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1 ARTIGO Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexistir entre as mulheres Resumo: Sobre um feminismo que, no Brasil, se inicio no fim do século XIX e já sofreu diversas transformações, reformulações e divergências, o intuito é compreende-lo no início do século XXI. Percorrendo o imaginário social popular observaremos produções musicais do período cantadas por mulheres, para entendermos como se manifestam os discursos de gênero feminino, além de problematizar a dificuldade deste movimento social e intelectual em se disseminar e abranger todas as mulheres atualmente. O contexto nos permite enxergar um movimento fragmentado que leva à pauta questões diferentes, nos possibilitando chamar de “feminismos” graças a tamanha diversidade, sem contar que também nos propicia a entender quais as principais lutas intituladas feministas no início deste século. Palavras chave: Feminismos; mulheres; música; imaginário popular; patriarcado; diversidade. Introdução: No jornal da Folha de São Paulo, texto publicado dia 8 de março de 2015, dia da mulher, a jornalista Ursula Passos nos apresenta uma problemática, bem discorrida nas mídias de socialização digital, a dificuldade de se discutir o feminismo atualmente. “RESUMO: Após uma primeira onda marcada por reinvindicações de direitos políticos, e de uma segunda onda concentrada na luta por igualdade de papéis e liberdade sexual, o feminismo atual incorpora novos temas. Potencializado pela internet, o discurso contemporâneo é mais diversificado e se entrelaça com reinvindicações específicas.” (p. 6) Nas vias de comunicação social, principalmente conectados à internet, como comenta a jornalista, nos deparamos com vertentes e discursos que hora são extremistas e propagam um feminismo mais tradicional, hora promovem o velho e conservador machismo (que vem sendo descontruído aos poucos), ou até vertentes que por hora até viabilizam a igualdade entre homens e mulheres, porém não se intitulam feministas.
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Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexistir entre as mulheres

Aug 08, 2015

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Emerson Mathias
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Page 1: Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexistir entre as mulheres

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ARTIGO

Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de

coexistir entre as mulheres

Resumo:

Sobre um feminismo que, no Brasil, se inicio no fim do século XIX e já sofreu

diversas transformações, reformulações e divergências, o intuito é compreende-lo no

início do século XXI. Percorrendo o imaginário social popular observaremos

produções musicais do período cantadas por mulheres, para entendermos como se

manifestam os discursos de gênero feminino, além de problematizar a dificuldade

deste movimento social e intelectual em se disseminar e abranger todas as mulheres

atualmente. O contexto nos permite enxergar um movimento fragmentado que leva à

pauta questões diferentes, nos possibilitando chamar de “feminismos” graças a

tamanha diversidade, sem contar que também nos propicia a entender quais as

principais lutas intituladas feministas no início deste século.

Palavras chave: Feminismos; mulheres; música; imaginário popular; patriarcado;

diversidade.

Introdução:

No jornal da Folha de São Paulo, texto publicado dia 8 de março de 2015, dia

da mulher, a jornalista Ursula Passos nos apresenta uma problemática, bem

discorrida nas mídias de socialização digital, a dificuldade de se discutir o feminismo

atualmente.

“RESUMO: Após uma primeira onda marcada por reinvindicações de

direitos políticos, e de uma segunda onda concentrada na luta por

igualdade de papéis e liberdade sexual, o feminismo atual incorpora

novos temas. Potencializado pela internet, o discurso contemporâneo é

mais diversificado e se entrelaça com reinvindicações específicas.” (p. 6)

Nas vias de comunicação social, principalmente conectados à internet, como

comenta a jornalista, nos deparamos com vertentes e discursos que hora são

extremistas e propagam um feminismo mais tradicional, hora promovem o velho e

conservador machismo (que vem sendo descontruído aos poucos), ou até vertentes

que por hora até viabilizam a igualdade entre homens e mulheres, porém não se

intitulam feministas.

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Afinal, por que tantas vertentes? O que há de novo no feminismo que não

representa mais todas as mulheres? O que vem se transformando afinal no

embasamento teórico que o torna um discurso com diversas facetas? O que propôs

um dia e o que propõe atualmente? Quais as principais barreiras para que se

desenvolva e passe a representar todas as pessoas enquanto gênero feminino?

Para responder essas e outras perguntas que assombram feministas ou

outros grupos que pensam o conceito de “ser mulher”, proponho rever o feminismo

em seus primórdios, as teorizações desse discurso e como vem sendo

compreendidas no presente, principalmente no Brasil no início do século XXI, e

como as mulheres se compreendem neste contexto navegando no imaginário

popular da música brasileira deste período.

Traçado o seguimento contextual, observamos o decorrer dos processos no

feminismo passando pelas transformações/conquistas no espaço público e o

feminismo de primeira onda, até as modificações e obtenções de direitos na vida

privada e o feminismo de segunda onda. Tal seguimento é de suma importância

para compreendermos permanências e modificações, além de perceber como se

estruturou a diversidade dos discursos atualmente. Até para analisar os embates no

campo teórico e abrir questionamentos tais quais: como se comportou o discurso

feminista diante das rupturas e permanências dos padrões sociais femininos? De

que modo o discurso contribuiu com as transformações? Quais os principais

argumentos científicos que discorrem as feministas?

Relacionando as letras musicais interpretadas apenas por artistas femininos

com as produções historiográficas dos estudos feministas mais recente desenvolvido

por mulheres, tentaremos compreender a pluralidade dos discursos e até mesmo as

diversas formas em que mulheres se compreendem como agentes históricos sociais.

Tal analise nos possibilita entender que o próprio feminismo é um produto de

seu tempo e também se modifica conforme as transformações históricas. Atualmente

existem ramificações dos discursos, alguns com forte influência às mais tradicionais

teorizações e outros com propostas diversificadas que cabem ao contexto presente,

que também agregam outras problemáticas, mas que só foram possíveis graças aos

anteriores.

Sendo assim podemos nos desprender de valores antigos, que foram

importantes, mas não cabem mais ao tempo presente, para então fazer valer o

feminismo a todas as mulheres. Elas que compõe uma unidade no quesito gênero,

mas que são ao mesmo tempo plurais, pois a construção do caráter social é única e

esbarra-se com diversas realidades.

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O intuito é quebrar com paradigmas quase que institucionalizados em nossa

cultura e que impossibilitam o feminismo de representar todas as mulheres

respeitando às maneiras de coexistir, formando assim uma unidade de luta política

mais fortificada à medida que se entrelaça a outras batalhas sociais atualmente.

Conquistando espaços públicos:

Fim do século XIX, no Brasil a chegada da República trouxe novas aspirações

às futuras transformações, se não ainda de gênero, no mínimo algumas mulheres

conseguiram iniciar suas conquistas no espaço público. Por mais que ainda fossem,

em muitos aspectos, alvos do modelo estrutural da família patriarcal, iniciam-se

neste período as transformações. Modelo este que as coloca em condição

secundaria além de contribuí com a construção do papel social e do que é pertencer

ao universo feminino.

Com um Brasil em processo de “modernização”, o fim da escravidão e da

monarquia, um passado que era necessário esconder, em vista do numero grande

de imigrantes e a crescente urbanização como no sudeste, acabou por não trazer

somente mudanças de cunho politico e econômico. Transforma-se rapidamente as

maneiras com que o indivíduo se relaciona com o meio. Um novo modo de produção

vem para transformar as relações com o mundo, com ideias de “liberdade, igualdade

e fraternidade”, mesmo que não fosse válido para todos, ou atingisse todas as

camadas sociais do vasto país.

Aos poucos mulheres além de cuidar da casa, filhos e do marido (respeitando

e obedecendo), podiam trabalhar para complementar a renda familiar, desde que

não se pecasse nos outros afazeres, no caso haviam também as que já trabalhavam

por necessidade e não eram bem vistas, como descendentes de escravos livres ou

libertos e mulheres pobres. Nas fábricas e nos campos, trabalhos árduos, precários,

com jornada de trabalho extensiva para as que não podiam dispor, e ainda não eram

bem vista, além de ganharem menos que os homens.

Havia também as que se dedicavam ao comércio como: armazém, açougues,

quitandas, vendas, e etc. Sendo que muito desses empreendimentos levavam nome

de suas proprietárias.1 Ao poucos, mulheres da alta burguesia almejavam

desenvolver uma vida profissional e conquistar certa liberdade econômica, além da

autossuficiência. Mas profissões como operária, costureira, lavadeira, doceira,

florista, artistas (dançarinas, cantoras, atrizes) foram alvos de estereótipos que logo

a sociedade as via como prostitutas e as culpavam de “perdição moral”.

1 BORELLI, Andrea & MATOS, Maria Izilda. 2012.

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Quanto ao acesso a educação, mesmo que segregado¹, com diversas falhas

e barreiras internas, já se indignavam com as formas diferentes que tratavam os

sexos. No fim do séc. XIX poucas eram as mulheres que obtinham acesso à

educação de nível primário e secundário, das poucas, eram em maioria mulheres

elitizadas. Muitas acabavam por se tornar professoras, afinal a profissão dispunha

de certa autonomia intelectual e também possibilitava trabalhar meio período, ou

seja, podiam dedicar-se também à família. O magistério acaba tornando-se uma

profissão quase que inteiramente feminina e adequava-se aos tipos de vida que

levavam essas mulheres da elite e da burguesia.

Feminismo de primeira onda:

Na luta pelo direito ao voto, por exemplo, foram negadas emendas à

Constituição em assembleia no ano de 1891, que viabilizavam voto feminino.

Entretanto, não faltaram mulheres dispostas a modificar tais realidades, a primeira

advogada reconhecida pela OAB em 1906, Myrthes de Campos e a professora

Leolinda Deltro tentaram conquistar o alistamento eleitoral2. A professora, por

exemplo, organizou uma luta política. Fundando em 1910 o Partido Republicano

Feminino, que até promoveu passeatas em 1917 no Rio de Janeiro totalizando 84

mulheres, e por mais não tivessem sido reconhecidas perante a ordem pública e que

as pautas nem tivessem chegado a ser discutidas, surpreenderam muitos.

Bertha Lutz, no mesmo contexto do início do século XX, após ter chegado da

Europa onde teria ido para estudar Biologia, chega ao país dando início a campanha

de emancipação feminina. Bertha foi a segunda mulher a entrar no serviço púbico no

Brasil, passando no concurso para o Museu Nacional em primeiro lugar, tornou-se

uma das principais referencias no movimento de mulheres do período.

Percebemos que mulheres conquistavam o espaço público com luta, mesmo

em frente a uma sociedade que as inferiorizavam, com coragem e tamanho brilho da

capacidade intelectual como estas e outras da época. Como cita Rachel Soihet:

“A educação feminina, considerada essencial para emancipação das

mulheres, foi outro ponto de destaque da atuação feminista que

pleiteavam, passa as mulheres, direitos idênticos aos dos homens, a fim

de que estas dispusessem dos mesmos meios para o exercício do

trabalho, com isso, obtivessem a mesma remuneração.” (SOIHET,

Rachel. 2012. P.221)

2 SOIHET, Rachel. 2012

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5

Vemos portanto, uma busca emancipadora de mulheres da elite e de classe

média, entretanto inspiradas por certa liberdade econômica e de autossuficiência

que tinham as mulheres pobres, em vista as necessidades do trabalho para

sobreviver. Apesar de certas resistências, até meados do século XX no Brasil, no

imaginário social que percorria intensamente não restavam dúvidas de que “por

natureza” as mulheres estavam destinadas ao casamento e a reprodução, tinham a

maternidade e a boa dona de casa como modelos a serem seguidos. A construção

desse imaginário, que percorre entrelaçado aos moldes do patriarcado, define a

mulher um papel social baseado funcionamento biológico do corpo humano, onde se

define uma condição do que é ser mulher e um modelo a ser seguido. Antes da

metade do século XX, existia um molde mais rígido, e parecia ir contra as aspirações

de modernidade que o país visava para República, mas que aos poucos eram

desconstruídos na medida em que mulheres conquistavam o espaço público.

