EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL – ESTADO DO RIO DE JANEIRO Inquérito Civil n. MA 6859 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pelos Promotores de Justiça subscritos, o primeiro em exercício na 5ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural – Núcleo Capital e os demais integrantes do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente – GAEMA, vêm, no uso de suas atribuições legais conferidas pelos art. 129, incisos II e III, da Constituição da República de 1988, art. 173, incisos II e III, da Constituição deste Estado, Lei n. 8625, 12 de fevereiro de 1993 e arts. 1º, incisos I e III e 5º, inciso I, da Lei n. 7.347, 24 de julho 1985, propor a presente: AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
68
Embed
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA … · Web viewEXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DE ... diversas intervenções urbanístico-ambientais estão
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DE FAZENDA
PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL – ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Inquérito Civil n. MA 6859
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pelos
Promotores de Justiça subscritos, o primeiro em exercício na 5ª Promotoria de
Justiça de Tutela Coletiva do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural – Núcleo
Capital e os demais integrantes do Grupo de Atuação Especializada em Meio
Ambiente – GAEMA, vêm, no uso de suas atribuições legais conferidas pelos art.
129, incisos II e III, da Constituição da República de 1988, art. 173, incisos II e III, da
Constituição deste Estado, Lei n. 8625, 12 de fevereiro de 1993 e arts. 1º, incisos I
e III e 5º, inciso I, da Lei n. 7.347, 24 de julho 1985, propor a presente:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
em face do (1) MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, pessoa jurídica de direito público,
que deverá ser citado na pessoa do Procurador Geral do Município, na Rua
Travessa do Ouvidor, 4, sala 1406, Centro, Rio de Janeiro/RJ e da (2) COMPANHIA
DE DESENVOLVIMENTO URBANO DA REGIÃO DO PORTO DO RIO DE JANEIRO
(CDURP), sociedade de economia mista, controlada pelo Município (nos termos da
Lei Complementar n. 102 , de 23 de novembro de 2009) com sede na Rua Gago
Coutinho, 52, 5° andar, Laranjeiras, Rio de Janeiro/RJ, pelas razões de fato e de
direito a seguir aduzidas:
SUMÁRIO
1. RESUMO DA LIDE..................................................................................................4
2. SOBRE O LITICONSÓRCIO PASSIVO........................................................................7
3. CAUSAS DE PEDIR..................................................................................................8
3.1. Dispensa indevida de EIA............................................................................8
3.2. Os Estudos que existem não substituem o EIA.........................................12
3.3. Ausência de devida publicidade e participação pública............................15
3.3.1. À luz do EIA........................................................................................15
2.3.2. À luz do Estatuto da Cidade...............................................................18
3.4. Falta de previsão e controle dos impactos: a fragmentação dos estudos e a ausência de medidas mitigadoras....................................................................23
3.5. Estudo de Impacto de Vizinhança: vícios e omissões...............................24
3.5.1. Ausência de avaliação de impacto viário na fase de obras................25
3.5.2. Incorreções na avaliação do impacto viário da fase de operação.....26
3.5.2.1. Erros na análise de impacto viário apresentado no EIV.............27
3.5.2.2. Erros na análise de impacto viário apresentado no “Estudo de Tráfego” ...................................................................................................31
compensados? A leitura atenta dos próximos capítulos revelará as seguintes
respostas, respectivamente: não e não, e por isso a presente ação se justifica.
A partir da instrução do Inquérito Civil n. MA 6859, cujos principais
elementos de convicção instruem a inicial, o Parquet verificou que ocorreram ile-
galidades na condução de importantes instrumentos legais de natureza urbanís-
tico-ambiental, seja por ação ou omissão. Com efeito, restou apurado que:
(a) o empreendedor deixou de apresentar, e o órgãos ambien-
tais não exigiram, Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA no li-
cenciamento ambiental do empreendimento;
(b) o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV (Doc. 04) elabo-
rado e apresentado pelo Réu não contemplou todos os elementos
do EIA, notadamente a participação pública na sua discussão;
(c) o EIV apresentado contém graves vícios de conteúdo, uma
vez que não foram devidamente estimados e avaliados os impactos
negativos do empreendimento, v.g. sobre o sistema viário. E esse ví-
cio acabou por comprometer também a previsão e futura adoção de
medidas mitigadoras, sem as quais é impossível atestar a plena via-
bilidade urbanístico-ambiental do empreendimento e garantir a in-
tegral satisfação do interesse público (primário e secundário).
Nesse cenário, cabe ao Ministério Público, enquanto em sua missão
de defesa da ordem jurídica e de proteção dos bens/interesses plasmados nos art.
127 e 129 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, promover a
devida ação civil pública com vistas à obtenção de provimento jurisdicional para
que, à luz do reconhecimento das ilegalidades apontadas, sejam impostos aos
Réus os seguintes deveres: (i) submeter a Operação Urbana Consorciada a
processo de licenciamento ambiental, com prévia elaboração de EIA, seguindo o
rito adequado; (ii) sanar os vícios formais e materiais que revestem o EIV, –
inclusive quanto às oportunidades de participação pública; (iii) uma vez sanados os
6
vícios, que sejam implementadas as medidas mitigadoras (preventivas e/ou
corretivas) adequadas e necessárias para evitar, compensar ou minimizar ao
máximo os impactos negativos do projeto.
Um registro importante
O Ministério Público Estadual não é contrário ao projeto “Porto
Maravilha”, assim como não é insensível aos compromissos nacionais ou
internacionais assumidos pelo Município, inclusive por meio da venda de CEPACs.
