UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas Faculdade Nacional de Direito Caroline Lagos de Castro OS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA DOS PROCURADORES PÚBLICOS Rio de Janeiro 2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas
Faculdade Nacional de Direito
Caroline Lagos de Castro
OS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA DOS PROCURADORES PÚBLICOS
Rio de Janeiro
2012
Caroline Lagos de Castro
OS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA DOS PROCURADORES PÚBLICOS
Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientadora: Larissa Pinha de Oliveira
Rio de Janeiro
2012
CASTRO, Caroline Lagos de, 1989- Os Honorários de Sucumbência dos Procuradores Públicos/ Caroline Lagos de Castro – 2012
50f; 31 cm Orientadora: Professora Larissa Pinha de Oliveira. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Curso de Direito, 2012. 1. Honorários de Sucumbência. 2. Procuradores Públicos 3. Lei 9.527/97. I. OLIVEIRA, Larissa Pinha de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Curso de Direito. III. Os Honorários de Sucumbência dos Procuradores Públicos.
Caroline Lagos de Castro
OS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA DOS PROCURADORES PÚBLICOS
Monografia apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.
_____________________________________________
Larissa Pinha de Oliveira (Orientadora) – UFRJ
______________________________________________
Vanessa Huckleberry Portella Siqueira – UFRJ
______________________________________________
Componente – Instituição
Rio de Janeiro, de julho de 2012.
AGRADECIMENTOS
A DEUS por ter cuidado tão bem de mim desde que nasci e por ter me
abençoado com a melhor família que alguém poderia ter.
Ao meu pai CARLOS, por me dar asas.
A minha mãe TANIA, por me manter com os pés no chão.
Aos meus irmãos queridos TAINÁ E YURI, por serem meus melhores
amigos. Tenho muito orgulho dos seres humanos que vocês são e fico feliz por ter
contribuido um pouco para isso sendo, por vezes irmã, por vezes mãe de vocês.
Aos meus familiares sempre tão incentivadores e torcedores, em especial
minhas “mães” YARA E ELAINE.
A família que a FND me deu, que tanto contribuiu para meu crescimento
pessoal e jurídico: CAIO, CARLOS, DIEGO, LEANDRO, LUIZA, RICARDO,
SOFIA, TÚLIO e VINICIUS.
Aos grandes mestres que tive a felicidade de encontrar nesta jornada, em
especial à ajuda da minha orientadora PROF. LARISSA, sempre disponível,
prestativa e interessada. Fico muito grata por ter tido a sorte de ser sua orientanda;
e PROF. VANESSA pelas valiosas lições dentro de sala e comprometimento com o
ensino público de qualidade.
Ao meu grande companheiro JOÃO, sempre paciente, amigo e disposto a
ajudar.
“Maybe the target nowadays is not to discover what we are but to refuse
what we are.” Michel Foucault
RESUMO
A presente monografia objetiva abordar, a partir de um estudo mais
aprofundado, algumas questões relativas ao percebimento dos honorários de
sucumbência pelos Procuradores de órgãos da Administração Pública Direta.
Partindo de uma primeira análise acerca do instituto dos honorários de
sucumbência no processo civil brasileiro, busca-se traçar um panorama da atual
situação e soluções encontradas em diversas Procuradorias para gerir esse fundo
de forma mais conveniente. Além disso, serão levantadas as principais
problemáticas e controvérsias a respeito do tema, sobretudo no que tange ao
conflito entre a Lei Federal nº 9.527/97 e o Estatuto da Ordem dos Advogados do
Brasil (EOAB), Lei nº 8.906/94, bem como a questão da ADI 3396, proposta pelo
Conselho Federal da OAB que atualmente tramita no Supremo Tribunal Federal,
do teto salarial constitucional e, por fim, estabelecer-se-á uma ligação entre o
Princípio Constitucional da Impessoalidade na Administração Pública e a temática
dos honorários de sucumbência nesta seara.
Palavras-chave: Honorários de Sucumbência. Procuradores Públicos. Lei 9.527/97.
Estatuto da OAB. Teto Constitucional. Princípio da Impessoalidade.
ABSTRACT
This thesis aims to address, from a further study, some issues relating to the
receiving of the attorneys' fees by the Prosecuters that work in the Public
Administration.
From a first analysis on the institute attorney’s fees in Brazilian Civil
Procedure, it is intended to give an overview of the current situation and solutions in
various Prosecutions for managing this fund in the most appropriate way. The main
problems and controversies on the subject will also be discussed, especially
regarding the conflict between the Federal Law No. 9527/97 and the OAB Statute
(EOAB), Law No. 8906/94, as well as the issue of the ADI 3396, proposed by the
Federal Council of OAB before the Supreme Court, the constitutional salary ceilling
and finally a link will be settled between the constitutional principle of Impersonality
in Public Administration and the theme of the Attorney’s fees in this endeavor.
Key- words: Attorney’s fees. Public Prosecuters. Law Nº 9572/97. OAB Statute.
Constitutional Salary Ceilling. Principle of Impersonality.
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9
1. A QUESTÃO DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA NO PROCESSO CIVIL ......... 12
1.1 ASPECTOS GERAIS ............................................................................................... 12
1.2 AGENTES PÚBLICOS E O STATUS JURÍDICO DOS PROCURADORES NA CRFB ....................................................................................................................................... 14
1.2.1. A Procuradoria no contexto das Funções Essenciais à Justiça .................. 14
1.2.2. O Procurador como Agente Público .............................................................. 19
2. PANORAMA E QUESTÕES ATUAIS ............................................................................ 23
2.1. A Lei 9.527/97 e o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8906/94) . 23
2.1.1. A Advocacia Pública ....................................................................................... 23
2.1.2. Argumentos a favor do recebimento dos honorários pelo Estado .............. 27
2.1.3. Argumentos a favor do recebimento dos honorários pelos Procuradores . 30
2.2. ADI 3396 ................................................................................................................. 34
2.2.1. Histórico ........................................................................................................... 34
2.2.2. Fundamentação da ADI 3396 e outras pontos de inconstitucionalidade .... 36
2.3. O Projeto de Lei 2279/11 ....................................................................................... 39
2.4. O comportamento de diferentes Procuradorias no Brasil .................................. 40
2.5. A questão do Teto Salarial Constitucional .......................................................... 42
2.5.1. Aspectos Gerais .............................................................................................. 43
2.5.2. Divergências sobre o teto salarial constitucional dos Procuradores Municipais .................................................................................................................. 47
3. RELAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE E OS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA ................................................................................................................ 50
3.1. O Princípio da Impessoalidade na doutrina e na CRFB/88 ................................. 50
3.2. A possível relação entre os dois institutos.......................................................... 52
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 54
9
INTRODUÇÃO
O estudo a seguir tem como principal finalidade analisar por intermédio de
aspectos doutrinários, jurisprudenciais e entrevistas concedidas por profissionais
do ramo, algumas questões afetas ao recebimento de honorários de sucumbência
por parte dos Procuradores de Estados e Municípios. A temática se justifica em
virtude de haver na doutrina pouca produção teórica a respeito do tema, além da
necessidade de difundir correntes filosóficas novas, que tanto enriquecem a
produção jurídica brasileira e o debate acadêmico.
A origem do tema deu-se através do contato que tive com uma reportagem
veiculada pelo jornal “O Globo” que tratava de remunerações astronômicas
percebidas pelos Procuradores do Município de São Paulo. Em 07.08.2010, o
jornalista Ricardo Noblat afirmou em seu blog que “mais da metade dos 282
Procuradores da Prefeitura de São Paulo recebem supersalários de mais de R$
26.723,13, limite máximo estabelecido pela Constituição Federal para o
funcionalismo brasileiro”1, fato que conduziu-me a uma extensa pesquisa acerca do
tema e despertou-me para a falta de consenso entre juristas, doutrinadores e
membros do judiciário.
O estudo partirá de definições e conceitos básicos dos institutos primordiais
para a compreensão e boa análise do tema, são eles: os honorários de
sucumbência, tanto em sua origem no Direito, quanto no processo civil; a noção de
advocacia pública; o status jurídico do Procurador, tanto na Constituição Federal,
quanto no Direito Administrativo e suas variações na doutrina.
Em seguida, falar-se-á sobre a dualidade entre o que diz a Lei 9527/97 e a
Lei 8906/94, mais conhecida como Estatuto da OAB, no que tange a advocacia
pública, sobretudo no que diz respeito à argumentação utilizada por juristas de todo
o Brasil para defender que os honorários de sucumbência pertencem ao Advogado
1 Disponível em: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2011/08/07/procuradores-da-prefeitura-
ganham-supersalarios-de-ate-76-3-mil-397003.asp, acessado em 12/07/2011, às 14:53.
10
Público, para alguns, ou à Administração Públca, para outros. É importante
ressaltar que a Lei 9527/97 é aplicada à Procuradores Públicos em geral, todavia, o
estudo a ser desenvolvido retringir-se-á aos Procuradores Estaduais e Municipais.
Também está em voga a questão da inconstitucionalidade da primeira
norma mencionada, fato que já é de conhecimento do STF, por meio da ADI 3396,
e aguarda julgamento. Além disso, será mostrado de que maneira as diversas
Procuradorias em todo o Brasil tratam da questão, seja repassando os honorários a
seus Procuradores, seja criando fundos para custear despesas como
aprimoramento e capacitação profissional dos mesmos. A questão do teto
constitucional também será analisada, sobretudo no que tange à inclusão ou não
dos honorários como verba extra e como os Tribunais se posicionam acerca do
problema.
No terceiro capítulo, será traçado um paralelo entre o Princípio da
Impessoalidade na Administração Pública, expresso na CRFB e o recebimento dos
honorários. Inicialmente, far-se-á uma abordagem teórica à respeito do Princípio da
Impessoalidade, de acordo com o Art. 37 da CRFB e com a opinião de expressivos
doutrinadores brasileiros. O Princípio será analisado conforme a autora Maria
Sylvia Zanella Di Pietro o entende em sua obra Direito Administrativo2. A autora
nos faz observar duas vertentes do mesmo Princípio: a primeira, trata da relação
Administração/Administrados, onde se deixa claro que não deve haver diferença no
tratamento dado pela Administração Pública em relação a seus administrados; a
segunda vertente, por conseguinte a que interessa ao estudo, cuida da relação
entre Administração Pública e seu Agente. A autora tão brilhantemente nos ensina
que os atos administrativos praticados por um funcionário da Administração Pública
não podem ser a ele imputados pois, na verdade, o agente simplesmente manifesta
a vontade estatal.
A partir dessas premissas e, especialmente, do observado no terceiro
capítulo, foi elaborado o seguinte questionamento: A quem cabe o percebimento
2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23º Ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 67.
11
dos honorários de sucumbência nas ações onde a parte vencedora é um
órgão da Administração Pública Direta, representado por seu Procurador?
A metodologia empregada foi a bibliográfica, de análise jurisprudencial, bem
como o método empírico.
12
1. A QUESTÃO DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA NO PROCESSO CIVIL
Para facilitar a compreensão e contextualizar o tema, a presente monografia
tomará como ponto de partida o tratamento dado ao instituto dos honorários de
sucumbência pela doutrina, legislação e jurisprudência, bem como sua relação com
os Procuradores Públicos.
1.1 ASPECTOS GERAIS
Os honorários advocatícios são, em sentido amplo, espécie do gênero
despesas processuais, conforme nomenclatura adotada pelo Código de Processo
Civil (CPC). Despesas são todos os gastos feitos pelas partes para a realização
dos atos processuais.
Os honorários advocatícios representam a verba alimentar dos advogados;
são a remuneração pelo trabalho profissional desempenhado. Os honorários de
sucumbência são apenas uma das modalidades em que os honorários advocatícios
podem vir a se apresentar. O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e o
Código de Ética, bem como o CPC, estabeleceram que os honorários de
advogados podem ser contratuais (firmados em contrato no ato de propositura da
demanda); por arbitramento (arbitrados pelo magistrado na falta de um contrato ou
acordo sobre os mesmos); e de sucumbência.
A sucumbência é a obrigação que a parte vencida tem para com a parte
vencedora de ressarcir as despesas que a mesma efetuou, entre elas os
honorários. Visa assegurar àquele que teve seu direito violado, a mesma situação
econômica que teria se não tivesse sido ajuizada a demanda. A sucumbência pode
ser total ou parcial, conforme o juiz conceda total ou parcialmente o pedido do
autor.3
3 Art. 21, CPC: Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e
proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas. Súmula 306, STJ: Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte.
