1 ARTIGO Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexistir entre as mulheres Resumo: Sobre um feminismo que, no Brasil, se inicio no fim do século XIX e já sofreu diversas transformações, reformulações e divergências, o intuito é compreende-lo no início do século XXI. Percorrendo o imaginário social popular observaremos produções musicais do período cantadas por mulheres, para entendermos como se manifestam os discursos de gênero feminino, além de problematizar a dificuldade deste movimento social e intelectual em se disseminar e abranger todas as mulheres atualmente. O contexto nos permite enxergar um movimento fragmentado que leva à pauta questões diferentes, nos possibilitando chamar de “feminismos” graças a tamanha diversidade, sem contar que também nos propicia a entender quais as principais lutas intituladas feministas no início deste século. Palavras chave: Feminismos; mulheres; música; imaginário popular; patriarcado; diversidade. Introdução: No jornal da Folha de São Paulo, texto publicado dia 8 de março de 2015, dia da mulher, a jornalista Ursula Passos nos apresenta uma problemática, bem discorrida nas mídias de socialização digital, a dificuldade de se discutir o feminismo atualmente. “RESUMO: Após uma primeira onda marcada por reinvindicações de direitos políticos, e de uma segunda onda concentrada na luta por igualdade de papéis e liberdade sexual, o feminismo atual incorpora novos temas. Potencializado pela internet, o discurso contemporâneo é mais diversificado e se entrelaça com reinvindicações específicas.” (p. 6) Nas vias de comunicação social, principalmente conectados à internet, como comenta a jornalista, nos deparamos com vertentes e discursos que hora são extremistas e propagam um feminismo mais tradicional, hora promovem o velho e conservador machismo (que vem sendo descontruído aos poucos), ou até vertentes que por hora até viabilizam a igualdade entre homens e mulheres, porém não se intitulam feministas.
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Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexistir entre as mulheres
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ARTIGO
Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de
coexistir entre as mulheres
Resumo:
Sobre um feminismo que, no Brasil, se inicio no fim do século XIX e já sofreu
diversas transformações, reformulações e divergências, o intuito é compreende-lo no
início do século XXI. Percorrendo o imaginário social popular observaremos
produções musicais do período cantadas por mulheres, para entendermos como se
manifestam os discursos de gênero feminino, além de problematizar a dificuldade
deste movimento social e intelectual em se disseminar e abranger todas as mulheres
atualmente. O contexto nos permite enxergar um movimento fragmentado que leva à
pauta questões diferentes, nos possibilitando chamar de “feminismos” graças a
tamanha diversidade, sem contar que também nos propicia a entender quais as
principais lutas intituladas feministas no início deste século.
internacionalmente: ‘O pessoal é político’. Além disso, questionavam os
preconceitos machistas e preocupavam divulgar para além do circulo
restrito dos grupos, a ideia do ‘orgulho de ser mulher’, entendendo que
8
isso é o que define a ‘condição feminina’, e não a biologia como
acreditava o senso comum.” (PEDRO, Joana M. 2012, pp. 244-245)
Quanto às imagens que atribuíam ao modelo feminino e que continuam sendo
atribuídos, Pinsky faz uma boa colocação:
“Há muito mais à dizer sobre a trajetória das imagens femininas no
Brasil. E é de grade relevância uma Historia das transformações de
representação da mulher negra, da execração ao resgate orgulhoso.
Também das diferentes concepções que envolvem a figura da
‘mulata’(...). Ou os distintos modos de encarar a mulher do campo nos
séculos XX e XXI. E por que não uma História das imagens das mulher
brasileiras que fizeram nossa fama no exterior(...) Fartamente
corroborada por campanhas publicitárias, fotos e filmes de nossas praias
ou desfiles de carnaval(...) a ‘brasileira’ é internacionalmente famosa por
seus atributos físicos e ausência dos pudores puritanos(...)” (PINSKY,
Carla B. 2012, p.541)
E concluí com relação aos tipos de transformações e permanências dos
períodos rígidos e flexíveis que marcaram e marcam a historia das mulheres, e
compreender ter sido fundamental:
“(...)Estabelecer o processo histórico da configuração das imagens
femininas e o contraste entre os dois períodos(...). Claro, o tradicional
insiste em conviver com o moderno, mas os modelos são frutos de seu
tempo, podem sofrer mudanças e ser controlado por diferentes sujeitos
históricos.(...)” (PINSKY, Carla B. 2012, p.541)
Percebemos que o feminismo sofreu rupturas, transformações e ganhou
várias vertentes, como um produto de seu próprio tempo, mas como chegou no que
é hoje? Por que tantos seguimentos que preferem manter-se longe da conotação
linguística “feminismo”?
Bases teóricas e os conflitos de segunda onda:
Maria Odila Leite da Silva Dias ao teorizar os conceitos feministas, nos diz ser
uma tarefa difícil, e que aventurar-se nessas pesquisas é no mínimo complicado,
afinal trata-se mais de uma tentativa de descontruir “parâmetros herdados do que
9
construir “marcos teóricos.”5 Ou seja, é mais fácil dizer para que serve o feminismo,
do que discorrer sobre o que é em linhas teóricas. Até porque divergem muitos
pensamentos, ainda mais quando se atreve o feminismo a descontruir estereótipos
naturalizados e cotidianos, na esfera da vida privada.
Mesmo assim, as relações teóricas e metodológicas que utilizamos tem forte
ligação com o Marxismo, materialismo histórico e conceito dialético, interdisciplinar
também quando utiliza a psicanalise e os estudos das mentalidades. Tudo isso
porque entre as potencialidades básicas do feminismo, pretende-se na realidade,
criticar relações de gênero herdadas da cultura do pátrio poder, analisando as
construções históricas socioculturais, a fim de compreendê-las e por fim desconstruí-
las ou desmistifica-las, no intuito de contribuir para as transformações deste
processo histórico.
Consiste também em reconhecer a mulher enquanto ser social e agente
histórico, na tentativa de resgatar a consciência histórica, para compreender o
passado como uma temporalidade passível de transformações do que um dia foi
condicionado à mulher, ou melhor, ao gênero.
Para compreendermos “gênero”, entrelaço minhas pesquisas ao artigo de
Linda Nicholson6, que se faz clara o suficiente na compreensão contemporânea de
dois conceitos inerentes aos estudos feministas: mulher e gênero. Para ela, “gênero
foi desenvolvido e é sempre usado em oposição a ‘sexo’, para descrever o que é
socialmente construído, em oposição ao que é biologicamente dado. Aqui ‘gênero’ é
tipicamente pensado como referencia a personalidade e comportamento, não ao
corpo.” (p, 1)
Na historia europeia do século XVII, XVIII e principalmente XIX, as teorias
cientificistas do homem como matéria física, colocavam em pauta a importância de
se compreender a natureza biológica e as configurações específicas do ser humano.
O corpo já carregava em si dados “determinantes” do ser, as teorias que definiam as
diferenças físicas do ser reforçavam a cultura de dominação do gênero masculino,
tendo o macho como o mais forte e a fêmea condicionada a gestação, um ser mais
frágil, servindo de álibis para opressão, além de contribuir para conceitos de
dominação por raça, por exemplo, no século XIX, mais um álibi para dominação.
