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REDE METODISTA DE EDUCAÇÃO DO SUL CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA, DO IPA CURSO DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA FELIPE TEIXEIRA LEDUINO HITLER NO CINEMA: UMA ANÁLISE COMPLEXA PORTO ALEGRE 2010
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Hitler no Cinema

Mar 28, 2016

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Felipe Leduino

Monografia de conclusão da graduação de Publicidade e Propaganda no Metodista do Sul IPA, em 2010/2.
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REDE METODISTA DE EDUCAÇÃO DO SUL

CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA, DO IPA

CURSO DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA

FELIPE TEIXEIRA LEDUINO

HITLER NO CINEMA: UMA ANÁLISE COMPLEXA

PORTO ALEGRE

2010

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FELIPE TEIXEIRA LEDUINO

HITLER NO CINEMA: UMA ANÁLISE COMPLEXA

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda, com ênfase em Marketing. Orientador: Prof. Me. Roger Bundt

PORTO ALEGRE

2010

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FELIPE TEIXEIRA LEDUINO

HITLER NO CINEMA:

UMA ANÁLISE COMPLEXA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para a obtenção do grau

de bacharel no Curso de Publicidade e Propaganda do Centro Univers itário

Metodista IPA.

Professor Me. Mário Neto

Coordenador de Curso

Apresentado à banca examinadora integrada pelos(as) professores(as).

________________ ________________ Prof.ª Dra. Simone Koff Prof.ª Me. Ana Paula Megiolaro Centro Universitário Metodista do IPA Centro Universitário Metodista do IPA

________________ Prof.° Me. Roger Bundt

Centro Universitário Metodista do IPA

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RESUMO

LEDUINO, Felipe Teixeira. Hitler no Cinema: uma análise complexa

Este trabalho procura reconstruir a identidade de Adolf Hitler na visão do cinema.

Principal vilão da Segunda Guerra Mundial, Hitler ainda é tabu quando aprofundado como

objeto de estudo, e grandes produções cinematográficas contribuem para a criação de

seu perfil para as massas. Os produtos selecionados para o estudo são A Queda (Der

Untergang, Alemanha, Oliver Hirschbiegel, 2004, Bavária Filmstudios), Operação Valquíria

(Valkyrie, EUA/Alemanha, Bryan Singer, 2008, MGM), O Grande Ditador (The Great

Dictator, EUA, Charles Chaplin, 1940, Charles Chaplin Productions) e Bastardos Inglórios

(Inglourious Basterds, EUA/Alemanha, Quentin Tarantino, 2009, Universal), onde Hitler,

suas atitudes, seus pensamentos e suas reações ao mundo externo serão estudados,

observando todos estes elementos sob a luz do Paradigma da Complexidade, de Edgar

Morin.

Palavras-chave : Cinema – Paradigma da Complexidade – Hitler

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ABSTRACT

LEDUINO, Felipe Teixeira. Hitler on Film: a complex analysis.

This work aims to rebuilt Adolf Hitler's identity on the movie screen. One of the main

characters of World War II, Hitler is still a taboo when profoundly worked as a case study,

and blockbuster movies contribute to create his profile to the masses. The films selected

for analysis are Downfall (Der Untergang, Germany, Oliver Hirschbiegel,

Germany/Italy/Austria, 2004), Valkyrie (Bryan Singer, USA/Germany, 2008), The Great

Dictator (Charles Chaplin, USA, 1940) and Inglourious Basterds (Quentin Tarantino,

USA/Germany, 2009), where Hitler, his attitudes, thoughts and reactions to the outside

world are studied, observing all these elements under Morin's Complexity Paradigm.

Keywords : Film – Complexity Paradigm – Hitler

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: APRESENTANDO MORIN A HITLER ........ .......................... 7

2 CINEMA E HISTÓRIA ............................... ........................................................ 11

2.1 CINEMA .......................................................................................................... 11

2.2 CINEMA E HISTÓRIA .................................................................................... 14

2.2.1 A Segunda Guerra Mundial ................... ................................................... 19

3 CINEMA E COMPLEXIDADE ........................... ................................................ 22

3.1 O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE ........................................................... 23

3.2 O GRANDE DITADOR …................................................................................ 26

3.3 OPERAÇÃO VALQUÍRIA …............................................................................ 29

3.4 A QUEDA …................................................................................................... 33

3.5 BASTARDOS INGLÓRIOS …............................................................…......... 39

4 CONCLUSÃO: O HITLER PELO CINEMA …................ ................................... 43

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS …............................................................. 48

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1 INTRODUÇÃO: APRESENTANDO HITLER A MORIN

Adolf Hitler é a principal personagem da Segunda Guerra Mundial. Uma variedade

de representações suas são encontradas em todos os tipos de relatos. No cinema, ele

aparece em centenas de filmes, seja como um distante coadjuvante ou um histriônico e

impiedoso vilão. Ao se observar um cenário mais amplo, selecionando as mais

conhecidas obras cinematográficas onde ele figura, o que se percebe é um complexo

mosaico de personalidades, o que nos leva à pergunta que guia esta monografia: qual é a

imagem de Hitler veiculada pelo cinema contemporâneo?

Há muito que o cinema deixou de ser mero entretenimento das massas para

converter-se também numa engrenagem do grande composto formador das identidades

sociais. Ele conquistou tal espaço por seu potencial formador de opinião, elaborado com

uma linguagem e compreensão bastante abrangentes, carregando uma maneira peculiar

de representar a vida na grande tela. A novidade criada pelos irmãos Lumière conquistou

públicos de distintas classes sociais, que pagam para ver suas próprias vidas até hoje. O

sucesso do cinema reside na sua função de espelho para a sociedade, isso por que os

primeiros filmes eram cenas documentais; apenas anos mais tarde é que a ficção entrou

para o “currículo”.

Entre as tantas formas de a sociedade ver-se representada no cinema, o filme

histórico é construído com base em fatos e personagens de tempos passados, porém,

transmite uma visão que traz muito mais a concepção da época de produção do que da

época narrada: pode-se identificar isso na narrativa e na construção das personagens. Ou

seja, é possível visualizar um mesmo fato de maneiras bastante distintas, especialmente

se estas se mantiverem distantes em uma escala de tempo. Logo, é possível contar a

mesma história de formas diferentes.

Longas metragens que narram fatos importantes da História, como o Império

Romano, a Idade Média, as revoluções do século XX, também mostram personagens

ímpares da humanidade: Alexandre da Macedônia, Cleópatra, Napoleão Bonaparte,

Genghis Khan, entre outros. As cinebiografias exploram a complexidade destes seres

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humanos, abordando-os sob diversos aspectos, colocando em cheque vários mitos e

“verdades universais”.

Um dos acontecimentos mais explorados pelo cinema sem dúvida é a Segunda

Guerra Mundial. Ponto de partida da Guerra Fria e determinante de vários dos

acontecimentos subsequentes do século XX, ela pode ser estudada separadamente sob

vários ângulos, como a guerra EUA-Japão, as inovações armamentistas, a resistência

francesa, a bomba atômica, o Dia D, o Holocausto, entre um sem fim de abordagens. O

número de filmes produzidos é tão grande quanto a quantidade de focos criados, de

visões diferentes sobre um único acontecimento. No total, são vários fronts que se

encaixam e contam a história da mesma guerra.

As gerações posteriores ao Terceiro Reich ouviram e ainda ouvem falar o nome de

Hitler e toda a doutrina professada pelo ditador. Por mais que o Nazismo seja condenado

desde antes de 1939, ainda gera ecos na sociedade. E que papel o cinema, na posição

de potencial criador de identidades, possui neste contexto? Podemos considerar o cinema

como mais uma fonte de informação do cenário em questão? Dentro deste painel, a

polêmica figura de Adolf Hitler é nosso objeto de estudo. Através da análise fílmica,

analisam-se quatro longas metragens em busca da representação desta personagem,

para responder estes questionamentos: A Queda (Der Untergang, Oliver Hirschbiegel,

2004, Bavária Filmstudios), Operação Valquíria (EUA/Alemanha, Bryan Singer, 2008,

MGM), O Grande Ditador (EUA, Charles Chaplin, 1940, Charles Chaplin Productions) e

Bastardos Inglórios (EUA/Alemanha, Quentin Tarantino, 2009, Universal).

Elegemos estes filmes por cada um deles mostrar uma face diferenciada de Hitler.

Em A Queda, o roteiro é praticamente uma biografia de seus últimos dias, e possuí a

relevância de ter fontes confiáveis para manter um caráter quase documental na trama.

Em Operação Valquíria, onde também um fato real é contado, vemos Hitler em segundo

plano no filme; assim nos interessa saber como ele será interpretado em um conto onde

sua figura permanece em segundo-plano. Em Bastardos Inglórios, pisamos no campo do

pastiche e da história inventada, onde a imagem pode ser mais estereotipada ao gosto de

um diretor que se permite criar muitas ideias descompromissadas em seu roteiro. Já em

O Grande Ditador, um filme baseado na sátira, há um personagem criado nos moldes de

Hitler, onde a mesma liberdade de criação do diretor é dada. Assim, sob a luz do

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Paradigma da Complexidade, procuraremos atingir não um objetivo único, mas sim

procurar um diálogo entre todos estes diferentes campos de Cinema e História na atual

sociedade.

O Paradigma da Complexidade foi a teoria pela qual nos basearemos para o

desenvolvimento deste trabalho. Assim o escolhemos por ele se firmar sempre no diálogo

entre as mais diferentes opiniões – algo interessantíssimo de se trabalhar com produtos

cinematográficos, onde cada filmes significa um ponto de vista diferente. O filme, assim

como uma pintura ou uma música, simboliza uma arte que procura transmitir

pensamentos particulares, ideias e convicções bastante pessoais. Desta maneira,

propomos a Complexidade como o método mais eficiente para a organização e a

harmonização de tantos pensamentos distintos.

Um estudo desta magnitude deve ser realizado em um momento que cada vez

temos mais opiniões sendo expostas na sociedade. A liberdade de expressão segue um

fluxo rápido e sem fim; mas há certos pontos que não questionamos. A figura de Hitler

ainda é muito visível na mente das pessoas, tanto pela proximidade no tempo quanto por

próprias reproduções de sua imagem – onde o cinema está incluído. Assim, a

Comunicação deve ter um trabalho de analisar com mais perícia o que ela transmite às

pessoas, e também como ela transmite. Para diferentes opiniões, diferentes formas de se

expressar – e consequentemente, diferentes óticas nestes filmes, que formam um

verdadeiro celeiro propagador de imagens e estereótipos.

Começaremos estudando três pontos principais: o Cinema e suas principais

revoluções no método de reprodução do conto na película, a importância que o Cinema

teve no campo histórico da política e a sua relação com o Paradigma da Complexidade.

Logo após, analisamos Hitler em cada um dos filmes, dividindo-o cena a cena e

explorando através da teoria de Edgar Morin. No fim da análise, unindo método à técnica,

concluiremos, propondo nosso ponto de vista.

A ação de analisarmos sempre na primeira pessoa do plural deve-se ao fato de

nestes pontos estarmos nos aliando ao pensamento de um escritor, um teórico. Desta

maneira, construímos este trabalho, iniciando com uma fundamentação teórica girando

em torno dos três pilares deste estudo: cinema, história e complexidade. Logo após,

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abrimos filme por filme, dando um capítulo para cada um e extraindo o Hitler de cada

cena significativa, analisando suas palavras e atitudes, sempre medindo através do

Paradigma. Por fim, novamente juntaremos os fragmentos estudados para formular o

personagem que foi extraído de cada obra, formulando o Adolf Hitler produzido pela

indústria cinematográfica.

