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prximo: sem esta sensibilidade, toda amizade, toda relao entre
mestre e aluno,mestre e discpulo se torna, em algum momento,
hipocrisia.
232. Os profundos. Indivduos que pensam profundamente tm a
impresso de
serem comediantes ao lidar com os outros, pois sempre tm que
dissimular umasuperfcie para serem compreendidos.
233. Para os desprezadores da humanidade de rebanho. Quem
considera os
homens como rebanho, e deles foge o mais rapidamente possvel,
certamente serpor eles alcanado e espetado com os chifres.
234. O principal delito contra os vaidosos. Quem d a um outro,
na sociedade,
ocasio de brilhar expondo seu saber, seu sentimento e sua
experincia, coloca-seacima dele e comete assim, caso o outro no o
veja sem reservas como estandoacima, um atentado vaidade dele
quando acreditava estar satisfazendo-a.
235. Decepo. Quando uma vida longa e uma ampla atividade, com
muitas falas e
escritos, testemunham publicamente acerca de uma pessoa, o trato
com elacostuma decepcionar, por um duplo motivo: de um lado, porque
se espera coisademais de um breve perodo de relacionamento ou seja,
tudo aquilo que apenasas mil ocasies da vida podem tornar visvel ,
e, de outro, porque algum que jobteve reconhecimento geral no se
esfora em conquist-lo tambm num casoisolado. Ele muito negligente e
ns, muito impacientes.
236. Duas fontes de bondade. Tratar todos com igual benevolncia
e ser bom sem
distino de pessoa pode ser decorrncia tanto de um profundo
desprezo como deum slido amor humanidade.
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237. O andarilho fala para si mesmo na montanha. H indcios
seguros de que voc
avanou e subiu: agora o espao mais livre e a vista mais ampla ao
seu redor, oar que o envolve mais fresco, mas tambm mais suave voc
desaprendeu atolice que era confundir suavidade com calor , seu
andar se tornou mais vivo emais firme, nimo e circunspeo cresceram
conjuntamente: por todos essesmotivos, seu caminho agora pode ser
mais solitrio e, em todo caso, mais perigosodo que o anterior,
embora no tanto, certamente, quanto acreditam aqueles que,do vale
nebuloso, o vem caminhar pela montanha.
238. Excetuando o prximo. Obviamente minha cabea no est bem
assentada
sobre meus ombros; pois notrio que qualquer outra pessoa sabe
melhor o quedevo e o que no devo fazer: apenas eu, pobre coitado,
no sei me dar bonsconselhos. No somos todos ns como esttuas em que
foram colocadas ascabeas erradas? No verdade, meu caro prximo? Mas
no, justamentevoc a exceo.
239. Cautela. Com pessoas a quem falta o respeito pelo que
pessoal no
devemos andar, ou devemos antes colocar-lhes, implacavelmente,
as algemas dacompostura.
240. Desejo de mostrar-se vaidoso. Expressar apenas pensamentos
seletos ao
conversar com pessoas desconhecidas ou no muito conhecidas,
falar dos amigosclebres, de experincias e viagens importantes
indcio de no ser orgulhoso, ouao menos de no desejar parecer que .
A vaidade a mscara de polidez doorgulhoso.
241.
-
A boa amizade. A boa amizade nasce quando se preza bastante o
outro, maisdo que a si mesmo; quando tambm se ama o outro, mas no
tanto quanto a simesmo, e quando, para facilitao do trato, sabe-se
juntar a isso uma tintura epenugem de intimidade, mas sabiamente
guardando-se, ao mesmo tempo, daverdadeira intimidade, e evitando
confundir Eu com Voc.
242. Os amigos como fantasmas. Quando mudamos muito, nossos
amigos que no
mudaram se tornam fantasmas do nosso passado: sua voz nos chega
vaga ehorripilante como se ouvssemos a ns mesmos, porm mais jovens,
mais durose imaturos.
243. Um olho e dois olhares. As mesmas pessoas que tm por
natureza o olhar que
chama o favor e a proteo, habitualmente possuem tambm, devido a
suasfreqentes humilhaes e sentimentos de vingana, o olhar
desavergonhado.
244. Distncia azul. Uma criana a vida inteira isso soa
comovente, mas
apenas o juzo feito distncia; visto e vivido de perto, significa
sempre: ummenino a vida inteira.
245. Vantagem e desvantagem no mesmo mal-entendido. O silencioso
embarao
da cabea refinada geralmente interpretado como tcita
superioridade pelos no-refinados e bastante temido: quando a
percepo do embarao produziriabenevolncia.
246. O sbio passando por tolo. A amabilidade com os seres
humanos, por parte do
homem sbio, s vezes o leva a dar-se por exaltado, irritado,
rejubilado, a fim deno magoar aqueles ao seu redor com a frieza e
circunspeo de seu verdadeiro
-
ser. 247. Obrigar-se ateno. To logo notamos que algum, no trato
e nas conversas
conosco, precisa obrigar-se a ter ateno, temos uma prova cabal
de que no nosama ou no mais nos ama.
248. Caminho para uma virtude crist. Aprender com nossos
inimigos o melhor
caminho para am-los: pois nos deixa em atitude de gratido para
com eles. 249. Estratgia do importuno. O importuno d moedas de ouro
como troco para
nossas moedas de conveno, e depois quer nos forar a tratar nossa
convenocomo uma falha e a ele como uma exceo.
250. Motivo de averso. Tornamo-nos hostis a vrios artistas e
escritores, no
porque finalmente notamos que eles nos enganaram, mas porque no
julgaramnecessrio usar meios mais sutis para nos prender.
251. Na separao. No no modo como uma alma se aproxima de outra,
mas em
como se afasta dela que reconheo seu parentesco e relao com a
outra. 252. Silentium [Silncio]. No se deve falar dos amigos: seno
malbaratamos com
palavras o sentimento da amizade.
-
253. Impolidez. Impolidez , com freqncia, sinal de uma modstia
desajeitada,
que perde a cabea com uma surpresa e quer esconder isso mediante
a grosseria. 254. Erro de clculo na franqueza. Aquilo que at ento
silenciamos, s vezes
revelamos justamente aos mais novos conhecidos: acreditamos,
tolamente, queessa prova de confiana o mais forte vnculo com que
podemos ret-los maseles no sabem o suficiente de ns para apreciar
muito o sacrifcio de nossaconfidncia, e delatam a outros nossos
segredos, sem imaginar que assim nostraem: de modo que podemos
perder nossos velhos conhecidos por causa disso.
255. Na antecmara do favor. Todas as pessoas que deixamos
esperar por muito
tempo na antecmara do nosso favor, entram em fermentao e ficam
azedas. 256. Aviso aos desprezados. Quando algum decaiu claramente
na estima das
pessoas, deve agarrar-se com unhas e dentes ao pudor nas relaes:
de outromodo, revela aos outros que tambm decaiu na sua prpria
estima. O cinismo nasrelaes um sinal de que a ss consigo a pessoa
trata a si mesma como um co.
257. Ignorncia que enobrece. Tendo em vista a estima dos que
conferem estima,
mais vantajoso no compreender evidentemente certas coisas. Tambm
ainscincia proporciona privilgios.
258. O adversrio da graa. O intolerante e arrogante no aprecia a
graciosidade e
a percebe como uma objeo viva contra si; pois ela a tolerncia do
corao emgestos e movimento.
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259. No reencontro. Quando velhos amigos se revem aps uma longa
separao,
com freqncia sucede aparentarem interesse ao falar de coisas que
se tornaramindiferentes para eles: e s vezes ambos o percebem, mas
no ousam levantar ovu graas a uma triste dvida. Assim nascem
conversas como que no reino dosmortos.
260. Fazer amizade apenas com sujeitos laboriosos. O ocioso um
perigo para os
amigos: pois, como no tem o que fazer, fala do que os amigos
fazem ou nofazem, e acaba por se imiscuir e tornar-se incmodo:
motivo pelo qual devemos,sabiamente, tomar apenas sujeitos
laboriosos como amigos.
261. Uma arma valendo mais do que duas. uma luta desigual,
quando um
indivduo defende sua causa com a cabea e o corao, e o outro,
apenas com acabea: como se o primeiro tivesse o sol e o vento
contra si, e suas duas armasatrapalham uma outra: ele perde o prmio
aos olhos da verdade. Por outrolado, a vitria do segundo com sua
nica arma raramente uma vitria que fala aocorao dos outros
espectadores, tornando-o antiptico para eles.
262. Profundeza e turvao. O pblico facilmente confunde quem
pesca em guas
turvas com quem colhe das profundezas. 263. Demonstrando sua
vaidade com amigos e inimigos. Por vaidade, alguns
tratam mal at os prprios amigos, quando h testemunhas a quem
querem deixarclara a sua predominncia; e outros exageram o valor de
seus inimigos, paraorgulhosamente dar a entender que so dignos de
tais inimigos.
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264. Esfriamento. O corao quente geralmente est ligado
enfermidade da
cabea e do juzo. Quem por algum tempo se importa com a sade
deste, devesaber, portanto, o que tem de esfriar; sem temer pelo
futuro de seu corao! Pois,se for capaz de aquecimento,
inevitavelmente retomar seu calor e ter seu vero.
265. Mescla de sentimentos. No tocante cincia, mulheres e
artistas egostas
sentem algo que composto de inveja e sentimentalismo. 266.
Quando o perigo maior. Raramente quebramos a perna quando
subimos
trabalhosamente na vida, mas sim quando comeamos a fazer corpo
mole e tomaros caminhos fceis.
267. Cedo demais. preciso atentar para no se tornar agudo antes
do tempo
porque assim nos adelgaamos antes do tempo. 268. Alegria com o
recalcitrante. O bom educador sabe de casos em que tem
orgulho de seu aluno permanecer fiel a si mesmo contra ele: isto
, ali onde ojovem no deve compreender o adulto, ou o compreenderia
em detrimento prprio.
269. Tentativa de honradez. Jovens que desejam tornar-se mais
honrados do que
eram, procuram como vtima algum notoriamente honrado, que atacam
buscandoelevar-se sua altura com insultos achando secretamente que,
de toda forma,essa primeira tentativa no perigosa; pois aquele
seria o ltimo a castigar oimpudor do honrado.
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270. A eterna criana. Ns julgamos que histrias de fadas e
brincadeiras so
coisas da infncia: mopes que somos! Como se em alguma idade da
vidapudssemos viver sem brincadeiras e histrias! certo que as
denominamos evemos de outro modo, mas justamente isso mostra que so
a mesma coisa poistambm a criana v a brincadeira como seu trabalho
e as histrias como suaverdade. A brevidade da vida deveria nos
guardar da pedante separao dasidades da vida como se cada uma
trouxesse algo novo e um poeta poderianos apresentar um homem de
duzentos anos, um que realmente vivesse sembrincadeiras e
histrias.
271. Toda filosofia filosofia de uma idade da vida . A idade da
vida em que um
filsofo encontrou sua teoria ecoa dentro dela, no h como
evit-lo, por mais queele se imagine acima do tempo e do instante.
Assim, a filosofia de Schopenhauer o reflexo da juventude ardente e
melanclica no um pensamento parahomens mais velhos. Assim, a
filosofia de Plato lembra os meados da terceiradcada de vida,
quando uma corrente quente e uma fria costumam
chocar-seimpetuosamente, de modo que surgem partculas e delicadas
nuvenzinhas, e, emcircunstncias e raios de sol favorveis, um
encantador arco-ris.
272. O esprito das mulheres. A fora espiritual de uma mulher
demonstrada da
melhor maneira no fato de ela, por amor a um homem e seu
esprito, sacrificar oseu prprio, e, apesar disso, imediatamente lhe
nasce um segundo esprito, nonovo mbito, originalmente estranho sua
natureza, para onde a conduz a ndole74do homem.
