto dele nos últimos meses. — Sabe aquele pacote imenso que estásobre a poltrona, no meu quarto? É para ela.

A empregada o abraça afetuosamente, sem conseguir conter a empolgação provocada peladeclaração do patrão.

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— Meu bondoso Pai, o Senhor ouviu minhas orações — começa a agradecer empolgada, osolhos fechados em direção ao alto.

— Ele ouviu as minhas também, Marga. — Pisca um olho para ela em cumplicidade.Não dizem mais nada, não é necessário. Ambos sabem da importância dos últimos meses para

todos. Os dois se separam e começam a andar rumo aos seus respectivos quartos a fim dearrumarem-se para o evento que promete muitas emoções.

— Que bom que encontrei você aqui. O jardineiro me deixou entrar. — Marcela está paradaao pé da escada com uma mala em cada lado.

Cristian e Margarida param repentinamente e se entreolham, preocupados. Ela faz menção devoltar, mas ele se apressa:

— Vá se arrumar, Marga. Eu tomo conta da situação.— Tem certeza? — Suas expressões estão fechadas. Cristian quase consegue vê-la

apressando o passo e voando no pescoço de sua ex.— Tenho sim, confie em mim — assegura-lhe.— Cris, querido, precisamos conversar — Marcela começa a dizer quando ele se aproxima.

Em seguida, engancha em seu braço e o arrasta para o jardim.— O que está fazendo aqui, Marcela? — quer saber desvencilhando-se dela.— Não estou tentando forçar a barra, se é isso que está pensando — trata de explicar. —

Acontece que meu apartamento está em reforma. Pensei que pudesse ficar por lá mesmo assim,mas hoje vi que é impossível; a poeira está me matando, então...

— Então? — a incentiva quando ela faz uma pausa.— Queria te pedir um favor gigantesco... em nome dos velhos tempos... Será que eu poderia

ficar alguns dias aqui na sua casa?Cristian bagunça os cabelos num gesto nervoso. Não pode sequer culpá-la. Quando aceitara ir

a dois ou três eventos com a ex-mulher sabia que estava abrindo precedentes para aquele tipo desituação, mas estivera tão infeliz e enciumado que não medira as consequências, só queria ferirLuana.

— Marcela, olha só — começa a dizer calmamente, escolhendo cada palavra.— Por favor, querido, são só alguns dias...— O problema não é esse... Você não pode ficar aqui porque não é certo, entende?— E por que não é certo? — Finge não entender aonde ele quer chegar, mas Cristian pode

jurar que ela sabe perfeitamente a que ele se refere.— Luana e eu nos amamos.Ela revira os olhos.— E eu estou disposto a fazer o que estiver ao meu alcance... e além... para que ela me perdoe

e aceite se casar comigo.

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— Sua querida Luana está com o italiano, meu bem. Eles falam a mesma língua, trabalhamnos mesmos projetos, são o casalzinho da vez. Não entendo como você, sendo um homem tãointeligente, está se iludindo dessa maneira.

Cristian sente o sangue ferver nas veias, principalmente por concordar com Marcela sobrequase tudo. Vincenzo está tentando se tornar indispensável para Luana. A sua Luana! Se eledormisse no ponto, era muito provável que o cara a levasse embora para a Itália, onde poderiamcomeçar uma vida juntos, sem impedimento algum.

Não, ele não permitirá isso. E o primeiro passo é fazer sua ex-mulher entender que na vidadele não há espaço para ela, talvez nunca houve.

— Esse é um problema meu, Marcela. — As sobrancelhas se unem numa expressão que nãodeixa dúvidas quanto à sua decisão. — Eu tampouco tenho que dividir meus planos com você, sóqueria que soubesse o motivo pelo qual não pode ficar aqui — finaliza.

Marcela controla a respiração na tentativa de manter-se calma. Depois de ver aquela pobreinfeliz longe de Cristian, jurara a si mesma que conseguiria seu posto novamente, principalmenteagora que sua carreira precisava de uma impulsionada com urgência. Não esperava que ele fosserecebê-la daquela maneira.

— Não vamos brigar, ok? Prometo ficar apenas esse final de semana enquanto encontro umhotel bacana — insiste, nem um pouco disposta a se dar por vencida.

— Já sabe a minha decisão, Marcela, não quero ser grosseiro com você — reage irritadoapontando na direção da porta. — Por favor...

Ela sai bufando, batendo os saltos com força no piso da casa.— Você ainda vai se arrepender, isso eu garanto! — assevera ao sair porta afora.— Era só o que me faltava! — Suspira pesado se apressando para o quarto, onde um terno

slim fit azul foi cuidadosamente posto à sua espera.

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Margarida remexe as mãos nervosamente. Ao seu lado, Cristian, mais elegante do que nunca,

a encara preocupado. Tem uma aura de expectativa e mau presságio no ar que ele não conseguedecifrar.

— Está tudo bem? — Força um sorriso na tentativa de tranquilizá-la.— Se você ir mais depressa vou ficar melhor — retruca.Cristian assente, apesar de saber que não poderá satisfazê-la, uma vez que o trânsito está

quase parado.Enquanto percorrem vagorosamente o trajeto até a livraria, Cristian só consegue pensar no

que dizer quando vir Luana. Uma rápida olhada para o banco traseiro lhe arranca um sorrisinho.O presente está sentado quase como se fosse uma pessoa embrulhada em papel dourado.

No entanto, nem mesmo toda a positividade do mundo é capaz de acalmá-lo. Ele quer manter-se sereno, mas pensar que Vincenzo estará lá, a cercando com todo aquele charme queenlouquece as brasileiras, é algo que o corrói por dentro.

E se for tarde demais? Se Luana, mais uma vez, decidir que não podem ficar juntos.E se ela pedir mais um tempo?Pior, se ela confessar que Margarida estava enganada e ela o chamou simplesmente para

devolver o anel de noivado?Dúvidas torturantes como essas dançam em sua cabeça até que, enfim, ele avista a fachada da

livraria onde o tumulto à sua frente o faz deduzir que Luana Fernanda Savaris já é a maisbadalada jovem escritora de todos os tempos.