As influencias são imensas, o órgão sexual biológico determinava sua posição
no mundo, ou no mínimo ditaria sua funcionalidade, e as feministas do século XIX
compreenderam muito bem a opressão pelo sexismo, porém entendiam que a
identidade sexual era definida pela biologia em concomitância à uma construção
5 DIAS, Maria Odila da Silva. Teorias e método dos estudos feministas (perspectiva
histórica e hermenêutica do quotidiano). São Paulo, 1990. Mimeo. p, 39. 6 NICHOLSON, Linda. 2000.
10
social do caráter humano7. Elas entendiam, em sua maioria, que só as diferenças
biologias entre homens e mulheres não davam conta de explicar as diferenças
sociais que se estabeleceram.
Entretanto, é incrível perceber como existem divergências e como o próprio
feminismo vem apresentando falhas. Como já disse, foi de suma importância para
chegar no que somos hoje mas, como todo processo, exige transformações em
fronte as novas necessidades. Feministas mais radicais, principalmente a partir dos
anos 60,compreender bem as diferenças sociais que foram construídas, mas
definem a mulher a partir de seu funcionalismo biológico e generalizam, através da
história, as diferenças e definiam o que é ser mulher ao seu modo. Como cita Linda
Nicholson:
“Dizer que ‘as mulheres são diferentes dos
homens desse ou daquele jeito’ é dizer que mulheres são ‘desse ou
daquele jeito’”. (NICHOLSON, Linda. 2000, p. 20)
Ou seja, mesmo o feminismo de segunda onda inicialmente, visando
descontruir parâmetros herdados do patriarcado, baseava-se em uma generalização
histórica em comum do que é ser mulher e não levava em consideração as
diferenças que existem entre as próprias mulheres, até porque as que mais
pensavam o feminismo, me sua maioria, eram intelectuais, burguesas, elitistas,
brancas, cisgênero8 e heterossexuais.
E como percebeu Mary Del Priori, ao falar da cultura massificada que se
expressava nos meios de comunicação mais comuns dos anos 70 e 80, como TV,
rádio, jornais e revistas: “Aos trancos e barrancos, discutiam-se um novo modelo de
feminilidade, mas também de masculinidade”.(p.179)
Isso fez com que mulheres, principalmente no período citado, tivessem
grande repulsa pelo feminismo, muitas se desvincularam e preferiam participar de
movimentos de mulheres, para não ficarem taxadas, afinal o feminismo virou
sinônimo de mal amadas, lésbicas e masculinizadas. Muitas teóricas não
relativizavam a importância de outras realidades sociais, e não compreendiam a
pluralidade do ser humano quando se deparavam com: mulheres negras, lésbicas,
7 Simone de Beauvoir, a corrente filosófica do existencialismo e os pensamentos de Marx que
discorrem sobre a forte influencia da sociedade na construção do caráter humano, são suporte que dão asas ao feminismo no século XX. 8 “Cisgênero: Pessoa cuja identidade de gênero coincide com o sexo biológico. Aquelas que são
biologicamente mulheres e possuem identidade de gênero feminina ou biologicamente homens e possuem identidade de gênero masculina.”( APUD.Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual. Diversidade Sexual e cidadania LGBT. São Paulo: SJDC/SO, 2014. P 16.)
11
mulheres transexuais e mulheres pobres, mulheres do campo, e etc. Ou seja,
mulheres que faziam parte de vários esquemas de dominação social, por outras
realidades além do sexismo, que também contribuíram para a formação do caráter
social destas pessoas não se sentiam representadas pelo feminismo. Apesar
dessas mulheres estarem presentes, contribuindo , servindo de inspiração e
enfrentando o modelo de dominação, desde os primórdios do feminismo, mesmo
que não compreendessem o termo cientifico e teorizado.
Linda Nicholson defende:
“(...) o feminismo precisa abandonar o funcionalismo biológico junto com
o determinismo biológico. Defendo que a população humana difere
dentro de si mesma, não só em termos de expectativas sobre como
pensamos, sentimos e agimos; há também diferenças de como
entendemos o corpo(...)” (p.6)
As mulheres são diferentes dos homens, e isso não é álibi para opressão,
pois o biológico não define sozinho o caráter humano, mas também a formação do
caráter não é apresentada apenas por uma faceta da construção sociocultural da
raça humana, afinal somos seres plurais, possuímos semelhanças, mas também
diferenças. Podemos partilhar as mesmas experiências, o que nos une como grupo,
mas isso não define nossa realidade total.
.
Mulheres no início do século XXI:
1-Metodologia
A história social das mulheres é uma temática de multiplicidades temporais, é
um processo de longa duração, mas também está vinculado à conjunturas e
estruturas que sofreram simultâneas transformações ao longo de sua existência.
Para entendermos essas vertentes, me dispus a pesquisar essas
continuidades nos discursos feministas9, compreendendo como o gênero feminino
se reconhece atualmente e que efeitos surtiram na sociedade atual os processos
que foram sendo alterados, no fim do século XIX até dado presente.
Atentei-me analisar apenas nos cenários urbanos brasileiros, centros
industriais, bem povoados e onde os feminismos davam seus primeiros passos. Um
levantamento de algumas músicas cantadas por mulheres, dos anos 2000 em
9 . Proponho nomeá-los de “feminismos” a partir de agora, frente ao caráter plural e divergente dos
discursos.
12
diante, foi feito para compreender o que perdura no imaginário social feminino,
selecionei diferentes mulheres que tem reconhecimento popular bem repercutido no
Pop, Funk, Hip Hop, Rap, Forró, Sertanejo e MPB.
Estas fontes primarias podem ser encontradas no Youtube 10. É de cunho
duvidoso quanto ao ano exato de lançamento das produções musicais, porém o site
certifica de que o material de fato é popular pois disponibiliza em quantidade as
visualizações e usuários inscritos no canal onde o conteúdo digital foi postado. Além
de indicar o ano de lançamento para alguns video clipes e data da postagem, preferi
definir a periodização pensando apenas no recorte, como uma produção do inícios
do século XXI.
A cultura popular pode ser compreendida por suas obras, afinal, tais tem um
sentido social, ideológico e histórico, sendo a música “sincrônica” e “diacrônica”.
Sincrônica porque está ligada à um tempo/espaço determinado, o que possibilita ser
uma fonte histórica. Diacrônica porque torna-se patrimônio cultural, sendo
transmitido ao longo do tempo e podendo sofrer releituras com outros sentidos e
significados socioculturais.11Entretanto, há de se relevar, irei utilizar da historiografia
recente, dos estudos feministas e entrelaça-los às músicas. Até porque, como disse
Marco Napolitano:
“A partir desse procedimento, o historiador pode perceber quais
parâmetros foram destacados numa canção ou peça instrumental, quais
foram os critérios de julgamento de uma determinada época, como foram
produzidos os sentidos sociais, culturais e políticos a partir da circulação
social da obra e de sua transmissão como patrimônio cultural coletivo.
No caso da música popular, sua natureza industrial deve ser pensada
como parte da estrutura de criação e circulação da obra, emprestando-
lhe um estudo de “obra de arte na era da reprodutibilidade técnica” que
não pode ser abstraído na análise e submetido aos imperativos
puramente estéticos.” (p.260)
Essas obras servirão para compreendermos esses feminismos, possibilitando
quebrar paradigmas, desconstruir visões que não cabem mais ao tempo presente e
contribuir com a produção do conhecimento crítico à história das mulheres no Brasil.
