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1 HISTÓRIA E RESTAURAÇÃO DA CAPELA SISTINA Gostaria de agradecer calorosamente a oportunidade que me foi concedida pela Universidade Estácio de Sá, ao Magnífico Reitor, Dr. Gilberto Mendes de Oliveira Castro, às autoridades presentes, à Dra. Daisy Ketzer, com quem já tive o prazer de trabalhar no passado e pela qual nutro uma grande estima pessoal e
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Feb 10, 2018

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HISTÓRIA E RESTAURAÇÃO DA CAPELA SISTINA

Gostaria de agradecer calorosamente a

oportunidade que me foi concedida pela

Universidade Estácio de Sá, ao Magnífico Reitor,

Dr. Gilberto Mendes de Oliveira Castro, às

autoridades presentes, à Dra. Daisy Ketzer, com

quem já tive o prazer de trabalhar no passado e

pela qual nutro uma grande estima pessoal e

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profissional; agradeço ao IILLA - Instituto Ítalo-

Latino-Americano - e ao Ministério Italiano do

Exterior, que me deram a oportunidade de

retornar ao Brasil com um curso ligado à

formação em restauração e que está em

andamento no Rio Grande do Sul, em Ilópolis

(moinho da imigração italiana) e São Miguel

(cerâmica missionária); finalmente, gostaria de

agradecer, pela confiança em mim depositada

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nestes anos, ao Prof. Andrea Papi, organizador e

coordenador desses cursos na América Latina,

com quem tive o prazer e a sorte de colaborar, e

cuja experiência no setor de formação

profissional em restauração permitiu, a mim e a

outros colegas italianos, levar e comparar a

nossa própria formação profissional além dos

limites de nosso país.

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Falar da Capela Sistina, de Michelangelo e da

“grande maniera” - como definiu Giorgio Vasari o

estilo do artista - necessitaria mais de uma

conferência. Assim, me concentrarei somente

em alguns aspectos históricos, pictóricos e

técnicos que foram de ajuda, se não

fundamentais, para as intervenções de

restauração deste grande complexo.

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HISTÓRIA E FUNÇÃO DA CAPELA SISTINA

A “Grande Capella” foi citada pela primeira vez

em 1368, e deve ter sido construída após o longo

exílio dos Papas em Avignon, França, que durou

de 1305 a 1367, mantida em parte (paredes até

peitoris), na refundação do Papa Sixto IV, do

qual depois recebe o nome.

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O início dos novos trabalhos por obra do Papa

della Rovere é no ano de 1477.

Recordemos que a função da Capela - “Capella

Papalis” ou “Capela Pontifícia” - é a de ser a

sede do Conclave (reunião do Papa e dos

Cardeais) e lugar de prece.

Reunia geralmente 200 pessoas

aproximadamente, entre eclesiásticos e laicos,

dentre os quais somente alguns se beneficiavam

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dos lugares sentados no espaço delimitado pelo

balaústre, espaço este chamado “Sancta

Sactorum”.

A Capela era iluminada dia e noite por braseiros

(bracieri) de velas e tochas acesas.

A estrutura externa, fortificada e quase

inacessível, parece estar simbolicamente ligada

ao programa político de defesa e de ataque do

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Papa, que organizava uma nova cruzada contra

os turcos.

A abóbada era originalmente decorada em azul

com estrelas de ouro, de autoria do pintor Pier

Matteo d’Amelio; nas paredes laterais havia uma

série de histórias em afresco, obra dos pintores

Perugino, Botticelli, Signorelli, Rosselli, além do

afresco da parede do fundo, também de

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Perugino, e que Michelangelo destruiu para

substituí-lo pelo Juízo Universal.

O piso, em mosaico, foi executado em “OPUS

ALEXANDRINUM”, isto é, composto de pedaços

de mármores preciosos, dispostos segundo um

esquema geométrico.

Assim se apresentava a Capela Sistina, antes

que Michelangelo iniciasse seu trabalho na

abóbada.

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Michelangelo, reconciliado com o Papa Giulio II

Della Rovere para o qual não havia concluído seu

monumento fúnebre, e tendo vencido o arquiteto

Bramante - que pressionava o Papa para que o

trabalho da abóbada da Sistina fosse confiado ao

seu jovem protegido e conterrâneo, Rafaello -,

iniciou o projeto da abóbada em maio de 1508,

concluindo-a em 1512.