273. Elevao e rebaixamento no sexo. Por vezes a tempestade do
desejo arrasta o
homem a uma altura em que todo desejo cala: ali onde ele
realmente ama e viveainda mais num melhor ser que num melhor
querer. E com freqncia uma boamulher desce, por amor verdadeiro, at
o desejo, e nisso rebaixa-se ante si
-
mesma. Especialmente essa ltima coisa est entre as mais tocantes
que a idiade um bom matrimnio traz consigo.
274. A mulher realiza, o homem promete. Atravs da mulher a
natureza mostra o
que at agora conseguiu fazer, em seu trabalho na imagem do ser
humano;atravs do homem ela mostra o que teve de superar ao faz-lo,
mas tambm o quepretende com o ser humano. Em cada poca, a mulher
perfeita o cio docriador a cada stimo dia da cultura, o repouso do
artista em sua obra.
275. Transposio. Se algum emprega seu esprito em dominar a
desmesura dos
afetos, talvez isso ocorra com o triste resultado de transferir
a desmesura para oesprito e doravante se exceder no pensar e querer
conhecer.
276. O riso como traio. Como e quando uma mulher ri um indcio da
sua
formao; mas no som da risada se revela a sua natureza, talvez
at, em mulheresmuito cultivadas, o ltimo e irredutvel resto de sua
natureza. Por isso operscrutador do humano dir, como Horcio, mas
por motivo diverso: ridete puellae[riam, garotas].75
277. Da alma dos jovens. Os jovens alternam devoo e impudor em
relao
mesma pessoa: porque, no fundo, veneram e desprezam apenas a si
mesmos nooutro, e oscilam entre os dois sentimentos em relao a si
mesmos, enquanto aexperincia no os faz encontrar a medida do seu
querer e saber.
278. Para melhorar o mundo. Se as pessoas insatisfeitas,
irascveis e rabugentas
fossem impedidas de se reproduzir, a Terra poderia se
transformar num jardim defelicidade. Essa tese faria parte de uma
filosofia prtica para o sexo feminino.
-
279. No desconfiar de seu sentimento. A frase feminina de que no
devemos
desconfiar do nosso sentimento no significa mais do que: devemos
comer o quenos apetece. Isso tambm pode ser uma boa regra
cotidiana, sobretudo paranaturezas comedidas. Mas outras naturezas
tm de viver segundo uma outramxima: no deves comer s com a boca,
mas tambm com a cabea, para que agulodice da boca no te arrune.
280. Cruel pensamento do amor. Todo grande amor traz consigo o
cruel
pensamento de matar o objeto do amor, para subtra-lo de uma vez
por todas aosacrlego jogo da mudana: pois o amor tem mais receio da
mudana que doaniquilamento.
281. Portas. Assim como o adulto, a criana v portas em tudo que
se vivencia e se
aprende: mas para ela so acessos; para ele, apenas passagens.
282. Mulheres compassivas. A compaixo das mulheres, que loquaz,
transporta o
leito do enfermo para a praa pblica. 283. Mrito precoce. Quem
ainda jovem conquista mritos, geralmente perde o
respeito pela idade e o idoso, e assim se exclui, em grande
detrimento prprio, dacompanhia dos maduros e que conferem
maturidade: de modo que, apesar dosmritos precoces, permanece
verde, importuno e pueril por mais tempo do queoutros.
284.
-
Almas de tudo ou nada. As mulheres e os artistas acham que,
quando
ningum os contradiz, ningum pode contradiz-los. No lhes parece
possvel quehaja, ao mesmo tempo, venerao em dez pontos e silenciosa
desaprovao emoutros dez, porque tm almas de tudo ou nada.
285. Jovens talentos. Em relao aos jovens talentos, temos de
agir rigorosamente
segundo a mxima goetheana de que muitas vezes no se deve
atrapalhar o erro,para no atrapalhar a verdade. Seu estado semelha
os males da gravidez ecomporta singulares desejos: que deveramos
satisfazer e relevar tanto quantopossvel, em nome dos frutos que
deles esperamos. verdade que, comoenfermeiros desses peculiares
doentes, temos que entender da difcil arte dahumilhao
voluntria.
286. Nojo da verdade. As mulheres so feitas de tal forma que
toda verdade (em
relao a homem, amor, filho, sociedade, objetivo de vida) lhes
causa nojo e elasbuscam se vingar de todo aquele que lhes abre os
olhos.
287. A fonte do grande amor. De onde se origina a sbita paixo de
um homem por
uma mulher, aquela profunda, interior? Apenas da sensualidade,
certamente no:mas, se o homem encontra debilidade, necessidade de
ajuda e petulncia aomesmo tempo, nele sucede como se a sua alma
quisesse transbordar: no mesmoinstante ele se sente tocado e
ofendido. Nesse ponto que brota a fonte do grandeamor.
288. Limpeza. O senso da limpeza deve ser estimulado na criana
at que se torne
paixo: mais tarde, em transformaes sempre novas, ele se ergue
quase alturade toda virtude e enfim aparece, qual compensao de todo
talento, como um halode pureza, comedimento, brandura, carter
carregando em si felicidade,espalhando ao redor de si
felicidade.
-
289. Velhos vaidosos. A profundidade coisa da juventude, a
clareza, da velhice:
se, apesar disso, homens velhos s vezes falam e escrevem maneira
dosprofundos, fazem-no por vaidade, na crena de que assim adotam o
charme do que juvenil, exaltado, em formao, cheio de pressentimento
e esperana.
290. Utilizao do novo. Os homens passam a utilizar o recm-vivido
ou aprendido
como relha de arado, talvez como arma tambm: mas as mulheres
imediatamentefazem daquilo um ornamento para si.
291. Ter razo para os dois sexos. Se algum admite para uma
mulher que ela tem
razo, ela no pode deixar de triunfantemente pr o calcanhar sobre
a nuca dovencido ela tem que saborear a vitria; enquanto um homem
geralmente seenvergonha de estar certo diante de outro homem. Em
compensao, o homemest habituado vitria, e a mulher a experimenta
como uma exceo.
292. Renncia na vontade de beleza. Para tornar-se bela, uma
mulher no deve
querer ser vista como bonita: isso significa que, em noventa e
nove casos em quepoderia agradar, deve desdenhar e abster-se de
faz-lo, para numa s vez granjearo encanto daquele cuja alma tem
portas grandes o suficiente para acolher agrandeza.
293. Incompreensvel, intolervel. Um jovem no pode compreender
que um
homem maduro j tenha passado por seus xtases, suas auroras do
sentimento,suas voltas e vos do pensamento: j o incomoda pensar que
eles tenham existidoduas vezes mas fica realmente hostil quando
ouve que, para tornar-se fecundo,deve perder aquelas flores,
privar-se do seu aroma.
-
294. Partido com ares de mrtir. Todo partido que sabe se dar
ares de mrtir atrai
os coraes dos afveis e adquire ele mesmo ares de afabilidade,
para grandevantagem sua.
295. Afirmar mais seguro que provar. Uma afirmao produz efeito
maior que um
argumento, ao menos para a maioria dos homens; pois o argumento
suscitadesconfiana. Por isso tribunos populares buscam assegurar os
argumentos de seupartido mediante afirmaes.
296. Os melhores ocultadores. Aqueles geralmente bem-sucedidos
tm a profunda
astcia de apresentar suas falhas e fraquezas apenas como foras
aparentes: poresse motivo, devem conhec-las excepcionalmente
bem.
297. De vez em quando. Ele sentou junto porta da cidade e disse,
para algum
que passava, que aquela era a porta da cidade. A pessoa
respondeu que aquilo erauma verdade, mas que no se deve ter razo
demais, quando se quer recebergratido por isso. Oh, respondeu ele,
eu no quero gratido; mas de vez emquando agradvel no s ter razo,
como tambm ficar com a razo.
298. A virtude no foi inventada pelos alemes. A finura e ausncia
de inveja de
Goethe, a nobre resignao eremtica de Beethoven, a graa e
delicadeza decorao de Mozart, a inflexvel virilidade de Haendel e
sua liberdade sob a lei, aconfiada e transfigurada vida interior de
Bach, que nem sequer precisa renunciar aobrilho e ao sucesso ento
estas so qualidades alems? Se no so, pelomenos mostram a que devem
aspirar e o que podem alcanar os alemes.
299.
-
Pia fraus76 ou alguma outra coisa. Posso estar errado; mas
parece-me que, na
Alemanha atual, uma dupla espcie de hipocrisia torna-se o dever
do momentopara todos: pede-se um germanismo por preocupao com a
poltica do Reich, eum cristianismo por medo social, mas ambos
somente em palavras e gestos, esobretudo no saber calar. o verniz
que hoje em dia custa tanto, que se paga tocaro: por causa dos
espectadores que a nao reveste de trejeitos germano-cristos o seu
rosto.
300. A metade pode ser mais que o todo tambm nas coisas boas. Em
todas as
coisas institudas para durar e que requerem o servio de muitas
pessoas, muitoque no to bom precisa ser tornado regra, embora o
organizador conhea muitobem algo melhor (e mais difcil); mas seu
clculo que jamais faltem pessoas quepossam corresponder regra e ele
sabe que a mdia das foras a regra. Umjovem raramente compreende
isso, e ento se admira, como inovador, do quantoest certo e de quo
singular a cegueira dos outros.
301. O homem de partido. O autntico homem de partido no aprende
mais,
apenas toma conhecimento e julga: enquanto Slon, que nunca foi
homem departido, e sim buscou sua meta ao lado, acima ou contra os
partidos,significativamente autor daquela frase singela em que se
acha a sade einesgotabilidade de Atenas: Envelheo e continuo
aprendendo.
302. O que alemo segundo Goethe. So os verdadeiramente
insuportveis, dos
quais no se gosta de aceitar nem mesmo o que bom, que possuem
liberdade deopinio mas no notam que lhes falta liberdade de gosto e
de esprito. Masjustamente isso, segundo o ponderado juzo de Goethe,
alemo. Sua voz e seuexemplo indicam que o alemo tem de ser mais que
um alemo, se quiser ser til,ou mesmo suportvel apenas, para as
outras naes e em que direo ele devese empenhar para ir alm e fora
de si mesmo.
303.
-
Quando preciso deter-se. Quando as massas comeam a se enraivecer
e a
razo se obscurece, conveniente, no se estando seguro da sade da
prpriaalma, meter-se debaixo de um portal e observar o tempo.
304. Revolucionrios e proprietrios. O nico meio contra o
socialismo que ainda
tm em seu poder : no desafi-lo, ou seja, viverem vocs prprios de
maneirasbria e modesta, evitarem ao mximo a exibio da opulncia e
ajudarem oEstado, quando ele taxa pesadamente tudo que seja
suprfluo e luxuoso. Vocsno querem esse recurso? Ento, ricos
burgueses que chamam a si prpriosliberais, apenas confessem a si
mesmos que sua prpria disposio interior, 77que acham to terrvel e
ameaadora nos socialistas mas em vocs mesmos tmcomo inevitvel, como
se a fosse algo diferente. Se, tal como so, no tivessemsua fortuna
e a preocupao de mant-la, esta sua inclinao os tornariasocialistas:
somente a posse os diferencia deles. Tm de vencer primeiramente a
siprprios, se quiserem, de alguma forma, derrotar os oponentes de
suaprosperidade. Se essa prosperidade ao menos fosse realmente
bem-estar! Noseria to exterior e suscitadora de inveja, seria mais
partilhadora, mais benvola,mais equitativa, mais prestativa. Mas o
inautntico e histrinico de seus prazeresde vida, que se acham mais
no sentimento de oposio (no fato de outros no t-los e invej-los)
que no sentimento de plenitude e elevao da fora seusapartamentos,
carros, roupas, vitrines, suas exigncias da mesa e do paladar,
seuruidoso entusiasmo por msica e pera, e enfim suas mulheres,
formadas emodeladas, porm de metal no nobre, douradas, mas sem o
som do ouro, porvocs escolhidas como peas de ostentao, ofertando-se
como peas deostentao: eis os venenosos propagadores dessa doena
popular que, na formade sarna socialista, cada vez mais rapidamente
se transmite massa, mas que temem vocs sua primeira sede e foco de
incubao. E quem poderia agora deter essapeste?