Não é bem assim.Basta que ele e Margarida desçam do carro para que uma chuva de repórteres o ataque. Com a

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visão periférica, enquanto tenta se esquivar, ele vê Margarida voltar apressadamente para dentrodo carro com olhar assustado.

— Cristian, só uma palavrinha, por favor. Você pode nos dizer qual o real estado de saúde dasua ex-noiva? — A repórter, usando camisa com a logo da Rede Mundo, demonstra umnervosismo que está além de sua compreensão.

— Espera, do que você está falando? — questiona quase entrando em pânico, um súbito friopercorrendo-lhe a espinha, comprovando o mau presságio que tivera há pouco.

Outros repórteres se acotovelam falando ao mesmo tempo, disputando entre eles qual dará anotícia ruim primeiro. O ator sente seu interior se agitar em repúdio ao ato.

— Ela sofreu um grave acidente quando se dirigia ao SPA , onde a atriz Gabriele Damascenoa esperava.

Cristian consegue ouvir a voz de um jovem repórter, de calça preta e camisa branca, que sesobressai às outras.

Ele sabe que não adianta questionar. Se todos estão ali à espera de notícias é porque nãosabem nada que possa direcioná-lo naquele momento.

Sentindo a cabeça girar, dá as costas aos repórteres e entra no próprio carro, dando partida aomesmo tempo que digita os números freneticamente no celular. Margarida faz milhões deperguntas, o semblante preocupado, a voz embargada. Cristian, porém, não consegue sequerescutá-la.

— Gabi, pelo amor de Deus, me diga o que está acontecendo com a Lu. — As palavrasjorram atropeladamente antes mesmo de cumprimentá-la.

Gabi funga do outro lado da linha e Cristian sente seu mundo desmoronar num piscar deolhos.

— Eu não sei, Cris. Os médicos a levaram já tem um tempo e não tive mais notícias. —Soluça. — Será que você pode vir pra cá?

— Nem precisa pedir, Gabi, estou indo agora mesmo...— Te passo a localização por mensagem. Tenta despistar a imprensa, por favor.Ao contrário do que Cristian imaginava, Margarida não o questiona. Em vez disso, une as

mãos e chora silenciosamente enquanto faz suas orações.O trânsito antes quase parado, agora parece ter estagnado de vez.Quando ele finalmente chega à recepção do hospital, está tão tenso que precisa se controlar

para não explodir com uma enfermeira que parece mais interessada em seu bíceps do que em lhepassar as informações sobre Luana.

— Será que você pode agilizar um pouquinho, moça? — A voz sai com dificuldade.— Desculpe, mas, segundo as regras do hospital, só posso dar informações aos parentes da

paciente — responde, jogando os cabelos para trás tentando sensualizar.

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— Escuta aqui, eu sou o noivo dela, como você deve saber, então...— Você não é nada dela, caro , portanto, controle-se antes que eu exija que os seguranças o

retirem daqui.A enfermeira lança um olhar igualmente desejoso na direção do italiano, que encara Cristian

com uma postura ofensiva.— Quem você pensa que é para falar comigo nesse tom? — A impaciência é substituída pela

raiva, que toma proporções gigantescas.— Eu sou o cara que esteve com ela esse tempo todo, enquanto você desfilava por aí,

ostentando atrizes e modelos famosas como se fossem troféus! — o italiano quase cospe aspalavras.

Cristian silencia por alguns segundos, a verdade lhe golpeia a face sem clemência.— Por favor, rapazes, esse não é o melhor momento para resolverem as diferenças de vocês

— Margarida intervém, amenizando um pouco a situação.Felizmente, Giovane aparece amparando a namorada, que intensifica o choro ao ver Cristian e

Margarida ali.— E então? — ele pergunta, a voz embargada diante do estado de Gabriele.— Ninguém nos disse nada ainda, Cris — Giovane conta. — Nós chegamos depois dela e

ficamos sabendo que a ambulância foi chamada por um casal que passava pelo local e viu oautomóvel caído na ribanceira, totalmente destruído... Sinto muito — completa quando percebe obrilho molhado nos olhos do amigo.

— Ela vai ficar bem, querido, tenha fé. — Margarida acaricia seu braço enquanto o conduzpara o divã de couro preto, na sala de espera.

— O que esse imbecil está fazendo aqui? — Cristian suspira fundo, mas novas lágrimas seformam no canto dos olhos.

— Esse “imbecil” cuidou da Lu durante todo o tempo que você estava se divertindo por aí,Cris — Gabi o acusa praticamente repetindo as palavras de Vincenzo. — No momento que elamais precisava de carinho e compreensão, você sumiu porque foi orgulhoso demais paraentendê-la. Se você fosse só um pouquinho menos egoísta teria percebido a verdade que estavabem debaixo do seu nariz.

— Qual verdade? — Cristian a instiga dividido entre o ressentimento e a curiosidade.— Parem com isso, por favor! — é a vez de Giovane interferir, lançando um olhar de

repreensão à namorada.O clima continua tenso nos próximos minutos e só se abranda com a chegada de dona Júlia,

que estava a caminho do lançamento quando recebeu a mensagem de Margarida avisando sobreo ocorrido.

O costumeiro bom humor não está presente na elegante senhora quando ela encontra com o

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resto da turma na sala de espera. Em seu semblante, a preocupação e o sofrimento são visíveis.— Como eles estão, querido? — pergunta abraçando o filho carinhosamente.— Não sabemos nada e essa espera está me matando, mãe — confessa soltando o ar com

força. — Mas ela estava sozinha no carro... — explica limpando o canto dos olhos.Dona Júlia balança a cabeça quando se dá conta de que Cristian ainda não tomou

conhecimento da gravidez.O silêncio se instala no ressinto, quebrado apenas pelos passos da senhora que corta a sala

várias vezes num gesto contínuo.— Não vou continuar omitindo a verdade de você, Cristian. — Ela para de andar

abruptamente e se dirige ao filho com determinação.Margarida esboça um sorrisinho enquanto Giovane e Gabriele balançam a cabeça em

recriminação. E Vincenzo, que apareceu do nada, e está recostado no batente da porta, assiste acena com curiosidade.

— Por que todos estão agindo como se soubessem de algo que ainda não sei? — Levanta-se epara diante da mãe, disposto a saber de uma vez por todas o que eles escondem, por maisdoloroso que possa ser. — A Lu está correndo risco de morrer, é isso? — indaga, a voz baixandoaté se tornar quase um sussurro.