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Logo de início tornaram-se evidentes dois

problemas: a organização das histórias sobre

uma superfície de cerca de 550 metros

quadrados à altura de 20 metros, e pintar sem

criar obstáculos às funções religiosas que

diariamente aconteciam na sala sob a abóbada.

No primeiro projeto, parece que o Papa Giulio II

teria pedido ao artista para pintar a imagem dos

12 Apóstolos e uma decoração em estilo

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grotesco, mas que Michelangelo, após um

primeiro esboço organizativo das figuras e dos

elementos decorativos, teria demonstrado sua

perplexidade ao Papa que, então, deu-lhe carta

branca tanto para o projeto iconográfico quanto

para a sua organização.

A abóbada transformou-se, assim, num grande

“rotulo” ou livro ilustrado, com 9 histórias

dedicadas ao Genesis, 12 quadros laterais

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retratando Profetas e Sibilas, 4 penachos com as

Milagrosas Salvações de Israel, 8 velas e 12

lunetas com os ascendentes (antepassados) de

Cristo.

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Andaime

O primeiro problema que Michelangelo teve que

enfrentar para poder iniciar o trabalho foi o

andaime. A Capela, como já foi dito, era um dos

lugares canônicos da vida litúrgica: todos os

dias, ali, se realizavam funções religiosas,

particularmente missas vespertinas.

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Inicialmente, o Papa encarregou Bramante de

projetar uma estrutura que servisse às várias

exigências técnicas de realização dos trabalhos

dos afrescos, e que não interferisse na

continuidade das funções religiosas no espaço

embaixo. O projeto de Bramante deveria ser

segundo Vasari, uma plataforma suspensa

sustentada por cordas que, passando por

buracos abertos na abóbada, se enganchavam

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presumivelmente nos caibros do teto. Esta

solução, porém, não agradou a Michelangelo,

que contestou perguntando como faria para

fechar os buracos depois de terminada a pintura

na abóbada.

Michelangelo projetou então um andaime aéreo,

apoiou-o a traves curtas projetadas das paredes,

inseridas em furos (que foram descobertos na

ocasião da restauração) nas laterais das janelas

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e praticados, provavelmente, alargando as

aberturas preexistentes destinadas ao encaixe

de andaimes, utilizadas no século XV.

O aspecto deste andaime aéreo, em suas linhas

essenciais, está documentado num esboço

desenhado à margem de um estudo para a

“Criação do Homem”. Através deste desenho

depreende-se que a estrutura realizada por

Michelangelo tinha na parte superior, uma

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plataforma da qual o artista pintou a “História da

Criação” e os “Nus”, e nas laterais, duas escadas

de onde ele pintou as velas e as histórias dos

“Videntes”.

Michelangelo ligou a ponte a três arcadas, de

modo a poder trabalhar naquela metade da

Capela que vai da parede da entrada até a

“Criação de Eva” inclusive, parte que foi

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descoberta para ser vista somente em 15 de

agosto de 1511.

Além disto, dado o tipo de estrutura, a luz

natural era escassa porque o andaime “cortava”

as janelas e impedia, também, a passagem de

luz para o alto.

A luz, portanto, era do tipo rasante e servia

somente para a própria movimentação e para o

deslocamento de objetos; isto significa que

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Michelangelo fez uso de luz artificial,

provavelmente utilizando lanternas fechadas.

Para a última restauração, se reconstruiu a

estrutura do projeto de Michelangelo,

aproveitando-se as aberturas originais de apoio;

porém, diferentemente do projeto de

Michelangelo que encobria metade da Capela e

era fixo, o atual encobria somente uma arcada e

meia, e era móvel.

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Técnica

A técnica pictórica de Michelangelo demonstra

seu conhecimento do “buon fresco”, descrito por

Cennino Cennini em seu Il libro dell’Arte, tendo

ele trabalhado como aprendiz no atelier de

Ghirlandaio, nos afrescos de Santa Maria Novella

de Florença.

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O reboco (intonaco) da Capela Sistina, porém, é

diferente daquele usado em Florença, porque

feito de cal de travertino e “pozzolana” (material

vulcânico proveniente de Pozzuoli, próximo de

Nápoles e Pompéia), materiais inexistentes em

Florença.

Esta massa (malta) é particularmente forte,

compacta e estável, tanto que o ciclo pictórico

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se conservou quase inalterado até os nossos

dias.

O desenho das várias figuras, ainda visível em

algumas áreas, é passado por meio de cartões,

através da técnica do “spolvero” (pó) e incisão

indireta ou direta.

