Leon Denis - Depois da Morte
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Depois da Morte
Traduzido do Francs
Lon Denis - Aprs la Mort
(1889)
Giotto - A Lamentao
Contedo resumido
Depois da Morte foi a primeira de uma srie de obras monumentais
escritas por Lon Denis, na sua misso de divulgar e defender o
Espiritismo, dando continuidade grande obra de Allan Kardec.
Nesta obra, escrita em 1897, Denis amplia a nossa concepo da
vida, demonstrando que somos seres imortais. Inicia fazendo uma
avaliao das crenas e descrenas ao longo dos sculos. Em seguida, faz
um estudo dos mais profundos temas: Deus, o Universo, a vida, a
morte, a reencarnao e outros. E, aps uma exposio detalhada do mundo
espiritual, finaliza demonstrando o objetivo maior do Espiritismo,
que a elevao moral do ser humano.
Sumrio
5Dedicatria
6Introduo
9Primeira Parte Crenas e Negaes
91 As Religies - A Doutrina Secreta
132 A ndia
183 O Egito
214 A Grcia
255 A Glia
296 O Cristianismo
377 O Materialismo e o Positivismo
428 A Crise Moral
47Segunda Parte Os Grandes Problemas
479 O Universo e Deus
5510 A Vida Imortal
5711 A Pluralidade das Existncias
5912 O Alvo da Vida
6113 As Provas e a Morte
6314 Objees
65Terceira Parte O Mundo Invisvel
6515 A Natureza e a Cincia
6716 Matria e Fora - Princpio nico das Coisas
6817 Os Fluidos - O Magnetismo
7018 Fenmenos Espritas
7119 Testemunhos Cientficos
7520 O Espiritismo na Frana
7821 O Perisprito ou Corpo Espiritual
8022 Os Mdiuns
8223 A Evoluo Perispiritual
8324 Conseqncias Filosficas e Morais
8425 O Espiritismo e a Cincia
8626 Perigos do Espiritismo
8827 Charlatanismo e Venalidade
9028 Utilidade dos Estudos Psicolgicos
92Quarta Parte Alm-Tmulo
9229 O Homem, Ser Psquico
9330 A Hora Final
9531 O Julgamento
9732 A Vontade e os Fluidos
10033 A Vida no Espao
10234 A Erraticidade
10335 A Vida Superior
10836 Os Espritos Inferiores
11137 O Inferno e os Demnios
11238 Ao do Homem sobre os Espritos Infelizes
11439 Justia, Solidariedade, Responsabilidade
11640 Livre-arbtrio e Providncia
11841 Reencarnao
120Quinta Parte O Caminho Reto
12042 A Vida Moral
12243 O Dever
12444 F, Esperana, Consolaes
12645 Orgulho, Riqueza e Pobreza
12946 O Egosmo
13147 A Caridade
13448 Doura, Pacincia, Bondade
13649 O Amor
13850 Resignao na Adversidade
14251 A Prece
14552 Trabalho, Sobriedade, Continncia
14753 O Estudo
14954 A Educao
15155 Questes Sociais
15456 A Lei Moral
155Resumo
157Concluso
159Apndice Notas Especiais
Dedicatria
Aos nobres e grandes espritos que me revelaram o mistrio augusto
do destino, a lei do progresso na imortalidade, cujos ensinos
consolidaram em mim o sentimento da justia, o amor da sabedoria, o
culto do dever, cujas vozes dissiparam as minhas dvidas,
apaziguaram as minhas inquietaes; s almas generosas que me
sustentaram na luta, consolaram na prova e elevaram meu pensamento
at s alturas luminosas em que se assenta a Verdade, eu dedico estas
pginas.
Introduo
Vi, deitadas em suas mortalhas de pedra ou de areia, as cidades
famosas da antiguidade: Cartago, em brancos promontrios, as cidades
gregas da Siclia, os arrabaldes de Roma, com os aquedutos partidos
e os tmulos abertos, as necrpoles que dormem um sono de vinte
sculos, debaixo das cinzas do Vesvio. Vi os ltimos vestgios das
cidades longnquas, outrora formigueiros humanos, hoje runas
desertas, que o sol do Oriente calcina com suas carcias
ardentes.
Evoquei as multides que se agitaram e viveram nesses lugares:
vi-as desfilar, diante do meu pensamento, com as paixes que as
consumiram, com seus dios, seus amores e suas ambies desvanecidas,
com seus triunfos e reveses fumaas dissipadas pelo sopro dos
tempos. Vi os soberanos, chefes de imprios, tiranos ou heris, cujos
nomes foram celebrados pelos fastos da Histria, mas que o futuro
esquecer.
Passavam como sombras efmeras, como espectros truanescos que a
glria embriaga uma hora, e que o tmulo chama, recebe e devora. E
disse comigo mesmo: Eis em que se transformam os grandes povos, as
capitais gigantes algumas pedras amontoadas, colinas silenciosas,
sepulturas sombreadas por mirrados vegetais, em cujos ramos o vento
da noite murmura suas queixas. A Histria registrou as vicissitudes
de sua existncia, suas grandezas passageiras, sua queda final, porm
tudo a terra sepultou. Quantos outros cujos nomes mesmos so
desconhecidos; quantas civilizaes, raas, cidades grandiosas, jazem
para sempre sob o lenol profundo das guas, na superfcie dos
continentes submersos!
E perguntei a mim mesmo: por que essas geraes a se sucederem
como camadas de areia que, acarretadas incessantemente pelas ondas,
vo cobrir outras camadas que as precederam? Por que esses
trabalhos, essas lutas, esses sofrimentos, se tudo deve terminar no
sepulcro? Os sculos, esses minutos da eternidade, viram passar naes
e reinos, e nada ficou de p. A esfinge tudo devorou!
Em sua carreira, para onde vai, pois, o homem? Para o nada ou
para uma luz desconhecida? A Natureza risonha, eterna, moldura as
tristes runas dos imprios, com os seus esplendores. Nela nada
morre, seno para renascer. Leis profundas, uma ordem imutvel,
presidem s suas evolues. S o homem, com suas obras, ter por destino
o nada, o olvido? A impresso produzida pelo espetculo das cidades
mortas, ainda a encontrei mais pungente diante dos frios despojos
dos entes que me so caros, daqueles que partilharam a minha
vida.
Um desses a quem amais vai morrer. Inclinado para ele, com o
corao opresso, vedes estender-se lentamente, sobre suas feies, a
sombra da morte. O foco interior nada mais d que plidos e trmulos
lampejos; ei-lo que se enfraquece ainda, depois se extingue. E
agora, tudo o que nesse ser atestava a vida, esses olhos que
brilhavam, essa boca que proferia sons, esses membros que se
agitavam, tudo est velado, silencioso, inerte. Nesse leito fnebre
mais no fui que um cadver! Qual o homem que a si mesmo no pediu a
explicao desse mistrio, e que, durante a viglia lgubre, nesse
silenciar solene com a morte, deixou de refletir no que o espera a
si prprio? A todos interessa esse problema, porque todos estamos
sujeitos lei.
Convm saber se tudo acaba nessa hora, se mais no a morte que
triste repouso no aniquilamento, ou, ao contrrio, o ingresso em
outra esfera de sensaes.
Mas, de todos os lados levantam-se problemas. Por toda parte, no
vasto teatro do mundo, dizem certos pensadores, reina como soberano
o sofrimento; por toda parte, o aguilho da necessidade e da dor
estimula esse galope desenfreado, esse bailado terrvel da vida e da
morte. De toda parte levanta-se o grito angustioso do ser que se
precipita no caminho do desconhecido. Para esse, a existncia s
parece um perptuo combate: a glria, a riqueza, a beleza, o talento
realezas de um dia! A morte passa, ceifando essas flores
brilhantes, para s deixar hastes fanadas.
A morte o ponto de interrogao ante ns incessantemente colocado,
o primeiro tema a que se ligam questes sem-nmero, cujo exame faz a
preocupao, o desespero dos sculos, a razo de ser de imensa cpia de
sistemas filosficos. Apesar desses esforos do pensamento, a
obscuridade tem pesado sobre ns. A nossa poca se agita nas trevas e
no vcuo, e procura, sem achar, um remdio a seus males. Imensos so
os progressos materiais, mas no seio das riquezas acumuladas,
pode-se ainda morrer de privaes e de misria. O homem no mais feliz
nem melhor. No meio dos seus rudes labores, nenhum ideal elevado,
nenhuma noo clara do destino o sustm; da seus desfalecimentos
morais, excessos de revoltas. Extinguiu-se a f do passado; o
cepticismo e o materialismo substituram-na e, ao sopro destes, o
fogo das paixes, dos apetites, dos desejos, tem-se ateado.
Convulses sociais ameaam-nos.
s vezes, atormentado pelo espetculo do mundo e pelas incertezas
do futuro, o homem levanta os olhos para o cu, e pergunta-lhe a
verdade. Interroga silenciosamente a Natureza e o seu prprio
esprito. Pede Cincia os seus segredos, Religio os seus entusiasmos.
Mas, a Natureza parece-lhe muda, e as respostas dos sbios e dos
sacerdotes no satisfazem sua razo nem ao seu corao. Entretanto,
existe uma soluo para esses problemas, soluo melhor, mais racional
e mais consoladora que todas as oferecidas pelas doutrinas e
filosofias do dia; tal soluo repousa sobre as bases mais slidas que
conceber se possa: o testemunho dos sentidos e a experincia da
razo.
No momento mesmo em que o materialismo atingia o seu apogeu, e
por toda parte espalhava a idia do nada, surge uma crena nova
apoiada em fatos. Ela oferece ao pensamento um refgio onde se
encontra, afinal, o conhecimento das leis eternas de progresso e de
justia. Um florescimento de idias que se acreditava mortas, mas que
dormitavam apenas, produz-se e anuncia uma renovao intelectual e
moral. Doutrinas, que foram a alma das civilizaes passadas,
reaparecem sob mais desenvolvida forma, e numerosos fenmenos, por
muito tempo desdenhados, mas cuja importncia enfim pressentida por
certos sbios, vm oferecer-lhe uma base de demonstrao e de certeza.
As prticas do magnetismo, do hipnotismo, da sugesto e, mais ainda,
os estudos de Crookes, Russel Wallace, Paul Gibier, etc., sobre as
foras psquicas, fornecem novos dados para a soluo do grande
problema. Abrem-se abismos, formas de existncia revelam-se em
centros onde no mais se cuidava de observ-los. E, dessas pesquisas,
desses estudos, dessas descobertas, nascem uma concepo do mundo e
da vida, um conhecimento de leis superiores, uma afirmao da ordem e
da justia universais, apropriados a despertar no corao do homem,
com uma f mais firme e mais esclarecida no futuro, um sentimento
profundo dos seus deveres, um afeto real por seus semelhantes,
capazes de transformarem a face das sociedades.
essa doutrina que oferecemos aos pesquisadores de todas as
ordens e todas as classes. Ela j tem sido divulgada em numerosos
volumes. Acreditamos nosso dever resumi-la nestas pginas, sob uma
forma diferente, na inteno daqueles que esto cansados de viver como
cegos, ignorando-se a si mesmos, daqueles que no se satisfazem mais
com as obras de uma civilizao material e inteiramente superficial,
mas que aspiram a uma ordem de coisas mais elevada. sobretudo para
vs, filhos e filhas do povo, para quem a jornada spera, a existncia
difcil, para quem o cu mais negro, mais frio o vento da
adversidade; para vs que este livro foi escrito. No vos trar ele
toda a cincia que o crebro humano no poderia conter , porm ser mais
um degrau para a verdadeira luz. Provando-vos que a vida no uma
ironia da sorte nem o resultado de um acaso estpido, mas a
conseqncia de uma lei justa e eqitativa, abrindo-vos as
perspectivas radiosas do futuro, ele fornecer um alvo mais nobre s
vossas aes, far luzir um raio de esperana na noite de vossas
incertezas, aliviar o fardo de vossas provaes e ensinar-vos- a no
mais tremer diante da morte. Abri-o confiantemente; lede-o com
ateno, porque emana de um homem que, acima de tudo, quer o vosso
bem.