10 Site que possibilita seus usuários carregarem ou compartilharem videos, em formato digital desde 2005. Há
grande quantidade de filmes, videoclipes, conteúdos caseiros e etc. Está entre os sites mais populares na internet e o própria empresa de serviços online “Google”, comprou o Youtube em 2006. 11 . NAPOLITANO, Marcos. ; “Fontes audiovisuais: a história depois do papel”.; IN: PINSKY, Carla (org);
Fontes Históricas.; São Paulo; Contexto; 2005. P, 254-260.
13
2-Contexto Atual.
No início do século XXI, nos âmbitos urbanos industriais do país, as
diferenças de classe são cada vez maiores apesar da aparente ‘ascensão’ social,
podemos agora falar em classes médias ou burguesias12.
Vivemos tempos de continuidades às lutas sociais, frequentes passeatas e
marchas, por reforma agrária, greves por um ensino público de qualidade e para
todos, mulheres manifestando por direito ao corpo e sexualidade com lutas cada vez
mais unidas ao público LGBT13, estes buscam direitos civis de igualdade na união do
casal homo afetivo perante o Estado, além de visarem a desconstrução do
patriarcado que também oprime homens/mulheres transexuais, orientação
homossexual, etc. O movimento negro também é forte neste século, agora com mais
conquistas, finalmente adquiridas, realização de cotas estudantis nas universidades
públicas, um forte resgate a memoria Africana, entre outros, porém ainda na
tentativa de descontruir o racismo mascarado do Brasil. Em contrapartida, a classe
média também repudia suas insatisfações quanto ao governo da primeira mulher na
presidência da República Democrática e vão as ruas pedir intervenção militar.
As grandes mídias tem forte influencia neste contexto, manipulam e
distorcem realidades, onde muitas destas (des)informações são discutidas nas vias
de comunicação digital, outro fenômeno de grande relevância. Não são todos que
estão conectados à rede, mas cada vez mais o capitalismo contribui na formação de
um mundo digital, tecnológico e globalizado. Em busca de novos mercados?
Provavelmente, porém a internet “democrática” torna-se um veículo para outras
mídias alternativas se expressarem, organizarem movimentos, encontros,
passeatas, desenvolverem ideias, contribuírem para disseminar o conhecimento.
Com pontos negativos também, a internet, ou mais precisamente, as mídias
sociais mostram o lado perverso, preconceituoso, com discursos de ódio sendo
vociferados, entre insultos e podendo até gerar violência física. Pessoas que se
sentem protegidas pelas telas de seus computadores ou smarthfones, e discorrem
intolerância, desrespeito e conservadorismo no presente mundo moderno e
tecnológico da era digital em nossa sociedade brasileira.
E as mulheres? Cada vez mais presentes e mais viabilizadas. Continuam as
formulações publicitárias hipersexualizando o corpo feminino, porém algumas
12 . Peter Gay já usava do termo para falar da diversificada classe de maneira categórica, hierárquica
e com aspirações distintas na Europa. GAY, Peter. O século de Schnitzler. A formação da cultura da classe média.1819-1914. Tradução: S. Duarte – São Paulo :Companhia das Letras, 2002. 13 . LBGT: Sigla Internacionalmente utilizada para se referir aos cidadãos e cidadãs Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. In: Diversidade Sexual e Cidadania LGBT. São Paulo : SJDC/SP, 2014.
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produções artísticas, na música, cinema, arte moderna e etc, propagam discursos de
igualdade para descontruir parâmetros machistas, além de forte militância nas redes
de comunicação social, mulheres denunciam as desigualdades sexuais.
Luta contra a violência à mulher
A dupla Simone e Simaria, já com grande repercussão na música nacional,
misturam o tradicional forró pé de serra com os ritmos do sertanejo universitário. As
irmãs nordestinas do interior da Bahia começaram a carreira cedo e estão juntas há
sete anos quando iniciaram ao lado do cantor Frank Aguiar. Desde 2012 apostaram
uma carreira independente e, em seu canal no YouTube, já possuem mais de 90 mil
inscritos com mais de 20 milhões de visualizações entre seus videoclipes.
Na música “Ele bate nela” descrevem melodicamente o relacionamento de um
casal, no qual o homem após o casamento mostrou-se possessivo e que agredia a
esposa. Inicialmente o mesmo demostrava amor, mas com o passar do tempo
parecia reconhecer a esposa sob sua tutela, violentando fisicamente e
psicologicamente.
Este tipo de atitude está estritamente relacionado com a cultura do
patriarcado que estrutura as relações conjugais desde o Brasil colônia, como vimos,
vem dando poder aos homens sobre as mulheres. Importante referencial à esta
compreensão, foi a legislação que criminalizava o adultério, apenas por parte das
mulheres, entre os códigos peinais do Império (1830-1890), anteriormente eram
casos resolvidos na esfera da vida privada. Nas consolidações penais de 1932, a
mulher que traísse o marido poderia sofrer pena de um a três anos de detenção, só
em 1940 essa penalidade diminui para 6 meses, estendendo-se até 2005 onde o
adultério deixou de ser crime no Brasil. As lutas feministas foram de suma
importância para as transformações dessas leis, que tomaram mais força no
movimento de segunda onda.
Lana Lage e Maria Beatriz Nader analisam as mudanças e permanências na
sociedade brasileira, e os casos de violência contra mulher em crimes “passionais”
veiculados pela imprensa, muitas vezes de forma sensacionalista. As autoras
comentam dos casos de morte entre Joana Maria Ramos(1905), anunciada pela
mídia como : “(...)uma dengosa mulata, abundante de formas e de seduções(...)
metida vaidosamente em seu vestido vermelho de bolinhas brancas, e com farto
ramalhante de cravos-pernóstico(...)”14. Até as mortes que ocorreram após a criação
da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres(2003) e a Lei Maria da
Penha(2006), como o caso de Eliza Samudio (2010).
Ambas dizem que a violência contra mulher foi até pouco tempo: 14 .Jornal: “La reine du bal”, APUD: LAGE&NADER. 2012, p.290)
15
“Legitimada pela ideologia patriarcal, institucionalizada e garantida por
leis, a dominação masculina fez do espaço do lar um locus privilegiado
para a violência contra a mulher, tida como necessária para a
manutenção da família e o bom funcionamento da sociedade” (LAGE,
Lana & NADER, Maria Beatriz. 2012.p.287)
É interessante relacionar essa citação de Lage e Nader, pensando a
passagem da música onde as irmãs cantam:
“E agora ele bate, bate nela
E ela chora, querendo voltar para os braços de sua mãe
E agora, eu tô sem saída, e se eu for embora
Ele vai acabar com minha vida
AAi aai
Quanto dor eu sinto no meu peito
Devia ter feito as coisas direito
AAi aai
Óh Deus me tire desse sofrimento
Porque viver assim eu não aguento
Só quero ser feliz”
A vítima parece inserida de certa forma nessa ideologia institucionalizada, se
vê sem saída diante da situação e ainda acredita que a culpa é dela ao dizer que
deveria ter feito as coisas direito, afinal estaria o marido apenas utilizando do
corretivo para manter a ordem da família15. Mulheres que talvez não compreendem
os feminismos e que talvez entendem as opressões sexistas como naturalizadas no
mundo.
No fim do videoclipe , há a mensagem: “ Não se cale. Denuncie. Ligue 180.”