Como cita Pinsky:

“Os novos hábitos das ‘moças de família’, como ir sozinha às compras

ou à escola tinham, como contrapartida, submeter-se aos olhares

controladores, não ó dos familiares, mas também dos médicos, políticos

e autoridades jurídicas(...)” (PINSKY, Carla B. 2012. P.476)

“Moças de família”, “boas esposas”, “boas mães”, “ donas de casa” e outros

modelos do que é ser mulher, de como agir, eram tão presentes no cotidiano da

sociedade que era algo naturalizado . Podemos especular que o desenvolvimento do

capitalismo no Brasil, em certo nível possibilitou a emancipação feminina, mesmo

que a fins acumulativos de tarefas, em vista ao novo público consumidor e

trabalhador, mas que não poderia dar-se ao luxo de priorizar trabalhos ou estudos

que não aspirassem o casamento. O capitalismo aceitava a mulher trabalhadora,

mas não descontruía a visão que muitos partilhavam, que a colocavam como auxiliar

ou secundária, porém fora o suficiente para que mulheres iniciassem as

desconstruções dos estereótipos implícitos a mentalidade da modernidade e pós-

modernidade.

Conquistando espaços íntimos e o controle da vida privada:

Implantada a ditadura militar no país e o chamado Estado Novo (1937)

propiciou um contexto conturbado, de muita repressão social e com níveis extremos

nas estruturas econômicas do país, deixando algumas regiões em máxima pobreza3

3 MELLO, J. M. C. de; NOVAIS, F. “Capitalismo tardio e sociabilidade moderna”. In: SCHWARCZ, L.

M. História da vida privada: contraste da intimidade contemporânea. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998. p 574-586.

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e impulsionando a migração para centros urbanos, além das imigrações europeias,

num contexto de duas Grandes Guerras.

Após 1945, intensificam-se os movimentos sociais em busca de uma

democracia no país, paralelos aos movimentos feministas, como movimentos

juvenis, movimentos pacifistas, pelas lutas dos direitos civis dos negros e outras

minorias no mundo todo. Na América latina, os movimentos de resistências aos

governos ditatoriais.

As mulheres obtiveram grande participação nesses movimentos, muitas vezes

não tão aceitas por homens que tomavam frente, mesmo assim participaram de

mobilizações organizadas no Rio de Janeiro e em São Paulo, para enviar roupas de

lã aos soldados na Itália, por exemplo, lutavam também contra elevação do custo de

vida, mulheres negras na luta pela desigualdade social e etc. Grupos específicos

femininos que discutiam pautas quanto a discriminação sexual, crianças, famílias,

saúde, intensificam-se após a 2º Guerra mundial.

Apesar da década de 60 ter sofrido forte repressão militar, o que pairava entre

os jovens era uma espécie de rebeldia, passavam por uma revolução na intimidade

sexual, a sexualidade era reconhecida agora para além da reprodução da espécie,

homens e mulheres podiam dispor de sua sexualidade onde ambos sentiriam prazer,

por mais que fosse cobrada fidelidade plena da mulher de maneira hipócrita já que

os homens não possuíam os mesmos deveres, e se o marido fosse adultero, a culpa

era sempre da esposa.

A industrialização intensificou-se, cada vez mais a mulher tornava-se alvo de

propagandas, produtos específicos, seja para beleza, saúde, utensílios domésticos,

produtos de limpeza, etc. As roupas também começavam modificar, e cada vez mais

a trabalhadora e dona de casa era “aceita”, apesar de possuir salários mais baixos

que os dos homens e ter que realizar as tarefas de casa sozinha. Entretanto uma

novidade chegara para desmistificar o destino que parecia inerente a todos os seres

femininos: a gravidez. Métodos contraceptivos, os anticoncepcionais e pílulas

pareciam dispor de um poder agora para moças controlarem suas próprias vidas,

decidir se gostariam de ter filhos e quando os teriam, podendo planejar-se, gozar da

vida sexual e do prazer íntimo. Porém, alguns movimentos de emancipação da

mulher, que até aceitavam essa revolução da sexualidade e a trabalhadora que

“controla” a própria vida e começavam a mostrar repulsa ao que se chamava de

feminismo, como nos apresenta Mary Del Priory4, ao analisar a revista “Ele&Ela”

iniciada em 1969, percebe que continuam a ditar o que as mulheres deveriam fazer

ou como agir, onde havia até distinções claras do tipo de mulher que era modelo

para casar e para se divertir.

4 DEL PRIORE, Mary. 2001, pp.179-186.

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Havia mais companheirismo entre os casais, mesmo que aparentasse apenas

em teoria, afinal, em prática, até hoje alguns homens, esperam que as mulheres se

dediquem mais aos serviços domésticos e algumas mulheres monopolizam os

cuidados dos filhos. Claro que não em um modelo tão rígido quanto há algumas

décadas, todavia, ainda sim permanente. Carla B. Pinsky apresenta três possíveis

problemáticas desta nova mulher, superpoderosa, moderna, mãe de família e

trabalhadora. Primeiro, a desvalorização das tarefas domésticas pelas donas de

casa, acabam por desvalorizar e não reconhecer também as mulheres que de fato

querem se dedicar ao lar. Segundo, os homens agora não se sentiam tão

“obrigados” a ajudar na renda para os filhos, ainda mais quando divorciados, afinal

não tinham mais que honrar seus valores como anteriormente. Terceiro, como já

citado, a mulher acumulava tarefas e novos modelos deveriam ser seguidos: uma

profissional bem sucedida, mãe exemplar, mulher bem resolvida e dentro de

padrões estéticos, tanto de vestimenta quanto na forma como o corpo físico se

apresenta.

Feminismo de segunda onda:

Seria necessário travar outra batalha: desconstruir e transformar o imaginário

social, para conquistar plena liberdade no âmbito individual e na vida privada, se

desprendendo das moralidades, valores e ideologias do patriopoder que dificultavam

a busca pela igualdade e cada vez mais eram discorrido até por mulheres a favor da

emancipação feminina, quase sempre ditavam modelos à serem seguidos.

Os primeiros grupos que se tem noticias surgiram em São Paulo em 1972,

onde muitas mulheres intelectualizadas, que na maioria das vezes havia viajado

para Europa e entrado em contato com um discurso de libertação e emancipação da

mulher, passaram a discutir e idealiza-los aqui no Brasil, contribuindo para a

construção de uma consciência social do agente histórico feminino. Com

experiências, livros e discursos que pautavam o feminismo (uma questão discutida

já entre europeias e norte americanas), possibilitou-se realizar reuniões e encontros

para simpatizantes do movimento no Brasil. Preocupavam-se também em discutir

questões sobre a sexualidade feminina, o corpo, e etc, o intuito era desenvolver um

grupo de consciência e reflexão.

Joana Maria Pedro discorre sobre o que debatiam estas mulheres:

“Essas mulheres consideravam que a vida privada era fruto da

sociedade. Abraçaram, então, slogan feminista difundido

internacionalmente: ‘O pessoal é político’. Além disso, questionavam os

preconceitos machistas e preocupavam divulgar para além do circulo

restrito dos grupos, a ideia do ‘orgulho de ser mulher’, entendendo que

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isso é o que define a ‘condição feminina’, e não a biologia como

acreditava o senso comum.” (PEDRO, Joana M. 2012, pp. 244-245)

Quanto às imagens que atribuíam ao modelo feminino e que continuam sendo

atribuídos, Pinsky faz uma boa colocação:

“Há muito mais à dizer sobre a trajetória das imagens femininas no

Brasil. E é de grade relevância uma Historia das transformações de

representação da mulher negra, da execração ao resgate orgulhoso.

Também das diferentes concepções que envolvem a figura da

‘mulata’(...). Ou os distintos modos de encarar a mulher do campo nos

séculos XX e XXI. E por que não uma História das imagens das mulher

brasileiras que fizeram nossa fama no exterior(...) Fartamente

corroborada por campanhas publicitárias, fotos e filmes de nossas praias

ou desfiles de carnaval(...) a ‘brasileira’ é internacionalmente famosa por

seus atributos físicos e ausência dos pudores puritanos(...)” (PINSKY,

Carla B. 2012, p.541)

E concluí com relação aos tipos de transformações e permanências dos

períodos rígidos e flexíveis que marcaram e marcam a historia das mulheres, e

compreender ter sido fundamental:

“(...)Estabelecer o processo histórico da configuração das imagens

femininas e o contraste entre os dois períodos(...). Claro, o tradicional

insiste em conviver com o moderno, mas os modelos são frutos de seu

tempo, podem sofrer mudanças e ser controlado por diferentes sujeitos

históricos.(...)” (PINSKY, Carla B. 2012, p.541)

Percebemos que o feminismo sofreu rupturas, transformações e ganhou

várias vertentes, como um produto de seu próprio tempo, mas como chegou no que

é hoje? Por que tantos seguimentos que preferem manter-se longe da conotação

linguística “feminismo”?

Bases teóricas e os conflitos de segunda onda:

Maria Odila Leite da Silva Dias ao teorizar os conceitos feministas, nos diz ser

uma tarefa difícil, e que aventurar-se nessas pesquisas é no mínimo complicado,

afinal trata-se mais de uma tentativa de descontruir “parâmetros herdados do que

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construir “marcos teóricos.”5 Ou seja, é mais fácil dizer para que serve o feminismo,

do que discorrer sobre o que é em linhas teóricas. Até porque divergem muitos

pensamentos, ainda mais quando se atreve o feminismo a descontruir estereótipos

naturalizados e cotidianos, na esfera da vida privada.

Mesmo assim, as relações teóricas e metodológicas que utilizamos tem forte

ligação com o Marxismo, materialismo histórico e conceito dialético, interdisciplinar

também quando utiliza a psicanalise e os estudos das mentalidades. Tudo isso

porque entre as potencialidades básicas do feminismo, pretende-se na realidade,

criticar relações de gênero herdadas da cultura do pátrio poder, analisando as

construções históricas socioculturais, a fim de compreendê-las e por fim desconstruí-

las ou desmistifica-las, no intuito de contribuir para as transformações deste

processo histórico.

Consiste também em reconhecer a mulher enquanto ser social e agente

histórico, na tentativa de resgatar a consciência histórica, para compreender o

passado como uma temporalidade passível de transformações do que um dia foi

condicionado à mulher, ou melhor, ao gênero.

Para compreendermos “gênero”, entrelaço minhas pesquisas ao artigo de

Linda Nicholson6, que se faz clara o suficiente na compreensão contemporânea de

dois conceitos inerentes aos estudos feministas: mulher e gênero. Para ela, “gênero

foi desenvolvido e é sempre usado em oposição a ‘sexo’, para descrever o que é

socialmente construído, em oposição ao que é biologicamente dado. Aqui ‘gênero’ é

tipicamente pensado como referencia a personalidade e comportamento, não ao

corpo.” (p, 1)

Na historia europeia do século XVII, XVIII e principalmente XIX, as teorias

cientificistas do homem como matéria física, colocavam em pauta a importância de

se compreender a natureza biológica e as configurações específicas do ser humano.