A pergunta fica no ar com a entrada do homem alto e robusto, usando jaleco branco.— Bendito seja Deus! — Margarida levanta de um salto e quase ataca o médico.— Como a nossa menina está, doutor? — dona Júlia quer saber puxando-lhe o jaleco num

gesto automático de puro desespero.— Diante da gravidade do acidente, podemos considerar um milagre que ela e o bebê tenham

sobrevivido — confessa.Cristian começa a se afastar andando de costas, até sentir que está perto o suficiente do divã,

onde despenca desajeitadamente e enterra as mãos nos cabelos, a cabeça atordoada pendendopara baixo.

— Ela ficou desacordada por muito tempo e não tínhamos certeza do que esperar, além dasfraturas...

— Fraturas? — Gabriele questiona.— O pé da paciente ficou prensado e fraturou em dois lugares. Fora isso, foram apenas alguns

arranhões no rosto e nos braços. — Apesar da situação ser delicada, o alívio no semblante detodos é visível.

— Já podemos vê-la? — Vincenzo se apressa em perguntar. É o suficiente para que Cristianerga a cabeça fulminando-o com o olhar. Aquela pergunta deveria ter sido dele, não do idiota queestá se aproveitando de um momento de fragilidade da sua noiva.

— Ela está sedada e precisa descansar. Quando acordar, vou liberar as visitas — responde

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antes de acenar com a cabeça e deixar o local.— Graças a Deus, a Lu está bem — Gabriele desabafa, mas não se sente totalmente aliviada,

pelo contrário, uma nuvem de culpa nubla tudo ao reparar em Cristian.— Não consigo acreditar que vocês foram capazes de fazer isso comigo. — Incapaz de

manter-se sentado, ele levanta, ignorando Vincenzo e indo parar diante de Giovane, o dedo emriste, o rosto pálido. — Até você sabia, Giovane. A minha própria mãe estava sabendo e não sedignou a me contar! — A mágoa pontua cada uma de suas acusações.

Eles começam a falar ao mesmo tempo. Cristian, porém, deixa a sala de espera com passosdecididos, sentindo que se não sair dali vai ter uma síncope.

No elevador, imagens de Luana, com o rosto preocupado, dizendo-lhe que sua vida haviavirado de cabeça para baixo, voltam-lhe à mente tendo o efeito de um punhal afiado acertando-ouma, outra e outra vez.

— Eu fui um idiota! — balbucia para si mesmo um segundo antes da porta se abrir.Pouco depois, Giovane o encontra na lanchonete. Ele parece aliviado em vê-lo.— Por que ela não queria que eu soubesse? — questiona quando o advogado senta à sua

frente.— São muitos porquês, meu amigo. O que você precisa levar em consideração é que Luana é

órfã, portanto, não podia contar com o apoio da mãe ou do pai. Para piorar, um dia antes de saberque estava esperando um filho seu, você insinuou que ela teria forjado o próprio sequestro.Como acha que a Aninha se sentiu?

— Ela deveria ter me falado, vocês todos deveriam ter me contado! — reage indignado.— Ela tentou, Cristian. Pediu um tempo para colocar a cabeça no lugar. Ela só precisava

desse tempo para digerir a ideia de que seria mãe de um filho, cujo pai é o homem que esteve emseus sonhos mais malucos, desde a adolescência. Mas, então, o que você fez? Sim, a mandouembora da mansão depois da audiência...

Unir as pontas soltas não o faz se sentir melhor. Pelo contrário, conforme as peças do quebra-cabeça vão se encaixando ele vai se sentindo cada vez mais perdido.

— Por isso os enjoos, os desmaios... E eu a acusei de estar saindo com Vincenzo quando nãoquis me contar qual era o seu segredo — comenta quase como se falasse consigo mesmo.

— Ela também estava convencida de que você não queria ter filhos e a acusaria de ter seaproveitado da situação para amarrá-lo definitivamente — Giovane confessa sentindonecessidade de deixar tudo às claras agora que o amigo já sabe a verdade.

Cristian balança a cabeça em negativa. Dói muito saber que Luana preferiu esconder agravidez dele por medo de ser rejeitada. Será que jamais conseguiria convencê-la dagrandiosidade de seu amor?

— Eu a amo como nunca amei outra mulher na vida, Giovane — confessa emocionado. —

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Como ela pode pensar, por um segundo sequer, que eu não ficaria feliz com essa notícia?Giovane suspira antes de responder:— Talvez não tenha sido isso, Cris. Depois de tudo o que houve entre vocês, talvez Aninha

tenha ficado com medo de jamais saber se o que o unia a ela era o amor ou apenas o seu devercomo pai...

— Eu estava indo ao lançamento disposto a pedir perdão e implorar, se necessário, mesmocorrendo o risco de ser rejeitado por ela e ridicularizado por aquele italiano metido a galã...

— E você não sabia do bebê — Giovane finaliza a frase com um sorriso cúmplice no belorosto. — Agora, chega de ressentimentos. Tudo o que fizemos foi respeitar a decisão da Aninhaem relação a algo que dizia respeito apenas a ela naquele momento.

— Ainda me incomoda que tenham feito isso — replica. — Mas acho que consigo superarporque a notícia de que serei pai faz todo o resto perder o sentido. — O semblante antes fechadoestá iluminado, acompanhado de um sorriso deslumbrado, como se sua ficha só tivesse caídoagora.

— Então, vamos subir. — Levantam-se ao mesmo tempo, mas antes que comecem a andar,Giovane detém o amigo. — Luana está passando por um momento delicado, chegou a hora devocê ser o maduro da história, já chega de tantas cabeçadas, não?

Cristian sorri, mas não diz nada. Se antes estava determinado a reconquistá-la, agora, mais doque nunca, faria qualquer coisa para que finalmente fossem uma família unida, feliz e bemestruturada.

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Luana acorda de um sono profundo, imediatamente reconhecendo o lugar onde está. Perceber

que está deitada em uma cama hospitalar, porém, não a assusta. Apesar de ter passado as últimashoras dormindo, as lembranças do acidente são bem nítidas em sua cabeça, bem como as vezesem que acordou e ouviu as declarações de médicos e enfermeiras cujos nomes, esses sim, lheescaparam facilmente.