Esta ação é ajuizada sob as premissas de que (i) nenhum compromisso
governamental pode ser firmado ou executado de forma contrária às Leis e à
Constituição e (ii) a celeridade do licenciamento ambiental, conquanto desejável,
deve sempre e necessariamente primar pelo respeito ao devido processo legal,
com transparência e participação pública. Assim, eventuais atrasos em razão do
distanciamento às duas premissas acima não podem ser atribuídos ao Ministério
Público ou ao Judiciário.
2. SOBRE O LITICONSÓRCIO PASSIVO
Ab initio, convém salientar que a legitimidade ativa ad causam do
Parquet para ajuizar a presente ação civil pública é inconteste, uma vez que a Lei
da Ação Civil Pública – n. 7.347, de 24 de julho de 1985 -, a par de contemplar o
meio ambiente como interesse/bem jurídico passível de tutela por este
instrumento, expressamente reconheceu a legitimidade do Ministério Público para
promovê-la (art. 5º, I).
A legitimidade passiva, por sua vez, é justificada pelo seguinte fato:
A CDURP é uma sociedade de economia mista, controlada pelo Município do Rio
de Janeiro, criada para promover, direta ou indiretamente, o desenvolvimento da
AEIU da Região do Porto o Rio de Janeiro (art. 1º, inciso I da Lei Complementar n.
102, de de 23 de novembro de 2009).
Além disso, os licenciamentos ambientais das diversas intervenções
promovidas na área da OUC têm sido realizados pelo órgão ambiental municipal
7
(Doc. 05 – licenças municipais apresentadas pela CDURP). Dentre as licenças
municipais apresentadas, destaca-se a LMP n. 000422/2010, cuja atividade é
descrita como “Desenvolvimento de Projeto de Revitalização e Operação da Área
de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) da Região Portuária da Cidade do Rio de
Janeiro, conforme Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) aprovado pela SMAC”.
Segundo informações apresentadas pela própria CDURP a Secretaria
Municipal de Meio Ambiente firmou entendimento que a elaboração de EIV
dispensa a elaboração de EIA (conforme trecho de declaração do então Secretário
Municipal de Meio Ambiente Altamirando Fernando Moraes, constante da
resposta n.2 do Ofício n. CDURP/PRE n. 362/2012, de 30.10.12, Doc. 06).
3. CAUSAS DE PEDIR
3.1. Dispensa indevida de EIA
Antes de passarmos à análise dos motivos que levaram os Réus a
não exigir (Município) e apresentar (CDURP) o Estudo de Impacto Ambiental,
convém destacar o seguinte dispositivo da Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001
(Estatuto da Cidade):
Artigo 38: A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação do estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental.
O art. 2º da Lei Complementar 101/2009 ressalta que a OUC tem
por finalidade promover a reestruturação urbana da Área de Especial Interesse
Urbanístico da Região do Porto (AEIU), por meio da ampliação, articulação e
requalificação dos espaços livres de uso público, sendo que o parágrafo 2º do
mesmo preceito, em seus incisos, prevê as seguintes diretrizes: estimular a
renovação urbana pela adequação gradativa com uso concomitante portuário de
cargas e usos residencial, comercial, serviços, cultural e de lazer (I); promover
investimentos em infraestrutura e reurbanização (II); propiciar a criação de
equipamentos públicos, áreas de lazer e assegurar a circulação segura de
pedestres e ciclistas (X); e realizar melhoramentos nas áreas de especial interesse
8
social e seu entorno, com implantação de infraestrutura e regularização fundiária
(XI).
Além do conteúdo das normas supracitadas, que ostentam efeitos
concretos inequívocos, destacamos que os estudos apresentados pela CDURP, v.g.
o Estudo Técnico (Doc. 07), traz itens específicos que revelam a natureza
urbanística dos projetos atrelados a OUC Porto Maravilha. No item 2 que trata do
conceito da intervenção, o Estudo Técnico classifica a OUC como um projeto
urbanístico no seguinte trecho “[a] partir do novo potencial de ocupação da área,
um projeto urbanístico apoiado em modernos conceitos de desenho urbano,
paisagismo, mobilidade viária e de transporte, transformarão a região num local
atraente para moradia e trabalho.” No mesmo documento, o item 3.1, que
descreve as principais intervenções previstas na OUC, foi apresentado sob o título
“Projeto Urbanístico (áreas públicas, Incluindo ruas, praças e parques)”.
Já em relação à área, os projetos/estudos apresentados apontam
para uma extensão daquela de 5 (cinco) milhões de metros quadrados, o
equivalente a 500 hectares (ha), que tem como limites as Avenidas Presidente
Vargas, Rodrigues Alves, Rio Branco e Francisco Bicalho, conforme Figura 01
abaixo:
Figura 01 – Limites da OUC Porto Maravilha (Fonte: EIV, p. 17)
9
Temos, portanto, que a OUC Porto Maravilha é um projeto
urbanístico de 500 ha. Considerando essa premissa inequívoca, afigura-se clara a
incidência do inciso XV do art. 2º da Resolução CONAMA n. 01, de 23 de janeiro de
1986:
Art. 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambi-ente, tais como:
(...) XV - Projetos urbanísticos, acima de 100ha ou em áreas consider-adas de relevante interesse ambiental a critério da SEMA e dos órgãos municipais e estaduais competentes;
No mesmo sentido, bem de ver, é o inciso XIV do art. 1º da Lei n.