13
Tal instituto justificava-se, a princípio, na Teoria da Pena, pois a
sucumbência tinha como função “punir” a parte que atuava na demanda sem ter
razão ou direito no qual se basear. Posteriormente, passou-se a adotar a Teoria do
Ressarcimento, na qual a sucumbência não mais punia a parte vencida, apenas
garantia o ressarcimento da parte vencedora. Em um primeiro momento, entendia-
se que a sucumbência pertencia à parte vencida e não ao Patrono, fato que foi
rechaçado pelo legislador no art. 23 da Lei 8.906/944 e que muito interessa ao
presente estudo.
A jurisprudência confirma este entendimento, à exemplo do seguinte exerto:
Com o advento da Lei 8.906/94, os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência, deixaram de ser uma reparação a parte vencedora da demanda, para se constituir em remuneração ao trabalho do advogado, sendo direito autônomo dele. (TJRS - EI 599097516 - RS – 4º G.C.Cív. - Rel. Des. Sergio Fernando de Vasconcellos Chaves - J. 14.05.99)
A sentença pode ter natureza declaratória (quando reconhece ou não uma
relação jurídica já existente); constitutiva (quando cria uma nova relação jurídica);
ou condenatória (quando, ao reconhecer uma relação jurídica, especifica uma
sanção, caso a obrigação deixe de ser cumprida). Qualquer que seja a natureza
principal da sentença, esta conterá sempre uma parcela de condenação, como
efeito obrigatório da sucumbência.
A questão da sucumbência não se limita a pessoas físicas e advogados
privados. O ilustre processualista HUMBERTO THEODORO JUNIOR destaca que
“nos termos amplos em que o princípio da sucumbência foi adotado pelo Código, a
ele se sujeita e dele se beneficiam até mesmo os Poderes Públicos e empresas
privadas que mantenham serviços jurídicos permanentes.” 5
4 Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor. 5 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 50º Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009. p. 96.
14
O instituto dos honorários de sucumbência está previsto no art. 20 do CPC,
que descreve em seus incisos e parágrafos a forma e o montante para fixação,
bem como os critérios que o juiz deverá adotar para fazê-la. O juiz condenará a
parte vencida a pagar, com base no valor da condenação, e não no valor da causa,
o mínimo de 10 e máximo de 20 por cento em sede de honorários. Para definir a
porcentagem, levará em consideração fatores como o grau de zelo profissional, o
lugar da prestação do serviço, além de natureza e importância da causa, o trabalho
realizado pelo advogado e o tempo exigido para seu serviço. O § 4º do referido
artigo, traz as hipóteses onde o juiz fixará o montante consoante apreciação
equitativa.
1.2 AGENTES PÚBLICOS E O STATUS JURÍDICO DOS PROCURADORES NA
CRFB
Este tópico visa localizar no direito brasileiro, tanto as Procuradorias
enquanto instituição, quanto os Procuradores enquanto agentes públicos, através
de suas funções e natureza jurídica.
1.2.1. A Procuradoria no contexto das Funções Essenciais à Justiça
A Advocacia Pública é considerada na CRFB/88 como uma das Funções
Essenciais à Justiça (Título IV, Capítulo IV, Seção II, do texto constitucional). O
modelo teórico do exercício do poder estatal, elaborado por Montesquieu,
desconcentrou as funções do Estado, distribuindo-as entre três poderes
independentes e harmônicos entre si: Legislativo, Executivo e Judiciário. Em suas
palavras:
Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos.
6
6 MONTESQUIEU, Charles de. O Espírito das Leis. São Paulo : Abril Cultural, 1979. p. 181.
15
Este princípio, consagrado, inclusive, na Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, de 1789, está presente na Constituição Brasileira de 1988, conforme
escrita do Art. 2º da Magna Carta7, como Cláusula Pétrea, estando imune a
qualquer reforma, emenda ou revisão que venha a abolí-lo.
Tais poderes exercem suas funções típicas e atípicas, ou seja, a teoria de
tripartição dos poderes não divide o poder do Estado, apenas separa suas funções
essenciais, fato que não impede que um poder exerça, de forma atípica, a função
do outro. De acordo com a assertiva do ilustre autor DALMO DE ABREU DALLARI,
“é normal e necessário que haja muitos órgãos exercendo o poder soberano do
estado, mas a unidade do poder não se quebra por tal circunstância.” 8
As funções típicas dos três Poderes estão presentes no texto constitucional
e nas obras dos doutrinárias. De maneira geral, ao Poder Executivo (Arts. 76 a 91),
incumbem-se a realização de “atos típicos da Chefia do Estado e atos
concernentes à Chefia de Governo e da administração em geral”.9 Ao Legislativo,
cabem as funções principais de legislar e fiscalizar (seja através de Comissões
Paralamentares de Inquérito ou dos Tribunais de Contas) e, por fim, o Judiciário se
ocupa de dizer o direito de forma definitiva e vinculante diante de conflitos.
Por sua vez, o exercício das funções atípicas dos poderes do Estado pode
ser observado através de exemplos simples, como a edição de Medidas
Provisórias pelo Executivo, o julgamento do Presidente da República pelo Senado
nos crimes de responsabilidade ou mesmo a elaboração do Regimento Interno dos
Tribunais pelos órgãos do Judiciário.
No entanto, a CRFB/88 inova quando concede parte do poder estatal para
órgãos e instituições consideradas essenciais à justiça, sendo elas: Ministério
7 Art. 2º, CRFB: São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário. 8 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 20º Ed. São Paulo: Ed Saraiva,
1998. p. 215. 9 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2º Ed. São Paulo: Ed Saraiva, 2008. p.
905.
16
Público, Advocacia Pública e Defensoria Pública. É importante salientar que o
termo “Justiça” empregado pelo texto da Constituição em nada se confunde com a
atividade jurisdicional do Poder Judiciário. O primeiro deve ser sempre observado
em seu sentido amplo, encampando, não só a prestação jurisdicional, como
também a equidade e os princípios gerais que a regem.
Na atualidade, uma grande gama de autores defende que as Funções
Essenciais à Justiça possuem o mesmo patamar constitucional dos Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário. O Constituinte ao se manifestar a respeito das
Funções Essenciais à Justiça não as subordinou a nenhum dos poderes existentes,
além de estarem todos localizados no mesmo título do texto constitucional. A este
respeito, DIOGO FIGUEIREDO MOREIRA NETO se posiciona:
Surpreendentemente, ao que se nota, a literatura juspolítica nacional, com poucas e lúcidas exceções, parece não se ter dado conta da transcendência dessa inovação e do que ela representa para a realização do valor justiça, aqui entendida como síntese da licitude, da legitimidade e da legalidade, no Estado contemporâneo, como aventam os jusfilósofos mais respeitáveis, como MIGUEL REALE, um valor básico e instrumental para a realização de todos os demais, por pressupor ‘uma composição isenta e harmônica de interesses’. Esse tríplice endereçamento finalístico é um impressivo coroamento de séculos de evolução da própria instituição estatal, na linha de sua submissão, em sucessivas etapas históricas, ao direito à vontade da sociedade e à moral. A sujeição do Estado à lei foi, por certo, a primeira grande conquista desta série: o princípio da legalidade inaugurou a doma do Leviatan, marcando a transição do Estado Absolutista para o Estado de Direito. O segundo importante triunfo foi o submetimento do Estado à vontade da sociedade: o princípio da legitimidade logrou afirmar-se universalmente no correr deste século que se finda, à custa de grandes sacrifícios, entre os quais os flagelos de três longas e desumanas guerras e da escravização de inúmeros povos a ideologias totalitárias, consolidando-se o Estado Democrático como o conceito vitorioso nas sociedades contemporâneas. A terceira e decisiva conquista, e a mais demandante, ainda está por ser alcançada, lograndose a subordinação do Estado à moral: o princípio da licitude, ao assegurar o primado da moralidade na vida pública, é o aperfeiçoamento que falta para, sintetizado com os demais, realizar o Estado de Justiça.
10
Esta parcela de doutrinadores observa que a ampliação das funções estatais
precípuas e a colocação das “Funções Essenciais à Justiça” ao lado dos
10
MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 12º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 46.
17
tradicionais Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo dá-lhes o mesmo status
constitucional, conforme defende MARIO BERNARDO SESTA:
A simples situação dessas carreiras na topologia da constituição, de forma inteiramente nova no constitucionalismo brasileiro, e sua qualificação como ‘funções essenciais à Justiça’, está a significar que participam da essência da atividade de realização da Justiça. Que significa, afinal, dizer-se que tais ou quais funções são essenciais à Justiça? Significa por certo que, sem seu concurso, justiça não haverá, pressuposto e decorrência que são da escolha constitucional de um perfil moderno de Estado Democrático. Significa a sobrevalorização do interesse público, que se busca alcançar já não só pela pacificação vinculativa na solução das lides, mas ainda por uma especial valorização da custódia da lei; da impessoalidade no aconselhamento preventivo e no patrocínio judicial dos interesses do Estado; na franquia do acesso ao amparo da ordem jurídica em favor dos desvalidos da fortuna.
11
A primeira das instituições criadas pelo Estado a fim de desempenhar as já
mencionadas “Funções Essenciais à Justiça” é o Ministério Público (Art. 127,
CRFB). Presente nas esferas da União, dos Estados e do Distrito Federal, é o
Ministério Público que realiza a advocacia da sociedade, preservando os valores
essenciais do Estado, seja como encarregado da persecução penal ou como
custos legis, expressão em latim que significa “fiscal da lei”.
O conceituado administrativista DIOGO FIGUEIREDO MOREIRA NETO12
afirma que os três institutos encarregados das Funções Essenciais à Justiça (por
ele denominados “Procuraturas”) estão voltados a três conjuntos de interesses. O
primeiro, relativo ao Ministério Público, abrange os interesses difusos da defesa da
ordem jurídica e os interesses individuais indisponíveis.
Tal entendimento é corroborado por ADA PELLEGRINI GRINOVER:
O Estado contemporâneo assume por missão garantir ao homem, como categoria universal e eterna, a preservação de sua condição humana, mediante o acesso aos bens necessários a uma existência digna – e um dos organismos de que dispõe para realizar essa função é o Ministério Público, tradicionalmente apontado como instituição de proteção aos
11
SESTA, Mario Bernardo. Isonomia remuneratória das carreiras jurídicas, Revista Jurídica APERGS: Advocacia do Estado, Ano 1, nº 1, Porto Alegre: Metrópole. p. 72. 12
MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Op. cit. p. 55
18
fracos e que hoje desponta como agente estatal predisposto à tutela de bens e interesses coletivos ou difusos.
13
O segundo conjunto de interesses são os públicos e, para defesa de tais,
foram criadas a Advocacia Geral da União e as Procuradorias dos Estados e do
Distrito Federal (Arts. 131 e 132, CRFB), nosso objeto de estudo. O Advogado da
União e o Procurador (do Estado ou Município) representam a pessoa jurídica de
direito público, tanto judicialmente, quanto extrajudicialmente. As Procuradorias são
instituídas e regidas por Leis Complementares, com base na Constituição Federal.
Por fim, a Defensoria Pública (Art. 134, CRFB) tem a missão de defender
interesses individuais, coletivos ou difusos, desde que qualificados pela
insuficiência de recursos. Apresenta-se nas esferas federal, distrital federal e
estadual, sendo devidamente instituídas por Lei Complementar.
Os autores que sustentam a posição de que as três Procuraturas tem o
mesmo status constitucional dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
baseiam-se no entendimento de que, ao atribuir-lhes diretamente a preservação de
interesses públicos, a Constituição delega-lhes parte da soberania do Estado.
Desta forma, por serem funções essenciais à justiça e não se subordinarem a
qualquer dos três poderes, não estabelecendo hierarquia entre si, possuem
igualdade de satus constitucional. Manifesta-se desta forma MARIO BERNARDO
SESTA:
Só por serem tratadas como essenciais, tais funções são-no igualmente. A essencialidade é ontologicamente niveladora, igualitária, como o é a própria igualdade. A não ser como pleonasmo, só admissível em prosa descomprometida, não há graus na essencialidade; não há entes, partes, atos, fatos essenciais, uns mais que outros, tanto como não há iguais, exceto no bestiário orwelliano.
14
13
GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Teoria Geral do Processo. 24º Ed. São Paulo: Ed. Moderna, 2008. p.228. 14
SESTA, Mario Bernardo. Op. cit. p.72
19
1.2.2. O Procurador como Agente Público
Antes de começar a análise prevista no título deste tópico, é preciso
estabelecer alguns conceitos iniciais que serão de muita serventia à total
compreensão do estudo. O primeiro deles é a distinção entre a pessoa jurídica de
direito público, o órgão público e o agente público.