Ou seja, as irmãs retratam a realidade de muitas mulheres ainda no país,
denunciando os maus tratos e ainda encorajam as que partilham dessa experiência
desastrosa para transformarem suas vidas, denunciando os abusos e violências na
central de atendimento a mulher. Afinal isso só foi possível porque houve uma
batalha travada por milhares de brasileiras, que contribuíram para as transformações
no cenário público e criaram centrais tratando das violências . A Lei Maria da Penha
n.11.340, aprovada em 7 de setembro de 2006, foi a principal vitória do movimento
feminista segundo as autoras, porém ainda vem enfrentando inúmeros obstáculos
para sua aplicação.
Uma produção artística muito interessante de ser analisada, porque além de
denunciar a violência contra mulher, as letras descrevem a realidade da mulher da
15 . “Família” neste sentido, compreendo como apresentou Arilda Ines Miranda Ribeiro(2000) em
Mulheres educadas na colônia, onde a palavra provem do latim famulus que significa escravos domésticos de um mesmo senhor (p.82).
16
periferia, são as musicas da Feminina. Um grupo de Hip Hop que teve inicio no ano
2000, DF. As mesmas fazem mais sucesso entre os jovens de comunidade, tiveram
varias participações entre programas de violência e abuso contra adolescentes. As
mulheres do grupo são bem conscientes e tomam frente às lutas dos direitos
humanos da população periférica, direitos civis do negro e direitos da mulher, além
de descrever a realidade dura, o envolvimento com drogas e a criminalidade em que
estão expostos esta população. Elas não possuem canal no YouTube, seus
videoclipe são postados por DJ’s, próprios de gravadoras que se propuseram a
dirigi-los.
A música “Rosas”, as levou ganhar o Premio Hutúz em 2005 na categoria de
melhor demo feminino. Particularmente, uma letra forte, que propõe descrever a
realidade de uma mulher da periferia que convivia com a embriaguez do pai, que
batia na mãe e seu irmão se envolvendo com drogas e a criminalidade, até que
conhece um rapaz que talvez trouxesse a esperança de mudar sua vida, até que
fugiu com o mesmo, porém não bastou muito tempo, se viu na mesma situação de
sua mãe, e seu “marido” a espancou. Continuaram, ela desistiu dos estudos, e
engravidou. Porém quando deu a noticia, o homem drogado agrediu novamente,
“amor de tolo, amor de louco” e a matou.
“Hoje meu amor veio me visitar
E trouxe rosas para me alegrar
E com lágrimas pede pra eu voltar
Hoje o perfume eu não sinto mais
Meu amor já não me bate mais
Infelizmente eu descanso em paz!
Tudo era lindo no começo, lembra?
Das coisas que me falou que era bom, sedução
Uma história de amor, vários planos, desejo, ilusão
E daí? Não tinha nada a perder, queria sair dali
No lugar onde eu morava me sentia tão só
Aquele cheiro de maconha e o barulho de dominó
A molecada brincava na rua e eu cheia de esperança
De encontrar no futuro a paz, sem tiroteio, vingança
E ele veio como quem não quisesse nada
Me deu um beijo e me deixou na porta de casa
Os meus olhos brilhavam, estava apaixonada!
"Deixa de ser criança!" - a minha mãe falava
Que "no começo tudo é festa" e eu ignorava
Deixa eu viver meu futuro, Zipá
Muda nada, menina boba, iludida, sabe de nada da vida
Uma proposta, ambição de ter uma família
Entreguei até a alma e ele não merecia
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O meu pai embriagado, nem lembrava da filha
O meu príncipe encantado, meu ator principal
Me chamava de "filé" e eu achava legal
No começo tudo é festa, sempre é bom lembrar!
Hoje estou feliz, o meu amor veio me visitar
Hoje meu amor veio me visitar
E trouxe rosas para me alegrar
E com lágrimas pede pra eu voltar
Hoje o perfume eu não sinto mais
Meu amor já não me bate mais
Infelizmente eu descanso em paz!
Numa atitude impensada, sai de casa pra ser feliz
Não dever satisfação, ser dona do meu nariz
Não aguentava mais ver a minha mãe sofredora
Levar porrada do meu pai embriagado e à toa
Meu irmão se envolvendo com as paradas erradas:
Cocaína, maconha, 157, armas
Eu estava feliz no meu lar doce lar
Sua roupa, olha só, tinha prazer de lavar
Mas "alegria de pobre dura pouco", diz o ditado
Ele ficou diferente, agressivo, irritado
Chegava tarde da rua, aquele bafo de pinga
Batom na camisa e cheiro de rapariga
Nem um ano de casado, ajuntado, sei lá
Não sei pra que cerimônia, o importante é amar
Amor de tolo, amor de louco, o que foi que aconteceu?
Me mandou calar a boca e não me respondeu
Insisti, foi mal, ele me bateu
No outro dia me falou que se arrependeu
Quem era eu pra julgar? Queria perdoar
Hoje estou feliz o meu amor veio me visitar.”
Neste caso, a narrativa é o desenrolar de uma história que acaba em morte.
Mas há uma denuncia dupla que a vítima sofre: violência por ser mulher e
dificuldades de enfrentar a vida, se esquivar das drogas e da criminalidade, por
conta de sua classe social e a alta exposição à estes meios. Percebe-se que a
jovem vê em seu “amor” uma expectativa para fugir dos problemas em que a classe
esta exposta, mas acaba perdendo as aspirações de vida quando é também
oprimida por ser mulher.
Mulheres autossuficientes e advertências às condutas sociais do
patriarcado
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Valesca Poposuda é uma grande artista contemporânea e revolucionou o funk
carioca, possuí 13 anos de carreira e já participou do grupo Gaiola das Poposudas,
repercutiu o funk internacionalmente entre EUA e Europa e é mundialmente
conhecida. A mesma intitula-se feminista e é grande simpatizante do movimento
LGBT, como mostrarei mais a frente. Nasceu em região periférica no Rio de Janeiro
e é considerada rainha do funk pelos fãs e seu canal no Youtube tem mais de 162
mil inscritos, com mais de 65 milhões de visualizações.
Na música “Ta pra nascer homem que vai mandar em mim” , o discurso
percorre diante da quebra de estereótipos machistas em que a mulher se interessa
pelo homem por seus bens materiais, não importando seu status social, muito
menos seus poderes aquisitivos, este não tem mais o direito sobre a mulher, muito
menos o direito de diminuí-la e ridiculariza-la. Valesca descreve uma mulher
autossuficiente que nunca precisou da tutela masculina.
“Tá para nascer homem que vai mandar em mim
Tá para nascer alguém que vai me esculachar
Tá para nascer e eu já falei pra tu
Se ficar me enchendo o saco
Mando tomar
Tá para nascer homem que vai mandar em mim
Tá para nascer alguém que vai me esculachar
Tá para nascer e eu já falei pra tu
Se ficar me enchendo o saco
Mando tomar
Vergonha na cara é coisa rara de se ver
Mal sabe meu nome e já tá querendo me ter
Nunca dependi de homem pra coisa nenhuma
Se tuas negas são tudo assim, desacostuma.”