1356, de 03 de outubro de 1988:
Art. 1º - Dependerá da elaboração de Estudos de Impacto Ambiental e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA a serem submeti-dos à aprovação da Comissão Estadual de Controle Ambiental - CECA, os licenciamento da implantação e da Ampliação das seguintes insta-lações e/ou atividades:
(...) XIV - projetos de desenvolvimento urbano e exploração econômica de madeira ou lenha em áreas acima de 50 (cinquenta) hectares, ou menores quando confrontantes com unidades de conservação da na-tureza ou em áreas de interesse especial ou ambiental, conforme definidas pela legislação em vigor;
Para elucidar que essa exigência legal não era desconhecida dos
proponentes do projeto, destacamos o seguinte trecho do pronunciamento da
então Vereadora Aspásia Camargo, por ocasião da audiência pública – que não
discutiu os impactos do empreendimento, até porque não havia estudo referente
a esse aspecto do projeto – realizada em 11 de setembro de 2009 sobre o Projeto
de Lei Complementar n. 25/2009 (antecedente da Lei Complementar da OUC do
“(...) e caberia, também – e esse é um ponto muito importante, um es-tudo prévio de impacto de vizinhança, como exige o Estatuto da Cidade (...) mas é importante que ele seja contemplado e que não se confunda com o EIA-RIMA, que é, também, uma outra exigência da Legislação. Então, teremos que ter o Impacto de Vizinhança e o EIA-RIMA.”
Na contramão da realidade e do ordenamento jurídico: o posicionamento dos Réus
Malgrado a plena incidência dos dispositivos supracitados, a revelar
a imprescindibilidade da elaboração e apresentação de EIA/RIMA para o
empreendimento (OUC Porto Maravilha), a CDURP, invocando o posicionamento
do INEA e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, argumentou em
esclarecimentos apresentados ao Ministério Público (Doc. 06): (i) que o EIV
elaborado contempla os impactos a serem carreados ao meio ambiente, trazendo
questões afetas ao EIA; (ii) que os órgãos ambientais consideraram que o projeto
não se classifica como projeto de desenvolvimento urbano nos moldes previstos
pela Lei n. 1356, de 03 de outubro de 1988; (iii) que o Estatuto da Cidade não
prevê, dentre as disposições que tratam da operação urbana consorciada, a
obrigatoriedade de apresentação de EIA/RIMA.
A argumentação é claramente improcedente, pelas razões já
expostas. Desconsiderar o projeto da OUC Porto Maravilha como um projeto
urbanístico acima de 100ha (hipótese da Resolução CONAMA n. 1, de 23 de janeiro
de 1986, art. 2o, inciso XV) é argumentar contra a realidade e o bom-senso. E,
como igualmente já demonstrado, o próprio Estatuto da Cidade, em seu art. 38, é
expresso ao afirmar que as hipóteses de cabimento ou dispensa de EIV não
afastam a necessidade de EIA, de acordo com a legislação própria. Ou seja, ainda
que a exigência de EIA para a OUC Porto Maravilha não decorra do Estatuto da
Cidade, ainda assim incide a norma da Resolução CONAMA n. 1, de 23 de janeiro
de 1986, que torna indispensável o EIA para projeto dessa natureza – além do fato
de que a própria Lei de criação da OUC Porto Maravilha exige EIA para o projeto
(art. 35, § 4º da LC 101/2009).
11
Já em relação ao item “i” (o EIV elaborado contemplaria os impactos
a serem carreados ao meio ambiente, trazendo questões afetas ao EIA), o
argumento seria pertinente se não fosse: (i) o fato do objeto/objetivo de um EIA
não ter sido esgotado, a partir do conteúdo do EIV da OUC Porto Maravilha; (ii) o
inadimplemento de importante e fundamental obrigação atinente ao EIA, qual
seja, a realização de audiência pública e oportunidade de comentários públicos –
com sua consideração pelo órgão licenciador em parecer que anteceder a licença;
(iii) a ausência de participação pública efetiva na discussão, definição e
implementação das intervenções constantes da própria OUC, o que poderia ser
levado a efeito no bojo do EIV; e (iv) a existência de graves vícios no EIV, que
comprometem não só os resultados que esse estudo deve alcançar (e.g. devida
previsão de impactos viários e adequadas medidas mitigadoras ou
compensatórias), como também do EIA preterido.
3.2. Os Estudos que existem não substituem o EIA
Instados a se manifestar em razão de questionamento levantado na
reunião realizada em 15 de outubro de 2012, os representantes da CDURP, em
resposta escrita (Doc. 06), asseveraram que os instrumentos utilizados para avaliar
os impactos regionais e ambientais da OUC/conjunto de intervenções foram os
seguintes: estudo de impacto de vizinhança, estudo de viabilidade econômica,
estudo de tráfego, relatório de controle ambiental dos túneis, relatório técnico de
avaliação de ruído ambiental, projeto de gerenciamento de resíduos da construção
civil, estudo sobre o projeto de implantação do sistema de veículos leves sobre
trilhos e estudo técnico da OUC.
Malgrado a realização dessa considerável gama de estudos, fato é
que nenhum deles, ou até mesmo o somatório dos existentes, tem o condão de
abarcar todos os componentes do EIA.