305. Ttica dos partidos. Quando um partido nota que um adepto
incondicional se
tornou condicional, tolera to pouco essa mudana que procura,
mediante todaespcie de provocaes e ofensas, lev-lo ao definitivo
afastamento e transform-lo em adversrio: pois desconfia que a
inteno de ver em seu credo algorelativamente valioso, que admite pr
e contra, ponderao e recusa, maisperigosa para ele do que uma
oposio total.
-
306. Para o fortalecimento dos partidos. Quem quiser fortalecer
internamente um
partido, oferea-lhe ocasio de ter que ser tratado de modo
evidentemente injusto:assim ele junta um capital de boa conscincia
que talvez lhe tenha faltado atento.
307. Cuidando de seu passado. Como os homens estimam, afinal,
apenas o que foi
fundado h muito tempo e desenvolvido lentamente, aquele que
deseja prosseguirvivendo aps a sua morte deve cuidar no somente da
posteridade, mas sobretudodo passado: por isso que tiranos de toda
espcie (tambm artistas e polticostirnicos) gostam de violentar a
histria, a fim de que ela aparea comopreparao e escada que conduz a
eles.
308. Escritores de partido. As batidas de tambor, em que se
comprazem os jovens
escritores a servio de um partido, soam como estrondo de cadeias
para quem no do partido, e suscitam antes compaixo do que
admirao.
309. Tomando partido contra si . Nossos adeptos jamais nos
perdoam, quando
tomamos partido contra ns mesmos: pois isso significa, a seus
olhos, no apenasrejeitar seu amor, mas tambm desnudar sua
inteligncia.
310. Perigo na riqueza. Apenas quem tem esprito deveria ter
posses: caso
contrrio, a posse um perigo pblico. O possuidor que no sabe
fazer uso dotempo livre que a posse lhe consentiria, sempre vai
continuar aspirando pela posse.E essa aspirao vem a ser sua
distrao, seu estratagema na luta contra o tdio.Assim, da posse
moderada que bastaria para o homem de esprito surge enfim ariqueza
propriamente dita: como reluzente produto da no-independncia e
-
pobreza espiritual. Mas ela se mostra de maneira bem diferente
do que sua pobreorigem leva a esperar, pois pode se mascarar de
cultura e arte: pode justamentecomprar a mscara. Desse modo suscita
inveja nos pobres e incultos que, nofundo, sempre invejam a cultura
e no vem mscara na mscara egradualmente prepara uma subverso
social: pois a dourada rudeza e histrinicopavoneio na suposta fruio
da cultura inspiram nesses a idia de que tudo estno dinheiro quando
certamente algo est no dinheiro, mas muito mais noesprito.
311. Alegria em comandar e obedecer. Tanto o comandar como o
obedecer
produzem alegria; o primeiro, quando ainda no se tornou hbito; o
segundo,quando j se tornou hbito. Velhos serventes e novos
comandantes favorecemmutuamente a produo da alegria.
312. Ambio da sentinela perdida. H uma ambio da sentinela
perdida, que leva
um partido a colocar-se num perigo extremo. 313. Quando o asno
necessrio. No se leva a multido a gritar hosana
enquanto no se entra na cidade montado num asno.78 314. Costume
de partido. Cada partido busca apresentar como insignificante
algo
importante que surgiu fora dele; se no consegue fazer isso,
hostiliza-o tanto maisafincadamente quanto mais excelente ele .
315. Esvaziando-se. Daquele que se entrega aos acontecimentos
resta cada vez
menos. Por isso os grandes polticos podem se tornar homens
inteiramente vazios,mesmo tendo sido plenos e ricos.
-
316. Inimigos desejados. Para os regimes dinsticos, as correntes
socialistas ainda
so antes agradveis que temveis agora, pois graas a elas obtm o
direito e aespada para as medidas de exceo com que podem atingir
seus autnticospesadelos, os democratas e antidinastas. Tais regimes
tm agora uma secretainclinao e afinidade pelo que publicamente
odeiam: eles tm de ocultar suaalma.
317. A posse possui. Apenas em certa medida a posse torna o
homem mais livre e
independente; um grau adiante e a posse torna-se senhor, e o
possuidor,escravo; ele tem de lhe sacrificar seu tempo, sua
reflexo, e de ora em diantesente-se obrigado a freqentar
determinado crculo, sente-se atado a um lugar,incorporado a um
Estado: tudo isso, talvez, contrariando sua necessidade maisntima e
essencial.
318. O governo dos que sabem. fcil, ridiculamente fcil, elaborar
um modelo
para a escolha de uma corporao legislativa. Primeiro deveriam
separar-se,atravs da percepo e do reconhecimento mtuos, os homens
retos e confiveisde um pas que sejam tambm mestres e especialistas
em alguma coisa; entre elesdeveriam ser escolhidos, em seleo mais
restrita, os peritos e conhecedores deprimeira ordem em cada
especialidade, tambm mediante reconhecimento egarantia mtuos. Uma
vez constituda por eles a corporao legislativa, somentepoderiam
decidir, em cada caso particular, os votos e sentenas dos
maisqualificados especialistas, e a honestidade de todos os demais
deveria ser grande osuficiente para que fosse simples questo de
decoro deixar apenas para aqueles avotao: de modo que, no sentido
mais estrito, a lei procedesse do entendimentodos mais entendidos.
Atualmente votam os partidos: e em cada votao devehaver centenas de
conscincias envergonhadas as dos mal informados, dosincapazes de
julgamento, dos que repetem os demais, que vo a reboque, que
sedeixam arrastar. Nada rebaixa tanto a dignidade de uma nova lei
como o rubordessa falta de retido, a que obriga toda votao
partidria. Mas, como disse, fcil, ridiculamente fcil, estabelecer
algo assim; nenhum poder do mundo atualmente forte o bastante para
realizar o melhor a no ser que a crena na
-
superior utilidade do saber e dos que sabem termine por
convencer at o maismalvolo e seja preferida crena no maior nmero,
que agora vigora. noesprito desse futuro que o nosso lema deve ser:
Mais respeito pelos que sabem! Eabaixo todos os partidos!.
319. O povo dos pensadores (ou do mau pensar). O indefinido,
nebuloso,
apreensivo, elementar, intuitivo usando termos vagos para coisas
vagas quese atribui ao ser alemo seria prova, se realmente existe,
de que sua culturapermaneceu muito para trs e ainda se acha envolta
no encanto e na atmosfera daIdade Mdia. verdade que nesse atraso
haveria tambm vantagens: osalemes estariam capacitados, com esses
atributos se que, repetindo, elesainda os possuem , para algumas
coisas, em especial para a compreenso dealgumas coisas, para as
quais outras naes j perderam toda a fora. Ecertamente muito se
perde, quando a falta de racionalidade justamente o queh em comum
naqueles atributos perdida: mas tambm nisso no h perdasem uma
enorme compensao, de modo que no existe motivo para lamentao,desde
que no se pretenda, como as crianas e os gulosos, saborear os
frutos detodas as estaes ao mesmo tempo.
320. Levando corujas para Atenas. Os governos dos grandes
Estados tm dois
meios para manter o povo dependente de si, em temor e obedincia:
um maisgrosseiro, o exrcito, e um mais sutil, a escola. Com o
auxlio do primeiro,conquistam para seu lado a ambio das camadas
mais elevadas e a fora dasmais baixas, na medida em que essas duas
coisas costumam ser prprias dehomens ativos e robustos de talento
mediano ou menor; com o auxlio do outromeio, ganham a pobreza
dotada, em especial a semipobreza intelectualmenteambiciosa dos
estratos mdios. Eles criam, principalmente com os professores
detodos os graus, uma corte intelectual que involuntariamente olha
para cima:pondo muitos obstculos no caminho da escola privada, sem
falar da malquistaeducao individual, asseguram a disposio sobre um
nmero bem significativo decargos docentes, para os quais se volta
continuamente um nmero de olhosfamintos e submissos que certamente
cinco vezes maior que o dos que podemachar satisfao. Mas essas
colocaes podem alimentar apenas precariamenteseus titulares: ento
se mantm neles uma febril sede de promoo, ligando-osainda mais
estreitamente aos propsitos do governo. Pois sempre mais
vantajosocultivar uma insatisfao moderada do que a satisfao, que me
da coragem,
-
av do pensamento livre e da presuno. Atravs desse professorado
mantido emxeque fisicamente e espiritualmente, toda a juventude da
nao , tanto quantopossvel, erguida a uma certa altura cultural, til
ao Estado e adequadamentegraduada: mas, sobretudo, quase
imperceptivelmente se transmite, aos espritosimaturos e vidos de
honra de todas as classes, a mentalidade de que apenas umaorientao
de vida reconhecida e homologada pelo Estado acarreta uma
prontadistino social. O efeito dessa crena nos exames e ttulos do
Estado vai ao pontode mesmo homens que permaneceram independentes,
que ascenderam mediantecomrcio ou ofcio, sentirem no peito um
espinho de insatisfao at que suaposio seja notada e reconhecida
desde cima, atravs da graciosa concesso deum ttulo ou uma ordem at
que possam deixar-se ver. Por fim, o Estadoassocia todos os
milhares de funes e cargos remunerados que possui obrigaode o
indivduo ser educado e certificado pelas escolas estatais, se
deseja entrar porestas portas algum dia: honra da sociedade, po
para si, possibilidade de formaruma famlia, proteo desde cima,
sentimento de solidariedade dos de mesmaformao tudo isso constitui
uma rede de expectativas em que todo jovem cai:como lhe seria
inspirada a desconfiana? Se, alm de tudo, a obrigao de sersoldado
por alguns anos se torna, aps umas poucas geraes, um
irrefletidohbito e pressuposto de cada um, de acordo com o qual se
delineia j cedo o seuplano de vida, o Estado pode tambm ousar o
golpe de mestre de entrelaar, pormeio de vantagens, escola e
exrcito, talento, fora e ambio, isto , atrair para oexrcito aqueles
mais altamente dotados e educados e neles inculcar o espritomilitar
de alegre obedincia, atravs de condies mais favorveis; de modo
quetalvez abracem permanentemente a bandeira e, com seus talentos,
dem-lhe umnovo, cada vez mais brilhante prestgio. Ento nada mais
falta, senooportunidades de grandes guerras: e disso cuidam, por
ofcio, com toda ainocncia, portanto, os diplomatas, juntamente com
os jornais e as bolsas: pois opovo, sendo povo de soldados, sempre
tem boa conscincia nas guerras, no necessrio primeiramente
cri-la.
321. A imprensa. Considerando-se como ainda hoje todos os
grandes eventos
polticos entram furtivamente em cena, como so ocultos por
acontecimentosinsignificantes e parecem pequenos junto a eles, como
s bastante tempo depoisde ocorrerem mostram seus profundos efeitos
e fazem tremer o solo quesignificao se pode atribuir imprensa, tal
como agora, com seu cotidianodispndio de flego para gritar,
ensurdecer, incitar, apavorar ser ela mais doque um permanente
alarme falso, que desvia os sentidos e ouvidos para a
direoerrada?