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2 CINEMA E HISTÓRIA

Os dois assuntos norteadores da próxima discussão – que batizam esta seção –

possuem uma forte ligação de contexto. Seguindo os próprios princípios do Paradigma da

Complexidade, podemos enlaçar estas grandezas de uma forma em que elas possam se

autoexplicativas entre si. O Cinema tem ampla participação na história, não apenas na

área artística, como também no campo da política, principalmente na primeira metade do

século XX. Assim, embasaremos suas principais revoluções no conto artístico através de

alguns dos maiores cineastas. Logo após, mostraremos o seu envolvimento com os

campos político e histórico, principalmente contextualizando os principais fatos da política

mundial da época. Assim, prepararemos o campo para as análises que seguem após este

capítulo.

2.1 CINEMA

Abordamos anteriormente o significado histórico do cinema, mas para que isto

fique claro é preciso construir em alguns parágrafos a linha do tempo da indústria

cinematográfica. A forma mais adequada de construir este cenário é usando como pontos-

chave os maiores diretores do cinema, assim como as suas contribuições significativas

para a construção do produto filme e de sua linguagem atual.

A história do cinema começa tímida, no distante ano de 1896, depois da invenção

dos irmãos Auguste e Louis Lumière, o cinematógrafo. E desde a histórica primeira

exibição no Grand Café de Paris até as mais modernas sessões em 3D da atualidade,

inúmeros outros nomes criativos se consagraram como Georges Méliès, Alfred Hitchcock

e León Bouly. Segundo Merten (1995, p. 17), o impacto sobre os espectadores nas

primeiras sessões foi ímpar: “houve gente que quis se atirar debaixo da cadeira,

escondendo-se para fugir do trem que parecia vir na direção delas”.

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Embora o som acrescentado ao vídeo tenha sido uma imensa revolução no fim da

década de 1920, houve diversas outras evoluções anteriores quanto à produção e

filmagem, como o travelling, que surgiu em 1915 com O Nascimento de Uma Nação,

dirigido por David W. Griffith – filme que revelou ao mundo que o filme era uma forma de

arte, segundo o crítico inglês Seymour Stern (Merten, p. 22, 23).

Eisenstein foi outro nome que revolucionou a cultura do cinema. Seu filme O

Encouraçado Potemkim (URSS, 1925) é considerado por muitos o melhor filme de todos

os tempos, posto disputado com Cidadão Kane (EUA, 1941), de Orson Welles. Eisenstein

cresceu profissionalmente em meio à Revolução Russa e teve seu trabalho baseado no

chamado “realismo socialista”. De acordo com Merten (op. cit., p. 39):

Eisenstein pesquisou a história de todas as artes até chegar à conclusão de que o cinema, como linguagem, posto à luz da dialética marxista, deveria iniciar-se por uma tomada de posição em relação à montagem. Foi um passo à frente de Griffith, ao concluir que a função do diretor seria ordenar as imagens nos sentimentos e na consciência do público. E concebeu a montagem de atrações em que duas imagens se fundem para formar uma terceira no inconsciente do espectador.

Orson Welles também fez história no ramo cinematográfico através de suas

técnicas narrativas. Tais macetes para compor um tipo diferente de conduzir a história são

reconhecidos em suas obras. Um exemplo já citado é Cidadão Kane, de 1941, é

considerada por muitos a sua maior obra-prima. Esta sua fama no cinema na verdade

nasceu no rádio e no teatro da década de 30, onde já exercia a sua forma diferenciada de

narrativa.

Antes de cair no mundo do cinema, Welles fez um extremo sucesso com a

adaptação radiofônica A Guerra dos Mundos, fazendo da ficção científica de H. G. Welles

um sucesso. Isso mostra que a sua capacidade de conduzir um conto não nasceu nas

películas. O que pôde se desenvolver nesta arte foi a sua capacidade de filmagem e

direção, como intensidade de cena, montagens, dimensões e planos (MERTEN, 1999, p.

45).

Alfred Hitchcock. O diretor de Psicose é um dos maiores ícones da história do

cinema, e revolucionou a arte de construir o mesmo através das técnicas de TV que

estavam sendo lançadas nos anos 1950 e 60 e que estavam mudando a imagem do

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próprio cinema. Merten (1995) relata que, durante a década de 1960, McLuhan explicou a

mudança de captação de imagens pelo espectador, pois a leitura linear (como a leitura de

um livro) não existia mais, ela havia perdido seu espaço para as assimilações

instantâneas da cena como um todo. Assim, é como se a cena de um filme antigo fosse

assistida por um grupo de jovens e ser assimilada logo no início. Então, como gerar

expectativa em um filme assim? A clássica cena do assassinato na ducha, em Psicose,

afirmou por Hitchcock que haveria solução para o problema. Para isso, foram usados

mais de setenta ângulos nesta cena de apenas quarenta e cinco segundos.

Seguidor de Eisenstein, Stanley Kubrick foi ícone do cinema nos anos 1970 e 80, e

durante este tempo fez os melhores filmes em todos os estilos. Criou no espectador uma

forma diferente de enxergar o mundo, tanto na comédia (Doutor Fantástico), usando o

humor negro, quanto no terror, em O Iluminado. Soube lidar com o suspense em Laranja

Mecânica e também com o futurismo em 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Ele foi o

responsável pela inteligência desenvolvida nos diálogos das cenas e na construção do

roteiro, criando um caráter mais inovador e culto na percepção cinematográfica do

espectador, que começou a saber ler as entrelinhas das conversas dos personagens,

deixando a parte visual do filme muito menos óbvia do que era até antes (MERTEN, 1999,

p. 81-2).

Por mais que Kubrick tenha feito pouco mais de uma dezena de filmes, ele

conseguiu que uma série de gêneros tivesse seu foco aperfeiçoado com a época. E

mesmo com toda esta experiência , ele não ditava regras no meio da sétima arte. Por

exemplo, Kubrick não conseguiu produzir Napoleão porque o roteiro estava totalmente na

contramão das tendências fílmicas da época, nos anos 1970 e 80.

O que buscamos até agora foi relatar como a linguagem do cinema se desenvolveu

em pouco mais de cem anos sob a ótica do espectador, e como o cinema ajudou na

construção de uma visão humana mais dinâmica em todos os aspectos. Dentro deste

contexto, podemos classificar os diretores citados como os que mais contribuíram para o

desenvolvimento da narrativa cinematográfica. Junto a estes mestres da indústria da

película podemos falar também dos grandes movimentos culturais do cinema, como a

Nouvelle Vague francesa da década de 1950 e, sobretudo, a criação do grande cinema

clássico norte-americano. Este estilo nasceu na adaptação de novos estilos de filmagem,

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ainda quando o cinema dava seus primeiros passos.

Uma das formas do cinema atingir o grande público é a reprodução da visão

humana sobre vários acontecimentos que caracterizam a existência da sociedade. Para

identificar este gênero específico, surgiu o termo Neo Realismo, citado primeiramente

pelo crítico Umberto Barbaro, na revista Cinema, em 1942. Mas não foi por acaso que o

Neo Realismo nasceu, já que o cinema deu seus primeiros passos em uma sociedade

que sofria mutações, como a supracitada Revolução Russa de 1917, a Guerra

Imperialista, de 1914 a 1918, e o primeiro período de crise financeira mundial, nas

décadas de 1920 e 30. Durante esta época, ideologias políticas eram transmitidas através

de todas as artes, e o cinema não foi excluído da lista de grandes ferramentas de

divulgação de ideias, até por que era uma mídia cada vez mais das massas. O cinema

nesta época mostrava a fase mais degradante da sociedade e funcionava como um

manifesto antissistema, fato que se expandiu bastante na Europa, principalmente na Itália.

Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini, é um dos maiores exemplos desta fase do

cinema, mas ainda há até hoje filmes que retratam a sociedade da forma mais real

usando de períodos históricos turbulentos, e consequentemente criando uma visão crítica

e de vez em quando censurada pela própria sociedade (MERTEN, 1999, p. 51-2). E um

dos temas mais abordados até hoje é a Segunda Guerra Mundial.

2.2 CINEMA E HISTÓRIA

Uma das primeiras ferramentas do cinema no ato de reproduzir a História foi criada

sob interesses políticos, tanto no ato da promoção quanto no de repreensão partidária.

Podemos citar como exemplificação o antissemita O Judeu Süss (Veit Harlan/Lothar

Mendes, 1934, Alemanha), capitaneado pelo Terceiro Reich e produto da propaganda

nazista contra os judeus, onde Süss se criava dentro do roteiro como um vilão “de duas

caras”, criando uma falsa identidade generalizada no filme e reproduzida na reação de

seus espectadores (FERRO, 1992, p. 45 e 46).1

1 Foram encontradas diferentes informações sobre este filme, creditando sua direção a duas pessoas. Em

“Cinema e História”, de Marc Ferro, o diretor é Veit Harlan. Já no site IMDB.com, os créditos são de Lothar Mendes.

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No mesmo tempo que o cinema construía esse lado político, também se

desenvolvia como arte, mas também levando consigo uma carga ideológica. Pela primeira

vez, a sociedade se via em movimento de uma forma mais completa, não tão crua como o

teatro criado pelos gregos e nada estática comparada às pinturas e esculturas. Junto à

fotografia, o cinema conseguia fugir do lugar comum de ideias sobre a própria sociedade,

como era até o Século XIX, e começou a criar praticamente um espelho da mesma. Este

reflexo parecia indomável, pela veracidade das imagens e pela resposta que o público

dava.

Assim como citou Trotski (FERRO, 1992, p. 27), podemos analisar o cinema não

mais como um instrumento da propaganda, mas apenas como uma forma propagadora.

Porém, é totalmente aceitável a citação do russo na década de 1920, quando o cinema já

era uma realidade no mundo, porém muito mais fascinante do que é hoje, dado o fato de

ainda ser uma novidade tecnológica do novo século. Pouco a pouco, ele foi se tornando

mais comum à vida da sociedade e ocupando espaço apenas na área do entretenimento.

O cinema chegou a fazer parte de estratégia de propaganda política não apenas na

Europa, mas também na América do Norte. Roosevelt o usou após o início da guerra

como fonte de nacionalismo e patriotismo, exaltando os valores norte-americanos nas

produções hollywoodianas. Além das notícias que chegavam do front, o povo americano

também construía a identidade da Segunda Guerra Mundial através do cinema, usado

para fins nacionais e que ajudava a criar na sociedade estadunidense os perfis dos

Aliados e dos países do Eixo. Esta estratégia foi elaborada em filmes antinazistas,

antijaponeses e filmes “justificáveis”, que explicavam o porquê da aliança dos Estados

Unidos com a União Soviética. Um ponto a ser comentado nestas produções é o das

personagens: na ampla maioria das vezes, o povo alemão era contrário ao regime

hitlerista, ideia contrariando a realidade da época, quando Hitler era cultuado na

Alemanha e o Partido Nazista arrebanhava grande parte dos alemães como simpatizantes

(FERRO, 1992, p. 32, 34, 35).

Assim, o cinema norte-americano começou a construir a sua história como

protagonista da publicidade dos valores de sua sociedade, onde jamais uma bandeira

deixava de aparecer – quando em um ato de heroísmo, melhor ainda. Este modelo de

película é representado até os dias de hoje em suas produções, exaltando o patriotismo

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de todas as maneiras possíveis. Nestas décadas, os adversários eram de outros países;

hoje, são de outros planetas.

Tratando do cinema alemão desta época, podemos dizer que ele era muito mais

focado em sua própria sociedade, não fugindo da fórmula ianque. Neste caso, o povo

atingido pelo roteiro era o judeu. Inúmeras produções focaram-se diretamente na

repressão desta etnia, sempre com o aval de Goebbels, ministro da propaganda do

Terceiro Reich. Podemos então visualizar o cinema não ainda como entretenimento, mas

sim como instrumento de propaganda política manipuladora.

