Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais Lei n.º 19/2003 de 20 de Junho A) Financiamento dos Partidos Políticos 1. Muito embora a Lei n.º 19/2003 esteja concebida para entidades colectivas que sejam Partidos políticos regularmente constituídos, deve aplicar-se também, pelo menos, aos grupos de cidadãos eleitores (ver, por exemplo, os artigos 15º, n.º 4, 16º, n.º1, alínea c) ou 17º, n.º3 da mesma Lei), ainda que com as necessárias adaptações. Os grupos de cidadãos eleitores (GCE’s), não sendo entes jurídicos, podem ser configurados como associações sem personalidade nos termos dos artigos 195º a 198º do Código Civil, ainda que com uma particularidade natural: o fim transitório. Surgem, igualmente, especialidades no regime de responsabilidade a que se sujeitam os GCE’s que se justificam, também, pela sua falta de personalidade jurídica. Por exemplo, o primeiro proponente de cada grupo de cidadãos eleitores candidato a qualquer acto eleitoral é subsidiariamente responsável com o respectivo mandatário
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Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais Lei n
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Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas
Eleitorais
Lei n.º 19/2003 de 20 de Junho
A) Financiamento dos Partidos Políticos
1. Muito embora a Lei n.º 19/2003 esteja concebida
para entidades colectivas que sejam Partidos políticos
regularmente constituídos, deve aplicar-se também, pelo
menos, aos grupos de cidadãos eleitores (ver, por exemplo,
os artigos 15º, n.º 4, 16º, n.º1, alínea c) ou 17º, n.º3 da
mesma Lei), ainda que com as necessárias adaptações.
Os grupos de cidadãos eleitores (GCE’s), não sendo
entes jurídicos, podem ser configurados como associações
sem personalidade nos termos dos artigos 195º a 198º do
Código Civil, ainda que com uma particularidade natural: o
fim transitório.
Surgem, igualmente, especialidades no regime de
responsabilidade a que se sujeitam os GCE’s que se
justificam, também, pela sua falta de personalidade
jurídica. Por exemplo, o primeiro proponente de cada grupo
de cidadãos eleitores candidato a qualquer acto eleitoral é
subsidiariamente responsável com o respectivo mandatário
financeiro pela apresentação das contas da campanha (artigo
22º, n.º2, desta Lei).
Porém, apesar de não serem dotados de personalidade
colectiva, os grupos de cidadãos eleitores representam uma
individualidade distinta relativamente aos respectivos
proponentes como se prova, em especial, pelo facto de terem
direito, enquanto grupo, a uma subvenção estatal (artigo
17º da presente Lei).
2. “As fontes de financiamento da actividade dos Partidos políticos
compreendem as suas receitas próprias e outras provenientes de
financiamento privado e de subvenções públicas” (artigo 2º da Lei n.º
19/2003).
A partir desta disposição há um aspecto que convém
desde já sublinhar: para além das receitas que o Partido
consiga angariar, o restante financiamento admissível nem é
exclusivamente público nem é exclusivamente privado. O
meio-termo justifica-se pela necessidade de evitar que o
Partido seja apenas um instrumento ao serviço dos poderes
públicos instituídos ou, ao invés, que se erga como um
veículo destinado a proporcionar o favorecimento de
interesses particulares.
3. Assim, são receitas próprias dos Partidos políticos
(artigo 3º):
3.1. As quotas e outras contribuições dos seus filiados: No que
toca a esta alínea o que se quer dizer é que qualquer
contribuição de um associado, ou seja, de um filiado, é
receita do Partido. Por contribuição deve entender-se
qualquer tributo imposto ao filiado pelo simples facto de
ser membro do Partido (quota ou qualquer outra forma de
financiamento a que o filiado esteja vinculado nos termos
estatutários).