Carla Bassaneze Pinsky comenta que:
“Na virada para o século XXI, as piadas machistas contra esse tipo
feminino não eram mais tão engraçadas ou escapavam incólumes de
uma resposta contundente. E quando, finalmente uma mulher chegou à
presidência da Republica no Brasil, as considerações depreciativas e os
debates(...) parecem rançosos e ultrapassados.”(PINSKY, Carla B. 2012,
p.540)
Muitas mulheres do século XXI não aceitam mais serem subordinadas às
vontade masculinas, ao menos não as mais explicitas como costumavam ser
anteriormente, ao compreendermos os modelos rígidos. A auto realização feminina
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agora também pode ser medida, por ela, pela independência que conquistou, não
aceitando mais ser chacota de ridicularizadores machistas. Mulheres usam inclusive
seu próprio dinheiro para promover encontros, essa não é mais uma obrigação
masculina.
Como bem nos lembra Joana Maria Pedro talvez uma das melhores
conquistas feministas que tivemos a partir dos anos 70 e 80 é o reconhecimento de
outras maneiras de ser mulher, além das idealizadas à vida domestica ligada ao
bom casamento com homem virtuoso que lhe sustentasse graças ao seu grande
poder aquisitivo.
“Vou te provar que eu não sou do tipo de mulher
Que você paga uma bebida e eu dou o que tu quer
Enfia teu malote no saco e lambe o cheque
Tenho nojo de moleque
Pode ser pagodeiro, empresário ou cantor
Pode ser funkeiro, milionário ou jogador
O que você faz da sua vida não interessa
Vou mandar tu se f**** porque sou dessas.”
Paradoxalmente, as mulheres em sua maioria, ainda estão submetidas a
ocupações com menor remuneração, ou há casos em que recebe menos porém
desenvolvendo a mesma ou mais funções que um homem e são as mais atingidas
na taxa de desemprego, mas não desistem, assumem responsabilidades que as
levam viver uma dupla jornada, vivem pro trabalho, para os estudos e para os
filhos16.
Não cairemos no erro de desvalorizar perspectiva da vida conjugal, apenas
devemos reconhecer que há outras aspirações que podem almejar as mulheres do
século XXI. Muito menos purificar os feitos femininos, até porque, atualmente, elas
assumem altos cargos públicos, dirigem grandes empresas além de automóveis, são
artistas renomadas, mas também, estão ligadas a esquemas de corrupção no país,
perseguem inimigos políticos e participam de crimes organizados17.
Novamente utilizo o grupo Atitude feminina com outra música, “Mulher
Guerreira” para compreendermos estas diversas formas de ser mulher que
presenciamos.
16 BORELLI, Andrea & MATOS, Maria Izilda. 2012, p.146.
17 PINSKY, Carla B. 2012, p. 540.
20
“Eu vou mostrar pra você o que sou
E eu exijo ser tratada com amor
Eu vou mostrar pra você o que sou
Mulher guerreira, tenho o meu valor
No espaço que eu trilhei, experiência acumulei,
Na guerra da vida errei e acertei
E sei que as coisas não são fáceis pra mim
Mas ergo a cabeça, isso não é o fim
Provando a cada dia que tenho o meu valor
Por amor, vou cantar onde quer que eu for
Que a liberdade conquistada por “nóiz” é um direito
E antes de falar qualquer coisa, quero respeito
Sou determinada. Vulgar? Nem pensar
escolha qual mentira você quer acreditar que mulher só existe pra pilotar fogão ou pra
ser pôster de revista pra causar tesão
Tome vergonha na sua cara
E trate melhor a mulher dentro de casa
Irmã, filha, mãe, esposa
Sempre tem uma mulher do seu lado, fique de boa
“Cês” não vive sem “nóiz”, você veio de “nóiz”
E pra você ter um herdeiro, você precisa de “nóiz”
Sou dona de casa, secretária, presidente
É? mulher simplesmente!
(...)
Essa é pra dizer, mulher baby
Ninguém “taria” aqui não fosse você
Porque todo homem, mesmo que não assuma
Já chorou ou já passeou no colo de alguma
Que luta, enfrenta, busca, amamenta
E mesmo quando o companheiro se ausenta
Ela é mulher, MC, mãe, às vezes pai, não é fácil
Ser M. Aço, mas vai
É profissão perigo três vez
Levar alguém na barriga por nove “mês”
Ligado só por um cordão, por um fio
Tipo um microfone, é, você conseguiu
Resistiu, passou, marcas da adolescência
Cantou Dina Di sobre essas consequências
E o homem ingrato te chuta, desde o útero
Cresce, maltrata, marido adúltero
Comédia, romance, gênero, não importa mais
Masculino, feminino, tanto faz
21
Preconceito não rola, não cola, não é durex
Talento no hip-hop é unisex(...)”
A produção artística fala por si só, advertindo o patriarcado e mostrando a
atuação feminina de imensa importância na sociedade, com as diversas formas que
coexistem as mulheres.
Liberdade Sexual
A Cantora Ludmila de 18 anos é outra revelação do funk carioca. Carismática,
animada, festeira e despreocupada quanto aos valores conservadores que reprimem
a sexualidade feminina, fez sucesso inicialmente com um vídeo postado no Youtube
que possuiu recordes de visualizações, participa periodicamente do programa de TV
na emissora Globo, “Esquenta” apesentado por Regina Casé. Atualmente sua
página no Youtube possuí mais de 78 mil inscritos e tem mais de 15 milhões de
visualizações.
Em sua letra “Hoje” a artista demonstra suas claras intenções para com um
homem que já havia “ficado” anteriormente: satisfazer seus desejos sexuais.
“Hoje, é hoje, é hoje, é hoje!
Hoje eu tenho uma proposta
A gente se embola
E perde a linha a noite toda
Hoje eu sei que você gosta
Então vem cá, encosta
Que assim você me deixa louca
E faz assim
De um jeito com sabor de quero mais
Sem fim
Não fala nada e vem
Que hoje eu tô afim
Eu tô na intenção de ter você pra mim
Só pra mim”
Tal possibilidade parece possível porque o contexto contemporâneo é fruto de
um processo iniciado no fim dos anos 1960, onde a pílula anticoncepcional e a
revolução dos costumes sexuais modificaram os hábitos de socialização e
contribuíram com a modificação de alguns paradigmas ligados a imagem da mulher.
Esta podia controlar o próprio corpo, gozar de seus prazeres sexuais e fazer sexo
22
antes do casamento já não era tão repudiado. Havia informalidade de
relacionamentos agora, onde o termo “ficar” já era usado. Mas como nos lembra
bem Carla B. Pinsky:
“Com o sexo entre os solteiros(...)as atitudes variavam da condenação
pura e simples à aceitação irrestrita, que implicava uma verdadeira luta
para livra-lo do estigma do pecado e do proibido. É claro que o problema,
novamente, era a mulher, já que a iniciação dos rapazes estava
garantida pelos costumes.(p.518)
As mulheres que aderiam liberdade sexual eram mal vistas e definidas na
categoria das que não serviam para casar. Na mídia o sexo casual não possuía
defensores, estes se davam mais entre os hippies e alguns intelectuais. Para os
homens não havia condenação, era comum da natureza masculina, o problema era
das mulheres que aderissem as aventuras prazerosas do corpo feminino fora do
matrimonio e que não viabilizassem a gestação.
Entretanto, de uma forma ou de outra, transformavam-se os valores, e os
jovens pareciam os mais aptos à aceitação da liberdade sexual. Falar de sexo
passou a ser comum e nas escolas haviam aulas de Educação Sexual nos anos 80
e 90. Produções artísticas na música e no cinema levavam a temática para
discussão e, a indústria de automóvel e motéis, facilitou a vida desses casais
informais.