Já no período pós-1945, o cinema ainda não deixou a política de lado, como

podemos ver no filme “O Terceiro Homem” (Orson Welles, EUA, 1949). Nele, há uma

imensa propaganda anticomunista, denunciada até pelos próprios espectadores. Esta

análise é bastante plausível, já que anteriormente, nos anos de Segunda Guerra, a visão

do cinema sobre a União Soviética era totalmente positiva, em relação à que estava

sendo pregada no início da Guerra Fria. O longa dirigido por Orson Welles foi

extremamente criticado, mas mesmo assim se tornou grande sucesso (FERRO, 1992, p.

53, 54, 55).

Um caso especial de se citar é “A Grande Ilusão” (Jean Gabin, França, 1937), onde

há um simpático judeu como mocinho e um caso de amor entre uma alemã e um soldado

francês. Ele foi considerado totalmente utópico em ambas as partes da futura guerra,

havendo inclusive todas as cenas do judeu cortadas por Goebbels para a veiculação na

Alemanha. Já nos Estados Unidos, o filme foi descartado pela Warner Bros. por ser

demasiado “chauvinista”. A fórmula obviamente foi rechaçada por ambos os lados por

tornar o adversário bastante pacífico e bondoso, a ponto de alertar os governos e rever o

roteiro antes da distribuição dos filmes (FERRO, 1992, p. 61-5).

Mas, passando para o outro lado do mapa, podemos ver uma série de filmes

antinazistas criados pelos Estados Unidos. Estas produções teciam o cenário de toda uma

sociedade que se declarou frontalmente contra o regime do Terceiro Reich, simbolizada

por estes materiais e por declarações públicas dos próprios diretores dos filmes (entre

outras tantas personagens da época) de ódio a Hitler e sua ditadura. E grande parte

destes filmes teve grande circulação, servindo como uma verdadeira ferramenta para a

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disseminação do antinazismo – destaque para O Grande Ditador, de Chaplin. Sobre

temas políticos, apenas dois filmes americanos desta época não possuíam ideais

contrários aos alemães: Ninotchka (Ernst Lubitsch, EUA. 1939) e Sky Patrol (Howard

Bretherton, EUA , 1939), que eram antissoviéticos. Ao mesmo tempo, surpresa foi a

atitude do cinema francês em não atacar o nazismo alemão da mesma forma. Os filmes

eram muito mais politicamente discretos e com uma ótica muito mais imparcial do que a

americana:

Para explicar a atitude dos cineastas e produtores norte-americanos, pode-se imaginar que esse quadro é resultante, essencialmente, de uma maioria de cineastas alemães refugiados, ou ainda de judeus de origem alemã ou americana. Sem dúvida, era o caso de alguns deles, e isto estimulou o movimento, mas não era o caso da maioria. Além do mais, é possível observar que estes cineastas que se refugiaram na França, abandonando a Alemanha, não puderam exercer lá a mesma influência. (FERRO, 1992, p. 32)

Assim, com o iniciar da guerra, o cinema americano começou a ser manipulado

pelo governo de Roosevelt com outro foco, criando um cenário que exaltasse os valores

americanos, atacando fortemente o lado nacionalista da população. Porém, mesmo assim,

o ataque ao nazismo não parava. Assim, estas duas frentes trabalhavam juntas na

aculturação do povo americano de forma massiva (FERRO, 1992, pp. 32, 34).

Porém, não foram os americanos os únicos a explorar o cinema como arma de

exaltação dos valores nacionais. Antes de Roosevelt, a Inglaterra já ostentava o império, a

tropa, tudo sob a imagem da rainha. Na França, a beneficiada era a burguesia

ascendente, sempre representada pela inovação e pelo crescimento no país em meios de

transporte, em desenvolvimento cultural, social, etc. Pela veia política, assim o cinema se

desenvolveu até então (FERRO, 1992, p. 13).

Tanto pelo olhar nacionalista quanto pelo xenófobo, divididos por uma tênue linha,

o cinema conseguia obter um resultado social aceitável nestas décadas iniciais de seu

advento. A mensagem transmitia um crédito impressionante na mente dos espectadores,

como se tudo o que era reproduzido refletia a verdade. Um exemplo é O Judeu Süss,

polêmico por onde passou e deixou marcas. Há relatos que em Marselha, após a sua

projeção, judeus foram molestados (FERRO, 1992, p. 15).

Como afirma Ferro (1992), há uma relação de métodos de ação que tornam o filme

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eficaz como intervenção social, e que esta capacidade criada nasce ligada à sociedade

que produz o filme e a que o recebe. Assim, o cinema reproduz a sociedade e todos os

seus ambientes. Há hierarquias, rivalidades, lutas por influência, tudo está interligado de

um ponto ao outro do roteiro. Quando influenciado por interesses políticos, este roteiro é

modificado de acordo com cada fato estudado pela ideologia manipuladora, a fim de

colher os resultados em atitudes e ideias da massa espectadora em um prazo posterior

ao da veiculação da película.

Einsenstein (FERRO, 1992, p. 17, 18) defende que toda a sociedade recebe as

imagens de acordo com a sua própria cultura. Se seguirmos esta teoria, provavelmente

nos depararemos com uma série de filmes que escandalizavam em certos países

enquanto em outros não. O exemplo citado é a carnificina no seu A Greve (URSS, 1925),

onde não aterrorizou nem um pouco os camponeses russos habituados àquele cotidiano.

Se avançarmos no tempo e nos inseríssemos no cinema nacional, podemos reforçar este

argumento exemplificando os filmes que tem como pano de fundo a violência. Tropa de

Elite (José Padilha, Brasil, 2007) e Cidade de Deus (Fernando Meirelles, Brasil 2002),

entre outros, podem ser absurdos para um público estrangeiro e que nunca conheceu

este mundo de perto. Porém, para quem vive a rotina da favela carioca, o único

sentimento que nasce em frente à tela é o de identificação, pois é apenas a vida real

transmitida pelo filme.

Seguindo por esta linha de raciocínio, para entrarmos no campo da representação

de cinema e História, devemos seguir dois eixos: a leitura histórica do filme e a leitura

cinematográfica da história. Focando na leitura histórica do filme, conseguimos nos

deparar com a mesma dificuldade dos historiadores em reconstruir uma história que

estava apagada na memória da sociedade. A nova leitura do passado fica cada vez mais

complicada a partir da distância deste pretérito. Os relatos se tornam escassos, a

oralidade dos fatos vai se apagando e não há outra saída se não modificar a substância

histórica do roteiro. Isso se faz mudando o argumento do conto, procurando outros

artifícios que não fugirão da realidade, mas também não se aproximarão dos fatos quanto

a própria realidade que se viveu na época transcrita.

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2.2.1 A Segunda Guerra Mundial

Provocada, entre tantos motivos, pela intervenção nazifascista na Europa, a

Segunda Guerra Mundial durou de 1939 a 1945, e envolveu vários países, fazendo os

combates saírem dos limites da Europa, atingindo a Ásia, a África, o Atlântico e o Pacífico.

Basicamente, a guerra se dividiu entre as forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e os

Aliados (França, Inglaterra e Estados Unidos). A Alemanha sofria com o resto do mundo

não só após o crack da Bolsa de Nova York em 1929, mas já após 1918, quando foi

derrotada na Primeira Guerra, na Tríplice Aliança, ao lado da Itália e do Império Austro

Húngaro. Com o Tratado de Versalhes vigendo, a Alemanha sofrera várias punições,

perdendo territórios conquistados e o direito de ter suas forças armadas. Porém, com o

surgimento do Partido Nazista na Alemanha e do Partido Nacional Fascista na Itália, as

ideologias de extrema direita e do nacionalismo exacerbado cresceram de uma forma

avassaladora, conquistando dois países de uma forma muito rápida e enérgica, às vezes

até usando da força. Ambos os partidos tinham forças militares ilegais; enquanto os

nazistas tinham os AS (camisas pardas, que futuramente virou a SS), os fascistas

italianos tinham os fascios de combate, e ambos agiam com força em suas manifestações

e também oprimindo vários grupos da sociedade, incluindo estrangeiros, homossexuais e

oposicionistas políticos. Assim, em apenas uma década, estes dois partidos conseguiram

chegar ao poder com amplo apoio das elites dominantes. O italiano Benito Mussolini, líder

do Partido Fascista, após a Marcha Sobre Roma foi nomeado Primeiro-ministro pelo rei

Vitor Emanuel III, enquanto o alemão Adolf Hitler era elevado ao cargo de Chanceler pelo

presidente Hindenburg. O Partido Nazista, mais atuante, pregava o antissemitismo e a

criação do Espaço Vital, ou seja, a anexação de territórios que seriam importantes para o

crescimento econômico da Alemanha. Assim, Hitler fez dos militares do Partido Nazista as

forças armadas alemãs, infringindo o Tratado de Versalhes. Além disso, Hitler iniciou o

processo de expansão territorial, invadindo a Áustria e a então Tchecoslováquia, sob

extremos protestos da Sociedade das Nações. Quando invadiu a Polônia, provocou

reação imediata da França e da Inglaterra, que declararam guerra (ORDOÑEZ;

QUEVEDO, 1999, pp. 222-28).

Uma das principais características de Adolf Hitler e do Terceiro Reich (governo

Page 20: Hitler no Cinema

20

instaurado com a morte de Hindenburg e a ascensão de Hitler ao poder) foi assumir

abertamente o objetivo de criar uma população de descendência totalmente ariana, sem

miscigenações de etnias e culturas. Quem não pertencesse a tal etnia era caçado, preso

e assassinado. As prisões destes raptados pelo governo nazista começaram a ser feitas

longe das cidades, os chamados campos de concentração, onde os detidos eram

submetidos a trabalho escravo e a humilhações. Assim, começaram a ser perseguidos

negros, estrangeiros, ciganos e, principalmente, judeus – com estes nasceu a Questão

Judaica; nome dado à política de segregação e exterminação pelos nazistas:

O avanço soviético deu uma nova urgência à mais horrível política nazista: a aniquilação dos judeus. Hitler, vendo seus sonhos de conquista ruírem rapidamente, estava determinado a ter êxito ao menos nesse objetivo. Seu regime assassinava judeus desde 1939, mas geralmente com desordenados e anti-econômicos tiros na cabeça. Em 1942 e 1943, os nazistas passaram a usar métodos de extermínios em massa, incluindo gases venenosos. Em princípios de 1945, Hitler já havia eliminado mais de seis milhões de judeus: três em cada quatro, em seu desintegrado império. (História em Revista – A sombra dos Ditadores apud ORDOÑEZ; QUEVEDO, 1999, p. 228)

A partir do Dia D, em seis de junho de 1944, quando as tropas aliadas invadiram a

região da Normandia, o Terceiro Reich começou a perder a guerra, depois de dominar a

Europa inteira. Ao mesmo tempo, no forte inverno europeu, os soviéticos venciam os

nazistas na batalha de Stalingrado. Assim, em um ano e cercada por duas frentes de

batalha, a Alemanha estava perdendo a sua segunda guerra em meio século. Pouco

antes de o Exército Vermelho invadir o bunker alemão, onde os oficiais nazistas se

escondiam, Adolf Hitler cometeu suicídio com sua esposa Eva Braun e o Ministro da

Propaganda do Terceiro Reich, Joseph Goebbels. A guerra na Europa havia terminado.

A Segunda Guerra Mundial é tema até hoje de grandes longas metragens,

como os recentes Bastardos Inglórios e O Menino do Pijama Listrado (Mark Herman,

Reino Unido/EUA, 2008). Dezenas de filmes contam várias etapas da guerra, mas cada

um de uma ótica diferente, ora a guerra entre americanos e japoneses, ora a questão

judaica, ora o Terceiro Reich. Assim, vão se criando identidades e faces dentro de toda

essa história contada e recontada desde antes do seu fim; e uma das mais exploradas é a

do próprio Adolf Hitler. Em cada filme é dada uma face diferente, segundo a intenção de

cada diretor. Em O Grande Ditador, Charles Chaplin satiriza a dura imagem ditatorial de

Hitler. Já em A Queda, o ditador é visto em seus últimos dias, com um ar abatido, mas

Page 21: Hitler no Cinema

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com uma autoridade rígida e inquestionável.