Relativamente a este aspecto, no Acórdão n.º 70/2009,
o Tribunal Constitucional decidiu que “de acordo com o disposto
no n.º 1 do artigo 8º da Lei n.º 19/2003, “os partidos políticos não podem
receber donativos anónimos nem receber donativos [...] de natureza pecuniária
ou em espécie de pessoas colectivas nacionais ou estrangeiras”. Por outro lado,
o artigo 7º, n.º 1 do mesmo diploma estatui que, “os donativos de natureza
pecuniária feitos por pessoas singulares identificadas estão sujeitos ao limite
anual de 25 salários mínimos [alterado para «25 vezes o valor do IAS» pela Lei
64-A/2008, todavia não aplicável ao caso] por doador e são obrigatoriamente
titulados por cheque ou transferência bancária. Finalmente, há que ter em
atenção que constituem receitas próprias dos partidos políticos as quotas e
outras contribuições dos seus filiados, bem como as contribuições dos
representantes eleitos em listas apresentadas por cada Partido ou por este
apoiadas. Daqui decorre que, sendo certo que as receitas provenientes de
quotas e de outras contribuições de eleitos e filiados dos partidos não podem
deixar de ser “obrigatoriamente tituladas por meio de cheque ou por outro
meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem” e
estando os diferentes tipos de receitas próprias dos partidos submetidos a
regimes jurídicos diversos, os partidos políticos têm de estar em condições de
identificar a origem das receitas que auferem, nomeadamente quem foi o
autor da contribuição e o respectivo montante, de modo a que se possa
verificar que as mesmas não constituem receitas proibidas, conservando os
elementos necessários para tal identificação. Além disso, embora as listas dos
filiados dos partidos não sejam elementos de suporte indispensáveis para a
inscrição das receitas, os partidos políticos têm o ónus de disponibilizar os
meios que permitam identificar a origem dos fundos e dissipar quaisquer
dúvidas que se possam colocar sobre a qualidade de filiado de quem
efectivamente contribuiu com as verbas que forem inscritas na rubrica das
respectivas contas anuais relativa a “quotas” e a “outras contribuições de
filiados”.
3.2. As contribuições de representantes eleitos em listas apresentadas
por cada partido ou por este apoiadas: O que está aqui em causa são
as contribuições realizadas por quem, não sendo militante,
também não é propriamente um terceiro no sentido exacto do
termo. “Os cidadãos eleitos em listas de partidos políticos
exercem livremente o seu mandato, nas condições definidas
no estatuto dos titulares e no regime de funcionamento e de
exercício de competências do respectivo órgão electivo”
(artigo 23º, Lei Orgânica n.º 2/2003, de 14 de Maio) – o
que importa, pois, é que sejam cidadãos com capacidade
eleitoral, independentemente de serem filiados no Partido
que propôs ou suporta a respectiva candidatura. Porém, as
contribuições dos filiados cabem nas hipóteses da alínea
anterior; pelo que aqui apenas podem estar em causa os
chamados “candidatos independentes”.
3.3. As subvenções públicas: Está em consideração agora o
chamado financiamento público previsto nos artigos 4º e 5º
desta Lei. Os Partidos políticos, para não ficarem
inteiramente na dependência de interesses privados, têm
direito a que o Estado os sustente (parcialmente) na medida
em que concorrem para a formação da vontade democrática e
promovem a participação dos cidadãos na vida política da
Nação (artigo 51º, n.º 1, Constituição da República
Portuguesa). Nos termos dos artigos 5º e 17º da presente
lei os Partidos regularmente constituídos têm direito a
receber subsídios concedidos pelo próprio Estado dentro das
condições e dos limites ali estabelecidos. Assim se dá
execução ao disposto no n.º 6 do artigo 51º da
Constituição.
Se os Partidos políticos devem, por definição, ser
independentes do Estado (artigos 46º, n.º 1, 51º, n.º 1 e
n.º 4 da Constituição) a possibilidade de se financiarem
nestes moldes torna-se, no entanto, muito discutível.
Prevaleceu, como já se disse, a orientação segundo a qual
os Partidos políticos não devem ficar inteiramente
dependentes do financiamento privado.
Sublinham-se, todavia, três aspectos:
- só os Partidos que obtiveram representação
parlamentar ou aqueles que, pelo menos, obtiveram
50.000 votos poderão obter a subvenção em causa;
- desde que, em todo o caso, a requeiram ao
Presidente da Assembleia da República;
- as regras de cálculo da subvenção são imperativas
na relação entre o Partido e o Estado, mas, havendo
coligação eleitoral, a distribuição interna dos
montantes da subvenção pode ser objecto de
convenção entre os Partidos coligados sendo o
conteúdo desta oponível ao Estado financiador.
