DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. , assistida pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, nomeada pelo Juízo de origem para atuar em defesa da agravante, dispensada da apresentação do instrumento de mandato nos termos do artigo 16 da Lei 1.060/50, fazendo uso das prerrogativas previstas no artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50 , vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 522 e seguintes do Código de Processo Civil, tempestivamente, interpor o presente recurso de AGRAVO DE INSTRUMENTO, COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO, contra a respeitável decisão de fl. 38, de acordo com os motivos de fato e de direito expostos nas razões anexas.
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA ...
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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – São Vicente/SP
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
, assistida pela DEFENSORIA PÚBLICA DO
ESTADO DE SÃO PAULO, nomeada pelo Juízo de origem para atuar em defesa
da agravante, dispensada da apresentação do instrumento de mandato nos termos
do artigo 16 da Lei 1.060/50, fazendo uso das prerrogativas previstas no artigo
5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50, vem, respeitosamente, à presença de Vossa
Excelência, com fundamento no artigo 522 e seguintes do Código de Processo
Civil, tempestivamente, interpor o presente recurso de
AGRAVO DE INSTRUMENTO,
COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO,
contra a respeitável decisão de fl. 38, de acordo com os motivos de fato e de
direito expostos nas razões anexas.
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Requer, outrossim, seja o presente recurso recebido e que
seja concedido efeito suspensivo, na forma do artigo 527, inciso III, combinado
com o artigo 558, ambos do Código de Processo Civil, e processado na forma da
lei.
Formam o presente instrumento recursal não apenas as peças
obrigatórias indicadas no inciso I do artigo 525 do estatuto processual citado,
mas cópia integral dos autos.
Declara o defensor público da agravante que as peças
processuais e documentos que formam o presente instrumento são autênticos, nos
termos do parágrafo 1º do artigo 544 do Código de Processo Civil, com a redação
que lhe deu a Lei 10.352/01, ficando desde já requerida a observância do prazo
em dobro, bem como a prerrogativa da intimação pessoal dos membros da
Defensoria Pública para a prática de todos os atos processuais, conforme disposto
no artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50.
Por fim, as partes poderão ser intimadas nos seguintes
endereços:
a) Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Unidade
São Vicente: Rua Major Loretti, 11, Parque Bitaru, CEP: 11.310-380, na pessoa
do subscritor do presente recurso;
b)
Termos em que,
pede deferimento.
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São Vicente, 11 de março de 2011.
Rafael Rocha Paiva Cruz
Defensor Público
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RAZÕES DO RECURSO DE AGRAVO
Agravante:
Agravada:
Natureza: Internação involuntária
Processo:
Origem: 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de São
Vicente
EGRÉGIO TRIBUNAL
COLENDA CÂMARA
EMÉRITOS JULGADORES
I. Do relatório
Trata-se de ação, com pedido liminar, que objetiva a
internação compulsória da agravante no Hospital Geral Guilherme Álvaro ou, na
falta de vagas, em qualquer outro hospital da rede pública de saúde ou particular,
com a nomeação da agravada como curadora provisória para acompanhamento
da ação e da internação involuntária.
A agravada sustenta que a agravante possui esquizofrenia
paranóide e transtorno afetivo bipolar, mas se recusa a aceitar a internação em
hospital psiquiátrico.
Narra, ainda, que a agravante foi presa em flagrante em surto
psicótico no dia 08.02.11 e que, após pedido de liberdade provisória, obteria
alvará de soltura no dia 09.02.11, por volta das 14h.
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Argumenta que a agravante tem direito à saúde, que a Lei
10.216/01 garante a internação involuntária e que os genitores da agravante são
pessoas de idade que sofrem muito com as crises psiquiátricas, de forma que
necessitam da internação da agravante para que possam se restabelecer física,
emocional e psicologicamente.
O Ministério Público manifestou-se pelo concessão da
medida liminar, para o fim de determinar a internação psiquiátrica da agravante.
Em seguida, o MMº. Juiz proferiu a r. decisão de fl. 38:
“Vistos.
1 – Defiro a gratuidade.
2 – Estão presentes os requisitos para a concessão da liminar.
Os documentos médicos juntados, lavrados por psiquiatras,
atestam ser a ré portadora de ESQUIZOFRENIA
PARANÓIDE, com surtos psicóticos, e que ela se recusa a se
submeter a tratamento ambulatorial ou mesmo internação
voluntária. A autora, sua mãe, relata ser a ré agressiva e
oferecer risco à integridade física dos pais, pessoas já com
certa idade, e que não conseguem convencer a filha a se
tratar. O que gera circula vicioso de surtos e agressões.