Ainda falando em liberdade, apresento mais uma letra da cantora Valesca
Popozuda: “Agora eu tô solteira”. Bem polêmica e tem forte repulsa pelas feministas
mais radicais, afinal estas pensam que a mesma está contribuindo com o imaginário
machista e a afirmação da mulher como objeto sexual.
“Eu vou pro baile, eu vou pro baile, de sainha
Agora eu sou solteira e ninguém vai me segurar
Daquele jeito
De, de sainha
Daquele jeito
(Eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu)
Eu vou pro baile procurar o meu negão
Vou subir no palco ao som do tamborzão
Sou cachorrona mesmo
E late que eu vou passar
Agora eu sou solteira e ninguém vai me segurar
DJ aumenta o som
Eu já tô de sainha
Daquele jeito
De, de sainha
23
No local do pega pega eu esculacho tua mina
No completo, ou no mirante, outro no muro da esquina
Na primeira tu já cansa
Eu não vou falar de novo
Ai que homem gostoso, vem que vem quero de novo
(Ai, vai)
Ai que homem gostoso, vem que vem quero de novo(...).”
Ora, se as mulheres por muito lutaram para adquirir sua liberdade sexual, se
desprendendo da moralidade tradicional que não reconheciam nem seu direito de
sentir prazer e de escolhas, as viam apenas como reprodutoras da espécie e a
família quem decidia com quem casaria, porque não deixa-las usufruir de sua
sexualidade da maneira que bem entendem? Ser feminista também é reconhecer e
aceitar o direito da outra de fazer o que quiser, por mais que você não fizesse. O
patriarcado oprime, não temos dúvidas e sabemos que há uma construção da
imagem da mulher, que percorre na mentalidade machista, quanto fruto do prazer
masculino e objeto sexual, as feministas compreendem e disseminam isto bem,
entretanto continuam a ditar como as mulheres devem se comportar. Esta
fragmentação dos discursos feministas se dá a partir destas divergências, mas se a
mulher possuí uma consciência reflexiva sobre a construção sociocultural e histórica
do pátrio poder, que oprime pelo sexo, e mesmo assim quer ir para o baile de
sainha, que vá. O que de fato não se tolera é o opressor que adverte mulheres e de
maneira hipócrita dita regras para estas, mas como já vimos, Valesca se posiciona
bem quanto a isto.
Negras e as múltiplas formas de resistir aos sistemas de opressão.
Sendo Ludmila uma mulher negra e proveniente de uma das favelas do Rio
de Janeiro, não poderia dar andamento à analise sem comentar sobre o maravilhoso
texto de Maria Odila Silva Dias, “Resistir e sobreviver”, que nos concebe o
entendimento de como viviam as escravas no fim do XIX. O numero de escravas
comercializadas internamente na África era maior e as mulheres eram mais caras,
tidas como reprodutoras e trabalhadoras agrícolas.18 Segundo a autora, sobreviver
já era uma vitória, enquanto atravessavam de um continente à outro, como muitos
africanos, sofriam de diversas formas e morriam centenas, por isso havia uma
demanda enorme e a lotação nos navios negreiros que atendia o trafico à América.
No Brasil, havia um desequilíbrio grande em relação ao gênero dos escravos, os 18 Vale ressaltar que a escravidão na África não se fazia por bases raciais. Como compreendeu Paul
LoveJoy(2002), os meios de escravidão no continente podiam ser por guerra, sequestro, punições
judiciais ou religiosas ou de maneira “voluntária” conforme as necessidades.
24
homens eram mais requisitados em vista dos trabalhos árduos que exigiam muito
esforço físico, sem contar que elas eram cerca de 20% mais baratas, porém das
poucas que vinham, podiam desenvolver trabalhos domésticos e agrícolas como
também tão pesados quanto os deles. Gravidas trabalhavam, muitas vezes até a
hora do parto, ou até davam a luz enquanto realizavam as tarefas demandadas.
Além de propriedade privada dos senhores de engenho, muitos companheiros
ou parceiros de plantel as tinham como suas no quesito afetivo. Era difícil manter
famílias, por conta da forma que se distribuíam os afazeres, entretanto no geral os
parceiros se encontravam algumas horas à noite e muitos senhores e capatazes não
se sensibilizavam em desmembrar as famílias, na realidade, há vários casos em que
ambos serviam-se sexualmente das negras e os seus companheiros de plantel ou
maridos reagiam de maneira violenta. Casos em que escravos matavam os donos
por conta dos abusos ou pelos maus tratos que sofriam suas mulheres e filhas. Há
também casos de negras que foram abusadas por seus senhores e depois mortas
pelos ciúmes que os escravos sentiam. O numero pequeno de escravas nos
planteis, também era outro agravante quanto aos sentimentos de posse por parte
dos homens, eram disputadas por mais que um escravo e os donos, muitas vezes
as mandavam para outras fazendas para terem filhos de outros escravos e assim
multiplicar os que já possuíam como propriedade privada. Quanto às resistências,
muitas envenenavam os donos já que conheciam plantas que poderiam causar
doenças e ate matar, em resposta aos ataques abusivos.
O direito de receber por pequenos trabalhos e vendas de produtos caseiros
foi reconhecido pela Lei do Ventre Livre em 1871, e muitas negras, trabalhavam
muitos anos a tal ponto que compravam sua liberdade. Tanto que no século XIX, a
persistência destas fez com que a alforria fosse um fenômeno mais feminino que
masculino, nos centros urbanos. Mas como relembra Maria Odila:
“(...) a dificuldade de se afirmar como pessoa livre muitas vezes
ocorria no interior da própria família. Os processos criminais do final do
século XIX estão cheios de historias de homens agredindo mulheres em
razão da liberdade por elas adquirida. Os motivos variavam: uma vez
estando livre, a mulher se negava a fazer sexo com o conjugue, o
companheiro resolvia proibir a mulher de circular pela cidade ou opor-se
a que ela trabalhasse. Muitas vezes elas apanhavam sem saber o
motivo. (...) Quando finalmente ocorreu a Abolição no Brasil, as libertas
encontraram outras tantas dificuldades para se inserir na sociedade em
condições mais dignas. Seus problemas iam desde os obstáculos para
passar seus bens para os descendentes até o preconceito sofrido em
virtude de seu sexo e sua cor. (...) Quando tudo conspirava contra suas
vidas, abriam caminhos, combateram preconceitos e afirmaram posições
conquistadas. (...)” (p. 378-379)
25
Muitas resistiram e persistiram, na medida do possível, para se libertarem da
dualidade opressora que sofriam.
Entretanto, mesmo com o fim da escravidão, a mentalidade escravista
colaborava e muito com a exclusão da população negra no país, em vista do trafico
proibido que continuou acontecer, internamente. Como nos mostra Babel
Nepomuceno, em um censo de 1890, 48% da população negra economicamente
ativa trabalhava de doméstica, 17% na indústria, 9% atividades agrícolas e 16%
outros serviços não declarados. De certa forma, à nova República dava-se
preferencia ao trabalho de imigrantes, do que à população que lhes faziam lembrar o
passado escravista e imperial. Fazendo uma ponte com a atualidade, o trabalho
domestico ainda é correlacionado com as mulheres negras de maneira
estereotipada, e estas estão mais exposta a receber salários baixos comparadas
aos homens negros e as mulheres brancas.