-
322. Aps um grande acontecimento. Um povo ou um homem, cuja alma
se
mostrou por ocasio de um grande acontecimento, geralmente sente
depois anecessidade de uma puerilidade ou uma rudeza, tanto por
vergonha como pararecuperar-se.
323. Ser bom alemo significa desgermanizar-se. Aquilo que se v
como diferenas
nacionais , muito mais do que at agora se percebeu, to-s a
diferena devariados nveis de cultura e apenas numa mnima parte algo
permanente (e mesmoisso no num sentido estrito). Por isso toda
argumentao a partir do carternacional to pouco persuasiva para
aquele que trabalha na transformao dasconvices, ou seja, na
cultura. Considerando-se tudo o que j foi alemo, porexemplo, a
questo terica o que alemo? deve ser imediatamente corrigidapara: o
que agora alemo? e todo bom alemo a resolver na prtica,justamente
com a superao de seus atributos alemes. Pois, quando um povoavana e
cresce, sempre faz rebentar o cinturo que at ento lhe dava
seuaspecto nacional; se fica parado, se definha, um novo cinturo
lhe cinge a alma, acrosta cada vez mais dura constri, por assim
dizer, uma priso ao seu redor, cujosmuros no param de crescer.
Portanto, se um povo tem muita coisa firme, isso uma prova de que
quer petrificar-se, gostaria de tornar-se monumento: como foi ocaso
do Egito a partir de certo momento. Aquele que quiser o bem dos
alemes,portanto, cuide ele mesmo de crescer cada vez mais alm do
que alemo. Porisso o voltar-se para o que no alemo sempre foi a
caracterstica dos homenscapazes de nosso povo.
324. Estrangeirices. Um estrangeiro, em viagem pela Alemanha,
tanto agradou
como desagradou com certas afirmaes, segundo a regio em que se
achava.Todos os subios que tm esprito dizia ele so coquetes. Quanto
aosoutros subios, ainda pensam que Uhland foi um poeta e Goethe foi
imoral. Omelhor nos romances alemes agora famosos que no precisamos
l-los: j osconhecemos. O berlinense parece mais afvel que o alemo
do Sul, pois, sendomuito zombeteiro, suporta a zombaria: o que no
sucede com os alemes do Sul. O esprito dos alemes sufocado pela sua
cerveja e pelos seus jornais: ele lhesrecomenda ch e panfletos,
para curar-se, naturalmente. Observe-se,
-
aconselhou ele, os diferentes povos da velha Europa, como cada
um deles exibeuma determinada caracterstica da velhice
particularmente bem, para prazer dosque se acham ante esse grande
palco: como, de modo feliz, os francesesrepresentam o inteligente e
amvel da velhice, os ingleses, o experiente ereservado, os
italianos, o inocente e desafetado. Faltariam ento as outrasmscaras
da velhice? Onde est o velho arrogante? O velho desptico? O
velhoavarento? As regies mais perigosas da Alemanha so a Saxnia e a
Turngia:em nenhum outro lugar existe mais atividade intelectual e
conhecimento doshomens, alm de livre-pensar, e tudo to modestamente
escondido na feialinguagem e zelosa solicitude da populao, que
quase no se nota estar lidandoali com os sargentos intelectuais da
Alemanha e seus instrutores no bem e no mal. A soberba dos alemes
do Norte mantida em xeque por sua inclinao obedincia, a dos alemes
do Sul, por sua inclinao ao comodismo. Pareceu-lheque os homens
alemes tm, nas suas mulheres, donas de casa desajeitadas, masmuito
presumidas: elas insistem em falar to bem de si, que quase
convenceriam omundo (ou seus maridos, de toda forma) da virtude
exclusiva das donas de casaalems. Quando a conversa se voltava para
a poltica alem interna e noexterior, ele costumava relatar ou, como
dizia, trair que o maior estadistaalemo no acredita em grandes
estadistas. O futuro dos alemes ele viaameaado e ameaador: pois
eles teriam desaprendido de se alegrar (o que ositalianos bem
saberiam fazer), mas se habituado emoo, pelo grande jogo deazar das
guerras e revolues dinsticas, e, portanto, um dia conheceriam
asublevao. Pois esta seria a mais forte emoo que um povo pode ter.
Osocialista alemo seria o mais perigoso, justamente porque no o
impele umanecessidade definida; seu sofrimento estaria em no saber
o que quer; ainda quealcanasse muita coisa, mesmo na fruio
enlanguesceria de desejo, exatamentecomo Fausto, mas provavelmente
como um Fausto bastante plebeu. Pois,exclamou enfim, Bismarck
expulsou dos alemes cultos o Demnio-Fausto quetanto os atormentava:
mas agora o Demnio entrou nos porcos e est pior do quenunca.79
325. Opinies. A maioria das pessoas no nada e nada conta, at que
tenha se
vestido de convices gerais e opinies pblicas, conforme a
filosofia de alfaiate: ohbito faz o monge. Mas dos indivduos de
exceo precisamos dizer: o homemque faz o traje; as opinies deixam a
de ser pblicas e tornam-se coisa distinta demscaras, atavio e
disfarce.
326.
-
Dois tipos de sobriedade. Para no confundir sobriedade por
exausto do
esprito com sobriedade por moderao, deve-se ter em conta que a
primeira mal-humorada, e a segunda, alegre.
327. Adulterao da alegria. No chamar de boa uma coisa nem um dia
mais do
que nos parece boa e, sobretudo: nem um dia antes eis o nico
meio de mantergenuna a nossa alegria: que, do contrrio, torna-se
facilmente insossa e estragadano gosto, contando entre os alimentos
adulterados para camadas inteiras do povo.
328. O bode virtuoso. Ante a melhor coisa que algum faz, aqueles
que lhe querem
bem, mas no se acham altura de seu ato, buscam rapidamente um
bode paramatar, imaginando que seja o bode expiatrio dos pecados
mas o bode dasvirtudes.
329. Soberania. A pessoa reverenciar tambm o que ruim e
profess-lo, quando
gosta dele, e no fazer idia de como algum pode se envergonhar de
seu gostar,eis a marca da soberania, nas coisas grandes e nas
pequenas.
330. Aquele que influi um fantasma, no uma realidade. O homem
relevante
descobre aos poucos que, na medida em que influi, um fantasma na
cabea dosoutros, e talvez caia no sutil tormento de se perguntar
se, para o bem dos seussemelhantes, no deveria manter esse fantasma
de si.
331. Dar e tomar. Quando tomamos (ou antecipadamente tiramos) de
algum o
mnimo, ele cego para o fato de que lhe demos algo bem maior, o
mximomesmo.
-
332. Terra boa . Todo rejeitar e negar indica falta de
fecundidade: no fundo, se
fssemos apenas terra boa, no deixaramos nada perecer sem
aproveitamento, eem toda coisa, evento e pessoa veramos adubo,
chuva e sol bem-vindos.
333. Degustando a companhia. Se algum, com esprito de renncia,
guarda
intencionalmente a solido, pode fazer do trato com as pessoas,
raramenteapreciado, um verdadeiro petisco.
334. Saber sofrer publicamente. preciso ostentar a prpria
infelicidade e de
quando em quando suspirar audivelmente, estar visivelmente
inquieto: pois, sedeixssemos os outros perceberem como estamos
seguros e felizes, apesar da dore da privao, como os faramos
invejosos e malevolentes! Mas devemos cuidarde no piorar nossos
semelhantes; alm disso, nesse caso eles nos imporiampesadas taxas,
e nosso sofrimento pblico tambm , de toda forma, nossavantagem
privada.
335. Calor nas alturas. Nas alturas mais quente do que acreditam
as pessoas nos
vales, sobretudo no inverno. O pensador sabe o que quer dizer
essa imagem. 336. Querer o bem, ser capaz do belo. No basta
praticar o bem, necessrio t-lo
querido e, nas palavras do poeta, acolher a divindade em nossa
vontade.80 Masno cabe querer o belo, preciso ser capaz dele, com
toda a inocncia e cegueira,sem nenhuma curiosidade da psique. Quem
acende sua lanterna para encontrarhomens perfeitos deve atentar
para este sinal: so aqueles que sempre agem pelobem e nisso alcanam
o belo, sem nele pensar. Pois muitos dos melhores e maisnobres, por
incapacidade e ausncia de uma bela alma, permanecem
-
desagradveis e feios para o olhar, com toda a sua boa vontade e
suas boas obras;eles repugnam, e prejudicam at mesmo a virtude, com
a repelente indumentriade que a cobre o seu mau gosto.
337. Perigo na renncia. Devemos nos guardar de alicerar a vida
numa base muito
estreita de desejos: pois, se renunciamos s alegrias que posies,
honras,associaes, confortos, volpias e artes proporcionam, pode
haver um dia em quenotamos ter alcanado com esta renncia, em vez da
sabedoria, o desgosto davida.
338. ltima opinio sobre opinies. Devemos, ou esconder nossas
opinies, ou nos
esconder atrs de nossas opinies. Quem age de outra forma, ou no
conhece amarcha do mundo, ou pertence Ordem da Santa
Temeridade.
339. Gaudeamus igitur [Alegremo-nos, pois]. A alegria deve
conter tambm
foras edificantes e curativas para a natureza moral do ser
humano: seno, comose explicaria que nossa alma, to logo repousa no
raio de sol da alegria,involuntariamente jure para si mesma ser
boa, tornar-se perfeita, e que nissoseja tomada por um
pressentimento da perfeio, como um tremor de beatitude?
340. A algum elogiado. Enquanto voc for elogiado, acredite que
ainda no est
em sua prpria trilha, mas na de outro. 341. Amando o mestre. O
mestre amado pelo aprendiz de uma forma; pelo
mestre, de outra.
-
342. Humano e belo demais. A natureza bela demais para voc,
pobre mortal
no raro termos esse sentimento; mas algumas vezes, observando
intimamentetudo que humano, sua abundncia, fora, delicadeza,
complexidade, senti quetinha que dizer, com toda a humildade: tambm
o homem belo demais para oshomens que o contemplam! e no apenas o
ser humano moral, mas qualquerum.
343. Bens mveis e bens de raiz. Quando a vida tratou algum de
maneira
totalmente rapace, tirando-lhe tudo o que podia em matria de
honras, alegrias,seguidores, sade, propriedade de toda espcie,
talvez esse algum descubra maistarde, aps o assombro inicial, que
mais rico do que antes. Pois somente entoele sabe o que lhe to
prprio que ladro nenhum pode tocar: e, assim, talvezsaia de toda a
pilhagem e desordem com a nobreza de um grande proprietrio
deterras.
344. Figuras ideais involuntrias. O sentimento mais penoso que h
descobrir que
sempre somos tomados por algo superior ao que somos. Pois temos
de confessar ans mesmos: algo em voc mentira, sua palavra, sua
expresso, seus gestos,seus olhos, seus atos esse algo enganador to
necessrio quanto sua restantehonestidade, mas sempre anula o efeito
e o valor desta.
345. Idealista e mentiroso. Tambm no devemos nos deixar
tiranizar pelo mais
belo prazer: o de elevar as coisas ao plano ideal; seno, um dia
a verdade seafasta de ns com estas palavras feias: Rematado
mentiroso, que tenho eu a vercontigo?.81
346. Ser mal compreendido. Quando se mal-entendido como um
todo,
impossvel erradicar inteiramente um mal-entendido especfico.
Deve-se levar isso
-
em conta, para no gastar foras em sua prpria defesa inutilmente.
347. Fala o bebedor de gua. Continua bebendo o vinho que te
deleitou a vida
inteira que tens a ver com o fato de eu necessariamente ser um
bebedor degua? Vinho e gua no so elementos pacficos, fraternais,
que coexistem semobjees?