O corpo já carregava em si dados “determinantes” do ser, as teorias que definiam as

diferenças físicas do ser reforçavam a cultura de dominação do gênero masculino,

tendo o macho como o mais forte e a fêmea condicionada a gestação, um ser mais

frágil, servindo de álibis para opressão, além de contribuir para conceitos de

dominação por raça, por exemplo, no século XIX, mais um álibi para dominação.

As influencias são imensas, o órgão sexual biológico determinava sua posição

no mundo, ou no mínimo ditaria sua funcionalidade, e as feministas do século XIX

compreenderam muito bem a opressão pelo sexismo, porém entendiam que a

identidade sexual era definida pela biologia em concomitância à uma construção

5 DIAS, Maria Odila da Silva. Teorias e método dos estudos feministas (perspectiva

histórica e hermenêutica do quotidiano). São Paulo, 1990. Mimeo. p, 39. 6 NICHOLSON, Linda. 2000.

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social do caráter humano7. Elas entendiam, em sua maioria, que só as diferenças

biologias entre homens e mulheres não davam conta de explicar as diferenças

sociais que se estabeleceram.

Entretanto, é incrível perceber como existem divergências e como o próprio

feminismo vem apresentando falhas. Como já disse, foi de suma importância para

chegar no que somos hoje mas, como todo processo, exige transformações em

fronte as novas necessidades. Feministas mais radicais, principalmente a partir dos

anos 60,compreender bem as diferenças sociais que foram construídas, mas

definem a mulher a partir de seu funcionalismo biológico e generalizam, através da

história, as diferenças e definiam o que é ser mulher ao seu modo. Como cita Linda

Nicholson:

“Dizer que ‘as mulheres são diferentes dos

homens desse ou daquele jeito’ é dizer que mulheres são ‘desse ou

daquele jeito’”. (NICHOLSON, Linda. 2000, p. 20)

Ou seja, mesmo o feminismo de segunda onda inicialmente, visando

descontruir parâmetros herdados do patriarcado, baseava-se em uma generalização

histórica em comum do que é ser mulher e não levava em consideração as

diferenças que existem entre as próprias mulheres, até porque as que mais

pensavam o feminismo, me sua maioria, eram intelectuais, burguesas, elitistas,

brancas, cisgênero8 e heterossexuais.

E como percebeu Mary Del Priori, ao falar da cultura massificada que se

expressava nos meios de comunicação mais comuns dos anos 70 e 80, como TV,

rádio, jornais e revistas: “Aos trancos e barrancos, discutiam-se um novo modelo de

feminilidade, mas também de masculinidade”.(p.179)

Isso fez com que mulheres, principalmente no período citado, tivessem

grande repulsa pelo feminismo, muitas se desvincularam e preferiam participar de

movimentos de mulheres, para não ficarem taxadas, afinal o feminismo virou

sinônimo de mal amadas, lésbicas e masculinizadas. Muitas teóricas não

relativizavam a importância de outras realidades sociais, e não compreendiam a

pluralidade do ser humano quando se deparavam com: mulheres negras, lésbicas,

7 Simone de Beauvoir, a corrente filosófica do existencialismo e os pensamentos de Marx que

discorrem sobre a forte influencia da sociedade na construção do caráter humano, são suporte que dão asas ao feminismo no século XX. 8 “Cisgênero: Pessoa cuja identidade de gênero coincide com o sexo biológico. Aquelas que são

biologicamente mulheres e possuem identidade de gênero feminina ou biologicamente homens e possuem identidade de gênero masculina.”( APUD.Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual. Diversidade Sexual e cidadania LGBT. São Paulo: SJDC/SO, 2014. P 16.)

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mulheres transexuais e mulheres pobres, mulheres do campo, e etc. Ou seja,

mulheres que faziam parte de vários esquemas de dominação social, por outras

realidades além do sexismo, que também contribuíram para a formação do caráter

social destas pessoas não se sentiam representadas pelo feminismo. Apesar

dessas mulheres estarem presentes, contribuindo , servindo de inspiração e

enfrentando o modelo de dominação, desde os primórdios do feminismo, mesmo

que não compreendessem o termo cientifico e teorizado.

Linda Nicholson defende:

“(...) o feminismo precisa abandonar o funcionalismo biológico junto com

o determinismo biológico. Defendo que a população humana difere

dentro de si mesma, não só em termos de expectativas sobre como

pensamos, sentimos e agimos; há também diferenças de como

entendemos o corpo(...)” (p.6)

As mulheres são diferentes dos homens, e isso não é álibi para opressão,

pois o biológico não define sozinho o caráter humano, mas também a formação do

caráter não é apresentada apenas por uma faceta da construção sociocultural da

raça humana, afinal somos seres plurais, possuímos semelhanças, mas também

diferenças. Podemos partilhar as mesmas experiências, o que nos une como grupo,

mas isso não define nossa realidade total.

.

Mulheres no início do século XXI:

1-Metodologia

A história social das mulheres é uma temática de multiplicidades temporais, é

um processo de longa duração, mas também está vinculado à conjunturas e

estruturas que sofreram simultâneas transformações ao longo de sua existência.

Para entendermos essas vertentes, me dispus a pesquisar essas

continuidades nos discursos feministas9, compreendendo como o gênero feminino

se reconhece atualmente e que efeitos surtiram na sociedade atual os processos

que foram sendo alterados, no fim do século XIX até dado presente.

Atentei-me analisar apenas nos cenários urbanos brasileiros, centros

industriais, bem povoados e onde os feminismos davam seus primeiros passos. Um

levantamento de algumas músicas cantadas por mulheres, dos anos 2000 em

9 . Proponho nomeá-los de “feminismos” a partir de agora, frente ao caráter plural e divergente dos

discursos.

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diante, foi feito para compreender o que perdura no imaginário social feminino,

selecionei diferentes mulheres que tem reconhecimento popular bem repercutido no

Pop, Funk, Hip Hop, Rap, Forró, Sertanejo e MPB.

Estas fontes primarias podem ser encontradas no Youtube 10. É de cunho

duvidoso quanto ao ano exato de lançamento das produções musicais, porém o site

certifica de que o material de fato é popular pois disponibiliza em quantidade as

visualizações e usuários inscritos no canal onde o conteúdo digital foi postado. Além

de indicar o ano de lançamento para alguns video clipes e data da postagem, preferi

definir a periodização pensando apenas no recorte, como uma produção do inícios

do século XXI.

A cultura popular pode ser compreendida por suas obras, afinal, tais tem um

sentido social, ideológico e histórico, sendo a música “sincrônica” e “diacrônica”.

Sincrônica porque está ligada à um tempo/espaço determinado, o que possibilita ser

uma fonte histórica. Diacrônica porque torna-se patrimônio cultural, sendo

transmitido ao longo do tempo e podendo sofrer releituras com outros sentidos e

significados socioculturais.11Entretanto, há de se relevar, irei utilizar da historiografia

recente, dos estudos feministas e entrelaça-los às músicas. Até porque, como disse

Marco Napolitano:

“A partir desse procedimento, o historiador pode perceber quais

parâmetros foram destacados numa canção ou peça instrumental, quais

foram os critérios de julgamento de uma determinada época, como foram

produzidos os sentidos sociais, culturais e políticos a partir da circulação

social da obra e de sua transmissão como patrimônio cultural coletivo.

No caso da música popular, sua natureza industrial deve ser pensada

como parte da estrutura de criação e circulação da obra, emprestando-

lhe um estudo de “obra de arte na era da reprodutibilidade técnica” que

não pode ser abstraído na análise e submetido aos imperativos

puramente estéticos.” (p.260)

Essas obras servirão para compreendermos esses feminismos, possibilitando

quebrar paradigmas, desconstruir visões que não cabem mais ao tempo presente e

contribuir com a produção do conhecimento crítico à história das mulheres no Brasil.

10 Site que possibilita seus usuários carregarem ou compartilharem videos, em formato digital desde 2005. Há

grande quantidade de filmes, videoclipes, conteúdos caseiros e etc. Está entre os sites mais populares na internet e o própria empresa de serviços online “Google”, comprou o Youtube em 2006. 11 . NAPOLITANO, Marcos. ; “Fontes audiovisuais: a história depois do papel”.; IN: PINSKY, Carla (org);

Fontes Históricas.; São Paulo; Contexto; 2005. P, 254-260.

Page 13: Gênero feminino no século XXI: Os feminismos e as múltiplas formas de coexistir entre as mulheres

13

2-Contexto Atual.

No início do século XXI, nos âmbitos urbanos industriais do país, as

diferenças de classe são cada vez maiores apesar da aparente ‘ascensão’ social,

podemos agora falar em classes médias ou burguesias12.

Vivemos tempos de continuidades às lutas sociais, frequentes passeatas e

marchas, por reforma agrária, greves por um ensino público de qualidade e para

todos, mulheres manifestando por direito ao corpo e sexualidade com lutas cada vez

mais unidas ao público LGBT13, estes buscam direitos civis de igualdade na união do

casal homo afetivo perante o Estado, além de visarem a desconstrução do

patriarcado que também oprime homens/mulheres transexuais, orientação

homossexual, etc. O movimento negro também é forte neste século, agora com mais

conquistas, finalmente adquiridas, realização de cotas estudantis nas universidades

públicas, um forte resgate a memoria Africana, entre outros, porém ainda na

tentativa de descontruir o racismo mascarado do Brasil. Em contrapartida, a classe

média também repudia suas insatisfações quanto ao governo da primeira mulher na

presidência da República Democrática e vão as ruas pedir intervenção militar.

As grandes mídias tem forte influencia neste contexto, manipulam e

distorcem realidades, onde muitas destas (des)informações são discutidas nas vias

de comunicação digital, outro fenômeno de grande relevância. Não são todos que

estão conectados à rede, mas cada vez mais o capitalismo contribui na formação de

um mundo digital, tecnológico e globalizado. Em busca de novos mercados?

Provavelmente, porém a internet “democrática” torna-se um veículo para outras

mídias alternativas se expressarem, organizarem movimentos, encontros,

passeatas, desenvolverem ideias, contribuírem para disseminar o conhecimento.

Com pontos negativos também, a internet, ou mais precisamente, as mídias

sociais mostram o lado perverso, preconceituoso, com discursos de ódio sendo

vociferados, entre insultos e podendo até gerar violência física. Pessoas que se

sentem protegidas pelas telas de seus computadores ou smarthfones, e discorrem

intolerância, desrespeito e conservadorismo no presente mundo moderno e

tecnológico da era digital em nossa sociedade brasileira.

E as mulheres? Cada vez mais presentes e mais viabilizadas. Continuam as

formulações publicitárias hipersexualizando o corpo feminino, porém algumas

12 . Peter Gay já usava do termo para falar da diversificada classe de maneira categórica, hierárquica

e com aspirações distintas na Europa. GAY, Peter. O século de Schnitzler. A formação da cultura da classe média.1819-1914. Tradução: S. Duarte – São Paulo :Companhia das Letras, 2002. 13 . LBGT: Sigla Internacionalmente utilizada para se referir aos cidadãos e cidadãs Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. In: Diversidade Sexual e Cidadania LGBT. São Paulo : SJDC/SP, 2014.