3.4. O produto de actividades de angariação de fundos por eles
desenvolvidas: A angariação de fundos pressupõe uma conduta activa
por parte do Partido dirigida à obtenção de financiamento
(alínea b) do n.º 7 do artigo 12º da presente Lei); ao
invés, no caso dos donativos (alínea h) do artigo ora em
análise), a conduta do Partido é passiva, limitando-se a
aceitar contribuições de terceiros que tomaram a iniciativa
de o financiar. A angariação de fundos não pode exceder
anualmente os limites fixados pelo artigo 6º – este limite
funciona obviamente por Partido, mesmo quando integrado em
coligação, uma vez que esta não constitui uma entidade
jurídica distinta dos Partidos que a compõem (artigo 11º,
n.º 3 e artigo 23º, Lei Orgânica n.º 2/2003 de 14 de Maio).
A distinção entre angariação de fundos e donativos torna-se
especialmente importante por uma razão: é que os limites de
financiamento obtidos por uma via ou por outra são
distintos (artigos 6º e 7º, n,º 1, da presente Lei,
respectivamente).
Dando sequência à ideia de que os Partidos (também)
não devem ficar inteiramente dependentes do financiamento
privado, estabeleceram-se limites à obtenção de
financiamento através do recurso à angariação de fundos.
Com o estabelecimento destes limites pretende-se,
claramente, impedir o surgimento de “accionistas de
referência” bem como, ainda, obstar a que o Partido se
torne, na sua actuação política, prisioneiro dos interesses
particulares dos seus financiadores.
Para que o Tribunal Constitucional possa proceder à
fiscalização das Contas, torna-se indispensável que o
Partido identifique documentalmente a acção de campanha que
lhe permitiu obter a receita proveniente de angariação de
fundos em causa.
3.5. Os rendimentos provenientes do seu património: Os Partidos
políticos podem, naturalmente, ter um património (como
qualquer pessoa colectiva). Na medida em que o mesmo
produza frutos, ou seja, rendimentos, estes constituem fonte
de financiamento. Mas, e sublinha-se este aspecto porque,
apesar de ser geral, tem neste campo particular incidência,
“a proveniência e a utilização dos fundos dos Partidos”
devem ser “publicitadas nos termos estabelecidos na lei do
financiamento dos Partidos políticos e das campanhas
eleitorais” (artigo 6º, n.º 4, Lei Orgânica n.º 2/2003, de
14 de Maio e artigo 23º, n.º 2 da presente Lei) pelo que
deve constar de listas próprias discriminadas e anexas à contabilidade dos
Partidos o património imobiliário dos Partidos [artigo 12º, n.º 7,
alínea c), Lei n.º 19/2003].
3.6. O produto de empréstimos: Abrangem-se tanto os
concedidos por terceiros como, eventualmente, os concedidos
pelos próprios filiados uma vez que, sem distinções, devem
obedecer “às regras gerais da actividade dos mercados
financeiros”. Porém, abarca-se só a cessão (temporária) de
moeda (mútuo, em rigor) uma vez que a cessão (temporária)
de bens infungíveis (comodato, em rigor) se integra na
categoria dos donativos. Em geral, o empréstimo só pode ser
contraído junto de pessoa singular, a menos que seja obtido
junto de instituição de crédito ou sociedade financeira
(artigo 8º, n.º 1, a contrario, e n.º 3, da presente Lei).
3.7. O produto de heranças ou legados: São obviamente uma
outra fonte de financiamento dos Partidos uma vez que as
pessoas colectivas, em geral, têm capacidade sucessória
passiva na sucessão testamentária [artigo 2033º, n.º 2,
alínea b), Código Civil].
3.8. Os donativos de pessoas singulares: São, ao invés dos
empréstimos, cedências de bens, em dinheiro ou em espécie, que
se caracterizam, por natureza, pelo chamado animus donandi (ou
“espírito de liberalidade” – artigo 940º, Código Civil).
Incluem tanto a cessão de bens a título definitivo (doação
em sentido próprio) como a cessão de bens a título
temporário ou transitório (comodato, em rigor, uma vez que
este se presume gratuito). A expressão donativo emprega-se,
portanto, no sentido de liberalidade e não no sentido estrito
de doação.