Posto isso, DEFIRO A LIMINAR para autorizar a
internação da ré, por iniciativa de seus pais, em
estabelecimento psiquiátrico adequado para o seu quadro de
saúde, em regime fechado, independentemente do
consentimento da própria paciente, no local e pelo tempo que
for necessário segundo critério médico. Deixo de indicar o
hospital por não ser atribuição do juízo, posto que cada
unidade hospitalar tem suas regras próprias com relação a
vagas, tipo de paciente que recebe, etc., não se podendo
impor judicialmente a internação em determinado
estabelecimento sem que seja o local indicado por médico em
conjunto com a família do paciente.
Expeça-se a autorização.
3 – Sendo manifesta a incapacidade civil da ré, para receber
citação válida, nomeio CURADORA a sua mãe, autora, .
Depois de cumprida a liminar, dê-se vista dos autos à
Defensoria Pública para se manifestar na defesa dos
interesses da ré, no processo.
Int.”
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Em cumprimento à ordem judicial, foi expedido alvará para
internação voluntária, assinado o compromisso de curatela e, só então, aberta
vista dos autos à Defensoria Pública.
II. Da impossibilidade de conversão do presente recurso de agravo de
instrumento em retido
Sabe-se que a Lei nº 11.187/05 alterou de modo significativo
os dispositivos que regem os recursos interpostos contra as decisões
interlocutórias, no intuito de retirar a sobrecarga dos Tribunais pátrios, assim
como privilegiar as decisões proferidas pelos juízes singulares.
A mais significativa alteração introduzida pela aludida lei foi
a elevação definitiva do agravo retido à condição de regra, para os recursos a
serem manejados contra as decisões interlocutórias, sendo certo que a
interposição de recurso de agravo na forma instrumental ficou restrita a poucas
hipóteses, dentre as quais se encontra aquela representada pela possibilidade de
se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação.
Pode-se constatar que tal alteração dá força imperativa ao
preceito, obrigando o relator a converter, invariavelmente, o agravo de
instrumento em retido, exceto na ocorrência de uma das hipóteses previstas no
artigo 527, inciso II, do Código de Processo Civil.
No caso, mostra-se evidente a necessidade de recebimento
do presente agravo na forma de instrumento, pois, caso ele seja recebido como
retido, causará lesão grave e de difícil reparação à agravante, que terá sua
liberdade cerceada por internação involuntária e ilegal em hospital psiquiátrico,
podendo sofrer danos irreparáveis à sua saúde.
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Assim, nos termos do artigo 527, inciso II, do Código de
Processo Civil, o presente recurso deverá ser obrigatoriamente recebido na forma
de instrumento, tendo em vista o perigo de lesão grave e de difícil ou incerta
reparação.
III. Do mérito
a) Da nulidade da r. decisão de fl. 38
Inicialmente, verifica-se que a ordem liminar é nula, motivo
pelo qual deve ser cassada e imediatamente suspensa.
Nota-se que a r. decisão de fl. 38 foi concedida e cumprida
sem a citação da agravante, que ainda não ocorreu, sem a observância do
procedimento previsto no artigo 218, parágrafo 1º do Código de Processo Civil e
antes da nomeação de curador especial para atuar em sua defesa, em violação aos
princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
De acordo com o artigo 218, “caput”, do Código de Processo
Civil, a citação não será feita quando se verificar que o réu é demente ou está
impossibilitado de recebê-la. Para tanto, exige o parágrafo 1º do referido artigo
que o oficial de justiça elabore certidão, descrevendo minuciosamente a
ocorrência, e que, em seguida, seja nomeado médico para examinar o citando.
Apenas após apresentação do laudo, o juiz nomeará curador ao réu e determinará
a citação na pessoa do curador, nos termos dos parágrafos 2º e 3º do Código de
Processo Civil.
Não obstante, no caso em tela, todo procedimento foi
ignorado. Sem qualquer certidão do oficial de justiça e sem laudo médico de
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perito judicial, a r. decisão de fl. 38 considerou que a agravada era incapaz para
receber a citação válida e nomeou como curadora a agravada.