No entanto, a lembrança mais impactante é a do anjo que a amparou durante todo o tempo.Fora tão real que ela quase podia senti-lo.

Apesar do incômodo no pé e da dor nas costas, todo o resto lhe parece bem, como há muitonão parecia. Saber que seu filho encontra-se em perfeito estado e o acidente em nada o afetou éseu maior motivo para agradecer.

Está acariciando a barriga quando a porta do quarto se abre lentamente. Ela não esperava vê-lo ali, mas sua presença também não lhe causa estranheza. É como se ambos estivessemexatamente onde deveriam estar.

O sorriso é espontâneo. Ambos parecem estar ligados por um ímã invisível, mas poderoso.— Como você está? — A pergunta soa natural, como se tivessem se falado pela última vez

ontem.— Feliz em vê-lo aqui. — Não há motivos para negar. — Mas é estranho pensar que quase

tive que morrer para ser digna da sua presença. — O tom é de brincadeira, não de acusação, masCristian fica sem graça e desvia o olhar, tentando não mandar o bom senso pelos ares, tirá-ladaquela cama e carregá-la para casa até convencê-la de que o filho que ela está esperando já é ocentro de seu mundo.

— E-eu sinto muito se passei a impressão errada, Lu — diz se aproximando até alcançar uma

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de suas mãos e acariciá-la. — Não fui à casa da Marga ontem porque...— Você não precisa explicar, Cris. — Ele faz menção de falar, mas Luana aperta sua mão

impedindo-o de prosseguir. — E sabe por quê? Porque não importa o que você me disser agora,vou lutar pelo seu amor pelo resto dos meus dias. — Um brilho molhado surge em seu olhar.Outra vez, Cristian abre a boca para falar e, desta vez, ela o silencia encostando o dedo em seuslábios, os únicos que ela deseja beijar todos os dias, até o fim. — Shhh... Enquanto estive aquimeio acordada, meio dormindo, pude refletir sobre tudo, sobre minha vida antes e depois devocê. Acabei lembrando as palavras de Margarida, cada uma delas, e cheguei à conclusão deque, sim, Deus me deu o maior presente do mundo para mostrar não apenas que Ele está comigoo tempo todo, eu acreditando ou não, mas também que Ele abençoou a nossa relação.

Cristian abre um sorriso daqueles que ela tanto sentiu saudade, daqueles que fazem seucoração galopar pelo caminho da felicidade... O sorriso que faz seu mundo ficar mais colorido.

— O nosso filho — sussurra abaixando a cabeça até encostar em seus lábios onde pousa umbeijo, e outro, e outro.

Quando se afasta, Luana o segura pelo paletó para que ele não se distancie muito; éreconfortante sentir seu perfume outra vez.

— Me desculpe por não ter contado antes...É a vez dele silenciá-la, só que com mais um beijo.— Não vamos falar disso agora. Nós dois cometemos erros, nos machucamos... Mas saímos

dessa com uma grande lição e o mais importante... — A alegria no semblante dos dois ilumina oambiente. — O período turbulento pelo qual passamos nos fez entender que nossa vida é regidapor um ser supremo, que nos conhece muito melhor do que possamos imaginar, e nos reserva omelhor, por mais que, muitas vezes, não consigamos entender os meios...

— Uau, isso foi profundo. Devia gravar e postar no Instagram — Luana brinca para disfarçara emoção que ameaça despencar em forma de lágrimas torrenciais. — Com você vestido assim,pode apostar que viralizaria.

— Gostou da roupa? Eu estava indo no seu lançamento — sussurra próximo ao ouvido dela.— Cris — ela já não consegue mais conter a emoção.Cristian a abraça, meio desajeitado pelos apetrechos à volta deles, mas não importa. Não

importa mais nada desde que se reencontraram.— Eu te amo, Joaninha. — Cristian levanta carinhosamente seu queixo para que os olhos de

ambos fiquem no mesmo nível. — E também amo o nosso filho de uma maneira que sequerconsigo expressar. — Os olhos dourados refletem emoções que ela jamais vira antes.

— Eu sei — responde, mas a voz não sai. A sinceridade estampada em seus olhosumedecidos faz com que as nuvens negras dos últimos meses sejam sopradas para tão longe quese torna impossível localizá-las.

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Então eles se beijam, completamente envolvidos num caleidoscópio de emoções. Sequerpercebem que, da porta, Gabriele presenciou a cena toda, registrou o momento e postou em suasredes sociais a foto com a legenda: “O sol sempre brilha depois da tempestade”.

Ela encosta a porta e sai de fininho com um sorriso contente iluminando seu semblante.— Também amo você, Cris — Luana sussurra quando se afastam. — Não tenho nenhuma

dúvida de que nossa filha vai crescer cercada de muito amor.— Filha? — A voz aumenta quase a ponto de se tornar um grito. — Meu amor, que notícia

maravilhosa! — exclama extasiado.— O médico me contou ainda há pouco — explica sorrindo. — Nós seremos pais de uma

linda menina.— Não deveria ser uma surpresa pra mim — ele confessa sorrindo abertamente quando Luana

franze a testa sem entender. — Acho que o destino estava tentando me avisar qualquer coisa...— Do que você está falando? — Ela se posiciona melhor na cama, recostando-se no

travesseiro.— Espera um segundo.Ele sai do quarto, deixando-a na maior expectativa. Cinco minutos depois está de volta

segurando um pacote de presente gigante.— Mas... O que... — começa a gaguejar ao vê-lo se ajoelhar ao lado da cama hospitalar.— Luana Fernanda Savaris, minha eterna Joaninha, você aceita ser minha esposa para todo o

sempre? — Com determinação, ele abre o pacote descobrindo totalmente uma boneca Ladybugde pelúcia, em tamanho real.

Luana começa a rir e chorar ao mesmo tempo.— Não acredito que você fez isso! Ela é... maravilhosa... Incrível... O símbolo do nosso

amor... Mas... — Seu semblante adquire expressões de riso. — Nossa filha não vai me deixarficar com ela...