348. Da terra dos canibais. Na solido o solitrio devora a si
mesmo, na multido o
devoram muitos. Agora escolha. 349. No congelamento da vontade.
Um dia ela vir enfim, a hora que te envolver
na urea nuvem da ausncia de dor: em que a alma frui seu prprio
cansao e,feliz, em paciente jogo com sua prpria pacincia, semelha
as ondas de um lagoque, num dia calmo de vero, refletindo um
variegado cu vespertino, arrastam-sepela margem e de novo se
aquietam sem fim, sem finalidade, sem saciedadenem necessidade um
completo sossego a se alegrar com a mudana, um totalfluir e refluir
na pulsao da natureza. Eis o sentimento e o discurso de todos
osdoentes; quando atingem essas horas, no entanto, aps uma curta
fruio vem otdio. Mas este o vento do degelo para a vontade
congelada: ela desperta,movimenta-se e gera novamente desejo aps
desejo. Desejar sinal demelhora ou convalescena.
350. O ideal negado. Excepcionalmente pode ocorrer que algum
atinja o mais
elevado apenas quando nega seu ideal: pois at ento esse ideal o
empurroumuito impetuosamente, de forma que no meio de cada trajeto
ele perdia o flego etinha que parar.
351.
-
Inclinao reveladora. Veja-se como sinal de um homem invejoso,
mas queaspira alto, quando ele se sente atrado pela idia de que
ante o excelente hapenas uma sada: o amor.
352. Felicidade de escada.82 Assim como o senso de humor de
alguns homens no
mantm o passo com a oportunidade, de modo que esta j passou pela
portaenquanto aquele ainda se acha na escada: assim tambm existe,
em outros, umaespcie de felicidade de escada, que anda muito
devagar para poder se conservarao lado do tempo, que tem ps
ligeiros; o melhor que chegam a gozar de umavivncia, de toda uma
passagem da vida, lhes vem muito tempo depois, muitasvezes apenas
como uma dbil fragrncia que desperta nostalgia e tristeza comose
fora possvel, em algum instante, beber desse elemento at a
saciedade. Masagora tarde demais.
353. Vermes. No depe contra a madureza de um esprito o fato de
ele ter alguns
vermes. 354. A postura vitoriosa. Uma boa postura no cavalo
rouba o nimo do adversrio e
o corao do espectador para que ainda atacar? Mantenha o aspecto
de quemvenceu.
355. Perigo na admirao. Na excessiva admirao por virtudes
alheias, pode-se
perder o gosto em suas prprias virtudes e, por falta de
exerccio, finalmenteperd-las, sem adquirir as alheias em troca.
356. Utilidade da sade frgil. Quem freqentemente est doente tem
no s um
prazer muito maior em estar so, devido sua freqente reconquista
da sade,
-
mas tambm um aguado sentido para o que so ou doente nas obras e
aes:de modo que, por exemplo, justamente os escritores doentios
entre os quaisesto quase todos os grandes, infelizmente costumam
ter, em suas obras, umtom de sade bem mais seguro e constante, pois
entendem mais que osfisicamente robustos da filosofia da sade e
convalescena psquica e de seusmestres: manh, sol, florestas e
fontes.
357. A infidelidade, condio de mestria. No adianta: todo mestre
tem apenas um
discpulo, e ele lhe ser infiel pois tambm se acha destinado
mestria. 358. Jamais em vo. As montanhas da verdade voc jamais
escala em vo: ou j
prossegue hoje na subida, ou exercita as foras para amanh
ascender mais. 359. Janela com vidro cinzento. Ento isso que vocs
vem do mundo por essa
janela to bonito que no querem olhar por mais nenhuma janela e
procuramat impedir que outros o faam?
360. Sinal de grandes mudanas. Se sonhamos com pessoas h muito
esquecidas
ou mortas, este um sinal de que passamos por uma grande mudana e
de que ocho em que vivemos foi totalmente revolvido: ento os mortos
se levantam enossa antiguidade se converte em novidade.
361. Medicamento da alma. Permanecer deitado e pensar pouco o
mais barato
medicamento para todas as doenas da alma e, com boa vontade, seu
uso torna-semais agradvel a cada hora.
362.
-
Hierarquia dos espritos. Situa-o bem abaixo dele o fato de voc
procurarconstatar as excees, e ele, a regra.
363. O fatalista. Voc tem de crer no fatum [destino] a cincia
pode obrig-lo a
isso. O que ento se desenvolve em voc a partir desta crena
covardia,resignao ou grandeza e franqueza d testemunho do solo em
que foi jogadaaquela semente; mas no da semente mesma, pois dela
pode nascerabsolutamente tudo.
364. Razo de muito mau humor. Quem, na vida, prefere o belo ao
til, certamente
acabar, como a criana que prefere o doce ao po, por estragar o
estmago e vero mundo com bastante mau humor.
365. O excesso como remdio. Pode-se reaver o gosto pelo prprio
talento, ao
venerar e fruir excessivamente o talento contrrio por bastante
tempo. Utilizar oexcesso como remdio um dos mais sutis expedientes
da arte de viver.
366. Queira um Eu.83 As naturezas ativas e bem-sucedidas no agem
segundo a
mxima conhece-te a ti mesmo, mas como se imaginassem a ordem:
queira umEu, e voc se tornar um Eu. O destino lhes parece sempre
ter deixado a elas aescolha; enquanto as inativas e contemplativas
refletem sobre como escolheramnaquela nica vez, ao vir ao
mundo.
367. Sem adeptos, se possvel. S se compreende como significam
pouco os
adeptos ao deixar de ser o adepto de seus adeptos.
-
368. Obscurecer-se. preciso saber obscurecer-se, a fim de
livrar-se do enxame de
admiradores importunos. 369. Tdio. H um tdio das mentes mais
refinadas e cultivadas, para quem o
melhor que o mundo oferece tornou-se inspido: habituadas a comer
alimentosseletos, cada vez mais seletos, e a desgostar-se com os
mais grosseiros, correm operigo de morrer de fome pois existe muito
pouco do melhor, e s vezes ele setornou inacessvel ou duro demais,
de sorte que nem mesmo bons dentesconseguem mord-lo.
370. O perigo na admirao. A admirao de uma arte ou qualidade
pode ser to
grande que nos impede de buscar possu-la. 371. O que se deseja
da arte. Um deseja, atravs da arte, alegrar-se com seu
prprio ser; o outro deseja, com sua ajuda, momentaneamente sair,
afastar-se doseu ser. Conforme as duas necessidades, h duas espcies
de arte e de artistas.
372. Desero. Quem deserta de ns talvez no nos ofenda com isso,
mas sem
dvida ofende os nossos adeptos. 373. Depois da morte. Em geral,
s muito depois da morte de um homem achamos
incompreensvel a sua ausncia: no caso de homens muito grandes, s
vezessomente aps dcadas. Quem sincero acha geralmente, no caso de
uma morte,que a ausncia no muita e que o solene orador fnebre um
hipcrita. Apenasa necessidade mostra como um indivduo necessrio, e
o epitfio justo um
-
suspiro tardio. 374. Deixando no Hades. Muitas coisas precisamos
deixar no Hades do sentir
semiconsciente e no querer salvar de sua existncia sombria; do
contrrio elas setornam, como pensamento e palavra, nossos amos
demonacos, e exigemcruelmente o nosso sangue.
375. Prximo da mendicncia. Tambm o mais rico esprito perde
ocasionalmente a
chave da cmara em que se acham seus tesouros acumulados, e ento
igual aomais pobre de todos, que tem de mendigar para
sobreviver.
376. Pensador de cadeias. Aquele que muito pensou, cada novo
pensamento que
ele ouve ou l lhe aparece imediatamente na forma de uma cadeia.
377. Compaixo. Na dourada bainha da compaixo se esconde s vezes o
punhal
da inveja. 378. O que gnio? Querer uma meta elevada e os meios
para atingi-la.379. Vaidade de lutadores. Quem no tem esperana de
vencer uma luta ou
claramente inferior, deseja mais ainda que seja admirada a sua
maneira de lutar. 380. A vida filosfica mal interpretada. No
instante em que algum comea a
-
tomar a srio a filosofia, todo o mundo acredita o contrrio. 381.
Imitao. Com a imitao, o ruim ganha prestgio, o bom perde
sobretudo
na arte. 382. ltima lio da histria. Ah, tivesse eu vivido ento!
eis o que dizem as
pessoas tolas e frvolas. Mas a toda passagem da histria que
tenhamosseriamente estudado, seja ela a maior Terra Prometida do
passado, exclamaremos,na verdade: Tudo, menos retornar ali! O
esprito daquele tempo me oprimiria como peso de cem atmosferas, o
que nele bom e belo no poderia me alegrar, o quenele ruim eu no
poderia tolerar. Certamente a posteridade julgar damesma forma o
nosso tempo: foi insuportvel, a vida nele foi impossvel. E,
noentanto, cada qual no a suporta em sua poca? Sim, porque o
esprito do seutempo est no apenas sobre ele, mas dentro dele. O
esprito do tempo ofereceresistncia a si mesmo, carrega a si
mesmo.
383. Grandeza como mscara. Com grandeza de comportamento
amarguramos
nossos inimigos, com inveja que no escondemos, quase os
conciliamos conosco:pois a inveja compara, equipara, uma
involuntria e lamentosa forma demodstia. Ser que de vez em quando,
pela vantagem mencionada, a inveja nofoi adotada como mscara, por
aqueles que no eram invejosos? Talvez; mas semdvida a grandeza de
comportamento utilizada freqentemente como mscara dainveja, por
ambiciosos que preferem sofrer desvantagem e amargurar seusinimigos
a deixar perceber que interiormente se equiparam a eles.
384. Imperdovel. Voc lhe deu uma oportunidade de mostrar
grandeza de carter
e ele no a aproveitou. Isso ele nunca lhe perdoar. 385.
-
Opostos. A coisa mais senil que j se pensou a respeito do ser
humano est
na frase famosa: o Eu odivel;84 a mais infantil, naquela ainda
mais famosa:Ama teu prximo como a ti mesmo. Numa, o conhecimento do
ser humanoparou; na outra, nem comeou.
386. O ouvido que falta. Enquanto pomos sempre a culpa nos
outros, continuamos
pertencendo ao populacho; estamos na trilha da sabedoria quando
sempreresponsabilizamos a ns mesmos; mas o sbio no julga ningum
culpado, nem asi nem aos outros. Quem disse isso? Epiteto, h mil e
oitocentos anos.85 Foiescutado, mas esquecido. No, no foi escutado
e esquecido: nem tudo seesquece. Mas no se tinha o ouvido para
isso, o ouvido de Epiteto. Ento elefalou isso em seu prprio ouvido?
Exatamente: sabedoria o cochicho dosolitrio consigo mesmo, na praa
cheia de gente.
387. Erro do ponto de vista, no do olhar. Sempre vemos a ns
mesmos um tanto
perto demais; e o prximo sempre um tanto longe demais. Ento
sucede que ojulgamos muito globalmente, e a ns mesmos muito de
acordo com traos eeventos ocasionais, irrelevantes.
388. A ignorncia em armas. Como nos importa pouco se um outro
entende ou no
de algo enquanto ele talvez j empalidea ante a idia de que
consideradoignorante naquilo. Sim, existem loucos insignes, que
andam sempre com umaaljava plena de antemas e decretos, dispostos a
fulminar quem der a entenderque h coisas em que seu julgamento no
conta.
389. No bar da experincia. As pessoas que, por inata moderao,
deixam todo
copo pela metade, no querem admitir que tudo no mundo tem sua
borra e seuresduo.