A pessoa jurídica de direito público, dentro do objeto de estudo da presente
monografia, é o ente federativo, seja ele União, Estado ou Município. Trata-se de
ente federativo desprovido de vontade própria, que se manifesta através de
agentes públicos, por sua vez integrantes de órgãos públicos. A autora MARIA
SYLVIA ZANELLA DI PIETRO define órgãos públicos como “as unidades que
congregam atribuições exercidas pelos agentes públicos que o integram com o
objetivo de expressar a vontade do Estado.”15
Os Agentes Públicos são todas as pessoas físicas que prestam serviços ao
Estado ou às pessoas jurídicas da Administração Pública Indireta. A doutrina
clássica divide os Agentes Públicos em três categorias. São elas: os Agentes
Políticos; os Servidores Públicos; e os Particulares em colaboração com a
Administração Pública. Alguns autores incluem, ainda, os Militares como parte
integrante deste grupo, no entanto, não interessa ao estudo o foco neste
determinado segmento.
O conceito de “Agentes Políticos” não é pacífico entre os doutrinadores. O
administrativista HELY LOPES MEIRELLES apresenta-os como “os componentes
do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos
ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício
de atribuições constitucionais.” 16 O autor inclui nessa categoria os Chefes do Poder
Executivo (federal, estadual e municipal), seus auxiliares diretos, os membros do
Poder Legislativo, da Magistratura, Ministério Público, Tribunais de Contas e
15
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Op. cit. p. 506 16
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 14º Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 75
20
representantes diplomáticos. Qualquer autoridade que atue com independência
funcional no exercício de suas atribuições, encontra-se na categoria dos Agentes
Públicos.
Por sua vez, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO posiciona-se de
acordo com o pensamento clássico, definindo os Agentes Políticos como “os
titulares de cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes
dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental
do Poder.”17 Desta forma, são Agentes Políticos apenas o Presidente da República,
os Governadores, os Prefeitos e respectivos auxiliares imediatos (Ministros e
Secretários), os Senadores, Deputados e Vereadores.
Os argumentos dos doutrinadores que acompanham o primeiro
entendimento, no que diz respeito ao fato de os membros da Magistratura estarem
incluídos no rol dos Agentes Políticos, baseiam-se principalmente em deixar claro
que a função política de tal órgão não diz respeito ao teor político de suas
decisões, tampouco à sua relação com a estrutura do governo. Sua função política
se configura a partir do momento em que o magistrado tem o poder de dizer o
direito em última instância e de forma definitiva, exercendo parcela da soberania do
Estado. Em acórdão relativo ao Recurso Extraordinário nº 228.977/SP, ao se referir
à questão da responsabilidade civil dos magistrados pelos atos jurisdicionais, o
então Ministro do STF Néri da Silveira afirmou:
(..) a autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados.
18 É que, embora seja considerada um agente
público – que são toas as pessoas físicas que exercem alguma função estatal em caráter definitivo ou transitório –, os magistrados se enquadram na espécie agente político. Estes são investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação
17
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12º Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 229 18
É de suma importância destacar que, na atual conjuntura do Estado Democrático de Direito, a tese de irresponsabilidade dos magistrados é considerada ultrapassada. A responsabilidade objetiva do juiz encontra-se expressa no Art. 133 do CPC, o qual aduz: Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.
21
específica, requisitos, aliás, indispensáveis ao exercício de suas funções decisórias.
19
No tocante ao Ministério Público, sua inserção no rol dos Agentes Políticos
justifica-se por sua própria função constitucional de zelar pelo efetivo respeito aos
Poderes Públicos e garantir os direitos assegurados pela Constituição.
Seguindo esta linha de pensamento, é natural chegar a conclusão que os
agentes que desempenham as demais Funções Essenciais à Justiça, Procuradoria
e Defensoria Pública, são, também, Agentes Políticos. É o que defende essa nova
corrente doutrinária.
Segundo tais autores, os membros das Procuradorias e Defensoria Pública
possuem o mesmo status constitucional dos membros da Magistratura e Ministério
Público. Exercem também parcela da soberania do Estado a partir do exercício de
suas funções, além de serem fundamentais para a garantia dos direitos previstos
na Constituição. Se tais argumentos são suficientes para fundamentar a previsão
dos membros da Magistratura e MP no rol dos Agentes Políticos, também o serão
em relação às demais Procuraturas. Este também é o entendimento de MÁRIO
BERNARDO SESTA, ao discorrer sobre os critérios adotados para identificar os
agentes políticos:
Colocada a questão nesses termos, há dois critérios aptos a caracterizar um agente público como agente político. O primeiro deles, naturalmente, o da natureza das funções ou do papel que o agente considerado ou a instituição em que ele se insere, representa no contexto institucional vigente. Sob esse aspecto, cientificamente inquestionável, não há como pretender qualificar diferentemente os agentes do Ministério Público e os agentes da Advocacia Pública de Estado, eis que a Constituição Federal vigente, não só os regulou topicamente, lado a lado, como os designou igualmente exercentes de funções essenciais à Justiça. Observe-se, mesmo, que o texto constitucional não indicou entre esses agentes, alguns que fossem mais essenciais, o que, aliás, seria uma patologia do próprio qualificativo! O segundo critério, aproveitável para o pretendido descrime, é o modo de provimento, eis que existe, no direito público brasileiro, um modo tipicamente político de provimento de determinados cargos e funções, que é o modo eletivo, inerente ao regime democrático, lado a lado com outro modo, igualmente próprio do direito público, mas de caráter administrativo, que é o concurso público de provas e títulos. Por esse
19 STF. RE 228.977/SP
22
critério, mais rigoroso que o anterior, somente seriam agentes políticos os agentes providos mediante eleição, isto é, os titulares do chamado Poder Executivo e os Parlamentares (Sesta, op. cit., p. 85-86).
20
Portanto, de acordo com as considerações feitas a partir da análise dos
argumentos de ambas as correntes doutrinárias, chega-se a conclusão de que há
dois critérios para estabelecer quais Agentes Públicos se enquadram na categoria
Agentes Políticos. Adotando o critério da forma de provimento para o cargo
administrativo, defendido por Celso Antonio Bandeira de Mello, temos como
Agentes Políticos apenas aqueles oriundos direta ou indiretamente da vontade
popular, ou seja, os titulares de mandatos eletivos. No entanto, se for adotado o
critério da função política do cargo, que considera que o Agente Político é aquele
que exerce parcela da soberania, outorgada pela Constituição Federal, a grande
problemática questionada por novos doutrinadores é a que inclui apenas os
membros da Magistratura e do Ministério Público nesta categoria. Sendo este o
critério, deve-se considerar também os membros da Procuradoria e da Defensoria
Pública por seu idêntico status constitucional.21
20
SESTA, Mário Bernardo. Op. cit. p. 85-86 21 Nas palavras dos Procuradores do Estado do Acre Caterine Vasconcelos de Castro, Francisca Rosileide de Oliveira Araújo e Luciano José Trindade: “(…) a Advocacia Pública, assim como o Ministério Público e a Defensoria Pública, é uma instituição estatal que não integra nem se subordina funcional e administrativamente a nenhum dos órgãos ou Poderes Estatais, especialmente por ter sido alçada ao status constitucional de “função essencial à Justiça”. Por outro lado, as atribuições constitucionais e os interesses defendidos pela Advocacia Pública têm tanta relevância constitucional quanto têm as atribuições do Ministério Público e da Defensoria Pública e os interesses por essas instituições defendidos. Sendo, todas, funções essenciais à Justiça, são-no igualmente e devem ser tratadas com isonomia.” Revista de Direito da PGE/AC Nº 3. Disponível em: http://www.pge.ac.gov.br/site/?page_id=434, acessado em 13/03/2012, às 17:37.
23
2. PANORAMA E QUESTÕES ATUAIS
Após a apresentação do tema e dos conceitos fundamentais para total
compreensão da proposta deste estudo, o capítulo que se inicia visa o
aprofundamento das principais questões aqui colocadas. Trata-se da abordagem
do tema dos honorários de sucumbência no âmbito das Procuradorias estaduais e
municipais. Com o objetivo de tratar um assunto de tamanha complexidade de
forma mais inteligível ao leitor, o capítulo será dividido em subcapítulos, os quais
abordarão: os argumentos antagônicos a respeito de quem deve ser o destinatário
das verbas de sucumbência; a questão da constitucionalidade da Lei 9.527/97,
suscitada pela ADI 3396, proposta pelos Conselho Federal da OAB; como
diferentes Procuradorias de Estados e Municípios no Brasil lidam com o assunto; e,
por fim, a discussão acerca do teto salarial.
2.1. A Lei 9.527/97 e o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei
8.906/94)
2.1.1. A Advocacia Pública
A advocacia pública é de suma importância para a efetividade dos atos da
Administração Pública. O advogado público, mais comumente chamado de
Procurador, busca a correta aplicação das leis e normas vigentes para defender os
interesses coletivos, sempre em conformidade com o Art. 37 da Constituição
Federal, que trata dos princípios norteadores das atividades da administração
pública, sendo eles: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e
Eficiência.
O Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) regula os profissionais que exercem essa
atividade, conforme o exposto em seu Art. 3º, §1º:
Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do
24
Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.
Tal regime jurídico de direito público tem como alicerce dois princípios
fundamentais no estudo do Direito Administrativo: a supremacia do interesse
público sobre o interesse privado e a indisponibilidade dos interesses públicos.
Em relação ao conceito de interesse público, o mesmo não deve ser
posicionado como antagônico ao conceito de interesse particular22. O
administrativista CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO não só conceitua
interesse público, como atribui-lhe duas facetas: a do interesse público primário,
inerente à coletividade; e a do interesse público secundário, inerente ao próprio
Estado.
Manifesta-se o autor:
Uma vez reconhecido que os interesses públicos correspondem à dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, que consistem no plexo dos interesses dos indivíduos enquanto partícipes da Sociedade (entificada juridicamente no Estado), nisto incluído o depósito intertemporal destes mesmos interesses, põe-se a nu a circunstância de que não existe coincidência necessária entre interesse público e interesse do Estado e demais pessoas de Direito Público. (...) o Estado, concebido que é para a realização de interesses públicos (situação, pois, inteiramente diversa dos particulares), só poderá defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam com a realização deles.
23
Podemos entender supremacia do interesse público como o prevalecimento
do interesse coletivo quando em confronto com o interesse particular24. Tal
22
“O indispensável, em suma, é prevenir-se contra o erro de, consciente ou inconscientemente, promover uma separação absoluta entre ambos, ao invés de acentuar, como se deveria, que o interesse público, ou seja, o interesse do todo, é “função” qualificada dos interesses das partes, um aspecto, uma forma específica de sua manifestação.” p. 57/58. 23
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. cit. p. 63/64. 24
Tal princípio é desconstruído por autores como DANIEL SARMENTO que, em sua obra Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público, defende o entendimento de que a Supremacia do Interesse Público, por vezes, não respeita a ordem jurídica brasileira, ofendendo os direitos fundamentais decorrentes do conflito entre interesse público e privado. Manifesta-se o autor acerca dos objetivos da obra em questão: “nosso propósito no presente ensaio é o de juntarmo-nos ao coro destes autores, não só porque divisamos uma absoluta inadequação entre o princípio da supremacia do interesse público e a
25
entendimento deve estar presente “tanto no momento de elaboração da lei como
no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública”25 e tem
inúmeros desdobramentos na atuação da administração, entre eles o privilégio da
autoexecutoriedade dos atos administrativos e sua presunção de legalidade.
A indisponibilidade do interesse público também decorre do princípio
supracitado. Segundo CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, o mesmo
significa:
(...) sendo os interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis.
26
Ainda a respeito dos princípios norteadores da Administração Pública, é
possível destacar o Princípio da Legalidade Administrativa, que pode ser
sintetizado pela máxima de Hely Lopes Meirelles: enquanto ao particular é lícito
fazer tudo o que a lei não proíbe, para a Administração e seus Agentes só é
permitido fazer o que a Lei autoriza.