Em outro Consenso de 1940 e 1950 que incluía o quesito cor da pele, a fez
compreender que a exclusão do sistema educacional recaia mais sobre as mulheres
negras. Nos anos de 1980 outro consenso, relacionando à pigmentação do corpo,
80% das mulheres negras estavam entre a faixa de até 4 anos de estudos. Na
questão do analfabetismo, as negras somavam o dobro das mulheres brancas e
ainda tinham mais probabilidade de abandonar os estudos. A primeira negra a
conquistar o título de Bacharel no Brasil foi Maria Rita de Andrade, pela faculdade
de Direito na Bahia em 192619. Ou seja, em suma a realidade das mulheres negras e
pobres pareciam mais duras, do que de outras mulheres burguesas e brancas, tanto
para o trabalho quanto para educação.
A imagem da mulher negra ficou atrelada à insultos, até hoje são
discriminadas por conta do corpo, cabelos e traços afrodescendente.
“(...)hoje, mesmo com todas as mudanças culturais, mulheres
afrodescendentes, principalmente as mestiças ou “mulatas”, continuam a
ser alvos do estereótipo de as mais sensuais e libidinosas entre as
mulheres, perpetuado, principalmente, através da mídia, particularmente
a televisão.(...)” (NEPOMUCENO, Bebel. 2012, p. 404)
Nesta passagem Bebel Nepomuceno, nos leva a observar um dos papeis que
ficou trelado à estas mulheres brasileiras. Mas para compreender o imaginário
feminino, negro e periférico, utilizarei uma outra artista, curitibana, reconhecida
nacionalmente desde 2002 e com recente turnê realizada, na Europa. “Karol
Conka”20 é uma rapper negra e nos deixa claro a mensagem que quer passar ao seu
público.
19 Flávia Rosemberg. 2012, p.337. 20 . A mesma não possuí um canal no Youtube ou site oficial. O videoclipe da música “Tombei” possuí
mais de um milhão de visualizações, até presente data.
26
Em uma tentativa de resgate à memória e da valorização da cultura Afro,
utiliza sons com estimulante energias positivas, nos remetendo às religiões
afrodescendentes, além de mencionar grandes rappers em suas letras. Na produção
“Tombei”, com participação especial de um projeto de música eletrônica chamado
“Tropkillas”, a cantora demonstra autoridade sobre seu corpo, suas escolhas e ainda
adverte aos homens de maneira corajosa:
“Se é pra entender o recado
Então, bota esse som no talo
Mas vem sem cantar de galo
Que eu não vou admitir
Faça o que eu falo
E se tiver tão complicado
É porque não tá preparado
Se retire, pode ir.
Causando um tombamento, oh
Também tô carregada de argumento, oh
Seu discurso não convence, só lamento, oh
Segura a onda, se não ficará ao relento, oh
Depois que ela lhe tocar
Não adianta fugir
Vai ter que se misturar
Ou, se bater de frente, periga cair.”
(...)
“Já falei que é no meu tempo
As minhas regras vão te causar um efeito
É quando eu quero, se conforma, é desse jeito
Se quer falar comigo então fala direito, fala direito.”
Os movimentos sociais intensos a partir da década de 60 articulavam junto às
minorias, mas travavam dificuldades ao se correlacionarem, como já vimos.
Nepomuceno diz que um marco da luta e estratégias de ação feminina lideradas por
negras foi a participação na Terceira Conferencia Mundial contra o Racismo, a
Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância, em 2001
na África do sul, onde discutiram levar ao governo brasileiro a pauta de
implementação às políticas públicas. A autora ainda comenta:
27
“(...)A participação na Conferência provou que as militantes negras
brasileiras das décadas de 1980 e 90 haviam aprendido a se articular em
nível local e global, com resultados evidentes.”(NEPOMUCENO, Bebel.
2012, p.401)
E por entre estas décadas, tais mulheres ganhavam mais visibilidade. No Rio
de Janeiro, em 1983 a médica Edialeda do Nascimento foi nomeada à Secretaria de
Promoção Social. Em São Paulo, o movimento feminino e negro promoveu a criação
de uma Comissão da Mulher Negra no Conselho Estadual da Condição Feminina
(CECF), liderado por uma negra psicóloga chamada Maria Aparecida de Laia. No
Senado Federal em 1994 a primeira negra Benedita da Silva ocupa uma cadeira,
deixando o mandato para assumir o cargo de vice-governadora em 1999 no estado
do Rio.
Enfim, Nepomuceno cita 7 mulheres com conquistas no campo político entre
1980-2008, além das outras 7 no meio artístico cultural, entre elas compositora
sambista Lecy Brandão e a escritora mineira Ana Maria Gonçalves que teve seu livro
de estreia compreendido como uma obra-prima mundial21.
Pensando por estas conquistas, é evidente que o discurso atual da Artista
Karol Conka, remete a esta já então ultrapassada e errônea imagem que possuíram
as negras durante tanto tempo, em respeito de sua sexualidade e “inferioridade”
determinada pela sociedade brasileira, excludente e desigual, mas que mesmo
assim resistem e enfrentam essas múltiplas formas de opressão.
Diversidade na forma de amar
Se a liberdade sexual foi uma conquista mutua dos movimentos feministas,
avanços medicinais e transformações socioculturais, as maneira de expressar sua
sexualidade também foram ganhando espaços, apesar de serem excluídas lésbicas
das pautas entre os movimentos de mulheres. Como já vimos o feminismo era
associado as “mulheres masculinizadas” de forma negativa.
Uma música interessante para relacionar a orientação sexual homo afetiva, é
“A Garota Que Não Gosta De Meninos”, cantada pela atriz, humorista, compositora e
roteirista Clarice Falcão. Vale ressaltar que se a artista ao interpretar a letra e
dispõe-se a canta-la significa que concorda ou no mínimo simpatiza-se com a
produção, independente de sua sexualidade, passa a representar um grupo ou dar
visibilidade a este, usando a música como a expressão de uma temporalidade.
Interpretada por covers no Youtube, de onde retirei a fonte, a letra é destinada aos
homens para compreensão e aceitação da liberdade de gostar de quem quiser.
21 NEPOMUCENO, Bebel. 2012, p.403.
28
“Eu não gosto de meninos
Não é nada com você
Nem com você
Eu prefiro as garotas
Vocês devem entender
Vocês também preferem
Não adianta me dar flores
Não adianta me cantar
Eu já tô bem decidida
É melhor deixar pra lá”
A homossexualidade era tida como uma doença. Tanto que a nomenclatura
carregava o sufixo “ismo” que denota como tal. Até que em 1990 a Organização
Mundial de Saúde (OMS) modificou a Classificação Internacional de Doenças (CID)
dizendo que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem
perversão.”22
A diversidade sexual reconhece que sexo biológico, orientação sexual e
identidade de gênero como coisas distintas. Como já vimos com Linda Nicholson,
Gênero é a conotação para distinguir como a pessoa se reconhece dado a formação
de seu caráter humano, construído socialmente. Orientação sexual coincide com a
atração afetiva, podendo ser heterossexual, homossexual e bissexual, lembrando
que não se opta por quem vai sentir atração. Finalmente, sexo biológico faz
referencia ao modelo fisiológico do ser humano que o distingue “macho” e “fêmea”,
há também as pessoas que nascem com a combinação dos dois órgãos biológicos
que são chamadas de “intersexos”.