Entre vs, muitos talvez rejeitem nossas concluses: um pequeno
nmero somente as aceitar. Que importa! No vamos em busca de xitos.
Um nico mbil inspira-nos: o respeito, o amor verdade. Uma s ambio
anima-nos: quereramos, quando nosso gasto invlucro voltasse terra,
que o Esprito imortal pudesse dizer a si mesmo: minha passagem pelo
mundo no ter sido estril se contribu para mitigar uma s dor, para
esclarecer uma s inteligncia em busca da verdade, para reconfortar
uma s alma vacilante e contristada.
Primeira ParteCrenas e Negaes1 As Religies - A Doutrina
Secreta
Quando se lana um golpe de vista sobre o passado, quando se
evoca a recordao das religies desaparecidas, das crenas extintas,
apodera-se de ns uma espcie de vertigem ante o aspecto das
sinuosidades percorridas pelo pensamento humano. Lenta sua marcha.
Parece, a princpio, comprazer-se nas criptas sombrias da ndia, nos
templos subterrneos do Egito, nas catacumbas de Roma, na meia-luz
das catedrais; parece preferir os lugares escuros atmosfera pesada
das escolas, o silncio dos claustros s claridades do cu, aos livres
espaos, em uma palavra, ao estudo da Natureza.
Um primeiro exame, uma comparao superficial das crenas e das
supersties do passado conduz inevitavelmente dvida. Mas,
levantando-se o vu exterior e brilhante que ocultava s massas os
grandes mistrios, penetrando-se nos santurios da idia religiosa,
achamo-nos em presena de um fato de alcance considervel. As formas
materiais, as cerimnias extravagantes dos cultos tinham por fim
chocar a imaginao do povo. Por trs desses vus, as religies antigas
apareciam sob aspecto diverso, revestiam carter grave e elevado,
simultaneamente cientfico e filosfico. Seu ensino era duplo:
exterior e pblico de um lado, interior e secreto de outro, e, neste
ltimo caso, reservado somente aos iniciados. Conseguiu-se, no h
muito, reconstituir esse ensino secreto, aps pacientes estudos e
numerosas descobertas epigrficas. Desde ento, dissiparam-se a
obscuridade e a confuso que reinavam nas questes religiosas; com a
luz, fez-se a harmonia. Adquiriu-se a prova de que todos os ensinos
religiosos do passado se ligam, porque, em sua base, se encontra
uma s e mesma doutrina, transmitida de idade em idade a uma srie
ininterrupta de sbios e pensadores.
Todas as grandes religies tiveram duas faces, uma aparente,
outra oculta. Est nesta o esprito, naquela a forma ou a letra.
Debaixo do smbolo material, dissimula-se o sentido profundo. O
Bramanismo, na ndia, o Hermetismo, no Egito, o Politesmo grego, o
prprio Cristianismo, em sua origem, apresentam esse duplo aspecto.
Julg-las pela face exterior e vulgar o mesmo que apreciar o valor
moral de um homem pelos trajes. Para conhec-las preciso penetrar o
pensamento ntimo que lhes inspira e motiva a existncia; cumpre
desprender do selo dos mitos e dogmas o princpio gerador que lhes
comunica a fora e a vida. Descobre-se, ento, a doutrina nica,
superior, imutvel, de que as religies humanas no so mais que
adaptaes imperfeitas e transitrias, proporcionadas s necessidades
dos tempos e dos meios.
Em nossa poca, muitos fazem uma concepo do Universo, uma idia da
verdade, absolutamente exterior e material. A cincia moderna, em
suas investigaes, tem-se limitado a acumular o maior nmero de fatos
e, depois, a deduzir da as suas leis. Obteve, assim, maravilhosos
resultados, porm, por tal preo, ficar-lhe- sempre inacessvel o
conhecimento dos princpios superiores e das causas primitivas. As
prprias causas secundrias escapam-lhe. O domnio invisvel da vida
mais vasto do que aquele que atingido pelos nossos sentidos: l
reinam essas causas de que somente vemos os efeitos.
Na antiguidade tinham outra maneira de ver, e um proceder muito
diferente. Os sbios do Oriente e da Grcia no desdenhavam observar a
natureza exterior, porm era sobretudo no estudo da alma, de suas
potncias ntimas, que descobriam os princpios eternos. Para eles, a
alma era como um livro em que se inscrevem, em caracteres
misteriosos, todas as realidades e todas as leis. Pela concentrao
de suas faculdades, pelo estudo profundo e meditativo de si mesmos,
elevaram-se at Causa sem causa, at ao princpio de que derivam os
seres e as coisas. As leis inatas da inteligncia explicavam-lhes a
harmonia e a ordem da Natureza, assim como o estudo da alma lhes
dava a chave dos problemas da vida.
A alma, acreditavam, colocada entre dois mundos, o visvel e o
oculto, o material e o espiritual, observando-os, penetrando em
ambos, o instrumento supremo do conhecimento. Conforme seu grau de
adiantamento ou de pureza, reflete, com maior ou menor intensidade,
os raios do foco divino. A razo e a conscincia no s guiam nossa
apreciao e nossos atos, mas tambm so os mais seguros meios para
adquirir-se e possuir-se a verdade.
A tais pesquisas era consagrada a vida inteira dos iniciados. No
se limitavam, como em nossos dias, a preparar a mocidade com
estudos prematuros, insuficientes, mal dirigidos, para as lutas e
deveres da existncia. Os adeptos eram escolhidos, preparados desde
a infncia para a carreira que deviam preencher e, depois, levados
gradualmente aos pncaros intelectuais, de onde se pode dominar e
julgar a vida. Os princpios da cincia secreta eram-lhes comunicados
numa proporo relativa ao desenvolvimento das suas inteligncias e
qualidades morais. A iniciao era uma refundio completa do carter,
um acordar das faculdades latentes da alma. Somente quando tinha
sabido extinguir em si o fogo das paixes, comprimir os desejos
impuros, orientar os impulsos do seu ser para o Bem e para o Belo,
que o adepto participava dos grandes mistrios. Obtinha, ento,
certos poderes sobre a Natureza, e comunicava-se com as potncias
ocultas do Universo.
No deixam subsistir dvida alguma sobre tal ponto os testemunhos
da Histria a respeito de Apolnio de Tiana e de Simo, o Mago, bem
como os fatos, pretensamente miraculosos, levados a efeito por
Moiss e pelo Cristo. Os iniciados conheciam os segredos das foras
fludicas e magnticas. Esse domnio, pouco familiar aos sbios dos
nossos dias, a quem se afiguram inexplicveis os fenmenos do
sonambulismo e da sugesto, no meio dos quais se debatem impotentes
em concili-los com teorias preconcebidas, esse domnio, a cincia
oriental dos santurios havia explorado, e estava possuidora de
todas as suas chaves. Nele encontrava meios de ao incompreensveis
para o vulgo, mas facilmente explicveis pelos fenmenos do
Espiritismo. Em suas experincias fisiolgicas, a cincia contempornea
chegou ao prtico desse mundo oculto conhecido dos antigos e regido
por leis exatas. Ainda bem perto est o dia em que a fora dos
acontecimentos e o exemplo dos audaciosos constrang-la-o a tal.
Reconhecer, ento, que nada h a de sobrenatural, mas, ao contrrio,
uma face ignorada da Natureza, uma manifestao das foras sutis, um
aspecto novo da vida que enche o infinito.
Se, do domnio dos fatos, passarmos ao dos princpios, teremos de
esboar desde logo as grandes linhas da doutrina secreta. Ao ver
desta, a vida no mais que a evoluo, no tempo e no espao, do
Esprito, nica realidade permanente. A matria sua expresso inferior,
sua forma varivel. O Ser por excelncia, fonte de todos os seres,
Deus, simultaneamente triplo e uno essncia, substncia e vida , em
que se resume todo o Universo. Da o desmo trinitrio que, da ndia e
do Egito, passou, desfigurando-se, para a doutrina crist. Esta, dos
trs elementos do Ser, fez as pessoas. A alma humana, parcela da
grande alma, imortal. Progride e sobe para o seu autor atravs de
existncias numerosas, alternativamente terrestres e espirituais,
por um aperfeioamento contnuo. Em suas encarnaes, constitui ela o
homem, cuja natureza ternria o corpo, o perisprito e a alma ,
centros correspondentes da sensao, sentimento e conhecimento,
torna-se um microcosmo ou pequeno mundo, imagem reduzida do
macrocosmo ou Grande-Todo. Eis por que podemos encontrar Deus no
mais profundo do nosso ser, interrogando a ns mesmos na solido,
estudando e desenvolvendo as nossas faculdades latentes, a nossa
razo e conscincia. Tem duas faces a vida universal: a involuo ou
descida do Esprito matria para a criao individual, e a evoluo ou
ascenso gradual, na cadeia das existncias, para a Unidade
divina.
Prendia-se a esta filosofia um feixe inteiro de cincias: a
Cincia dos Nmeros ou Matemticas Sagradas, a Teogonia, a Cosmogonia,
a Psicologia e a Fsica. Nelas, os mtodos indutivo e experimental
combinavam-se e serviam-se reciprocamente de verificao, formando,
assim, um todo imponente, um edifcio de propores harmnicas.
Este ensino abria ao pensamento perspectivas suscetveis de
causarem vertigem aos espritos mal preparados, e por isso era
somente reservado aos fortes. Se, por verem o infinito, as almas
dbeis ficam perturbadas e desvairadas, as valentes fortificam-se e
medram. no conhecimento das leis superiores que estas vo beber a f
esclarecida, a confiana no futuro, a consolao na desgraa. Tal
conhecimento produz benevolncia para com os fracos, para com todos
esses que se agitam ainda nos crculos inferiores da existncia,
vtimas das paixes e da ignorncia; inspira tolerncia para com todas
as crenas. O iniciado sabia unir-se a todos e orar com todos.
Honrava Brahma na ndia, Osris em Mnfis, Jpiter na Olmpia, como
plidas imagens da Potncia Suprema, diretora das almas e dos mundos.
assim que a verdadeira religio se eleva acima de todas as crenas e
a nenhuma maldiz.
O ensino dos santurios produziu homens realmente prodigiosos
pela elevao de vistas e pelo valor das obras realizadas, uma elite
de pensadores e de homens de ao, cujos nomes se encontram em todas
as pginas da Histria. Da saram os grandes reformadores, os
fundadores de religies, os ardentes propagandistas: Krishna,
Zoroastro, Hermes, Moiss, Pitgoras, Plato e Jesus; todos os que tm
posto ao alcance das multides as verdades sublimes que fazem sua
superioridade. Lanaram aos ventos a semente que fecunda as almas,
promulgaram a lei moral, imutvel, sempre e em toda parte semelhante
a si mesma. Mas, no souberam os discpulos guardar intacta a herana
dos mestres. Mortos estes, os seus ensinos ficaram desnaturados e
desfigurados por alteraes sucessivas. A mediocridade dos homens no
era apta a perceber as coisas do esprito e bem depressa as religies
perderam a sua simplicidade e pureza primitivas. As verdades que
tinham sido ensinadas foram sufocadas sob os pormenores de uma
interpretao grosseira e material. Abusou-se dos smbolos para chocar
a imaginao dos crentes e, muito breve, a idia mter ficou sepultada
e esquecida sob eles. A verdade comparvel s gotas de chuva que
oscilam na extremidade de um ramo. Enquanto a ficam suspensas,
brilham como puros diamantes aos raios do Sol; desde, porm, que
tocam o cho, confundem-se com todas as impurezas. O que nos vem de
cima mancha-se ao contacto terrestre. At mesmo ao seio dos templos
levou o homem as suas concupiscncias e misrias morais. Por isso, em
cada religio, o erro, este apangio da Terra, mistura-se com a
verdade, este bem dos cus.
