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Historia Da Fisica

Nov 03, 2015

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Artigos, ensaios e resenhas
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  • Histria da fsicaArtigos, ensaios e resenhas

    Cssio Leite Vieira

  • Histria da FsicaArtigos, ensaios e resenhas

  • Histria da FsicaArtigos, ensaios e resenhas

    Cssio Leite VieiraInstituto Cincia Hoje (RJ)

    1a edioRio de Janeiro, 2015

  • Para Alicia, Joo e Elvira.

    E para os alunos do CBPF, na esperana de que estacoletnea despretensiosa

    desperte neles o apreo pela histria da fsica.

  • I N T R O D U O

    Os textos desta coletnea so reportagens, breves entrevistas, ensaios e resenhas. Todos em linguagem simples; portanto, para o grande pblico o que no exclui pesquisadores, dada a comparti-mentalizao do conhecimento na atualidade. Podem ser divididos em duas categorias (histria da fsica e histria da fsica no Brasil) e no esto apresentados em ordem cronolgica da publicao.

    Alguns dos textos foram escritos em coautoria com o Prof. Dr. Antonio Augusto Passos Videira, do Departamento de Filoso-fia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), amigo e colaborador de longa data.

    As verses aqui reunidas so, em geral, as brutas, ou seja, as enviadas para editores das publicaes, os quais, no raramente, as encurtaram e, na maioria das vezes, as aprimoraram. Portanto, o contedo aqui apresentado de minha inteira responsabilidade. Alguns ttulos foram alterados; informaes, acrescentadas; erros e desatualizaes, corrigidos.

    Os textos podem ser lidos de forma aleatria. Porm, o preo dessa autossuficincia haver irremediavelmente trechos e temas sobrepostos. De antemo, peo a pacincia do(a) leitor(a).

    Se julgado como leitura instrutiva e agradvel, este livro ter cumprindo seu papel; se servir para despertar nos graduandos e ps-graduandos em fsica o interesse pela histria dessa disciplina, dar satisfao extra a este autor.

  • Agradeo aos veculos que me deram autorizao para repro-duzir os textos aqui reunidos. Entre eles, Cincia Hoje, Folha de S. Paulo, Scientific American Brasil, piau, Revista de Histria da Biblioteca Nacional, Cincia e Sociedade (Centro Brasileiro de Pes-quisas Fsicas), Revista Pittacos, Caderno Brasileiro de Ensino de Fsica e Jornal da Semana de C&T.

    Deixo tambm registrado meu agradecimento ao Prof. Dr. Ivan dos Santos Oliveira Jnior, do CBPF, cuja iniciativa permitiu no s a publicao (em formato eletrnico) desta coletnea, mas tambm a distribuio gratuita dela aos participantes da Escola do CBPF 2015.

    C.L.V.Rio de Janeiro (RJ), julho de 2015

  • S U M R I O

    MUNDO

    O centro de todas as coisas - um sculo da descoberta do ncleo atmico / 13Folha de S. Paulo e Cincia e Sociedade

    Ases indomveis _ 50 anos da proposio dos constituintes dos prtons e nutrons / 24Folha de S. Paulo

    Trilogia Bohr _ 100 anos do modelo que levou a fsica quntica ao interior do tomo (com Antonio Augusto Passos Videira) / 34Folha de S. Paulo

    Teorema de Bell _ 50 anos da descoberta mais profunda da cincia) / 44Folha de S. Paulo

    Einstein _ paradoxos para alm da relatividade / 55Folha de S. Paulo

    Um sculo do quantum _ a natureza descontnua da energia / 64(com Antonio Augusto Passos Videira)Folha de S. Paulo

    100 anos do eltron _ a partcula que mudou a histria do tomo / 78Folha de S. Paulo

    Neutrinos _ o nascimento da partcula-fantasma / 82Folha de S. Paulo

    Rio+20 _ clima, filosofia e histria da cincia / 85Folha de S. Paulo

    Sejamos pragmticos... _ um bson de Higgs serve para qu? / 90questes da cincia, piau

    Tennessee Williams _ influncias da cosmologia e relatividade? / 94questes da cincia, piau

    Meninas de exatas _ para garotas que gostam de nmeros e frmulas / 100Folha de S. Paulo

  • BRaSIl

    Quando o Brasil ajudou a fsica do Japo / 104Scientific American Brasil

    Chacaltaya _ um laboratrio nas nuvens / 117 (com Antonio Augusto Passos Videira)Scientific American Brasil

    O Eclipse de Sobral _ comprovao cientfica ou histrica da teoria da relatividade?) / 130Revista de Histria da Biblioteca Nacional, Cincia e Sociedade e Cosmos e Contexto

    Einstein no Brasil _ 90 anos da visita do autor da relatividade Amrica do Sul / 137Folha de S. Paulo

    Lattes (1924-2005) _ nosso heri da Era Nuclear... 10 anos depois / 144Exposio Lattes... 10 anos depois CBPF

    Tiomno (1920-2011) _ fsica, fsica e... fsica / 154CH on-line

    Leite Lopes (1918-2006) _ mais do que um fsico de renome / 160Jornal da Semana de C&T

    A escada para a medalha _ o Nobel de matemtica para um brasileiro / 162CH on-line

    Escrete de ouro _ as primeiras geraes de fsicos no Brasil) / 167Cincia Hoje

    ReSeNhaS

    A revoluo de Einstein _ a fsica do gigantesco / 172Folha de S. Paulo

    Dirac _ o silncio mais estranho / 180questes da cincia, piau

    Berlim, dcada de 1920 _ uma cidade maior que Einstein / 184Cincia HojeEscritos de Einstein _ profecias da maturidade / 187Folha de S. PauloFermi _ e a formao dos fsicos no Brasil / 190Caderno Brasileiro de Ensino de Fsica

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    M U N D O

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    [Verses deste texto foram publicadas em Ilustrssima, da Folha de S. Paulo (13/03/11),

    e Cincia e Sociedade, maro de 2011]

    O centro de todas as coisasUm sculo da descoberta do ncleo atmico

    No obiturio que o New York Times publicou em 20 de ou-tubro de 1937, lia-se que poucos humanos atingiram, em vida, a imortalidade e, muito menos, o Olimpo. O destinatrio de to eloquente elogio morto no dia anterior foi um explorador do infinitamente diminuto e complexo ncleo do tomo, universo que ele foi o primeiro a penetrar.

    As palavras refletem a extenso da fama do fsico neozelan-ds Ernest Rutherford, cuja biografia lembra a de heris de contos infantis em que garotos pobres, da periferia, tornam-se nobres e admirados por seus feitos e seu carter.

    Ernest RutherfordCrdito: Wikimedia Commons

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    A obra cientfica de Rutherford impressiona. Mas ele ser sempre lembrado como aquele que escavou o tomo a fundo e, de l, trouxe ao mundo o corao da matria, o caroo duro e dimi-nuto que ele batizou ncleo atmico.

    O percurso at a, porm, foi longo e rduo.Para entender Rutherford e suas descobertas sobre a radioa-

    tividade, a estrutura dos tomos e a transmutao dos elementos, preciso descrever, ainda que brevemente, a fsica do final do s-culo 19, da qual ele fruto. Nas palavras do historiador da cincia Erwin Hiebert, em um captulo de Rutherford and the physics at the turn of century (Rutherford e a fsica na virada do sculo; Dawson and Science History Publications, 1979), esse cenrio era marcado: i) por uma crescente percepo de uma unidade das cincias fsi-cas; ii) pela urgncia em abarcar os fenmenos do muito grande e do muito pequeno em uma s viso do mundo; iii) por uma nova atitude (mais ousada) em relao especulao cientfica; iv) pela nfase nas colaboraes cientficas.

    Para Hiebert, os fsicos estavam prontos para (se preciso) construir um mundo radicalmente novo para englobar os novos (e aparentemente no relacionados) fenmenos: eltrons, raios X e radioatividade. Esta ltima radiao cuspida espontaneamente pelos tomos era um constrangimento para a fsica e a qumica do sculo 19, que no podiam explic-la.

    Rutherford, depois de um flerte rpido com as ondas de r-dio, descobertas em 1887, passou a estudar a radioatividade, que, ento, reunia os elementos bsicos para uma (prspera) carreira cientfica: intrigante, fascinante, promissora e (principalmente) ininteligvel. Mais: e com pouqussima bibliografia como justi-ficou, mais tarde, a fsica polonesa Marie Curie (1867-1934), ao escolher o tema para seu doutorado naquele final de sculo.

    Esforo e sorte

    Nascido em 30 agosto de 1871, em Spring Grove (hoje, Bri-ghwater), rea rural ao sul de Nlson (Nova Zelndia), Rutherford cresceu em famlia pobre, com pai mecnico e agricultor, e me

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    professora primria. Era o quarto de 12 filhos. Foi nesse ambiente que, segundo o historiador da cincia Lawrence Badash, em Ru-therford (1871-1937) (Dicionrio de Biografias Cientficas, Con-traponto, 2007), forjaram-se os princpios que levariam o jovem Ernest da periferia do imprio britnico ao posto de cientista mais famoso do incio do sculo passado: simplicidade, retido, econo-mia, energia, entusiasmo e respeito educao sempre leu muito ao longo da vida.

    Biografias de Rutherford por exemplo, Arthur Eve, em Ru-therford Being the Life and Letters of the Rt Hon. Lord Rutherford, OM. (Rutherford sobre a vida e as cartas do muito honorvel Lorde Rutherford, O[rdem do] M[rito]; Cambridge University Press, 1939) costumam extrapolar para sua juventude o talen-to de sua maturidade. Porm, pesquisas minuciosas feitas pelo f-sico e bigrafo John Campbell, em Rutherford Scientist Supreme (Rutherford, cientista supremo; AAS Publications, 1999), mostra-ram que o estudante talentoso em matemtica e fsica esta-va mais para esforado e iluminado pela sorte do que para gnio. Suas oportunidades acadmicas se concretizaram porque os pri-meiros colocados acabavam, por algum motivo, no aceitando as bolsas de estudo.

    Foi uma dessas bolsas que levou Rutherford, em 1895, ao Laboratrio Cavendish, em Cambridge (Inglaterra), referncia mundial em fsica experimental. Em fevereiro do ano seguinte, ele finalizou um detector que podia captar ondas eletromagnti-cas a at 800 m feito tecnolgico semelhante a do telgrafo sem fio. Comeava, assim, a manifestar, em continente europeu, sua grande capacidade de imaginar, projetar e construir artefatos, algo incutido nele ainda na infncia, ao observar essas habilidades no pai ainda criana, desmontava relgios para construir moinhos dgua, por exemplo.

    Rutherford tentou patentear seu detector talvez, buscando fama e fortuna, segundo John Heilbron, em Rutherford and the explosion of atoms (Rutherford e a exploso dos tomos; Oxford University Press, 2003) , mas seus ganhos impossibilitavam essa

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    despesa extra: sua bolsa mal o sustentava, atirando-o no limite en-tre a pobreza e a misria. Assim, o desenvolvimento do telgrafo sem fio ficaria a cargo do italiano Guglielmo Marconi (1874-1937), que levaria o Nobel de Fsica de 1909 pela inveno.

    O detector e outras habilidades experimentais de Rutherford impressionaram seu chefe no Cavendish, Joseph John Thomson (1856-1940), que, em 1897, descobriria a primeira partcula su-batmica, o eltron fazendo da palavra tomo (a = no; tomo = divisvel, em grego) uma contradio semntica. Explica-se. At ento, pelos ltimos 2,5 mil anos, vrios modelos de tomos haviam sido idealizados, mas essas entidades diminutas sempre haviam permanecido obedientes aos ditames do filsofo grego Leucipo (c. 500-450 a.C), pai do atomismo: Toda a realidade consiste em partculas duras e indivisveis, movendo-se e coli-dindo no espao vazio. Raros foram os cientistas ou pensadores que, at a poca de Thomson, arriscaram teorizar sobre um to-mo com estrutura interna.