Michelangelo pinta velozmente, com uma

espécie de guache sobre parede, obviamente

ainda úmido, executada com tinta quase sem

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espessura, aplicado por veladuras, e

freqüentemente aproveitando, em transparência,

o tom do reboco existente sob a pintura.

Somente pequenas áreas, com a finalidade de

reforçar o aspecto decorativo, foram tratadas a

têmpera, isto é, “a secco”.

Na prática, Michelangelo desenhou pintando, ou

melhor, pintou desenhando, usando as cores

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com a mesma habilidade com que utilizava suas

ferramentas de escultor.

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Restaurações históricas

Domenico Carnevali, pintor de Módena, já na

metade do século XVI, executou uma importante

restauração nos afrescos danificados por

movimentos estruturais da abóbada (dedos do

Adão da “Criação”), trabalhando com o “buon

fresco”.

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Annibale Mazzuoli restaurou a abóbada em 1710

- 1712 polindo a superfície com esponja e vinho

grego, fixando rebocos com grampos de bronze

em T deixados à vista, ou inseridos na parede e

estucados e reavivando as cores com cola

animal bem fluida.

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Causas do estado de degradação e restauração

Os exames de laboratório revelaram que a

tonalidade escura da superfície da abóbada,

além de ser devida, principalmente a poeira

gordurosa e a fuligem preta, era proveniente

também da aplicação de camada de cola animal

de constituição protéica, claramente aplicada

muitas vezes e em tempos diversos.

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Justamente esta cola era a responsável pelos

descolamentos e quedas de partes da camada

pictórica porque ao contrair-se, arrancava a

camada pictórica em seus pontos mais frágeis.

A restauração era portanto não apenas

necessária, mas improrrogável, e teve início em

1981 a partir das lunetas, seguindo-se a abóbada

e finalmente o “Juízo Universal”.

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Pensou-se que a cola pudesse ter sido aplicada

por Michelangelo, porém é sabido que o artista,

quando queria acrescentar outras cores sobre

uma película cromática já seca, estendia uma

fina camada de cal como base sobre a qual

aplicava outras cores.

Os testes revelaram também traços de fuligem

preta (nerofumo) e de poeira sob a cola - prova

inequivocável de que a cola foi aplicada não

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diretamente sobre a tinta, mas quando as

pinturas já haviam começado a sujar-se.

Desde o início, a abóbada e as lunetas tiveram

grandes problemas de umidade. As infiltrações

de água produziam um embranquecimento da

superfície pictórica por causa das formações

salinas, que se estratificavam sobre os afrescos

em uma fina pátina uniforme e aspecto de gesso.

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O embranquecimento se manifesta, obviamente,

com a evaporação da água, portanto, pode-se

pensar que os antigos trabalhos de restauração,

executados em várias ocasiões com a cola,

tivessem a intenção de reavivar as cores para

mascarar as grandes manchas salinas que

afloravam.

A partir dos resultados obtidos nas análises,

pode-se deduzir, portanto, que a cola foi aplicada

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sobre os afrescos da abóbada e das lunetas

depois que os afrescos do “Juízo Universal”

foram concluídos.

A cola, aplicada bem líquida a quente, ou

mantida líquida a frio com a adição de um forte

percentual de vinagre, assumia a mesma função

que tem a demão de verniz final dada sobre as

pinturas a óleo.

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A cola, usada como isolante dos rebocos e como

base preparatória, era prática antiquíssima da

qual fala C. Cennini na técnica da pintura mural

“a secco”.

Os restauradores do passado utilizavam esta

técnica sobre os afrescos todas as vezes que

previam dever recorrer a grandes reparações e

repinturas, ou para reavivar as cores.

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É justificável portanto, pensar-se que a figura do

“mundator” (encarregado da limpeza dos

afrescos), criada pelo Papa Paolo III em 1543

para a manutenção do “Juízo Universal”,

servisse também para sanar a ação das

formações salinas da abóbada.

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Restauração

A restauração foi coordenada pelo Diretor do

Gabinete de Pesquisas Científicas dos Museus

do Vaticano, Dr. Nazareno Gabrielli, e pelo

restaurador chefe Gianluigi Colalucci; as

tomadas fotográficas foram da Nippon Television

Network Corporation de Tókio, que detém os

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direitos das publicações das imagens da Capela

Sistina restaurada.

A limpeza de uma pintura, como disse Brandi,

mais do que um problema técnico, é um

problema crítico; nesta fase da restauração,

portanto, é fundamental o aporte crítico do

historiador de arte, juntamente com o do químico

e o do restaurador.