Nesta esteira, assevera o autor:
A lei para o particular, significa "pode fazer assim"; para o administrador público significa "deve fazer assim". As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública, e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contém verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei
ordem jurídica brasileira, como também pelos riscos que sua assunção representa para a tutela dos direitos fundamentais. Parece-nos que o princípio em discussão baseia-se numa compreensão equivocada da relação entre pessoa humana e Estado, francamente incompatível com o leitmotiv Democrático de Direito, de que as pessoas não existem para servir aos poderes públicos ou à sociedade política, mas, ao contrário, estes é que se justificam como meios para a proteção e promoção dos direitos humanos. Tentaremos, enfim, demonstrar que a cosmovisão subjacente ao princípio em debate apresenta indisfarçáveis traços autoritários, que não encontram respaldo numa ordem constitucional como a brasileira, em cujo epicentro axiológico figura o princípio da dignidade da pessoa humana.” 25
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit. p. 64. 26
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. cit. p. 69
26
lhes impõe.27
Em contraponto aos pontos acima suscitados, surge a questão relativa ao
Art. 4º da Lei Federal de número 9.527 do ano de 1997, que se apresenta da
seguinte forma:
Art. 4º - As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista.
Conforme já visto, a lei em questão (8.906/94) é o Estatuto da Advocacia e a
Ordem dos Advogados do Brasil, que traz em seu Capítulo V, Título I os
dispositivos acerca DO ADVOGADO EMPREGADO:
Art. 18. A relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia.
Parágrafo único. O advogado empregado não está obrigado à prestação de serviços profissionais de interesse pessoal dos empregadores, fora da relação de emprego. Art. 19. O salário mínimo profissional do advogado será fixado em sentença normativa, salvo se ajustado em acordo ou convenção coletiva de trabalho. Art. 20. A jornada de trabalho do advogado empregado, no exercício da profissão, não poderá exceder a duração diária de quatro horas contínuas e a de vinte horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva. § 1º Para efeitos deste artigo, considera-se como período de trabalho o tempo em que o advogado estiver à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, no seu escritório ou em atividades externas, sendo-lhe reembolsadas as despesas feitas com transporte, hospedagem e alimentação. § 2º As horas trabalhadas que excederem a jornada normal são remuneradas por um adicional não inferior a cem por cento sobre o valor da hora normal, mesmo havendo contrato escrito. § 3º As horas trabalhadas no período das vinte horas de um dia até as cinco horas do dia seguinte são remuneradas como noturnas, acrescidas do adicional de vinte e cinco por cento. Art. 21. Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados. Parágrafo único. Os honorários de sucumbência, percebidos por advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo.
27
MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 78
27
A partir do “choque” entre as duas normas, deu-se início a uma série de
indagações e questionamentos, muitas vezes contrapostos mas igualmente
polêmicos: de um lado, clama-se pela inconstitucionalidade do Art. 4º da Lei
9.527/94; do outro, fala-se em “ilegalidade na cobrança de verbas de sucumbência
por ferir a Lei Federal e a Constituição Federal, no que tange aos princípios da
moralidade e legalidade”.28 Trata-se do confronto de argumentos utilizados por
Juristas a fim de defender o percebimento dos honorários de sucumbência, ora
pelos Procuradores de Estados e Municípios, ora pela Administração Pública.
2.1.2. Argumentos a favor do recebimento dos honorários pelo Estado
Em um primeiro momento, serão apresentados os argumentos, posições
doutrinárias e jurisprudenciais daqueles que formam o entendimento de que os
honorários não pertencem aos Procuradores dos Estados e Munícipios, por uma
série de motivos a ser analisada.
Apesar da quase que completa ausência de obras doutrinárias a respeito do
assunto, o avanço nos meios de comunicação, sobretudo a importância da troca de
informações via internet, permite que a difusão de novas opiniões, teorias e
interpretações a respeito de temas jurídicos seja rápida e abrangente, alcançando
estudantes, doutrinadores, profissionais do Direito e órgãos da Administração
Pública.
O Tribunal de Contas do Estado de Rondônia tratou do tema em voga no
ano de 2009 e, em seu parecer29, considerou irregular o recebimento das verbas de
sucumbência pelos Procuradores do Município de Cacoal, no mesmo estado. Na
opinião dos Conselheiros, os Procuradores não fazem jus ao montante uma vez
que já são remunerados pelo Município.
28
SOUZA, Edílson de. Parecer dos Tribunal de Contas do Estado de Roraima. Disponível em: http://www.tce.ro.gov.br/tcefiles/Siscom/Arquivos/Noticia_3050_Arquivo_1$RVR_01163_2009_11_1.doc, acessado em 14.08.2011. 29
Processo Nº 1163/2009.
28
O revisor do processo, Conselheiro Edílson de Souza, foi ainda mais incisivo
em seus argumentos. Em seu entendimento, é proibido aos advogados públicos
receberem verba de sucumbência por contrariar a Lei Federal 9.527/97 e a
Constituição Federal. Destaca ainda que os Estados e Municípios tem autonomia
para legislar acerca da forma e critérios de aplicação dos honorários de
sucumbência, sem, no entanto, destiná-las aos Procuradores (isto, em virtude da
inaplicabilidade do Art. 24, §3º da Lei 8.906/94, já mencionada).
Além dos aspectos legais, é possível observar, segundo o Conselheiro, a
prerrogativa concedida à Fazenda Pública, em virtude do princípio da supremacia
do interesse público frente ao interesse privado, de lhe preservar a condição de
destinatária legítima dos honorários de sucumbência, pois o advogado público não
corre o risco da atividade empreendida. O Procurador não pode equiparar-se ao
advogado particular uma vez que a Fazenda assume todos os riscos do processo
em caso de desfecho desfavorável, e não o Procurador. O mesmo não ocorre com
o advogado particular.
Em parecer a respeito do tema, no ano de 2006, o mesmo Conselheiro do
TCE de Rondônia manifestou-se da seguinte maneira:
I – É defeso aos advogados públicos, assim considerados aqueles que exercem suas funções em defesa da Administração Pública Direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às Autarquias, às Fundações instituídas pelo Poder Público, às Empresas Públicas, às Sociedades de Economia Mista, beneficiarem-se pessoalmente dos honorários de sucumbência, por contrariar o disposto no artigo 4º, da Lei Federal nº 9.527/97, bem como aos princípios constitucionais da moralidade, da legalidade e da impessoalidade, a que alude o artigo 37, “caput”, da Constituição Federal; II – O Estado e os Municípios, no exercício de suas respectivas autonomias federativas outorgadas pelos artigos 18, 25 e 29, da Constituição Federal, podem legislar sobre a forma e critérios de aplicação dos honorários de sucumbência.
A Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas, Érika Patrícia
Saldanha de Oliveira, localizado também em Rondônia, destacou que “os
29
Procuradores são pagos pelo Município e que os honorários seriam verba extra,
em desacordo com a Lei 9.527/97”.30
A Resolução 10725/1998 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná tem o
seguinte teor:
Consulta. Ilegalidade da percepção de honorários de sucumbência, pelos procuradores municipais investidos em cargos comissionados e regidos pelo Estatuto dos Servidores Públicos do Município. Inaplicabilidade do Art. 21 da Lei 8.906/94 aos servidores estatutários.
O Superior Tribunal de Justiça também se manifestou a respeito da questão,
como mostra extrato do relatório de autoria do Ministro Francisco Falcão, no REsp
623.038 – MG:
III - Em princípio, os honorários reclamados, in casu, seriam devidos ao recorrente, segundo norma contida no art. 21 do Estatuto da OAB. Todavia, a Lei n. 9.527/94, em seu art. 4º, estabeleceu que: "As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista". Noutras palavras, o advogado que atua, enquanto servidor público, não faz jus aos honorários de sucumbência, os quais não lhe pertencem, mas à própria Administração Pública. IV- Precedentes citados: STJ - REsp n. 147221/RS, in DJ de 31/8/1998; STF – ACÓRDÃO Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Outra questão de suma importância é a violação ao teto estabelecido pela Constituição Federal. Em 2010, Procuradores do Estado do Maranhão depositaram R$300.000,00 em conta da Associação da categoria, medida considerada ilegal por ferir a LC 065/2003 que dispõe sobre a carreira de Procurador no estado. O depósito foi realizado a fim de evitar “confisco” por parte do Secretário de Planejamento, que analisa as verbas antes de repassá-las. O Secretário, ao verificar que o montante ultrapassa (e muito) o teto estabelecido pela CF, certamente não transferiria o montante aos Procuradores.
Em julgado mais recente, no ano de 2010, o Ministro Benedito Gonçalves,
da Primeira Turma do mesmo Tribunal, manifestou-se: 30
Disponível em: http://tc-ro.jusbrasil.com.br/noticias/2053626/tce-considera-irregular-cobranca-de-honorarios-por-procuradores-municipais, acessado em 14.08.2011, às 17:36.
30
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR QUE OBJETIVA O RESSARCIMENTO AOS COFRES PÚBLICOS MUNICIPAIS DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PERCEBIDOS PELOS PROCURADORES MUNICIPAIS. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE JULGA PROCEDENTE, EM PARTE, O PEDIDO, EM VIRTUDE DE HAVER LEGISLAÇÃO LOCAL (DECRETO MUNICIPAL) QUE AUTORIZA O PERCEBIMENTO DE PARTE DOS VALORES. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 23 DA LEI N. 8.906/94. NÃO OCORRÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE O STJ ANALISAR A ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE ARTIGO DE LEI. 1. Agravo regimental no qual se discute a titularidade dos honorários advocatícios de sucumbência, quando o vencedor é o ente federado. 2. Por força do art. 4º da Lei n. 9.527/94, os honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedor o ente público, não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade. Ausente, portanto, a alegada violação do art. 23 da Lei n. 8.906/94. Precedentes: Resp 668.586/SP, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 23/10/2006 p. 260; EDcl no AgRg no REsp 825.382/MG, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 26/3/2009; REsp 1.008.008/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 28/4/2008; Resp 623.038/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 19/12/2005 p. 217; REsp 147.221/RS, Rel. Ministro Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, DJ 11/6/2001 p. 102. 3. Não cabe ao STJ, em sede de recurso especial, analisar eventual contrariedade a dispositivos constitucionais, nem mesmo para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo regimental não provido.
Como vimos, são muitos os argumentos utilizados por juristas que acreditam
que o percebimento de honorários de sucumbência por Procuradores de entes
federativos e órgãos da Administração Pública fere a lei federal 9.527/97, a própria
Constituição da República, além de princípios basilares norteadores do bom
funcionamento da administração pública. No entanto, o entendimento não é
pacífico. Doutrinadores, Tribunais e Legisladores ainda não chegaram a um ponto
de equilíbrio a respeito do tema.
2.1.3. Argumentos a favor do recebimento dos honorários pelos Procuradores
Tal desacordo na doutrina e posicionamento dos Tribunais nos leva ao outro
lado da questão. Argumentos e opiniões daqueles que defendem que a verba de
sucumbência pertence, sim, ao advogado público, pois o Procurador nada mais é
que advogado e, por esta razão, regido pelo Estatuto da Advocacia e a Ordem dos
Advogados do Brasil, Lei 8.906/94 que, em seu Art. 3º, §1º, aduz:
31
Exercem atividade de advocacia no território brasileiro, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional
Além da disposição expressa na lei, a todos os Procuradores é exigido
inscrição junto a Ordem dos Advogados do Brasil, de modo que não faria nenhum
sentido tal inscrição ser compulsória se os causídicos não se submetessem a
norma que rege tal categoria de profissionais.31
Outro importante argumento diz respeito à obrigatoriedade da presença de
membros da OAB para realização dos concursos públicos para a seleção de
membros das Procuradorias, conforme o previsto na Lei Complementar 73/93 em
seu Art. 22, §4, por exemplo.
Sobre o assunto, manifestou-se o Tribunal de Ética da OAB32, que teve ser
posicionamente publicado no Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo
nº 1.210:
HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA - Direito do Advogado - Os honorários de sucumbência, incluídos na condenação do executado pelo Poder Público Municipal, pertencem ao advogado, na forma do disposto no artigo 23, c/c artigo 21 da Lei 8.906/94. Qualquer manobra ou artifício, ou mesmo normas administrativas, tolhendo ou tentando impedir tal recebimento, são nulas, devendo o prejudicado, se for necessário, valer-se de ação judicial para fazer prevalecer o seu direito. A receita proveniente deste recebimento deverá ser objeto de rubrica especial.
Analisando a questão sob a ótica da vedação do recebimento de honorários
pelos membros do Ministério Público chegamos as seguintes conclusões: os
membros do MP são proibidos pela Constituição Federal de receberem tal verba,
conforme o Art. 128, §5º, II, a. Além disso, não podem se inscrever na Ordem dos
Advogados do Brasil, sendo possível o desempenho de suas funções com a
31 SANDIM, Emerson Odilon. Honorários Advocatícios e os Causídicos Públicos: Quem deve percebê-los?. Disponível em: http://www.ibap.org/artigos/eos0399.htm, acessado em: 12.08.2011. 32
OAB. Tribunal de Ética. Processo E 1.433. Relator Julio Cardella.