-
390. Pssaros canoros. Os adeptos de um grande homem costumam
cegar a si
mesmos para poder melhor cantar seu louvor.391. No altura. O bom
nos desagrada quando no estamos sua altura. 392. A regra como me ou
como filha. A situao que gera a regra diferente
daquela que a regra gera. 393. Comdia. s vezes colhemos honras e
amor por atos ou obras que h muito
deixamos para trs, como uma pele; ento somos tentados a bancar
oscomediantes de nosso prprio passado e vestir novamente o antigo
pelame eno s por vaidade, mas tambm por benevolncia com os
admiradores.
394. Erro dos bigrafos. A pequena fora necessria para empurrar
um bote para
uma corrente no deve ser confundida com a fora dessa corrente:
mas o quequase sempre sucede nas biografias.
395. No comprar caro demais. O que se compra caro demais,
geralmente se utiliza
tambm mal, pois sem amor e com penosa lembrana tendo, assim, uma
dupladesvantagem.
396. De que filosofia a sociedade sempre necessita. O pilar da
ordem social
repousa no fundamento de que cada um olha com serenidade para
aquilo que ,
-
que faz e que aspira, para sua sade ou enfermidade, sua pobreza
ouprosperidade, sua honra ou insignificncia, e pensa: eu no
trocaria de lugar comningum. Quem quiser trabalhar pela ordem da
sociedade, ter de inculcar noscoraes essa filosofia da serena
recusa da troca de lugar e da ausncia de inveja.
397. Indcio de alma nobre. Uma alma nobre no aquela capaz dos
vos mais
altos, e sim a que pouco se eleva e pouco desce, mas sempre
habita um ar e umaaltura mais livres e translcidos.
398. A grandeza e sua contemplao. O melhor efeito daquilo que
grande dotar
quem o contempla de olhos que engrandecem e arredondam. 399.
Contentar-se. A maturidade de entendimento que alcanamos se revela
no
fato de no mais irmos at onde se acham flores raras, entre os
mais espinhososarbustos do conhecimento, e nos contentarmos com
jardim, bosque, prado eplantao, considerando como a vida breve
demais para o que seja raro eextraordinrio.
400. Vantagem da privao. Quem sempre vive no calor e plenitude
do corao e,
por assim dizer, na atmosfera de vero da alma, no pode imaginar
o tremor dearrebatamento que assalta as naturezas mais invernais,
quando excepcionalmenteso tocadas pelos raios do amor e pelo ar
morno de um ensolarado dia defevereiro.
401. Receita para o sofredor. O fardo da vida pesado demais para
voc? Ento
voc tem que aumentar o fardo de sua vida. Quando o sofredor
finalmente anseia ebusca pelo rio Letes,86 tem de converter-se em
heri, para encontr-lo com
-
segurana. 402. O juiz. Quem penetrou o ideal de algum, seu juiz
implacvel e como que
sua m conscincia. 403. Utilidade da grande renncia. O mais til
na grande renncia que nos
transmite aquele orgulho da virtude graas ao qual passamos a
facilmente obtermuitas pequenas renncias de ns.
404. Como o dever ganha brilho. Eis o meio para transformar em
ouro, aos olhos
dos outros, o seu dever de ferro: cumpra sempre mais do que
promete. 405. Orao aos homens. Perdoai-nos nossas virtudes assim se
deve rezar aos
homens.87406. Criadores e desfrutadores. Todo desfrutador acha
que para a rvore importa o
fruto; mas a ela importa a semente. Eis aqui a diferena entre os
criadores e osdesfrutadores.
407. A glria dos grandes. Que importa o gnio, se ele no
transmite a quem o
observa e admira uma tal liberdade e altura do sentimento, que
ele no maisnecessita do gnio? Fazer-se suprfluo eis a glria de
todos os grandes.
408.
-
Descida ao Hades. Tambm eu estive no mundo inferior, como
Ulisses, efreqentemente para l voltarei; e no somente carneiros
sacrifiquei, para poderfalar com alguns mortos: para isso no poupei
meu prprio sangue. Quatro foramos pares [de mortos] que no se
furtaram a mim, o sacrificante: Epicuro eMontaigne, Goethe e
Spinoza, Plato e Rousseau, Pascal e Schopenhauer. Comesses devo
discutir quando tiver longamente caminhado a ss, a partir deles
queroter razo ou no, a eles desejarei escutar, quando derem ou
negarem razo unsaos outros. O que quer que eu diga, decida, cogite,
para mim e para outros: nessesoito fixarei o olhar, e verei seus
olhos em mim fixados. Que os vivos meperdoem se s vezes me parecem
sombras, to plidos e aborrecidos, to inquietose oh! to vidos de
vida: enquanto aqueles me aparecem to vivos, como seagora, depois
da morte, no pudessem jamais se cansar de viver. Mas o que conta a
eterna vivacidade: que importa a vida eterna ou mesmo a vida!
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SEGUNDA PARTE
O ANDARILHO ESUA SOMBRA
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A sombra: Como h muito tempo no te escuto, quero te dar ocasio
de falar.O andarilho: Algum fala onde? quem? como se eu escutasse a
mim mesmo,
mas com uma voz ainda mais fraca do que a minha.A sombra (aps um
instante): No te alegra ter oportunidade de falar?O andarilho: Por
Deus e tudo o mais em que no creio, minha sombra fala; eu
ouo, mas no acredito.A sombra: Vamos admitir que assim seja e no
pensemos mais nisso, em uma
hora tudo ter passado.O andarilho: Foi exatamente isso que
pensei, quando, num bosque perto de Pisa,
vi primeiro dois, e depois cinco camelos.A sombra: bom que ns
dois sejamos indulgentes conosco, se uma vez nossa
razo se calar: assim no nos irritaremos na conversa e no
apertaremos ascravelhas um ao outro, se no compreendermos suas
palavras. Quando no sesabe o que responder, basta dizer alguma
coisa: eis a modesta condio que euimponho para falar com algum.
Numa conversa mais longa, at o homem maissbio torna-se uma vez tolo
e trs vezes palerma.
O andarilho: Tua modstia no lisonjeira para aquele a quem a
confessas.A sombra: Ento devo lisonjear?O andarilho: Eu pensei que
a sombra de um homem fosse a sua vaidade; mas
esta jamais perguntaria: Ento devo lisonjear?.A sombra: A
vaidade humana, pelo que conheo dela, tambm no pergunta se
pode falar, como j fiz duas vezes; ela fala sempre.O andarilho:
Somente agora vejo como sou indelicado contigo, querida sombra:
ainda no expressei o quanto me alegro por te ouvir e no apenas
ver. Percebersque eu amo a sombra assim como a luz. Para que haja
beleza no rosto, nitidez nafala, bondade e firmeza no carter, a
sombra to necessria quanto a luz. Elasno so rivais: do-se
amavelmente as mos, na verdade, e, quando a luzdesaparece, a sombra
lhe vai atrs.
A sombra: E eu odeio a mesma coisa que tu, a noite; amo os
homens, por seremdiscpulos da luz, e alegro-me do brilho que h em
seus olhos quando conhecem edescobrem, infatigveis conhecedores e
descobridores que so. Aquela sombra queas coisas todas mostram,
quando os raios de sol do conhecimento caem sobre elas aquela
sombra sou eu tambm.
O andarilho: Acho que te compreendo, embora te exprimas um
tantosombriamente. Mas tens razo: bons amigos trocam de vez em
quando, como sinalde compreenso, uma palavra obscura, que deve ser
um enigma para uma terceirapessoa. E ns somos bons amigos. Por
isso, basta de preliminares! Algumascentenas de questes me oprimem
a alma, e o tempo que tens para respond-las talvez muito breve.
Vejamos em que nos poremos de acordo, com toda a pressa ede maneira
pacfica.
A sombra: Mas as sombras so mais acanhadas que os homens: no
transmitirsa ningum o modo como conversamos!
-
O andarilho: O modo como conversamos? Os cus me guardem de
longosdilogos tecidos na pgina! Se Plato no tivesse tanto prazer em
tecer, seusleitores teriam mais prazer com Plato. Uma conversa que
deleita , colocada emletra de forma e lida, uma pintura com
perspectivas erradas: tudo demasiadocomprido ou demasiado curto.
Mas talvez eu possa informar aquilo em queconcordamos?
A sombra: Com isso ficarei satisfeita; pois todos reconhecero
somente as tuasopinies ali: ningum se lembrar da sombra.
O andarilho: Talvez te enganes, amiga! At agora as pessoas
notaram, emminhas opinies, antes a sombra do que a mim.
A sombra: Antes a sombra do que a luz? Ser possvel?O andarilho:
S sria, querida tola! J a minha primeira questo exige
seriedade.
-
1. Da rvore do conhecimento. Verossimilhana, mas no verdade;
aparncia de
liberdade,88 mas no liberdade por causa desses dois frutos que a
rvore doconhecimento no pode ser confundida com a rvore da
vida.
2. A razo do mundo. Que o mundo no a quintessncia de uma
racionalidade
eterna algo demonstrado definitivamente pelo fato de que esta
poro de mundoque conhecemos refiro-me nossa razo humana no muito
racional. E, seela no sbia e racional a todo tempo e completamente,
o mundo restantetambm no ser; a vale a concluso a minori ad majus,
a parte ad totum [domenor para o maior, da parte para o todo], e
com fora decisiva.
3. No incio era.89 Glorificar a gnese esse o broto metafsico que
torna a
rebentar quando se considera a histria, e faz acreditar que no
incio de todas ascoisas est o mais valioso e essencial.
4. Medida para o valor da verdade. O esforo requerido para subir
uma
montanha certamente no uma medida para a altura da montanha. E
na cinciadeve ser diferente! dizem alguns que querem passar por
iniciados , o esforopara alcanar a verdade deve justamente decidir
quanto ao valor da verdade! Essalouca moral parte do pensamento de
que as verdades no seriam mais do queaparelhos de ginstica, em que
teramos que trabalhar arduamente at a fadiga uma moral para atletas
e ginastas do esprito.
5. Linguagem corrente e realidade. H um simulado desprezo por
todas as coisas
que as pessoas consideram realmente mais importantes, por todas
as coisas maisprximas. Diz-se, por exemplo, que se come apenas para
viver uma execrvelmentira, como aquela que fala da procriao como o
autntico propsito davolpia. Pelo contrrio, a alta estima das coisas
mais importantes quase nunca genuna: os sacerdotes e metafsicos
certamente nos habituaram a uma linguagemhipocritamente exagerada
nessas reas, mas no nos mudaram o sentimento, que
-
no considera essas coisas mais importantes to importantes quanto
aquelasdesprezadas coisas mais prximas. Uma deplorvel conseqncia
dessa duplahipocrisia, no entanto, no tomar as coisas mais prximas,
como alimentao,moradia, vesturio, relacionamentos, por objeto de
reflexo e reorganizaocontnua, desassombrada e geral, mas sim
afastar delas nossa seriedadeintelectual e artstica, pois
aplicar-se a elas tido por degradante: enquanto, poroutro lado,
nossas constantes agresses s mais simples leis do corpo e do
espritonos colocam a todos, jovens e velhos, numa vergonhosa
dependncia e falta deliberdade refiro-me dependncia, na verdade
suprflua, de mdicos,professores e pastores, cuja presso ainda hoje
se faz sentir em toda a sociedade.