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14

produções artísticas, na música, cinema, arte moderna e etc, propagam discursos de

igualdade para descontruir parâmetros machistas, além de forte militância nas redes

de comunicação social, mulheres denunciam as desigualdades sexuais.

Luta contra a violência à mulher

A dupla Simone e Simaria, já com grande repercussão na música nacional,

misturam o tradicional forró pé de serra com os ritmos do sertanejo universitário. As

irmãs nordestinas do interior da Bahia começaram a carreira cedo e estão juntas há

sete anos quando iniciaram ao lado do cantor Frank Aguiar. Desde 2012 apostaram

uma carreira independente e, em seu canal no YouTube, já possuem mais de 90 mil

inscritos com mais de 20 milhões de visualizações entre seus videoclipes.

Na música “Ele bate nela” descrevem melodicamente o relacionamento de um

casal, no qual o homem após o casamento mostrou-se possessivo e que agredia a

esposa. Inicialmente o mesmo demostrava amor, mas com o passar do tempo

parecia reconhecer a esposa sob sua tutela, violentando fisicamente e

psicologicamente.

Este tipo de atitude está estritamente relacionado com a cultura do

patriarcado que estrutura as relações conjugais desde o Brasil colônia, como vimos,

vem dando poder aos homens sobre as mulheres. Importante referencial à esta

compreensão, foi a legislação que criminalizava o adultério, apenas por parte das

mulheres, entre os códigos peinais do Império (1830-1890), anteriormente eram

casos resolvidos na esfera da vida privada. Nas consolidações penais de 1932, a

mulher que traísse o marido poderia sofrer pena de um a três anos de detenção, só

em 1940 essa penalidade diminui para 6 meses, estendendo-se até 2005 onde o

adultério deixou de ser crime no Brasil. As lutas feministas foram de suma

importância para as transformações dessas leis, que tomaram mais força no

movimento de segunda onda.

Lana Lage e Maria Beatriz Nader analisam as mudanças e permanências na

sociedade brasileira, e os casos de violência contra mulher em crimes “passionais”

veiculados pela imprensa, muitas vezes de forma sensacionalista. As autoras

comentam dos casos de morte entre Joana Maria Ramos(1905), anunciada pela

mídia como : “(...)uma dengosa mulata, abundante de formas e de seduções(...)

metida vaidosamente em seu vestido vermelho de bolinhas brancas, e com farto

ramalhante de cravos-pernóstico(...)”14. Até as mortes que ocorreram após a criação

da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres(2003) e a Lei Maria da

Penha(2006), como o caso de Eliza Samudio (2010).

Ambas dizem que a violência contra mulher foi até pouco tempo: 14 .Jornal: “La reine du bal”, APUD: LAGE&NADER. 2012, p.290)

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“Legitimada pela ideologia patriarcal, institucionalizada e garantida por

leis, a dominação masculina fez do espaço do lar um locus privilegiado

para a violência contra a mulher, tida como necessária para a

manutenção da família e o bom funcionamento da sociedade” (LAGE,

Lana & NADER, Maria Beatriz. 2012.p.287)

É interessante relacionar essa citação de Lage e Nader, pensando a

passagem da música onde as irmãs cantam:

“E agora ele bate, bate nela

E ela chora, querendo voltar para os braços de sua mãe

E agora, eu tô sem saída, e se eu for embora

Ele vai acabar com minha vida

AAi aai

Quanto dor eu sinto no meu peito

Devia ter feito as coisas direito

AAi aai

Óh Deus me tire desse sofrimento

Porque viver assim eu não aguento

Só quero ser feliz”

A vítima parece inserida de certa forma nessa ideologia institucionalizada, se

vê sem saída diante da situação e ainda acredita que a culpa é dela ao dizer que

deveria ter feito as coisas direito, afinal estaria o marido apenas utilizando do

corretivo para manter a ordem da família15. Mulheres que talvez não compreendem

os feminismos e que talvez entendem as opressões sexistas como naturalizadas no

mundo.

No fim do videoclipe , há a mensagem: “ Não se cale. Denuncie. Ligue 180.”

Ou seja, as irmãs retratam a realidade de muitas mulheres ainda no país,

denunciando os maus tratos e ainda encorajam as que partilham dessa experiência

desastrosa para transformarem suas vidas, denunciando os abusos e violências na

central de atendimento a mulher. Afinal isso só foi possível porque houve uma

batalha travada por milhares de brasileiras, que contribuíram para as transformações

no cenário público e criaram centrais tratando das violências . A Lei Maria da Penha

n.11.340, aprovada em 7 de setembro de 2006, foi a principal vitória do movimento

feminista segundo as autoras, porém ainda vem enfrentando inúmeros obstáculos

para sua aplicação.

Uma produção artística muito interessante de ser analisada, porque além de

denunciar a violência contra mulher, as letras descrevem a realidade da mulher da

15 . “Família” neste sentido, compreendo como apresentou Arilda Ines Miranda Ribeiro(2000) em

Mulheres educadas na colônia, onde a palavra provem do latim famulus que significa escravos domésticos de um mesmo senhor (p.82).

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periferia, são as musicas da Feminina. Um grupo de Hip Hop que teve inicio no ano

2000, DF. As mesmas fazem mais sucesso entre os jovens de comunidade, tiveram

varias participações entre programas de violência e abuso contra adolescentes. As

mulheres do grupo são bem conscientes e tomam frente às lutas dos direitos

humanos da população periférica, direitos civis do negro e direitos da mulher, além

de descrever a realidade dura, o envolvimento com drogas e a criminalidade em que

estão expostos esta população. Elas não possuem canal no YouTube, seus

videoclipe são postados por DJ’s, próprios de gravadoras que se propuseram a

dirigi-los.

A música “Rosas”, as levou ganhar o Premio Hutúz em 2005 na categoria de

melhor demo feminino. Particularmente, uma letra forte, que propõe descrever a

realidade de uma mulher da periferia que convivia com a embriaguez do pai, que

batia na mãe e seu irmão se envolvendo com drogas e a criminalidade, até que

conhece um rapaz que talvez trouxesse a esperança de mudar sua vida, até que

fugiu com o mesmo, porém não bastou muito tempo, se viu na mesma situação de

sua mãe, e seu “marido” a espancou. Continuaram, ela desistiu dos estudos, e

engravidou. Porém quando deu a noticia, o homem drogado agrediu novamente,

“amor de tolo, amor de louco” e a matou.

“Hoje meu amor veio me visitar

E trouxe rosas para me alegrar

E com lágrimas pede pra eu voltar

Hoje o perfume eu não sinto mais

Meu amor já não me bate mais

Infelizmente eu descanso em paz!

Tudo era lindo no começo, lembra?

Das coisas que me falou que era bom, sedução

Uma história de amor, vários planos, desejo, ilusão

E daí? Não tinha nada a perder, queria sair dali

No lugar onde eu morava me sentia tão só

Aquele cheiro de maconha e o barulho de dominó

A molecada brincava na rua e eu cheia de esperança

De encontrar no futuro a paz, sem tiroteio, vingança

E ele veio como quem não quisesse nada

Me deu um beijo e me deixou na porta de casa

Os meus olhos brilhavam, estava apaixonada!

"Deixa de ser criança!" - a minha mãe falava

Que "no começo tudo é festa" e eu ignorava

Deixa eu viver meu futuro, Zipá

Muda nada, menina boba, iludida, sabe de nada da vida

Uma proposta, ambição de ter uma família

Entreguei até a alma e ele não merecia

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O meu pai embriagado, nem lembrava da filha

O meu príncipe encantado, meu ator principal

Me chamava de "filé" e eu achava legal

No começo tudo é festa, sempre é bom lembrar!

Hoje estou feliz, o meu amor veio me visitar

Hoje meu amor veio me visitar

E trouxe rosas para me alegrar

E com lágrimas pede pra eu voltar

Hoje o perfume eu não sinto mais

Meu amor já não me bate mais

Infelizmente eu descanso em paz!

Numa atitude impensada, sai de casa pra ser feliz

Não dever satisfação, ser dona do meu nariz

Não aguentava mais ver a minha mãe sofredora

Levar porrada do meu pai embriagado e à toa

Meu irmão se envolvendo com as paradas erradas:

Cocaína, maconha, 157, armas

Eu estava feliz no meu lar doce lar

Sua roupa, olha só, tinha prazer de lavar

Mas "alegria de pobre dura pouco", diz o ditado

Ele ficou diferente, agressivo, irritado

Chegava tarde da rua, aquele bafo de pinga

Batom na camisa e cheiro de rapariga

Nem um ano de casado, ajuntado, sei lá

Não sei pra que cerimônia, o importante é amar

Amor de tolo, amor de louco, o que foi que aconteceu?

Me mandou calar a boca e não me respondeu

Insisti, foi mal, ele me bateu

No outro dia me falou que se arrependeu

Quem era eu pra julgar? Queria perdoar

Hoje estou feliz o meu amor veio me visitar.”

Neste caso, a narrativa é o desenrolar de uma história que acaba em morte.

Mas há uma denuncia dupla que a vítima sofre: violência por ser mulher e

dificuldades de enfrentar a vida, se esquivar das drogas e da criminalidade, por

conta de sua classe social e a alta exposição à estes meios. Percebe-se que a

jovem vê em seu “amor” uma expectativa para fugir dos problemas em que a classe

esta exposta, mas acaba perdendo as aspirações de vida quando é também

oprimida por ser mulher.

Mulheres autossuficientes e advertências às condutas sociais do

patriarcado

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Valesca Poposuda é uma grande artista contemporânea e revolucionou o funk

carioca, possuí 13 anos de carreira e já participou do grupo Gaiola das Poposudas,

repercutiu o funk internacionalmente entre EUA e Europa e é mundialmente

conhecida. A mesma intitula-se feminista e é grande simpatizante do movimento

LGBT, como mostrarei mais a frente. Nasceu em região periférica no Rio de Janeiro

e é considerada rainha do funk pelos fãs e seu canal no Youtube tem mais de 162

mil inscritos, com mais de 65 milhões de visualizações.

Na música “Ta pra nascer homem que vai mandar em mim” , o discurso

percorre diante da quebra de estereótipos machistas em que a mulher se interessa

pelo homem por seus bens materiais, não importando seu status social, muito

menos seus poderes aquisitivos, este não tem mais o direito sobre a mulher, muito

menos o direito de diminuí-la e ridiculariza-la. Valesca descreve uma mulher

autossuficiente que nunca precisou da tutela masculina.

“Tá para nascer homem que vai mandar em mim

Tá para nascer alguém que vai me esculachar

Tá para nascer e eu já falei pra tu

Se ficar me enchendo o saco

Mando tomar

Tá para nascer homem que vai mandar em mim

Tá para nascer alguém que vai me esculachar

Tá para nascer e eu já falei pra tu

Se ficar me enchendo o saco

Mando tomar

Vergonha na cara é coisa rara de se ver

Mal sabe meu nome e já tá querendo me ter

Nunca dependi de homem pra coisa nenhuma

Se tuas negas são tudo assim, desacostuma.”