Aqui pudemos analisar de forma geral o elo que existe entre Cinema e História, e o

trabalho que ambas as forças possuem para sustentar seus conteúdos. Desta forma,

preparamos o campo para abordar o próximo capítulo, que aborda a ligação entre Cinema

e Complexidade, mostrando a função desta arte na construção de tal paradigma.

Page 22: Hitler no Cinema

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3 CINEMA E COMPLEXIDADE

A Complexidade de Morin é um dos métodos teóricos que mais se encaixa com o

trabalho que o cinema representa na sociedade. Isso se explica pela capacidade que os

filmes têm de expressar as suas opiniões nas telonas – um poder tão significativo que no

passado eles já foram usados inclusive como oficiais propagadores de ideologias

políticas, como pudemos ver anteriormente. E nos dias atuais, a produção intensa destes

produtos culturais faz com que o campo de diálogo do cinema exceda a política e alcance

uma gama de temas que compõem a nossa rotina diária, como a ciência, a tecnologia, a

religião, a saúde, a cidadania e, sobretudo, a educação.

O atual retrato do ensino mundial é consideravelmente evoluído se comparado aos

ensinos de décadas anteriores no mundo inteiro. Além das formas de ideologia que

amadureceram rumando à imparcialidade política e social, a tecnologia colaborou de

forma bastante expressiva para que, de certa forma, os estudos e as pesquisas

avançassem de maneira uniforme e conjunta, seguindo um mesmo ideal.

Uma das ferramentas que a tecnologia desenvolveu para o ensino do homem na

sociedade foi o cinema. Tanto quanto as pesquisas e a literatura, o cinema colabora de

maneira ampla para a formação do ensino básico mundial por sua capacidade de

representar de forma diferenciada a História. Essa representatividade multiplica os poucos

registros guardados através dos tempos em uma ótica totalmente nova e que faz

materializar vagas discussões obtidas através de fragmentos da história coletados. Por

exemplo, caso formos analisar a Roma Antiga, além de ruínas de construções,

visualizamos um sem número de filmes que representam a vida a dois mil anos atrás.

Como podemos criar todo esse ambiente do passado? Através da materialização dos

vagos registros encontrados ao longo do tempo.

Segundo Guigue (2008), com esse poder de registrar a história de maneira

inigualável, o cinema também tem a presença amplificada da imagem e do som. A rapidez

de cenas, a trilha invasora e a história amplificada a ponto de nos tomar a atenção nos

levam ao plano do conto, fazendo-nos interagir com a história e nos conectar com ela:

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Isso se explica em primeiro lugar devido aos progressos técnicos. Melhoria da qualidade de som, salas previstas para suportar um volume sonoro maior etc. No que diz respeito à imagem, conhecemos o aumento dos efeitos especiais e da utilização do computador, sem falar nos filmes em três dimensões que começam a se tornar populares (Idem, p. 325).

Com toda a forma de saber contar a história com estes apelos, criou-se dentro do

cinema a arte das cinebiografias. O fato de contar a vida de personalidades foi sempre um

caso a parte na criação do produto cinematográfico. Adolf Hitler, o objeto de estudo deste

trabalho, já foi tema de uma série de filmes que contavam a sua história, e por

consequência, a história da Segunda Guerra Mundial. Além dele, Alexandre Magno,

Cleópatra, Napoleão, os imperadores romanos, e muitas outras personagens da história

foram o alvo de diretores que sempre procuravam o diferente no cinema. Como um dos

maiores X dessa indústria é a maneira de contar a história e como manter o foco, estudar

o personagem mais importante dela era sempre uma saída aceitável. Além disso, a

própria vida das personagens, em certos momentos, era um motivo para a criação de um

roteiro. Os fatos da vida, a personalidade e o que o personagem transmite também faz

diferença na criação do filme. Segundo Guigue, “as imagens não são ideias, um cineasta

não manipula conceitos, mas sim blocos de sensações” (p. 328).

Com toda essa capacidade de transmitir histórias, o cinema colabora ainda de

forma tímida. Os filmes tidos como exemplos em ensino são grandes em divulgação e a

maioria das produções, tímidas em publicidade, normalmente não chegam ao contato de

formadores de opinião, embora as produções sejam exemplo em criar imensas peças de

ensino para o futuro, dado o tempo de vida útil de um filme.

3.1 O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

E se formos aprofundar a análise dos filmes através deste espelho

Cinema/História, o caminho mais indicado é o Paradigma da Complexidade, de Edgar

Morin. Por ele, conseguiremos analisar de uma forma mais ampla tudo o que pode

influenciar na criação e na repercussão do filme, tratando-se de questões e visões de

épocas passadas, detalhes do personagem em relação ao contexto do roteiro,

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subliminaridades constatadas em cenas mistificadas e, sobretudo, o fato de procurar

marcar uma mensagem por muitos anos usando o cinema como instrumento propagador,

valorizando o filme como produto sem prazo de validade e com ótica potencialmente

atemporal:

para Edgar Morin, o postulado do pensamento complexo corresponde essencialmente a uma reforma, se não mesmo a uma revolução, do procedimento de conhecimento que quer de agora em diante manter juntas perspectivas tradicionalmente consideradas antagônicas (universalidade e singularidade). (ARDOINO, 1998, p. 550)

A princípio, parece complicado dissecar um assunto tão latente e controverso

quanto Adolf Hitler neste paradigma criado por Morin. Isso pois já é convenção ligar uma

opinião totalmente negativa ao nazismo. A função teórica deste estudo jamais foi a de

alterar a visão sobre a doutrina nazifascista, o que pode ser entendido equivocadamente

pelo fato de buscarmos reavivar este evento que muitos preferem esquecer, tamanha é a

sua lembrança nefasta. A real intenção almejada é – de certa forma reabrindo esta ferida

– reconstruir a imagem de Hitler que paira nesta primeira década, quase 80 anos depois

de surgida na crise alemã no Período Entre Guerras. Esta imagem surge entre livros e

documentários de uma forma ainda obscura, entre tantos outros acontecimentos da

Segunda Guerra, e se perde entre estes. E onde o cinema se encaixa no contexto?

Grande parte da História Geral é revisitada pelo cinema, seja em fatos próximos ou

longínquos na escala do Tempo. E muitos destes filmes se transformam em produto

auxiliar de ensino, principalmente para os jovens nas escolas, colaborando de forma

significativa na percepção de décadas e séculos anteriores. Dito isso, podemos seccionar

a Segunda Guerra Mundial como o fato histórico isolado que mais rendeu produções no

cinema, desde a ficção até o documentário. E como poderemos, entre visões de tantos

diretores e produtores distintos, construir uma identidade realista de cada nicho deste

acontecimento? Como o combate Eixo-Aliados se explanou por diversas áreas sociais,

políticas e econômicas, procuramos “fechar o cerco” na figura-chave do confronto, a de

Adolf Hitler.

Portanto, a recriação da imagem de Adolf Hitler no cinema através da ótica da

complexidade poderá servir para a melhor compreensão do mesmo como instrumento de

ensino aos jovens, na construção de uma futura nova ligação dos ensinos, proposta pelo

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próprio Morin. Ardoino explica que não precisa haver necessariamente uma

hierarquização das ideias coletadas (nos filmes), mas baseando-se no diálogo interligado

entre os componentes, há uma dependência mútua entre eles. Este istmo entre

pensamentos e argumentos é fortalecido através da pluralidade de significados que lhe é

transferida, criando uma organização de vários elementos distintos, mas que juntos criam

um conjunto de significações interativas. (ARDOINO, 1998, p. 549)

Esta complexidade reformada por Morin deixa em evidência o quão grande é a

dimensão dos sistemas. Ao expormos Hitler desde sua vida pública até as suas

particularidades, o que será coletado entre duas variáveis da vida do personagem pode

obter dois sentidos totalmente antônimos entre si. Este tipo de resultado será mais

abrangente, pois os filmes a serem estudados terão diferentes níveis de foco, desde o

drama até a sátira. Toda uma coletânea de elementos que formaria a identidade de uma

pessoa se conjuga de formas diferentes e criam outros argumentos, até então

desconhecidos.

Segundo Ardoino, o mundo e considerado simples através de um ângulo que

obedece a ordem. No entanto, a partir do momento em que “uma inteligência da

desordem” passa a procurar outros olhares para tornar mais rica a análise, se cria uma

natureza mais complexa que a anterior. E é a partir destes domínios criados que será

preciso falar de leituras plurais, mais abrangentes, com significações diversas. Porém,

estas leituras não entrarão em conflito, mas enlaçar-se-ão, fazendo surgir uma

heterogeneidade unificada. Assim, nenhum pensamento domina o outro; todos se

unificam e tem a mesma força.

Dessa forma, leremos os quatro filmes sobre a teoria de Morin. Selecionaremos

cada cena em que Hitler atuar e descreveremos na análise. A seguir, as analisaremos

sobre a Complexidade, buscando sempre um entendimento exato do que se passa na

cena. Algumas cenas serão discutidas em grupo de dois ou três, dependendo da

proximidade de tempo entre elas e da ligação em que elas carregam. Podemos em

algumas vezes, recorrer aos nossos teóricos, para embasar com mais segurança nossas

afirmações e suposições. Assim então, preparado o campo, começamos com O Grande

Ditador, de Charles Chaplin.

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3.2 O GRANDE DITADOR

Lançado em 1940, dirigido e estrelado por Charles Chaplin, o filme narra a história

de um atrapalhado barbeiro judeu que sofreu um acidente de avião no fim da Primeira

Grande Guerra. Neste acidente, ele perde a memória e assim é liberado do hospital para

voltar pra casa anos depois. Porém, Adenoid Hynkel (por coincidência, idêntico ao

barbeiro) governa Tomania sob uma ditadura discriminatória contra os judeus. Em uma

das ações da polícia no bairro onde mora o barbeiro, ele é preso e levado a um campo de

concentração em Osterlich junto com Schultz, militar de Tomania que estava com o

barbeiro no acidente. Ao mesmo tempo, Hynkel planeja invadir Osterlich para mostrar seu

poderio militar a Napaloni, ditador da Bactéria. Quando Hynkel chega a Osterlich, o

barbeiro judeu consegue escapar disfarçado de militar da Tomania e ambos são

confundidos. O ditador Hynkel é preso e o barbeiro faz um discurso para toda a Tomania

pelo rádio.

Os anos 30 e 40 do século passado são mundialmente marcados pelas fortes

instabilidades na sociedade ocidental. Havia grandes ideologias políticas ainda em fase

experimental, como o capitalismo norte-americano, o comunismo soviético e o fascismo

italiano. Dentro desta ótica, como comentamos anteriormente, o cinema era uma das

grandes formas destas ideologias chegarem aos olhos do povo como os governos

queriam.

Neste contexto, nascia o trabalho do americano Charles Chaplin. Exímio diretor e

roteirista, Chaplin também atuava em seus trabalhos, sempre dentro de uma figura

engraçada em seus filmes. Assim produziu grandes sucessos na indústria cinematográfica

norte-americana, como O Garoto e Tempos Modernos.

O Grande Ditador, de Charles Chaplin, foi um dos grandes protestos do cinema

americano contra o Terceiro Reich, que cada vez crescia mais na Europa da década de

1930. Em 1940, o plano de Roosevelt de usar o cinema como forma de direcionar o

pensamento quanto à Segunda Guerra Mundial já estava em prática, O Grande Ditador

fazia uma sátira da doutrina nazista e de um Adolf Hitler caricaturado.