*
Pergunta-se algumas vezes se a religio necessria. A religio (do
latim religare, ligar, unir), bem compreendida, deveria ser um lao
que prendesse os homens entre si, unindo-os por um mesmo pensamento
ao princpio superior das coisas. H na alma um sentimento natural
que a arrasta para um ideal de perfeio em que se identificam o Bem
e a Justia. Este sentimento, o mais nobre que poderemos
experimentar, se fosse esclarecido pela Cincia, fortificado pela
razo, apoiado na liberdade de conscincia, viria a ser o mvel de
grandes e generosas aes; mas, manchado, falseado, materializado,
tornou-se, muitas vezes, pelas inquietaes da teocracia, um
instrumento de dominao egostica.
A religio necessria e indestrutvel porque se baseia na prpria
natureza do ser humano, do qual ela resume e exprime as aspiraes
elevadas. , igualmente, a expresso das leis eternas e, sob este
ponto de vista, tende a confundir-se com a filosofia, fazendo com
que esta passe do domnio da teoria ao da execuo, tornando-se vivaz
e ativa.
Mas, para exercer uma influncia salutar, para voltar a ser um
incitante de progresso e elevao, a religio deve despojar-se dos
disfarces com que se revestiu atravs dos sculos. No so os seus
elementos primordiais que devem desaparecer, mas, sim, as formas
exteriores, os mitos obscuros, o culto, as cerimnias. Cumpre evitar
confundir coisas to dessemelhantes. A verdadeira religio um
sentimento; no corao humano, e no nas formas ou manifestaes
exteriores, que est o melhor templo do Eterno. A verdadeira religio
no poderia ser encerrada dentro de regras e ritos acanhados; no
necessita de sacerdotes nem de frmulas nem de imagens.
Pouco se inquieta com simulacros e modos de adorar; s julga os
dogmas por sua influncia sobre o aperfeioamento das sociedades.
Abraa todos os cultos, todos os sacerdcios, eleva-se bastante e
diz-lhes: A Verdade ainda est muito acima!
Entretanto, deve-se compreender que nem todos os homens se acham
em vias de atingir esses pncaros intelectuais. Eis por que a
tolerncia e a benevolncia so coisas que se impem. Se, por um lado,
o dever convida-nos a desprender os bons espritos dos aspectos
vulgares da religio, por outro, preciso nos abstermos de lanar a
pedra s almas sofredoras, lacrimosas, incapazes de assimilar noes
abstratas, mas que encontram arrimo e conforto na sua cndida f.
Verifica-se, porm, que, de dia para dia, diminui o nmero dos
crentes sinceros. A idia de Deus, outrora simples e grande nas
almas, foi desnaturada pelo temor do inferno e perdeu seu poder. Na
impossibilidade de se elevarem at ao absoluto, certos homens
acreditaram ser necessrio adaptar sua forma e medida tudo o que
queriam conceber. Foi assim que rebaixaram Deus ao nvel deles
prprios, atribuindo-lhe as suas paixes e fraquezas, amesquinhando a
Natureza e o Universo, e, sob o prisma da ignorncia, decompondo em
cores diversas os argnteos raios da verdade. As claras noes da
religio natural foram obscurecidas a bel-prazer. A fico e a
fantasia engendraram o erro e este, preso ao dogma, ergueu-se como
um obstculo no meio do caminho. A luz ficou velada para aqueles que
se acreditavam seus depositrios e as trevas, com que pretendiam
envolver os outros, fizeram-se em si prprios e ao seu redor. Os
dogmas perverteram o critrio religioso, e o interesse de casta
falseou o senso moral. Da um acervo de supersties, de abusos e
prticas idlatras, cujo espetculo lanou tantos homens na negao.
A reao, porm, anuncia-se. As religies, imobilizadas em seus
dogmas como as mmias em suas faixas, agora agonizam, abafadas em
seus invlucros materiais, enquanto tudo marcha e evolve em torno
delas. Perderam quase toda a influncia sobre os costumes, sobre a
vida social, e esto destinadas a perecer. Mas, como todas as
coisas, as religies s morrem para renascer. A idia que os homens
fazem da Verdade modifica-se e dilata com o decorrer dos tempos.
Eis por que as religies, manifestaes temporrias, vistas parciais da
eterna Verdade, tendem a transformar-se desde que j tenham cumprido
a sua tarefa, e no mais correspondam aos progressos e s
necessidades da Humanidade. medida que esta caminha, so precisas
novas concepes, um ideal mais elevado, e isso s poder ser
encontrado nas descobertas da Cincia, nas intuies crescentes do
pensamento. Chegamos a uma poca da Histria em que as religies
encanecidas aluem-se por suas bases, poca em que se prepara uma
renovao filosfica e social. O progresso material e intelectual
desafia o progresso moral. Na profundeza das almas agita-se um
mundo de aspiraes, que faz esforos por tomar forma e aparecer vida.
O sentimento e a razo, essas duas grandes foras imperecveis como o
Esprito humano, de que so atributos, foras hostis at hoje e que
perturbavam a sociedade com os seus conflitos, semeando por toda
parte a discrdia, a confuso e o dio, tendem, finalmente, a se
conciliarem. A religio deve perder seu carter dogmtico e sacerdotal
para tornar-se cientfica; a cincia libertar-se- dos baixios
materialistas para esclarecer-se com um raio divino. Surgir uma
doutrina, idealista em suas tendncias, positiva e experimental em
seu mtodo, apoiada sobre fatos inegveis. Sistemas opostos na
aparncia, filosofias contraditrias e inimigas, o Espiritismo e o
Naturalismo, entre outras, acharo, afinal, um terreno de
reconciliao. Sntese poderosa, ela abraar e ligar todas as concepes
variadas do mundo e da vida, raios dispersos, faces variadas da
Verdade.
Ser a ressurreio, sob forma mais ampla e a todos acessvel, dessa
doutrina que o passado conheceu, ser o aparecimento da religio
natural que renascer simples, sem cultos nem altares. Cada pai ser
sacerdote em sua famlia, ensinar e dar o exemplo. A religio passar
para os atos, para o desejo ardente do bem; o holocausto ser o
sacrifcio de nossas paixes, o aperfeioamento do Esprito humano. Tal
a doutrina superior, definitiva, universal, no seio da qual sero
absorvidas, como os rios pelo oceano, todas as religies
passageiras, contraditrias, causas freqentes de dissidncia e
dilacerao para a Humanidade.
2 A ndia
Dissemos que a doutrina secreta achava-se no fundo de todas as
religies e nos livros sagrados de todos os povos. De onde veio ela?
Qual a sua origem? Quais os homens que a conceberam e fizeram
depois a sua descrio? As mais antigas escrituras so as que
resplandecem nos cus.
Esses mundos estelares que, atravs das noites calmas, deixam
cair serenas claridades, constituem as escrituras eternas e divinas
de que fala Dupuis. Os homens tm-nas, sem dvida, consultado antes
de escrever; mas os primeiros livros em que se encontra exposta a
grande doutrina so os Vedas. o molde em que se formou a religio
primitiva da ndia, religio inteiramente patriarcal, simples e pura,
como uma existncia desprovida de paixes, passando vida tranqila e
forte ao contacto da natureza esplndida do Oriente.
Os hinos vdicos igualam em grandeza e elevao moral a tudo o que,
no decorrer dos tempos, o sentimento potico engendrou de mais belo.
Celebram Agni, o fogo, smbolo do Eterno Masculino ou Esprito
Criador; Sorna, o licor do sacrifcio, smbolo do Eterno Feminino,
Alma do Mundo, substncia etrea. Em sua unio perfeita, esses dois
princpios essenciais do Universo constituem o Ser Supremo, Zians ou
Deus.
O Ser Supremo imola-se a si prprio e divide-se para produzir a
vida universal. Assim, o mundo e os seres sados de Deus voltam a
Deus por uma evoluo constante. Da a teoria da queda e da reascenso
das almas que se encontra no Oriente. Ao sacrifcio do fogo
resume-se todo o culto vdico. Ao levantar do dia, o chefe de
famlia, pai e sacerdote ao mesmo tempo, acendia a chama sagrada no
altar da Terra e, assim, para o cu azul, subia alegre a prece, a
invocao de todos Fora nica e viva, que est coberta pelo vu
transparente da Natureza.
Enquanto se cumpre o sacrifcio, dizem os Vedas, os Assuras ou
Espritos superiores e os Pitris ou almas dos antepassados cercam os
assistentes e se associam s suas preces. Portanto, a crena nos
Espritos remonta s primeiras idades do mundo.
Os Vedas afirmam a imortalidade da alma e a reencarnao:
H uma parte imortal do homem que aquela, o Agni, que cumpre
aquecer com teus raios, inflamar com teus fogos. De onde nasceu a
alma? Umas vm para ns e daqui partem, outras partem e tornam a
voltar.
Os Vedas so monotestas; as alegorias que se encontram em cada
pgina apenas dissimulam a imagem da grande Causa primria, cujo
nome, cercado de santo respeito, no podia, sob pena de morte, ser
pronunciado. As divindades secundrias ou devas personificam os
auxiliares inferiores do Ser Supremo, as foras vivas da Natureza e
as qualidades morais.
Do ensino dos Vedas decorria toda a organizao da sociedade
primitiva, o respeito mulher, o culto dos antepassados, o poder
eletivo e patriarcal. Os homens viviam felizes, livres e em
paz.
Durante a poca vdica, na vasta solido dos bosques, nas margens
dos rios e lagos, anacoretas ou rishis passavam os dias no retiro.
Intrpretes da cincia oculta, da doutrina secreta dos Vedas, eles
possuam j esses misteriosos poderes, transmitidos de sculo em
sculo, de que gozam ainda os faquires e os jogues. Dessa confraria
de solitrios saiu o pensamento inovador, o primeiro impulso que fez
do Bramanismo a mais colossal das teocracias.
Krishna, educado pelos ascetas no seio das florestas de cedros
que coroam os pncaros nevoentos do Himalaia, foi o inspirador das
crenas dos hindus. Essa grande figura aparece na Histria como o
primeiro dos reformadores religiosos, dos missionrios divinos.
Renovou as doutrinas vdicas, apoiando-se sobre as idias da
Trindade, da imortalidade da alma e de seus renascimentos
sucessivos. Selada a obra com o seu prprio sangue, deixou a Terra,
legando ndia essa concepo do Universo e da Vida, esse ideal
superior em que ela tem vivido durante milhares de anos.
Sob nomes diversos, pelo mundo espalhou-se essa doutrina com
todas as migraes de homens, de que foi origem a regio da ndia. Essa
terra sagrada no somente a me dos povos e das civilizaes, tambm o
foco das maiores inspiraes religiosas.
Krishna, rodeado por um certo nmero de discpulos, ia de cidade
em cidade espalhar os seus ensinos:
O corpo dizia ele , envoltrio da alma, que a faz sua morada, uma
coisa finita; porm, a alma que o habita invisvel, impondervel e
eterna.
O destino da alma depois da morte constitui o mistrio dos
renascimentos. Assim como as profundezas do cu se abrem aos raios
dos astros, assim tambm os recnditos da vida se esclarecem luz
desta verdade.
Quando o corpo entra em dissoluo, se a pureza que o domina, a
alma voa para as regies desses seres puros que tm o conhecimento do
Altssimo. Mas, se dominado pela paixo, a alma vem de novo habitar
entre aqueles que esto presos s coisas da Terra. Assim, a alma,
obscurecida pela matria e pela ignorncia, novamente atrada para o
corpo de seres irracionais.
Todo renascimento, feliz ou desgraado, conseqncia das obras
praticadas nas vidas anteriores.
H, porm, um mistrio maior ainda. Para atingir a perfeio, cumpre
conquistar a cincia da Unidade, que est acima de todos os
conhecimentos; preciso elevar-se ao Ser divino, que est acima da
alma e da inteligncia. Esse Ser divino est tambm em cada um de
ns:
Trazes em ti prprio um amigo sublime que no conheces, pois Deus
reside no interior de todo homem, porm poucos sabem ach-lo. Aquele
que faz o sacrifcio de seus desejos e de suas obras ao Ser de que
procedem os princpios de todas as coisas, obtm por tal sacrifcio a
perfeio, porque, quem acha em si mesmo sua felicidade, sua alegria,
e tambm sua luz, um com Deus. Ora, fica sabendo, a alma que
encontrou Deus est livre do renascimento e da morte, da velhice e
da dor, e bebe a gua da imortalidade.