Distinguem-se duas espécies de donativos – pecuniários e
em espécie (ou não pecuniários).
Os donativos pecuniários (n.º 1 e n.º 2):
- estão sujeitos a um limite máximo anual por doador;
- devem ser titulados por cheque ou transferência
bancária (para que seja possível identificar a sua
origem);
- devem ser depositados em conta bancária
exclusivamente aberta para esse fim;
- e nesta conta apenas se podem depositar tais
donativos.
O preço pago por terceiro que haja adquirido bens ao
partido por montante manifestamente superior ao seu valor de
troca considera-se donativo e, portanto, submete-se ao
regime que fica descrito para os donativos em geral. Apesar
de a Lei o não dizer, esta solução só faz sentido para o
excesso de preço em relação ao valor normal de mercado; só
a este se deve dar o carácter de donativo, pois o resto é
preço.
Em relação aos donativos em espécie torna-se
necessário distinguir consoante sejam prestados por
militantes ou por terceiros. E, no primeiro caso (n.º 3 do
presente artigo), consoante sejam “próprios da actividade
militante” (v.g. colagem de cartazes, participação em
caravanas com automóveis próprios, montagem de palcos ou de
quaisquer outras instalações) ou não. Se o forem, não devem
ser contabilizados. Se o não forem equiparam-se a donativos
(em espécie) efectuados por terceiros, razão pela qual:
- devem ser contabilizados pelo valor actual de
mercado;
- estão submetidos ao limite anual máximo por doador;
- e deverão ser discriminados como uma receita nos
termos do artigo 12º da presente Lei.
4. As receitas que ficam enumeradas, sempre que
realizadas em numerário, devem permitir estabelecer, fixar,
o chamado “fluxo financeiro”, ou seja ainda, devem:
– permitir identificar o seu montante e a sua origem,
e
– devem ser depositadas em contas bancárias
exclusivamente destinadas ao efeito.
Trata-se de uma aplicação do princípio da
transparência (artigo 51º, n.º 5, Constituição da República
Portuguesa). Exceptuam-se apenas os montantes que estiverem
contidos dentro dos limites do n.º 3 deste artigo 3º.
Parece que a conta bancária a que se refere o n.º 2 do
artigo 7º da presente Lei é diferente daquela a que reporta
o n.º 2 do artigo 3º (não obstante a letra da lei não ser
minimamente decisiva, dado que naquele se repetiu, embora
particularizando, o conteúdo deste último: “contas bancárias
exclusivamente destinadas a esse efeito e nas quais só podem ser efectuados
depósitos que tenham esta origem”). É este, ao menos, o
entendimento da Entidade das Contas e Financiamentos
Políticos. Pelo que, a ser assim, dever-se-á abrir uma
conta para as receitas em geral e outra (só) para os
donativos em particular.
5. Qualquer bem obtido em espécie (ou seja, bem que
não consista em numerário) deve ser contabilizado em função
do seu valor corrente de mercado (isto é, em função do seu
valor de troca actual). Justamente para poder ser avaliado
para efeitos do disposto nos artigos 6º e 7º desta Lei.
Como é óbvio, a necessidade de tal avaliação não se coloca
para heranças e legados dado que já não se corre o risco de
a realização da liberalidade poder induzir alguma
contrapartida.
6. Por comparação com a Lei n.º 56/98 de 18/08 (que
anteriormente regulava o financiamento dos Partidos
políticos e das campanhas eleitorais), há duas grandes
diferenças a assinalar no que toca à obtenção de
financiamento pelos Partidos políticos:
– Agora apenas se admitem donativos de pessoas
singulares, ao passo que no âmbito da anterior Lei eram
lícitos os donativos atribuídos por pessoas colectivas
[alínea a) do n.º 1 do artigo 3º] com excepção daquelas que
apareciam enumeradas no n.º 1 do seu artigo 5º;
– Também agora se admitem os empréstimos apenas nas
condições supra referenciadas, ao passo que na vigência da
Lei precedente estes não sofriam quaisquer restrições
(podendo ser concedidos assim por qualquer pessoa).
7.1. Para preservar as regras da transparência e da
publicidade – e para poder, portanto, identificar os “fluxos
financeiros” – a que se devem subordinar as contas dos
Partidos, há certo tipo de financiamentos que se proíbe
(artigo 8º).