Com efeito, a Resolução CONAMA n. 01, de 23 de janeiro de 1986,
em seus artigos 5º e 6º, estabelece as diretrizes gerais e atividades técnicas: (i)
identificação e avaliação sistemática dos impactos ambientais gerados nas fases de
12
implantação e operação da atividade, com previsão da magnitude e relevância dos
efeitos positivos e negativos, diretos e indiretos, temporários e permanentes, grau
de reversibilidade e propriedades cumulativas e sinérgicas; (ii) diagnóstico
ambiental considerando a situação ambiental da área de influência direta e
indireta do projeto, contemplando os meios físico, biológico e socioeconômico; (iii)
definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os
equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a
eficiência de cada uma delas.
Conforme se pode depurar dos autos do MA 6859 e dos
esclarecimentos e documentos apresentados pela CDURP, não foram atendidos os
seguintes deveres/componentes integrantes de um EIA:
(a) participação pública efetiva, notadamente com a
realização de audiência pública, dever este que emana do parágrafo
2º do art. 11 da Resolução CONAMA n. 01, de 23 de janeiro de 1986.
É bem verdade que a participação pública também encontra
respaldo nas normas gerais do próprio Estatuto da Cidade,
conforme seu artigo 2º. Porém, as audiências públicas realizadas no
contexto do EIA e do EIV, vg. à luz da ausência de legislação
específica municipal sobre este último instrumento, diferem em
dois importantes aspectos:
no EIA a própria viabilidade ambiental do
empreendimento, enquanto projeto, é aferida; já no EIV a
decisão acerca da viabilidade já está tomada, cabendo
discussões sobre aspectos periféricos do
empreendimento, como incremento da infraestrutura,
controle de ruídos, gabarito, aspectos construtivos etc.;
a participação pública no licenciamento ambiental
passível de EIA, a par de realizada em processo
administrativo conduzido por órgão ambiental, é
13
qualificada pela possibilidade de maior
instrução/conhecimento pelos seus participantes, uma
vez que o estudo é objeto de comentários escritos e
discussão por parte de órgãos públicos e demais
interessados. Já no âmbito do Município do Rio de
Janeiro, lamentavelmente, a participação pública no
processo de elaboração/aprovação de EIV não conta com
esse grau de instrução/conhecimento – e,
consequentemente, qualificação do debate – não sendo
objeto de regramento específico, fazendo com que a
participação pública não recaia em aspectos
determinados e relevantes (v.g. pela falta de RIMA), e,
pior, dada a ausência de canalização dos debates, acabe
descambando para questões outras (e.g. valorização
imobiliária, incremento da economia, desapropriações
etc.).
(b) avaliação dos impactos cumulativos e sinérgicos entre as
intervenções da OUC Porto Maravilha bem como com as demais
intervenções previstas no entorno, por exemplo, ampliação dos
terminais de carga e de passageiros, e implantação do píer em Y.
(c) correta delimitação da área de influência do projeto. A
área objeto de estudo do EIV se restringe ao limite da OUC e seu
entorno imediato, enquanto no EIA a área de influência é definida
em função da abrangência dos impactos ambientais. No caso, é de
fácil percepção que uma alteração de tamanha proporção como a
derrubada da Perimetral, localizada em um dos principais acessos
da cidade do Rio de Janeiro terá repercussão em toda Região
Metropolitana. No entanto, nenhum dos estudos, EIV ou Estudo de
Tráfego (Doc. 09) propõem medidas mitigadoras e compensatórias
14
do impacto viário em outro lugar que não a área da OUC, nem
mesmo naqueles Municípios cujo fluxo pendular de mão de obra
com destino na área central do Rio de Janeiro é intenso como
Niterói, São Gonçalo e Baixada Fluminense – que, claramente,
sofrerão impactos indiretos. Nem mesmo os sistemas de transporte
ferroviário, metroviário e aquaviário que atendem esses Municípios
foram estudados para avaliar se sua capacidade de atendimento
absorveria o incremento da demanda.
(d) Ausência de avaliação dos impactos viários na fase de
obras. Com efeito, dentre os impactos da fase de obra analisados no
estudo, um dos mais relevantes, o impacto viário, não foi avaliado.
No item “Transporte: Tráfego Viário e Demanda por Transporte (3)”,
foram avaliados apenas os impactos viários na fase de operação do
projeto.
3.3. Ausência de devida publicidade e participação pública
3.3.1. À luz do EIA
O EIA, em suas origens, nasceu com o objetivo de internalizar, como
fatores obrigatórios no processo decisório da Administração Pública, a
consideração, atenção e observância a critérios substantivos de qualidade
ambiental, quando em jogo autorização ou implementação de ações com impactos
ambientais. A publicidade do instrumento e da decisão final do órgão ambiental
com base nos elementos resultantes dos estudos, assim como a fundamentação
da decisão, levando em conta a comparação de alternativas, servem a dois
propósitos: (i) como garantia de que, de fato, os aspectos e consequências
socioambientais do projeto foram estudados e sopesados na decisão final; e (ii)
como plataforma de transparência para uma participação pública efetiva, que
possa legitimar ou deslegitimar politicamente a decisão tomada por seus
representantes eleitos.
15
A publicidade do EIA – de todos os seus elementos – foi incorporada
com a exigência do próprio instrumento no ordenamento jurídico brasileiro. Não
em apenas uma lei qualquer, mas na própria Constituição da República, em seu
art. 225, §1°, inciso IV ("exigir, [...] estudo prévio de impacto ambiental, a que se
dará publicidade"). A exigência foi confirmada pela Resolução CONAMA n. 237, de
19 de dezembro de 1997, cujo art. 3o determina a mesma imposição de
publicidade ao EIA ("[...] prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório
de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade,
garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a
regulamentação.").