Krishna falava na sua misso e da sua prpria natureza em termos
sobre os quais convm meditar. Dirigindo-se aos seus discpulos,
dizia:
Tanto eu como vs temos tido vrios nascimentos. Os meus s de mim
so conhecidos, porm vs nem mesmo os vossos conheceis. Posto que,
por minha natureza, eu no esteja sujeito a nascer e a morrer, todas
as vezes que no mundo declina a virtude, e que o vcio e a injustia
a superam, torno-me ento visvel; assim me mostro, de idade em
idade, para salvao do justo, para castigo do mau, e para
restabelecimento da verdade.
Revelei-vos os grandes segredos. No os digais seno queles que os
podem compreender. Sois os meus eleitos: vedes o alvo, a multido s
descortina uma ponta do caminho.
Por essas palavras a doutrina secreta estava fundada. Apesar das
alteraes sucessivas que teve de suportar, ela ficar sendo a fonte
da vida em que, na sombra e no silncio, se inspiram todos os
grandes pensadores da antiguidade.
A moral de Krishna tambm era muito pura:
Os males com que afligimos o prximo perseguem-nos, assim como a
sombra segue o corpo. As obras inspiradas pelo amor dos nossos
semelhantes so as que mais pesaro na balana celeste. Se convives
com os bons, teus exemplos sero inteis; no receeis habitar entre os
maus para os reconduzir ao bem. O homem virtuoso semelhante a uma
rvore gigantesca, cuja sombra benfica permite frescura e vida s
plantas que a cercam.
Sua linguagem elevava-se ao sublime quando falava da abnegao e
do sacrifcio:
O homem de bem deve cair aos golpes dos maus como o sndalo que,
ao ser abatido, perfuma o machado que o fere.
Quando os sofistas pediam que explicasse a natureza de Deus,
respondia-lhes:
S o infinito e o espao podem compreender o infinito. Somente
Deus pode compreender a Deus.
Dizia ainda:
Nada do que existe pode perecer, porque tudo est contido em
Deus. Visto isso, no alvitre sbio chorarem-se os vivos ou os
mortos, pois nunca todos ns cessaremos de subsistir alm da vida
presente.
Sobre a comunicao dos Espritos:
Muito tempo antes de se despojarem de seu envoltrio mortal, as
almas que s praticaram o bem adquirem a faculdade de conversar com
as almas que as precederam na vida espiritual.
isto o que, ainda em nossos dias, afirmam os brmanes pela
doutrina dos Pitris, mesmo porque, em todos os tempos, a evocao dos
mortos tem sido uma das formas da sua liturgia.
Tais so os principais pontos dos ensinos de Krishna, que se
encontram nos livros sagrados conservados ainda nos santurios do
sul do Indosto.
A princpio, a organizao social da ndia foi calcada pelos brmanes
sobre suas concepes religiosas. Dividiram a sociedade em trs
classes, segundo o sistema ternrio; mas, pouco a pouco, tal
organizao degenerou em privilgios sacerdotais e aristocrticos. A
hereditariedade imps os seus limites estreitos e rgidos s aspiraes
de todos. A mulher, livre e honrada nos tempos vdicos, tornou-se
escrava, e dos filhos s soube fazer escravos, igualmente. A
sociedade condensou-se num molde implacvel, a decadncia da ndia foi
a sua conseqncia inevitvel. Petrificado em suas castas e seus
dogmas, esse pas teve um sono letrgico, imagem da morte, que nem
mesmo foi perturbado pelo tumulto das invases estrangeiras! Acordar
ainda? S o futuro poder diz-lo.
Os brmanes, depois de terem estabelecido a ordem e constitudo a
sociedade, perderam a ndia por excesso de compresso. Assim tambm,
despiram toda a autoridade moral da doutrina de Krishna,
envolvendo-a em formas grosseiras e materiais.
Se considerarmos o Bramanismo somente pelo lado exterior e
vulgar, por suas prescries pueris, cerimonial pomposo, ritos
complicados, tbulas e imagens de que to prdigo, seremos levados a
nele no ver mais que um acervo de supersties. Seria, porm, erro
julg-lo unicamente pelas suas aparncias exteriores. No Bramanismo,
como em todas as religies antigas, cumpre distinguir duas
coisas:
Uma o culto e o ensino vulgar, repletos de fices que cativam o
povo, auxiliando a conduzi-lo pelas vias da submisso. A esta ordem
de idias liga-se o dogma da metempsicose ou renascimento das almas
culpadas em corpos de animais, insetos ou plantas, espantalho
destinado a atemorizar os fracos, sistema hbil imitado pelo
Catolicismo quando concebeu os mitos de Satans, do inferno e dos
suplcios eternos;
A outra o ensino secreto, a grande tradio esotrica que fornece
sobre a alma e seus destinos, e sobre a causa universal, as mais
puras e elevadas reflexes. Para conseguir isso, necessrio
penetrar-se nos mistrios dos pagodes, folhear os manuscritos que
estes encerram e interrogar os brmanes sbios.
*
Cerca de seiscentos anos antes da era Crist, um filho de rei,
kyamuni ou o Buddha, foi acometido de profunda tristeza e imensa
piedade pelos sofrimentos dos homens. A corrupo invadira a ndia,
logo depois de alteradas as tradies religiosas, e, em seguida,
vieram os abusos da teocracia vida do poder. Renunciando s
grandezas, vida faustosa, o Buddha deixa o seu palcio e embrenha-se
na floresta silenciosa. Aps longos anos de meditao, reaparece para
levar ao mundo asitico seno uma crena nova, ao menos uma outra
expresso da Lei.
Segundo o Budismo, est no desejo a causa do mal, da dor, da
morte e do renascimento. o desejo, a paixo que nos prende s formas
materiais e que desperta em ns mil necessidades sem cessar,
reverdecentes e nunca saciadas, tornando-se assim, outros tantos
tiranos. O fim elevado da vida arrancar a alma aos turbilhes do
desejo. Consegue-se isso pela reflexo, austeridade, pelo
desprendimento de todas as coisas terrenas, pelo sacrifcio do eu,
pela iseno do cativeiro egosta da personalidade. A ignorncia o mal
soberano de que decorrem o sofrimento e a misria; o principal meio
para se melhorar a vida no presente e no futuro adquirir-se o
conhecimento.
O conhecimento compreende a cincia da natureza visvel e
invisvel, o estudo do homem e dos princpios das coisas. Estes so
absolutos e eternos. O mundo, sado por sua prpria atividade de um
estado uniforme, est numa evoluo contnua. Os seres, descidos do
Grande-Todo a fim de operarem o problema da Perfeio, inseparvel do
estado de liberdade e, por conseguinte, do movimento e do
progresso, tendem sempre a voltar ao Bem perfeito. No penetram no
mundo da forma seno para trabalharem no complemento da sua obra de
aperfeioamento e elevao. Podem realizar isso pela Cincia, ou
Upanishaci, e complet-lo pelo Amor, ou Purana.
A Cincia e o Amor so dois fatores essenciais do Universo.
Enquanto no adquire o amor, o ser est condenado a prosseguir na
srie das reencarnaes terrestres.
Sob a influncia de tal doutrina, o instinto egosta v
estreitar-se pouco a pouco o seu circulo de ao. O ser aprende a
abraar num mesmo amor tudo o que vive e respira; e isto nada mais
que um dos degraus da sua evoluo, pois esta deve conduzi-lo a s
amar o eterno princpio de que emana todo o amor, e para onde todo
ele deve necessariamente voltar. Esse estado o do Nirvana.
Essa expresso, diversamente comentada, tem causado muitos
equvocos. Em conformidade com a doutrina secreta do Budismo, o
Nirvana no , como ensina a Igreja do Sul e o Gr-Sacerdote do Ceilo,
a perda da individualidade e o esvaecimento do ser no nada, mas sim
a conquista, pela alma, da perfeio, e a libertao definitiva das
transmigraes e dos renascimentos no seio das humanidades. Cada qual
executa o seu prprio destino. A vida presente, com suas alegrias e
dores, no seno a conseqncia das boas ou ms aes operadas livremente
pelo ser nas existncias anteriores.
O presente explica-se pelo passado, no s para o mundo tomado em
seu conjunto, como tambm para cada um dos seres que o compem.
Designa-se por Carma toda a soma de mritos ou de demritos
adquiridos pelo ser. O Carma para este, em todos os instantes da
sua evoluo, o ponto de partida do futuro, o motor de toda a justia
distributiva:
Em Buddha uno-me dor de todos os meus irmos e, entretanto,
sorrio e sinto-me contente porque vejo que a liberdade existe.
Sabei, vs que sofreis; mostro-vos a verdade; tudo o que somos
resultante do que fomos no passado. Tudo fundado sobre nossos
pensamentos; tudo obra dos prprios pensamentos. Se as palavras e
aes de um homem obedecem a um pensamento puro, a liberdade segue-o
como uma sombra. O dio jamais foi apaziguado pelo dio, pois no
vencido seno pelo amor. Assim como a chuva passa atravs de uma casa
mal coberta, assim a paixo atravessa um esprito pouco refletido.
Pela reflexo, moderao e domnio de si prprio, o homem transforma-se
numa rocha que nenhuma tempestade pode abater. O homem colhe aquilo
que semeou. Eis a doutrina do Carma.
A maior parte das religies recomenda-nos fazer o bem em vista de
uma recompensa de alm-tmulo. Est a um mbil egosta e mercenrio que
no se encontra do mesmo modo no Budismo. necessrio praticar o bem,
diz Lon de Rosny, porque o bem o fim supremo da Natureza.
conformando-se s exigncias dessa lei que se adquire a nica satisfao
verdadeira, a mais bela que pode apreciar o ser desprendido dos
entraves da forma e das atraes do desejo, causas contnuas de decepo
e de sofrimento.
A compaixo do Budismo, sua caridade, estende-se a todos os
seres. Segundo ele, todos so destinados ao Nirvana. E, por seres,
devem entender-se os animais, os vegetais e mesmo os corpos
inorgnicos. Todas as formas da vida se encadeiam, de acordo com a
lei grandiosa da evoluo e do transformismo. Em parte alguma do
universo deixa de existir vida. A morte no seno uma iluso, um dos
agentes da vida que exige um renovamento contnuo e transformaes
incessantes. O inferno, para os iniciados na doutrina, no outra
coisa seno o remorso e a ausncia do amor. O purgatrio est em toda
parte onde se encontra a forma e onde evoluciona a matria. Est em
nosso globo, ao mesmo tempo em que nas profundezas do firmamento
estrelado.
O Buddha e seus discpulos praticavam o Diana, ou a contemplao, o
xtase. Durante esse estado, o Esprito destaca-se e comunica-se com
as almas que deixaram a Terra.
O Budismo esotrico ou vulgar, repelido de todos os lados da ndia
no sculo 6, aps lutas sangrentas provocadas pelos brmanes, sofreu
vicissitudes diversas e numerosas transformaes. Um dos seus ramos
ou Igreja, a do Sul, em algumas das suas interpretaes, parece
inclinar-se para o atesmo e materialismo. A do Tibet conservou-se
desta e espiritualista. O Budismo tambm se tornou a religio do
imprio mais vasto do mundo: a China. Seus fiis adeptos compem,
hoje, a tera parte da populao do globo; mas, em todos os meios onde
ele se espalhou, do Ural ao Japo, foram veladas e alteradas as
tradies primitivas. Nele, como em qualquer outra doutrina, as
formas materiais do culto abafaram as altas aspiraes do pensamento.