— Por isso mencionei que o destino me lançou algumas indiretas. Mandei fazer a bonecapensando em você, mas, na verdade, ela pertencerá à nossa filhinha — diz, piscando para anoiva. — Mas... você também pode ficar com ela se aceitar meu pedido.

— Seu bobo, é claro que eu aceito o seu pedido. Aliás, com o mesmo amor que aceitei daprimeira vez. Quero ser sua mulher, quero estar ao seu lado nos bons e maus momentos. Queroque sejamos uma linda família... E quero que isso aconteça o mais breve possível.

Cristian não precisa de incentivo maior do que aquele. No instante seguinte a toma nosbraços, literalmente. A retira da cama com cuidado para não bater o pé imobilizado e a segura deencontro ao peito. Senta na poltrona ao lado da cama e ficam assim, um sentindo as batidas docoração do outro.

Há momentos em que palavras são desnecessárias porque o amor se manifesta no silêncio de

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um olhar, no brilho de um sorriso, no suspiro incontrolável de um ser apaixonado ou num gestode carinho...

Aquele é um momento assim.

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A pequena capela está lindamente decorada; candelabros iluminam o local dando ao ambiente

uma aura de irrealidade, parece cena de um filme.Luana e Cristian se entreolham e é o suficiente para que ela acorde, se convencendo de que

sim, tudo aquilo é real. É o dia do seu casamento com o galã que deixou de ser seu ídolo para serseu companheiro, amigo, confidente e, a partir de hoje, marido.

A fazenda, que já serviu como cenário de novelas de época da Rede Mundo, fora fechada parareceber os convidados do casal. A mídia acreditava plenamente que Luana não se casariaenquanto estivesse com a bota imobilizadora. Era tudo o que ela e Cristian precisavam para darseguimento aos seus planos de um casamento íntimo.

O pastor Rômulo, agora diante do altar, ficara estupefato ao receber o convite. Margaridativera que interferir e, por fim, convencera o amigo de que ele era a pessoa ideal para a ocasião.Os noivos já imaginavam que, quando os canais de fofoca tomassem conhecimento, detonariamo casal... Ou diriam tratar-se de uma extravagância. Não importava. Depois de ficarem sabendoque, durante todo aquele tempo em que estiveram separados, o pastor da pequena igreja ondeMargarida congregava intercedera pela vida de ambos, Cristian e Luana acharam justo que elecelebrasse aquela união.

Cristian olha para a noiva e pisca um olho charmosamente. Ela está radiante! Como todanoiva e além! Sim, porque um serzinho, cujo rosto eles sequer conhecem, faz com que tudoganhe um brilho especial.

Luana sorri de volta. O pequeno suspiro movimenta o vestido perolado, que reluz devido àspequenas pedrinhas bordadas no busto.

— Diante de Deus e de todos os convidados, eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a

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noiva! — o pastor proclama em alto e bom som.Margarida e dona Júlia se entreolham reprimindo o choro, ao contrário de Gabriele, que dá

vazão às lágrimas sem se preocupar em borrar a maquiagem. Giovane começa a assoviar,fazendo gracinha com os noivos, sendo acompanhado pelos amigos de Cristian, os mesmos queLuana conhecera no Bar do Édi, quando chegara ao Rio.

Lorena sorri radiante e atira um beijo para a amiga, que retribui.Marcos Mendes e a esposa aplaudem calorosamente, ele tão orgulhoso como se fosse o pai da

noiva.Mais atrás, Vincenzo balança a cabeça em negativa. É hora de admitir que perdeu.E próximo à porta, a moça usando um lindo vestido longo, vinho, limpa uma lágrima

discretamente. Então sorri e, do mais profundo de seu coração, deseja que aquela união sejaabençoada e duradoura.

Os gritos e assovios continuam. Cristian enlaça a esposa pela cintura e a beija nos lábios, algoque ele desejara fazer desde o momento em que a vira entrar na capela naquela noite.

— Pra sempre — diz quando se afasta.— Pra sempre! — ela repete emocionada.

Nem mesmo todos os protestos de Gabriele convenceram os convidados a abrir mão datradição.

Enquanto caminham rumo ao salão da casa grande, onde acontecerá a festa, uma chuva dearroz e pétalas de rosa encobre os noivos, ao som de palmas e gritos eufóricos, seguido deexplosões de fogos de artifício em homenagem aos recém-casados.

O braço de Cristian ainda pousa na cintura de Luana enquanto a mão acaricia seu ventre,mandando uma mensagem silenciosa para a filha, dizendo a ela que o amor, a confiança e orespeito sempre farão parte dos dias daquela nova família. O fotógrafo não perde a oportunidade,com destreza faz um clique perfeito, que provavelmente estampará capas de jornais e revistas nodia seguinte.

Quando estão passando pela porta do salão, a jovem de vestido vinho toca o braço de Luana.Ambas trocam um olhar de cumplicidade, não precisam de palavras. O perdão limpou qualquerresquício de mágoa.

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Ao saírem do hospital e começarem a planejar o casamento, Luana divergira dos gostos donoivo em apenas um aspecto: a presença de Mari no casamento.

Cristian não conseguia aceitar a ideia de que Luana queria trazer para o dia mais importanteda vida deles uma pessoa que tentara destruir a felicidade de ambos por pura inveja. Haviampassado dias discutindo sobre o assunto até que uma noite Luana abriu seu coração. Livrando-sede pretextos, confessara o quanto se sentia culpada por ter abandonado sua melhor amiga quandodescobrira um novo mundo de possibilidades. As coisas estavam maravilhosas para ela; estavajunto do homem que amava, morava em uma mansão, frequentava os lugares mais requintadosdo Rio de Janeiro, seu círculo de amizades era invejável... E Mari? O que sobrara para ela? Umsegredo que deveria guardar a sete chaves e uma amiga que a abandonara? Ela não fora fortepara lutar contra os sentimentos ruins que começaram a perturbá-la. Além do mais, ascircunstâncias a levaram ao ponto de cometer uma loucura para chamar atenção. No fim, elamesmo se entregara à polícia.

— Nunca vou cansar de admirá-la, exatamente por ser assim: especial — Cristian havia ditobeijando-a na ponta do nariz.

Então, haviam dado o assunto por encerrado e separado um convite a mais.