6. A fragilidade terrena e sua causa principal. Olhando em
torno, sempre
deparamos com pessoas que durante a vida inteira comeram ovos e
no notaramque os de forma alongada so os mais saborosos, que no
sabem que umatempestade benfica para o ventre, que odores agradveis
so mais fortes no arfrio e claro, que o nosso olfato no o mesmo nas
diferentes partes da boca, quetoda refeio em que se fala ou se ouve
muito prejudicial ao estmago. Aindaque esses exemplos da falta de
sentido de observao no satisfaam, deve-seadmitir que as pessoas vem
mal e raramente atentam s coisas mais prximaspossveis. E isso no
tem importncia? Considere-se, porm, que quase todas asenfermidades
fsicas e psquicas do indivduo decorrem dessa falta: de no saber
oque nos benfico, o que nos prejudicial, no estabelecimento do modo
de vida,na diviso do dia, no tempo e escolha dos relacionamentos,
no trabalho e no cio,no comandar e obedecer, no sentimento pela
natureza e pela arte, no comer,dormir e refletir; ser insciente e
no ter olhos agudos para as coisas mnimas emais cotidianas eis o
que torna a Terra um campo do infortnio90 para tantos.No se diga
que a, como em tudo, a causa a desrazo humana h razobastante e mais
que bastante, isso sim, mas ela mal direcionada e
artificialmenteafastada dessas coisas pequenas e mais prximas.
Sacerdotes e professores, e asublime nsia de domnio dos idealistas
de toda espcie, inculcam j na crianaque o que importa algo bem
diferente: a salvao da alma, o servio do Estado, apromoo da cincia,
ou reputao e propriedades, como meios de prestar servio humanidade,
enquanto seria algo desprezvel ou indiferente a necessidade
doindivduo, seus grandes e pequenos requisitos nas vinte e quatro
horas do dia. JScrates se defendia com todas as foras contra essa
orgulhosa negligncia dascoisas humanas em nome do ser humano, e
gostava de lembrar, com uma frase deHomero, a rea e o contedo reais
de toda preocupao e reflexo: aquilo esomente aquilo, dizia ele, que
em casa me sobrevm, de bom e de ruim.
-
7. Dois meios de consolo. Epicuro, o mitigador de almas da
Antiguidade tardia,
teve a maravilhosa percepo, ainda hoje to rara, de que no
absolutamentenecessrio resolver as questes tericas derradeiras e
extremas para tranqilizar ocorao. Assim, bastava-lhe dizer, queles
angustiados pelo temor dos deuses:Se existem deuses, eles no se
ocupam de ns em vez de debater,esterilmente e a distncia, a questo
derradeira de existirem ou no deuses. Talposio muito mais
conveniente e poderosa: d-se ao outro alguns passos devantagem,
tornando-o assim mais disposto a escutar e considerar. Mas, to
logoele se pe a demonstrar o contrrio que os deuses se ocupam de ns
, em quelabirintos e espinheiros no deve cair o pobre, inteiramente
por sua conta, semastcia do interlocutor, que deve apenas ter
humanidade e sutileza bastantes paraocultar sua compaixo ante esse
espetculo! Por fim, o outro tomado de asco, omais forte argumento
contra toda tese, asco de sua prpria afirmao: ele se tornafrio e
vai embora com o mesmo humor do ateu puro: Que me importam
osdeuses! Que o Diabo os carregue!. Em outros casos, especialmente
quandouma hiptese meio fsica, meio moral ensombreceu o nimo, ele no
a refutou,porm admitiu que bem podia ser assim: mas havia ainda uma
segunda hiptesepara explicar o mesmo fenmeno; talvez as coisas
pudessem ocorrer de outromodo. A pluralidade de hipteses, sobre a
origem do remorso, por exemplo, aindahoje basta para retirar da
alma aquela sombra que facilmente surge a partir daruminao sobre
uma nica hiptese, a nica visvel e, por isso, to superestimada.
Logo, quem desejar oferecer consolo, a infelizes, malfeitores,
hipocondracos,moribundos, dever lembrar-se das duas frmulas
tranqilizantes de Epicuro, quepodem ser aplicadas a muitssimas
questes. Em sua forma mais simples, eis comoelas ficariam talvez:
primeiro, dado que seja assim, no nos diz respeito; segundo,pode
ser assim, mas tambm pode ser de outro modo.
8. Na noite. Quando cai a noite, muda a nossa sensao das coisas
mais
prximas. Eis o vento, que anda como por caminhos proibidos,
sussurrando, comoque buscando algo, aborrecido porque no o
encontra. Eis a luz da lmpada, combrilho turvo e avermelhado,
olhando cansada, de m vontade resistindo noite,impaciente escrava
do homem desperto. Eis a respirao de quem dorme, seuritmo
assustador, a que um incmodo sempre recorrente parece soprar a
melodia ns no a ouvimos, mas, quando o peito de quem dorme se
eleva, sentimo-nosde corao apertado, e, quando o alento decresce e
quase se apaga num silnciode morte, dizemos conosco: descanse um
pouco, pobre esprito atormentado!
-
a todo vivente desejamos, porque vive to oprimido, um repouso
eterno; a noitepersuade a morrer. Se os homens carecessem do sol e
conduzissem a leo e luara luta contra a noite, que filosofia os
envolveria no seu vu? J se nota muito bem,na natureza espiritual e
psquica do homem, como entenebrecida, no conjunto,pela metade de
escurido e privao de sol que amortalha a vida.
9. Onde se originou a doutrina do livre-arbtrio.91 Num indivduo,
a necessidade
se encontra na forma de suas paixes; em outro, como hbito de
ouvir e obedecer;num terceiro, como conscincia lgica; num quarto,
como capricho e petulanteprazer em escapadas. Mas esses quatro
buscam a liberdade do seu arbtriojustamente ali onde cada um deles
se acha mais fortemente atado: como se obicho-da-seda buscasse a
liberdade do seu arbtrio justamente no tecer. De ondevem isso? Vem
claramente do fato de que cada qual se considera mais livre ondesua
sensao de vida maior, ou seja, ora na paixo, ora no dever, ora
noconhecimento, ora no capricho. Aquilo mediante o qual o indivduo
forte, em quese sente vivo, ele inadvertidamente cr que deve ser
sempre o elemento de sualiberdade: ele associa, como pares
necessrios, dependncia e obtusidade,independncia e sentimento de
vida. Nisso a experincia que o homem teve nombito poltico-social
transposta erradamente para o mbito metafsicoderradeiro: ali o
homem forte tambm o homem livre, ali a viva sensao dealegria e dor,
de intensidade da esperana, ousadia do desejo, potncia do dio,
apangio dos dominadores e independentes, enquanto o assujeitado, o
escravo,vive opresso e obtuso. A doutrina do livre-arbtrio uma
inveno dos estratosdominantes.
10. No sentir novos grilhes. Enquanto no sentimos que dependemos
de algo,
consideramo-nos independentes: um raciocnio errado, que mostra
como o serhumano orgulhoso e vido de domnio. Pois ele cr que em
todas ascircunstncias notar e reconhecer a dependncia, to logo a
sofra, napressuposio de que habitualmente vive na independncia e
que, seexcepcionalmente a perder, de imediato experimentar a sensao
oposta. Mase se o contrrio fosse verdadeiro: que ele sempre vive em
mltipla dependncia,mas tem-se por livre, quando, h muito habituado,
j no sente o peso dosgrilhes? Somente os novos grilhes o fazem
sofrer: livre-arbtrio, na verdade,significa apenas no sentir novos
grilhes.
-
11. O livre-arbtrio e o isolamento dos fatos. Nossa habitual
observao imprecisa
toma um grupo de fenmenos como um s e o denomina um fato: entre
ele e umoutro fato ela excogita um espao vazio, isola cada fato. Na
realidade, porm, todoo nosso agir e conhecer no conseqncia de fatos
e intervalos, mas um fluxoconstante. Ora, a crena no livre-arbtrio
inconcilivel justamente com a idia deum constante, homogneo,
indiviso e indivisvel fluir: ela pressupe que todo atosingular
isolado e indivisvel; ela um atomismo no mbito do querer e
conhecer. Assim como entendemos imprecisamente os caracteres, do
mesmo modoentendemos os fatos: falamos de caracteres iguais, fatos
iguais: nenhum dos doisexiste. Ora, ns louvamos e censuramos apenas
com esse errado pressuposto deque existem fatos iguais, de que h
uma ordem escalonada de gneros de fatos, aque corresponde uma ordem
escalonada de valores: logo, isolamos no s o fato,mas tambm os
grupos de fatos supostamente iguais (atos bons, maus,compassivos,
invejosos, etc.) as duas coisas erradamente. A palavra e oconceito
so a razo mais visvel pela qual cremos nesse isolamento de grupos
deaes: com eles no apenas designamos as coisas, mas acreditamos
originalmenteapreender-lhes a essncia atravs deles. Mediante
palavras e conceitos somosainda hoje constantemente induzidos a
pensar as coisas como mais simples do queso, separadas umas das
outras, indivisveis, cada qual sendo em si e para si. Huma
mitologia filosfica escondida na linguagem que volta a irromper a
todoinstante, por mais cautelosos que sejamos normalmente. A crena
no livre-arbtrio,ou seja, em fatos iguais e fatos isolados, tem na
linguagem seu persistenteevangelista e advogado.
12. Os erros fundamentais. Para que o ser humano sinta algum
prazer ou
desprazer psquico, ele tem de ser dominado por uma dessas duas
iluses: ouacredita na igualdade de certos fatos, certas sensaes:
ento tem, pelacomparao dos estados presentes com anteriores e pela
equiparao oudesequiparao entre eles (tal como ocorre em toda
lembrana), um prazer oudesprazer psquico; ou acredita na liberdade
do arbtrio, como quando pensa: issoeu no devia ter feito, isso
podia ter acabado de outra forma, e disso extraiigualmente prazer
ou desprazer. Sem os erros que operam em todo prazer oudesprazer
psquico, jamais teria surgido uma humanidade cujo sentimentobsico
que o homem constitui o nico ser livre num mundo de no-liberdade,
operene taumaturgo, no importando que aja bem ou mal, o
superanimal, o quase-deus, o sentido da Criao, o impensvel como
inexistente,92 a chave do mistrio
-
csmico, o grande dominador e desprezador da natureza, o ser que
chama suahistria de histria universal ! Vanitas vanitatum homo
[Vaidade das vaidades o homem].
13. Dizer duas vezes. bom exprimir algo duas vezes, dando-lhe um
p direito e
um p esquerdo. A verdade pode se sustentar numa s perna,
verdade; mas comduas ela andar e circular.
14. O homem, comediante do mundo. Deveria haver criaturas mais
espirituais do
que os homens, apenas para fruir inteiramente o humor que h no
fato de ohomem se enxergar como a finalidade da existncia do mundo
e a humanidade secontentar seriamente apenas com a perspectiva de
uma misso universal. Se umDeus criou o mundo, ento fez o homem para
ser o macaco de Deus, comopermanente ensejo de distrao em suas
longussimas eternidades. A msica dasesferas, envolvendo a Terra,
seria ento o riso de escrnio de todas as demaiscriaturas em torno
do homem. Com a dor, esse enfadado Imortal faz ccegas emseu animal
predileto, a fim de regozijar-se nos gestos e interpretaes
trgico-orgulhosas do seu sofrer, na inventividade espiritual da
mais vaidosa criatura como inventor desse inventor. Pois quem
imaginou o homem para diverso tinhamais esprito do que este, e
tambm mais alegria com o esprito. At mesmonisso, quando nossa
humanidade quer voluntariamente humilhar-se por uminstante, a
vaidade vem nos pregar uma pea, j que ao menos nessa vaidade
ns,homens, queremos ser algo incomparvel e miraculoso. Nossa
singularidade nomundo, oh, uma coisa muito improvvel! Os astrnomos,
que s vezes podemrealmente dispor de um panorama distanciado da
Terra, do a entender que a gotade vida no mundo sem importncia para
o carter geral do tremendo oceano dodevir e decorrer; que um
sem-nmero de astros tem condies similares s daTerra para a gerao da
vida, muitssimos, portanto embora mal sejam umpunhado, em comparao
infinita quantidade dos que jamais tiveram a erupovital ou que h
muito dela se curaram; que a vida em cada um desses astros, emrelao
ao tempo de sua existncia, foi um instante, um bruxuleio,
comlongussimos lapsos de tempo atrs de si ou seja, de modo algum a
finalidade einteno derradeira de sua existncia. Talvez uma formiga,
numa floresta, imagineser a finalidade e inteno da existncia da
floresta, de forma to intensa comofazemos ao espontaneamente ligar
o fim da humanidade ao fim do planeta, emnossa fantasia; e ainda
somos modestos, se nos detemos nisso e no organizamos
-
um crepsculo geral dos deuses e do mundo, acompanhando o funeral
do ltimohomem. Mesmo o mais imparcial astrnomo no pode ver a Terra
sem vida senocomo o luminoso tmulo flutuante da humanidade.