Os ritos, as cerimnias supersticiosas, as frmulas vs, as oferendas,
as preces sonoras, substituram o ensino moral e a prtica das
virtudes. Entretanto, os principais ensinamentos do Buddha foram
conservados nos Sutras. Sbios, herdeiros da cincia e dos poderes
dos antigos ascetas, possuem tambm, dizem, a doutrina secreta na
sua integridade. Esses estabeleceram suas moradas longe das
multides humanas, sobre os planaltos das montanhas, de onde os
campos da ndia apenas se divisam vagos e longnquos como num sonho.
na atmosfera pura e calma das solides que habitam os Mhtmas.
Possuindo segredos que lhes permitem desafiar a dor e a morte,
passam os dias na meditao, esperando a hora problemtica em que o
estado moral da Humanidade torne possvel a divulgao dos seus
poderes extraordinrios. Como, porm, nenhum fato bastante autntico
tem vindo at hoje confirmar essas citaes, ainda fica por provar a
existncia dos Mhtmas.
H vinte anos que grandes esforos foram empregados para espalhar
a doutrina bdica no Ocidente. A raa latina, porm, vida de
movimento, de luz e liberdade, parece pouco disposta a assimilar-se
a essa religio de renunciamento, de que os povos orientais fizeram
uma doutrina de aniquilamento voluntrio e de prostrao intelectual.
O Budismo, na Europa, apenas tem permanecido no domnio de alguns
homens de letras, que honram o esoterismo tibetano. Este, em certos
pontos, abre ao Esprito humano perspectivas estranhas. A teoria dos
dias e das noites de Brahma Manvantara e Pralaya , que uma renovao
das antigas religies da ndia, parece que est em muita contradio com
a idia do Nirvana. De qualquer modo, esses perodos imensos de
difuso e concentrao, durante os quais a grande causa primordial
absorve todos os seres, permanece s, imvel, adormecida sobre os
mundos dissolvidos, atraem o pensamento numa espcie de vertigem. A
teoria dos sete princpios constitutivos do homem e dos sete
planetas, sobre os quais corre a roda da vida num movimento
ascensional, tambm constitui pontos originais e sujeitos a
exame.
Uma coisa domina este ensino: a lei de caridade proclamada pelo
Buddha um dos mais poderosos apelos ao bem que tem ecoado neste
mundo ; mas, segundo a expresso de Lon de Rosny, essa lei calma e
pura, porque nada traz em seu apoio, ficou ininteligvel para a
maioria dos homens, visto lhes revoltar os apetites e no prometer a
espcie de salrio que querem ganhar.
O Budismo, apesar das suas manchas e sombras, nem por isso deixa
de ser uma das maiores concepes religiosas das que tm aparecido
neste mundo, uma doutrina toda de amor e igualdade, uma reao
poderosa contra a distino de castas que foi estabelecida pelos
brmanes, doutrina que, em certos pontos, oferece analogias
importantes com o Evangelho de Jesus de Nazar.3 O Egito
s portas do deserto erguem-se os templos, os pilonos e as
pirmides, florestas de pedra debaixo de um cu de fogo. As esfinges,
retradas e sonhadoras, contemplam a plancie, e as necrpoles,
talhadas na rocha, abrem seus slios profundos margem do rio
silencioso. o Egito, terra estranha, livro venervel, no qual o
homem moderno apenas comea a soletrar o mistrio das idades, dos
povos e das religies.
A ndia, diz a maior parte dos orientalistas, comunicou ao Egito
a sua civilizao e a sua f; outros, no menos eruditos, afirmam que,
em poca remota, j a terra de sis possua suas prprias tradies. Estas
so a herana de uma raa extinta, a vermelha, que ocupava todo o
continente austral, e que foi aniquilada por lutas formidveis
contra os brancos e por cataclismos geolgicos. A Esfinge de Giz,
anterior em vrios milhares de anos grande pirmide, e levantada
pelos vermelhos no ponto em que o Nilo se juntava ento ao mar, um
dos raros monumentos que esses tempos remotos nos legaram.
A leitura das estrelas, a dos papiros encontrados nos tmulos,
permite reconstituir a histria do Egito, ao mesmo tempo em que essa
antiga doutrina do Verbo-Luz, divindade de trplice natureza,
simultaneamente inteligncia, fora e matria: esprito, alma e corpo,
que oferece uma analogia perfeita com a filosofia da ndia. Aqui,
como l, encontra-se, debaixo da grosseira forma cultual, o mesmo
pensamento oculto. A alma do Egito, o segredo da sua vitalidade, o
do seu papel histrico, a doutrina oculta dos seus sacerdotes,
cuidadosamente velada sob os mistrios de sis e Osris, e
experimentalmente analisada, no fundo dos templos, por iniciados de
todas as classes e de todos os pases.
Sob formas austeras, os princpios dessa doutrina eram expressos
pelos livros sagrados de Hermes, que constituam uma vasta
enciclopdia. Ali se encontravam classificados os conhecimentos
humanos, mas nem todos os livros chegaram at ns. A cincia religiosa
do Egito foi-nos restituda sobretudo pela leitura dos hierglifos.
Os templos so igualmente livros, e pode-se dizer que na terra dos
faras as pedras tm voz.
Um dos grandes sbios modernos, Champollion, descobriu trs
espcies de escrita nos manuscritos e sobre os templos egpcios. Por
a ficou confirmada a opinio dos antigos, isto , que os sacerdotes
empregavam trs classes de caracteres: os primeiros, demticos, eram
simples e claros; os segundos, hierticos, tinham um sentido
simblico e figurado; os outros eram hierglifos. o que Herclito
exprimia pelos termos de falante, significante e ocultante.
Os hierglifos tinham um triplo sentido e no podiam ser
decifrados sem chave. A esses sinais aplicava-se a lei da analogia
que rege os mundos: natural, humano e divino, e que permite
exprimir os trs aspectos de todas as coisas por combinaes de nmeros
e figuras, que reproduzem a simetria harmoniosa e a unidade do
Universo. assim que, num mesmo sinal, o adepto lia, ao mesmo tempo,
os princpios, as causas e os efeitos, e essa linguagem tinha para
ele extraordinrio valor. Sado de todas as classes da sociedade,
mesmo das mais nfimas, o sacerdote era o verdadeiro senhor do
Egito; os reis, por ele escolhidos e iniciados, s governavam a nao
a titulo de mandatrios. Altas concepes, uma profunda sabedoria,
presidiam aos destinos desse pas. No meio do mundo brbaro, entre a
Assria feroz, apaixonada, e a frica selvagem, a terra dos faras era
como uma ilha aoitada pelas ondas em que se conservavam as puras
doutrinas, a cincia secreta do mundo antigo.
Os sbios, os pensadores, os diretores de povos, gregos, hebreus,
fencios, etruscos, iam beber nessa fonte. Por intermdio deles, o
pensamento religioso derramava-se dos santurios de sis sobre todas
as praias do Mediterrneo, fazendo despontar civilizaes diversas,
dessemelhantes mesmo, conforme o carter dos povos que as recebiam,
tornando-se monotesta, na Judia, com Moiss, politesta, na Grcia,
com Orfeu, porm uniforme em seu princpio oculto, em sua essncia
misteriosa.
O culto popular de sis e de Osris no era seno uma brilhante
miragem oferecida multido. Debaixo da pompa dos espetculos e das
cerimnias pblicas ocultava-se o verdadeiro ensino dos pequenos e
grandes mistrios. A iniciao era cercada de numerosos obstculos e de
reais perigos. As provas fsicas e morais eram longas e mltiplas.
Exigia-se o juramento de sigilo, e a menor indiscrio era punida com
a morte. Essa temvel disciplina dava forma e autoridade
incomparveis religio secreta e iniciao. medida que o adepto avanava
em seu curso, descortinavam-se-lhe os vus, fazia-se mais brilhante
a luz, tornavam-se vivos e animados os smbolos.
A Esfinge, cabea de mulher em corpo de touro, com garras de leo
e asas de guia, era a imagem do ser humano emergindo das
profundezas da animalidade para atingir a sua nova condio. O grande
enigma era o homem, trazendo em si os traos sensveis da sua origem,
resumindo todos os elementos e todas as foras da natureza
inferior.
Deuses extravagantes com cabea de pssaros, de mamferos, de
serpentes, eram outros smbolos da vida, em suas mltiplas
manifestaes. Osris, o deus solar, e sis, a grande Natureza, eram
celebrados por toda parte; mas, acima deles, havia um Deus
inominado, de que s se falava em voz baixa e com timidez.
Antes de tudo, o nefito aprendia a conhecer-se. O hierofante
falava-lhe assim:
Oh! alma cega, arma-te com o facho dos mistrios e, na noite
terrestre, descobrirs teu dplice luminoso, tua alma celeste. Segue
esse gnio divino e que ele seja teu guia, porque tem a chave das
tuas existncias passadas e futuras.
No fim de suas provas, fatigado pelas emoes, tendo dez vezes
encarado a morte, o iniciado via aproximar-se dele uma imagem de
mulher, trazendo um rolo de papiros.
Sou tua irm invisvel, dizia ela, sou tua alma divina, e isto o
livro da tua vida. Ele encerra as pginas cheias das tuas existncias
passadas e as pginas brancas das tuas vidas futuras. Um dia as
desenrolarei todas diante de ti. Agora me conheces. Chama-me e eu
virei.
Enfim, na varanda do templo, debaixo do cu estrelado, diante de
Mnfis ou Tebas adormecidas, o sacerdote contava ao adepto a viso de
Hermes, transmitida vocalmente de pontfice a pontfice e gravada em
sinais hieroglficos nas abbadas das criptas subterrneas.
Um dia, Hermes viu o espao, os mundos e a vida, que em todos os
lugares se expandia. A voz da luz que enchia o infinito revelou-lhe
o divino mistrio:
A luz que viste a Inteligncia Divina que contm todas as coisas
sob seu poder e encerra os moldes de todos os seres.
As trevas so o mundo material em que vivem os homens da
Terra.
O fogo que brota das profundezas o Verbo Divino:
Deus o Pai, o Verbo o Filho, sua unio faz a Vida.
O destino do Esprito humano tem duas fases: cativeiro na matria,
ascenso na luz. As almas so filhas do cu, e a viagem que fazem uma
prova. Na encarnao perdem a reminiscncia de sua origem celeste.
Cativas pela matria, embriagadas pela vida, elas se precipitam como
uma chuva de fogo com estremecimentos de volpia, atravs da regio do
sofrimento, do amor e da morte, at priso terrestre em que tu mesmo
gemes, e em que a vida divina parece-te um sonho vo.
As almas inferiores e ms ficam presas Terra por mltiplos
renascimentos, porm as almas virtuosas sobem voando para as esferas
superiores, onde recobram a vista das coisas divinas. Impregnam-se
com a lucidez da conscincia esclarecida pela dor, com a energia da
vontade adquirida pela luta. Tornam-se luminosas, porque possuem o
divino em si prprias e irradiam-no em seus atos. Reanima pois teu
corao, Hermes, e tranqiliza teu esprito obscurecido pela contemplao
desses vos de almas subindo a escala das esferas que conduz ao Pai,
onde tudo se acaba, onde tudo comea eternamente. E as sete esferas
disseram juntas: Sabedoria! Amor! Justia! Beleza! Esplendor!
Cincia! Imortalidade!.
O pontfice acrescentava:
Medita sobre esta viso. Ela encerra o segredo de todas as
coisas. Quanto mais souberes compreend-la, tanto mais vers se
alargarem os seus limites, porque governa a mesma lei orgnica os
mundos todos. Entretanto, o vu do mistrio cobre a grande verdade,
pois o conhecimento total desta s pode ser revelado queles que
atravessarem as mesmas provas que ns. preciso medir a verdade
segundo as inteligncias, vel-la aos fracos porque os tornaria
loucos, ocult-la aos maus que dela fariam arma de destruio. A
cincia ser tua fora, a f tua espada, o silncio teu escudo.
A cincia dos sacerdotes do Egito ultrapassava em bastantes
pontos a cincia atual. Conheciam o Magnetismo, o Sonambulismo,
curavam pelo sono provocado e praticavam largamente a sugesto. o
que eles chamavam Magia.