Ao assim proceder, presumindo a incapacidade da agravante
para receber a citação, a r. decisão impugnada desconsiderou por completo a
condição de sujeito de direitos da agravante e todos os direitos garantidos às
pessoas com sofrimento mental, previstos na Constituição Federal, em diversos
tratados internacionais e na legislação infraconstitucional, como a Lei nº
10.216/01.
Além disso, descumpriu o previsto no artigo 218 do Código
de Processo Civil e os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido
processo legal, criando procedimento não previsto em lei, impedindo que a
agravante tenha ciência da ação e, inclusive, possa constituir advogado de sua
confiança para a defender.
Observa-se que o artigo 2º, parágrafo único, incisos V e VII,
da Lei nº 10.216/01, considerando que a pessoa com transtorno mental é sujeito
de direitos e deve ser tratada sem qualquer tipo de discriminação, nos termos do
artigo 1º da referida lei, garante à pessoa com transtorno mental o direito de ter a
presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de
sua hospitalização involuntária e o direito de receber o maior número de
informações a respeito de sua doença e de seu tratamento.
Contudo, tais dispositivos legais acabaram por ser
completamente desrespeitados, diante da r. decisão judicial que determinou a
internação involuntária da agravante sem que ela tenha sido sequer citada da ação
judicial.
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Salienta-se que a agravante possui vinte e quatro anos de
idade, já atingiu a maioridade há seis anos e, até a presente data, não há notícia
de que tenha sido proposta qualquer ação de interdição por seus familiares. Aliás,
a agravada propôs ação pleiteando apenas a internação involuntária da agravante,
mas não a sua interdição, o que indica que a agravante possa não ser incapaz para
a prática dos atos da vida civil.
Ademais, dependendo do tipo e intensidade do transtorno
mental, a agravante poderia ter absoluta capacidade para receber a citação
judicial, de forma que a presunção de sua inaptidão caracteriza preconceito
repelido pelo ordenamento jurídico pátrio.
Evidente que, apenas após certificação do oficial de justiça e
laudo judicial circunstanciado e devidamente fundamentado, é que se poderia
efetuar a citação da agravante na pessoa de seu curador, em observância ao artigo
218, parágrafos 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Civil, e artigo 6º da Lei nº
10.216/01.
Por outro lado, a ordem judicial foi proferida por juiz
absolutamente incompetente para tanto, visto que a demanda, na forma como foi
proposta pela agravada, não é de competência do Juízo de Família e Sucessões,
até porque não foi formulado qualquer pedido de interdição.
Tanto é assim que a própria agravada endereçou sua petição
inicial à Vara Cível da Comarca de São Vicente. Contudo, sem qualquer
justificativa, a ação foi remetida para o Juízo de Família, que, também sem
qualquer motivação, apreciou o pedido liminar e o deferiu.
No caso, a incompetência funcional do juiz caracteriza
incompetência absoluta e enseja a nulidade da r. decisão impugnada.
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Não bastasse isso, a petição inicial é inepta, pois dos fatos
narrados não decorre o pedido formulado, há falta de interesse de agir e o pedido
é juridicamente impossível, de modo que a petição inicial deveria ter sido
indeferida e o processo extinto.
Verifica-se que a agravada narra que a agravante possui
transtorno mental e recomendação médica para internação, mas não deseja ser
internada. Diante disso, requer seja determinada judicialmente a internação
involuntária da agravante sem discriminar prazo.
Contudo, caso a agravante realmente tivesse transtorno
mental e laudo circunstanciado determinando a sua internação, como determina o
artigo 6º da Lei nº 10.216/01, a internação involuntária poderia ocorrer
independentemente de ação judicial, desde que presentes as demais exigências
legais, como estabelecem os artigos 6º, inciso II, 7º e 8º da Lei nº 10.216/01.
Nesse caso, faltaria interesse de agir a agravada, que não
necessitaria da ação judicial para ter sua pretensão reconhecida, já que a
internação involuntária ocorre a pedido de terceiro e por recomendação médica,
não por ordem judicial.
Na verdade, a internação somente se dá por ordem judicial
quando ocorre na modalidade da internação compulsória, prevista no artigo 6º,
inciso III, da Lei nº 10.216/01, que é reservada para casos distintos do presente,
como os casos de medida de segurança.