Assim, os Partidos não podem receber donativos
anónimos. O mesmo se diga para os donativos em “dinheiro
vivo” dado que, no fundo, também são anónimos.
Pela mesma razão não podem, como regra, receber
donativos ou empréstimos de pessoas colectivas, nacionais
ou estrangeiras: atrás da “máscara” da pessoa colectiva
poderia encobrir-se verdadeiramente uma ou várias pessoas
singulares (que, caso tal donativo ou empréstimo fosse
admitido, camuflar-se-iam assim sob a capa por ela
proporcionada). Através desta proibição esquiva-se o
recurso, sempre árduo e difícil, à figura da
desconsideração da personalidade colectiva.
Excepcionalmente, admite-se que os Partidos obtenham
empréstimos (nunca donativos, porém) mas de harmonia com o
regime geral que rege os mercados financeiros (n.º 2), pois
em tal caso a suspeição de favorecimento associada ao
anonimato desaparece.
Todavia, através do Acórdão n.º 146/2007, o Tribunal
Constitucional já declarou que “a propósito de algumas
informações solicitadas pela ECFP ao BE relativamente a empréstimos
contraídos junto de militantes, veio este partido afirmar, reportando-se a uma
passagem do relatório de auditoria da PWC, que os Partidos políticos não estão
impedidos por lei de contrair empréstimos junto de militantes, sendo que a
proibição prevista no artigo 5º, nº 1, da Lei nº 56/98 apenas se refere às
pessoas colectivas nacionais ou estrangeiras. De salientar que a ECFP, na sua
avaliação às contas do PH, afirmou de forma explícita que a obtenção de
empréstimos junto de militantes «é um procedimento que não está em
conformidade com a lei actualmente em vigor» (…). A interpretação do texto
legal feita pelo BE deve reputar-se correcta quanto à inexistência de uma
proibição legal de empréstimos feitos pelos militantes. Cumpre, porém, advertir
que os Partidos deverão fornecer todas as informações necessárias
respeitantes a tais empréstimos (v.g, a identidade dos respectivos titulares, as
suas condições de reembolso e juros e o respectivo suporte documental), sob
pena de a ECFP não poder controlar se se trata de verdadeiros empréstimos
onerosos, ou, afinal de contas, de donativos de natureza pecuniária
encapotados — assim se contornando os limites legais a eles respeitantes”.
É verdade que a letra da lei anterior permitia uma
interpretação por exclusão de partes mais maleável do que
aquela que é autorizada pela actual, mas é perfeitamente
concebível proceder à integração dos empréstimos
concedidos por militantes justamente nos “actos e contributos
pessoais próprios da actividade militante” (artigo 7º, n.º 3, da
presente Lei).
7.2. Para evitar financiamentos alcançados por
donativos encobertos sob outros mantos, está especialmente
impedido aos Partidos:
- adquirir bens ou serviços a preços inferiores aos
praticados no mercado;
- o inverso, ou seja, serem remunerados por bens ou
serviços por si prestados a preços manifestamente
superiores aos valores normais de mercado;
- receber donativos que se traduzam no pagamento por
terceiros de despesas que aproveitam ao Partido.
Está aqui em causa a proibição do chamado donativo
indirecto: aquele que não assume a forma mas tem a substância
de donativo. É que, a não se ter em consideração esta
espécie de financiamento e não a proibindo, poderiam os
Partidos ludibriar facilmente a proibição constante do n.º
1 do artigo 7º (ou seja, a proibição de os donativos de
pessoas singulares ultrapassarem o limite anual de 25
salários mínimos mensais nacionais por doador). Confira-se,
a este propósito, o disposto no n.º 4 do artigo 5º da Lei
n.º 56/98, na redacção dada pela Lei n.º 23/2000 (anterior
Lei do Financiamento dos Partidos Políticos), bem como o
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 86/2008 (apesar de
naquele dispositivo legal se formular um conceito bastante
mais restrito de donativo indirecto).