    Ao Canad

    Rutherford tambm desistiu de Cambridge para ele, um ambiente esnobe. Percebeu que algum da periferia ele foi, no Cavendish, um dos primeiros estudantes de pesquisa no forma-dos em Cambridge teria poucas chances de promoo por l. A sada foi aceitar, em 1898, uma vaga na Universidade McGill (Canad), cujo laboratrio de fsica era um dos mais bem equipa-dos do mundo, graas ao patronato de um dono de uma fbrica de tabaco que desprezava o hbito de fumar. Ganhou o emprego indicado por Thomson, que o classificou como o melhor aluno que j tivera. Os resultados que Rutherford obteria naquele labo-ratrio colocariam a fsica canadense no mapa-mndi da cincia.

    Com o auxlio do competente qumico ingls Frederick Soddy (1877-1956), Rutherford passou a trabalhar intensamente. Agora, seu objetivo era publicar muito (e bons resultados), para um dia voltar Inglaterra, onde poderia no s fazer fsica de primeira, mas tambm (e mais importante) estar ao lado de quem a fazia.

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    A ambio profissional sempre foi trao marcante de sua per-sonalidade. De Montreal, escreveu para sua futura mulher, Mary Georgina Newton (1876-1945), com quem se casaria, em 28 de junho de 1900, em Christchurch (Nova Zelndia): Quero traba-lhar bastante e formar uma escola de pesquisa, para ofuscar todo o brilho dos Ianques! Dcadas mais tarde, o ex-fsico e escritor ingls C. P. Snow (1905-1980), autor do clssico As duas culturas, caracterizou-o como exuberante, extrovertido e nada perceptivel-mente modesto.

    Em pouco tempo, a dupla Rutherford e Soddy apresentou re-sultados surpreendentes sobre a radioatividade. Um deles: a emis-so de radiao fazia com que um elemento qumico se transfor-masse em outro. Ganhou o nome de transmutao nuclear, teoria que derrubava outra propriedade atribuda ao tomo ainda na An-tiguidade: a indestrutibilidade.

    A transformao cheirava a alquimia na poca, j morta e enterrada , e Rutherford foi cuidadoso em buscar apoio de qu-micos renomados, como o britnico sir William Crookes (1832-1919), para a ideia. Com base nessa teoria, calculou a idade de rochas em bilhes de anos, desmontando assim argumentos geo-lgicos, biolgicos e religiosos sobre a idade da Terra.

    Esses e outros resultados (por exemplo, a descoberta do gs radnio) lapidaram a imagem cientfica e pblica de Rutherford que se tornou o Sr. Radioatividade, reforada pela publicao, em 1904, de seu livro Radio-Activity, clssico da rea. No incio do sculo, sua fama ultrapassava a de Henri Becquerel (1852-1908), o descobridor da radioatividade, e do casal Pierre (1859-1906) e Ma-rie Curie, que haviam descoberto dois novos elementos radioativos, o polnio e o rdio. Esse trio recebeu o Nobel de Fsica em 1903.

    Inicialmente, Rutherford tinha o trio como competidores. Mais tarde, desentendeu-se (polida e cientificamente) com Bec-querel. Com os Curie manteve amizade; e com Marie, admirao mtua longo da vida.

    Os resultados no Canad renderam a Rutherford o Nobel de Qumica de 1908.

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    Qumica?

    Sim, porque o assunto radioatividade, para o comit do pr-mio, pertencia a essa rea. Rutherford resumiu seu espanto assim: Lidei com vrias e diferentes transformaes em diversos pero-dos, mas a mais rpida com que me defrontei foi a minha prpria transformao de fsico em qumico. Embutida na frase, h seu preconceito em relao qumica para ele, cincia malcheirosa. Por sinal, Rutherford classificava todos os outros ramos das cin-cias naturais como coleo de selos.

    Rumo ao ncleo

    O esforo e a perseverana de Rutherford se evidenciaram naquele ano e meio em que ele se debruou sobre os resultados obtidos pelo fsico neozelands Ernest Marsden (1889-1970) entre 1909 e 1910. A ideia do experimento baseado no bombardeio de uma folha finssima de ouro com partculas alfa (ncleos de hlio) havia nascido de observao (desconfiada) feita por Rutherford de um experimento anterior no qual um feixe semelhante de par-tculas, depois de atravessar uma folha fina de mica, formava, em um anteparo, uma mancha difusa, um borro.

    A intuio demandava com base no que se concebia ser o tomo e as partculas alfa (estas ltimas, para Rutherford, gigantes-cas como os tomos) , que o feixe no sofresse esses desvios. Ou seja, no deveria haver o borro.

    Esse mistrio permaneceu com Rutherford at que ele e seu assistente, o fsico alemo Hans Geiger (1882-1945), resolveram atacar a questo na Universidade de Manchester (Inglaterra), para onde Rutherford havia se transferido, ocupando a vaga deixada especialmente para ele pelo fsico anglo-alemo Arthur Schuster (1851-1934). Para a tarefa investigativa, designaram Marsden, aos tenros 20 anos de idade.

    A engenhosidade lanar partculas contra um alvo foi ta-manha que o experimento base at hoje para perscrutar o inte-rior do tomo. As partculas alfa (formadas por dois nutrons e

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    dois prtons) vinham de uma fonte radioativa e, transformadas em feixe, eram lanadas contra a folha finssima de ouro (0,00006 cm), que estava circundada por uma tela cintilante.

    Em sua esmagadora maioria, as partculas alfa, viajando com velocidade comparvel de uma bala de fuzil, atravessavam a folha de ouro, sem praticamente se desviar da trajetria original. Algu-mas sofriam desvios maiores, atingindo a tela em pontos diversos, que brilhavam com a coliso.

    Mas e a est o que Rutherford macerou mentalmente por um ano e meio uma em cada 20 mil partculas, em mdia, rico-cheteava de volta em direo fonte emissora.

    Os clculos finais de Rutherford com base naqueles resulta-dos experimentais sugerem uma caligrafia trmula talvez, reao quilo que ele comeava a entender: toda a massa atmica esta-va concentrada em um caroo central, responsvel por desviar ou mesmo rebater de volta as partculas alfa. O tomo, portanto, era um grande vazio. Resumiu seu espanto ao dizer que era como se canhes de grosso calibre atirassem contra uma folha de papel, e os projteis voltassem em sua direo.

    O ncleo era diminuto (cerca de 0,0000000000001 cm), apro-ximadamente 10 mil vezes menor que o dimetro atmico. Se o tomo tivesse o dimetro do estdio do Maracan, o ncleo seria mais ou menos do tamanho da cabea de um alfinete, no centro do gramado. Se juntssemos todos os ncleos atmicos do corpo humano, o conjunto no seria maior que um gro de areia.

    O modelo atmico nuclear de Rutherford desbancou aque-le idealizado por Lorde Kelvin (1824-1907) e aperfeioado por Thomson, o chamado pudim de passas, no qual os eltrons se-riam passas incrustadas em uma massa de carga eltrica posi-tiva. Esse tipo de tomo, pela disposio de seus elementos, no explicava por que as partculas alfa batiam contra a folha de ouro e voltavam.

    O modelo de Rutherford no recebeu muita ateno, mas deu incio viagem da cincia rumo ao centro da matria. E, de cer-ta forma, confirmou as ideias de 1903 do fsico japons Hantaro

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    Nagaoka (1865-1950) por sinal, citado por Rutherford , cujo tomo tinha um ncleo gigante, rodeado por eltrons, lembrando os anis de Saturno.

    O alquimista

    Em 1919, Rutherford publicou os resultados que o tornariam o primeiro alquimista da histria feito to impressionante quan-to o do ncleo atmico. No experimento, bombardeou tomos de nitrognio com partculas alfa, produzindo oxignio e, de quebra, o prton, partcula de carga positiva de cuja existncia ele j des-confiava desde o ncleo atmico.

    A transmutao de nitrognio em oxignio foi seguida, no entanto, de queda significativa de resultados importantes no La-boratrio Cavendish, que, desde 1919, estava sob a liderana de Rutherford herdou-a de Thomson.

    Nessa altura, Rutherford que no tinha a fsica terica em grande estima percebeu que precisaria de ajuda para projetar ex-perimentos na rea da teoria quntica, que lida com os fenmenos do mundo atmico e subatmico e que ganhou grande impulso na dcada de 1920. Contratou Ralph Fowler (1889-1944), que, em 1921, casou-se com sua nica filha, Eileen Mary Rutherford (1901-1930).

    A essa altura, vale perguntar: se tanto fez Rutherford, ento por que no recebeu um segundo Nobel?

    A hiptese mais provvel a de Campbell: o comit estava certo de que mais um prmio nada acrescentaria j ampla fama do fsico.

    Historiadores da cincia veem em Rutherford as origens da Big Science, o tipo de cincia (principalmente fsica) feito depois da Segunda Guerra, com enormes volumes de dinheiro, grande quantidade de pesquisadores, laboratrios nacionais e temas, por vezes, ligados a questes militares. Badash (1934-2010), em cap-tulo de Rutherford and physics at the turn of the century, enxerga os seguintes elementos pioneiros em Rutherford: formao de equipes de pesquisa e de laboratrios com numerosos integrantes; no gran-

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    de fluxo de publicaes; na internacionalizao dos resultados; nos esforos de especializao; nos meios de disseminao da informa-o; e na competio cada um desses itens moeda corrente na cincia atual.

    A tese de Badash apesar de bem argumentada causa es-panto para aquele que conheceu o Cavendish nos tempos heroicos, em que para um aluno, em busca de um cano de ao para um ex-perimento, era dada uma serra e uma bicicleta velha, da qual ele devia extrair o que desejava. Era a fsica experimental no seu modo mais romntico, com experimentos feitos num prdio mido, em-poeirado, cheio de fios e equipamentos que se distribuam sem a menor ordem aparente, empestados pela fumaa dos charutos do chefe, que fazia, para o temor dos estudantes, a ronda diria. poca de fsicos com mos e roupas sujas de graxa.

    Nutron

    A indiferena de Rutherford em relao mecnica qunti-ca cuja matemtica ia muito alm de seus conhecimentos s foi amenizada com a volta dos grandes resultados do Cavendish. Em 1932, James Chadwick (1891-1974) descobriu o nutron, partcula sem carga eltrica, companheira do prton no ncleo atmico. Pouco antes (e de modo impressionante), esbarraram nesse resultado Fdric Joliot (1900-1958) e Irne Curie (1897-1956) filha de Pierre e Marie Curie. O casal levaria o Nobel de Qumica de 1935 pela obteno dos primeiros elementos qumi-cos radioativos artificiais.

    Chadwick percebeu que aquela partcula, cuspida depois que tomos de berlio eram bombardeados com partculas alfa, no era um raio gama como teorizaram Frdric e Irne , mas algo que seu chefe, Rutherford, j havia proposto em 1920: o nutron.

    Agora, o modelo atmico parecia se completar: prtons, nutrons e eltrons. Mas a descoberta ou a proposio de novas partculas subatmicas (psitron, mon, pon) na dcada de 1930 viriam embaralhar o cardpio dos constituintes bsicos da mat-ria, justamente em uma poca em que havia muita resistncia

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    aceitao de novos membros nesse clube, cujas portas os fsicos sonhavam em fechar.

    Foi uma poca da qual Rutherford desfrutou pouco, assober-bado por palestras, compromissos, cargos e tarefas burocrticas.