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Adenoid Hynkel, a representação de Adolf Hitler no filme, interpretado pelo próprio

Chaplin, é ditador da fictícia Tomania, e planeja sempre ser dono do planeta. Seus

discursos, de certa forma, são bastante parecidos com os do próprio Hitler, com destaque

para o expressivo sotaque alemão e pela fúria, em uma denotação de poder, autoridade e

força, sustentando seus argumentos, falando em reerguer a Alemanha da crise do

Período Entre Guerras, sempre pela força econômica e pela militarização.. Até alguns

textos, se comparados com os originais de Hitler, podem denunciar alguma semelhança.

Estes detalhes podem ser percebidos aos catorze minutos de filme, já no primeiro

discurso.

A primeira aparição de Adenoid Hynkel no filme é a imagem com a qual o povo

estadunidense estava acostumado a lembrar de Adolf Hitler. Ele brada o orgulho do povo

germânico, com incitações nacionalistas extremadas. Entre todos os temas abordados

nos discursos de Hitler, o antissemitismo foi inserido de forma sutil, ampliando-se através

dos tempos. Esta foi a maneira de Chaplin situar a personagem diante do espectador,

mostrando-lhe o “cartão de visitas”. Inserindo o personagem desta maneira no roteiro,

facilita o trabalho do diretor de contextualizar Hynkel nas seguintes oportunidades de

aparição, pois o espectador já terá em mente uma opinião formada da personagem,

comparando-a sempre com a real. Logo, esta materialização de Hitler em Hynkel se dá de

forma correta, e Chaplin cria um tipo que eventualmente beira o exagero.

O filme parece transmitir certo desinteresse de Hynkel em relação aos judeus, sua

prioridade são as conquistas territoriais. Isto se percebe na cena em que faltam subsídios

financeiros para a invasão de Osterlich (fictícia Áustria) e a única saída é pedir um

empréstimo ao banqueiro judeu Epstein, Hynkel está decidido a abrandar a relação

política com os judeus para obter o dinheiro que precisa.

Aos quarenta minutos, uma passagem cria outros sentidos em relação a

Hitler/Hynkel. Ao ouvir do Ministro do Interior Garbitsch que houve protestos da população

quanto à qualidade de serragem no pão distribuído, Hynkel retruca: “E o que eles mais

querem? Ela provém da melhor madeira.” O desprezo não é somente para com a

população semita, mas com todo o povo da Tomania (leia-se: povo alemão). Este diálogo

externa o descaso do Terceiro Reich, o que Chaplin expressa é o desinteresse de Hynkel

quanto às medidas básicas não só de governo, mas de atitudes humanas, como é a

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alimentação de um povo. Antes disso, o ditador ainda interroga: “o que significa esses

milhões atribuídos aos campos de detenção? Precisamos é de munição.” Esta declaração

mostra o quanto Hynkel pretendia dar prioridade ao militarismo e às suas conquistas

territoriais através da guerra do que com a população da Tomania. Seguindo Hynkel,

como uma representação de Hitler na história, todas essas ideias são automaticamente

transmitidas ao Führer do Terceiro Reich.

No filme, também é abordada a polêmica sobre os direitos trabalhistas, tão

antônimos se comparados entre americanos e alemães nesta época. Na cena em

questão, aos trinta e oito minutos, Hynkel é comunicado de uma greve em uma fábrica e

ordena o fuzilamento de todos os manifestantes. Para um público espectador que vivia

sob a luz da democracia, tão louvada pelo povo e governo americanos, esta decisão do

personagem significava uma volta à medievalidade e à intolerância política. Além disso, é

válido também lembrar que esta cena teve um papel idêntico ao de uma charge ou uma

sátira, servindo para ilustrar as notícias que já vinham da Europa há alguns anos. Desde a

criação do Terceiro Reich em 1934, Hitler havia se tornado o centro das atenções no

Velho Mundo, e suas características governamentais baseadas na censura já percorriam

os jornais mundo afora.

Logo após, também com Garbitsch, a questão ariana é abordada. Em um dos

estranhos momentos de insanidade de poder que Hynkel tinha, surge o comentário ainda

sobre a mesma greve, cujos responsáveis eram morenos. Assim, o diálogo permeia a

segregação de judeus e morenos até chegar à conclusão de que a Tomania só terá “paz

com uma raça ariana e pura”. Desde então, até o fim da cena, a real contradição de Hitler

lutar por uma nação totalmente ariana, mesmo sendo um austríaco, é abordada. Junto a

isso, frases remetendo à exterminação de morenos e judeus permeiam o diálogo. Um

ponto em questão a ser analisado é que, perdido em seus devaneios, Hynkel não nota

que Garbitsch se refere inclusive ao próprio ditador ao opinar sobre a exterminação dos

morenos da Tomania.

Em seguida, aos cinquenta minutos de filme, surge a clássica cena em que

Adenoid Hynkel brinca com o globo terrestre de sua sala. Ele inicia contemplando o balão

esférico com um olhar desejoso, e depois o pega e o atira para o alto diversas vezes,

como se estivesse brincando. A trilha que acompanha esta cena é leve e denota algo

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singelo e puro, como se o vilão da cena desse lugar a uma criança que estaria feliz com

seu brinquedo. Depois de cerca de 3 minutos, o balão-globo estoura na mão de Hynkel, e

a trilha se torna grave e tensa, e o ditador chora segurando o que sobrou do globo.

E agora, como proceder? Partindo para uma face mais figurada da análise, não

podemos argumentar que o globo simbolizava o próprio mundo na cena? Ao que se

conhece, sempre usando a comparação de Chaplin com a realidade, podemos dizer que

estes três minutos citados representaram toda a trajetória de Hitler na história, obtendo

grandes poderes através dos anos e adquirindo um poder sobre o que acontecia no

mundo. Como se ele tivesse poder do mundo, brincava com ele.

O desfecho desta cena é ainda mais intrigante. Não podemos dizer que foi por

acaso que Chaplin desejou que o globo estourasse na mão de Hynkel. Isto só faz da cena

ainda mais significativa, como se os excessos do ditador com o balão fizesse com que a

brincadeira acabasse tragicamente. Se buscarmos uma lógica subliminar em toda a cena,

podemos sintetizá-la em uma sentença: de tanto brincar com o mundo, Hitler o destruiu. A

significação perfeita criada por Chaplin.

3.3 OPERAÇÃO VALQUÍRIA

Os Aliados começam a vencer a guerra e a Alemanha Nazista estremece, fazendo

crescer as tentativas de assassinato a Hitler. Entra em cena o coronel-conde Claus Von

Stauffenberg, responsável pelo último atentado conhecido ao Füehrer alemão. O objetivo

após o assassinato é instituir com um golpe de estado a Valquíria, regime de emergência

do Terceiro Reich. Hitler sobrevive ao atentado e o plano de Stauffenberg falha. Ele e

todos os outros envolvidos do filme são executados pela SS.

Este filme é um exemplo da segmentação de assuntos sobre a Segunda Guerra

Mundial citado anteriormente. Operação Valquíria (2008), do diretor Bryan Singer, narra a

história do coronel alemão Claus von Stauffenberg, mentor do último atentado conhecido

a Adolf Hitler, em 1944. Na produção em questão, por mais que não haja crimes ou

horrores praticados pelo Reich nas cenas, há uma acentuada pendência contra o regime

nazista. Isto se percebe no decorrer do filme, principalmente na divisão de opiniões entre

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as personagens que representam oficiais do mais alto grau do exército alemão. Porém,

em comparação a O Grande Ditador, este filme mantém uma proposta mais neutra e sem

tantas apologias e estereótipos, o que facilita o nosso estudo.

Diferente do filme de Chaplin, este não possui Hitler como protagonista da trama –

mas ainda assim a personagem vivida por David Bamber tem participação significativa no

mosaico de imagens que estamos construindo. Todavia, para entender Operação

Valquíria por todos os seus lados, deve-se conhecer um pouco das “histórias particulares”

da Segunda Guerra Mundial. A ligação de Hitler com Wagner, a situação dos fronts em

1944, o dia D, a posição da SS no Reich, a desconfiança em Hitler a partir do momento

em que os aliados começaram a vencer o conflito e outras muitas causas. Obtendo estas

informações, é possível se compreender melhor a trama em si e o próprio Hitler como

personagem.

A sua primeira aparição é aos sete minutos de película. Ela não é muito

significativa na nossa busca, porém ela contextualiza a história do filme para o

espectador. Nela, Hitler aparece em um encontro comum com outros militares e logo após

parte em viagem. Vestindo um tradicional uniforme militar, ele se mantém calado durante

os dois minutos que aparece, sempre com uma face séria e fechada.

A cena representa as várias tentativas de assassinato ao político alemão, pois

antes da viagem em questão, um dos oficiais próximos ao ditador ganha uma garrafa de

bebida contendo uma bomba. O artefato não explode durante o voo e o atentado não tem

sucesso.

A cena da segunda aparição ocorre aos trinta e sete minutos, no encontro do

ditador com o protagonista da história, coronel Stauffenberg. Neste ato, podemos captar

mais da personagem de Hitler, principalmente quanto aos seus pensamentos e ideologias.

Ao ser apresentado ao coronel, Hitler o elogia dando valor às suas atitudes

militares: “É uma honra encontrar um oficial que se sacrificou tanto pela Alemanha.

Quisera que mais homens fossem como você”. E em seguida para os oficiais que estão

consigo: “Que este homem sirva de exemplo para todos vocês. É o oficial alemão ideal!”.

A postura de Hitler e estas palavras somam fatores que resultam em um apreço ao

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militarismo. Como se sabe, um dos maiores objetivos de Hitler na guerra era a obtenção

do “Espaço Vital” territorial, feito pelas forças armadas alemãs.

Na sequência da cena, Hitler pega de Stauffenberg um documento para assinar –

trata-se de uma revisão da Valquíria, operação secreta do Reich e tema da trama.

Revisando, Hitler dialoga com Stauffenberg sobre a origem do nome “Valquíria”, Wagner e

mitologia nórdica. As referências que Adolf faz revelam uma relativa erudição,

demonstrando tanto conhecimento nestas áreas quanto fazendo uma ligação ideológica

entre elas: “As Valquírias, Criadas dos Deuses, escolhendo quem viverá e quem morrerá,

poupando os mais heroicos de uma morte agonizante. Não é possível entender o

Nacional Socialismo sem entender Wagner”.

O que compreender desta citação? Podemos fazer inúmeras analogias quanto à

intenção da personagem. É sempre bom lembrar que Wagner era o compositor favorito de

Hitler. Sendo assim, pode-se haver uma ligação entre gostos e preferências que se

complementam. O nacionalismo nascido das composições de Wagner? O gosto pela

música gerado pela simpatia ao “nacional socialismo”? Há várias saídas, mas a sinergia

encontrada dentro de “As Valquírias” entre arte e política foi o suficiente para batizar esta

manobra de reposicionamento do Reich.

Outro ponto que podemos ressaltar nesta mesma cena é a cega confiança que o

Führer tinha em seus aliados. Voltando ao início da cena, podemos prestar atenção

quando ele é advertido sobre o acontecimento do Dia D na Normandia, e rechaça a ideia

de perigo, garantindo total confiança em seu subordinado Göring. Ato semelhante

acontece em seguida. Hitler recebe a revisão da Valquíria e a assina sem no mínimo ler o

documento com atenção.

Duas cenas idênticas e tão próximas entre si podem procurar passar uma imagem

de como Hitler mantinha sua relação com seus subordinados diretos. Durante todo o

filme, é mostrada a insatisfação dos altos oficiais do exército alemão – momento em que a

Alemanha começava a perder a guerra. Essa insatisfação era tamanha que o objetivo do

coronel conde seria assassinar Hitler. Entretanto, sob todo este clima revés, o ditador

ainda mantinha a confiança nos que lhe assessoravam.