Evidentemente, sob pena de esvaziamento, a regra se aplica ao EIA
e a todas as suas complementações. Em última análise, a publicidade é a condição
base para a participação pública no processo decisório com base em EIA. E
participação pública efetiva é igualmente um elemento fundamental do processo
de avaliação de impactos ambientais.
Nesse sentido, a Declaração do Rio de 1992, da qual o Brasil é
signatário, afirma em seu Princípio 10:
O melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, em vários níveis. No plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o ambi-ente de que dispõem as autoridades públicas, incluída a informação so-bre os materiais e as atividades que oferecem perigo a suas comu-nidades, assim como a oportunidade de participar dos processos de adoção de decisões. Os Estados deverão facilitar e fomentar a sensibi-lização e a participação do público, colocando a informação à dis-posição de todos. Deverá ser proporcionado acesso efetivo aos proced-imentos judiciais e administrativos, entre os quais o ressarcimento de danos e recursos pertinentes.
Dois valores Constitucionais
É certo que, como afirmado, a principal função do EIA é provocar
uma decisão racional e transparente pelo órgão ambiental sobre a viabilidade
socioambiental de um empreendimento causador de significativa degradação. Mas
16
como os impactos socioambientais de um projeto distribuem-se de maneira
desigual, o processo de avaliação de impactos, instrumentalizado pela discussão
sobre o EIA, igualmente exerce um fundamental papel político-negocial. Reveste-
se de instrumento de democracia ambiental que, pela transparência de todas as
informações sobre o projeto e seus impactos, permite a participação pública por
meio do debate sobre ônus e benefícios.
Não se trata, apenas, de um argumento de política ambiental, mas
de autêntica interpretação das normas positivadas no sistema brasileiro. Com
efeito, não é por outra razão senão para definir o papel imprescindível do EIA
como instrumento de debate democrático sobre os impactos do projeto que a
própria Resolução CONAMA n. 1, de 23 de janeiro de 1986 dedica um artigo
exclusivo para essa finalidade. Assim é que, consagrando as melhores práticas de
avaliação impacto, a norma brasileira estipula em seu art. 11, que (a) o RIMA (e, no
Rio de Janeiro, também o EIA) deve ser disponível à consulta pública, (b) que seja
aberto necessariamente um prazo para comentários públicos, (c) e que haverá
audiência pública “para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais”.
Todos esses valores e medidas voltadas à participação pública foram
reconhecidos e consagrados pela Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
No caso NOVACAP v. MPDF, STJ REsp 896863/DF 23 Turma (2011), a Corte
afirmou: "o EIA é a melhor expressão legislativa dos princípios da publicidade e
participação popular". Em seguida, invocou lição do hoje Ministro Herman
Benjamin, do mesmo STJ, para afirmar que, no EIA, aqueles princípios são os que
dizem "respeito ao direito de qualquer cidadão tem de conhecer os atos
praticados pelos seus agentes públicos. Este, de maneira mais extensiva, aplica-se
ao direito que tem o cidadão, organizado ou não de intervir – porque parte
interessada – no procedimento de tomada de decisão ambiental”.
Esse elemento indiscutível do EIA, de participação pública e
democracia ambiental, reforçam a necessidade de que todos os requisitos do
conteúdo mínimo do EIA previstos nos arts. 5o, 6o e 9o da Resolução CONAMA n. 1,
17
de 23 de janeiro de 1986, não sejam fragmentados e dispersos pelo rito de
licenciamento. Pelo contrário, devem fazer parte de um só documento elaborado,
apresentado, consolidado, publicado e, fundamentadamente analisado, antes da
decisão sobre viabilidade ambiental e locacional do empreendimento (i.e., da LP).
Sobre todos e cada um desses elementos do processo, devem ser garantidas as
possibilidades de conhecimento e debate por cada um dos atores envolvidos.
Portanto, restringir a publicidade do EIA por inteiro ou de qualquer
de suas partes relevantes, assim como restringir as oportunidades de participação
pública efetivas, é violar requisito constitucional e legal, fundamental para a
validade do processo de licenciamento.
Como as premissas acima delineadas permitem concluir, a ausência
de publicidade de qualquer elemento importante para as finalidades do EIA, além
de ilegal por si só, é uma das primeiras e mais diretas formas de eliminar o
elemento participativo do processo. É, contudo, o que ocorreu no caso da OUC
Porto Maravilha.
Com efeito, na medida em que o licenciamento não contou com
Estudo de Impacto Ambiental que levasse em conta os impactos do todo, foram
suprimidas as oportunidades da sociedade civil em conhecer os impactos do
projeto e suas alternativas, assim como de ver considerados na decisão final suas
opiniões, críticas e comentários.
Não é por outra razão que se multiplicam nos jornais e outros meios
de comunicação artigos, reclamações e notícias (Doc. 10) com relação aos projetos
da OUC, cujos rumos foram definidos unilateralmente e que decerto causarão
impactos na vida de todo morador da Cidade do Rio de Janeiro e das adjacentes.
2.3.2. À luz do Estatuto da Cidade
Se não bastasse a ausência de participação pública no contexto do
procedimento afeto ao EIA, o Estatuto de Cidade – Lei n. 10.257, de 10 de junho de
2001 – também foi frontalmente violado.