Ademais, conforme já asseverado, não foi formulado pedido
de interdição da agravante, o qual seria necessário, nos termos do artigo 1777 do
Código Civil, de modo que o provimento jurisdicional pleiteado não é adequado
e, portanto, falta interesse de agir. Apenas foi requerida a internação involuntária
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sem discriminar prazo, de forma ampla e ilegal, até porque a internação depende
de laudo médico circunstanciado.
No caso em tela, ainda, o pedido judicial formulado pela
agravada não é compatível com os fatos por ela narrados e, do modo como foi
feito, sem prévia interdição e de forma ampla, representa pleito juridicamente
impossível.
Acrescenta-se, também, que a r. decisão impugnada é nula
por ausência de fundamentação suficiente e de razoabilidade.
Como se sabe, o artigo 93, inciso IX, da Constituição
Federal e o artigo 165 do Código de Processo Civil exigem que qualquer decisão
judicial seja fundamentada. De forma ainda mais específica, o artigo 273,
parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, estabelece que, “na decisão que
antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu
convencimento”.
Nesse sentido, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de
Justiça:
“NULIDADE - Decisão que revoga anterior designação de
audiência de justificação prévia e defere liminar de
reintegração de posso, sem referência aos elementos
caracterizadores dos requisitos do fumus boni iuris e
periculum in mora - Inadmissibilidade - Violação à norma do
art. 471, do CPC - Ausência de fundamentação também
verificada - Afronta aos arts. 93, IX da CF e 165, do Código
de Processo Civil - Nulidade decretada - Recurso provido
para este fim.”
(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Agravo de
Instrumento nº 0068357-86.2010.8.26.0000; 38ª Câmara de
Direito Privado; Rel. Spencer Almeida Ferreira; data do
julgamento 19.05.10; data de registro 21.06.10).
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“AGRAVO DE INSTRUMENTO – Reintegração de posse –
Liminar - Deferimento - Alegação de posse velha e ausência
de comprovação do esbulho além da falta de fundamentação
da decisão - Ausência dos requisitos necessários à concessão
da medida - Decisão sem fundamentação - Liminar indeferida
- Recurso provido.”
(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Agravo de
Instrumento nº 9001844-17.2009.8.26.0000; 20ª Câmara de
Direito Privado; Rel. Miguel Petroni Neto; data do
julgamento 14.12.09; data de registro 28.01.10).
No caso em tela, nota-se que a r. decisão de fl. 38 não foi
baseada em laudo médico circunstanciado, como exige o artigo 6º da Lei nº
10.216/01, e nem apresentou motivação suficiente sobre a real necessidade de
internação.
Observa-se que o artigo 4º da Lei nº 10.216/01 estabelece a
excepcionalidade da internação hospitalar, que somente será indicada quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, circunstância que não foi
exposta e apreciada pela r. decisão impugnada como exigem o artigo 93, inciso
IX, da Constituição Federal e o artigo 165 do Código de Processo Civil.
Outrossim, a r. decisão impugnada foi extremamente ampla
e ultrapassou os limites do próprio pedido da agravada e da Lei nº 10.216/01. A
absoluta ausência de limitação temporal e de local concedeu verdadeira carta
branca à agravada, violando por completo a Lei nº 10.216/01, que estabelece que
a internação deve ser limitada ao período de surto e não pode ser feita em
estabelecimentos asilares ou desprovidos dos recursos que assegurem assistência
integral à pessoa portadora de transtorno mental, incluindo serviços médicos, de
assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros, além dos direitos
previstos no artigo 2º da lei referida.
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Por fim, salta aos olhos que a r. decisão impugnada não fez
qualquer menção aos requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil,
necessários para a concessão da tutela antecipada que acabou por ser deferida.
O que se percebe é que a r. decisão impugnada realizou
verdadeiro juízo antecipado de mérito, como se sentença fosse, mas no início do
processo, antes da citação da agravante, da apresentação de defesa, da oitiva
agravante e da realização de perícia, ignorando o direito de defesa, o
contraditório e o devido processo legal.
Dessa forma, as questões preliminares apontadas e a
ausência de motivação suficiente e de razoabilidade da r. decisão impugnada
ensejam a sua nulidade, de modo que se faz necessária a sua cassação e imediata
suspensão.
b) Da ausência de cabimento da medida liminar deferida
Ainda que não se considere nula a ordem liminar deferida,
faz-se imprescindível a sua cassação e imediata suspensão, pois ela não observou
as estreitas hipóteses legais para a concessão de tutela antecipada.