— Vocês foram feitos um para o outro — ela sussurra enquanto abraça Luana, queimediatamente encontra o olhar reprovador e enciumado de Gabriele.

A festa é uma mistura de requinte e simplicidade, vai do caviar ao brigadeiro, do champanheao refrigerante, de Mozart ao reggaeton.

Enquanto dançam na pista, ao som peculiar do porto-riquenho Indiomar (que se mostrou defato um ser iluminado e generoso ao aceitar o convite em cima da hora), após se fartarem dasmais deliciosas sobremesas, Luana puxa o marido pela gravata prata, o olhar malicioso edivertido ao mesmo tempo. Mais um clique perfeito!

— Agora você é meu! — brinca, sussurrando em seu ouvido.

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— E estou ao seu inteiro dispor, Sra. Fedrizzi — revida no mesmo tom.As palavras têm um efeito extraordinário dentro de si. É uma mescla de desejo, felicidade,

empolgação e o maior amor do mundo.Envolvido pela mesma aura de magia, Cristian começa a abaixar a cabeça até encobrir seus

lábios num beijo possessivo e apaixonado.Só algum tempo depois, quando os convidados começam a se despedir, após muita

comilança, fotos e danças malucas, Luana percebe que sua festa de casamento de fato não é nemum pouco tradicional. É quando Cristian confessa que os noivos não deixarão a festa, osconvidados é que farão isso; a fazenda será somente deles pela próxima semana.

Incapaz de dizer qualquer palavra, ela apenas o beija na testa, no rosto, nos olhos, naquelaboca de lábios macios e viciantes.

Vincenzo e Mari vêm se despedir ao mesmo tempo. Basta um olhar mais atencioso para quequalquer um se dê conta de que ambos sairão da festa juntos.

Ele os cumprimenta, deseja felicidades e sai, lançando um olharzinho significativo a Mari.Mari parabeniza Cristian e pede para falar um segundo a sós com Luana. Ele se afasta,

visivelmente contrariado. No mesmo instante, Gabriele se aproxima e fica próximo o bastantepara ouvir a conversa e defender a amiga, se necessário.

— Obrigada por tudo, Lu. Já pedi perdão quando nos falamos por telefone, mas preciso dizerisso olhando nos seus olhos — começa a dizer como se estivesse ansiosa para desabafar. —Você sempre foi generosa, de bom coração... Talvez no fundo eu sempre tenha sentido inveja...

— Mari, não vamos ficar relembrando o passado, está bem? — Luana a corta com carinho,mas sem deixar de ser firme. — Eu perdoo você e desejo que me perdoe também. Todosmerecemos uma segunda chance, então, vamos aproveitar a nossa.

— Sim, é por isso que pedi para falar com você a sós. — Agora Mari demonstra nervosismo.— Quando você me chamou para o seu casamento, mesmo depois de tudo o que fiz, caí na real.Percebi que continuava sendo a mesma cretina de sempre... Enfim, tomei uma decisão, aceitei oconvite e estou aqui porque preciso que você saiba de toda a verdade.

Luana franze a testa diante da seriedade no semblante de Mari. Um frio lhe percorre aespinha, se vê incapaz de falar qualquer coisa, embora sua vontade seja fazer mil perguntas.

— Sinto muito por ter que dizer isso no dia do seu casamento, mas acho que será melhor paratodos...

— Mari, você está me assustando. Fala logo antes que eu morra de nervoso no dia do meucasamento, isso sim eu não perdoaria — brinca para diminuir a tensão.

Mari passa a mão na testa e limpa no vestido. Luana reconhece aquele gesto, ela está empânico.

— A ideia do sequestro, o dinheiro no seu apartamento, as ligações anônimas... Nada disso

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foi planejado por mim. — Suspira pesadamente, as lágrimas de medo e arrependimentoameaçando despencar.

— O seu namorado? — Luana sugere sem muita convicção.Mari nega com a cabeça.— Ele apenas se deixou levar pelas promessas da modelo Marcela Alves... Ela envenenou a

nós dois...— Essa sua “amiga” só pode estar louca! — Cristian intervém perplexo, amparando a esposa

pela cintura. — Sei que Marcela não é lá flor que se cheire, mas não arriscaria sua carreira poralgo tão baixo.

Gabriele, que ouviu tudo, também se aproxima, seguida do namorado.— Deixe ela falar, Cris... Por favor — Luana pede, determinada a colocar um ponto-final

naquela história.— Marcela nos procurou após ter tentado separá-los e ser ridiculamente envergonhada pela

mídia. Ela estava com sangue nos olhos, queria se vingar de Luana e, óbvio, voltar com você,Fedrizzi, já que a sua brilhante carreira de top model estava indo pro buraco...

— Você é criativa, hein, Mari? — Giovane interfere rindo sem achar graça.— Não estou mentindo e posso provar. Marcela ofereceu dinheiro para o meu ex-namorado.

E a mim não foi difícil convencer, uma vez que eu estava cega de inveja — admiteenvergonhada. — Marcela tinha todo o esquema montado. Ela tinha um contato na favela. Omesmo cara que fornecia droga para ela se encarregou do sequestro...

— Ah não, já chega! Não vou permitir que essa garota estrague nosso dia com uma historinhasem pé nem cabeça! — Cristian explode irritado. — Marcela é página virada, não faz sentidotrazermos de volta à nossa vida dessa maneira horrorosa.

— Ela está falando a verdade, Cris — Luana reage boquiaberta diante do olhar surpreso dosdemais, a cabeça trabalhando a mil por hora. — Quando conheci sua mãe, ela disse que tinhacerteza de que Marcela usava drogas. Na ocasião pensei que fosse implicância dela, mas agorafaz todo sentido.

Cristian olha de Luana para Mari, suas certezas começando a se dissolver diante do olharconvencido de todos à sua volta.

— Enfim, a história é longa e só causa sofrimento a todos — Mari tenta resumir. — Falar averdade à polícia nunca foi uma opção. Marcela deixou bem claro que nos destruiria, caso adenunciássemos...

— Então? — Luana eleva uma sobrancelha, preocupada não apenas com o relacionamentodela com Cristian, como também com a segurança de Mari.