18
Com efeito, por ocasião da instituição da OUC Porto Maravilha não
houve a necessária participação pública (e.g. conhecimento, discussão e
deliberação) sobre aquele que é um dos elementos essenciais da lei específica de
criação da OUC: o estudo prévio de impacto de vizinhança. O referido Estudo,
conforme o art. 33, inciso V, do Estatuto da Cidade, deve integrar o conteúdo da
lei específica que aprovar a OUC. Além dessa previsão de caráter geral na Lei
Nacional, a própria Lei Complementar da OUC Porto Maravilha também traz igual
obrigação no art. 35.
De se registrar que o caput do art. 33 do Estatuto da Cidade, em
termos mais técnicos, contempla o EIV como componente do plano de operação
urbana consorciada. E, nesse diapasão, é de suma importância atentar para a
correta advertência da doutrina (vide José dos Santos Carvalho Filho, Comentários
ao Estatuto da Cidade, Lumen Juris, 2005, p.219 e 220), quando enfatiza:
(...) antes do processo legislativo em si, já deve o projeto de lei con-templar todas as linhas que vão compor o revestimento urbanístico da operação consorciada. Esse conjunto é que vai constituir o plano da operação urbana, e, como é evidente, em se tratando de plano, devem integrá-lo todos os prognósticos jurídicos, técnicos e administrativos projetados em função dos objetivos da operação. Não fosse assim, e o documento não se caracterizaria como plano.
(...) outro elemento essencial é o estudo prévio de impacto de vizin-hança (art. 33, V). Fator anteriormente relegado nas ações urbanísticas em geral, tal estudo tornou-se atualmente da maior relevância, não sendo difícil perceber que é através dele que o Poder Público pode averiguar os efeitos de construções, empreendimentos e outras oper-ações urbanas sobre os proprietários, moradores e usuários perma-nentes da área. Não raras vezes, tais ações vieram a proporcionar sérios gravames a esses grupos sociais. O Estatuto, porém, procurou evitá-los exigindo que o plano contemple o estudo do impacto de vizin-hança.
Ora, diante dessas considerações, fica evidente que o EIV deve
averiguar os efeitos das intervenções sobre os proprietários, moradores e usuários
permanentes da área, evitando, assim, sérios gravames a esses grupos. E, por
assim ser, a Lei determina que o plano de operação urbana consorciada contemple
19
o EIV. Mas não deve só contemplá-lo, a semelhança de um dever meramente
formal ou documento pressuposto. Consoante firme entendimento, é
imprescindível que o EIV seja analisado e discutido sob a ótica do princípio
democrático. Na doutrina, o já citado prof. José dos Santos Carvalho Filho
(op.cit.p.221) recorda que “a exigência (do plano conter o estudo), aliás, tem
consonância com a diretriz urbanística contida no art. 2º, XIII, do Estatuto, e, além
disso, foi previsto capítulo especial para a disciplina da matéria (arts. 36 a 38)”.
Pela sua importância, afigura-se oportuno transcrever a diretriz plasmada no
referido inciso XIII:
Art. 2º, inciso XIII - Audiência do Poder Público municipal e da popu-lação interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio am-biente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população.
Destarte, podemos concluir que a falta de participação pública
efetiva sobre os lindes desse elemento necessário (EIV) representa grave violação
às diretrizes do Estatuto da Cidade e a própria ratio da Operação Urbana
Consorciada. Nesse sentido, em São Paulo v. MPSP, TJP AI n.0306342-
71.2011.8.26.0000 12ª Câm. Direito Público (2012), o TJSP assentou importantes
premissas para manter decisão interlocutória que, nos autos de ação civil pública
proposta pelo Parquet, deferiu liminar para suspender a tramitação administrativa
e legislativa da Operação Urbana Consorciada Vila Sônia até que fosse garantida a
participação da população e de associações representativas dos vários segmentos
da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos,
programas e projetos de desenvolvimento urbano a ela relacionada. Destacamos,
abaixo, os trechos mais relevantes do v. acórdão:
(...) Assim, restou demonstrado nos autos que tais previsões normati-vas, a princípio, não estão sendo integralmente cumpridas; isto é, a Municipalidade não ofertou a possibilidade de [gestão] participativa aos representantes da sociedade civil (população, bem como as associ-ações representativas) sobre a Operação Urbana Consorciada Vila Sô-nia.
20
Ademais, o mero informe dos acontecimentos à OUC Vila Sônia, como aduz a Municipalidade agravante, em suas razões recursais (fls. 23, 24,27 e 29), não é suficiente para atender o que a lei determina; uma vez que a mesma prevê a efetiva participação popular.
Outrossim, para haver a participação efetiva, a população e as enti-dades representativas têm que estar devidamente instruídas, tendo pleno acesso prévio aos elementos que conduzem a decisão política pública, bem como participar da própria política de ordenamento ur-bano como dita a Lei.
Neste sentido, como bem salientou o douto Procurador de Justiça, em seu parecer: “à pressuposição de que o Estatuto da Cidade alveja a in-tegração dos bens ambientais no campeio de uma vida digna e a gestão participativa se alinha com um dos veículos pelo qual este desiderato será factível, somente se pode conceder sobredita partici-pação como algo que ' in substantiam ' não se confunda com reuniões meramente opinativas ou desataviadas de solenidades mínimas, ante as quais, (...) sequer findava-se por verter em ata.