Carla Bassaneze Pinsky comenta que:

“Na virada para o século XXI, as piadas machistas contra esse tipo

feminino não eram mais tão engraçadas ou escapavam incólumes de

uma resposta contundente. E quando, finalmente uma mulher chegou à

presidência da Republica no Brasil, as considerações depreciativas e os

debates(...) parecem rançosos e ultrapassados.”(PINSKY, Carla B. 2012,

p.540)

Muitas mulheres do século XXI não aceitam mais serem subordinadas às

vontade masculinas, ao menos não as mais explicitas como costumavam ser

anteriormente, ao compreendermos os modelos rígidos. A auto realização feminina

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agora também pode ser medida, por ela, pela independência que conquistou, não

aceitando mais ser chacota de ridicularizadores machistas. Mulheres usam inclusive

seu próprio dinheiro para promover encontros, essa não é mais uma obrigação

masculina.

Como bem nos lembra Joana Maria Pedro talvez uma das melhores

conquistas feministas que tivemos a partir dos anos 70 e 80 é o reconhecimento de

outras maneiras de ser mulher, além das idealizadas à vida domestica ligada ao

bom casamento com homem virtuoso que lhe sustentasse graças ao seu grande

poder aquisitivo.

“Vou te provar que eu não sou do tipo de mulher

Que você paga uma bebida e eu dou o que tu quer

Enfia teu malote no saco e lambe o cheque

Tenho nojo de moleque

Pode ser pagodeiro, empresário ou cantor

Pode ser funkeiro, milionário ou jogador

O que você faz da sua vida não interessa

Vou mandar tu se f**** porque sou dessas.”

Paradoxalmente, as mulheres em sua maioria, ainda estão submetidas a

ocupações com menor remuneração, ou há casos em que recebe menos porém

desenvolvendo a mesma ou mais funções que um homem e são as mais atingidas

na taxa de desemprego, mas não desistem, assumem responsabilidades que as

levam viver uma dupla jornada, vivem pro trabalho, para os estudos e para os

filhos16.

Não cairemos no erro de desvalorizar perspectiva da vida conjugal, apenas

devemos reconhecer que há outras aspirações que podem almejar as mulheres do

século XXI. Muito menos purificar os feitos femininos, até porque, atualmente, elas

assumem altos cargos públicos, dirigem grandes empresas além de automóveis, são

artistas renomadas, mas também, estão ligadas a esquemas de corrupção no país,

perseguem inimigos políticos e participam de crimes organizados17.

Novamente utilizo o grupo Atitude feminina com outra música, “Mulher

Guerreira” para compreendermos estas diversas formas de ser mulher que

presenciamos.

16 BORELLI, Andrea & MATOS, Maria Izilda. 2012, p.146.

17 PINSKY, Carla B. 2012, p. 540.

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“Eu vou mostrar pra você o que sou

E eu exijo ser tratada com amor

Eu vou mostrar pra você o que sou

Mulher guerreira, tenho o meu valor

No espaço que eu trilhei, experiência acumulei,

Na guerra da vida errei e acertei

E sei que as coisas não são fáceis pra mim

Mas ergo a cabeça, isso não é o fim

Provando a cada dia que tenho o meu valor

Por amor, vou cantar onde quer que eu for

Que a liberdade conquistada por “nóiz” é um direito

E antes de falar qualquer coisa, quero respeito

Sou determinada. Vulgar? Nem pensar

escolha qual mentira você quer acreditar que mulher só existe pra pilotar fogão ou pra

ser pôster de revista pra causar tesão

Tome vergonha na sua cara

E trate melhor a mulher dentro de casa

Irmã, filha, mãe, esposa

Sempre tem uma mulher do seu lado, fique de boa

“Cês” não vive sem “nóiz”, você veio de “nóiz”

E pra você ter um herdeiro, você precisa de “nóiz”

Sou dona de casa, secretária, presidente

É? mulher simplesmente!

(...)

Essa é pra dizer, mulher baby

Ninguém “taria” aqui não fosse você

Porque todo homem, mesmo que não assuma

Já chorou ou já passeou no colo de alguma

Que luta, enfrenta, busca, amamenta

E mesmo quando o companheiro se ausenta

Ela é mulher, MC, mãe, às vezes pai, não é fácil

Ser M. Aço, mas vai

É profissão perigo três vez

Levar alguém na barriga por nove “mês”

Ligado só por um cordão, por um fio

Tipo um microfone, é, você conseguiu

Resistiu, passou, marcas da adolescência

Cantou Dina Di sobre essas consequências

E o homem ingrato te chuta, desde o útero

Cresce, maltrata, marido adúltero

Comédia, romance, gênero, não importa mais

Masculino, feminino, tanto faz

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Preconceito não rola, não cola, não é durex

Talento no hip-hop é unisex(...)”

A produção artística fala por si só, advertindo o patriarcado e mostrando a

atuação feminina de imensa importância na sociedade, com as diversas formas que

coexistem as mulheres.

Liberdade Sexual

A Cantora Ludmila de 18 anos é outra revelação do funk carioca. Carismática,

animada, festeira e despreocupada quanto aos valores conservadores que reprimem

a sexualidade feminina, fez sucesso inicialmente com um vídeo postado no Youtube

que possuiu recordes de visualizações, participa periodicamente do programa de TV

na emissora Globo, “Esquenta” apesentado por Regina Casé. Atualmente sua

página no Youtube possuí mais de 78 mil inscritos e tem mais de 15 milhões de

visualizações.

Em sua letra “Hoje” a artista demonstra suas claras intenções para com um

homem que já havia “ficado” anteriormente: satisfazer seus desejos sexuais.

“Hoje, é hoje, é hoje, é hoje!

Hoje eu tenho uma proposta

A gente se embola

E perde a linha a noite toda

Hoje eu sei que você gosta

Então vem cá, encosta

Que assim você me deixa louca

E faz assim

De um jeito com sabor de quero mais

Sem fim

Não fala nada e vem

Que hoje eu tô afim

Eu tô na intenção de ter você pra mim

Só pra mim”

Tal possibilidade parece possível porque o contexto contemporâneo é fruto de

um processo iniciado no fim dos anos 1960, onde a pílula anticoncepcional e a

revolução dos costumes sexuais modificaram os hábitos de socialização e

contribuíram com a modificação de alguns paradigmas ligados a imagem da mulher.

Esta podia controlar o próprio corpo, gozar de seus prazeres sexuais e fazer sexo

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antes do casamento já não era tão repudiado. Havia informalidade de

relacionamentos agora, onde o termo “ficar” já era usado. Mas como nos lembra

bem Carla B. Pinsky:

“Com o sexo entre os solteiros(...)as atitudes variavam da condenação

pura e simples à aceitação irrestrita, que implicava uma verdadeira luta

para livra-lo do estigma do pecado e do proibido. É claro que o problema,

novamente, era a mulher, já que a iniciação dos rapazes estava

garantida pelos costumes.(p.518)

As mulheres que aderiam liberdade sexual eram mal vistas e definidas na

categoria das que não serviam para casar. Na mídia o sexo casual não possuía

defensores, estes se davam mais entre os hippies e alguns intelectuais. Para os

homens não havia condenação, era comum da natureza masculina, o problema era

das mulheres que aderissem as aventuras prazerosas do corpo feminino fora do

matrimonio e que não viabilizassem a gestação.

Entretanto, de uma forma ou de outra, transformavam-se os valores, e os

jovens pareciam os mais aptos à aceitação da liberdade sexual. Falar de sexo

passou a ser comum e nas escolas haviam aulas de Educação Sexual nos anos 80

e 90. Produções artísticas na música e no cinema levavam a temática para

discussão e, a indústria de automóvel e motéis, facilitou a vida desses casais

informais.

Ainda falando em liberdade, apresento mais uma letra da cantora Valesca

Popozuda: “Agora eu tô solteira”. Bem polêmica e tem forte repulsa pelas feministas

mais radicais, afinal estas pensam que a mesma está contribuindo com o imaginário

machista e a afirmação da mulher como objeto sexual.

“Eu vou pro baile, eu vou pro baile, de sainha

Agora eu sou solteira e ninguém vai me segurar

Daquele jeito

De, de sainha

Daquele jeito

(Eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu)

Eu vou pro baile procurar o meu negão

Vou subir no palco ao som do tamborzão

Sou cachorrona mesmo

E late que eu vou passar

Agora eu sou solteira e ninguém vai me segurar

DJ aumenta o som

Eu já tô de sainha

Daquele jeito

De, de sainha

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No local do pega pega eu esculacho tua mina

No completo, ou no mirante, outro no muro da esquina

Na primeira tu já cansa

Eu não vou falar de novo

Ai que homem gostoso, vem que vem quero de novo

(Ai, vai)

Ai que homem gostoso, vem que vem quero de novo(...).”

Ora, se as mulheres por muito lutaram para adquirir sua liberdade sexual, se

desprendendo da moralidade tradicional que não reconheciam nem seu direito de

sentir prazer e de escolhas, as viam apenas como reprodutoras da espécie e a

família quem decidia com quem casaria, porque não deixa-las usufruir de sua

sexualidade da maneira que bem entendem? Ser feminista também é reconhecer e

aceitar o direito da outra de fazer o que quiser, por mais que você não fizesse. O

patriarcado oprime, não temos dúvidas e sabemos que há uma construção da

imagem da mulher, que percorre na mentalidade machista, quanto fruto do prazer

masculino e objeto sexual, as feministas compreendem e disseminam isto bem,

entretanto continuam a ditar como as mulheres devem se comportar. Esta

fragmentação dos discursos feministas se dá a partir destas divergências, mas se a

mulher possuí uma consciência reflexiva sobre a construção sociocultural e histórica

do pátrio poder, que oprime pelo sexo, e mesmo assim quer ir para o baile de

sainha, que vá. O que de fato não se tolera é o opressor que adverte mulheres e de

maneira hipócrita dita regras para estas, mas como já vimos, Valesca se posiciona

bem quanto a isto.

Negras e as múltiplas formas de resistir aos sistemas de opressão.

Sendo Ludmila uma mulher negra e proveniente de uma das favelas do Rio

de Janeiro, não poderia dar andamento à analise sem comentar sobre o maravilhoso

texto de Maria Odila Silva Dias, “Resistir e sobreviver”, que nos concebe o

entendimento de como viviam as escravas no fim do XIX. O numero de escravas

comercializadas internamente na África era maior e as mulheres eram mais caras,

tidas como reprodutoras e trabalhadoras agrícolas.18 Segundo a autora, sobreviver

já era uma vitória, enquanto atravessavam de um continente à outro, como muitos

africanos, sofriam de diversas formas e morriam centenas, por isso havia uma

demanda enorme e a lotação nos navios negreiros que atendia o trafico à América.

No Brasil, havia um desequilíbrio grande em relação ao gênero dos escravos, os 18 Vale ressaltar que a escravidão na África não se fazia por bases raciais. Como compreendeu Paul

LoveJoy(2002), os meios de escravidão no continente podiam ser por guerra, sequestro, punições

judiciais ou religiosas ou de maneira “voluntária” conforme as necessidades.

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homens eram mais requisitados em vista dos trabalhos árduos que exigiam muito

esforço físico, sem contar que elas eram cerca de 20% mais baratas, porém das

poucas que vinham, podiam desenvolver trabalhos domésticos e agrícolas como

também tão pesados quanto os deles. Gravidas trabalhavam, muitas vezes até a

hora do parto, ou até davam a luz enquanto realizavam as tarefas demandadas.