O alvo mais elevado a que um iniciado podia aspirar era a
conquista desses poderes, cujo emblema era a coroa dos magos.
Sabei, diziam-lhe, o que significa esta coroa. Tua vontade, que
se une a Deus para manifestar a verdade e operar a justia,
participa, j nesta vida, da potncia divina sobre os seres e sobre
as coisas, recompensa eterna dos espritos livres.
O gnio do Egito foi prostrado pela onda das invases. A escola de
Alexandria colheu algumas das suas parcelas, que transmitiu ao
Cristianismo nascente. Antes disto, porm, os iniciados gregos
tinham feito penetrar as doutrinas hermticas na Hlade. a que vamos
encontr-las.4 A Grcia
Entre os povos de iniciativa, nenhum h cuja misso se manifeste
com maior brilho do que o da Hlade. A Grcia iniciou a Europa em
todos os esplendores do belo. De sua mo aberta saiu a civilizao
ocidental e o seu gnio de vinte sculos atrs ainda hoje se irradia
sobre as naes. Por isso que, apesar de seus desmembramentos, de
suas lutas intestinas, de sua queda final, ela tem sido admirada em
todas as pocas.
A Grcia soube traduzir, em linguagem clara, as belezas obscuras
da sabedoria oriental. Exprimiu-as a princpio com o adjutrio dessas
duas harmonias celestes que tornou humanas: a msica e a poesia.
Orfeu e Homero foram os primeiros que fizeram ouvir seus acordes
terra embevecida. Mais tarde, esse ritmo, essa harmonia que o gnio
nascente da Grcia havia introduzido na palavra e no canto,
Pitgoras, o iniciado dos templos egpcios, observou-os por toda
parte do Universo, na marcha dos astros que se movem, futuras
moradas da Humanidade, no seio dos espaos, na concordncia dos trs
mundos, natural, humano e divino, que se sustentam, se equilibram,
se completam, para produzirem a vida em sua corrente ascensional e
em sua espiral infinita. Dessa viso estupenda decorria para ele a
idia de uma trplice iniciao, pela qual o homem, conhecedor dos
princpios eternos, aprendia, depurando-se, a libertar-se dos males
terrestres e a elevar-se para a perfeio. Da, um sistema de educao e
de reforma a que Pitgoras deixou o seu nome, e que tantos sbios e
heris produziu.
Enfim, Scrates e Plato, popularizando os mesmos princpios,
derramando-os em crculo mais lato, inauguraram o reinado da cincia
franca, que veio substituir o ensino secreto.
Tal foi o papel representado pela Grcia na histria da evoluo do
pensamento. Em todos os tempos, a iniciao exerceu uma influncia
capital sobre os destinos desse pas. No nas flutuaes polticas,
agitadas nessa raa inconstante e impressionvel, que se devem
procurar as mais altas manifestaes do gnio helnico. A iniciao no
tinha seu foco na sombria e brutal Esparta, nem na brilhante e
frvola Atenas, mas, sim, em Delfos, em Olmpia, em Elusis, refgios
sagrados da pura doutrina. Era ali que, pela celebrao dos mistrios,
ela se revelava em toda a sua pujana. Ali, pensadores, poetas e
artistas iam colher o ensino oculto, que depois traduziam multido
em imagens vivas e em versos inflamados. Acima das cidades
turbulentas, sempre prontos a se dilacerarem, acima das oscilaes
polticas, passando alternativamente da aristocracia democracia e ao
reinado dos tiranos, um poder supremo dominava a Grcia: o tribunal
dos Anfitries, que tinha Delfos por sede, e que se compunha de
iniciados de grau superior. Por si s, ele salvara a Hlade nas horas
de perigo, impondo silncio s rivalidades de Esparta e de
Atenas.
J no tempo de Orfeu os templos possuam a cincia secreta.
Escuta dizia o mestre ao nefito , escuta as verdades que convm
ocultar multido, e que fazem a fora dos santurios. Deus um, e
sempre semelhante a si mesmo; porm, os deuses so inumerveis e
diversos, porque a divindade eterna e infinita. Os maiores so as
aluas dos astros, etc.
Entraste com o corao puro no seio dos Mistrios. Chegou a hora
suprema em que te vou fazer penetrar at s fontes da vida e da luz.
Os que no levantam o vu espesso que esconde aos olhos dos homens as
maravilhas invisveis no se tornaro filhos dos Deuses.
Aos msticos e aos iniciados:
Vinde gozar, vs que tendes sofrido; vinde repousar, vs que
tendes lutado. Pelos sofrimentos passados, pelo esforo que vos
conduz, vencereis, e se acreditais nas palavras divinas j
vencestes, porque, depois do longo circuito das existncias
tenebrosas, saireis, enfim, do crculo doloroso das geraes e, como
uma s alma, vos encontrareis na luz de Dionisos.
Amai, porque tudo ama; amai, porm, a luz e no as trevas. Durante
a vossa viagem tende sempre em mira esse alvo. Quando as almas
voltam ao espao, trazem, como hediondas manchas, todas as faltas da
sua vida estampadas no corpo etreo... E, para apag-las, cumpre que
expiem e voltem Terra. Entretanto, os puros, os fortes, vo para o
sol de Dionisos.
*
Domina o grupo dos filsofos gregos uma imponente figura.
Pitgoras, esse filho de Inia que melhor soube coordenar e pr em
evidncia as doutrinas secretas do Oriente, e melhor soube fazer
delas uma vasta sntese, que ao mesmo tempo abraasse a moral, a
cincia e a religio. A sua Academia de Crotona foi uma escola
admirvel de iniciao laica, e sua obra, o preldio desse grande
movimento de idias que, com Plato e Jesus, iam agitar as camadas
profundas da sociedade antiga, impelindo suas torrentes at s
extremidades do continente.
Pitgoras havia estudado durante trinta anos no Egito. Aos seus
vastos conhecimentos juntava uma intuio maravilhosa, sem a qual nem
sempre bastam a observao e o raciocnio para descobrir a verdade.
Graas a tais qualidades, pde levantar o magnfico monumento da
cincia esotrica, cujas linhas essenciais no podemos deixar de aqui
traar:
A essncia em si escapa ao homem, dizia a doutrina pitagrica,
pois ele s pode conhecer as coisas deste mundo, em que o finito se
combina com o infinito. Como conhec-las? H entre ele e as coisas
uma harmonia, uma relao, um princpio comum, e esse princpio dado a
tudo pelo Uno que, com a essncia, fornece tambm a sua medida e
inteligibilidade.
Vosso ser, vossa alma um pequeno universo, mas est cheio de
tempestades e de discrdias. Trata-se de realizar a a unidade na
harmonia. Somente ento descer Deus at vossa conscincia,
participareis assim do seu poder, e da vossa vontade fareis a pedra
da ladeira, o altar de Hestia, o trono de Jpiter.
Os pitagricos chamavam Esprito ou inteligncia parte ativa e
imortal do ser humano. A alma era para eles o Esprito envolvido em
seu corpo fludico e etreo. O destino da Psique, a alma humana, sua
queda e cativeiro na carne, seus sofrimentos e lutas, sua reascenso
gradual, seu triunfo sobre as paixes e sua volta final luz, tudo
isto constitua o drama da vida, representado nos Mistrios de Elusis
como sendo o ensino por excelncia.
Segundo Pitgoras, a evoluo material dos mundos e a evoluo
espiritual das almas so paralelas, concordantes, e explicam-se uma
pela outra. A grande alma, espalhada na Natureza, anima a substncia
que vibra sob seu impulso e produz todas as formas e todos os
seres. Os seres conscientes, por seus longos esforos, desprendem-se
da matria, que dominam e governam a seu turno, libertam-se e
aperfeioam-se atravs de existncias inumerveis. Assim, o invisvel
explica o visvel, e o desenvolvimento das criaes materiais a
manifestao do Esprito Divino.
Procurando-se nos tratados de Fsica dos antigos a opinio deles
sobre a estrutura do Universo, enfrentam-se dados grosseiros e
atrasados; esses no so, porm, mais que alegorias. O ensino secreto
dava, sobre as leis do Universo, noes muito mais elevadas. Diz-nos
Aristteles que os pitagricos conheciam o movimento da Terra em
torno do Sol. A idia da rotao terrestre veio a Coprnico pela
leitura de uma passagem de Ccero, que lhe ensinou ter Hicetas,
discpulo de Pitgoras, falado do movimento diurno do globo. No
terceiro grau de iniciao aprendia-se o duplo movimento da
Terra.
Como os sacerdotes do Egito, seus mestres, Pitgoras sabia que os
planetas nasceram do Sol, em torno do qual giram, e que cada
estrela um sol iluminando outros mundos, e que compe, com seu
cortejo de esferas, outros tantos sistemas siderais, outros tantos
universos regidos pelas mesmas leis que o nosso. Essas noes, porm,
jamais eram confiadas ao papel; constituam o ensino oral comunicado
sob sigilo. O vulgo no as compreenderia; considera-las-ia como
contrrias mitologia e, por conseguinte, sacrlegas.
A cincia secreta tambm ensinava que um fluido impondervel se
estende por toda parte e tudo penetra. Agente sutil, sob a ao da
vontade ele se modifica, se transforma, se rarefaz e se condensa
segundo a potncia e elevao das almas que o empregam, tecendo com
essa substncia o seu vesturio astral. o trao de unio entre o
Esprito e a matria, tudo gravando-se nele, refletindo-se como
imagens em um espelho, sejam pensamentos ou acontecimentos. Pelas
propriedades desse fluido, pela ao que a vontade sobre ele exerce,
explicam-se os fenmenos da sugesto e da transmisso do pensamento.
Os antigos chamavam-lhe, por alegoria, vu misterioso de sis ou
manto de Cibele, que envolve tudo o que existe. Esse mesmo fluido
serve de veculo de comunicao entre o visvel e o invisvel, entre os
homens e as almas desencarnadas.
A cincia do mundo invisvel constitua um dos ramos mais
importantes do ensino reservado. Por ela se havia sabido deduzir,
do conjunto dos fenmenos, a lei das relaes que unem o mundo
terrestre ao mundo dos Espritos; desenvolviam-se com mtodo as
faculdades transcendentais da alma humana, tornando possvel a
leitura do pensamento e a vista a distncia. Os fatos de
clarividncia e de adivinhao, produzidos pelas sibilas e pitonisas,
orculos dos templos gregos, so atestados pela Histria. Muitos
espritos fortes os consideram apcrifos. Sem dvida, cumpre levar em
conta a exagerao e a lenda; mas as recentes descobertas da
psicologia experimental tm-nos demonstrado que nesse domnio havia
alguma coisa mais do que v superstio e convidam-nos a estudar mais
atentamente um conjunto de fatos que, na antiguidade, repousava
sobre princpios fixos e fazia parte de uma cincia profunda e
grandiosa.
Em geral, no se encontram essas faculdades seno em seres de
pureza e elevao de sentimento extraordinria; exigem preparo longo e
minucioso. Os orculos referidos por Herdoto, a propsito de Creso e
da batalha de Salamina, provam que Delfos possuiu pessoas assim
dotadas. Mais tarde, imiscuram-se abusos nessa prtica. A raridade
das pessoas assim felizmente dotadas tornou os sacerdotes menos
escrupulosos na sua escolha. Corrompeu-se e caiu em desuso a cincia
adivinhatria. Segundo Plutarco, a desapario dessa cincia foi
considerada por toda a sociedade antiga como uma grande
desgraa.