A invasão da Normandia, assunto ignorado por Hitler na cena, foi o momento

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decisivo para a virada de mesa na face europeia dos conflitos. E a afirmação de Göring

para Hitler, de que a situação estava controlada, pode abrir o questionamento para duas

alternativas: ou excesso de confiança do alto escalão militar nazista ou falha da

comunicação entre o front ocidental e Berlim. Independente de qual erro, ele se agravava

ainda mais com a liberdade que Hitler dava aos seus subordinados.

A próxima aparição do líder do Reich ocorre aos cinquenta e cinco minutos de

filme. A cena ocorre no Wolfsschanze (Toca do Lobo), um dos QGs da Alemanha nazista

na Segunda Guerra. Sua participação neste momento é discreta, em uma rápida reunião

com oficiais do alto escalão militar para discutir sobre o avanço soviético no front oeste.

Mesmo assim, apenas a sua presença causa efeito entre as outras personagens do filme.

Apenas sua presença já causa silêncio no ambiente onde entra – o que aponta um grande

respeito com o Führer. As formalidades militares também estão presentes nesta cena.

Idêntico efeito gera a próxima cena na qual Hitler “aparece”. Aos noventa e três

minutos, fica presente apenas a voz do ditador por telefone em conversa com o major

Remer (interpretado por Thomas Kretschmann). Apenas uma frase procedida pelo ditador

pelo fone fora o suficiente para o oficial externar uma mudança repentina de postura.

Ambas as cenas ganham um imenso significado se somadas, pois criam o

estereótipo que Hitler passava a seus oficiais. Tanto imagem quanto voz gera poder,

temor e respeito, características de um perfil lapidado durante anos pela propaganda

nazista. O próprio título de Führer – que significa “guia” ou “líder” em alemão – denota o

poder que Hitler criara sob todos na Alemanha. O poder adquirido ainda quando

Hindenburg era presidente crescera antes mesmo da morte deste presidente (ORDOÑEZ

E QUEVEDO, 1999, p. 222). Desde 1932, a liberdade de expressão e imprensa estavam

banidas, assim como a existência de partidos políticos. Polícias especiais do estado (SS e

Gestapo) foram criadas para impor e fazerem valer as novas regras do jogo.

A última aparição de Adolf Hitler no filme novamente é por voz. Aos cento e cinco

minutos, Hitler se dirige ao povo alemão em um pronunciamento no rádio, após sobreviver

a uma tentativa de assassinato. Este é um exemplo de como lançava seus opositores

como grandes criminosos e se louvava um escolhido para guiar o povo. Seu discurso

transmite uma confiança ao receptor, sempre usando de artifícios para ganhar atenção e

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mostrar poder. Fragmentos de nacionalismo compõem o texto, na maioria das vezes com

elementos que atingem positivamente quem escuta. Assim, este é um exemplo de que

Hitler sempre vencia o povo com suas palavras, mesmo transmitindo suas teorias mais

extremadas. No seu contato com o cidadão, usava de seu “nacional-socialismo” para unir

milhões em um mesmo objetivo – aquele que criara para chegar ao poder.

3.4 A QUEDA

A Queda é um dos filmes que retrata com mais fidelidade os momentos finais da

vida de Adolf Hitler. Produto do cinema alemão, a obra possui como protagonista o ator

suíço Bruno Ganz, que representa o ditador no enredo. Como é baseado em fatos reais,

este filme mantém o mesmo caráter neutro e realista de Operação Valquíria.

O filme conta a história do fim do Terceiro Reich, e consequentemente os últimos

dias de Adolf Hitler. A história se passa na cidade de Berlim de 1945 e conta o que

ocorreu nas últimas horas de vida do ditador e de seus próximos. Hitler aparece já no

início do filme, aos três minutos, na escolha da sua nova secretária (fonte da maioria dos

fatos da trama). Ao fazer uma entrevista rápida com cinco candidatas e escolher uma

delas para fazer um teste, Hitler mostra um lado totalmente humano. É gentil, cordial e

mostra cavalheirismo com sua futura assessora, o que gera uma surpresa contida na

jovem.

Logo de início, o filme já apresenta sua imparcialidade nesta cena, advertindo a

possibilidade de em certos momentos não apresentar Hitler como um perverso ditador.

Propostas como tal podem levar este produto a um caráter quase documental,

aumentando sua capacidade de ser relevado como verídico.

Logo ao fim da cena da admissão da nova secretária, há um salto para dois anos

adiante, em 1945. Hitler novamente aparece aos sete minutos demonstrando raiva, assim

como na maior parte do filme. A sua irritação é fruto dos bombardeios e da aproximação

do exército soviético. A sua maior reclamação vem da falta de comunicação, já que não

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34

há uma atualização dos acontecimentos recentes. A irritação de Hitler é a mesma

externada em Operação Valquíria, e com o mesmo motivo: o fato de ser excluído das

informações que vinham dos fronts de batalha. Lembramos que o filme analisado

anteriormente narra a guerra em 1944, e esta análise trabalha a época de 1945. Assim, se

fortalece o indício de que há um erro crônico sendo desvendado através destas obras.

Mas qual seria a razão para tal falha tão exposta nestes filmes?

Logo aos dez minutos, novamente Hitler tem uma aparição, agora discreta, porém

importante. Em uma reunião com o alto escalão nazista, ele esconde sua mão esquerda,

já afetada pelo mal de Parkinson. Esta doença, bastante acentuada no seu último ano de

vida, parece ser uma destas fragilidades que ele desejava esconder. Assim, ele criava

uma projeção totalmente confiável ao povo e aos mais próximos, como se fosse

indestrutível, intocável.

No minuto seguinte, Hitler é tentado a fugir de Berlim antes da chegada do exército

russo. Em mais uma demonstração de força, ele se nega a negociar uma possível

rendição ou algo condicional. Além disso, ainda ele está sob seus princípios totalitários,

negando-se a usar de política e acreditando ainda na vitória alemã. Assim, ele começa a

liberar seus oficiais ao exílio e decide permanecer no bunker.

Aos quinze minutos, Hitler se encontra com sua esposa, suas secretárias e alguns

oficiais em uma sala onde há uma imensa maquete da Berlim pós-guerra. Ao elogiar o

oficial que criou o projeto, Hitler divaga sobre o futuro do Terceiro Reich, prevendo uma

vitória alemã e a hegemonia através da cultura e da arte. Assim, ele é novamente

advertido a fugir para que estes sonhos se concretizem. Questionado, o ditador responde

que não é capaz de fugir – vencendo ou não, ficará em Berlim.

Logo a seguir, em uma reunião com sua cúpula militar, Hitler é contrariado sobre a

resistência nazista em Berlim. Todos os oficiais questionam as suas propostas de

manobras dentro da capital alemã, advertindo-o que não há poderio para tanto. Além

disso, também é considerada a existência de civis nas áreas de combate. Para Hitler,

nesta hora, eles deveriam ser ignorados em nome da vitória.

Nestas duas cenas anteriores, Adolf Hitler mostra uma face debilitada

psicologicamente. Ele fica praticamente cego ante o fim do conflito sem acreditar na

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iminente derrota. Todo o império que construíra durante anos estava ruindo, salvo as suas

vazias convicções. Assim, ele criava uma aura incompreensível aos olhos de quem

presenciava seus últimos dias de vida. Em seu refúgio subterrâneo, ele era o único que

acreditava na virada de mesa através do combate.

Podemos também levantar uma segunda hipótese, na qual o ditador alemão teria

total raciocínio sobre a situação do Reich em março de 1945. Assim, voltamos ao

pensamento anterior que defende uma cultivada imagem de indestrutibilidade criada em

torno do Führer. A aceitação da derrota frente as armas inimigas seria algo impensável

nestas circunstâncias. Os mais próximos a Hitler defendiam o exílio, a negociação com os

Aliados e uma possível volta triunfal ao poder. Mas com o país totalmente destruído como

há dezoito anos antes, que cidadão apoiaria a volta de Hitler? (ORDOÑEZ; QUEVEDO,

op. cit., p. 205).

Aos vinte e um minutos de película, Hitler sai de seu bunker pela primeira vez. Do

lado de fora, um grupo de crianças espera em posição militar para receber uma medalha

de condecoração do Reich. Ao premiá-los, Hitler usa do mesmo característico discurso

nacionalista feito para “conquistar” o povo alemão. Cinco minutos adiante, novamente

Hitler é questionado sobre a situação do povo no meio do bombardeio. O ditador mantém

a sua ideia intacta, falando sobre destruir todos os recursos de sobrevivência no caminho

em que as tropas aliadas passarem. Para ele, o povo terá de sofrer esta consequência

por demonstrar fraqueza na guerra, lei natural dos acontecimentos. Sintetizando seu

pensamento, ele sentencia: “se a guerra está perdida, não importa se o povo também

perecer”.

Aos vinte e nove minutos, há uma nova reunião militar de Hitler com seus líderes

de tropas, e novamente as notícias vindas do front são acentuadamente negativas. Hitler

outra vez se irrita com o descaso dado às informações. Além disso, escancara a sua fúria

com a pouca importância que seus oficiais dão às suas ordens e declara finalmente que a

guerra está perdida. Porém, continua irredutível: promete que ficará em Berlim, não

descartando a hipótese de suicídio.

Aos cinquenta e quatro minutos, Hitler parece estar decidido quanto ao seu fim.

Apresenta à sua esposa e suas secretárias uma cápsula de veneno. Cada uma pede a

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sua – parece não haver mais constrangimento ao falar de suicídio no bunker. Aos

sessenta minutos, mais uma passagem curta, onde Hitler adverte um oficial para que ele

tome certas providências no norte do país, como se ainda ele mantivesse fé na vitória

pela batalha. Esta cena se mostra confusa, até por que o ditador já se mostrara

abertamente descrente de uma virada de jogo. Se não levarmos ao pé da letra sua

atitude, podemos também arriscar que ele faria isto para liberar seu oficial, como estava

fazendo aos poucos. Talvez Hitler assim desejasse morrer sozinho.

Aos sessenta e quatro minutos, Hitler recebe um comunicado de um de seus

maiores oficiais tomando liberdades para prosseguir com o Reich após a morte do ditador.

Isso ilustra que os nazistas que não acreditavam mais no Führer nos últimos dias de

guerra. Hitler não tinha mais pulso sobre seus comandados e o governo alemão parecia

estar sem dono.

O Führer se despede de mais um oficial aos sessenta e nove minutos. Albert Speer,

um de seus homens de confiança (criador da maquete de Berlim antes citada), troca

certas confissões com Hitler antes de fugir. Speer garante ter negligenciado muitas ordens

do Reich, inclusive sobre a morte de civis. Assim, Hitler novamente lamenta não ter

finalizado todos os seus feitos, mas fica satisfeito por ter êxito na Questão Judaica,

confrontando os judeus. Finalizando, ele novamente cita seu programado suicídio sem

qualquer desconcerto.

Este fato amplia bastante a crise do Nazismo nos últimos dias da guerra. Hitler

comandava a Europa com mãos de ferro, mas se ele era louvado por praticamente toda a

população da Alemanha, não tinha total apoio de seus comandados – sobretudo se

falarmos do extermínio dos judeus e manobras militares. Assim, à ordem de liberação, um

pequeno número de comandados decide ficar por uma “promessa de lealdade”, enquanto

a maioria abandona o império em derrocada. No entanto, alguns que pedem ordem de

liberação não são ouvidos pelo Führer.

Já aos setenta e seis minutos de película, o comandante parece já visualizar o

Reich sem ele. Nomeia novos chefes militares e ainda procura encontrar causas pra

derrota. Assim, novamente abre mais uma de suas tantas teorias polêmicas.

A vida não perdoa a fraqueza. Esta suposta humanidade não passa de

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sandice dos padres. A compaixão é um pecado original. A compaixão pelos fracos é traição da natureza. Sempre obedeci esta lei da natureza nunca me permitindo sentir compaixão. Suprimi sem misericórdia a oposição doméstica e brutalmente destruí a resistência de raças estrangeiras. É o único jeito de lidar com isso. Os macacos, por exemplo, pisoteiam qualquer forasteiro até a morte. O que serve para os macacos, serve ainda mais para os seres humanos.