Dado o recente processo de desconstrução do senso comum, senso esse
estruturado por discursos religiosos e bíblicos, que encontram fundamentos no
molde patriarcal, há de se relevar que muitos estão expostos a preconceitos e
discriminações. O público LGBT muito sofre não só nas ruas onde as violências e
discriminações são constantes como também no âmbito familiar, tidos como uma
vergonha para muitas famílias tradicionais brasileiras. Homofobia, Transfobia,
Bifobia e Lesbofobia são realidades da nossa sociedade, que vem sendo
descontruídas em um lento processo. Uma grande vitória para a população do
Estado de São Paulo, foi a Lei nº10.948, de 5 de novembro de 2001 que proíbe a
discriminação e pune as ações de fobia, seja por violência verbal, moral ou física.
Felizmente os feminismos atualmente estão mais sensíveis a estas
realidades, já que o movimento homossexual vem quebrando barreiras. Muitas
22. Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual. Diversidade sexual e
cidadania LGBT. São Paulo : SJDC/SP, 2014. P-11.
29
lésbicas e mulheres transexuais também levam suas pautas quanto ao gênero
feminino e a orientação, afinal elas estão expostas a múltipla realidade opressora
também.
No movimento de segunda onda, Joana Maria Pedro comenta que havia a
tentativa por parte de algumas feministas de formular uma identificação coletiva,
para criar um sentimento de irmandade entre as mulheres, mas que era facilmente
quebrado:
“Esse sentimento, entretanto, era ameaçado dentro dos próprios grupos
por causa do preconceito de algumas integrantes contra o lesbianismo. A
crítica tantas vezes ouvidas pelas feministas, de que todas seriam
lésbicas fazia com que algumas quisessem a todo custo se afastar desse
rótulo, o que causava sérias divisões nos grupos de mulheres. Haviam
dentre elas, inclusive, as que acusavam as companheiras realmente
lésbicas de serem “pessoas doentes”.”(PEDRO, Joana M. 2012, p.250)
Para dar visibilidade à causa dos movimentos homossexuais, a cantora e
feministas Valesca Popozuda levanta bandeira colorida e também se manifesta na
letra: “Sou gay” (ANO)
“Vem, meu bem, não tem ninguém
Apaga a luz relaxa e vem
Suei, beijei, gostei, gozei
Sou bi, sou free, sou tri, sou gay
Cheguei na boate
E ao som do bate cabelo eu vi
Não sei o que senti,
Mona, aquenda o que vi
Senti um calor e na pista desci
Ao som do DJ me liberei
Te olhei e percebi, que aqui posso ser free
Dança comigo, sente meu som
Dança comigo, e sente o que é bom
No bate cabelo na pista senti
Seus lábios aos meus senti que sou free
Beijei uma mulher
Um gosto bom eu senti
Eu posso ser livre ou posso ser bi
Vem DJ coloca o bate cabelo
Vem DJ aqui todo mundo é free
É homem com homem arrasa as bee
30
Sinbora DJ que eu quero cantar
Mulher com mulher é bom de beijar
Se joga na pista e venha ser free
Bate cabelo comigo é assim.”
No inicio da música, há um chamado com a pronunciação do Projeto de Lei
da Câmara(PLC) n.º 122/06 que visa criminalizar a discriminação e o preconceito
motivados pela orientação sexual, identidade de gênero, sexo, cor, raça, etnia,
religião, crime contra idosos ou pessoas com deficiência física.
Acontece que os movimentos LGBT são bem mais ativos atualmente,
possuem um grande número de mulheres e simpatizantes feministas, além de mães
(pais também) que compreendem a sexualidade de seus filhos, os respeitam e os
apoiam nas diversas formas de amar. Mas, como a própria Joana Maria Pedro diz,
as redes feministas continuam a existir, mesmo que fragmentadas.
Se a luta por visibilidade entre as mulheres lésbicas foi difícil, imagina o
reconhecimento às transexuais. Linda Nicholson, em seu artigo cientifico, que já
comentei bastante, traz uma feminista dos anos 70 americana, Janice Raymond que
é extremamente crítica em relação aos trans e as lésbicas. Cita seus escritos onde a
mesma expressa:
“O homem andrógino e a feminista lésbica transexualmente construída
enganam as mulheres praticamente da mesma forma, porque levam as
mulheres acreditarem que são verdadeiramente como nós- não só em
espirito e em convicção. (...)Sabemos que somos mulheres que
nascemos com cromossomos e anatomia femininos, e que, tenhamos ou
não sido socializadas para sermos consideradas ‘mulheres normais’, o
patriarcado nos tratou e nos trata como mulheres. Os transexuais não
tiveram a mesma história. Nenhum homem pode ter história de ter
nascido e se colocado nessa cultura como mulher. Ele pode ter história
de ter desejado ser mulher e de ter agido como mulher, mas essa
experiência de gênero é própria a um transexual, não a uma mulher.”
(RAYMOND, 1986, p. 100. APUD: NICHOLSON, Linda. Interpretando o
gênero. LOCAL : Editora, ANO. pp.)
Raymond, como muitas, rejeitou incluir à esta categoria de mulheres, em vista
de uma crença no funcionalismo biológico do ser feminino, a transexualidade. Muitas
feministas por mais que usassem o termo “Gênero”, não compreenderam por
completo.
31
Não encontrei uma produção artística brasileira que mencionasse a
sexualidade do ser trans gênero. Apenas uma cantora mexicana, Gloria Trevi
considerada diva pop no país, com “Todos me miran”.23
Porém, poucas produções só demonstram que o assunto pouco é abordado,
como vimos, algumas feministas das décadas 60, 70 e 80 nem as reconheciam
como mulher. Em São Paulo, um decreto Estadual assegura às pessoas transexuais
e travestis o direito de escolher o nome para ser tratada socialmente24. Uma grande
vitória, mas como já comentei, é um processo e ainda necessita de muitas
transformações. Além de uma deliberação25 que dispõe incluir o nome social da
pessoa em instituição escolares públicas e privadas.
Outra cantora e compositora que se dispõe a interpretar e até representar as
diversas formas de amar também, é Ana Carolina. Iniciou sua carreira nos anos
2000 e atualmente são 15 anos de sucessos, sendo reconhecida inclusive
internacionalmente. Seu canal no Youtube possuí mais de 130 mil inscritos e mais
de 56 milhões de visualizações.
A artista se dispõe a interpretar a letra “Eu gosto é de mulher”, que já foi
interpretada também pelos artistas que compõe a banda “Ultrage a Rigor” e
“Raimundos” onde modificam a letra e o agente passa a ser masculino. Na
interpretação de Ana Carolina, uma mulher descreve sua preferência por se
relacionar com outras mulheres, independente da forma como esta se compreende
no mundo ou como se comporta.
“Vou te contar o que me faz andar
Se não é por mulher não saio nem do lugar
Eu já não tento nem disfarçar
Se em tudo que eu me meto é só pra impressionar
Mulher de corpo inteiro
Se não fosse por mulher eu não era roqueiro
Mulher que se atrasa, mulher que vai na frente
Mulher dona-de-casa, mulher pra presidente
Mulher de qualquer jeito
Ninguém sabe o que ela tem no peito
23Descreve um ser que não se reconhecia no gênero que atribuíram, até que enfrenta a família e
traveste/veste “de rainha” para sair a noite que não era mais escura e sim “de lantejoula”. Todos a olham, porque é linda e as pessoas a admiram, por sua coragem ou a olham por inveja, mas no fim, todos a amam.