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Para a Sistina, o problema foi contraditório e

problemático, justamente pelas várias

intervenções precedentes das quais já falamos.

Escolheu-se então uma limpeza que retirasse as

matérias estranhas à pintura original, mas que

respeitasse aquela ligeira camada de sujeira que

se formara e fixara sobre o afresco já nos

primeiros anos de vida.

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Mistura de solventes estudada pelo ICR, código

AB57: bicarbonato de amônia, bicarbonato de

sódio, Desogen, fungicida e tensoativo,

carboxilmetilcelulose em H20 (gel).

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Método de limpeza

A mistura, de consistência gelatinosa, foi

aplicada a pincel, por um período pré-

determinado (3 minutos), e removida com

esponja natural macia, embebida H20 destilado

(água destilada).

As partes “a secco”, sendo sensíveis à água,

foram limpas de modo diferente. Após

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individualizadas, foram consolidadas e

impermeabilizadas com Paraloid B72, dissolvido

em diluente nitro (sucessivamente, após

concluída a limpeza, o Paraloid foi retirado com

compressas de diluente nitro e papel japonês).

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Retoque e consolidação

Injeções de Vinnapas e recolagem das peças de

reboco; descamações fixadas com Paraloid B72;

estucagem com massa de cal e “pozzolana”.

A reintegração - bastante reduzida graças à boa

conservação dos afrescos – foi executada a

aquarela com pinceladas, por meio do sub tom

do traçado estucado, facilmente reconhecíveis.

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Evitou-se recorrer às tintas neutras nas grandes

lacunas porque, devido à quase total integridade

da pintura, à grande distância, as formas da zona

neutra poderiam enganar, criando a ilusão de

objetos. Foi conservada somente aquela grande

zona da primeira arcada, resultante da explosão

do paiol de pólvora do Castelo de Sant’Angelo

em 1797, porque a perda quase total de um “Nu”

não podia ser preenchida.

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Juízo Universal

Também no Juízo, inaugurado em 1541, a

restauração trouxe à luz as cores esquecidas há

séculos, escondidas por um contínuo depósito de

poeira, de fuligem negra, e de substâncias

estranhas, prevalecendo a cola animal que

criaram um terreno de cultura ideal para os

microorganismos. Aqui, à cola usada como

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reavivante, os antigos restauradores juntaram

também um pequeno percentual de óleo vegetal

(óleo de linho) que foi absorvido de modo não

homogêneo.

Uma situação extremamente particular e

complexa era apresentada pela grande

superfície do “céu”, sobre a qual se destacam as

figuras dos protagonistas do Juízo Universal.

Esta superfície encontrava-se quase totalmente

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sulcada por uma série de pinceladas horizontais

- compactas e finas na parte alta, largas e bem

definidas na parte baixa.

Num primeiro momento pensou-se em uma

limpeza feita a pincel, usando vinho acidificado

(vinagre). Observou-se, porém, que aqueles

sulcos não tinham gotejamentos; além disso, as

análises demonstraram que o vinagre não

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consegue descolorir o lapis-lázuli, contido no

azul ultramar utilizado no “céu”.

Pensou-se então numa limpeza efetuada com a

lixívia (solução alcalina) contida na cinza úmida

e que, sendo semi-sólida, poderia ser aplicada,

sem coar, com pincel.

Uma outra possibilidade poderia vir do fato de

que os sulcos seriam as marcas de retoques a

seco, atualmente perdidos, e destinados

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originariamente a reforçar certas áreas do céu,

especialmente na parte baixa, para mascarar as

junções provocadas entre uma e outra jornada

de trabalho.

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Limpeza

A limpeza do Juízo naturalmente levou em conta

a descontinuidade do estado de conservação da

obra, de modo a equilibrar ao máximo o

resultado.

Lavagem preliminar com H20 destilada e,

sucessivamente, com uma solução de H20 e

carbonato de amônia, alternada com uma fase

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de diluente nitro. Após 24 horas, uma 2ª solução

de carbonato de amônia aplicada através de 4

folhas de papel japonês. Remoção com esponja

esterilizada embebida na mesma solução e,

enfim, H20.

Sobre as figuras, o resultado obtido foi

excelente; para o céu, um tempo de

permanência menor do solvente e remoção da

sujeira com tamponamentos com esponja.