    Aos ps de Newton

    Aquele neozelands de olhos claros, voz grave e tenebrosa, que metia medo em seus alunos, exigente e com pouca pacincia para experimentos que tardavam a dar resultados foi, no entanto, respeitado e admirado. Sua humildade foi reconhecida: no ps seu nome em artigos importantes, mesmo que a ideia do experi-mento tenha partido dele. No pleiteava nem dinheiro, nem equi-pamento alm do que realmente precisava.

    Passou por momentos difceis. O pior foi a morte de sua fi-lha no parto do quarto neto dele. Lutou pela paz mundial pediu que avies no fossem usados em guerra , participou do esforo de guerra para deter o avano nazista, lutou pela liberdade de im-prensa e defendeu o direito das mulheres na cincia sua sogra foi pioneira do movimento pelo voto feminino na Nova Zelndia , concedendo bolsas e oportunidades para fsicas.

    Diferentemente do improdutivo Nobel de Fsica Michael Beard, protagonista de Solar, de Ian McEwan (Companhia das Letras, 2010), Rutherford seguiu impressionando o mundo cien-tfico depois do prmio de 1908. Alm disso, dirigiu o Cavendish de grandes feitos na dcada de 1930, como a descoberta do nu-tron e a primeira comprovao experimental da frmula mais fa-mosa da cincia, E = mc2, proposta em 1905 pelo fsico de origem alem Albert Einstein (1879-1955). At 1930, praticamente tudo que havia sido feito sobre a estrutura nuclear havia vindo de Ru-therford, escreveu o historiador da fsica Daniel Kevles (Physics Today v. 10, pp. 175-181, April 1972). O problema do modelo at-mico nuclear (instabilidade, segundo as regras da fsica clssica) foi corrigido com base na teoria quntica, em 1913, por um de seus ex-alunos em Manchester, o fsico dinamarqus Niels Bohr (1885-1962).

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    Tornou-se sir (1914) e 1 Baro Rutherford de Nlson (1931). Em seu braso, escolheu homenagear seu pas natal, com smbolos da Nova Zelndia (um pssaro kiwi e um guerreiro maori). Suas pesquisas em radioatividade e fsica nuclear hoje levam conforto e sade a boa parte da populao, por meio de usinas nucleares e equipamentos de diagnstico e tratamento para o cncer, para citar apenas dois casos emblemticos.

    Os restos de Rutherford morto em 19 de outubro de 1937, aos 66 anos de idade, em Cambridge, por postergar a cirurgia de sua hrnia umbilical em funo dos compromissos esto aos ps do magnfico altar de Isaac Newton (1642-1727), na Abadia de Westminster, em Londres. Assim, aquele que quiser chegar a Newton, para observar o passado, dever necessariamente passar por Rutherford.

    Muito justo.

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    [Uma verso deste texto foi publicada em Ilustrssima, da Folha de S. Paulo (28/12/14)]

    aSeS INDOMVeIS50 anos da proposio dos constituintes dos prtons e nutrons

    Em 14 de dezembro de 1900, o fsico alemo Max Planck (1858-1947) props que, na natureza, a energia era gerada e absor-vida na forma de minsculos pacotes (hoje, chamados quanta). Foi um ato de desespero (palavras dele) para resolver um problema em aberto poca: como os corpos aquecidos emitem luz e calor. Para ele, no entanto, os quanta eram s um artifcio matemtico, sem realidade fsica. Cinco anos depois, Albert Einstein (1879-1955), ento tcnico do Escritrio de Patentes da Sua, aceitaria a realidade fsica dos quanta e, com base neles, proporia sua ideia

    George ZweigCrdito: cortesia George Zweig / arquivo pessoal

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    mais revolucionria: a luz composta de partculas (hoje, denomi-nadas ftons). H exatos 50 anos, embate semelhante (real versus irreal) marcaria a histria de um pesquisador estabelecido e a de um jovem fsico. As ideias de ambos permitiram entender do que prtons e nutrons so feitos.

    Em abril de 1963, aos 27 anos de idade, o doutorando Geor-ge Zweig passou os olhos em um dos muitos artigos sobre fsica de partculas publicados poca. Entre o emaranhado de nme-ros, smbolos e grficos, algo laou sua ateno: a ausncia do modo como certa partcula se transformava (ou decaa, no jargo cientfico) em duas outras. Razo da estranheza: a teoria previa que tal transformao deveria ser a dominante na transformao daquela partcula.

    Nem mesmo os autores do experimento (P. L. Connolly e co-legas) deram muita ateno ao fato. Alegaram que tal ausncia se devia aos erros costumeiros de um experimento daquele tipo, en-volvendo aceleradores de partculas e eletrnica sofisticada, tpica da chamada fsica de altas energias. Zweig, porm, cravou aquela anomalia na memria.

    Por que um jovem terico conseguiu enxergar o que outros mais experientes no viram? Parte da resposta: sua primeira tenta-tiva de doutorado com a qual se frustou havia sido em fsica experimental. Mas explicao mais palatvel talvez seja o fato de que, desde o final da dcada de 1940, j se especulava que partculas consideradas elementares (indivisveis) poderiam ser compostas por entidades menores. Esse era o caso, por exemplo, do mson pi, cuja descoberta, em 1947 e no ano seguinte, contou com papel essencial do fsico brasileiro Csar Lattes (1924-2005). O fsico italiano Enrico Fermi (1901-1954) e o chins Chen-Ning Yang levantaram essa hi-ptese no peridico Physical Review (v. 76, p. 1739, 1949).

    Alm dessa possvel divisibilidade, o incio da dcada de 1960 foi marcado por uma enxurrada de novas partculas. E isso trouxe confuso ao mundo dos fsicos. Anos antes, o fsico norte-america-no Willis Lamb (1913-2008) j demonstrava preocupao com esse excesso de constituintes. Em seu discurso de Nobel (1955), pronun-

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    ciou uma das passagens mais saborosas da histria da premiao. O descobridor de uma nova partcula elementar costumava ser re-compensado com um prmio Nobel, mas tal descoberta hoje deve-ria ser punida com uma multa de 10 mil dlares.

    As palavras de Lamb tm razo de ser: at o final da Segunda Guerra, havia grande resistncia por parte dos fsicos em aceitar novos itens ao cardpio subatmico. Havia, ento, o eltron (des-coberto em 1897), fton (1905), prton (1919), nutron (1932), alm de dois componentes bizarros: o psitron (1932), antimat-ria do eltron, e o ainda hoje estranhssimo mon (1937), primo pesado do eltron.

    Com novas partculas pululando s dezenas dos aceleradores, surgiu, naquele incio da dcada de 1960, quase uma obrigao em tentar enxergar alguma ordem naquele zoo de fragmentos, na espe-rana de encontrar similaridades entre seus novos e velhos mem-bros. E, com base nessas semelhanas, classific-los em grupos.

    Buda versus David

    A mais famosa classificao poca foi o chamado Eightfold Way, tipo de tabela peridica cujo nome vem das oito prticas (compreenso, pensamento, fala etc.) pregadas pelo budismo.

    O Eightfold Way ps ordem na casa e, como sua similar do s-culo 19, pde fazer previses. A mais famosa delas foi a mega me-nos. Descoberta em 1964, essa partcula deu impulso s ideias ali propostas, de forma independente, pelos dois idealizadores dessa classificao, o fsico norte-americano Murray Gell-Mann (Nobel 1969) e o fsico israelense Yuval Neeman (1925-2006), ex-comba-tente na guerra de independncia de Israel (1948).

    A referncia ao nmero oito vem do fato de as partculas forma-rem por um motivo ento desconhecido grupos de oito, segundo certas propriedades. O fsico John Gribbin, em Q is for quantum (Q para quantum; Weidenfeld & Nicolson, 1998), conta que Neeman, com base em ideias ainda prematuras, alimentou a esperana de ver aquelas partculas reunidas em grupos de seis, para que pudessem ser representadas pictoricamente pela estrela de David.

  • 27

    Gell-Mann havia sido a primeira opo de Zweig como orien-tador de sua segunda tentativa de doutorado agora, em fsica te-rica. Gell-Mann, porm, passaria uns tempos fora do Instituto de Tecnologia da Califrnia (Caltech), mas havia deixado boas reco-mendaes de Zweig para Richard Feynman (1918-1988) pouco depois, Nobel de Fsica (1965). Se Murray diz que voc ok, ento voc deve ser ok, foi como Feynman disse sim.

    Foi nesse momento que a ateno de Zweig foi capturada pela tal anomalia. Tentou discutir com seu novo orientador as impli-caes dela, mas Feynman no deu muita ateno alegou que experimentos podiam estar errados , despejando no aluno certa arrogncia, pela qual, anos depois, se desculparia.

    Anomalia na cabea

    Em 1963, recm-doutor, Zweig embarcou para um perodo de um ano de pesquisa no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), na fronteira entre a Frana e a Sua, casa do acelerador mais potente do planeta, o LHC.

    L, na tranquilidade de um chal, rodeado de um pasto ver-de com vacas, ideias sobre a tal anomalia, bem como sobre simi-laridades entre partculas, comearam a se avolumar. Mas o insi-ght veio de um artigo de 1957 escrito pelo japons Soichi Sakata (1911-1970). Nele, esse fsico terico conhecido por ser adepto do materialismo dialtico propunha que boa parte das partculas ento conhecidas era constituda por trs tijolos bsicos: prton, nutron e a ento recm-descoberta partcula lambda.

    Sakata estava equivocado, e havia pontos obscuros em seu modelo. Porm, para Zweig, estava ali a semente para responder pergunta basal: por que certas partculas podiam ser reunidas em grupos? Mais importante: por que ocorria a tal anomalia?

    Zweig havia agora proposto uma reposta: prtons e nutrons, bem como tantas outras partculas, seriam formados por blocos ainda menores, que ele denominou aces (como ases, do baralho).

    No modelo de Zweig, prtons e nutrons, por exemplo, so formados por trs aces. Outras partculas, como o mson pi

  • 28

    (ou pon), teriam dois aces. Aquelas com trs aces so chamadas brions; com dois aces, msons. Em tempo: Zweig ousou criar um quarto ace, para o qual no deu nome. Hoje, ele denominado charm. Portanto, quatro aces, como os quatro ases do baralho.

    Como uma criana, eu estava brincando novamente, mas agora com ideias e no blocos. Como na minha infncia, foi uma poca maravilhosa, disse Zweig em entrevista Folha. E qual a influncia do Eightfold Way para a construo do modelo de aces? Foi incidental. Fui realmente influenciado pelo modelo de Saka-ta, respondeu.

    O modelo de aces vinha com um bnus: explicava a anoma-lia que havia chamado a ateno de Zweig. A tal partcula (phi) no se transformava em duas outras (pi e r), porque os aces que a formavam eram diferentes daqueles presentes em seu subproduto. Portanto, a reao (phi pi + r) era proibida.

    Tudo se encaixava com elegncia critrio importante para um modelo. Mas Zweig conta que, dada a crueza do modelo, era um milagre que os aces explicassem to bem a classificao e as propriedades dos brions e msons.

    A principal peculiaridade dos aces era o fato de eles terem carga eltrica fracionria (mais 2/3 e menos 1/3) quando comparada do eltron. Para muitos, uma esquisitice e tanto. Para outros, heresia afi-nal, havia 50 anos que se acreditava que a carga eltrica era indivisvel.

    Puro lixo

    Para apresentar o modelo de aces, Zweig preparou dezenas de pginas, com clculos e muitos desenhos feitos mo, na esperan-a de tornar aquelas novidades mais palatveis a seus colegas.

    Mas, como conta Zweig em artigos recentes, o aspecto social da cincia comeou a mostrar seus caninos: i) o chefe da diviso de fsica terica do CERN, o belga Leon Van Hove (1924-1990), o proibiu de enviar o calhamao para um peridico cientfico norte-americano; ii) instruiu a secretria a no datilografar nada que fos-se dele e Zweig no sabia datilografar; iii) cancelou um seminrio em que Zweig explicaria o modelo de aces.