— Eu estava disposta a viver com esse peso na consciência. Me joguei no mundão e estava aum passo de fazer uma besteira com minha própria vida quando você ligou convidando-me para

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o casamento. O resto vocês já sabem, voltei atrás e aqui estou...— Mas é sua palavra contra a dela — Giovane diz, seu lado advogado dando as caras.— Eu tenho uma prova.Suas palavras causam alvoroço. Todos falam ao mesmo tempo e é Cristian quem pede

silêncio.Um segundo depois, Mari tira o celular da pequena bolsa preta brilhante, aperta um botão,

aumenta o som e a imagem de uma mulher alta e magra aparece na tela. Em seguida, a mulherretira da cabeça a peruca de cabelos longos e pretos: Marcela!

Luana reconhece seu próprio apartamento. A maleta de dinheiro está nas mãos da modelo. Elacomeça a falar rapidamente dando instruções do que deve ser feito e uma das ordens é para queMari assuma toda a culpa quando os policiais chegarem ao apartamento.

— Desgraçada! — Cristian respira com dificuldade.— Meu ex-namorado e eu havíamos chegado do Rio havia pouco tempo e foi ele quem teve a

ideia de instalar uma minicâmera no apartamento, para o caso de ela dar para trás na hora depagar a nossa parte no acordo.

— Essa mulher nunca me enganou! — Gabriele vocifera raivosamente.— Nem a mim... Agora sei que não era apenas ciúmes da minha parte — Luana desabafa

sentindo-se arrasada.— Você pode me enviar esse vídeo, Mari? — Giovane pergunta, começando a planejar uma

acusação contra a modelo.Cristian e Luana se entreolham, a situação é desconfortável para todos.— Você não tem nada a temer, ok? — Giovane dá um tapinha tranquilizador nas costas de

Mari. — Vou tomar providências para que esteja segura.— Vincenzo está sabendo da história toda, contei a ele durante a festa, e ele também

prometeu me ajudar — responde meio sem jeito. — Obrigada por serem compreensivos,confesso que ainda me sinto muito mal por ter contribuído...

— Está tudo bem, Mari — Cristian a interrompe. — O importante é que você se arrependeu etomou coragem para nos contar a verdade. Pelo menos, agora já sabemos com quem estamoslidando.

O clima festivo inevitavelmente se dissipa. Mari se despede de todos deixando Cristian eLuana a sós com Gabi e Giovane.

— Ei, ei, que caras são essas? — Gabriele se manifesta alcançando a primeira garrafa dechampanhe que encontra e erguendo-a no ar depois de abri-la. — É dia de comemoração. O casalmais amado do Brasil acabou de casar, as máscaras caíram, o perdão foi liberado... Vamos lá,gente, ânimo!

Luana sorri e vê um brilho contente surgir no olhar do marido.

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— Tem toda razão, amiga. O bem prevaleceu! — Luana cerra o punho e bate de encontro aode Gabi. — Champanhe sem álcool, certo? — questiona tomando-lhe a garrafa.

— Com certeza, minha afilhada agradece — brinca.Luana bebe alguns goles da bebida borbulhante direto da garrafa e, em seguida, oferece a

Cris, que imita seu gesto antes de passar a Giovane e novamente a Gabriele, que volta a levantara garrafa no ar, gritando:

— Ao amor!— Ao amor! — os demais gritam em uníssono.

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Cristian toma Luana nos braços, tendo cuidado com seu pé machucado. A escadaria de

madeira escura conduz ao andar superior, onde o paraíso os aguarda.— Você está bem? — Ele para no meio da escadaria e a ajeita melhor em seus braços.— Como nunca antes. Me sinto completa, realizada... como se tivesse voltado para casa

depois de um século longe dela. — Seus olhos se enchem de lágrimas, ela culpa os hormônios.— Você é meu porto seguro, Cris — completa emocionada.

A resposta dele é um beijo quente e vagaroso. Ficar longe dela nos dias que antecederam ocasamento, mesmo tendo sido decisão dos dois, havia sido um verdadeiro martírio.

— Você está preparada? — sussurra de encontro ao ouvido da esposa provocando-lhearrepios pelo corpo todo.

— Nunca vou estar preparada — confessa abrindo um sorrisinho travesso. — Fazer amorcom meu ídolo será sempre uma experiência ímpar.

— Vou querer que repita o que acabou de falar quando completarmos cinquenta anos decasados — ele provoca mordiscando sua orelha.

Os dois seguem rindo até o quarto. Cristian empurra a porta pesada com o pé e, diante deles,se descortina um mundo novo.

Luana e Cristian são apresentados a mais um cômodo do século passado. Tudo ali ésofisticado e elegante, mas o que mais chama atenção de Luana é a imensa cama com dossel.

— Estou me sentindo uma princesa!Cristian afasta a cortina, e a deita lentamente na cama, mas não faz questão de se afastar. Os

olhos que a seduziram desde o primeiro instante, estão presos aos dela e brilham como se fossemduas pedras de ouro polido.

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— Você é uma princesa — afirma ao mesmo tempo que escorrega os lábios cheios e quentesem seu pescoço, descendo pelo ombro e, em seguida, voltando pelo mesmo caminho até capturarseus lábios para um beijo arrebatador.

Um gemido rouco escapa de sua garganta, a emoção do momento potencializada pelo fato deserem agora marido e mulher.

— Eu te amo, Cris — balbucia sentindo o corpo formigar nos lugares onde ele toca, conformeo vestido desliza por sua pele até descobri-la completamente.

— Eu te amo, Sra. Fedrizzi. E amarei por toda vida — declara livrando-se das próprias roupassem deixar de encará-la um só segundo.

Quando os dois corpos se fundem, não há espaço para mais nada além do imenso amor queemana do casal. A explosão de cores, brilho e luz vem acompanhada da certeza de que, por fim,a coragem venceu o medo, a alegria venceu a tristeza, o bem venceu o mal.

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Um ano depois... Sabe quando você é apaixonada pelo cara mais lindo, gato, sexy e maravilhoso do mundo e

está prestes a ficar cara a cara com ele? E não sabe como agir, nem o que falar, nem ondecolocar as mãos para não parecer uma boba, insegura?