Toda a Grcia acreditava na interveno dos Espritos em coisas
humanas. Scrates tinha o seu daimon ou Gnio familiar. Exaltados
pela convico de que potncias invisveis animavam seus esforos, os
gregos, em Maratona e Salanitna, repeliram pelas armas a terrvel
invaso dos persas. Em Maratona, os atenienses acreditaram ver dois
guerreiros, brilhantes de luz, combaterem em suas fileiras. Dez
anos mais tarde, Ptia, sacerdotisa de Apolo, sob a inspirao dum
Esprito, indicou a Temstocles, do alto da sua trpode, os meios de
salvar a Grcia. Se Xerxes casse vencedor, os asiticos brbaros
apoderar-se-iam de toda a Hlade, abafando o seu gnio criador,
fazendo recuar, dois mil anos talvez, o desabrochar da ideal beleza
do pensamento.
Os gregos, com um punhado de homens, derrotaram o imenso exrcito
asitico e, conscientes do socorro oculto que os assistia, rendiam
suas homenagens a Palas-Ateneu, divindade tutelar, smbolo da
potncia espiritual, nessa sublime rocha da Acrpole, moldurada pelo
mar brilhante e pelas linhas grandiosas do Pentlico e do
Himeto.
Para a difuso dessas idias muito havia contribudo a participao
nos Mistrios, pois desenvolvia nos iniciados o sentimento do
invisvel, que, ento, sob formas diversas, se espalhava entre o
povo. Na Grcia, no Egito e na ndia, consistiam os Mistrios em uma
mesma coisa: o conhecimento do segredo da morte, a revelao das
vidas sucessivas e a comunicao com o mundo oculto. Esse ensino,
essas prticas, produziam nas almas impresses profundas;
infundiam-lhes uma paz, uma serenidade, uma fora moral
incomparveis.
Sfocles chama aos Mistrios esperana da morte, e Aristfanes diz
que passavam uma vida mais santa e pura os que neles tomavam parte.
Recusava-se a admitir os conspiradores, os perjuros e os
debochados.
Porfiro escreveu:
Nossa alma, no momento da morte, deve achar-se como durante os
Mistrios, isto , isenta de paixo, de clera e de cio.
Pelos seguintes termos, Plutarco afirma que, nesse mesmo estado,
conversava-se com as almas dos defuntos:
Na maior parte das vezes, intervinham nos Mistrios excelentes
Espritos, embora, em algumas outras, procurassem os perversos ali
se introduzirem.
Proclo tambm acrescenta:
Em todos os Mistrios, os deuses (aqui, significa esta palavra
todas as ordens de espritos) mostram-se de muitas maneiras,
aparecem sob grande variedade de figuras e revestem a forma
humana.
A doutrina esotrica era um lao de unio entre o filsofo e o
padre. Eis o que explica a sua harmonia em comum e a ao medocre que
o sacerdcio teve na civilizao helnica. Essa doutrina ensinava os
homens a dominarem as suas paixes e desenvolvia neles a vontade e a
intuio. Por um exerccio progressivo, os adeptos de grau superior
conseguiam penetrar todos os segredos da Natureza, dirigir vontade
as foras em ao no mundo, produzir fenmenos de apario sobrenatural,
mas que, entretanto, eram simplesmente a manifestao natural das
leis desconhecidas pelo vulgo.
Scrates e, mais tarde, Plato continuaram na Atica a obra de
Pitgoras. Scrates no quis jamais fazer-se iniciar, porque preferia
a liberdade de ensinar a toda gente as verdades que a sua razo lhe
havia feito descobrir. Depois da morte deste, Plato transportou-se
ao Egito e ali foi admitido nos Mistrios. Voltando a conferenciar
com os pitagricos, fundou, ento, a sua academia. Mas, a sua
qualidade de iniciado no mais lhe permitia falar livremente e, nas
suas obras, a grande doutrina aparece um tanto velada. No obstante
isso, encontram-se no Fedon e no Banquete a teoria das emigraes da
alma e suas reencarnaes, assim como a das relaes entre os vivos e
os mortos. Conhece-se, igualmente, a cena alegrica que Plato
colocou no fim da sua Repblica. Um gnio tira, de sobre os joelhos
das Parcas, os destinos, as diversas condies humanas, e
exclama:
Almas divinas! entrai em corpos mortais; ide comear uma nova
carreira. Eis aqui todos os destinos da vida. Escolhei livremente;
a escolha irrevogvel. Se for m, no acuseis por isso a Deus.
Essas crenas tinham penetrado no mundo romano, pois Ccero a elas
se refere, no Sonho de Cipio (captulo III), bem como Ovdio, nas
suas Metamorfoses (captulo XV). No sexto livro da Eneida, de
Virglio, v-se que Enias encontra nos Campos Elseos seu pai
Anquises, e aprende deste a lei dos renascimentos. Todos os grandes
autores latinos dizem que Gnios familiares assistem e inspiram os
homens de talento. Lucano, Tcito, Apuleio, e bem assim Filstrato, o
grego, em suas obras falam freqentemente de sonhos, aparies e
evocaes de mortos.
*
Em resumo, a doutrina secreta, me das religies e das filosofias,
reveste aparncias diversas no correr das idades, mas sua base
permanece imutvel em toda parte. Nascida simultaneamente na ndia e
no Egito, passa da para o Ocidente com a onda das migraes.
Encontramo-la em todos os pases ocupados pelos celtas. Oculta na
Grcia pelos Mistrios, ela se revela no ensino de mestres tais como
Pitgoras e Plato, debaixo de formas cheias de seduo e poesia. Os
mitos pagos so como um vu de ouro que esconde em suas dobras as
linhas puras da sabedoria dlfica. A escola de Alexandria recolhe os
seus princpios e infunde-os no sangue jovem e impetuoso do
Cristianismo. J o Evangelho, como a abbada das florestas sob um sol
brilhante, era iluminado pela cincia esotrica dos essnios, outro
ramo dos iniciados. A palavra do Cristo havia bebido nessa fonte de
gua viva e inesgotvel as suas imagens variadas e os seus encantos
poderosos. Assim que, por toda parte, atravs da sucesso dos tempos
e do rasto dos povos, se afirmam a existncia e a perpetuidade de um
ensino secreto que se encontra idntico no fundo de todas as grandes
concepes religiosas ou filosficas. Os sbios, os pensadores, os
profetas dos templos e dos pases mais diversos, nele acharam a
inspirao e a energia que fazem empreender grandes coisas e
transformar almas e sociedades, impelindo-as para frente na estrada
evolutiva do progresso.
H a como que uma grande corrente espiritual que se desenrola
misteriosamente nas profundezas da Histria, e parece sair desse
mundo invisvel que nos domina, nos envolve, e onde vivem e atuam
ainda os grandes Espritos que tm servido de guias Humanidade, e que
jamais cessaram de com ela comunicar-se.
5 A Glia
A Glia conheceu a grande doutrina; possuiu-a sob uma forma
poderosa e original; soube dela tirar conseqncias que escaparam aos
outros pases. H trs unidades primitivas, diziam os druidas, Deus, a
Luz, e a Liberdade. Quando a ndia j andava dividida em castas
estacionrias, em limites infranqueveis, as instituies gaulesas
tinham por bases a igualdade de todos, a comunidade de bens e o
direito eleitoral. Nenhum dos outros povos da Europa teve, no mesmo
grau, o sentimento profundo da imortalidade, da justia e da
liberdade.
com venerao que devemos estudar as tendncias filosficas da Glia,
porque a encontraremos, fortemente denunciadas, todas as qualidades
e tambm todos os defeitos de uma grande raa. Nada mais digno de
ateno e de respeito do que a doutrina dos druidas, os quais no eram
brbaros como se acreditou erradamente durante sculos.
Por muito tempo, s conhecemos os gauleses pelos autores latinos
e pelos escritores catlicos. Mas, essas fontes devem, a justo
ttulo, ser suspeitas, pois esses autores tinham interesse direto em
desacredit-los e em desfigurar suas crenas. Csar escreveu os
Comentrios com evidente inteno de se exaltar aos olhos da
posteridade. Polio e Suetnio confessam que nessa obra abundam
inexatides e erros voluntrios. Os cristos s vem nos druidas homens
sanguinrios e supersticiosos; em seu culto somente encontram
prticas grosseiras. Entretanto, certos padres da Igreja Cirilo,
Clemente de Alexandria e Orgenes distinguem com cuidado os druidas
da multido dos idlatras, e conferem-lhes o titulo de filsofos.
Entre os autores antigos, Lucano, Horcio e Florus consideravam a
raa gaulesa como depositria dos mistrios do nascimento e da
morte.
Os progressos dos estudos clticos, a publicao das Trades e dos
cnticos brdicos permitem-nos encontrar, em fontes seguras, uma
justa apreciao de tais crenas. A filosofia dos druidas,
reconstituda em toda a sua amplido, conforma-se com a doutrina
secreta do Oriente e com as aspiraes dos espiritualistas modernos,
pois, como estes, tambm afirma as existncias progressivas da alma
na escala dos mundos. Essa doutrina viril inspirava aos gauleses
uma coragem indomvel, uma intrepidez tal que eles caminhavam para a
morte como para uma festa. Enquanto os romanos se cobriam de bronze
e ferro, os gauleses despiam as vestes e combatiam a peito nu.
Orgulhavam-se das suas feridas e consideravam cobardia usar-se de
astcia na guerra. Da os seus repetidos reveses e a sua queda final.
To grande era a certeza das vidas futuras que emprestavam dinheiro
na expectativa de que seriam reembolsados em outros mundos. Os
despojos dos guerreiros mortos, diziam, no so mais que invlucros
gastos. Como indignos de ateno, eles os abandonavam no campo da
batalha, o que era uma grande surpresa para os seus inimigos.
Os gauleses no conheciam o inferno e, por isso, Lucano, no canto
primeiro da Farslia, os louva com os seguintes termos:
Para ns, as almas no se sepultam nos sombrios reinos do rebo,
mas sim voam a animar outros corpos em novos mundos. A morte no
seno o termo de uma vida. Felizes esses povos que no se arreceiam
no momento supremo da vida; da o seu herosmo no meio de sangrentos
combates e o seu desprezo pela morte.
Os gauleses eram castos, hospitaleiros e fiis f jurada.
Na instituio dos druidas encontraremos a mais alta expresso do
gnio da Glia. Os druidas no constituam um corpo sacerdotal, pois
seus ttulos equivaliam ao sbio, sapiente. Aqueles que os possuam
tinham a liberdade de escolher a sua tarefa. Alguns, sob o nome de
eubages, presidiam s cerimnias do culto, porm o maior nmero
consagrava-se educao da mocidade, ao exerccio da justia, ao estudo
das cincias e da poesia. A influncia poltica dos druidas era grande
e tendia a realizar a unidade da Glia. No pais dos Carnutos haviam
institudo uma assemblia anual, em que se reuniam os deputados das
repblicas gaulesas e em que se discutiam as questes importantes, os
graves interesses da ptria. Os druidas eram escolhidos por eleio e
tinham de passar por um preparo de iniciao que exigia vinte anos de
estudos.
Praticava-se o culto debaixo da copa dos bosques. Os smbolos
eram todos tomados da Natureza. O templo era a floresta secular de
colunas inumerveis, e sob zimbrios de verdura, onde os raios de sol
penetravam com suas flechas de ouro, para irem derramar-se sobre a
relva em mil tons de sombra e luz. Os murmrios do vento, o frmito
das folhas, produziam em tudo acentos misteriosos, que
impressionavam a alma e a levavam meditao. A rvore sagrada, o
carvalho, era o emblema do poder divino; o visco, sempre verde, era
o da imortalidade. Por altar, tinham montes de pedra bruta. Toda
pedra lavrada pedra profanada, diziam esses austeros pensadores. Em
seus santurios jamais se encontrava objeto algum sado da mo dos
homens. Tinham horror aos dolos e s formas pueris do culto
romano.
A fim de que os seus princpios no fossem desnaturados ou
materializados por imagens, os druidas proibiam as artes plsticas e
mesmo o ensino escrito. Confiavam somente memria dos bardos e dos
iniciados o segredo da sua doutrina. Dai resultou a penria de
documentos relativos a tal poca.