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    O fsico britnico Frank Close, em seu livro Infinity Puzzle (Quebra-cabeas infinito; Basic Books, 2013), escreve (p. 226) que Van Hove considerava a ideia dos aces puro lixo.

    Mesmo assim, dois reports acabaram sendo publicados pelo CERN hoje, so histricos. Num deles, Zweig esboa o modelo de aces; no outro, discute suas implicaes. Quando Van Hove pu-blicou um livro reproduzindo artigos sobre [o tema], no incluiu nenhum de meus dois reports [...] Van Hove deliberada e sistema-ticamente tentou manter meu trabalho alheio opinio pblica, disse Zweig em entrevista recente ao CERN.

    Outra lio dos meandros sociolgicos da cincia: to impor-tante quanto ter uma boa ideia saber propagande-la adequada-mente. Na chance em que teve de apresentar seu modelo de aces, em Erice, na Siclia (Itlia), perante a nata da fsica da poca, Zweig no se saiu bem, como relata, em entrevista de 2002 para o arqui-vo de histria oral do Caltech, o fsico hngaro Valentine Telegdi (1922-2006), que estava na plateia, Ele no vendeu muito bem suas ideias, diz o renomado experimental.

    Real versus irreal

    Do outro lado do Atlntico, de forma independente, Gell-Mann chegava a concluses muito semelhantes sobre a constituio de brions e msons. No caso, os constituintes bsicos ganhariam o nome quarks palavra extrada do romance Finnegans wake, do escritor irlands James Joyce (1882-1941).

    A essncia dos dois modelos era basicamente a mesma: b-rions e msons so formados por constituintes menores. Mas ha-via, pelo menos, uma diferena crucial: Zweig sempre acreditou na realidade de seus aces. Sempre tratei os aces como partculas reais. Eles tinham dinmica, explica o fsico nascido na Rssia em 1937, de pais que haviam ido da Alemanha para l cinco anos antes, fu-gindo do nazismo, e com avs que morreram em um campo de concentrao na Letnia.

    Dinmica, no caso, significa que os aces saltavam de uma par-tcula para outra; giravam e rodavam um em torno do outro etc.

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    Qual seria o significado de tudo isso caso os aces no fossem re-ais?, relembra Zweig.

    Em 1967, comeariam a brotar os primeiros resultados de um experimento que se estenderia pelos prximos cinco anos. Fei-tos no SLAC, acelerador linear da Universidade de Stanford, na Califrnia (EUA), eles chocavam eltrons ultraenergticos contra prtons. E a concluso parecia ser clara desde o incio: prtons so formados por estruturas menores.

    Segundo Zweig, mesmo depois de cinco anos de resultados do SLAC, Gell-Mann ainda no aceitava a realidade dos quarks. Em palestra de 1972, Gell-Mann parece realmente no crer na re-alidade desses constituintes. Ele diz, por exemplo, que os hdrons [grupo que rene brions e msons] comportam-se como se fos-sem feitos de quarks, mas quarks no precisam ser reais. E mais adiante: hdrons agem como se eles fossem feitos de quarks, mas quarks no existem.

    Zweig conta que, ainda no fim de 1964, recm-chegado do CERN, tentou explicar o modelo de aces para Gell-Mann, mas a rea-o deste foi: Oh, quarks concretos [reais]. Isso para estpidos.

    A Folha contatou Gell-Mann para que ele desse sua verso da histria. No entanto, a assessoria de imprensa do Instituto Santa F, no Novo Mxico (EUA), instituio qual ele est vinculado, alegou que Gell-Mann no poderia responder s perguntas, por estar com a sade fragilizada ele est com 84 anos. Mas acrescen-tou que as respostas poderiam ser achadas em seu livro O quark e o jaguar (Rocco, 1996).

    No livro, l-se a seguinte passagem (p. 182, edio norte-ame-ricana): Numerosos autores, ignorando minhas explicaes dos termos matemtico e real [...], tm alegado que eu realmente no acreditava que os quarks estavam l! Uma vez que tal mal-entendido se torna estabelecido na literatura popular, ele tende a se perpetuar, porque vrios autores frequentemente copiam uns aos outros.

    Telegdi, no entanto, na mesma entrevista ao arquivo de hist-ria oral, peremptrio: Pessoalmente, acho que preciso ser mui-to cauteloso, porque Murray [Gell-Mann] tem certa tendncia a

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    reescrever a histria. Ele, claro, agora, diz que considerava os qua-rks como objetos fsicos, e eu no acho que isso seja inteiramente verdade. Acho que ele os considerava como objetos matemticos.

    Que ele [Einstein], s vezes, tenha errado o alvo em suas es-peculaes, como, por exemplo, em sua hiptese dos quanta de luz, no pode ser levado muito a srio, pois no possvel introdu-zir ideias verdadeiramente novas, mesmo nas cincias exatas, sem correr alguns riscos de vez em quando. Essas so palavras da carta escrita por Planck em 1913, para recomendar Einstein para a pres-tigiosa Academia Prussiana de Cincias. Planck ainda acreditava que seu quantum era um mero artifcio matemtico. E Einstein, talvez, tenha sido o nico fsico a acreditar na realidade dos ftons entre 1905, quando os props, at 1925, quando eles passaram a ser aceitos como reais.

    Reao no benigna

    Zweig conta que, por vezes, a reao ao modelo de aces no foi benigna. Ao tentar uma posio na Universidade da Califrnia, em Berkeley, sua candidatura foi barrada por um fsico terico s-nior da instituio, Geoffrey Chew. Alegao: o modelo de aces era obra de um charlato.

    Hoje, passados exatos 40 anos da chamada Revoluo de No-vembro, ningum mais duvida da existncia dos quarks (ou aces). Em 1974, foi descoberta a partcula J/ (jota/psi) que fincou na mente dos fsicos a realidade desses constituintes da matria.

    Hoje, quarks so aces disfarados, nas palavras de Zweig. H seis deles: up, down, charm, strange, top e bottom. E suas cargas so fracionrias: mais 2/3 (up, charm e top) e menos 1/3 (down, strange e bottom) o top, o ltimo a ser descoberto, em meados da dcada de 1990, contou com a participao de fsicos brasileiros.

    Os dois mais famosos brions ficam assim: o prton formado por dois up e um down (carga eltrica positiva), e o nutron por dois down e um up (sem carga). Msons so formados por um quark e um antiquark. Sabe-se hoje que quarks nunca so vistos livres as foras que os mantm unidos to forte que eles no podem ser separados.

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    Atualmente, h linhas de pesquisa que tentam saber se os quarks so ou no divisveis, tentando responder ao que talvez seja a mais fascinante pergunta do intelecto humano: do que so feitas as coisas?

    E a esta altura vale ressaltar que o fsico britnico Donald Perkins, em artigo recente, conta como, por falta de imaginao e de confiana dos fsicos, os quarks (ou aces) no foram descober-tos no CERN em... 1963!

    Ainda cedo

    Em maio de 1968, Zweig encontrou Feynman na The Gre-asy (Sujinho, na traduo mais tentadora), histrica lanchonete do Caltech. Perguntou a Zweig sobre novidades. E este, paciente-mente, repetiu a ladainha de anos: aces. Para a surpresa de Zweig, Feynman diz: Certo, vou dar uma olhada nisso. Cerca de trs anos depois, em outro encontro, Feynman dispara para Zweig: Parabns, voc estava certo. O fsico norte-americano que tra-balhou no Brasil e visitou o pas vrias vezes agora acreditava que brions e msons tinham subestrutura, batizando esses cons-tituintes prtons.

    Em 1977, Feynman indicaria Zweig e surpreendentemente, dado o notrio choque de egos entre os dois Gell-Mann para o Nobel. No pouca coisa, levando em conta que Feynman era conhecido por no indicar ningum para prmios.

    Segundo Andrew Pickering, autor de Constructing quarks a sociological history of particle physics (Construindo quarks uma histria sociolgica da fsica de partculas; University of Chicago Press, 1999), quarks foram um elemento importante na transio entre a velha e a nova fsica de altas energias. A primeira buscava fenmenos corriqueiros, e os resultados experimentais costuma-vam guiar a teoria. A outra era orientada por esta e focada em fe-nmenos raros (entre eles, quarks).

    Em 1972, Zweig alterou radicalmente sua carreira: neurobio-logia. E passou a se dedicar a entender como o som representado no crebro. Ganhou destaque internacional nesse campo.

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    Diz-se que o diplomata norte-americano Henry Kissinger per-guntou ao lder do Partido Comunista chins Xu Enlai (1898-1976) o que este achava da Revoluo Francesa. A resposta teria sido: muito cedo para dizer. Talvez, meio sculo depois da proposio das ideias que mostraram que os prtons e nutrons so divisveis, resposta semelhante seja prudente afinal, os dois principais prota-gonistas esto vivos, e suas histrias tm divergncias importantes.

    Mas o fato de comemorarmos o 50 aniversrio de entidades que ficaram conhecidas como quarks e no aces emblem-tico de como a histria se constri como um jogo de influncia, poder, hierarquia, prestgio e preconceito contra novas ideias. E de esquecimento.

    E a fsica, claro, est cheia de casos assim.

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    [Uma verso deste texto foi publicada em Ilustrssima, da Folha de S. Paulo (02/06/13)]

    a TRIlOGIa BOhR 100 anos do modelo que levou a fsica quntica ao interior do tomocom Antonio Augusto Passos Videira, UERJ

    A identidade

    Em 19 de junho de 1913, uma carta partiu de Manchester (Inglaterra) para a Dinamarca. Nela, havia a passagem: Talvez, eu tenha feito uma pequena descoberta sobre a estrutura dos tomos. No conte isso para ningum.

    De pequena, a descoberta nada tinha. Marcava o incio da conquista do interior do tomo pela teoria quntica. O remetente era o jovem dinamarqus e recm-doutor em fsica terica Niels

    Niels BohrCrtido: Wikimedia Commons

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    Bohr (1885-1962), que, naquele momento, acabava um perodo de estudo com Ernest Rutherford (1871-1937), descobridor, dois anos antes, do ncleo atmico, caroo central onde se estocam 99% da massa do tomo. O mundo cientfico no levou a srio o modelo. Nem mesmo Rutherford achava ter feito algo importante.

    Antes de Manchester, Bohr havia passado pouco tempo na ento catedral mundial da fsica, o Laboratrio Cavendish, em Cambridge (Inglaterra), para trabalhar com o descobridor do el-tron, Joseph Thomson (1856-1940). Porm, seu ingls precarssi-mo e alguma falta de tato social criaram dificuldades de relaciona-mento por l.

    Bohr decidiu aceitar convite de Rutherford. Depois de curto perodo de laboratrio trabalhando com radioatividade manu-almente, o dinamarqus era desajeitado , Bohr voltou sua aten-o para o modelo atmico com ncleo, que, no entanto, tinha um problema srio: segundo o eletromagnetismo, eltrons, por terem carga eltrica (no caso, negativa), perderiam energia ao orbitar o ncleo e acabariam engolidos por este. tomos, portanto, seriam instveis e no deveriam existir.

    O incio da jornada de Bohr para livrar o tomo dessa inco-erncia comeou ainda em fevereiro de 1913, quando ele tomou conhecimento de resultados relativos ao modo como os tomos devolvem ao meio a luz (energia) que incide sobre eles. Vista com lentes especiais, a energia expelida se apresenta como raias (linhas paralelas) com cores (frequncias) diversas. Esse o chamado es-pectro atmico (ou raias espectrais). E cada tomo tem seu conjun-to de raias, de risquinhos coloridos, como um tipo de identidade.