32
simples investidura no cargo. Por outro lado, os advogados da União, Estados,
Municípios, Disitrito Federal e suas respectivas autarquias, fundações públicas,
empresas públicas e sociedades de economia mista necessitam da regular
inscrição na OAB para ganharem capacidade postulatória, como confirma o Art. 29
da Lei 8.906/94.
Conforme já devidamente discutido ao longo da presente monografia,
membros de ambas as Procuraturas, Ministério Público e Advocacia Pública,
possuem o mesmo status jurídico atribuído pela Constituição de 1988. Se a
vedação do percebimento de honorários pelos membros do Parquet é matéria
tratada expressamente pela Carta Magna, a eventual proibição relativa aos
membros das Procuradorias também deveria o ser. Apesar da permissão que a
União tem de legislar sobre as condições afetas ao exercício da profissão,
garantida pelo Art. 22, XVI da CRFB, tratar do tema na Lei 9.527/97 desrespeita os
princípios explícitos e implícitos da Constituição que fundamentam a validade da
própria lei33.
A questão relativa ao pacto federativo também corrobora o entendimento
dos juristas que defendem o percebimento dos honorários pelos advogados
públicos. A União, ao dispor sobre tal matéria na Lei Federal 9.527/97, desrespeita
os princípios basilares do federalismo, impedindo que Estados e Municípios
legislem acerca dos honorários afetos à seus Procuradores. Não cabe a União
impor a todos os entes federativos o regramento que quis implementar aos
causídicos federais. É clara a afronta ao pacto federativo.34 Cabe lembrar,
33 No que tange à Supremacia da Constituição, a relevância de tal tema se faz ilustrar pela passagem de José Afonso da Silva em sua obra Curso de Direito Constitucional Positivo, onde o autor brilhantemente discorre: "Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos. Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal" (13º Ed. págs. 49 e 50). 34
Sobre o federalismo fica a lição de CELSO RIBEIRO BASTOS em sua obra Curso de Direito Constitucional onde ensina: "A federação é a forma de Estado pela qual se objetiva distribuir o poder, preservando a autonomia dos entes políticos que a compõem (...) O acerto da constituição, quando dispõe sobre a Federação, estará diretamente vinculado a uma racional divisão de
33
novamente, a existência do Art. 22, XVI da CRFB já mencionado, no entanto a
questão dos honorários advocatícios não é afeta ao “exercício da profissão” pois
“sua percepção ou não pelo advogado público, em nada diferenciará o seu dever
exacional de bem curar os interesses públicos”.35
Por fim, argumenta-se que a Administração Pública, ao apropriar-se dos
honorários de sucumbência de seus Procuradores, fere o direito de propriedade,
garantido pela Constituição Federal em seu Art. 5º, XXII.
Nos ensina CELSO BASTOS e IVES GANDRA:
As restrições do direito de propriedade que a lei poderá trazer só serão aquelas fundadas na própria Constituição, ou então nas concepções aceitas sobre o poder de polícia. Não pode a lei colocar fora do domínio apropriável pelos particulares certos tipos ou classes de bens, o que só é dado à Constituição fazer.
36
A verba proveniente dos honorários é paga pela parte vencida, não é
proveniente dos cofres públicos, de modo que não pertencem à Administração.
Além disso, não advém de ato do Estado (lato sensu) em si, mas sim do trabalho
de seus advogados. O CPC estabelece o zelo do profissional, o trabalho realizado
pelo advogado, o tempo nele despendido, dentre outros critérios para a fixação dos
honorários. Tais critérios dependem exclusivamente da atuação do Procurador da
causa, desta forma pertencendo a ele a remuneração obtida.
Desta forma, conclui-se a apresentação dos argumentos a favor do
recebimento dos honorários de sucumbência pela Administração Pública, ou pelos
Procuradores. Resta clara as divergências na doutrina e na jurisprudência,
competência entre, no caso brasileiro, União, Estados e Municípios; tal divisão para alcançar logro poderia ter como regra principal a seguinte: nada será exercido por um poder mais amplo quando puder ser exercido pelo poder local, afinal os cidadãos moram nos Municípios e não na União. Portanto deve o princípio federativo informar o legislador infraconstitucional que está obrigado a acatar tal princípio na elaboração das leis ordinárias, bem como os intérpretes da Constituição, a começar pelos membros do Poder Judiciário".( 19º Ed, pág. 155). 35 SANDIM, Emerson Odilon. Op. cit. Disponível em: http://www.ibap.org/artigos/eos0399.htm, acessado em: 12.08.2011. 36 BASTOS, Celso e GANDRA, Ives. Comentários à Constituição do Brasil. 2º vol. 1º Ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001. p. 119.
34
sobretudo no que tange às decisões do STJ a respeito do tema e o silêncio do STF
no que convém a constitucionalidade da Lei 9.527/97, assunto que será tratado a
seguir.
2.2. ADI 3396
A questão da constitucionalidade da Lei 9.527/97 será abordada de maneira
que transcenda a própria Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3396, proposta
pelo Conselho Federal da OAB, nos termos do Art. 103, VII da CRFB. Além dos
argumentos trazidos pelos próprios propositores da ação, serão adicionadas outras
opiniões de juristas a respeito do tema.
2.2.1. Histórico
Em primeiro lugar, cabe discutir acerca do intrumento que é a “Ação Direta
de”, de maneira mais genérica. Trata-se de uma das modalidades de ações
previstas para o controle concentrado de constitucionalidade das normas. Surge
em nosso país com a Emenda Constitucional 16/65 e, desde então, sofreu
consideráveis modificações, consolidando-se como um dos principais meios de
adequação das normas infraconstitucionais pela via de ação ou direta. A decisão
proferida pelo STF, órgão competente para julgá-la, possui efeitos vinculantes e
erga omnes. Seus legitimados ativos estão expressos no Art. 103, I a IX da CRFB.
A legitimidade ativa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil está prevista no inciso VII do artigo supracitado. Trata-de de legitimado
universal, ou seja, pode propor as ações do controle concentrado de
constitucionalidade sem a necessidade de comprovação de pertinência temática
com a questão suscitada.
Cabe falar que uma outra Ação Direta de Inconstitucionalidade com pedido
liminar com o mesmo objeto já fora, outrora, ajuizada perante o STF, questionando
a constitucionalidade de comando de mesmo sentido contido na Medida Provisória
35
1522. A ação ganhou o número 1588 e tem como autor a Confederação Nacional
das Profissões Liberais. Sua fundamentação tinha base no Art. 5º, caput e no Art.
173, Parágrafo Único, ambos da Constituição Federal. Tanto o pedido de liminar,
quanto o principal, restaram prejudicados e foram extintos, conforme o despacho
abaixo reproduzido:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INSTRUMENTO DE AFIRMAÇÃO DA SUPREMACIA DA ORDEM CONSTITUCIONAL. O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO LEGISLADOR NEGATIVO. A NOÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE COMO CONCEITO DE RELAÇÃO. A QUESTÃO PERTINENTE AO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS DIVERGENTES EM TORNO DO SEU CONTEÚDO. O SIGNIFICADO DO BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE COMO FATOR DETERMINANTE DO CARÁTER CONSTITUCIONAL, OU NÃO, DOS ATOS ESTATAIS. NECESSIDADE DA VIGÊNCIA ATUAL, EM SEDE DE CONTROLE ABSTRATO, DO PARADIGMA CONSTITUCIONAL ALEGADAMENTE VIOLADO. SUPERVENIENTE MODIFICAÇÃO. SUPRESSÃO DO PARÂMETRO DE CONFRONTO. PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO DIRETA. – A revogação superveniente da norma constitucional, invocada como parâmetro de confronto, torna prejudicada a ação direta de inconstitucionalidade, porque, em nosso sistema jurídico, o processo de fiscalização normativa abstrata não se revela viável – não podendo instaurar-se, nem prosseguir -, quando a formulação do juízo de constitucionalidade subjacente à controvérsia jurídica, depender do exame de paradigmas históricos, consubstanciados em normas constitucionais que já não mais se acham em vigor. Doutrina. Precedentes. (...)
A norma a qual o texto se refere é o Art. 173, §1º, alterado pela Emenda
Constitucional nº 19 de 1998. A Confederação Nacional das Profissões Liberais
manteve-se inerte após tomar conhecimento de tal despacho, no entanto o
Conselho Federal da OAB entrou com Agravo e pretendeu aditar a petição inicial.
Não obstante tais requerimentos, a ação do Conselho Federal da OAB foi extinta,
sem conhecimento de mérito.
Conforme decisão:
Decisão: O Tribunal resolveu a questão de ordem suscitada pelo Relator no sentido de julgar prejudicada a ação direta por perda superveniente do objeto, motivada pela falta de aditamento tempestivo da petição inicial, restando prejudicado, em consequência, o exame do recurso de agravo interposto pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Votou o Presidente, Sr. Ministro Marco Aurélio. Decisão unânime. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Nélson Jobim, e, neste julgamento, o Sr. Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 08-05-2002.
36
Dado isto, o Conselho Federal da OAB propôs nova ADI, já que anterior não
havia sido extinta com julgamento de mérito e, a alteração de um dos parâmetros
de constitucionalidade, no caso o Art. 173, não impede o seguimento do feito, já
que a mudança do referido artigo é “insuficiente para impedir o controle de
constitucionalidade in abstrato.”37 Ademais, a ação encontra fundamentação
também no Art. 5º, caput da CRFB, que não sofreu alteração alguma.
2.2.2. Fundamentação da ADI 3396 e outras pontos de inconstitucionalidade
O primeiro parâmetro de constitucionalidade nas fundamentações da ADI
3396, é o fato de que o Art. 4º da Lei 9.527/97 fere o Princípio da Isonomia,
lastreado no Art. 5º, caput da CRFB. O dispositivo constitucional garante
tratamento igual perante a lei à todos os brasileiros e estrangeiros no país
residentes (não-residentes gozam da mesma prerrogativa, conforme entendimento
do STF).38
No entanto, para o Conselho Federal da OAB e tantos outros juristas, o
dispositivo da lei federal trata como subalternos os advogados públicos em relação
aos advogados privados. Ao vedar o percebimento dos honorários pelos causídicos
que atuaram na causa, há verdadeira afronta ao Princípio da Isonomia. Nas
palavras do Procurador da Fazenda Nacional, JOÃO PAULO DE OLIVEIRA:
Estes honorários, por outro lado, não integram a remuneração do advogado público, ou seja, não integram a remuneração paga pela Fazenda Pública aos seus advogados. Os honorários sucumbenciais não são pagos pelos cofres públicos, e sim pela parte contrária, vencida na demanda. Enquanto a remuneração dos procuradores tem caráter administrativo, os valores recebidos como honorários sucumbenciais tem características civis, pois é remuneração profissional específica. Quem faz jus aos honorários da defesa da Fazenda são os Procuradores
37
Petição Inicial da ADI 3396. Fls. 9. 38 “o fato de o paciente ostentar a condição jurídica de estrangeiro e de não possuir domicílio no Brasil não lhe inibe, só por si, o acesso aos instrumentos processuais de tutela da liberdade nem lhe subtrai, por tais razões, o direito de ver respeitadas, pelo Poder Público, as prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal instaurada pelo Estado” (STF, HC 94016 MC/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 7/4/2008).
37
vencedores da causa, pessoalmente. 39
Portanto, na medida em que são todos advogados empregados (inclui-se,
aqui, os Procuradores de Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista,
que estão fora do objeto de estudo da monografia, no entanto, são, também,
destinatários da norma impugnada), as mesmas disposições válidas para o
empregado da iniciativa privada, também devem se aplicar aos advogados
empregados pelo setor público.40
O segundo parâmetro é o já falado Art. 173, II, da CRFB. Este dispositivo diz
respeito aos advogados empregados de Empresas Públicas e Sociedades de
Economia Mista, que não são objeto de estudo desta monografia, mas não podem
deixar de ser mencionados, sobretudo ao tratar-se da questão da
inconstitucionalidade do Art. 4º da Lei 9.527/97.
O dispositivo estabelece para Empresas Públicas, Sociedades de Economia
Mista e suas subsidiárias a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas
privadas. Se a própria Constituição Federal impõe esta submissão, não seria
coerente produzir lei federal que dispusesse em sentido contrário.
Tal artigo tem como função precípua impedir que o Estado concorra com o
particular em condições mais vantajosas. Como se sabe, as Empresas Públicas e
Sociedades de Economia Mista são parte da Administração Pública Indireta,
criadas para o desempenho de atividade econômica de natureza comercial ou
industrial.