Além de propriedade privada dos senhores de engenho, muitos companheiros

ou parceiros de plantel as tinham como suas no quesito afetivo. Era difícil manter

famílias, por conta da forma que se distribuíam os afazeres, entretanto no geral os

parceiros se encontravam algumas horas à noite e muitos senhores e capatazes não

se sensibilizavam em desmembrar as famílias, na realidade, há vários casos em que

ambos serviam-se sexualmente das negras e os seus companheiros de plantel ou

maridos reagiam de maneira violenta. Casos em que escravos matavam os donos

por conta dos abusos ou pelos maus tratos que sofriam suas mulheres e filhas. Há

também casos de negras que foram abusadas por seus senhores e depois mortas

pelos ciúmes que os escravos sentiam. O numero pequeno de escravas nos

planteis, também era outro agravante quanto aos sentimentos de posse por parte

dos homens, eram disputadas por mais que um escravo e os donos, muitas vezes

as mandavam para outras fazendas para terem filhos de outros escravos e assim

multiplicar os que já possuíam como propriedade privada. Quanto às resistências,

muitas envenenavam os donos já que conheciam plantas que poderiam causar

doenças e ate matar, em resposta aos ataques abusivos.

O direito de receber por pequenos trabalhos e vendas de produtos caseiros

foi reconhecido pela Lei do Ventre Livre em 1871, e muitas negras, trabalhavam

muitos anos a tal ponto que compravam sua liberdade. Tanto que no século XIX, a

persistência destas fez com que a alforria fosse um fenômeno mais feminino que

masculino, nos centros urbanos. Mas como relembra Maria Odila:

“(...) a dificuldade de se afirmar como pessoa livre muitas vezes

ocorria no interior da própria família. Os processos criminais do final do

século XIX estão cheios de historias de homens agredindo mulheres em

razão da liberdade por elas adquirida. Os motivos variavam: uma vez

estando livre, a mulher se negava a fazer sexo com o conjugue, o

companheiro resolvia proibir a mulher de circular pela cidade ou opor-se

a que ela trabalhasse. Muitas vezes elas apanhavam sem saber o

motivo. (...) Quando finalmente ocorreu a Abolição no Brasil, as libertas

encontraram outras tantas dificuldades para se inserir na sociedade em

condições mais dignas. Seus problemas iam desde os obstáculos para

passar seus bens para os descendentes até o preconceito sofrido em

virtude de seu sexo e sua cor. (...) Quando tudo conspirava contra suas

vidas, abriam caminhos, combateram preconceitos e afirmaram posições

conquistadas. (...)” (p. 378-379)

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Muitas resistiram e persistiram, na medida do possível, para se libertarem da

dualidade opressora que sofriam.

Entretanto, mesmo com o fim da escravidão, a mentalidade escravista

colaborava e muito com a exclusão da população negra no país, em vista do trafico

proibido que continuou acontecer, internamente. Como nos mostra Babel

Nepomuceno, em um censo de 1890, 48% da população negra economicamente

ativa trabalhava de doméstica, 17% na indústria, 9% atividades agrícolas e 16%

outros serviços não declarados. De certa forma, à nova República dava-se

preferencia ao trabalho de imigrantes, do que à população que lhes faziam lembrar o

passado escravista e imperial. Fazendo uma ponte com a atualidade, o trabalho

domestico ainda é correlacionado com as mulheres negras de maneira

estereotipada, e estas estão mais exposta a receber salários baixos comparadas

aos homens negros e as mulheres brancas.

Em outro Consenso de 1940 e 1950 que incluía o quesito cor da pele, a fez

compreender que a exclusão do sistema educacional recaia mais sobre as mulheres

negras. Nos anos de 1980 outro consenso, relacionando à pigmentação do corpo,

80% das mulheres negras estavam entre a faixa de até 4 anos de estudos. Na

questão do analfabetismo, as negras somavam o dobro das mulheres brancas e

ainda tinham mais probabilidade de abandonar os estudos. A primeira negra a

conquistar o título de Bacharel no Brasil foi Maria Rita de Andrade, pela faculdade

de Direito na Bahia em 192619. Ou seja, em suma a realidade das mulheres negras e

pobres pareciam mais duras, do que de outras mulheres burguesas e brancas, tanto

para o trabalho quanto para educação.

A imagem da mulher negra ficou atrelada à insultos, até hoje são

discriminadas por conta do corpo, cabelos e traços afrodescendente.

“(...)hoje, mesmo com todas as mudanças culturais, mulheres

afrodescendentes, principalmente as mestiças ou “mulatas”, continuam a

ser alvos do estereótipo de as mais sensuais e libidinosas entre as

mulheres, perpetuado, principalmente, através da mídia, particularmente

a televisão.(...)” (NEPOMUCENO, Bebel. 2012, p. 404)

Nesta passagem Bebel Nepomuceno, nos leva a observar um dos papeis que

ficou trelado à estas mulheres brasileiras. Mas para compreender o imaginário

feminino, negro e periférico, utilizarei uma outra artista, curitibana, reconhecida

nacionalmente desde 2002 e com recente turnê realizada, na Europa. “Karol

Conka”20 é uma rapper negra e nos deixa claro a mensagem que quer passar ao seu

público.

19 Flávia Rosemberg. 2012, p.337. 20 . A mesma não possuí um canal no Youtube ou site oficial. O videoclipe da música “Tombei” possuí

mais de um milhão de visualizações, até presente data.

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26

Em uma tentativa de resgate à memória e da valorização da cultura Afro,

utiliza sons com estimulante energias positivas, nos remetendo às religiões

afrodescendentes, além de mencionar grandes rappers em suas letras. Na produção

“Tombei”, com participação especial de um projeto de música eletrônica chamado

“Tropkillas”, a cantora demonstra autoridade sobre seu corpo, suas escolhas e ainda

adverte aos homens de maneira corajosa:

“Se é pra entender o recado

Então, bota esse som no talo

Mas vem sem cantar de galo

Que eu não vou admitir

Faça o que eu falo

E se tiver tão complicado

É porque não tá preparado

Se retire, pode ir.

Causando um tombamento, oh

Também tô carregada de argumento, oh

Seu discurso não convence, só lamento, oh

Segura a onda, se não ficará ao relento, oh

Depois que ela lhe tocar

Não adianta fugir

Vai ter que se misturar

Ou, se bater de frente, periga cair.”

(...)

“Já falei que é no meu tempo

As minhas regras vão te causar um efeito

É quando eu quero, se conforma, é desse jeito

Se quer falar comigo então fala direito, fala direito.”

Os movimentos sociais intensos a partir da década de 60 articulavam junto às

minorias, mas travavam dificuldades ao se correlacionarem, como já vimos.

Nepomuceno diz que um marco da luta e estratégias de ação feminina lideradas por

negras foi a participação na Terceira Conferencia Mundial contra o Racismo, a

Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância, em 2001

na África do sul, onde discutiram levar ao governo brasileiro a pauta de

implementação às políticas públicas. A autora ainda comenta:

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27

“(...)A participação na Conferência provou que as militantes negras

brasileiras das décadas de 1980 e 90 haviam aprendido a se articular em

nível local e global, com resultados evidentes.”(NEPOMUCENO, Bebel.

2012, p.401)

E por entre estas décadas, tais mulheres ganhavam mais visibilidade. No Rio

de Janeiro, em 1983 a médica Edialeda do Nascimento foi nomeada à Secretaria de

Promoção Social. Em São Paulo, o movimento feminino e negro promoveu a criação

de uma Comissão da Mulher Negra no Conselho Estadual da Condição Feminina

(CECF), liderado por uma negra psicóloga chamada Maria Aparecida de Laia. No

Senado Federal em 1994 a primeira negra Benedita da Silva ocupa uma cadeira,

deixando o mandato para assumir o cargo de vice-governadora em 1999 no estado

do Rio.

Enfim, Nepomuceno cita 7 mulheres com conquistas no campo político entre

1980-2008, além das outras 7 no meio artístico cultural, entre elas compositora

sambista Lecy Brandão e a escritora mineira Ana Maria Gonçalves que teve seu livro

de estreia compreendido como uma obra-prima mundial21.

Pensando por estas conquistas, é evidente que o discurso atual da Artista

Karol Conka, remete a esta já então ultrapassada e errônea imagem que possuíram

as negras durante tanto tempo, em respeito de sua sexualidade e “inferioridade”

determinada pela sociedade brasileira, excludente e desigual, mas que mesmo

assim resistem e enfrentam essas múltiplas formas de opressão.

Diversidade na forma de amar

Se a liberdade sexual foi uma conquista mutua dos movimentos feministas,

avanços medicinais e transformações socioculturais, as maneira de expressar sua

sexualidade também foram ganhando espaços, apesar de serem excluídas lésbicas

das pautas entre os movimentos de mulheres. Como já vimos o feminismo era

associado as “mulheres masculinizadas” de forma negativa.

Uma música interessante para relacionar a orientação sexual homo afetiva, é

“A Garota Que Não Gosta De Meninos”, cantada pela atriz, humorista, compositora e

roteirista Clarice Falcão. Vale ressaltar que se a artista ao interpretar a letra e

dispõe-se a canta-la significa que concorda ou no mínimo simpatiza-se com a

produção, independente de sua sexualidade, passa a representar um grupo ou dar

visibilidade a este, usando a música como a expressão de uma temporalidade.

Interpretada por covers no Youtube, de onde retirei a fonte, a letra é destinada aos

homens para compreensão e aceitação da liberdade de gostar de quem quiser.

21 NEPOMUCENO, Bebel. 2012, p.403.

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28

“Eu não gosto de meninos

Não é nada com você

Nem com você

Eu prefiro as garotas

Vocês devem entender

Vocês também preferem

Não adianta me dar flores

Não adianta me cantar

Eu já tô bem decidida

É melhor deixar pra lá”

A homossexualidade era tida como uma doença. Tanto que a nomenclatura

carregava o sufixo “ismo” que denota como tal. Até que em 1990 a Organização

Mundial de Saúde (OMS) modificou a Classificação Internacional de Doenças (CID)

dizendo que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem

perversão.”22

A diversidade sexual reconhece que sexo biológico, orientação sexual e

identidade de gênero como coisas distintas. Como já vimos com Linda Nicholson,

Gênero é a conotação para distinguir como a pessoa se reconhece dado a formação

de seu caráter humano, construído socialmente. Orientação sexual coincide com a

atração afetiva, podendo ser heterossexual, homossexual e bissexual, lembrando

que não se opta por quem vai sentir atração. Finalmente, sexo biológico faz

referencia ao modelo fisiológico do ser humano que o distingue “macho” e “fêmea”,

há também as pessoas que nascem com a combinação dos dois órgãos biológicos

que são chamadas de “intersexos”.

Dado o recente processo de desconstrução do senso comum, senso esse

estruturado por discursos religiosos e bíblicos, que encontram fundamentos no

molde patriarcal, há de se relevar que muitos estão expostos a preconceitos e

discriminações. O público LGBT muito sofre não só nas ruas onde as violências e

discriminações são constantes como também no âmbito familiar, tidos como uma

vergonha para muitas famílias tradicionais brasileiras. Homofobia, Transfobia,

Bifobia e Lesbofobia são realidades da nossa sociedade, que vem sendo

descontruídas em um lento processo. Uma grande vitória para a população do

Estado de São Paulo, foi a Lei nº10.948, de 5 de novembro de 2001 que proíbe a

discriminação e pune as ações de fobia, seja por violência verbal, moral ou física.

Felizmente os feminismos atualmente estão mais sensíveis a estas

realidades, já que o movimento homossexual vem quebrando barreiras. Muitas

22. Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual. Diversidade sexual e

cidadania LGBT. São Paulo : SJDC/SP, 2014. P-11.