Desta maneira, à primeira vista, sentimos certa repulsa ao ler estas declarações.

No entanto, de onde surge este cruel raciocínio? Voltando ao ano de 1918, no final da

Primeira Guerra Mundial, em que Hitler combateu como soldado da desfalecida

Alemanha. O mesmo Hitler que agora se escondia sob o chão de Berlim é o mesmo que

assistira o império germânico ser considerado o único responsável pelo conflito dos anos

1910. Consequentemente, o país também foi o amplamente prejudicado pelas sanções

impostas pela Tríplice Aliança (Inglaterra, França e Rússia), injustamente ou não

(ORDOÑEZ; QUEVEDO, op. cit., pp. 202-5). Se tivermos uma rasa análise sobre estes

acontecimentos, podemos verificar o retorno ou a vingança do soldado Hitler aos países

que o venceram.

Em seguida, na mesma cena, Hitler recebe a notícia de que mais um oficial abre

mão do Nazismo. Heinrich Himmler, comandante máximo da SS, não só abandonara o

Reich, como também buscava negociações com os Aliados. Assim, Hitler o declara traidor

e o destitui de todos os seus cargos políticos. Até Himmler, o homem em quem mais Hitler

confiava, abriu mão de ficar em Berlim. Tal fato mostra o quão só Hitler andava em seus

pensamentos no fim da guerra.

Aos oitenta e quatro minutos, Eva Braun implora a Hitler que poupe a vida de

Hermann Fegelein, assistente de Himmler e cunhado da primeira-dama. Hitler continua

convicto a eliminar todos os traidores e não atende o pedido da esposa. No minuto

seguinte, Hitler se encontra novamente para discutir a situação do front. Berlim é cada vez

mais aliada. Os imediatos do Führer continuam pedindo que ele fuja. Negativo, ele

continua a mover exércitos que não existem mais para um ataque. A falha na

comunicação continua.

No centésimo nono minuto, Hitler pede à sua secretária que redija seu testamento.

Tudo está se encaminhando definitivamente para o fim. Ele segue uma estranha

dualidade de ações. Parece estar consciente da sua morte nesta cena, mas ora volta

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atrás e enganado ainda tenta uma reação que não terá eficácia alguma. As palavras de

Hitler ditadas ao testamento reforçam a nossa teoria de revanchismo proposta

anteriormente:

Desde 1914, quando investi minha modesta força na Primeira Guerra Mundial, que foi imposta ao Reich, mais de trinta anos se passaram. Nessas três décadas, todas as minhas ideias, ações e minha vida foram ditadas por meu amor e lealdade ao povo alemão. Séculos se passarão, mas das ruínas das nossas cidades e monumentos culturais, nosso ódio será renovado pelos responsáveis pelo povo ao qual devemos tudo isto: os judeus do mundo e seus apoiadores.

A cena seguinte em que Adolf aparece é no seu casamento com Eva Braun, dentro

do próprio bunker. Esta cena e de um caráter emblemático, pois segundo a lei do próprio

Reich, uma pessoa de raça ariana pode se casar apenas com outra pessoa de raça

ariana. Assim, o juiz pergunta: “Meu Führer, o senhor é de pura ascendência ariana?”. À

resposta positiva de Adolf Hitler, o juiz pede para ver seus documentos; porém Goebbels

lhe adverte: “está falando com o Führer”. Não é mais uma novidade falar no poder que

Hitler tinha na Germânia; mesmo sendo austríaco, construiu seu poder elevando os

arianos. Ninguém contestava sua contraditória tese abertamente.

Logo após, Hitler conversa com um oficial que lhe avisa que os soviéticos estão a

vinte horas do esconderijo. Diante das circunstâncias, o ditador garante que as forças

soviéticas vencerão os ocidentais, ainda crendo no nacional-socialismo disciplinador que

prega. Em noventa e cinco minutos de filme, mais notícias desoladoras vindo da

superfície. Os bolcheviques estão chegando cada vez mais perto. Sob a sombra das

notícias, Hitler está cada vez mais decidido: ele e sua esposa Eva cometerão suicídio.

Assim, o ditador ordena um de seus oficiais para queimar ambos os corpos antes que os

russos o encontrem. “Não me deixe cair nas mãos deles, vivo ou morto.”

Hitler começa os trabalhos para o suicídio. Chama um de seus comandantes e

juntos já envenenam seu cachorro. Com uma face cada vez mais debilitada, a partir desta

cena e em outras subsequentes, ele começa a se despedir de seus próximos e ouve

pedidos desesperados para fugir de Berlim. Ao que se parece, mesmo em tal situação, o

Führer ainda é considerado o guia da nação alemã. Assim, em exatos cento e doze

minutos, ouve-se o estrondo da arma. Adolf Hitler e Eva Braun se matam no bunker em

Berlim. O ditador finaliza assim sua vida, preferindo o suicídio à rendição.

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3.5 BASTARDOS INGLÓRIOS

Dividido em capítulos bastante complexos, Inglourious Basterds conta a história

dos Bastardos, um grupo de judeus-americanos que tem a missão de assassinar

brutalmente soldados nazistas, e também de Shoshanna Dreyfus, judia sobrevivente de

um massacre feito pelos soldados liderados por Hans Landa, um oficial nazista conhecido

como o “Caçador de Judeus”. Enquanto os Bastardos promovem a caça aos nazis,

Shoshanna vira alvo da cobiça de um herói de guerra alemão, Fredrick Zoller. Assim como

os Bastardos, Shoshanna também planeja a vingança contra os alemães, e os planos de

ambos se unirão no fim da trama para o grand finale. Em um evento em sua sala de

cinema (o filme da história de Zoller, produzido pelo Terceiro Reich), Shoshanna planeja

atear fogo no cinema, e os Bastardos conspiram um ataque em massa aos nazistas.

Ambas as ações são realizadas com sucesso e todos os nazistas morrem, inclusive Adolf

Hitler.

Bastardos Inglórios é o mais atual trabalho do diretor Quentin Tarantino, diretor de

Kill Bill e Pulp Fiction, entre outros. Conhecido pela extravagância contida em seus

roteiros, Tarantino propôs em Inglourious Basterds um modo mais excêntrico de contar um

fato fictício da Segunda Guerra Mundial: a existência de um batalhão independente de

soldados judeus americanos e suas cruéis matanças em territórios dominados pela

Alemanha nazista. Aliás, o sangue e a violência são características marcantes nos filmes

de Tarantino. Esta produção não foge à regra, principalmente quando o grupo liderado

pelo Primeiro Tenente Aldo Raine (Brad Pitt) entra em cena.

Assim como em Operação Valquíria, Adolf Hitler é coadjuvante na história –

embora sua morte também seja um dos objetivos máximos de ambos os filmes.

Interpretado por Martin Wuttke, o Hitler que conseguimos enxergar é lapidado nos

mesmos moldes excêntricos de Tarantino. Podemos às vezes compará-lo até com

Adenoid Hynkel, o Hitler de Chaplin, por seus trejeitos e exageros em cena. No entanto,

ele constrói um personagem que possuí um padrão de comportamentos semelhante ao

dos outros personagens estudados.

O ditador aparece em algumas cenas em segundo plano, ou de uma forma que não

consigamos traçar um perfil apurado em tais aparições. Apenas aos vinte e quatro

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minutos de filme é que Hitler a sua primeira participação significativa, onde ele reclama da

existência dos bastardos para dois oficiais. Sua irritação é a tal característica que está

presente em todos os outros filmes anteriormente analisados. Ao que se parece, é

pretendido passar a imagem de um Hitler furioso, exigente e que se impõe através da voz.

Realmente, assim ele era, se projetarmos a sua clássica imagem nos discursos, incitando

as massas através dos auto falantes. Mesmo assim, a imagem criada neste filme se isola

um pouco dos padrões criados.

Na cena, Hitler se preocupa com a projeção criada em torno dos bastardos,

principalmente sobre o “Urso Judeu” e sua brutalidade ao matar soldados nazistas. Ele

também considera o poder que os judeus americanos possuem. Assim, ele ordena que o

“Urso Judeu” não deve mais ser chamado assim entre os soldados alemães.

Como podemos ver aqui, Tarantino ironiza Hitler, que não sabe como extirpar o

poder dos bastardos. Assim, ele apela para a fama dos mesmos, ordenando que o nome

de um dos mais famosos não seja pronunciado. Averiguando todas as análises,

visualizamos um Hitler que mantinha a ordem através da disciplina; e muitas vezes a

censura estava presente nesta doutrina. Assim, neste filme, transmite-se a irônica ideia de

que o ditador usava a arma da censura em praticamente todas as situações, desse isso

certo ou não.

Em seguida, Hitler conversa com um soldado alemão que sobreviveu a um ataque

dos bastardos. Preocupado com a repercussão que aconteceria caso um soldado alemão

sobrevivesse para contar a história deste violento grupo, o ditador novamente usa da lei

do silêncio. Para não aumentar ainda mais a lenda, ele ordena que o soldado apenas

justifique que conseguiu escapar, e nada mais. A lógica desta cena segue a da anterior,

assegurando mais uma vez o poder que Hitler tinha sobre a palavra de seus

subordinados.

A cento e um minutos de filme, Hitler declara que assistirá a sessão especial de um

filme que conta a história de um dos melhores soldados alemães:

Repensei a posição sobre a minha participação na sua première de Paris de “Orgulho da Nação”. Conforme as semanas passam, e com os americanos na praia, eu me pego pensando mais e mais neste soldado Zoller. Este rapaz tem feito maravilhas pela moral das tropas. Estou

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começando a pensar que minha participação neste evento pode ser significativa.

Esta cena contribuiu mais para a construção do enredo do que para a formação da

personagem. No entanto, se quisermos aprofundar uma visão sobre ela, podemos supor

que ele valorizaria este filme como uma ferramenta de propaganda do Reich. Como vimos

anteriormente, muitos governos trabalharam esta arma para propagar nestes filmes

nacionalismo e ideologias contrárias a certos tipos de governo. Hitler e Goebbels (que

também aparece neste filme) trabalharam juntos para que o cinema das massas fosse

mais um auto falante com a voz do Terceiro Reich. Neste conceito, a imagem que

podemos analisar é de um Adolf Hitler que realmente acreditava neste poder que as

“casas de espetáculo” tinham de chegar às massas.

Na reta final da trama, quando a sessão de cinema já ocorre, Hitler assiste e se

diverte com as cenas de “Orgulho da Nação”. Inúmeros soldados aliados são baleados

impiedosamente pelo “mocinho” da história e morrem. Nestas cenas (aos cento e trinta

minutos de filme, por exemplo), Hitler chega a rir frente às brutais cenas.

Neste caso a ser analisado, vemos um Hitler comparado ao ditador de A Queda,

que não se importava com a morte de civis alemães. Aqui, Hitler possui um bizarro sabor

de rir das trágicas mortes dos inimigos. Unindo estas visões, encontramos o básico Hitler

que todos conhecemos: o que ignorou vidas alheias e humanidade aos que precisam em

troca de poderio militar, conquistas territoriais e ideologias políticas fanáticas, tudo em

nome do poder do Terceiro Reich, a Alemanha Nazista que ele conquistava cada vez

mais.

No que podemos chamar de grand finale do filme, Hitler é assassinado pelos

Bastardos. Na cena, ocorrem duas emboscadas simultâneas no evento onde reunia

representantes do mais alto escalão político nazista, incluindo o próprio Adolf Hitler. O

incêndio no cinema e o ataque dos Bastardos ocorrem ao mesmo tempo, fazendo

acontecer no cinema um descontrole, um desespero de quem se encontra lá dentro.