    Desde que os primeiros espectros atmicos comearam a ser medidos, partir da dcada de 1860, permanecia um mistrio: por que raias e no uma faixa contnua de cores? A resposta a essa per-gunta levaria quase 60 anos. E o feito seria de Bohr.

    Abandonando o laboratrio, Bohr, de volta teoria, iniciou sua jornada rumo estrutura atmica, depois de ouvir de um cole-ga, o fsico-qumico hngaro Georg Von Hevesy (1885-1966), sobre os chamados istopos variaes de um mesmo elemento qumico,

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    cujo ncleo tem o mesmo nmero de prtons, mas diferente quan-tidade de nutrons. Bohr logo percebeu que, na radioatividade, o ncleo, ao expelir parte nacos de si mesmo, mudaria de posio na Tabela Peridica, ou seja, os elementos se transformariam. Mais importante: a radioatividade tinha que ser um fenmeno nuclear. Comprovar essas ideias seria ratificar o modelo de Rutherford.

    Entusiasmado, Bohr foi cinco vezes a Rutherford. Este nu-trido, talvez, pela m compreenso, incredulidade ou contumaz falta de tempo no se entusiasmou. No ano seguinte, a lei do des-locamento radioativo entraria para o currculo de outros pesqui-sadores, dois qumicos. No entanto, nessa primeira decepo cien-tfica de Bohr h a marca de algo que lhe acompanharia pela vida: a agudeza para relacionar fenmenos aparentemente desconexos.

    Segundo subsdio importante para Bohr: seu contato com Charles Galton Darwin (1887-1962), neto do famoso natura-lista Charles Darwin (1809-1882). Esse colega tentava entender como partculas alfa (dois prtons unidos a dois nutrons) per-dem energia ao atravessar a matria, chocando-se quase exclusi-vamente contra os eltrons o papel do ncleo nessas colises desprezvel.

    As contas de Darwin no batiam com os resultados experi-mentais. Bohr percebeu que o problema era seu colega ter tratado os eltrons como entidades livres no interior atmico. Bohr, po-rm, assumiu que essas partculas se comportavam como entida-des vibratrias (osciladores) que absorviam e expeliam energia e estavam ligadas ao ncleo.

    Para isso, Bohr usou as ideias do fsico alemo Max Planck (1858-1947), que, em 1900, inaugurou a fsica quntica, ao propor que, na natureza, a energia gerada ou absorvida em diminutos grnulos (batizados quanta). Bohr conjeturou que os eltrons s poderiam irradiar energia na forma de pacotinhos.

    O fsico holands Abraham Pais (1918-2000), em seu livro Niels Bohrs times (Os tempos de Niels Bohr; Oxford University Press, 1994), escreve: Assim, a teoria quntica penetrou o interior do tomo pela primeira vez nos escritos de Bohr.

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    O modelo atmico quntico comeava a se desenhar. Bohr consolidava sua identidade como fsico.

    A supremacia

    O terceiro (e mais importante subsdio) a Bohr foi seu con-tato, em 6 de maro de 1913, com uma frmula que descrevia o espectro do tomo de hidrognio, a chamada frmula de Balmer homenagem a um professor de uma escola de meninas na Basi-leia, o suo Johann Balmer (1825-1898), que teve essa ideia aos 60 anos de idade e s publicaria mais dois artigos em vida.

    A frmula de Balmer descrevia e previa, com preciso, as raias coloridas no espectro do tomo de hidrognio. Mas o que a frmula significava? Trs dcadas de mistrio se acumulavam at 1913.

    Ao v-la, Bohr com aquela capacidade em juntar fenme-nos aparentemente dspares entendeu o porqu das raias do es-pectro. Segundo Pais, Bohr assumiu que a frmula estava correta. E some-se a isso a convico do jovem fsico de que no seria pos-svel explicar os tomos com a fsica clssica.

    A composio bsica do modelo quntico do tomo de hidro-gnio estava completa. Sua essncia: o eltron, ao girar em torno do ncleo, s pode fazer isso caso se mantenha em rbitas pr-determinadas. Se o eltron receber luz ou seja, um quantum de energia , ele salta para uma rbita mais energtica, passa frao de segundo l e, ao voltar sua rbita original, expele a energia na forma de um quantum.

    esse processo, repetido continuamente, que d origem s raias espectrais. O espaamento dessas linhas (a descontinuida-de) explicado, ento, pelo fato de a luz expelida pelos tomos ser quantizada, ter valores discretos.

    Cerca de 30 anos de mistrio desaparecem.No artigo em que descreve essas ideias, publicado em julho de

    1913, Bohr prope um dos postulados mais corajosos da fsica: em seu estado fundamental (de energia mnima), a rbita do eltron estvel, o que evita que ele seja engolido pelo ncleo. Estados mais energti-cos (excitados) so instveis da, o eltron expelir a luz absorvida.

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    Contexto histrico necessrio: a ideia de usar o quantum de Planck para entender o tomo estava mais ou menos no ar por volta de 1910. Nessa poca, esse enfoque foi usado, por exemplo, pelo fsico austraco Arthur Haas (1884-1941), o britnico John Nicholson (1881-1955) e o qumico dinamarqus Niels Bjerrum (1879-1958). Portanto, Bohr deve ser visto como produto de sua poca. E no um gnio atemporal. Mas nenhum outro foi to longe quando ele nesse tema.

    Naquele mesmo ano, em setembro e novembro, Bohr publi-caria dois outros artigos, desdobramentos do de julho. No primei-ro, aplica as ideias qunticas para tomos mais pesados que o hi-drognio; no outro, para molculas. Importantes, sem dvida, at mesmo para a qumica, mas sem o impacto do primeiro.

    Diferentemente do modelo de Rutherford, o de Bohr teve boa recepo e repercusso apesar de para muitos a ideia central ainda parecer bizarra: quando a energia mnima, a rbita do el-tron estvel. Mas resultados experimentais foram se acumulando nos anos seguintes. O principal deles foi a confirmao dos saltos qunticos, ou seja, a ida do eltron para uma rbita mais energtica e seu retorno para a rbita inicial.

    O tomo assim como imaginado na Antiguidade voltava a ser uma entidade estvel. Mais tarde, o fsico de origem alem Albert Einstein (1879-1955), idealizador da teoria da relatividade, classificaria o modelo de Bohr como a mais alta forma de musica-lidade na esfera do pensamento.

    Visto de hoje, porm, o desdobramento mais importante da trilogia Bohr (aqueles trs artigos de 1913) estava nas en-trelinhas: Bohr percebeu que a fsica clssica na qual os fen-menos so descritos no espao e no tempo no serviria para sistemas atmicos. Seria preciso um profundo reajuste nesse sen-tido. Mas, mesmo limitada, aquela fsica era indispensvel para o entendimento da fsica quntica. Chamou a isso princpio da correspondncia.

    A essa altura, vale questo intrigante: se a matria ordinria formada por tomos, e estes so entidades discretas, por que o

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    mundo percebido como contnuo? O princpio da correspon-dncia ajuda a responder: Onde o mundo parecer contnuo, as regras da mecnica quntica correspondem s da fsica clssica, nas palavras do fsico Fred Alan Wolf. E isso explica por que as p-ginas desta Ilustrssima, da Folha de S. Paulo, so percebidas como extensas e no como grnulos de matria e energia.

    Estava a a semente de um dos captulos a mecnica qunti-ca mais fascinantes de toda a histria da fsica.

    A fama de Bohr se consolidou com sete palestras dadas em 1922 em Gttingen (Alemanha). Na plateia, fsicos e matemticos da mais alta estirpe. Foi o encontro da ento Santa Trindade Te-rica: Bohr, de Copenhague; Arnold Sommerfeld (1868-1951), de Munique; Max Born (1882-1970), de Gttingen. At hoje, as pa-lestras so conhecidas como Festival Bohr. Muitos jovens fsicos por exemplo, Werner Heisenberg (1901-1976), que anos depois daria contribuies importantssimas para a teoria quntica fo-ram influenciados pelas ideias ali discutidas.

    O relato de, pelo menos, um desses jovens, que estava presen-te s palestras, d a Bohr a supremacia nos debates com Sommer-feld e Born.

    O ultimato

    Bohr ser para sempre lembrado por seu modelo de 1913. Mas, a partir da dcada de 1920, a imagem de filsofo da natureza se consolida nele. Da para frente, cada vez mais, seus artigos tra-ziam conceitos em vez de nmeros e frmulas. Hoje, analisar as ideias filosficas de Bohr tornou-se uma indstria acadmica.

    Trs eventos principais marcam a faceta filosfica de Bohr. O primeiro a apresentao do princpio da complementaridade, em setembro de 1927, em Como (Itlia), encontro no qual ele afir-ma que as vises das partculas subatmicas como corpsculos e ondas devem ser vistas como complementares (e necessrias) para o entendimento do mundo microscpico, mas no h experimento que force uma entidade quntica a revelar simultaneamente esses dois comportamentos.

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    O segundo evento ocorre um ms depois. Na Conferncia Solvay, em Bruxelas, Bohr debate com Einstein a mecnica qun-tica, a teoria recm-elaborada que, baseada na ideia inicial do quantum de energia, descreve fenmenos do universo atmico e subatmico. No encontro, Einstein imagina experimentos com os quais tenta mostrar que aquela teoria estava equivocada, pelo fato de indicar apenas a probabilidade e no a certeza como na fsica clssica de um fenmeno ocorrer. Bohr responde com sua carac-terstica agudeza mental, desbancando ironicamente, com base na relatividade, teoria de Einstein cada um dos argumentos de seu colega alemo.

    O terceiro grande momento da viso filosfica de Bohr se d em 1935, quando Einstein e dois colaboradores esboam um expe-rimento igualmente imaginrio hoje, conhecido como paradoxo EPR cujo argumento central era mostrar que havia realidades ocultas das quais a mecnica quntica no dava conta. Ou seja, a mecnica quntica seria uma teoria incompleta.

    No paradoxo EPR, duas partculas interagem e depois se afas-tam bastante. Para Einstein e colegas, se a mecnica quntica fosse aceita como uma descrio completa da realidade fsica, surgiria, ento, um tipo de comunicao instantnea entre essas partculas. E, segundo Einstein, essa fantasmagrica ao a distncia violaria sua teoria da relatividade, que prev que no pode haver comuni-cao com velocidade superior da luz no vcuo (300 mil km/s).

    A resposta de Bohr, meses depois, um primor: seu foco no o experimento em si. , na verdade, uma rplica de natureza filo-sfica que concluiu que uma partcula sentiria instantaneamente o que acontece com a outra, mesmo que estivessem separadas por distncias astronmicas. A explicao era mais ou menos a seguin-te: depois de interagirem, as duas passariam a fazer parte de um s sistema grosso modo, seriam inseparveis. Hoje, o emaranhamen-to, fenmeno bizarro que permite essa telepatia entre dois objetos qunticos, corriqueiro nos laboratrios inclusive, no Brasil.

    A resposta de Bohr ao paradoxo EPR deu ares de vitria chamada interpretao de Copenhague. A partir da, aceitaram-se

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    com mais naturalidade as esquisitices da mecnica quntica, se-gundo a qual entidades qunticas (eltrons, prtons, ftons, to-mos etc.) podem estar em dois lugares ao mesmo tempo; podem ora se comportar como ondas, ora como partculas; podem se comunicar com velocidade acima da luz; e, estranhamente, s se tornam fenmenos (portanto, realidade fsica) depois de observa-das. Ser que a Lua existe quando no estamos olhando para ela?, ironizou certa vez Einstein.