Sabe quando você tem certeza absoluta de que tudo vai dar errado?Era exatamente assim que eu me sentia naquela noite. A única diferença é que eu não teria

um encontro com o gatinho mais popular da escola, meu “encontro” era com ninguém mais,ninguém menos do que Cristian Fedrizzi, um dos homens mais cobiçados do país...

Gabriele fecha o livro, avalia a encantadora arte da capa, passa o dedo no título em relevo: O

diário da plebeia. Em seguida volta a folheá-lo pulando algumas páginas de onde havia parado. Depois da terrível discussão com Cristian, eu me sentia feito um barco perdido em alto-mar.

Era como se eu estivesse vazia e ao mesmo tempo transbordando dos sentimentos maisdolorosos. Uma loucura!

O que eu jamais poderia imaginar é que meu destino estava prestes a mudar completamente.O resultado dos exames me levaria ao céu... ou ao inferno. Gabriele estava comigo e bastou

alguns minutos de conversa para que a doida me fizesse acreditar que eu estava com umadoença em fase terminal. É, eu sei, é por isso que a amo tanto!

O médico que me atendeu era um tremendo gato (que meu marido não leia isso, por favor!),mas eu estava tão preocupada que na hora nem prestei muita atenção. Foi ele, o médico

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bonitão, que me deu a melhor (e mais bombástica) notícia de todos os tempos: eu seria mamãe! — Que orgulho de você, amiga! — Gabriele larga o livro na mesinha de centro da elegante

sala de espera onde elas se encontram, enquanto uma multidão aguarda ansiosamente pelaautora. — Só não fico com inveja porque meu filme, que por sinal foi você quem escreveu eroteirizou, caiu nas graças dos críticos — brinca. Ter sido indicada por Luana para o papel deprotagonista fora um verdadeiro presente.

— Você vai levar o Kikito esse ano, quer apostar? — Luana não está dizendo apenas paramassagear o ego da atriz; Gabriele realmente brilhara no papel de esposa do prefeito.

Gabi faz um gesto afetado com a mão no peito. Mas, logo em seguida, balança a cabeça eaponta o dedo para Luana.

— Mas o dia hoje é seu, não meu. Eu estava falando da sua biografia, que é GE-NI-AL, nãovejo a hora de chegar à última página — confessa abraçando Luana, que retribui com o mesmoentusiasmo.

— Agradeça ao Cris, só decidi escrever nossa história porque ele insistiu muito. — Alisa ovestido de renda branco pela milésima vez. Embora tente disfarçar, está nervosa.

— Por falar nele, onde está?— Foi dar uma volta com a Linda, os dentinhos estão acabando com ela, pobrezinha. — Falar

da filha provoca aquele calor gostoso no peito.— Pode ficar tranquila que me encarrego da minha afilhada enquanto seu galã lhe faz

companhia. Aposto que com ele ao seu lado as vendas triplicam. — Sua gargalhada chama aatenção dos seguranças, à porta. Luana não leva a mal, conhece Gabriele o suficiente para saberque a amiga não tem filtro.

— Está pronta, querida? — O perfume da editora precede sua chegada à sala.Luana não responde por um segundo. De repente é como se a visse pela primeira vez. Um

filme passa em sua mente em alta velocidade e então ela aterrissa no tempo presente outra vez.Sim, a elegante senhora de roupa e cabelo impecáveis, à frente da maior editora do país (queagora também é sua nova casa editorial) se tornou uma grande amiga.

— Prontíssima, Alê! — responde sorridente. — Vamos lá?Antes que comece a caminhar, porém, Gabriele a detém.— Você não contou no livro sobre o vídeo de Marcela Alves que “vazou” na internet...— Fica tranquila, Gabi. Eu não contei que foi você quem deixou vazar “sem querer”. —

Luana pisca para a amiga e as duas riem baixinho.— Ufa! Aquelazinha pode até estar curtindo as ilhas do Caribe ao lado do novo marido

senador, rico e babão, afinal o Brasil é um país sem leis mesmo, mas que joguei a carreira delana lama, ah, joguei!

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— O importante é que ela está bem longe de nós, Gabi. Eu mudei muito e hoje realmenteacredito na justiça divina, o que é dela acabará chegando mais cedo ou mais tarde.

— Ei, vocês duas! — a editora chama atenção. — Vamos começar esse evento hoje ouamanhã?

As duas entram na livraria pela porta lateral e são recebidas com palmas e gritosenlouquecidos. Luana reconhece alguns rostos, dentre eles: Marcos Mendes e a esposa, Lorena,dona Júlia e Margarida, Giovane, Vincenzo e a jovem que passou a ser vista com ele nos últimosmeses... Mari.

Ela acena para o aglomerado de admiradores à sua frente e então baixa o olhar por umsegundo, num agradecimento silencioso a Deus.

Quando volta a erguer os olhos, Cristian está ao seu lado segurando Linda nos braços. Luanabem que tenta, mas o sorriso da filha (com um dentinho apontando graciosamente) e do marido asacodem por dentro. As lágrimas que brotam em seus olhos são a pura definição da palavraplenitude.

— Um galã desses com uma bebê idêntica no colo, é mais do que consigo aguentar —sussurra para que só ele consiga ouvir.

Cristian inclina a cabeça e a beija nos lábios. Em seguida, os dois beijam Linda, que balançaos bracinhos e perninhas gorduchos, feliz da vida. Sorrindo, os três posam para a primeira foto.

Luana senta à mesa onde dezenas de livros foram estrategicamente colocados formando umatorre perfeita. À sua frente, uma fila gigantesca vai sendo formada. Cristian pisca charmosamentepara ela e começa a se afastar com Linda, que é rapidamente raptada pelos padrinhos corujas.

O primeiro livro é posto à sua frente.Ela começa a sessão de autógrafos...E a sua história passa a ter novos capítulos a serem escritos.

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Neiva Meriele escreve romances românticos e é estudante de Tecnologia em NegóciosImobiliários. Nasceu em 1989, na pequena cidade de São Francisco de Paula, Serra Gaúcha.

De natureza apaixonada, começou a escrever desde muito nova e não parou mais.Atualmente, junto do marido John Lennon e do filho Juan Pablo, a autora divide sua vida

entre Caxias do Sul e o interior da cidade onde nasceu, atuando também como palestrante emescolas, feiras e outros eventos literários.

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