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29

lésbicas e mulheres transexuais também levam suas pautas quanto ao gênero

feminino e a orientação, afinal elas estão expostas a múltipla realidade opressora

também.

No movimento de segunda onda, Joana Maria Pedro comenta que havia a

tentativa por parte de algumas feministas de formular uma identificação coletiva,

para criar um sentimento de irmandade entre as mulheres, mas que era facilmente

quebrado:

“Esse sentimento, entretanto, era ameaçado dentro dos próprios grupos

por causa do preconceito de algumas integrantes contra o lesbianismo. A

crítica tantas vezes ouvidas pelas feministas, de que todas seriam

lésbicas fazia com que algumas quisessem a todo custo se afastar desse

rótulo, o que causava sérias divisões nos grupos de mulheres. Haviam

dentre elas, inclusive, as que acusavam as companheiras realmente

lésbicas de serem “pessoas doentes”.”(PEDRO, Joana M. 2012, p.250)

Para dar visibilidade à causa dos movimentos homossexuais, a cantora e

feministas Valesca Popozuda levanta bandeira colorida e também se manifesta na

letra: “Sou gay” (ANO)

“Vem, meu bem, não tem ninguém

Apaga a luz relaxa e vem

Suei, beijei, gostei, gozei

Sou bi, sou free, sou tri, sou gay

Cheguei na boate

E ao som do bate cabelo eu vi

Não sei o que senti,

Mona, aquenda o que vi

Senti um calor e na pista desci

Ao som do DJ me liberei

Te olhei e percebi, que aqui posso ser free

Dança comigo, sente meu som

Dança comigo, e sente o que é bom

No bate cabelo na pista senti

Seus lábios aos meus senti que sou free

Beijei uma mulher

Um gosto bom eu senti

Eu posso ser livre ou posso ser bi

Vem DJ coloca o bate cabelo

Vem DJ aqui todo mundo é free

É homem com homem arrasa as bee

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30

Sinbora DJ que eu quero cantar

Mulher com mulher é bom de beijar

Se joga na pista e venha ser free

Bate cabelo comigo é assim.”

No inicio da música, há um chamado com a pronunciação do Projeto de Lei

da Câmara(PLC) n.º 122/06 que visa criminalizar a discriminação e o preconceito

motivados pela orientação sexual, identidade de gênero, sexo, cor, raça, etnia,

religião, crime contra idosos ou pessoas com deficiência física.

Acontece que os movimentos LGBT são bem mais ativos atualmente,

possuem um grande número de mulheres e simpatizantes feministas, além de mães

(pais também) que compreendem a sexualidade de seus filhos, os respeitam e os

apoiam nas diversas formas de amar. Mas, como a própria Joana Maria Pedro diz,

as redes feministas continuam a existir, mesmo que fragmentadas.

Se a luta por visibilidade entre as mulheres lésbicas foi difícil, imagina o

reconhecimento às transexuais. Linda Nicholson, em seu artigo cientifico, que já

comentei bastante, traz uma feminista dos anos 70 americana, Janice Raymond que

é extremamente crítica em relação aos trans e as lésbicas. Cita seus escritos onde a

mesma expressa:

“O homem andrógino e a feminista lésbica transexualmente construída

enganam as mulheres praticamente da mesma forma, porque levam as

mulheres acreditarem que são verdadeiramente como nós- não só em

espirito e em convicção. (...)Sabemos que somos mulheres que

nascemos com cromossomos e anatomia femininos, e que, tenhamos ou

não sido socializadas para sermos consideradas ‘mulheres normais’, o

patriarcado nos tratou e nos trata como mulheres. Os transexuais não

tiveram a mesma história. Nenhum homem pode ter história de ter

nascido e se colocado nessa cultura como mulher. Ele pode ter história

de ter desejado ser mulher e de ter agido como mulher, mas essa

experiência de gênero é própria a um transexual, não a uma mulher.”

(RAYMOND, 1986, p. 100. APUD: NICHOLSON, Linda. Interpretando o

gênero. LOCAL : Editora, ANO. pp.)

Raymond, como muitas, rejeitou incluir à esta categoria de mulheres, em vista

de uma crença no funcionalismo biológico do ser feminino, a transexualidade. Muitas

feministas por mais que usassem o termo “Gênero”, não compreenderam por

completo.

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31

Não encontrei uma produção artística brasileira que mencionasse a

sexualidade do ser trans gênero. Apenas uma cantora mexicana, Gloria Trevi

considerada diva pop no país, com “Todos me miran”.23

Porém, poucas produções só demonstram que o assunto pouco é abordado,

como vimos, algumas feministas das décadas 60, 70 e 80 nem as reconheciam

como mulher. Em São Paulo, um decreto Estadual assegura às pessoas transexuais

e travestis o direito de escolher o nome para ser tratada socialmente24. Uma grande

vitória, mas como já comentei, é um processo e ainda necessita de muitas

transformações. Além de uma deliberação25 que dispõe incluir o nome social da

pessoa em instituição escolares públicas e privadas.

Outra cantora e compositora que se dispõe a interpretar e até representar as

diversas formas de amar também, é Ana Carolina. Iniciou sua carreira nos anos

2000 e atualmente são 15 anos de sucessos, sendo reconhecida inclusive

internacionalmente. Seu canal no Youtube possuí mais de 130 mil inscritos e mais

de 56 milhões de visualizações.

A artista se dispõe a interpretar a letra “Eu gosto é de mulher”, que já foi

interpretada também pelos artistas que compõe a banda “Ultrage a Rigor” e

“Raimundos” onde modificam a letra e o agente passa a ser masculino. Na

interpretação de Ana Carolina, uma mulher descreve sua preferência por se

relacionar com outras mulheres, independente da forma como esta se compreende

no mundo ou como se comporta.

“Vou te contar o que me faz andar

Se não é por mulher não saio nem do lugar

Eu já não tento nem disfarçar

Se em tudo que eu me meto é só pra impressionar

Mulher de corpo inteiro

Se não fosse por mulher eu não era roqueiro

Mulher que se atrasa, mulher que vai na frente

Mulher dona-de-casa, mulher pra presidente

Mulher de qualquer jeito

Ninguém sabe o que ela tem no peito

23Descreve um ser que não se reconhecia no gênero que atribuíram, até que enfrenta a família e

traveste/veste “de rainha” para sair a noite que não era mais escura e sim “de lantejoula”. Todos a olham, porque é linda e as pessoas a admiram, por sua coragem ou a olham por inveja, mas no fim, todos a amam.

24 Decreto Estadual nº 55.588/10 25 Deliberação CEE de nº 125/2014

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Peito pra dar de mamar

Peito só pra enfeitar

Mulher faz bem pra vista

Tanto faz se ela é machista ou se é feminista

'cê pode até achar que é um pouco de exagero

Mas eu sei lá, eu sei que não sei,

Eu gosto de mulher, eu gosto de mulher

Ôooo eu gosto é de mulher (2x)

Mulher eu já provei

Eu sei que é bom demais, agora o resto eu não sei

Sei que eu não vou mudar

Sei que eu não vou nem tentar

Desculpe esse meu defeito

Eu juro que não é bem preconceito

Eu tenho amigo homem, eu tenho amigo gay

Mas eu sei lá, eu sei que eu não sei,

Eu gosto é de mulher eu gosto é de mulher

Ôoo eu gosto é de mulher(3x)

Eu sei como pisar no coração de uma mulher

já fui mulher eu sei (2x)”

Além de tudo, a produção musical descreve as diversas formar de ser mulher

e que estas podem ser de qualquer jeito, comprovando essa diversidade de

coexistência entre elas. Mais uma vez a sexualidade, aqui, não é vista como uma

opção, pelo contrário, não sabe ao certo por que não prefere homens, o fato é que

existem lésbicas e isso não vai mudar, na realidade como descreve a letra, ela não

quer nem tentar.

A atração afetiva ou sexual se manifesta de maneira involuntária ao desejo

humano. A escolha não é por se sentir atraído ou não, opta-se na realidade por

expor sua sexualidade ou omiti-la.

Como percorre em termos não acadêmicos, “Sair do armário” é uma

expressão popular entre os LGBT’s para aqueles que optam não viverem sua

orientação às escondidas. Assim como não se escolhe ser homossexual, não há

como optar por ser heterossexual. O ser humano no geral, simplesmente nasce e vai

se construindo socialmente.

Profissionais do Sexo

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33

Outro movimento de mulheres que batalhou para conquistar espaço público,

mas obteve grande repulsa de muitas feministas radicais, mesmo pelo movimento

pós-moderno, foi os das “cigarras”.

Vender sexo na década de 70 não era crime e em São Paulo por exemplo,

não era coibido pela policia. Estes calcularam em 73, cerca de 10.000 prostitutas na

capital, sendo 4.000 cadastradas, afinal à região muitas “cigarras” do interior

migravam no período de férias, e entre boates e nigthclubs, alimentavam a indústria

da prostituição.

Mary Del Priori analisa uma reportagem da “Veja” no período, que discorre

sobre a região paulista ter maior oportunidade de crescimento econômico no

desenvolver destas atividades e ainda traçava o perfil das moças que exerciam este

trabalho: “elas vivem da prostituição porque foram defloradas e abandonadas ou

porque se separaram do marido e tinham filho para sustentar, ou simplesmente

porque estavam aponto de se desesperar por não poder ganhar dinheiro suficiente

para comer. Quase sempre, também, todas pretendem ficar por pouco tempo na

profissão e lamentam que estão fazendo”. (p. 221)

Vender a prática do sexo não era crime mas em 1979 o Brasil assinou a

Convenção contra o Tráfico de Pessoas e Exploração da Prostituição, portanto a

exploração e trafico de mulheres e crianças é criminalizado conforme o Código

Penal Brasileiro dos artigos 227 e 231.

Assim na década de 80, ainda mais com a chegada da AIDS o comercio do

sexo caiu, em contra partida aumentaram-se as discriminações e o preconceito.

Porém no mesmo contexto, onde os debates sobre violência à mulher são

constantes e de uma luta intensa, muitas encorajam-se à organizar e denunciar

abusos de cafetões, policiais, e inclusive clientes, além de levarem à pauta

questões como cidadania e direitos. Assim passam existir encontro nacionais entre

as prostitutas, em diversos estados, até que conseguem em 89 formar a Rede

Nacional de Profissionais do Sexo.

Outra revista analisada por Mary Del Priori, Época sobre “Prostitutas do

século XXI”, a matéria trazia outra perspectiva, moças que não viam a hora de

completar 18 anos para assumir, sem falsos documentos e sem o estereotipo de

necessidade que a torna vitima.

Ana Carolina canta “Pole Dance” e descreve uma mulher de bem, que

trabalha, cria os filhos e respeita à todos, sem distinção de raça, gênero, classe

social, levando uma vida normal tal qual é de fato, mas trabalhando com o corpo.

“Ela rebola, rebola, rebola

Ela quer dólar, quer dólar, quer dólar

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34

Ela rebola, rebola, rebola

Ela quer dólar, quer dólar, quer dólar

Moça do bem

Cria os filhos com atenção

Não zoa com ninguém

Só quer ganhar o pão

Da vila vintém

Até chegar o calçadão

Enfrenta van e trem

No inferno e no verão

Não faz distinção, porém

Se pintar um alemão

Amém!