    E, talvez, o ponto central da interpretao da mecnica qunti-ca pela Escola de Copenhague: objeto e observador integram o mes-mo sistema. Einstein nunca aceitou isso, pois acreditou, at a morte, no princpio da separabilidade: coisas distantes no espao podem ser descritas individualmente, tm realidades independentes em termos simples, o que acontece aqui no influencia o que ocorre ali.

    Eis a o corao da discordncia entre ele e Bohr. comum atribuir inclua-se entre esses Einstein a Bohr

    caractersticas do pensamento positivista no se pode falar do que no se pode observar (ou medir) ou de um kantismo a es-sncia das coisas no pode ser conhecida. Segundo o filsofo da ci-ncia Henri J. Folse, isso uma viso equivocada. Para ele e seus argumentos so convincentes , Bohr foi um realista a associao de suas ideias ao positivismo deram equivocadamente um matiz antirrealista a elas. Eltrons e todas as outras entidades qunticas apesar da limitao de conhecimento imposta pela teoria tm realidade fsica.

    O realismo de Bohr, segundo Folse, decorre de sua mais pro-funda crena no fato de a mecnica quntica cuja preciso hoje chega a mais de uma dezena de casas decimais ser uma teoria completa. E a principal consequncia disso rdua para muitos, inclusive Einstein a de que seria (e ainda ) preciso um novo conceito de realidade fsica em harmonia com a teoria do quantum. Para Einstein, aceitar essa completude seria afirmar consequncias inaceitveis, como um objeto interferindo em outro, mesmo que afastados por distncias astronmicas.

    Bohr nunca esboou essa nova concepo de realidade fsica,

  • 42

    por achar que os problemas fundamentais da cincia diziam res-peito no realidade, mas, sim, comunicao, ou seja, transmitir experincias e ideias a outras pessoas. Portanto, para ele, a tarefa da fsica no era descobrir como a natureza . Fsica sobre o que podemos dizer sobre a natureza.

    Para os ainda pouco interessados no assunto, a viso de Co-penhague a mais popular at hoje em geral, alunos aprendem mecnica quntica na base do cale boca e calcule. Para Pais, Eins-tein e Bohr promoveram o maior debate filosfico do sculo pas-sado. Afirmao forte, sem dvida. Mas a esmagadora maioria dos fsicos e filsofos da atualidade por praticamente ignorarem a essncia da questo nem mesmo tem condies de concordar ou discordar dessa afirmao.

    O ultimato Bohr sobre uma nova realidade continua em aber-to, portanto.

    Em um mar de cientistas com comportamentos estranhos o caso emblemtico o do fsico britnico Paul Dirac (1902-1984) , Bohr soava como a normalidade em sua mais lmpida plenitude. Pai carinhoso de seis filhos dois morreram prematuramente , marido dedicado, bom amigo, pessoa simples e admirada por todos. Heri nacional da Dinamarca, a meno a seu nome na alfndega era suficiente para abreviar a conversa com as autoridades, como lem-brava o fsico austraco Guido Beck (1903-1988), um dos pioneiros da pesquisa em fsica no Brasil. Txis, muitas vezes, nem cobraram pela corrida at o Instituto de Fsica Terica.

    No entanto, Bohr era obsessivo ao extremo com o trabalho e a clareza dos artigos reescrevia-os doentiamente. Paradoxalmente, nunca foi grande palestrante: sua dico era ruim, e seu pensamen-to mais rpido que as palavras.

    Sua personalidade impressionava. O ento jovem fsico bra-sileiro Csar Lattes (1924-2005) encontrou-se com Bohr, em de-zembro de 1947, em Copenhague, depois de ter feito palestra na Sociedade Dinamarquesa de Fsica. Lattes, mais tarde, contou que, depois de seu prprio pai, Bohr foi a figura masculina que mais o impressionou na vida.

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    Bohr foi competente administrador da cincia, defensor de refugiados de guerra, fundador da fsica biolgica e da medicina nuclear, incentivador de jovens talentos. E pacifista convicto na Era Nuclear apesar de ter trabalhado no projeto da bomba atmica. Sempre reconheceu seus (muitos) erros cientficos um deles, uma heresia: abrir mo da conservao da energia em meados da dcada de 1920, para tentar mostrar que o fton no tinha realidade fsica.

    Seu agora centenrio modelo atmico que Bohr denomina-va panqueca, por causa das rbitas circulares dos eltrons hoje um arremedo do que a mecnica quntica sabe sobre o interior do tomo. Pertence chamada velha teoria quntica.

    Sua morte, em 18 de novembro de 1962, causou comoo mundial talvez, tenha sido mais impactante que a de Einstein. Ele sempre viveu publicamente; Einstein, em recluso nos ltimos 20 anos de vida.

    A sntese de Pais deveria ser considerada: Einstein foi o maior fsico do sculo passado; Bohr, o maior filsofo. As discusses en-tre ambos no eram sobre um fenmeno, uma crena, um aspecto da vida ou detalhe do conhecimento. Foram uma batalha pelo que talvez seja a mais penetrante das questes filosficas: por que a re-alidade fsica do jeito que ?

    Eram discusses sobre a alma da natureza e da linguagem. Nada pode ser mais profundo.

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    [Uma verso deste texto foi publicada em Ilustrssima, da Folha de S. Paulo (28/12/14)]

    TeOReMa De Bell50 anos da descoberta mais profunda da cincia

    Um pas da Amrica do Sul quer manter a privacidade de suas informaes estratgicas, mas se v obrigado a comprar os equipamentos para essa tarefa de um pas bem mais avanado tec-nologicamente. Mas esses aparelhos podem estar grampeados...

    Surge, ento, a dvida quase bvia: haver, no futuro, priva-cidade 100% garantida? Resposta: sim. E isso vale at mesmo para um pas que compre a tecnologia antiespionagem do inimigo.

    O que possibilita a resposta afirmativa acima o resultado que j foi classificado como o mais profundo da cincia repita-se, da cincia: o chamado teorema de Bell, que trata, por sua vez, de

    John Bell Crdito: Wikimedia Commons

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    uma das perguntas filosficas mais agudas e penetrantes feitas at hoje e que alicera o prprio conhecimento: o que a realidade?

    O teorema de Bell que completa agora 50 anos garante que a realidade, em sua dimenso mais ntima, inimaginavel-mente estranha.

    Ao fantasmagrica

    A histria do teorema, de sua comprovao experimental e suas aplicaes modernas tem vrios comeos. Talvez, aqui, o mais apropriado seja um artigo de 1935 do fsico de origem alem Albert Einstein (1879-1955) e de dois colaboradores, o russo Boris Podol-sky (1896-1966) e o norte-americano Nathan Rosen (1909-1995).

    Conhecido como paradoxo EPR (iniciais dos sobrenomes dos autores), o experimento terico ali descrito resumia uma lon-ga insatisfao de Einstein com os rumos que a mecnica quntica (teoria dos fenmenos na escala atmica) havia tomado. Inicial-mente, causou amargo no paladar do autor da relatividade o fato de aquela teoria, desenvolvida na dcada de 1920, fornecer apenas a probabilidade de um fenmeno ocorrer. Isso contrastava com a certeza (determinismo) da fsica dita clssica, a que rege os fen-menos macroscpicos.

    Einstein, na verdade, estranhava sua criatura, pois havia sido um dos criadores da teoria quntica. Por exemplo, em 1905, havia proposto que a luz formada por ftons, ou seja, diminutos paco-tes (ou quanta) de energia.

    Com alguma relutncia inicial, o indeterminismo da mecni-ca quntica acabou digerido por Einstein. Porm, algo nunca lhe passou pela garganta: a no localidade, ou seja, o estranhssimo fato de algo aqui influenciar instantaneamente algo ali mesmo que esse ali esteja muito distante. Einstein acreditava que coisas distantes tinham realidades independentes.

    Einstein chegou a comparar e, para os msticos de planto, vale salientar que s uma analogia a no localidade a um tipo de telepatia. Mas a definio mais famosa de Einstein para essa estranheza foi fantasmagrica ao a distncia.

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    A essncia do paradoxo EPR a seguinte: sob condies es-peciais, duas partculas que interagiram e, depois, se separaram acabam em um estado denominado emaranhado, como se fos-sem gmeas telepticas. De forma menos pictrica, diz-se que as partculas esto conectadas (ou correlacionadas, como preferem os fsicos) e permanecem assim, mesmo depois da interao.

    A estranheza maior vem agora: se uma das partculas desse par for perturbada ou seja, sofrer uma medio qualquer, como dizem os fsicos , a outra sente essa perturbao instantaneamen-te. E isso independe da distncia entre as duas partculas. Podem estar separadas por anos-luz, isto , trilhes de quilmetros.

    No artigo EPR, os autores diziam que era impossvel imagi-nar que a natureza permitisse a tal conexo instantnea entre dois objetos. E, por meio de argumentao lgica e complexa, Einstein, Podolsky e Rose concluam: a mecnica quntica tem que ser in-completa. Portanto, provisria.

    Superior luz?

    Uma leitura apressada (porm, muito comum) do paradoxo EPR dizer que uma ao instantnea (no local, no vocabulrio da fsica) impossvel, porque violaria a relatividade de Einstein: nada pode viajar com velocidade superior da luz no vcuo (cerca de 300 mil km/s). E isso inclui informao.

    No entanto, a no localidade no pode ser usada para man-dar ou receber mensagens, pois ela atuaria apenas na dimenso microscpica. No mundo macroscpico, se quisermos fazer isso, teremos que usar sinais que nunca viajam com velocidade maior que a da luz no vcuo. Ou seja, relatividade preservada.

    A no localidade tem a ver com conexes persistentes (e mis-teriosas) entre dois objetos: interferir com (alterar, mudar etc.) um deles, interfere com (altera, muda etc.) o outro. Instantaneamente. O simples ato de observar um deles interfere com o estado do outro.

    Einstein no gostou da verso final do artigo de 1935, que s viu impressa a redao ficou a cargo de Podolsky. Imaginou um texto menos filosfico. Pouco meses depois, viria a resposta do f-

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    sico dinamarqus Niels Bohr (1885-1962) ao EPR. Einstein e Bohr, poucos anos antes, haviam protagonizado o que para muitos um dos debates filosficos mais importantes da histria. Assunto: a alma da natureza, nas palavras de um filsofo da fsica.

    Em sua resposta ao EPR, Bohr reafirmou tanto a comple-tude da mecnica quntica quanto sua viso classificada como antirrealista do mundo universo atmico: no possvel dizer que uma entidade quntica (eltron, prton, fton etc.) tenha uma propriedade antes que esta seja medida. Isto , tal propriedade no seria real, no estaria oculta no objeto, espera de um aparelho de medida ou qualquer interferncia (at mesmo o olhar) do observa-dor. Quanto a isso, Einstein, mais tarde, ironizaria: Ser que a Lua s existe quando olhamos para ela?.

    Apesar de ter sido reescrita vrias vezes, a resposta de Bohr obscura e tortuosa talvez, reflexo do modo como ele sabida-mente se expressava. Conta-se que entender suas palestras era um desafio. Mesmo assim, foi classificado pelo fsico e historiador da fsica holands Abraham Pais (1918-2000) como o maior filsofo do sculo passado.

    Argumento de autoridade

    Um modo de entender o que seja uma teoria determinista o seguinte: aquela na qual se pressupe que a propriedade a ser me-dida est presente (ou escondida) no objeto e pode ser determina-da com certeza. Os fsicos denominam esse tipo de teoria com um nome bem apropriado: teoria de variveis ocultas.

    Em uma teoria de variveis ocultas, a tal propriedade (conhe-cida ou no) existe, real. Da, por vezes, os filsofos classificarem esse cenrio como realismo Einstein gostava do termo realida-de objetiva, isto , as coisas existem sem a necessidade de serem observadas.