39
OLIVEIRA, João Paulo de. Os Honorários Advocatícios e as Ações Previdenciárias. Disponível em: www.anpprev.org.br, Acessado em 18/08/2011 às 19:43. 40
A lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA nos ensina: "A outra forma de inconstitucionalidade revela-se em se impor obrigação, dever, ônus, sanção ou qualquer sacrifício a pessoas ou grupos de pessoas, discriminando-as em face de outros na mesma situação que, assim, permaneceram em condições mais favoráveis. O ato é inconstitucional por fazer discriminação não autorizada entre pessoas em situação de igualdade. Mas aqui, ao contrário, a solução da desigualdade de tratamento não está em estender a situação jurídica detrimentosa a todos, pois não é constitucionalmente admissível impor constrangimentos por essa via. Aqui a solução está na declaração de inconstitucionalidade do ato discriminatório em relação a quantos o solicitarem ao Poder Judiciário, cabendo também a ação direta de inconstitucionalidade por qualquer das pessoas indicadas no art. 103". (p. 223).
38
Nas palavras de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:
O §1º do artigo 173 determina que a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. Uma primeira lição que se tira do art. 173, §1º, é a de que, quando o Estado, por intermédio dessas empresas, exerce atividade econômica, reservada preferencialmente ao particular pelo caput do dispositivo, ele obedece, no silêncio da lei, as normas de direito privado. Estas normas são a regra; o direito público é a exceção e, como tal, deve ser interpretado restritivamente. Outra conclusão é a de que, se a própria Constituição estabelece o regime jurídico de direito privado, as derrogações a esse regime somente são admissíveis quando dela decorrem, implícita ou explicitamente. A lei ordinária não pode derrogar o direito comum se não admitida essa possibilidade pela Constituição.
41
É evidente que a o Art. 4º da Lei 9.527/97 trata de duas situações: a do
advogado estatutário (vinculado ao Estado (lato sensu)) e do advogado com
relação de emprego (este, vinculado às Empresas Públicas e Sociedades de
Economia Mista). O dispositivo em questão (Art. 173, II, da CRFB), no que tange a
sua inconstitucionalidade, aplica-se apenas aos advogados empregados.
Além dos dois fundamentos da ADI 3396, outros dispositivos constitucionais
podem ser elencados como parâmetro para a correta adequação da norma jurídica
infraconstitucional para com a Lei Maior.
Conforme já mencionado, tal dispositivo legal fere o pacto federativo pois
não cabe à União lesgislar para todos os profissionais atuantes em todas os entes
da federação. É correto que cada ente federativo normatize as questões dos
Agentes Públicos à eles vinculados.
Outro ponto de destaque diz respeito à liberdade profissional. O Art. 5º, XIII
garante a liberdade profissional, atendidas as qualificações que a lei estabelecer.
Cabe a lei de regência da profissão estabelecer os requisitos necessários para a
realização de cada atividade laborativa. Neste caso, somente tem validade a Lei
8906/94, pois é esta a lei que regulamenta a profissão. O dispositivo da Lei
9527/97 está eivado de abuso de poder no sentido que enfraquece a figura dos 41
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit. p. 282
39
Procuradores, ainda que não tenha como objetivo regular o exercício da profissão.
Funcionaria como uma espécie de “Estatuto Paralelo da Advocacia”.42
Por fim, há o direito à propriedade. Se a Carta Magna não se manifesta no
sentido de afirmar que as verbas provenientes de honorários de sucumbência
pertencem à Administração Pública, conclui-se que as mesmas estão asseguradas
pelo direito de propriedade, constitucionalmente protegido no Art. 5º, XXII da
CRFB. Nas palavras de CELSO BASTOS e IVES GANDRA:
As restrições do direito de propriedade que a lei poderá trazer só serão aquelas fundadas na própria Constituição, ou então nas concepções aceitas sobre o poder de polícia. Não pode a lei colocar fora do domínio apropriável pelos particulares certos tipos ou classes de bens, o que só é dado à Constituição fazer.
43
Nestes termos, fica evidente que a verba sucumbencial não faz parte do
poder de polícia da Administração Pública, logo não se deve admitir norma que
retire os honorários advocatícios da propriedade dos advogados públicos. Em
nenhum momento o ordenamento jurídico brasileiro afirma que os honorários
pertencem à Administração Pública, portanto trata-se de verdadeira expropriação
de bens particulares.
2.3. O Projeto de Lei 2.279/11
O Projeto de Lei 2.279/11, de autoria do Deputado Federal Paulo Rubem
Santiago, do PDT/PE tem como principal obejtivo tornar obrigatório o pagamento
de honorários de sucumbência aos advogados públicos.
A proposta altera o Art. 23 da Lei 8.906/94, cuja redação atual é:
Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório,
42
SANDIM, Emerson Odilon. Op. cit. Disponível em: http://www.ibap.org/artigos/eos0399.htm, acessado em: 12.08.2011. 43
BASTOS, Celso e GANDRA, Ives. Op. cit. p. 119
40
quando necessário, seja expedido em seu favor.
De acordo com o projeto, seria acrescentado um Parágrafo Único na
redação do artigo com o seguinte teor: “Parágrafo Único: O disposto neste artigo
aplica-se também aos advogados públicos inscritos na OAB”.
O Projeto de Lei contemplaria não só os Procuradores dos Estados e
Municípios, mas também membros da AGU e da Defensoria Pública. Segundo seu
autor, justifica-se por reprimir o tratamento desigual dado aos Advogados Públicos
em relação aos Advogados Particulares.
Atualmente, o projeto, que tramita em caráter conclusivo44, aguarda parecer
na Comissão de Tributação e Finanças.
2.4. O comportamento de diferentes Procuradorias no Brasil
Distantes da possibilidade de ignorar todo o alarde em torno da problemática
relativa aos honorários de sucumbência dos Procuradores, tais órgãos públicos
vêm buscando as mais diferentes saídas para lidar com a questão. Algumas delas
serão expostas e analisadas neste segmento do estudo.
No estado do Maranhão, por exemplo, de acordo com matéria veiculada
pelo jornalista Décio Sá45, famoso repórter político do jornal Estado do Maranhão
morto sob circunstâncias minsteriosas em abril passado, em seu blog, a
Procuradoria Geral do mesmo estado teria depositado, em conta particular em
nome da associação da categoria, o montante de R$300.000,00 oriundos do
pagamento de honorários de sucumbência de uma única ação, movida pelo Estado
contra a empresa de transporte coletivo Julle. 44
“Rito de tramitação pelo qual o projeto não precisa ser votado pelo Plenário, apenas pelas comissões designadas para analisá-lo. O projeto perderá esse caráter em duas situações: se uma das comissões o rejeitar; se, depois de aprovado pelas comissões, houver recurso contra esse rito assinado por 51 deputados (10% do total). Nos dois casos, o projeto precisará ser votado pelo Plenário.” Disponível em http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/73495.html, acessado em 19/12/2012, às 21:55. 45
SÁ, Décio. Disponível em: http://www.blogdodecio.com.br/2010/11/29/pge-deposita-honorarios-de-procuradores-na-conta-de-associacao/, acessado em 20/09/2011, às 16:14.
41
De acordo com a Lei Complementar que estrutura a carreira de Procurador
no Estado, LC 065/2003, os honorários de sucumbência devem ser despositados
em conta específica oficial para rateio entre os membros ativos da Procuradoria,
desde que desempenhem as atribuições previstas no Art. 132 da CRFB. Ocorre
que, na época da veiculação da notícia, ano de 2010, o Secretário de Planejamento
do Governo Fábio Gondim realizava uma espécie de “confisco” com toda receita
oficial, com o objetivo de fazer “caixa”. O Secretário apenas liberava a verba após
análise minuciosa a respeito da real necessidade do gasto do dinheiro.
Com isto, a Procuradoria foi acusada pela imprensa local de tentar burlar a
averiguação promovida pela Secretaria de Planejamento, agindo em
desconformidade com a lei local que a rege. Por sua vez, a Procuradora-Geral do
estado do Maranhão, Helena Haickel, confirmou o depósito e afirmou que não há
irregularidade na medida pois os honorários pertencem aos Procuradores, sendo
pagos pela parte vencida e não com dinheiro proveniente dos cofres públicos. A
Procuradora, no entanto, não fez menção à LC 065/2003.
Em entrevista concedida especialmente para o presente estudo, a
Procuradora do Estado do Rio de Janeiro e Professora de Direito Tributário da
UFRJ Vanessa Siqueira revelou que, até o ano de 2011, as verbas oriundas dos
honorários de sucumbência nas causas em que a parte vencedora era o estado do
Rio de Janeiro, eram alocadas no Centro de Estudos Jurídicos da PGE/RJ, o Cejur.
Através deste fundo, a Procuradora realizou dois cursos de pós graduação.
O Cejur faz parte da estrutura da PGE/RJ e possui as seguintes atribuições:
Compete-lhe manter atualizado o serviço de informação legislativa, jurisprudencial, de súmulas e de pareceres normativos da PGE; planejar e promover cursos, seminários, aulas, palestras e conferências de caráter jurídico; organizar e controlar as atividades de estágio de advocacia, editar a "Revista de Direito da Procuradoria Geral" e promover a sua publicação, além de divulgar toda matéria de natureza jurídico-administrativa de interesse da Procuradoria-Geral do Estado.
46
46
Disponível em: http://www.pge.proderj.rj.gov.br/estrutura.asp, acessado em 08/06/2012 às 16:38.
42
A partir de 2011, os honorários de sucumbência dos Procuradores do
Estado do Rio de Janeiro passaram a ser rateados. O rateio funciona de modo a
submeter o Procurador-Geral e os demais Procuradores ativos ao recebimento de
seu quinhão, originado da divisão igualitária de todos os honorários de
sucumbência recebidos durante o mês.
Procuradora do Município do Rio de Janeiro desde 1995, Andrea Veloso
Correia, informou, em entrevista concedida com o objetivo de colaborar com o
presente estudo, que os honorários de sucumbência são, como outrora na PGE/RJ,
revertidos em cursos e especializações para os Procuradores.
2.5. A questão do Teto Salarial Constitucional
Tema de bastante relevância no presente estudo, a questão do teto salarial
estabelecido pela Constituição Federal de 1988 aos Procuradores de Estados e
Municípios ainda se apresenta envolta de contradições no que diz respeito às
verbas de sucumbência entrarem ou não no cálculo do teto remuneratório.
Apesar da jurisprudência do STF apresentar-se no sentido de que tais
verbas devem entrar no cálculo do teto, são muitas as Procuradorias que negam tal
entendimento, com base em pareceres e no argumento de que deve-se respeitar o
direito adquirido e que estas seriam verbas de vantagem pessoal e, por isso, não
devem ser calculadas tendo como referência o limite estabelecido pela Constituição
Federal. No entanto, o entendimento do STF e do STJ em relação a questão das
vantagens pessoais encontra-se pacificado, no sentido de que, desde a EC
41/2003, as verbas de caráter de vantagem pessoal entram no cálculo do teto
remuneratório, conforme será demonstrado a seguir.
43
2.5.1. Aspectos Gerais
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, várias emendas
constitucionais se sucederam tratando dos limites máximos de remuneração nos
Três Poderes e nos diversos entes da Federação. A mais relevante delas, para o
presente estudo, é, sem dúvidas, a EC 41/2003. Nela foram criados diversos tetos
remuneratórios, um para cada entidade da Federação.
Assim, para os servidores da União, o limite continuou sendo o dos Ministros
do STF; para o Município, o máximo permitido passou a ser o subsídio do Prefeito;
e, para os Estados, foram criados 3 tetos, um para os servidores do Judiciário, um
para os servidores do Legislativo e um para os servidores do Executivo, este último
sendo o subsídio do Governador, “in verbis”:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;
No que diz respeito aos Procuradores, o teto estabelecido é o do subsídio
dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, sendo estes limitados a 90,25% do
subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Cabe introduzir no debate alguns conceitos oriundos do direito administrativo
para auxiliar uma melhor compreensão e leitura do estudo proposto. Em primeiro
44
lugar, é preciso estabelecer as diferenças entre “subsídio” e “remuneração”. A
nomenclatura “subsídio”, utilizada no texto constitucional de 1967, inexiste no texto
original da Constituição de 1988, todavia, a Emenda Constitucional nº 19/1998
passou a prevê-lo.