Os sacrifcios humanos, to reprovados aos gauleses, mais no eram,
na maior parte, do que execuo da justia. Os druidas,
simultaneamente magistrados e executores, ofereciam os criminosos
em holocausto Potncia suprema. Cinco anos distanciavam a sentena da
execuo; nos tempos de calamidade, vtimas voluntrias tambm se
entregavam em expiao. Impacientes de reunirem-se com os seus
antepassados nos mundos felizes, de se elevarem para os crculos
superiores, os gauleses subiam prazenteiramente para a pedra do
sacrifcio e recebiam a morte no meio de um cntico de alegria. Mas
no tempo de Csar j haviam cado em desuso essas imolaes.
Teutats, Esus, Gwyon eram, no panteo gauls, a personificao da
fora, da luz e do esprito, mas, acima de todas as coisas, pairava a
potncia infinita, que os gauleses adoravam junto das pedras
sagradas, no majestoso silncio das florestas. Os druidas ensinavam
a unidade de Deus.
Segundo as Trades, a alma gera-se no seio do abismo anoufn; a
reveste as formas rudimentares da vida; s adquire a conscincia e a
liberdade depois de ter estado por muito tempo imersa nos baixos
instintos. Eis o que a tal respeito diz o cntico do bardo
Taliesino, clebre em toda a Glia: Existindo, desde toda a
antiguidade, no meio dos vastos oceanos, no nasci de um pai e de
uma me, mas das formas elementares da Natureza, dos ramos da btula,
do fruto das florestas, das flores das montanhas. Brinquei noite,
dormi pela aurora: fui vbora no lago, guia nas nuvens, lince nas
selvas. Depois, eleito por Gwyon (Esprito divino), pelo Sbio dos
sbios, adquiri a imortalidade. Bastante tempo decorreu e depois fui
pastor. Vagueei longamente pela Terra antes de me tornar hbil na
cincia. Enfim, brilhei entre os chefes superiores. Revestido dos
hbitos sagrados, empunhei a taa dos sacrifcios. Vivi em cem mundos;
agitei-me em cem crculos.
A alma, em sua peregrinao imensa, diziam os druidas, percorre
trs crculos, aos quais correspondem trs estados sucessivos. No
anoufn sofre o jugo da matria; o perodo animal. Penetra depois no
abred, crculo das migraes que povoam os mundos de expiao e de
provas; a Terra um desses mundos e a alma se encarna bastantes
vezes em sua superfcie. A custa de uma luta incessante,
desprende-se das influncias corpreas e deixa o crculo das encarnaes
para atingir gwynfid, crculo dos mundos venturosos ou da
felicidade. A se abrem os horizontes encantadores da
espiritualidade. Ainda mais acima se desenrolam as profundezas do
ceugant, crculo do infinito que encerra todos os outros e que s
pertence a Deus. Longe de se aproximar do Pantesmo, como a maior
parte das doutrinas orientais, o druidismo afasta-se dele por uma
concepo inteiramente diferente sobre a Divindade. A sua concepo
sobre a vida tambm no menos notvel.
Segundo as Trades, nenhum ser joguete da fatalidade, nem
favorito de uma graa caprichosa, visto preparar e edificar por si
prprio os seus destinos. O seu alvo no a pesquisa de satisfaes
efmeras, mas sim a elevao pelo sacrifcio e pelo dever cumprido. A
existncia um campo de batalha onde o brao conquista seus postos.
Tal doutrina exaltava as qualidades hericas e depurava os costumes.
Estava to longe das puerilidades msticas quanto da avidez ilusria
da teoria do nada.
Entretanto, parece ter-se afastado da verdade em certo ponto:
foi quando estabeleceu que a alma culpada, perseverando no mal,
pode perder o fruto de seus trabalhos e recair nos graus inferiores
da vida, donde lhe ser necessrio recomear sua longa e dolorosa
ascenso. Mas, ajuntam as Trades, a perda da memria lhe permite
recomear a luta, sem ter, por obstculos, o remorso e as irritaes do
passado. No Gwynfid recupera, com todas as recordaes, a unidade da
sua vida e reata os fragmentos esparsos pela sucesso dos
tempos.
Os druidas possuam conhecimentos cosmolgicos muito extensos.
Sabiam que o nosso planeta rola no espao, levado em seu curso ao
redor do Sol. o que ressalta deste outro canto de Taliesino,
chamado O Cntico do Mundo:
Perguntarei aos bardos, e por que os bardos no respondero?
Perguntarei o que sustenta o mundo; porque, privado de apoio, este
globo no se desloca. Que lhe poderia servir de apoio?
Grande viajor o mundo! Correndo sempre e sem repouso, nunca se
desvia da sua linha, e quo admirvel a forma dessa rbita para que
jamais se escape dela.
O prprio Csar, to pouco versado nessas matrias, diz-nos que os
druidas ensinavam muitas coisas sobre a forma e a dimenso da Terra,
sobre o movimento dos astros, sobre as montanhas e os vales da Lua.
Dizem que o Universo, eterno e imutvel em seu conjunto, se
transforma incessantemente em suas partes; que a vida o anima por
uma circulao infinita e espalha-se por todos os pontos. Desprovidos
dos meios de observao de que dispe a cincia moderna, pergunta-se:
onde foram os gauleses aprender tais noes?
Os druidas comunicavam-se com o mundo invisvel; mil testemunhas
o atestam. Nos recintos de pedra evocavam os mortos. As druidesas e
os bardos proferiam orculos. Vrios autores referem que Vercingtorix
entretinha-se, debaixo das ramagens sombrias dos bosques, com as
almas dos heris mortos em servio da ptria. Antes de sublevar a Glia
contra Csar, foi para a ilha de Sem, antiga residncia das
druidesas, e a, ao esfuziar dos raios, apareceu-lhe um Gnio que
predisse sua derrota e seu martrio.
A comemorao dos mortos de iniciativa gaulesa. No dia primeiro de
novembro celebrava-se a festa dos Espritos, no nos cemitrios os
gauleses no honravam os cadveres , mas sim em cada habitao, onde os
bardos e os videntes evocavam as almas dos defuntos. No entender
deles, os bosques e as charnecas eram povoados por Espritos
errantes. Os Duz e os Korrigans eram almas em procura de novas
encarnaes.
O ensino dos druidas adaptava-se, na ordem poltica e social, a
instituies conforme justia. Os gauleses, sabendo que eram animados
por um mesmo princpio, chamados todos aos mesmos destinos,
sentiam-se iguais e livres. Em cada repblica gaulesa, os chefes
eram oportunamente eleitos pelo povo reunido. A lei cltica punia,
com o suplcio do fogo, os ambiciosos e os pretendentes coroa. As
mulheres tomavam parte nos conselhos, exerciam funes sacerdotais,
eram videntes e profetas. Dispunham de si mesmas e escolhiam seus
esposos. A propriedade era coletiva, pertencendo todo o territrio
repblica. Por forma alguma era entre eles reconhecido o direito
hereditrio: a eleio decidia tudo.
A longa ocupao romana, depois a invaso dos francos e a introduo
do feudalismo, fizeram esquecer essas verdadeiras tradies
nacionais. Mas, tambm veio o dia em que o velho sangue gauls se
agitou nas veias do povo; em seu torvelinho a Revoluo derrocou
estas duas importaes estrangeiras: a teocracia de Roma e a
monarquia implantada pelos francos. A velha Glia encontrou-se
inteira na Frana de 1789.
Uma coisa capital faltava-lhe entretanto: a idia da
solidariedade. O druidismo fortificava nas almas o sentimento do
direito e da liberdade; mas, se os gauleses se sabiam iguais, nem
por isso se sentiam bastante irmos. Da, essa falta de unidade que
perdeu a Glia. Curvada sob uma opresso de vinte sculos, purificada
pela desgraa, esclarecida por luzes novas, tornou-se por excelncia
a nao una, indivisvel. A lei da caridade e do amor, a melhor que o
Cristianismo lhe fez conhecer, veio completar o ensino dos druidas
e formar uma sntese filosfica e moral cheia de grandeza.
*
Do seio da Idade Mdia, como uma ressurreio do esprito da Glia,
ergue-se uma figura brilhante. Desde os primeiros sculos da nossa
era, Joana d'Arc fora anunciada por uma profecia do Bardo Myrdwyn
ou Merlin. debaixo do carvalho das fadas, perto da mesa de pedra,
que ela ouve muitas vezes suas vozes. crist piedosa, mas acima da
Igreja terrestre coloca a Igreja eterna, a do alto, a nica a que se
submete em todas as coisas.
Nenhum testemunho da interveno dos Espritos na vida dos povos
comparvel histria, tocante da Virgem de Domrmy. Em fins do sculo
15, agonizava a Frana sob o jugo frreo dos ingleses. Com o auxlio
de uma jovem, uma criana de dezoito anos, as potncias invisveis
reanimam um povo desmoralizado, despertam o patriotismo extinto,
inflamam a resistncia e salvam a Frana da morte.
Joana jamais procedeu sem consultar suas vozes e, quer nos
campos de batalha, quer perante os juizes, elas sempre lhe
inspiraram palavras e atos sublimes. Um s momento, na priso em Ruo,
essas vozes parecem abandon-la. Foi ento que, acabrunhada pelo
sofrimento, consentiu em abjurar. Desde que os Espritos se afastam,
torna-se mulher; fraquejada, submete-se. Depois, as vozes fazem-se
ouvir de novo e, ento, ela levanta logo a cabea diante dos
juizes:
A voz me disse que era traio abjurar. A verdade que Deus ma
enviou; o que fiz est bem-feito.
Sagrada pelos seus martrios dolorosos, Joana tornou-se um
exemplo sublime de sacrifcio, um objeto de admirao, um profundo
ensino para todos os homens.
6 O Cristianismo
Conforme a Histria, no deserto que ostensivamente aparece a
crena no Deus nico, a idia-me de onde devia sair o Cristianismo.
Atravs das solides pedregosas do Sinai, Moiss, o iniciado do Egito,
guiava para a terra prometida o povo por cujo intermdio o
pensamento monotesta, at ento confinado nos Mistrios, ia entrar no
grande movimento religioso e espalhar-se pelo mundo.
Ao povo de Israel coube um papel considervel. Sua histria como
um trao de unio que liga o Oriente ao Ocidente, a cincia secreta
dos templos religio vulgarizada. Apesar das suas desordens e das
suas mculas, a despeito desse sombrio exclusivismo que uma das
faces do seu carter, ele tem o mrito de haver adotado, at
enraizar-se em si, esse dogma da unidade de Deus, cujas conseqncias
ultrapassaram as suas vistas, preparando a fuso dos povos em uma
famlia universal, debaixo de um mesmo Pai e sob uma s Lei.
Essa perspectiva, grandiosa e extensa, somente foi reconhecida
ou pressentida pelos profetas que precederam a vinda do Cristo. Mas
esse ideal oculto, prosseguindo, transformado pelo Filho de Maria,
dele recebeu radiante esplendor, tambm comunicado s naes pags pelos
seus discpulos. A disperso dos judeus ainda mais auxiliou a sua
difuso. Segundo sua marcha atravs das civilizaes decadas e das
vicissitudes dos tempos, ele ficar gravado em traos indelveis na
conscincia da Humanidade.
Um pouco antes da era atual, proporo que o poder romano cresce e
se estende, v-se a doutrina secreta recuar, perder a sua
autoridade. So raros os verdadeiros iniciados. O pensamento se
materializa, os espritos se corrompem. A ndia fica como adormecida
num sonho: extingue-se a lmpada dos santurios egpcios e a Grcia,
assenhoreada pelos retricos e pelos sofistas, insulta os sbios,
proscreve os filsofos, profana os Mistrios. Os orculos ficam mudos.
A superstio e a idolatria invadem os templos. E a orgia romana se
desencadeia pelo mundo, com suas saturnais, sua luxria desenfreada,
seus inebriamentos bestiais. Do alto do Capitlio, a prostituta
saciada domina povos e reis. Csar, imperador e deus, se entroniza
numa apoteose ensangentada!
Entretanto, nas margens do Mar Morto, alguns homens conservam no
recesso a tradio dos profetas e o segredo da pura doutrina.