ILKA VIEIRA Patronesse do Blogue Expressão Mulher-EM Um Tributo À Arte da Escrita Feminina www.expressaomulher-em.blogspot.com.br "O poeta é o ser que mais necessita de renovação. Cansa-se com facilidade do cotidiano, mas através dele adquire passaportes para as mais profundas paisagens. O poeta chama de alma a essência que salvaguarda suas emoções, o alicerce que sustenta sua vida e a eternidade que sobrevive à sua morte. O poeta deixa deslizar a pena através da folha, transparecendo em cenário o renascimento de atitudes da alma." Ilka Vieira (1954-2014)
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ILKA VIEIRA
Patronesse do Blogue Expressão Mulher-EM
Um Tributo À Arte da Escrita Feminina
www.expressaomulher-em.blogspot.com.br
"O poeta é o ser que mais necessita de renovação. Cansa-se com facilidade do cotidiano, mas através dele adquire
passaportes para as mais profundas paisagens. O poeta chama de alma a essência que salvaguarda suas
emoções, o alicerce que sustenta sua vida e a eternidade que sobrevive à sua morte.
O poeta deixa deslizar a pena através da folha, transparecendo em cenário o renascimento de atitudes da alma."
Tornei-me nebulosa, Fazendo-me fortalecida. Fui trancando o glamour Abrindo a face valente Apagando meu abajour, Fiz-me inevidente. Deixando a jarra vazia sobre a mesa, Flores ao relento pediam-me moradia. Saindo das paixões à francesa, Perdi a noção de companhia. Desmarcando parcerias de dança, Esqueci como dançar... O silêncio foi marcando o descompasso Não dancei... não vi o dia raiar. Hoje, a farda impecável Faz-se mais feia do que a roupa desbotada. O dedo indicador ordenável Impulsiona minha alma delicada. Agora entendo: Vão-se as responsabilidades exageradas De nada vale a vida ou vale quase nada, Se a minha cor-mulher está tão recolhida Se a minha cor-de-rosa está descolorida. Que venha o meu pôr-de-cor, Renascerei... Que caiam as pétalas, Brotarei, sei que brotarei!...
ÚLTIMO ATO
Ilka Vieira
... E o peito embutiu o som em si A melodia findou chorando em dó
Era tarde, passou a lua, não a vi Borrei de red o blue, noite em pó. Tic-tac , pêndulo entre mim e o vão
Paisagens de outono traçando destino
Despi a alma em voto de comunhão
Corpo presente sem tom de figurino. Já havia cinzas, mas acendi as velas
No passo lento minha estrela apagou
Criei por mim minhas próprias celas
Impossível fugir da morte se ela chegou. Beijou-me a vida, despediu-se de mim
Ilka Vieira Ainda guardo comigo os amores que por mim passaram. Alguns deixaram flores, outros deixaram dores
mas todos foram passageiros do meu coração. Uma boa parte deles chamo de achado
outra parte, prefiro denominar como perdido... extraviado mas todos provaram da minha fartura de sentimentos. Aqueles que viraram o meu barco, certamente souberam da minha sobrevivência. Os que me resgataram, obviamente receberam lição de recomeço. Regouguei frente a frente com muitos deles
não por ira, mas por tese. Em circunstâncias raras, permiti-lhes fazer sangrar
minha solidez, descuidei. Alimentei os famintos de espírito
aumentei a sede dos apressados dei corda aos dissimulados
salvei das minhas maldades os generosos, fugindo...
lapidei os brutos... embruteci os polidos converti em amigos os mais antigos
madurei... deitei à sombra de histórias cancelei meus projetos amorosos... ... e, por pouco não me sobro. Já ia me fazer dormir, mas optei por relembrar.
Contrapartida
Ilka Vieira
Não me digas que já é tarde. Guardei-me para o teu regresso
Em mim, a força do sol ainda arde, Não deixo que a brisa sopre, confesso!
Com tempo, fui talhando-me com maestria. Maturei, retocando princípios e passados; Cada traço, iluminado pela luz da poesia, Despiu de dor os sonhos mais delicados.
Equilibrei, nivelando o medo com a bravura, Ora protegendo-me no calor do teu abraço, Ora lutando contra minha própria loucura, Mas recolhendo vestígios em estilhaço.
Suavizei minha pele com água do lago. Perfumei-a com essência do puro jasmim. Lembrando as nuanças do teu afago, Compus melodia para o nosso festim.
Selei meu ciúme emprestando tua paisagem; Sem céu, sem mar, preparei a terra, Há de chover, brotar, não é visagem, Algumas nuvens já dançam lá na serra.
Eis-me aqui inteira após tantos anos; Refeita, serena, renascida, enfim. Meu olhar acena para o teu sem danos... Mas tu, o que guardaste pra mim?
Alma Viva
Ilka Vieira
Quero da vida o encontro com a magia da arte
Colher dela a sabedoria insigne do silêncio
Sair ilibada em passeio poético por toda parte
Soprando pétalas do meu coração "florêncio"
Quero da vida vagar lúcida sentindo-me louca
Chamando quem não conheço à luz da natureza
Na troca de prosa sem pressa ou de pressa pouca
Compartilhar a ópera silvestre em sua grandeza
Quero da vida envelhecer jovem sem esmolar cuidados
Repintar sonho desfeito, rir de sonho errante
Descalçar meus pés e deixá-los seguir descasados
Na brincadeira entre passado e impulsos doravante
Quero da vida rejuvenescer velha à brisa do mar Tornar-me onda, passarada, barco à deriva... Poeta triste, morto e ressuscitado para amar Ilha habitada, corpo aquecido, Alma Viva !
Chega próximo, ouve o choro dos meus segredos... Circulam em torno d'alma cansados de se guardar... Protegendo-me da lama, escondem-se nos rochedos, Vestem-se de virtudes, cobrem meu descaminhar...
Vem, encosta tua face leiga no meu peito, Deixa que me revele com muita coragem... Perdi as rédeas, não tem mais jeito, Exponho hoje minha armazenagem...
Eu sei, vais sofrer ouvindo meus segredos, Erros cometidos no decorrer do abandono... Enquanto a primavera cobria teus arvoredos, Eu os despia, acelerando teu outono...
Já que vieste sondar minhas rotinas, Não sei se te peço ou se te devo perdão... Se minha sentença és tu quem a assinas, Leva de brinde minha ousada confissão!