Gestão participativa coaduna-se com o [ tema] 'transparência' , no seu mais egrégio significado, e não, ao cabo de contas, com aquela assem-bléia meramente auricular ou de têmpera monologal, senão mesmo in-stada como alvéolo entre um e outro ato administrativo de exponen-cial relevância, porém, matizada por uma interação eclética, vivaz, sinérgico-colaborativa e, por isso mesmo, democrática, entre os círcu-los do poder e as forças predominantes na teia social.
(...) O artigo 44, do Estatuto da Cidade coloca a gestão participativa, aqui desatendida pela agravante, como 'condição obrigatória' para a aprovação do projeto pela Câmara Municipal”.
(...) A participação não é apenas receber panfletos e assistir power point; não é somente ser espectador. A participação da comunidade e das associações representativas, na formulação dos projetos (garantia prevista no artigo 2º, inciso II, do Estatuto da Cidade), significa permitir à sociedade civil interferir diretamente no seu resultado.
(...) Assim, não pode a Administração relegar os direitos dos habitantes da cidade sob o argumento do jus imperi; ou seja, de que cabe à Ad-ministração Pública determinar a conduta da coisa pública e apenas in-formar como e quando bem entender os motivos de sua conduta. In-formação muitas das vezes prestada após o fato consumado.
Diante do exposto, percebe-se que a participação popular efetiva
deveria ser observada, resguardada e fomentada pelo Poder Público (v.g.
Município) por ocasião da própria formulação do projeto/empreendimento, antes
21
mesmo da tomada de decisão sobre quais intervenções iriam integrá-lo. E, nesse
contexto, o EIV desponta como um dos mais importantes elementos do plano da
operação, notadamente por avaliar a própria viabilidade e os limites de cada uma
das intervenções urbanístico-ambientais que compõem a OUC.
A ausência de participação pública efetiva sobre os lindes das
intervenções, principalmente naquilo que lhe antecede e confere validade – papel
desempenhado pelo EIV – tem sido alvo de inúmeras críticas e estudos, podendo-
se destacar, por exemplo, as observações constantes da dissertação de mestrado
intitulada “Participação de Instituições Locais em Projetos de Revitalização Urbana:
O Caso do Projeto Porto Maravilha na Cidade do Rio de Janeiro” (Apresentada por
Mariana Peixoto de Toledo na Escola Brasileira de Administração Pública e de
Empresas – FGV, em 2012 – Doc. 11). A propósito, confira-se:
(...) Uma vez que as instâncias de participação identificadas na área da OUC têm caráter consultivo (com exceção do Fórum Comunitário do Porto que ainda está se estruturando e não possui regimento) e as re-uniões promovidas pela CDURP tem um caráter mais informativo , não existe espaço para a deliberação e para a construção conjunta do pro-jeto. Cabe mencionar que o projeto foi fruto de uma Operação Urbana Consorciada instituída por lei, portanto, as diretrizes gerais do projeto já foram dadas. (...) Percebe-se que apesar do grande número de par-ticipantes, o projeto não foi capaz de formar uma esfera pública em um espaço gerencial deliberativo.
Portanto, é chegada a hora do Poder Judiciário concretizar aquilo
que não só podia, como devia integrar o DNA da Lei Complementar n. 101, de 23
de novembro de 2009, isto é, a participação pública sobre os pressupostos (EIV) e
o conteúdo da lei de criação da OUC. Por ser esta de efeitos concretos e de
repercussão direta na vida dos munícipes, nada mais justo e legítimo do que
escutá-los – o que vai além da atitude passiva de “ouvir” –, ainda que num
contexto de aplicação da lei. É necessário se deixar permear pelos reclamos dos
cidadãos, permitindo que deliberem sobre os efeitos (positivos e negativos) que
22
suportarão e as medidas compensatórias necessárias, seguindo-se de uma
manifestação Estatal fundamentada.
3.4. Falta de previsão e controle dos impactos: a fragmen-tação dos estudos e a ausência de medidas mitigadoras
Como dito em passagem anterior, ao invés de proceder à
elaboração e apresentação de EIA/RIMA – que equivocadamente não foi exigido
pelos órgãos ambientais – que contemplasse a totalidade dos impactos de todas as
intervenções, consideradas em conjunto, a CDURP optou por confeccionar uma
série de estudos (EIV, estudo de tráfego, estudo de viabilidade econômica, etc)
com escopos distintos. Se fossem complementares e abarcassem a totalidade dos
impactos nas principais fases (implantação e operação) do empreendimento, e se
tivessem contado com participação pública efetiva, como determina o rito do EIA e
do próprio EIV, não haveria problema. O problema surge com a fragmentação dos
estudos para fins de licenciamento ambiental e com os vícios (omissões e
incorreções) que revestem os estudos apresentados.
Ocorre que a fragmentação dos estudos, longe de otimizar a tutela
do meio ambiente, produz consequências deletérias, especialmente por afetar a
previsibilidade/resposta quanto aos efeitos cumulativos e sinérgicos das
intervenções. Podemos citar, como exemplo, a ausência de previsão no estudo de
impacto viário das viagens geradas pelo transporte de resíduos previstas em
estudo específico (projetos de gerenciamento de resíduos).
Registre-se que o art. 35, §2º da Lei Complementar 101/2009 exige
o estudo/avaliação integrada em determinados aspectos (qualidade de vida da
população residente, rede estrutural de transportes, sistema viário e demais
infraestruturas na cidade e na região metropolitana do Rio de Janeiro). No mesmo
23
sentido, a análise integrada dos efeitos ambientais (meio ambiente natural e
construído), não prevista naquele preceito (§2º do art. 35), é uma premissa
indeclinável do EIA, conforme arts. 5º e 6º da Resolução CONAMA n. 01, de 23 de
janeiro de 1986.