Convirá ainda sublinhar, em relação ao disposto neste
n.º 3, dois aspectos:
Por um lado, que a proibição constante da alínea a)
deve também estar dependente de os preços serem
manifestamente inferiores aos de mercado, pois, caso
contrário, dificilmente será sindicável;
Por outro lado, que o donativo somente será claramente
indirecto para efeitos da alínea c) se a despesa que
aproveita ao Partido for paga por terceiro, não por um
militante.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou igualmente
no sentido de considerar “que os donativos indirectos são também
proibidos nas campanhas eleitorais” (“desde logo por força de um princípio
de transparência que rege todo o financiamento dessas campanhas. Por outro
lado, pela própria interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 16º da Lei n.º
19/2003, que se refere aos donativos de pessoas singulares, conjugada com o
n.º 3 do artigo 15º do mesmo diploma, uma vez que a exigência de fazer
depositar na conta bancária da campanha todas as receitas obtidas em
numerário se afigura incompatível com a admissibilidade de donativos
indirectos” – Acórdão n.º 19/2008).
Porém, a distinção entre apoiantes de candidaturas ou
de grupos de cidadãos eleitores (artigo 16º, n.º 1, c), da
presente Lei) e terceiros não se afigura simples. Haverá
decerto um remédio radical: considerar que os referidos
apoiantes são sempre equiparados a terceiros e, portanto,
que nunca se admitem pagamentos que aproveitem à
candidatura que não sejam efectuados pela própria
candidatura, dado que por natureza inexiste, nesta
situação, o vínculo formal da militância (da pertença à
associação). A ser assim, apenas se consideram feitos pela
própria candidatura os pagamentos efectuados a partir da sua conta
bancária.
8. No que tocas às despesas dos Partidos políticos rege
o disposto no artigo 9º.
O conteúdo deste artigo tem uma motivação simples a
qual justifica igualmente a forma como algumas receitas
devem estar documentadas (artigo 3º, n.º 2, da presente
Lei): para que os chamados “fluxos financeiros” sejam
susceptíveis de reconhecimento e seguimento, é necessário
que se possa identificar o montante do pagamento e o seu
destinatário. Por isso estão proibidas as despesas pagas em
numerário. Pretende-se prevenir, naturalmente, que o
Partido possa servir, por exemplo, para alguma espécie de
branqueamento de capitais ou actos similares.
Exceptuam-se desta regra as despesas de montantes em
numerário de valor relativamente reduzido (segundo os
critérios do n.º 2 do artigo 9º) pois, em tal caso, aquele
perigo inexiste ou é comparativamente muito diminuto.
9. 1. Do disposto no artigo 12º da Lei n.º 19/2003
resulta uma exigência básica, que decorre, por seu turno,
do que se estabelece no n.º 5 e no n.º 6 do artigo 51º da
Constituição: a organização contabilística dos Partidos é
regida pelos princípios decorrentes do Plano Oficial de
Contas. Destina-se esta necessidade, fundamentalmente, a
permitir a apreciação da sua situação financeira e
patrimonial.
Não sendo as Contas elaboradas de harmonia com os
requisitos impostos por esta estatuição legal considera-se,
para todos os efeitos, que o Partido não forneceu ao
Tribunal Constitucional “os elementos necessários que lhe permitiriam
proceder à auditoria das mesmas” e, portanto, não prestou contas
(Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 146/07 e artigo
32º, n.º 2 da Lei Orgânica n.º2/2005 de 10 de Janeiro).
O dever de possuir contabilidade organizada é “um dever genérico,
mas nem por isso menos importante que os outros, pois a falta de uma
contabilidade organizada torna menos transparentes as contas dos partidos, e
vai dificultar o apuramento de outras eventuais infracções por eles cometidas.
Em suma, trata-se de um dever genérico mas básico, na medida em que o seu
incumprimento ou cumprimento defeituoso prejudica a actividade de auditoria
das contas” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 146/07).
Do dever de organizar as Contas de harmonia com os
princípios aplicáveis ao Plano Oficial de Contas resulta a
necessidade de apresentar “suporte documental das despesas e
receitas realizadas” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
146/07).