    Mas, na dcada de 1930, um teorema havia provado que se-ria impossvel haver uma verso da mecnica quntica como uma teoria de variveis ocultas. O feito era de um dos maiores matem-ticos de todos os tempos, o hngaro John von Neumann (1903-

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    1957). E, fato no raro na histria da cincia, valeu o argumento da autoridade em vez da autoridade do argumento.

    O teorema de von Neumann era perfeito do ponto de vista ma-temtico, mas errado, tolo e infantil como chegou a ser classifi-cado do ponto de vista fsico, pois partia de uma premissa equivo-cada. Sabe-se hoje que Einstein desconfiou dela: Temos que aceitar isso como verdade?, perguntou a dois colegas. Mas no foi alm.

    O teorema de von Neumann serviu, porm, para praticamen-te pisotear a verso determinista (portanto, de variveis ocultas) da mecnica quntica feita, em 1927, pelo fsico e nobre francs Louis De Broglie (1892-1987), Nobel de Fsica de 1929, que, por conta disso, acabou desistindo dessa linha de pesquisa.

    Por exatas duas dcadas, o teorema de von Neumann e as ideias de Bohr que formou em torno dele uma influente escola de jovens notveis dissuadiram tentativas de buscar uma verso determinista da mecnica quntica.

    Mas, em 1952, o fsico norte-americano David Bohm (1917-1992), inspirado pelas ideias de De Broglie, apresentou uma verso de variveis ocultas da mecnica quntica hoje, denominada me-cnica quntica bohmiana, homenagem ao pesquisador que tra-balhou na dcada de 1950 na Universidade de So Paulo (USP), quando perseguido nos EUA pelo macartismo, perodo conhecido como caa aos comunistas.

    A mecnica quntica bohmiana tinha duas caractersticas em sua essncia: i) era determinista (ou seja, de variveis ocultas); ii) era no local (isto , permitia a tal ao a distncia). Esta ltima fez Einstein (um localista convicto) perder o interesse inicial por essa nova verso.

    Protagonista

    Entra em cena a principal personagem desta histria: o fsico norte-irlands John Stewart Bell, que, ao tomar conhecimento da mecnica bohmiana, teve uma certeza: o impossvel havia sido feito. Mais: von Neumann estava errado.

    A mecnica quntica de Bohm ignorada logo de incio pela comunidade de fsicos acabava de cair em terreno frtil: Bell,

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    desde a universidade, remoa, como um hobby, os fundamentos filosficos da mecnica quntica (EPR, von Neumann, De Broglie etc.). E tinha tomado partido nesses debates: era um einsteiniano assumido e achava Bohr obscuro.

    Bell nasceu em 28 de junho de 1928, em Belfast, em uma fa-mlia anglicana sem posses. Deveria ter parado de estudar aos 14 anos, mas, por insistncia da me, que percebeu os dotes intelec-tuais do segundo de quatro filhos, foi enviado a uma escola tcnica de ensino mdio onde aprendeu coisas prticas (carpintaria, cons-truo civil, biblioteconomia etc.).

    Ao se formar, aos 16 anos, tentou empregos em escritrios, mas o destino quis que terminasse como tcnico preparador de ex-perimentos no Departamento de Fsica da Universidade Queens, tambm em Belfast.

    Os professores do curso logo perceberam o interesse do tc-nico pela fsica e passaram a incentiv-lo, com indicaes de lei-turas e aulas. Com uma bolsa de estudo, Bell se formou em 1948 em fsica experimental e, no ano seguinte, em fsica-matemtica. Ambos com louvor.

    De 1949 a 1960, Bell trabalhou no AERE (Estabelecimento para a Pesquisa Energia Atmica), em Harwell (Reino Unido), onde conheceu sua futura mulher, a fsica Mary Ross, que se tor-naria sua interlocutora em vrios trabalhos sobre fsica. Ao olhar novamente esses artigos, vejo-a em todo lugar, disse Bell, em ho-menagem recebida 1987.

    Defendeu seu doutorado em 1956, depois de um perodo na Universidade de Birmingham (Reino Unido), sob orientao do f-sico teuto-britnico Rudolf Peierls (1907-1995). A tese inclui uma prova de um teorema muito importante da fsica (teorema CPT), mas a prioridade acabou ficando com outro fsico da poca. Mary j era doutora h cerca de 10 anos.

    O teorema

    Por discordarem dos rumos que as pesquisas no AERE haviam tomado, o casal decidiu trocar empregos estveis por posies tempo-

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    rrias no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), em Gene-bra (Sua). Ele na Diviso de Fsica Terica; ela na de Aceleradores.

    Bell passou 1963 e o ano seguinte trabalhando nos EUA. L, encontrou tempo para se dedicar a seu hobby intelectual e gestar o resultado que marcaria para sempre sua carreira e lhe daria, dca-das depois, fama.

    Bell se fez a seguinte pergunta: ser que a no localidade da teoria realista (entenda-se, de variveis ocultas) de Bohm seria uma caracterstica de qualquer teoria realista da mecnica quntica? Em outras palavras, se as coisas existirem sem serem observadas, elas teriam que necessariamente estabelecer aquela fantasmagoria ao a distncia?

    O teorema de Bell, publicado em 1964, tambm conhecido como desigualdade de Bell, designao que reflete sua essncia, pois trata de uma inequao na verdade, sua matemtica no muito complicada. Mas, de modo muito simplificado, podemos pens-lo assim: B 2 o B simplesmente homenagem nossa a Bell.

    Para nossos propsitos aqui, a forma de interpret-lo pode ser esta: se os dados de um experimento mostrarem que B maior do que 2, a desigualdade, ento, ser violada. E, se isso ocorrer, teremos que abrir mo de uma das duas suposies: i) realismo (as coisas existem sem serem observadas); ii) da localidade (o mundo quntico no permite conexes mais velozes que a luz).

    O artigo do teorema no teve grande repercusso Bell havia feito outro antes, mas, por erro do editor do peridico, acabou pu-blicado s em 1966. A supremacia das ideias de Bohr e o teorema de von Neumann ainda assombravam a rea.

    Hippies em cena

    A retomada das ideias de Bell e, por conseguinte, do EPR e de Bohm ganhou momento com fatores externos fsica: hippies; gerao paz e amor; luta pelas liberdades civis; oposio guerra do Vietn; movimento estudantil; maio de 1968; filosofias orien-tais; telepatia; conscincia humana; drogas psicodlicas etc.

    Em resumo: rebeldia.

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    Uma das personagens desse cenrio, o fsico norte-americano John Clauser, disse anos depois: A guerra do Vietn dominava os pensamentos polticos da minha gerao. Sendo um jovem fsico naquele perodo de pensamento revolucionrio, eu naturalmente queria chacoalhar o mundo.

    Traduzida para a fsica, essa rebeldia significava talvez, para ir contra o sistema dedicar-se a uma rea hertica na academia: in-terpretaes (ou fundamentos) da mecnica quntica. Mas fazer isso aumentava consideravelmente as chances de um jovem fsico arrui-nar sua carreira, pois EPR, Bohm e Bell eram considerados assuntos filosficos; portanto, no fsicos. Some-se a isso a crise do petrleo de 1973, que diminuiu a oferta de postos para jovens fsicos.

    A alquimia estava completa: rebeldia e recesso. Clauser, juntamente com trs colegas, Abner Shimony, Ri-

    chard Holt e Michael Horne, publicaram suas primeiras ideias so-bre o assunto em 1969, com o ttulo Proposta de experimento para testar teorias de variveis ocultas. E, em parte, fizeram isso porque perceberam que a desigualdades de Bell poderiam, naquele mo-mento, ser testadas com ftons at ento, pensava-se em arranjos experimentais mais complicados.

    Em 1972, a tal proposta virou experimento feito por Clauser e Stuart Freedman (1944-2012) , e a desigualdade de Bell foi violada.

    O mundo parecia ser no local ironicamente, Clauser era um localista. Apenas parecia, pois o experimento continuou por cerca de uma dcada incompreendido e, portanto, desconsiderado pela comunidade de fsicos. Mas aqueles resultados serviram para reforar algo importante: fundamentos da mecnica quntica no eram s filosofia. Eram tambm fsica experimental.

    Mudana de cenrio

    O aperfeioamento de equipamentos de ptica (incluindo, lasers) permitiu que, em 1982, um experimento se tornasse um clssico da rea.

    Pouco antes, o fsico francs Alain Aspect havia decidido ini-ciar a um doutorado tardio, mesmo sendo um fsico experimental

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    experiente. Escolheu como tema o teorema de Bell. Foi ao encon-tro do colega norte-irlands no CERN. Em entrevista ao fsico Ivan dos Santos Oliveira Jnior, do Centro Brasileiro de Pesquisas Fsi-cas, no Rio de Janeiro (RJ), e ao autor deste texto, Aspect contou o seguinte dilogo entre ele e Bell. Voc tem uma posio perma-nente?, perguntou Bell. Sim, disse Aspect. Caso contrrio, voc seria muito pressionado a no fazer o experimento, disse Bell.

    A leitura da conversa acima a seguinte: quase duas dcadas depois do artigo seminal de 1964, o tema continuava revestido de preconceito.

    Em um experimento feito com pares de ftons emaranhados, a natureza, mais uma vez, mostrou seu carter no local: a desigual-dade de Bell foi violada. Os dados mostraram B > 2. Em 2007, por exemplo, o grupo do fsico austraco Anton Zeilinger verificou a violao da desigualdade, usando ftons separados por... 144 km.

    Na entrevista dada no Brasil, Aspect disse que, at ento, o teorema de Bell era pouqussimo conhecido pelos fsicos, mas ga-nharia fama depois de seu experimento, por conta, em parte, dos vrios convites que Aspect recebeu para falar de seus resultados. Bell participou da banca de doutorado de Aspect.

    No local

    Afinal, por que a natureza permite que haja a tal telepatia einsteiniana? , no mnimo, estranho pensar que uma partcula perturbada aqui possa, de algum modo, alterar o estado de sua companheira nos confins do universo.

    H vrias maneiras de interpretar as consequncias do que Bell fez. De partida, algumas (bem) equivocadas: i) a no locali-dade no pode existir, porque viola a relatividade; ii) teorias de variveis ocultas (Bohm, De Broglie etc.) da mecnica quntica esto totalmente descartadas; iii) a mecnica quntica realmente indeterminista; iv) o irrealismo ou seja, coisas s existem quando observadas a palavra final. A lista longa.

    Quando foi publicado, o teorema ganhou a seguinte leitura rasa (e errnea): isso no tem importncia, pois o teorema de von

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    Neumann j havia descartado as variveis ocultas, e a mecnica quntica mesmo indeterminista. Hoje, entre os que no aceitam a no localidade, h aqueles que chegam ao ponto de dizer que Einstein, Bohm e Bell no entenderam o que fizeram.

    O filsofo da fsica norte-americano Tim Maudlin, da Uni-versidade de Nova York, em dois excelentes, artigos What Bell did (O que Bell fez; http://arxiv.org/abs/1408.1826) e Reply to com-ments on What Bell did (Resposta aos comentrios sobre o que Bell fez; http://arxiv.org/abs/1408.1828), oferece uma longa lista de equvocos.

    Para Maudlin, renomado na rea de filosofia da fsica, o teore-ma de Bell e sua violao significam uma s coisa: a natureza no local (fantasmagrica) e, portanto, no h esperana para a locali-dade, como Einstein gostaria e, nesse sentido, pode-se dizer que Bell mostrou que Einstein estava errado. Assim, qualquer teoria de-terminista (realista) que reproduza os resultados experimentais ob-tidos at hoje pela mecnica quntica por sinal, a teoria mais preci-sa da histria da cincia ter que necessariamente ser no local.