Ela rebola, rebola, rebola

Ela quer dólar, quer dólar, quer dólar

Ela rebola, rebola, rebola

Ela quer dólar, quer dólar, quer dólar

Sabe entreter

Tem troco pra cem

Bota pra ferver

Não troca o nome de ninguém

Pra distrair ela lê, seu olhar de estilingue

Acerta todo o cabaré, homem e mulher

É muito mais do que bilíngue

Faz com a língua o que quiser

Ela rebola, rebola, rebola

Ela quer dólar, quer dólar, quer dólar

Ela rebola, rebola, rebola

Ela quer dólar, quer dólar, quer dólar.”

Além de tudo, a cantora de MPB retrata uma mulher autônoma e intelectual,

que leva uma vida como todos os cidadãos, portanto passível à deveres e diretos

como todo ser, exigindo respeito por todos em poder fazer o que quiser com o corpo

sem ser julgada ou alvo da moralidade social, afinal são elas também passíveis

desta múltipla realidade opressora.

É claro que, em contra partida, mesmo com o Código Penal dos artigos 227 e

231, existe a exploração do sexo ilegalmente, principalmente nos garimpos do Norte

do país e entre grandes estradas, sendo que além de mulheres forçadas ao

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35

trabalho, também encontra-se crianças e adolescentes. Segundo a ONU em 2000,

haviam cerca de cem mil mulheres e crianças sexualmente exploradas no Brasil. (

APUD: PRIORE, Mary Del. 2001).

Considerações finais

Entre rupturas e permanências, transformações e estagnações, o feminismo

inicialmente se desenvolveu e divergiu de maneira muito ampla, nos possibilitando

compreender as diferenças existentes entre as próprias mulheres.

Como bem analisamos, os discursos que viabilizavam desconstruir os

parâmetros que herdamos da cultura do patriarcado, foram diversificados e

coincidiam com seu tempo, cada qual com argumentações e exigências específicas,

além do conceito que, ao menos anteriormente serviria para atender todas as

mulheres, parecia não ser tão universal assim. Desde o fim do século XIX até os

dias atuais, como uma unidade, os feminismos buscam uma emancipação do

gênero que a muito foi e vem sendo oprimido. Porém procuram as feministas em

pauta atender necessidades específicas, sejam elas qual forem. Pretendeu-se lutar

pela visibilidade do gênero feminino e o fazer perceber com igual importância e não

como secundário, almejaram a libertação dos valores culturais tradicionais

opressores e controladores, para então com autonomia, mulheres controlassem

suas próprias vidas.

Estes feminismos deixam de ser uma unidade quando se limitam a tratar

mulheres específicas, não levando em consideração o caráter plural do ser humano.

Como bem compreendemos no que chamamos de feminismo de primeira onda, as

mulheres que se propuseram pensar a cultura opressora do patriarcado e a lutar por

visibilidade no espaço público foram as brancas, intelectuais e de classe média ou

da elite. Estas muito conquistaram dentro do espaço e tempo no qual militaram,

entretanto buscavam atender reinvindicações como o direito ao trabalho,

participação política e acesso a educação. Não que outras mulheres além das

feministas não almejassem isto, mas dentro de sua temporalidade também haviam

as que estavam expostas às opressões raciais e de classe, por exemplo.

Nos movimentos de segunda onda, com as primeiras conquistas se tornando

possíveis, pretendiam-se também outras reinvindicações agora na esfera da vida

privada, tentando desprender-se daquilo que parecia até então inerente à natureza

feminina: a gravidez e o matrimônio. Em meados do século XX, até as militantes de

primeira onda pareciam não se familiarizar com essas novas exigências feministas

ou aos novos modelos de ser mulher. Os movimentos sociais em grande

desenvolvimento nas décadas de 60 e 70, intensificando-se até o fim do século,

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36

tinham um grande número de mulheres ativistas e militantes. Muitas não se

intitulavam feministas, pois não se viam representadas pelo tradicional, além da

opressão sexista, havia opressão racial, de classe, por trabalho, por orientação

sexual, por religião, entre outras.

“O Feminismo” parece não ter sido claro o suficiente desde seus primórdios

para muitas pessoas, que inclusive não compreendiam sua utilidade e no senso

comum pairavam estereótipos de mulheres masculinizadas, que odiavam homens e

que pretendiam domina-los. A pluralidade dos discursos por liberdade e para

desconstrução do imaginário cultural brasileiro, que possuí um sistema opressor por

diversas circunstancias, contribuí até hoje com essa dificuldade de se entender o

que pretende o “feminismo”. Tudo porque partilhamos uma cultura da semelhança,

onde organizamos ou definimos o conhecido e excluímos o diferente, os que

encontram-se fora dos padrões simplesmente são banidos ou julgados como

anormais, por não seguirem os padrões ou porque historicamente foram

minimizados ou considerados inferiores. E incompreendido continuará,

principalmente se continua a negar outras realidades a serem enfrentadas,

realidades que muitas vezes bloqueamos para não enxergar.

Diante da perspectiva do outro a interpretação que se faz pode variar e muito.

Lino Macedo ao discorrer sobre como nos relacionamos com as diferenças nos leva

a entender que:

“Por isso a lógica das semelhanças é a lógica das classes; a lógica das

diferenças é a lógica das relações. Na multiplicidade relacional, em

relação a uma pessoa eu sou o pai, a outra eu sou irmão, a outra eu sou

filho, a outra eu sou amigo, a outra eu sou amante, a outra eu sou...

Quem sou eu? Depende da multiplicidade das relações nessa teia infinita

que me coloca no universo de possibilidades, em um repertório de seres

em que me defino por aquilo em que o outro me complementa nesta

relação, portanto, naquilo que está entre nós.” (MACEDO, Lino. Ano, p.

14.)

Parece ilógico para muitos, compreender que há diferenças inclusive naquilo

que se julga semelhante e historicamente a realidade das mulheres varia entre sua

multiplicidade. Existiram e existem mulheres-negras, mulheres-brancas, mulheres-

pobres, mulheres-classe média, mulheres-elitistas, mulheres-lésbicas, mulheres-

transexuais, mulheres-católicas, mulheres-evangélicas, mulheres-umbandistas,

mulheres-solteiras, mulheres-prostitutas, mulheres-mães, mulheres-filhas, mulheres-

irmãs, mulheres-operárias, mulheres- rurais, mulheres- sindicalistas e etc, e essas

existências tiveram pesos e significados diferentes de acordo com a temporalidade

inerente a eles. A coexistência destas identidades e outras, no universo subjetivo e

político do ser humano tem peso fundamental e não podem ser esquecidas. Somos

semelhantes, porém, também somos diferentes, pois a construção do caráter

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37

humano é individual e tem haver com as relações do homem com o meio, e vice-

versa. Sendo o ser único, a identidade nunca será mesma.

“A cultura da diferença supõe a cultura da fraternidade, em que

diversidade, singularidade, diferenças e semelhanças podem conviver

em uma inclusão, formando um todo, quais quer que sejam as diferenças

escalas que o compõem.” (MACEDO, Lino. Ano, p.15)

Em uma cultura da diferença, as coexistências seriam consideradas e

incluídas na pauta feminista, sem a necessidade de um movimento social e

intelectual tão fragmentado como é atualmente. A consciência histórica e social da

diversidade existente no gênero feminino é de suma importância para então

descontruir padrões ideológicos herdados e que constituem uma natureza feminina.

Mas para unificar e fortificar esses feminismos devemos enxergar, analisar,

compreender, respeitar e dar espaço inclusive para aqueles que são diferente de

nós, devemos nos desprender de padrões, de conceitos institucionalizados e que

definem e limitam o que é ser mulher no mundo.

No século XXI, o gênero feminino é mais abrangente do que fora nos séculos

anteriores e muito já se desfruta dos direitos conquistados, entretanto, como

compreendemos com as analises das músicas, mulheres continuam a existir de

formas diferentes e ainda há muito que batalhar para diminuir ou dissipar as

relações desiguais e preconceituosas no mundo. Respeitar a multiplicidade

existencial é fundamental, afinal deveriam, não só os homens, mas as feministas

também, compreender o direito de outras pessoas poderem fazer ou escolherem o

que quiserem da vida, por mais que não necessariamente os fizessem. Já que

muitas lutaram por liberdade no âmbito da vida pública e privada, por que não deixar

que mulheres exerçam autonomia e decidam como seguir suas próprias vidas da

maneira que bem entendem?

Até porque, como se não bastasse o machismo que contribui com a

construção do caráter social de maneira opressora, muitas feministas,

principalmente as mais tradicionais, contribuíram para a construção do papel social

da “nova mulher” poderosa, capaz de fazer tudo ao mesmo tempo, por exemplo.

Não que seja uma realidade inexistente, porém não deve ser institucionalizada como

vem sendo ou padronizada, como se existisse um molde único e universal. Devemos

nos policiar e evitar generalizações ao falar em nome de todas as mulheres e

simplesmente respeitar, aceitando as diferenças.

A canção interpretada pelas artistas Rita Lee e Zélia Duncan, “Pagu”

expressam uma consciência histórica e opressiva que une o gênero e dando

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sequência apontam certas diferenças entre homens e mulheres, não como vítimas

ou vilãs, apenas como diferentes:

“Mexo, remexo na inquisição

Só quem já morreu na fogueira

Sabe o que é ser carvão

Hum! Hum!

Eu sou pau pra toda obra

Deus dá asas à minha cobra

Hum! Hum! Hum! Hum!

Minha força não é bruta

Não sou freira, nem sou puta.”

Em contrapartida, seguem a canção negando diversos modelos padronizados

de mulheres, frutos das transformações entre os modelos rígidos e flexíveis.

“Nem toda feiticeira é corcunda

Nem toda brasileira é bunda

Meu peito não é de silicone

Sou mais macho que muito homem

Ratatá! Ratatá! Ratatá!

Taratá! Taratá!

Sou rainha do meu tanque

Sou Pagu indignada no palanque

Hanhan! Ah! Hanran!

Fama de porra louca, tudo bem!

Minha mãe é Maria Ninguém

Hanhan! Ah! Hanran!”

Parece claro a necessidade que há atualmente dos feminismos se

reformularem, para atender todas as mulheres em suas particularidades e, em uma

unidade, fortificar a luta continuada por plena liberdade e igualdade entre, não

apenas aos gêneros, mas às raças, classes, religiões, sexualidade e etc. Sempre

respeitando a diversidade.

Ou como bem propõe Linda Nicholson:

“Talvez seja a hora de assumirmos explicitamente que nossas propostas

sobre as ‘mulheres’ não são baseadas numa realidade dada qualquer,

mas que elas surgem de nossos lugares na história e na cultura; são

atos políticos que refletem os contextos dos quais nós emergimos e os

futuros que gostaríamos de ver.” (NICHOLSON, Linda. 2000, p. 30)

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Ou por que não transformar esses feminismos em um “feminismo das

diferenças26” capaz de compreender as diversificadas reinvindicações femininas do

contexto atual?

Claro que algumas pautas são mais urgentes que outras em vista do que já

foi conquistado, como constatado ao observar o imaginário feminino na música

popular. Mas com fortalecimento do “feminismo das diferenças” aderindo outras

pautas e outros movimentos sociais, além de constituir uma irmandade entre as

mulheres, há nele a possibilidade de transformações sociais em diversas categorias,

contribuindo para um futuro menos desigual.

26Termologia utilizada pela própria Linda Nicholson em seu artigo. p, 25.