Antes mesmo de que Hitler possa pensar, surgem dois dos Bastardos e praticamente

destroem sua face e seu corpo com rajadas de metralhadora.

Este fato final simboliza ao extremo o imenso poder que o cinema atual possui em

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propagar e fazer entrar em harmonia um grande número de ideias diferentes entre si, o

auge da Complexidade proposta por Morin. O exemplo perfeito dessa combinação é

trazer para a mesma análise filmes da mesma década e trazendo o mesmo tema

histórico, só que com enredos totalmente contrários. Enquanto Operação Valquíria e A

Queda traziam o mais real possível dos fatos da Segunda Guerra, Bastardos Inglórios

abre mão deste lado factual para se lançar ao imaginário, quase levando o nosso

inconsciente para as telas. O desejo das massas, o final para a guerra que todos

desejavam, enfim Tarantino traduzia tudo isso para mais um filme, mais uma opinião a ser

debatida entre as tantas outras que pairam no mundo do cinema.

Assim se encerra a fase particular de análise dos filmes. Conseguimos nestes

quatro produtos extrair um enorme feixe de características sobre a imagem de Hitler,

sempre traduzindo uniformemente para o paradigma de Edgar Morin, analisando cena por

cena. Após este estudo aprofundado, na conclusão nos posicionaremos igualmente para

com todos os filmes usados no trabalho, medindo tudo o que foi extraído para formar o

Adolf Hitler feito no cinema.

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4 CONCLUSÃO – O Hitler pelo Cinema

Em quatro filmes que foram objeto de estudo desta monografia, estava definido um

ponto-chave entre eles que foi extremamente determinante – desde a própria escolha dos

filmes até a mais minuciosa análise. Eis a “personagem”. Esta célula do produto

cinematográfico é tão importante que até tem o poder de reger muitas produções – caso

dado às cinebiografias que citamos em nossas teorias. E aqui, há um personagem em

comum em todos os filmes, e ele é Adolf Hitler.

Dentro da construção deste trabalho, uma das perguntas mais significativas a ser

respondida para nós mesmos foi a seguinte: dentro do que foi a Segunda Guerra Mundial,

como formar a imagem de Hitler nos contextos que se encaixam neste cenário? Cada

história segue o seu rumo próprio, tem o seu tempo e enredo particulares, mas há um fato

em comum que norteia tais roteiros, a Segunda Guerra Mundial. E, além disso, todas as

histórias apontam para o personagem Hitler sob uma mesma máxima: ele era o motivo da

guerra.

Desta maneira, há uma forte ligação com Cinema e História. Igualmente aos fatos

da primeira metade do século XX; aqui podemos ver novamente vários filmes do mesmo

tema com pontos em comum. Hitler assim se transforma em símbolo de referência nestes

trabalhos e, assim como na época supracitada, os filmes de agora são comparados por

ele.

Começando por O Grande Ditador, Adenoid Hynkel representava todo o “lado do

mal” do filme, desde a ação repressora da polícia da Tomania até as próprias atitudes

avarentas. Passando para Operação Valquíria, Hitler é desde o início o alvo da história, o

inimigo a ser derrubado; sua morte determinaria o fim da guerra. Em A Queda, Hitler

conduz a sua cinebiografia debatendo-se nos seus dias finais, recheados de erros e

impulsos equivocados. E em Bastardos Inglórios, mesmo sendo coadjuvante, Hitler vira

um troféu de cobiça para os rivais do nazismo.

Nesta linha de raciocínio, podemos ver Adolf Hitler nos filmes quase sempre como

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um vilão. Sua porção antagônica não se revela única apenas em A Queda, onde ele

mostra um lado mais humano e tem até a sua crueldade questionada em certas cenas.

Nas outras produções, ele é sempre colocado como um cruel adversário a ser batido –

lembrando que sempre a morte de Hitler simbolizaria o fim da guerra.

Convém também ressaltar que os filmes se dividem em duas classes. A Queda e

Operação Valquíria compõem os filmes baseados em fatos reais. Neles, a imparcialidade

surge para condicionar o espectador a sempre esperar atos sem classificá-los ou

segmentá-los. Já o segundo grupo é composto por O Grande Ditador e Bastardos

Inglórios, filmes que tiveram suas histórias inventadas, com fatos que não aconteceram

na realidade. Ambos contêm uma imensa dose de sarcasmo, porém consideráveis

perante as identidades de Chaplin e Tarantino lapidadas no cinema. Em suma,

desvendamos duas linguagens opostas nestes filmes: a neutra e a irônica.

Acompanhando esta análise complexa sobre os filmes, logo partiremos para o

personagem. Estamos identificando muitas disparidades entre os filmes, e isto nos

ajudará a categorizar Hitler de acordo com a proposta de cada produto, a intenção de

cada diretor. Com essa análise, em que formato de personagem conseguiremos chegar?

Conforme as considerações estabelecidas acima, delimitamos algumas faces de

Adolf Hitler que estes filmes transpareciam ao espectador, chegando a tal resposta.

A FIGURA DE ADOLF HITLER

Em todos, os filmes pudemos presenciar a figura de Adolf Hitler voltada para o

nacional-socialismo nazista. Sua ideologia escorria ou em discursos públicos ou em

conversas particulares, mas sempre baseada em suas convicções pessoais.

Em cenas de O Grande Ditador, Adenoid Hynkel valoriza o povo alemão e suas

façanhas, engrandece-os. Em outras cenas, ele ignora os judeus e não lhes dá muito

valor. E pouco a pouco, as apologias ao antissemitismo crescem cada vez mais. Outro

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discurso presenciado é em Operação Valquíria, pelo rádio ele avisa que sobreviveu a um

atentado. Suas palavras são de total controle da situação, e ousa falar que sobreviveu por

ordem divina, para levar o seu mandato até o fim.

Em conversas pessoais (muito mais frequentes nos filmes), a mesma linha se

segue. Ainda em Operação Valquíria, Hitler é ainda mais incisivo. Vai fundo em suas

teorias, fazendo referências de suas ideologias com o campo das artes, sempre buscando

embasamento para fortalecer as suas palavras. Em A Queda, ele chega ao seu ápice,

externando muito das suas opiniões e julgando todos os seus inimigos. É extremamente

antissemita e divulga todas as suas ideias de extrema direita. Já no filme de Tarantino, ele

esbarrou em um fato que ameaçaria seu nome na guerra. No entanto, ele usa do seu

poder para manipular a história ocorrida e abrandar o pós-caso.

Montando um quebra-cabeças dessas quatro análises, o que mais podemos ver é a

imagem política de Hitler. A face passada por estes quatro filmes é do ditador de palanque

visto pela Alemanha e pelo mundo até 1945. Suas ideias transpassadas por suas palavras

eram convictas, baseadas em um raciocínio que ele mesmo criara e impunha através da

palavra e da força. Assim, cresce ainda mais a sua figura antagônica nas histórias, pois o

nazismo sempre é julgado como repressor e contra as leis da liberdade. Este é o maior

ponto onde podemos encontrar uma propaganda antinazi; as próprias palavras de Hitler,

sempre repugnadas por quem ouve nos dias atuais. O Terceiro Reich se movia sobre os

pilares deste discurso, e assim ele se tornou o Führer alemão: baseado nas verdades que

ele próprio criara.

Ligada a esta, surge também um lado autoritário, apresentado pelo personagem nos

filmes que reforçam a sua imagem de vilão criada no perfil anteriormente analisado. As

demonstrações de poder são bastante visíveis em todos os filmes, a exceção de

Operação Valquíria.

Em A Queda, Hitler é totalmente autoritário, mesmo sabendo que está nos últimos

dias de vida. Nomeia e rebaixa oficiais por livre e espontânea vontade, move exércitos

deteriorados pelo inimigo e dá inúmeras outras ordens, mesmo não obtendo êxito. A

fraqueza de suas palavras nos dias que são contextualizados neste filme é uma prova de

que ele morreu com o perfil que o elegera chefe de seu país. Não importava o que estava

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acontecendo, ele sempre era o controlador da situação.

Nas duas sátiras que temos, este lado autoritário é zombado por Chaplin e

Tarantino. As ordens dadas nestes casos são quase absurdas; ora para ocultar uma

informação verdadeira, ora por simples vontade própria da personagem. O fato é que

Hitler se mostrava sempre no controle, impositivo, no domínio. Esta face se relaciona

bastante com o seu jeito nazista antes relatado, mostrando ligações entre um e outro

perfil.

Todos os cineastas também procuraram passar um perfil orgulhoso do ditador. Como

mais um ponto para fortalecer o seu antagonismo, eles mostram um Hitler que não ousa

se entregar em A Queda, fortalecido por seus ideais nazistas. É o mesmo orgulho

presente na caricatura Adenoid Hynkel em O Grande Ditador e do próprio Hitler em

Operação Valquíria. Não fosse por esta característica, talvez Hitler teria tido soluções

mais racionais que mudariam o curso da guerra – como fugir antes da chegada dos

bolcheviques em A Queda, ou não ter ido na sessão de cinema em Bastardos Inglórios.

Na ficção ou no espelho da realidade, Hitler mostra uma face endeusada, ora por seu

autoritarismo nato, ora pela extrema convicção nos seus preceitos nazis.

Por estas suposições, propomos desenhar tal caráter na imagem de Adolf Hitler no

cinema. Acreditamos que sob todos estes filmes, Hitler surge como uma figura um tanto

híbrida, entre o soldado vingativo da Alemanha e a autoridade nazista lapidada pelo

Reich. Ele cresce assim de acordo com a multiplicidade de funções que os fragmentos

das cenas vão ganhando, ora colaborando para uma imagem, ora para outra. Dessa

forma, estas duas imagens crescem juntas, uma dependendo da outra, equilibrando-se

sobre discursos, pensamentos, reflexões e ações do Führer, sempre sendo retransmitidas

por estes filmes e sendo eternizadas na mente do espectador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: MORIN E HITLER SE DESPEDEM

Ao finalizar esta monografia, creio que chegamos ao resultado esperado. A análise

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feita aos filmes foi de grande valia e o estudo ao Paradigma da Complexidade foi

determinante para a construção deste trabalho. Obviamente, estes filmes poderiam ser

muito melhor analisados e relativizados, mas para um trabalho pessoal, acredito que

obtivemos uma bastante satisfatório.

Encerramos esta monografia de uma forma bastante diferente de quando

começamos. O interesse pelos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial foi em

grande parte favorecido através desta pesquisa e das análises feitas sobre os filmes.

Desvendar novas impressões após um profundo estudo baseado pelo Paradigma da

Complexidade abriu portas para novas pesquisas, sempre fazendo lembrar que o diálogo

e a combinação de diferentes ideias é o ponto diferencial deste método.

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REFERÊNCIAS

A QUEDA: AS ÚLTIMAS HORAS DE HITLER (DER UNTERGANG). Oliver Hirschbiegel,

Alemanha, Bavária Filmstudios, 2004.

BASTARDOS INGLÓRIOS (INGLOURIOUS BASTERDS). Quentin Tarantino,

EUA/Alemanha, Quentin Tarantino, Universal, 2009)

FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

IMDB (Internet Movie Data Band). Site disponível em: <http://www.imdb.com>. Múltiplos

acessos.

MERTEN, Luís Carlos. Cinema – um zapping de Lumière a Tarantino. Porto Alegre:

Artes e Ofícios, 1995.

MORIN, Edgar. A Religação dos Saberes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004

O GRANDE DITADOR (THE GREAT DICTATOR). Charles Chaplin, EUA, Charles Chaplin

Productions, 1940)

OPERAÇÃO VALQUÍRIA (VALKYRIE). Bryan Singer, EUA/Alemanha, MGM, 2008.

ORDOÑEZ, Marlene; QUEVEDO, Júlio. História. São Paulo: IBEP, 1999.