    De Aspect at hoje, desenvolvimentos tecnolgicos impor-tantes permitiram algo impensvel h poucas dcadas: estudar isoladamente uma entidade quntica (tomo, eltron, fton etc.). E isso deu incio rea de informao quntica, que abrange o es-tudo da criptografia quntica aquela que permitir a segurana absoluta dos dados e dos computadores qunticos, mquinas ex-tremamente velozes. De certo modo, filosofia transformada em fsica experimental.

    E muitos desses avanos se devem rebeldia de uma gerao de fsicos jovens que queriam contrariar o sistema. Histria sabo-rosa desse perodo est em How the hippies saved physics (Como os hippies salvaram a fsica; W. W. Norton & Company, 2012), do historiador da fsica norte-americano David Kaiser. E uma anli-se histrica detalhada no livro The quantum dissidentes rebuil-ding the foundations of quantum mechanics (1950-1990) (Springer, 2015), do historiador da fsica Olival Freire Jnior, da Universida-de Federal da Bahia.

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    Para os mais interessados no vis filosfico, os dois volumes premiados de Conceitos de fsica quntica (Editora Livraria da Fsi-ca), do fsico e filsofo Osvaldo Pessoa Jr., da USP.

    Privacidade garantida?

    A esta altura, o(a) leitor(a) talvez esteja se perguntando so-bre o que o teorema de Bell tem a ver com uma privacidade 100% garantida. No futuro, (bem) provvel que a informao seja en-viada e recebida na forma de ftons emaranhados. Pesquisas re-centes em criptografia quntica garantem que bastaria submeter essas partculas de luz ao teste da desigualdade de Bell. Se a ela for violada, ento, 100% de certeza de que a mensagem no foi bisbilhotada indevidamente. E o teste independe do equipamento usado para enviar ou receber os ftons. A base terica para isso est, por exemplo, em The ultimate physical limits of privacy (Os limites fsicos finais da privacidade), dos fsicos Artur Ekert e Re-nato Renner (http://bit.ly/1GHZ7kP).

    Em um futuro no muito distante, talvez, o teorema de Bell se transforme na arma mais poderosa contra a espionagem. E isso tremendo alento para um mundo que parece rumar privacidade zero. E isso ser mais uma linha no currculo de um teorema que , segundo o fsico norte-americano Henry Stapp, especialista em fundamentos da mecnica quntica, o resultado mais profundo da cincia. Merecidamente, tudo indica. Afinal, por que a natureza optou pela ao fantasmagrica a distncia?

    A resposta um mistrio. Pena que a pergunta nem mesmo seja citada nas graduaes de fsica no Brasil.

    Bell morreu de hemorragia cerebral em 1 de outubro de 1990.

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    Albert Einstein, na infncia e maturidadeCrdito: Wikimedia Commons

    [Uma verso deste texto foi publicada em Mais!, da Folha de S. Paulo (05/06/05)]

    eINSTeINParadoxos para alm da relatividade

    A primeira impresso que Albert causou em sua me, Pauline Koch Einstein (1858-1920), foi espanto. Ela achou que tivesse dado luz uma criana deformada. Porm, a cabea pontiaguda do re-cm-nascido voltaria ao normal pouco depois daquela sexta-feira, 14 de maro de 1879, 11h30 da manh, no endereo Bahnhofstras-se 135 B, em lm, sul da Alemanha prdio que no sobreviveu aos bombardeios da Segunda Guerra Mundial.

    O pequeno Einstein era rechonchudo, tmido e gostava de brincar sozinho sua diverso predileta era fazer castelos de car-tas. Quando participava de jogos, preferia ser o juiz. Tinha acessos de raiva violentos. Num deles, abriu a cabea da irm, Maja (1881-

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    1951), com uma bola de boliche. Em outra, atirou uma cadeira em uma professora particular que desistiu do aluno.

    Por volta dos seis anos, Einstein comeou a ter aulas de ju-dasmo. Nessa poca, entrou para uma escola pblica e catlica de Munique, para onde a famlia havia se mudado em 1880. Era o nico judeu da classe. Foi um excelente aluno. Em agosto de 1886, Pauline escreveu para a me: [Albert] foi novamente o melhor; o boletim brilhante.

    Os problemas escolares de Einstein comearam no Ginsio Luitpold. O autoritarismo de alguns professores o desagradava muito. Porm, a pedagogia alem militarista, segundo Einstein no conseguiu destruir seu interesse pelos estudos. Por volta dos dez anos, comeou a ler sobre fsica, matemtica e filosofia. Mais tarde, passou a estudar sozinho matemtica avanada.

    Em 1894, a famlia se mudou para a Itlia, depois de os neg-cios de seu pai, Hermann (1847-1902), falirem em Munique fa-lncias seriam um constante na vida de Hermann. Einstein ficou na cidade morando numa penso. Passou, ento, a articular um plano. Conseguiu dispensa da escola com um atestado mdico que alegava estafa mental sim, Einstein mentiu e pediu uma carta de recomendao ao professor de matemtica, que escrever que nada mais tinha a ensinar quele aluno brilhante. Largou o Luit-pold e foi para Pavia (Itlia), onde passeou por museus e aprendeu um pouco de italiano.

    Depois dessas frias prolongadas, decidiu entrar para a universidade. Conseguiu convencer um diretor da Escola Poli-tcnica de Zurique (Sua) de que tinha condies de prestar o exame de ingresso. Foi reprovado. Principalmente, nas discipli-nas de humanas. Porm, duas justificativas a seu favor: ele era dois anos mais novo que a idade regulamentar para aquela ad-misso, e sua matemtica e fsica impressionaram bastante a ban-ca examinadora. Recebeu, ento, duas propostas: i) assistir a au-las de matemtica e fsica naquela facultada; ii) terminar o ensino mdio em uma escola sua e, depois disso, ingressar diretamente na Politcnica.

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    Einstein ficou com a segunda opo. Matriculou-se, ainda em 1895, na escola de Aarau, no canto de Argvia. Um ano depois, formou-se (em primeiro lugar de sua turma) e seguiu para a Poli-tcnica. Nessa poca, tomou uma deciso aparentemente madura para um jovem: renunciou cidadania de seu estado natal, Wrt-temberg e, consequentemente, alem , argumentando discor-dar da mentalidade militarista germnica.

    At o segundo ano do curso de formao de professores do ensino mdio de matemtica e fsica, Einstein foi excelente aluno. A partir da, passou a matar aulas para estudar tpicos de seu in-teresse. Leu os clssicos da fsica e at Darwin. Mas, com isso, s passou nos exames finais porque estudou com as anotaes de aula de um colega, Marcel Grossmann (1878-1936), e da srvia Mileva Maric (l-se Mritchy), sua futura mulher.

    Em 1900, Einstein estava assim: formado, desempregado, sem a mesada familiar e sem cidadania. Para sobreviver, deu aulas em escolas secundrias e aulas particulares estas ltimas acabaram por no lhe render nada, pois tornou-se amigo dos alunos, e jun-tos formaram a chama Academia Olmpia, em cujas reunies liam sobre fsica, literatura, filosofia, entre outros tpicos. As obras filo-sficas do matemtico francs Henri Poincar (1854-1912) foram as que mais impressionaram Einstein

    Em 1902, conseguiu, por indicao do pai de Grossmann, um emprego como tcnico de 3 classe no Escritrio de Patentes em Berna (Sua), onde permaneceria por sete anos.

    Em 1905, produziu uma tese de doutorado e cinco artigos que mudariam a face da fsica. Por conta dessa impressionante tem-pestade mental, 1905 se tornou o Ano Miraculoso da fsica. Mas so trs trabalhos daquele ano que deram fama inicial a Einstein mesmo que ela tenha inicialmente ficado restrita comunidade ento pequena de fsicos mundial: o efeito fotoeltrico, no qual ele prope que a luz tem uma natureza corpuscular; e dois sobre a relatividade restrita (ou especial), em que ele alterou para sempre a noes de espao e tempo, tornando essas duas grandezas relativas ou seja, elas dependem de cada observador.

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    Brilho que ofusca

    O brilho de Einstein levou a resultados paradoxais. Enquanto iluminou aqueles que, s vezes, por mero oportunismo, aproxima-vam-se dele, criou uma penumbra sobre sua mulher e seus filhos.

    Sobre Mileva, talvez tenha recado o peso maior da sina de ser uma Einstein. Ela nasceu, em 1875, em Titel, no ento Imp-rio Austro-Hngaro. Alm da lngua srvia, dominava o alemo, o francs, o hngaro e o ingls. Estudou piano e teoria musical. Na escola, era excelente aluna. Suas habilidades em matemtica e fsica eram excepcionais.

    Em 1894, foi para um seleto colgio de meninas em Zurique. Dois anos depois, passou brevemente por medicina, antes de optar pelo curso de formao de professores de fsica e matemtica da Escola Politcnica de Zurique, onde conheceu Einstein. Era a ni-ca mulher de uma turma de cinco. Algumas de suas notas foram melhores que as de Einstein.

    Nos exames finais, Mileva, paradoxalmente, repetiu em ma-temtica. Um ano depois, tentou de novo, mas falhou. Mas, agora, havia uma boa explicao: estava grvida de Lieserl, filha que nasceu em 27 de janeiro de 1902, antes do casamento formal (1903), e cujo destino se desconhece supe-se que a menina ou tenha morrido de escarlatina ainda com poucos anos de vida, ou tenha sido colocada para adoo e nunca tenha sabido de quem era filha. Esta ltima hi-ptese parece a mais provvel, indicam investigaes mais recentes.

    Mileva e Einstein certamente discutiam fsica. Porm, o fato de Mileva no ter sido a autora injustiada da relatividade como foi defendido mais de uma vez no tira em nada seu mrito. O f-sico e historiador da cincia Dord Krstic afirma que ela foi uma das primeiras mulheres do Imprio Austro-Hngaro a conseguir auto-rizao para assistir a aulas de fsica em uma classe s de meninos. Vai alm: defende que, assim como Marie Curie (1867-1934), Mi-leva foi uma das primeiras mulheres fsicas da histria.

    Nascido em 1904, Hans Albert formou-se em 1927 em enge-nharia civil pela Escola Politcnica de Zurique e obteve seu dou-

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    torado em hidrulica em 1936 desde criana, gua era sua gran-de paixo. Diferentemente da me, Hans Albert recebeu o devido reconhecimento pelo alcance de sua obra. considerado um dos maiores especialistas do sculo passado em transportes de sedi-mentos em rios e canais.

    Morreu do corao aos 69 anos. Em seu tmulo, l-se: Uma vida dedicada a seus estudantes, pesquisa, natureza e msica. Excluda a palavra estudantes, poderia ser a lpide de seu pai.

    Eduard, filho mais novo, foi um aluno excepcional. Apren-deu a ler aos trs anos e aos nove devorava livros em quantidades assustadoras. Tinha memria fotogrfica, o que o permitia repetir praticamente tudo o que lia. Essa atividade mental alucinada fez com Einstein tentasse frear esse mpeto. Ganhou conhecimento profundo sobre autores como Kafka, Shakespeare, Goethe, Schiller e especialmente Rilke. E, em 1931, alguns de seus escritos foram publicados. Nascido em 1910, reclamou de dores de cabea e zum-bido nos ouvidos desde cedo.

    No final da adolescncia, seu distrbio mental se tornou s-rio. Entrou para a faculdade de medicina, mas a abandonou no terceiro semestre ia s aulas acompanhado de um enfermeiro. Passou parte da vida internado. Morreu num hospital psiquitrico, em 1965, na Sua. O pai o visitou pela ltima vez em 1933; escre-veu-lhe a ltima carta em 1944.

    Mileva Maric e Albert EinsteinCrdito: Wikimedia Commons

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    Rumo geral

    Em 1907, Einstein d um passo decisivo rumo generaliza-o d