Assim, a fragmentação dos estudos acabou por desaguar na falta de
previsão e controle dos impactos cumulativos e sinérgicos e na ausência de
medidas mitigadoras. E se não bastasse a fragmentação supracitada, temos que o
próprio EIV elaborado/apresentado contém graves vícios e omissões.
3.5. Estudo de Impacto de Vizinhança: vícios e omissões
A exposição que será feita ao longo dos tópicos deste capítulo é de
fundamental importância para a formação do seguinte entendimento:
considerando que o EIV (e, obviamente, os documentos que o integram) deve
servir de suporte de validade/legitimação quanto à viabilidade/extensão do
conjunto de intervenções urbanísticas da OUC, a existência de vícios naquele
Estudo contamina essas últimas. Em outros termos: a incorreção das premissas
afeta o resultado alcançado (conclusão). Sob a ótica dos atos administrativos,
podemos asseverar que o conjunto das intervenções seria o objeto do ato/fato
administrativo, ao passo que o EIV seria um dos motivos (fático-normativos)
daquele ato.
E, como cediço e amplamente difundido em âmbito doutrinário e
jurisprudencial, o Poder Judiciário pode controlar/tutelar a relação de fiel
compatibilidade entre o motivo e objeto do ato/fato administrativo. A
circunstância dessas intervenções serem veiculadas por lei em nada altera esse
raciocínio, pois, como dito, a Lei de criação da OUC, notadamente em seus Anexos
(onde estão previstas intervenções públicas), ostenta inequívoco efeito concreto.
Sobre as denominadas leis de efeitos concretos, o Superior Tribunal de Justiça, por
ocasião do julgamento do Fernandes v. Petrópolis, STJ RMS 22499/RJ 1ª Turma
24
(2008), invocou a doutrina do prof. Hely Lopes Meirelles para esclarecer o
seguinte: “por leis e decretos de efeitos concretos entendem-se aqueles que
trazem em si mesmos o resultado específico pretendido, tais como as leis que
aprovam planos de urbanização, as que fixam limites territoriais, as que criam
municípios ou desmembram distritos, as que concedem isenções fiscais; os
decretos que desapropriam bens, os que fixam tarifas, os que fazem nomeações e
outros dessa espécie. Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são atos de
efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou decreto por exigências
administrativas.”
3.5.1. Ausência de avaliação de impacto viário na fase de obras
Compulsando os documentos apresentados pela CDURP,
notadamente o EIV, o GATE/MPRJ (Parecer Técnico n. 268/2011 – Doc. 12)
verificou que não houve a devida previsão de avaliação de impactos na fase de
obras. Tal lapso está diretamente relacionado ao restrito escopo do instrumento
utilizado (EIV), que, por natureza, objetiva avaliar os efeitos positivos e negativos
do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população
residente na área e suas proximidades e não os impactos ambientais do
empreendimento, diretos e indiretos, em toda a sua área de influência, nas fases
de planejamento, implantação e operação, o que seria atendido pelo EIA.
Com efeito, dentre os impactos da fase de obra avaliados no estudo,
um dos mais importantes foi indevidamente avaliado: o impacto viário. De acordo
com o EIV, será criado um novo eixo viário composto pela Via Expressa e Via
Binária (Binário do Porto), ligando a Avenida Francisco Bicalho e o acesso à Linha
Vermelha à Praça Mauá, em conjunto com a abertura de novas vias e o
alargamento de vias existentes, permitindo, assim, o desmonte do Elevado da
Perimetral entre o Arsenal da Marinha e a Avenida Francisco Bicalho. Há previsão,
ainda, de remodelação da Avenida Rodrigues Alves e da construção de obras de
arte e túneis. Ainda de acordo com o EIV, para a realização das obras, serão
25
necessárias mudanças na circulação viária, com alterações de fluxo viário,
interdição de ruas e mudanças de itinerários de circulação de transporte público.
Diante desse cenário, o EIV afirma genericamente que as alterações
poderão trazer problemas ao usuário e gerar congestionamentos. No entanto,
deixa de quantificar esse impacto e a ele atribuir significância, o que seria
esperado de qualquer estudo dessa natureza. Se o impacto não foi corretamente
medido e avaliado, não é possível garantir que as medidas mitigadoras sugeridas
serão suficientes para diminuir ao mínimo possível os impactos inevitáveis. Como
medida mitigadora, o estudo recomendou apenas o planejamento antecipado das
modificações na circulação viária e sua ampla divulgação com antecedência para
que ocorram sem grandes transtornos e sejam de conhecimento do usuário.
3.5.2. Incorreções na avaliação do impacto viário da fase de operação
De acordo com o EIV, com a reestruturação viária prevista na OUC,
o Binário do Porto (Vias Expressa e Via Binária) deverá receber o volume de
tráfego que atualmente é atendido pela Perimetral e Avenida Rodrigues Alves.
Adicionalmente, deverá receber também o volume de tráfego atraído e gerado
pelo projeto.
Considerando esse cenário, foram apresentados dois documentos
de avaliação de impacto viário do projeto, sendo eles: (i) “Capítulo 3 – Transporte:
Tráfego Viário e Demanda por Transporte” do EIV e; (ii) Estudo de Tráfego do
Porto Maravilha, elaborado pela CCY Consultoria de Engenharia LTDA. Os dois