De acordo com a autora MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:
Com isso*, passaram a coexistir dois sistemas remuneratórios para os servidores: o tradicional, em que a remuneração compreende uma parte fixa e uma variável composta por vantagens pecuniárias de variada natureza, e o novo, em que a retribuição corresponde ao subsídio, constituído por parcela única, que exclui a possibilidade de percepção de vantagens pecuniárias variáveis. O primeiro sistema é chamado pela Emenda de remuneração ou vencimento e, o segundo, de subsídio.
47
Os Procuradores Públicos enquadram-se na categoria de Agentes Públicos
remunerados através de subsídios, tais e quais os membros do Legislativo,
Executivo e Judiciário de todos os entes da federação; membros do Ministério
Público; integrantes da Advocacia Geral da União; Defensores Públicos; Ministros
dos Tribunais de Contas da União; servidores públicos policiais; e,
facultativamente, os servidores públicos organizados em carreira, conforme Art. 39,
§8º da CRFB.
A fixação e alteração dos subsídios dos Agentes Públicos só poderá ser
concebida através de lei, com exceção dos Deputados Federais e Senadores,
Presidente e Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado, nos quais a
competência é exclusiva do Congresso Nacional.
Muitos Tribunais de Justiça de diferentes estados da federação, bem como o
Superior Tribunal de Justiça já proferiram decisões declarando que as verbas de
sucumbência devem ser consideradas para o cálculo do limite constitucional de sua
remuneração.
47
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. Cit. p. 532. * A Emenda Constitucional 19/1998
45
Na decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, ao julgar
Mandado de Segurança impetrado pelos Procuradores do Município de Porto
Velho, observa-se:
EMENTA. AC. Reexame necessário. Procuradores municipais. Teto remuneratório. Constituição Federal. Arts. 37, XI. Honorários de advogados. Inclusão. Cálculo. Os procuradores em geral, independentemente do ente público a que pertencem, têm como teto máximo de sua remuneração o subsídio dos desembargadores do Tribunal de Justiça. Os honorários de advogados percebidos pelos procuradores devem ser incluídos no cálculo do limite de sua remuneração.
Manifesta-se o Ministro do STJ, Félix Fischer, no RESP 190460 SP de 2004:
EMENTA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. PROCURADORES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA DE CARÁTER NÃO PESSOAL. INCLUSÃO NO TETO REMUNERATÓRIO. A verba percebida por procuradores em razão do exercício de suas funções, a título de honorários advocatícios, é de natureza pública, e não se reveste de caráter individual, porque paga a todos os procuradores indistintamente, razão pela qual deve ser incluída no cálculo do teto remuneratório. (Precedentes.) Recurso conhecido e provido" (RESP 254469/SP).
É possível perceber, a partir do exerto acima, que, para o STJ, os honorários
de sucumbência tampouco se tratam de verbas de caráter pessoal, pois são pagos
mediante rateio entre todos os Procuradores.
Do mesmo entendimento compartilha o Supremo Tribunal Federal. Mais
recentemente, em 2011, a Ministra do Carmen Lúcia decidiu da seguinte forma no
Recurso Extraordinário 634576 SP:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCURADOR DE ESTADO. TETO REMUNERATÓRIO: HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INCLUÍDOS. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. Relatório1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: "Procuradores do Estado -Verba honorária -Limitação constitucional -Não abrangência -Princípio do direito adquirido -Preservação -Pedido sucessivo acolhido. A verba honorária atribuída aos Procuradores do Estado, decorre de legislação complementar e tem nesta a sua auto-aplicabilidade, não ensejando a aplicação da limitação constitucional de vencimentos ou proventos. Pedido sucessivo acolhido, mas com restrição de sucumbência. Recursos dos autores e oficial providos em parte, negado o da ré" (fl. 582). Tem-se no
46
voto condutor do julgado recorrido: "Preservando os princípios da irredutibilidade e do direito adquirido, resulta pertinente afastar a imposição de limite administrativo à percepção da verba honorária que legalmente é atribuída aos procuradores, embora isto não signifique nulidade do ato em si, mas sua inaplicabilidade neste ponto. Em complemento, arcará a ré com o pagamento da integralidade da referida verba honorária atribuída mensalmente" (fl. 594).2. O Recorrente alega que teriam sido contrariados os arts. 2º, 37, inc. XI, da Constituição da República. Argumenta que "a verba relativa a honorários advocatícios paga a Procuradores não constitui vantagem pessoal, já que é distribuída entre todos os integrantes da carreira e os Procuradores inativos por critérios objetivos, devendo assim ser incluída no cálculo do teto constitucional previsto no art. 37, inciso XI, da CF/88" (fl. 759). Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 3. Razão jurídica assiste ao Recorrente. 4. Este Supremo Tribunal Federal assentou que as verbas honorárias devem ser incluídas no redutor do teto remuneratório, previsto no inc. XI do art. 37 da Constituição da República. Nesse sentido: "AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE PROCURADOR DO ESTADO. CARÁTER GERAL: INCLUSÃO NO TETO REMUNERATÓRIO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO"
Tal recurso foi interposto em razão da decisão do Tribunal do Justiça de São
Paulo no julgamento na Apelação 9130643-54.2004.8.26.0000.
Em um extrato do seu voto, o Desembargador Relator Danilo Panizza aduz:
Por fim, mesmo com as emendas constitucionais invocadas – 19/98 e 41/03 – não expressam poder de alterar ato jurídico perfeito. O percebimento dos vencimentos com as incorporações legais não são atingidos, sob o risco de ofensa direta de básicos princípios constitucionais, como o da irredutibilidade de vencimentos, que ora adoto e concluo, em face da consideração de respeito à cláusulas pétreas contitucionais. Em decorrência desta nova colocação jurisprudencial, preservando os princípios da irredutibilidade e do direito adquirido, resulta pertinente afastar a imposição de limite administrativo à percepção da verba honorária que é legamente atribuída aos procuradores, embora isto não signifique nulidade do ato em sim, mas sua anaplicabilidade neste ponto.
O Desembargador defende em seu voto o posicionamento adotado pelas
Procuradorias ao defender que os honorários de sucumbência não devem ser
adicionados ao cálculo do teto remuneratório. Para estes, trata-se de direito
adquirido e de ferimento ao princípio da irredutibilidade de vencimentos.
47
No estado de Goiás, o Ministério Público requereu medida cautelar liminar
para suspender os efeitos da Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado que
estabelecia o rateio dos honorários de sucumbência entre os Procuradores. Tal
medida foi indeferida pelo TJ/GO e os argumentos utilizados nos votos dos
Desembargadores eram de que os honorários de sucumbência não estão sujeitos
as normas do dinheiro público, visto que não se originam dos cofres públicos e,
enquanto verbas particulares, não podem ser computados para efeito de limitação
ao teto constitucional.48
Dito isto, é de suma importância que o Supremo Tribunal Federal analise
este ponto ao se manifestar a respeito da ADI 3396 que, espera-se, dará fim ao
imbróglio relativo à questão dos honorários de sucumbência dos advogados
públicos.
Além disso, cabe aos Tribunais de Contas fiscalizar e impedir que situações
como a explicitada na introdução da presente monografia (os super-salários dos
Procuradores em SP) contrariem o posicionamento do STF e extrapolem o teto
salarial permitido pela Carta Magna.
2.5.2. Divergências sobre o teto salarial constitucional dos Procuradores
Municipais
Conforme visto, a Constituição de 1988 traz em seu Art. 37, XI os
parâmetros que estabelecem o teto salarial de seus Agentes Públicos. A
controvérsia surge quando, ao mencionar o parâmetro de estabelecimento do teto
nos municípios, traz os vencimentos do prefeito como seu limite máximo. Por sua
vez, quando se refere aos Procuradores (sem definir se da União, Estado ou
Município), traz como limite os vencimentos dos Desembargadores do Tribunal de
Justiça, subteto dos Ministros do STF. A questão a ser suscitada: Em qual dos 48
Disponível em: http://apeg.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=902:negada-liminar-contra-honorarios-sucumbenciais-de-procuradores-estaduais&catid=47:noticias-apeg&Itemid=49, acessado em 10/12/2012, às 17:01.
48
parâmetros encaixar os Procuradores Municipais?
Tal questionamento foi objeto do Recurso Extraordinário nº 663696,
interposto pela Associação de Procuradores Municipais de Belo Horizonte, em
2011, e que, posteriormente, foi reconhecido como questão de repercussão geral.
De acordo com o Ministro Relator, LUIZ FUX:
A questão constitucional versada nos autos apresenta inegável repercussão geral, já que a orientação a ser firmada por esta Corte influenciará, ainda que indiretamente, a esfera jurídica de todos os advogados públicos de entes municipais da Federação, com consequências na remuneração a ser dispendida pela Administração Pública
A ação foi interposta contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
que vinculou os vencimentos dos Procuradores Municipais aos vencimentos do
prefeito. Nas palavras da 6º Câmara Cível do TJMG: "Não há na Constituição
Federal qualquer dispositivo que regulamente ou preveja a carreira dos
procuradores municipais, o que é transferido para a legislação infraconstitucional".
Os Procuradores argumentam que a própria Constituição não fez distinções
entre Procuradores de Estados e Municípios, referindo-se, no Art. 37. XI,
simplesmente a “Procuradores”. Onde o constituinte não restringiu, não cabe ao
intérprete fazê-lo.
Além disso, estabelecer a remuneração dos Desembargadores como teto
para os Procuradores, tanto de Estados, quanto de Municípios, criaria um teto
único para os profissionais atuantes nas profissões jurídicas típicas de Estado,
desempenhadas pelos advogados públicos, Ministério Público e Defensoria
Pública. Ademais, Desembargadores exercem profissão jurídica enquanto Prefeitos
não exercem profissão.
Diferentemente do estado de Minas Gerais, outros Tribunais de Justiça já se
manifestaram acatando a pretensão dos Procuradores Municipais de ter seu teto
49
vinculado ao vencimento dos Desembargadores das respectivas casas. O Tribunal
de Justiça de Rondônia decidiu desta forma (ver 35) e, no Estado do Rio de
Janeiro, temos:
DIREITO CONSTITUCIONAL. TETO REMUNERA TÓRIO. SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA. PROCURADOR DO MUNICÍPIO. ARTIGO 37, XI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ALTERADO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 41/2003. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL EM FAVOR DO AUTOR. AGRAVO. NÃO PROVIMENTO. O procurador municipal tem seu teto remuneratório baseado no subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, como os membros do Ministério Público e da Defensoria Pública. Verba de caráter alimentar. Ausência de prova segura de dano de difícil reparação. Decisão vergastada que se revela moderada e prudente. Aplicação do verbete no 59, da súmula da jurisprudência deste Tribunal de Justiça. Recurso não provido.
A ação deve ser julgada em breve pelo Supremo Tribunal Federal, em
função da repercussão geral, e, ao menos este dos vários questionamentos feitos
neste estudo terá uma resposta suficiente para apaziguar os conflitos nos Tribunais
em todo o país.
50
3. RELAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE E OS HONORÁRIOS
DE SUCUMBÊNCIA
No capítulo que se inicia, far-se-á uma relação entre ambos conceitos
jurídicos: Princípio da Impessoalidade e Honorários de Sucumbência na seara dos
causídicos públicos. Em um primeiro momento, serão apresentadas as definições
doutrinárias do Princípio da Impessoalidade em suas mais variadas vertentes. Em
seguida, a questão dos honorários de sucumbência vistas pela órbita do Princípio
da Impessoalidade serão suscitadas.
3.1. O Princípio da Impessoalidade na doutrina e na CRFB/88
O Art. 37, caput da Constituição Federal apresenta um grupo de princípios
sobre os quais os atos e agentes da Administração Pública, bem como todos os
Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, devem se basear, são
eles: Legalidade, Moralidade, Publicidade, Eficiência e Impessoalidade.
O Princípio da Legalidade aparece, neste contexto, como limite e como
garantia. É limite no sentido de que a Administração só realiza atos previstos em
lei, diferentemente das pessoas que podem praticar qualquer ato desde que não
vedados pela lei, e garantia para os administrados de que só se deve cumprir com
as exigências dos Poder Público estando estas fundamentadas sobre alguma base
legal.
A Administração deve atuar com moralidade, isto é de acordo com a lei.
Tendo em vista que tal princípio integra o conceito de legalidade, decorre a
conclusão de que ato imoral é ato ilegal, ato inconstitucional e, portanto, o ato
administrativo estará sujeito a um controle do Poder Judiciário.