15. Modstia do homem. Como basta pouco prazer maioria para achar
a vida
boa, como modesto o ser humano! 16. Onde necessria a indiferena.
Nada seria mais absurdo que querer
aguardar o que a cincia estabelecer definitivamente sobre as
primeiras e ltimascoisas, e at ento pensar (e sobretudo crer!) da
forma tradicional comofreqentemente se aconselha. O impulso de
querer ter apenas certezas nessembito um rebento religioso
posterior, nada melhor que isso uma forma ocultae s aparentemente
ctica da necessidade metafsica, acoplada ao pensamento93de que
ainda por muito tempo no haver possibilidade dessas certezas
ltimas, eat ento o crente est certo em no se preocupar com todo
esse mbito. Noprecisamos absolutamente dessas certezas sobre os
horizontes mais remotos paraviver de maneira plena e capaz a nossa
humanidade: tampouco a formiga precisadelas para ser uma boa
formiga. Devemos, isto sim, esclarecer de onde vemrealmente a fatal
importncia que durante tanto tempo atribumos a essas coisas,e para
isso necessitamos de uma histria dos sentimentos ticos e
religiosos. Poisapenas sob a influncia de tais sentimentos as
questes mais agudas doconhecimento se tornaram to graves e terrveis
para ns: para os campos maisremotos que o olhar do esprito ainda
alcana, sem neles penetrar, foramtransportadas noes como culpa e
castigo (castigo eterno, alis!): e isso demaneira tanto mais
imprudente quanto mais obscuros so esses campos. Desdesempre se
fantasiou temerariamente, ali onde nada se podia constatar, e
seconvenceu os prprios descendentes a tomar essas fantasias a srio,
comoverdades, por fim recorrendo ao abominvel argumento de que a f
tem mais valorque o saber. O que agora necessrio, em relao a essas
coisas ltimas, no osaber contra a f, mas indiferena quanto a f e
suposto saber nesses campos! Todo o resto deve ficar mais prximo de
ns do que aquilo que at hoje nos foiensinado como o mais
importante; refiro-me s questes: que finalidade tem ohomem? Qual
seu destino aps a morte? Como se concilia ele com Deus?, ou sejal
como se exprimam tais curiosidades. No mais que essas questes dos
religiososnos dizem respeito as questes dos dogmticos filosficos,
sejam eles idealistas,materialistas ou realistas. Todos procuram
nos impelir a uma deciso em reas
-
onde no necessrio crer nem saber; mesmo para os maiores amantes
doconhecimento mais til que ao redor de tudo indagvel e acessvel
razo seestenda um nebuloso e enganador cinturo de pntano, uma faixa
doimpenetrvel, eternamente fluido e indeterminvel. justamente pela
comparaocom o domnio do obscuro, margem da terra do saber, que
cresce continuamenteo valor do claro e vizinho mundo do saber.
Temos que novamente nos tornarbons vizinhos das coisas mais prximas
e no menosprez-las como at agorafizemos, erguendo o olhar para
nuvens e monstros noturnos. Foi em bosques ecavernas, em solos
pantanosos e sob cus cobertos que o homem viveu pordemasiado tempo,
e miseravelmente, nos estgios culturais de milnios inteiros.Foi ali
que aprendeu a desprezar o tempo presente, as coisas vizinhas, a
vida e a simesmo e ns, que habitamos as campinas mais claras da
natureza e do esprito,ainda hoje recebemos no sangue, por herana,
algo desse veneno do desprezo peloque mais prximo.
17. Explicaes profundas. Quem explica uma passagem de um autor
mais
profundamente do que o pretendido, no explica, mas obscurece o
autor. Assim seacham nossos metafsicos em relao ao texto da
natureza. Ainda pior at; pois,para apresentar suas explicaes
profundas, muitas vezes ajustam antes o textopara isso: ou seja,
corrompem-no. Para dar um curioso exemplo de corrupo dotexto e
obscurecimento do autor, vejamos o que pensa Schopenhauer sobre
agravidez das mulheres. O indcio da constante existncia da vontade
de vida notempo o coito, diz ele; o indcio da luz do conhecimento
que novamente seagregou a essa vontade, no mais alto grau de
clareza e mantendo aberta apossibilidade de salvao, a renovada
encarnao da vontade de vida. O signodesta a gravidez, que por isso
se mostra de maneira franca e livre, e atorgulhosa, enquanto o
coito se esconde como um criminoso.94 Ele afirma que todamulher,
surpreendida no ato da gerao, morreria de vergonha, mas exibe
suagravidez sem trao de pudor, e mesmo com certo orgulho . Antes de
mais nada,dificilmente se pode exibir mais esse estado do que ele
prprio se exibe; mas, aodestacar apenas a intencionalidade do
exibir, Schopenhauer prepara o texto paraque este se harmonize com
a explicao que j tem. Depois, o que ele diz sobrea universalidade
do fenmeno a ser explicado no verdadeiro: ele fala de todamulher:
mas muitas, em especial as mais jovens, mostram freqentemente
umpenoso pudor, mesmo ante os parentes mais prximos; e, se mulheres
de idademais madura, sobretudo as do povo mido, realmente se acham
orgulhosas desseestado, seria por evidenciar que ainda so desejadas
por seus homens. Se, ao v-las, o vizinho ou vizinha, ou um
passante, diz ou pensa: ser possvel , talesmola sempre bem aceita
pela vaidade feminina de baixo nvel espiritual.
-
Inversamente, como seria de concluir das teses de Schopenhauer,
justamente asmulheres mais sagazes e espirituais se alegrariam
publicamente do seu estado:pois tm a melhor perspectiva de dar luz
um prodgio do intelecto, em que avontade pode mais uma vez negar-se
para o bem de todos; as mulheresestpidas, ao contrrio, teriam toda
razo em ocultar a gravidez ainda maisvergonhosamente do que tudo o
mais que escondem. No se pode dizer queessas coisas sejam tiradas
da realidade. Mas, supondo que Schopenhauer tivesserazo, de modo
bem geral, em que as mulheres no estado de gravidez mostrammais
satisfao consigo do que normalmente o fazem, ainda haveria
umaexplicao mais palpvel do que a sua. Pode-se pensar num cacarejo
da galinhatambm antes de pr o ovo, com este contedo: Vejam! Vou pr
um ovo! Vou prum ovo!.
18. O moderno Digenes. Antes de procurar o homem, deve-se achar
a lanterna.
Ter de ser a lanterna do cnico? 95 19. Imoralistas. Agora os
moralistas tm que aceitar serem tachados de
imoralistas, pois dissecam a moral. Mas quem quer dissecar tem
que matar:apenas, no entanto, para que se saiba mais, se julgue
melhor, se viva melhor; nopara que todos dissequem. Infelizmente,
porm, as pessoas ainda crem que todomoralista tem de ser, em todo o
seu agir, um modelo que os outros deveriamimitar; elas o confundem
com o pregador da moral. Os moralistas mais antigos nodissecavam o
bastante e pregavam em demasia: da vem essa confuso e
essadesagradvel conseqncia para os moralistas de hoje.
20. No confundir. Os moralistas, que tratam como difceis
problemas do
conhecimento o modo de pensar grandioso, poderoso, abnegado dos
heris dePlutarco, por exemplo, ou o estado de alma puro, iluminado,
caloroso dos homense mulheres verdadeiramente bons, e que pesquisam
sua gnese, mostrando acomplexidade na aparente singeleza e
dirigindo o olhar para o entrelaamento demotivos, para as delicadas
iluses conceituais ali tecidas e os sentimentosindividuais e
coletivos h muito herdados e lentamente intensificados
essesmoralistas so, na maioria, diversos precisamente daqueles com
quem mais so
-
confundidos: dos espritos mesquinhos, que no crem absolutamente
naquelemodo de pensar e naqueles estados de alma e imaginam que por
trs do brilho degrandeza e pureza se esconde sua prpria misria. Os
moralistas dizem: aquiesto impostores e imposturas; eles negam,
ento, a existncia precisamentedisso que aqueles se empenham tanto
em explicar.
21. O homem como aquele que mede. Talvez toda a moralidade da
humanidade
tenha sua origem na tremenda agitao interior que se apoderou dos
homensprimevos, quando descobriram a medida e o medir, a balana e o
pesar (a palavrahomem significa o que mede,96 ele quis se denominar
conforme a sua maiordescoberta!). Com essas concepes eles se
elevaram at mbitos que sototalmente imensurveis e impesveis, mas
que originalmente no pareciam s-lo.
22. Princpio do equilbrio. O salteador e o poderoso que promete
comunidade
defend-la do salteador so provavelmente, no fundo, seres muito
semelhantes,apenas ocorre que o segundo obtm sua vantagem de modo
diferente do primeiro:a saber, mediante contribuies regulares que a
comunidade lhe paga, e no maisatravs de saques. ( a mesma relao que
h entre comerciante e pirata, que pormuito tempo so a mesma pessoa:
quando uma das duas funes no lhe pareceaconselhvel, a pessoa exerce
a outra. Na verdade, ainda hoje a moral docomerciante no mais que
um refinamento da moral pirata: comprar to baratoquanto possvel se
possvel por nada, exceto os custos do empreendimento , evender o
mais caro possvel.) O essencial que o poderoso promete manter
oequilbrio em relao ao salteador, e nisso os fracos vem uma
possibilidade deviver. Pois eles tm de, ou juntar-se eles prprios
num poder de peso igual, ousubmeter-se a um de peso igual
(prestar-lhe servios pelo que faz). Esse ltimoprocedimento o
preferido, porque, no fundo, mantm em xeque dois seresperigosos: o
primeiro, atravs do segundo; e o segundo, mediante o ponto de
vistada vantagem; pois ele tem seu ganho no fato de tratar piedosa
ou razoavelmenteos sujeitados, para que possam alimentar no apenas
a si prprios, mas tambmseu dominador. As coisas ainda podem lhes
ser bastante duras e cruis, de fato,mas, em comparao ao total
aniquilamento que sempre era possvel antes, aspessoas j respiram
aliviadas nessa condio. No incio, a comunidade aorganizao dos
fracos para o equilbrio com os poderes ameaadores. Umaorganizao
para a preponderncia seria mais aconselhvel, se fossem fortes o
-
bastante para aniquilar de uma vez o poder contrrio: e,
tratando-se de um nicopoder malfazejo, isso certamente tentado.
Mas, se ele um chefe de tribo outem muitos seguidores, o
aniquilamento rpido e decisivo algo improvvel, edeve-se esperar um
longo, duradouro conflito: o qual, no entanto, ocasiona oestado
menos desejvel possvel para a comunidade, pois ela perde, com ele,
otempo de que necessita para cuidar do prprio sustento com
regularidade, e vconstantemente ameaado o produto de todo o
trabalho. Por isso a comunidadeprefere colocar seu