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Concluída a limpeza, colocou-se a questão dos

“calções” (braghettone) que já havia começado a

suscitar polêmicas antes mesmo de as obras de

restauração serem iniciadas.

Da documentação reunida nos Arquivos do

Vaticano, resulta que foram executadas três

intervenções da Censura, duas das quais - a

primeira durante o pontificado de Pio IV, a

segunda durante o pontificado de Pio V -

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ocorridas logo após o Concílio de Trento de

1564.

A primeira intervenção na obra de Michelangelo

(documento sem as intervenções da censura, em

uma cópia da autoria de Venusti, conservada em

Nápoles e datada de 1549), foi confiada a

Daniele de Volterra, pintor da “entourage” do

próprio Michelangelo e seu amigo de longa data.

São dele a repintura integral de São Biagio, e a

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parcial de Santa Catarina. Ambas as repinturas

foram feitas “a buon fresco”, removendo o

estuque original e transferindo o desenho do

novo cartão por incisão.

A segunda intervenção foi de Carnevali, no final

de 1500.

A terceira é uma intervenção de 1700, muito

criticada na época: num texto de 1766, lê-se que

“artistas realmente medíocres se preocuparam

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em cobrir com panos as mais belas figuras nuas

da pintura de parte do Juízo”.

Atualmente, graças ao emprego de diversas

substâncias pictóricas reveladas pelas

diferentes fluorescências obtidas sob raios-

ultravioleta, foi possível distinguir bem as

características de cada uma das três

intervenções. E, naturalmente, acendeu-se uma

discussão polêmica entre os que queriam retirar

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todo o tipo de acréscimo indevido, isto é, que

não fossem de Michelangelo, e os que

pretendiam que fossem mantidas todas as

sucessivas intervenções por sua importância

histórico-documental.

Optou-se pela retirada dos acréscimos do século

XVIII, identificados, que diminuíam a obra, e

conservar como testemunho histórico aqueles do

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século XVI, executados após o Concílio de

Trento.

Não foi privilegiado, portanto, um método

operacional abstrato, desligado da realidade da

obra, mas sim, uma vez mais, foi a própria obra -

estudada conjuntamente por históricos de arte,

químicos, biólogos, físicos, restauradores - que

nos levou a uma metodologia de intervenção

racional.

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O progresso da técnica e a evolução do

pensamento, certamente poderão, no futuro,

oferecer a possibilidade de outras soluções.

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SLIDES

1 – Abóbada da Capela Sistina, antes da

restauração.

.A e .B – interior da Sistina.

2 – Ambrogio Brambilla, Capela Sistina durante

uma função religiosa, 1562 (incisão a buril)

3 – Michelangelo, desenho da seção do andaime

da Sistina, Florença, Uffizi.

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4 – Michelangelo, desenho do artista trabalhando

na abóbada da Capela Sistina, Florença, Arquivo

Buonarroti.

5 – Modelo do andaime de restauração da

abóbada.

6 – Andaime durante a restauração.

7 – Restauradores trabalhando, filmados pela TV

japonesa.

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8 – A e B – Figura e mão nas quais são visíveis

traços do “spolvero”.

9 – Adão, reboco à vista no olho e nos cabelos –

aplicação de pinceladas cruzadas sobre rosto –

linha contorno do cartão sobre perfil.

10 – Nu (part.), desenho do perfil, boca, olho.

11 – Pecado Original (part.), rosto de Eva coberto

de cola.

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12 – Pecado Original (part.), anjo – incisão

indireta.

13 – A e B: Nu antes e durante a limpeza.

14 – A e B: gráfico das “giornate” – dias de

trabalho em afresco.

15 – A e B: Lunetta de Roboan: A – após a 1ª

limpeza, visíveis as formações salinas; B –

retirada das formações salinas e limpeza

ultimada

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16 – Criação, particular da integração à aquarela,

traço cruzado.

17 – A – Punição de Aman, antes da limpeza.

B – antes da limpeza com água,

C – aplicação de mistura solvente

D – remoção da mistura solvente,

E – afresco molhado, limpeza concluída.

18 – Juízo Universal antes da limpeza.

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19 – Juízo Universal: esquema das repinturas

“a secco” vermelhas, afresco azul.

20 – A abóbada da Sistina: limpeza terminada.

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Palestra da Profª. Cecília Santinelli em

09/06/2005 na Universidade Estácio de Sá,

Campus Centro I.

Tradução e revisão

Alessandra Gibelli

Sonia Gibelli

Daisy Ketzer