A publicidade diz respeito à transparência na atuação da Administração
Pública em todos os seus comportamentos. Além disso, deve oferecer informações
que constem em seus bancos de dados quando solicitadas em razão dos
51
interesses que ela representa quando atua. Já o Princípio da Eficiência se traduz
na ideia de que Administração Pública deve buscar um aperfeiçoamento na
prestação dos serviços públicos, mantendo ou melhorando a qualidade dos
serviços, com economia de despesas.
Por fim, o Princípio da Impessoalidade, objeto principal do estudo, que aqui
será tratado em suas duas vertentes, conforme conceito defendido pela renomada
autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro.
A primeira diz respeito ao Princípio da Impessoalidade em relação aos
administrados. Significa que “a Administração não pode atuar com vistas a
prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas”.49 Tal visão é consequência direta
do princípio da Supremacia do Interesse Público, no qual “a Administração Pública
está, por lei, adstrita ao interesse de certas finalidades, sendo-lhes obrigatório
objetivá-las para colimar interesse de outrem: o da coletividade”.50
No presente estudo, daremos maior enfoque ao aspecto do princípio em
relação à própria Administração. Desta forma, o mesmo significa, segundo JOSÉ
AFONSO DA SILVA:
(...) os atos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa da Administração Pública, de sorte que ele é o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal.
51
Acrescenta o Autor que “ em consequência, as realizações governamentais
não são do funcionário ou autoridade, mas da entidade pública em nome de quem
as produzira”.
49
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. Cit. p. 67. 50
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. Cit. p. 69. 51
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed Revista dos Tribunais, 2003, p. 647.
52
3.2. A possível relação entre os dois institutos
A conclusão de que a problemática dos honorários advocatícios dos
Procuradores de Estados e Municípios poderia ser analisada também do ponto de
vista do Princípio da Impessoalidade surgiu da leitura da obra “Direito
Administrativo” da autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Ao deparar-me com a
notícia que despertou minha curiosidade acerca do tema52, instantaneamente fiz a
relação entre os dois conceitos.
Se os atos praticados pelo agente público são mera manifestação da
vontade do Órgão Público por ele representado e se suas consequências são de
total responsabilidade do Estado, salvo as circunstâncias onde há responsabilidade
subjetiva do agente público, seriam os honorários de sucumbência parte dessas
“consequências” e, por isso, pertenceriam ao Estado e não ao Procurador? O
simples fato de ser o Procurador agente público tiraria dele o direito ao recebimento
dos honorários, da forma como um advogado privado tem direito a recebê-los?
Em toda a pesquisa realizada para a confecção da presente monografia, não
me deparei com a relação entre os dois institutos em nenhuma das obras
doutrinárias, artigos e consultas jurisprudenciais as quais tive acesso. Creio ser
esta uma abordagem inédita da problemática dos honorários que geraria um
interessante debate, pois as conclusões advindas deste raciocínio repercutiriam em
diversos ramos do direito público e privado, pois trata-se de uma interpretação
envolvendo diversos conceitos.
Sabe-se que os Procuradores de Estados e Municípios são, ao mesmo
tempo, advogados, submetidos ao Estatuto da OAB e merecedores das
prerrogativas concedidas pela profissão, e agentes públicos, por sua vez
destinatários das normas constitucionais e dos princípios éticos e legais que regem
a administração pública. Em virtude disso, surge a necessidade de um cuidado
maior do Tribunais ao proferir decisões que dizem respeito a esta categoria
52
Página 9 do presente texto.
53
profissional, pois não há como chegar a um ponto comum sem restringir ou limitar
as garantias de uma ou outra faces da Advocacia Pública. Em suma, este
hibridismo característico do causídico público terá reflexos na maneira como se
conduz as questões relativas a esses profissionais, implicando em concessões e
limitações de prerrogativas e direitos.
54
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O interesse pelo tema apresentado originou-se, conforme demonstrado, pelo
contato com uma matéria veiculada pela internet sobre os altíssimos salários pagos
pela Procuradoria do Município de São Paulo a seus Procuradores.
Ao longo do texto, foram apresentadas as diversas implicações decorrentes
da questão da distribuição dos honorários de sucumbência no âmbito dos
Procuradores de estados e municípios. O objetivo principal desta monografia é
compilar as diversas posições existentes a respeito do tema. Buscou-se
apresentar, de maneira imparcial e abrangente, o máximo de informação possível,
estas reunidas mediante uma extensa pesquisa que objetivou trazer para o debate
posições de juristas, professores, doutrinadores, magistrados, enfim, conforme já
dito, dar o máximo de abrangência a um tema tão rico.
Inicialmente, foram apresentados conceitos básicos do direito material e
processual que são essenciais para o completo entendimento do tema em voga. A
questão dos honorários de sucumbência foi suscitada de maneira ampla e geral.
Houve uma preocupação em situar as Procuradorias enquanto Órgão Público e os
Procuradores enquanto Agentes Públicos no ordenamento jurídico brasileiro,
definindo sua natureza jurídica e seu status constitucional.
Em seguida, adentramos com mais especificidade nos pontos relativos ao
tema: a dualidade entre as Leis 9.572 e 8.906; as mais divergentes opiniões a
respeito de quem deve ser o destinaário das verbas de sucumbência; a ADI
impetrada pelo Conselho Federal da OAB que busca a declaração da
inconstitucionalidade da Lei 9.572; o Projeto de Lei que tramita na Câmara dos
Deputados que quer tornar obrigatória a distribuição dos honorários de
sucumbência, não só para os membros das Procuradorias, como também para
AGU e Defensoria Pública; e, por fim, os desdobramentos da questão no âmbito do
teto salarial constitucional.
55
As entrevistas realizadas com os Procuradores humanizaram a questão e
trouxeram informações muito valiosas de pessoas que há anos vivem essa
realidade.
Além deste objetivo principal de compilação de informações acerca do tema,
trouxe também uma nova maneira de enxergar a questão, seja ela através do
Princípio da Impessoalidade, resguardado pela Constituição Federal no âmbito da
Administração Pública. Espero que esta nova vertente propicie o debate e a
discussão, que são a mola propulsora da vida acadêmica e da construção do
pensamento crítico nas Universidades.
No entanto, gostaria de inserir nesse contexto de conclusão de tudo o que
foi apresentado, que a questão suscitada revela apenas uma das faces de algo
muito maior. Ao longo do processo de redemocratização de nosso país, o
comportamento dos brasileiros em relação à transparência política e administrativa
vem se alterando. A preocupação com a idoneidade de nossos representantes53, a
lisura dos concursos públicos e a exigência de fiscalização e publicação de contas
públicas se manifestam de forma concreta através de medidas como a Lei da Ficha
Limpa54, a atual jurisprudência do STJ que consolida o entendimento de que o
aprovado em concurso público tem direito líquido e certo a nomeação, dentro do
número de vagas, dentre outras importantes vitórias alcançadas durante estas
décadas de vigência da nossa atual Constituição.
53
Neste contexto, é possível destacar o advento da Lei de Improbidade Administrativa, Lei 8.429/82. Em artigo publicado no site da Escola Nacional de Advocacia da OAB, o advogado RAFAEL RESENDE DE ANDRADE destaca: “(...)a Lei de Improbidade Administrativa, surgiu, em última análise, como mecanismo de defesa societária perante os abusos e ilícitos cometidos no âmbito da administração pública, dentre os quais a já conhecida corrupção brasileira. Em relação a isso, o descumprimento aos princípios constitucionais administrativos (art. 37, CF/88) resulta, indubitavelmente, num ciclo vicioso de má gestão pública que impede a concreta realização da finalidade dos direitos fundamentais. “. Texto disponível em: http://www.oab.org.br/ena/pdf/rafaelresendedeandrade_combateimprobidadeadm.pdf, acessado em 21/06/2012. às 19:35. 54
“A Lei Ficha Limpa foi aprovada graças à mobilização de milhões de brasileiros e se tornou um marco fundamental para a democracia e a luta contra a corrupção e a impunidade no país. Trata-se de uma conquista de todos os brasileiros e brasileiras. Para garantir que essa vontade popular se reflita nestas e nas próximas eleições, a Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (Abracci), com o apoio do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), apresenta o sítio Ficha Limpa – um instrumento de controle social da Lei Ficha Limpa e uma ação de valorização do seu voto”. Disponível em www.fichalimpa.org.br, acessado em 21/06/2012 às 19:42.
56
A questão dos honorários de sucumbência dos Procuradores Públicos não
diz respeito à transparência das contas de órgãos da Administração Pública. Os
mais que elevados salários pagos por entes federativos a seus Procuradores não
são questão de mal uso de dinheiro público ou de dano ao erário, pois sabemos
que tal verba não é proveniente dos cofres públicos.
Contudo, o que acredito ser a base de minha pesquisa, a qual me dediquei
por inteiro nos últimos meses, é a vontade de se ver cumprir o que foi estabelecido
em nossa Carta Magna. Trata-se de verdadeira evolução desta preocupação
política da qual falei anteriormente. Acredito que, passada a fase onde lutamos por
transparência e medidas para efetivar a democracia em sua plenitude, nos
ocuparemos com fazer valer os princípios constitucionais e éticos que norteiam
nossa sociedade.
É claro que o caminho é longo e ainda temos muito o que crescer como
nação, porém cabe a nós, universitários, acadêmicos e futuros operadores do
direito, a vanguarda neste movimento. O movimento que buscará trazer para as
salas de aula, para o Congresso Nacional, para o Judiciário a ideia de pensar
conforme os valores e princípios constitucionais e éticos.
Aguardaremos o posicionamento do Supremo Tribunal Federal a respeito da
ADI 3396 para, enfim, talvez responder todas as questões levantadas neste texto.
Minha esperança é que os Ministros de nossa mais alta Corte decidam conforme a
Constituição de maneira ampla, que transcenda a pura letra da lei.
Se pensarmos de uma maneira prática, lógica, diria até positivada, veríamos
que os Procuradores nada mais são que advogados, que por meio de concurso
público, atuam na defesa dos interesses de Estados e Municípios. E como
advogados, tem direito a verba honorária proveniente da vitória do ente na
demanda, vitória esta conduzida pelos Procuradores, com o mesmo zelo e
dedicação que um advogado privado tem para com suas causas.
57
No entanto, não podemos esquecer (e o Supremo não pode esquecer) que
há uma espécie de “Código de Ética”, de princípios que norteiam os Agentes da
Administração Pública. Quando um advogado é aprovado no concurso público da
Procuradoria, está sujeito a uma série de prerrogativas em virtude de sua nova
função. Terá direito a um bom salário no fim do mês, independente de lograr êxito
em suas causas, e o mesmo não ocorre na esfera privada. Portanto, da mesma
forma onde há bônus, há ônus.
Repito aqui o que disse no capítulo 3. Não podemos ignorar a característica
híbrida dos Procuradores que são, tanto advogados, quanto agentes públicos.
Portanto, a classe deve ser tratada de forma diferenciada, mesmo que isso
signifique a restrição e limitação de direitos atinentes, ora aos advogados, ora aos
agentes públicos.
Se voltarmos ao questionamento feito na introdução deste texto: A quem
cabe o percebimento dos honorários de sucumbência nas ações onde a parte
vencedora é um órgão da Administração Pública Direta, representado por seu
Procurador? Diria que, qualquer que seja a resposta, a mesma deve respeitar os
princípios constitucionais e o comportamento ético que se espera de um Agente
Público desta importância. Ao tomarmos por referência as duas faces do Princípio
da Supremacia do Interesse Público, defendido por Celso Antônio Bandeira de
Mello, veremos que há o interesse público primário que é o dos indivíduos
enquanto membros da sociedade; e o interesse público secundário, das pessoas
jurídicas de direito público, em nosso caso, as Procuradorias e seus agentes.
O mesmo autor afirma que o interesse público secundário só deve ser
satisfeito se em concordância com o interesse público primário. Pois bem, se
fizermos uma analogia em que o respeito à Constituição e ao teto salarial por ela
estabelecido representa o interesse público primário, e que o recebimento dos
honorários de sucumbência, tal e qual os advogados privados, representa o
interesse dos Agentes Públicos, por sua vez o interesse público secundário,
58
concluiríamos um só pode existir na medida em que está em conformidade com o
outro. Talvez, uma das soluções da questão seria ratear os honorários entre os
Procuradores até atingir o limite do teto constitucional, revertendo o montante
restante para outras finalidades, como, por exemplo, o custeamento de cursos e
especializações dos próprios Procuradores, como já é observado em diversas
Procuradorias.
A finalidade da pesquisa não foi de encerrar o debate a respeito do tema,
mas sim apontar possíveis caminhos, direções em consonância e respeito com o
que dispõe a CRFB.
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