Particularmente para efeitos do que se estabelece na
alínea b), do n.º 7 da presente disposição, a ECFP “procede
à elaboração de uma base de dados informatizada de que
constam as acções de propaganda política dos partidos e as
acções de campanha eleitoral, bem como os meios nelas
utilizados” (Artigo 19º, n.º 1, Lei Orgânica n.º 2/2005 de
10 de Janeiro). Para isso as candidaturas eleitorais estão
obrigadas a comunicar à Entidade as acções de campanha eleitoral
ou as demais acções de propaganda política que realizem, bem como os meios
nelas utilizados, que envolvam um custo superior a um salário mínimo
(artigo 16º, n.º 1 e n.º 2, daquela Lei).
9.2. De acordo com a doutrina fixada pelo Acórdão n.º
70/2009 do Tribunal Constitucional, “os montantes que são
entregues como contrapartida directa de um serviço prestado não devem ser
considerados «receita própria proveniente de actividade de angariação de
fundos», pois “apenas o «resultado líquido» da actividade e não a sua «receita
bruta» deve ser considerado como angariação. Assim sendo, uma vez que só
esse montante líquido estaria submetido ao regime dos números 2 e 3 do
artigo 3º da Lei n.º 19/2003 – e não os concretos actos individuais que se
traduzam na aquisição de bens ou serviços –, não tem aqui cabimento a
exigência de que os pagamentos dos “cafés, os refrigerantes, as lembranças, os
livros ou discos, as refeições” sejam efectuados através de cheque ou
transferência bancária. É, porém, exigível, indubitavelmente, uma organização
contabilística (…) que, claramente, identifique e decomponha cada uma das
parcelas das receitas e das correspondentes despesas, de tal modo que se
possa saber quais os montantes que correspondem ao mero pagamento de
serviços e quais os que correspondem a efectiva contribuição de fundos para o
Partido, ou seja, qual é o efectivo “produto da actividade de angariação de
fundos”. Não tendo sido apresentados nem constando dos autos os dados
contabilísticos necessários para uma tal verificação, o Tribunal considera que,
existe aqui uma violação do dever de organização contabilística genericamente
estatuído no artigo 12º, n.º 1, dessa mesma Lei”.
10. Tratando-se de uma estrutura organizada (por isso
está dotada de personalidade jurídica), deve o acto
constitutivo de cada Partido político regular e prever
“órgãos de fiscalização e controlo interno das contas da
sua actividade” (artigo 13º).
Esta exigência afigura-se de natureza semelhante
àquelas que decorrem do disposto no n.º 1 do artigo 160º do
Código Civil. Pelo que a sua inobservância deve determinar
a nulidade do referido acto constitutivo nos termos gerais
do artigo 294º do mesmo Código, caso em que o Partido
inexistirá enquanto pessoa colectiva e, portanto, enquanto
Partido político.
Também como qualquer entidade colectiva ou equiparada,
no final de cada exercício anual devem os partidos
políticos prestar Contas.
Dada, porém, a importância institucional que umas e
outras traduzem, tais Contas devem ser apresentadas ao
Tribunal Constitucional, o qual as deve apreciar sob o
ponto de vista da sua regularidade e legalidade (artigo 23º,
n.º 1, da presente Lei). Para o efeito, existe junto deste
Tribunal uma chamada Entidade das Contas e Financiamentos
Políticos (ECFP – Lei Orgânica n.º 2/2005 de 10 de Janeiro)
que tem como função básica auxiliá-lo tecnicamente.
B) Financiamento das Campanhas Eleitorais
1. Qualquer que seja a espécie de campanha eleitoral
(isto é, seja para que efeito for), cada candidatura tem o
dever de elaborar uma Conta própria dessa campanha com os
requisitos e as discriminações impostas pelo artigo 12º da
presente Lei.
Nas eleições autárquicas, a Conta deve ter base
municipal. Mas isso não invalida:
1º - que deva ser elaborada uma Conta central relativa,
justamente, “às despesas comuns e centrais”;
2º - que a Conta deva ser elaborada por freguesia,
sempre que se trate de candidaturas exclusivamente
dirigidas à mesma (que é o que mais vulgarmente sucede com
as candidaturas de grupos de cidadãos eleitores, ainda que,
por vezes, também aconteça com candidaturas de partidos
políticos).
A qualquer Conta de campanha devem corresponder contas
bancárias especificamente constituídas para o efeito, onde
são depositadas as respectivas receitas e movimentadas
todas as despesas relativas à campanha (artigo 15º, Lei n.º
19/2003). De acordo com o que resulta do Acórdão do