Como se sabe, a concessão de tutela antecipada é medida
excepcional, visto que a Constituição Federal garante os direitos à ampla defesa,
ao contraditório e ao devido processo legal.
De acordo com o artigo 5º, inciso LIV, da Constituição
Federal, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal”. Já o inciso LV do mesmo artigo prevê que “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
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Assim, para que uma obrigação judicial possa ser imposta no
início do processo, antes do exercício da defesa e da produção de prova, é
necessário que haja prova inequívoca da verossimilhança das alegações e
fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, além da
reversibilidade do provimento, conforme previsto no artigo 273 do Código de
Processo Civil. Ademais, o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado,
ponderando-se o benefício trazido ao autor e o prejuízo imposto ao réu com a
antecipação da tutela.
No caso em tela, é evidente que os requisitos legais não
estão presentes em seu conjunto com a intensidade necessária para a antecipação
do provimento final, o qual, por se tratar de internação, representa violenta
intervenção aos direitos da agravante, sobretudo aos seus direitos à liberdade e
saúde.
De um lado, não há comprovação cabal da verossimilhança
das alegações. Isso porque, a internação é medida excepcional, conforme prevê o
artigo 4º da Lei nº 10.216/01, que somente pode ser realizada após frustrados os
recursos extra-hospitalares, durante período de surto, e mediante laudo médico
circunstanciado que caracterize os seus motivos, conforme dispõe o artigo 6º da
referida lei.
Nota-se que a agravada não apresentou documentos
suficientes que demonstrem a insuficiência dos recursos extra-hospitalares, pois
os receituários juntados indicam apenas que a agravante estava em tratamento
com médica particular Dra. , sem especificar a frequência, característica e
recursos envolvidos nos atendimentos para que se possa aferir se foram
esgotados todos os recursos extra-hospitalares disponíveis.
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Da análise dos documentos juntados pela agravada, percebe-
se que somente foram apresentados receituários de atendimento no sistema
público de saúde no ano de 2009, que não prescrevem a necessidade de
internação, o que indica que, desde então, a agravante apenas vinha fazendo
atendimento psiquiátrico particular e não vinha fazendo uso de todos os diversos
programas e recursos extra-hospitalares disponíveis para o seu atendimento, que
são eminentemente públicos.
Ressalta-se que, de acordo com o artigo 2º, parágrafo único,
incisos I, VIII e IX, da Lei nº 10.216/01, a pessoa com transtorno mental tem
direito a ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às
suas necessidades; a ser tratada em ambiente terapêuticos pelos meios menos
invasivos possíveis; ser tratada, preferencialmente, em serviços de saúde mental.
Ademais, verifica-se que a agravante não juntou aos autos
laudo médico circunstanciado que caracterize adequadamente os motivos da
internação.
Observa-se que o relatório médico mais recente, apresentado
pela agravada, indica, sucintamente, que a agravante apresenta crises psicóticas
frequentes e necessita de internação psiquiátrica, embora esteja fazendo uso
diário de medicamento.
É certo que o relatório apresentado não se trata do laudo
médico circunstanciado previsto no artigo 6º da Lei 10.216/01, pois, além de ter
sido elaborado por médico particular, não apresenta a motivação necessária.
Observa-se que os casos excepcionais de internação
psiquiátrica demandam análise de equipe técnica de saúde mental, de composição
multidisciplinar e pública, que avalie a condição do paciente em sua
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complexidade e que considere a normativa e os recursos disponíveis no sistema
público de atendimento, para que haja efetivo controle da extrema medida.
Nesse sentido, o relatório final da III Conferência Nacional
de Saúde Mental, convocada pelo Ministro da Saúde e organizada pelo Conselho
Nacional de Saúde (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CONSELHO NACIONAL
DESAÚDE. Comissão Organizadora da III CNSM. Relatório Final da III
Conferência Nacional de Saúde Mental. Brasília, 11 a 15 de dezembro de 2001.
Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, 2002, 213 p., ISBN
85-334-0592-8):
“6. Controle da internação psiquiátrica
No curso do processo de Reforma Psiquiátrica, é necessário
que os gestores estaduais e municipais estabeleçam
mecanismos efetivos para o controle das internações
psiquiátricas. Com este objetivo, foram aprovadas também as
seguintes propostas:
119. Estabelecer formas de controle único para a emissão de
AIH, assegurando que todas as internações necessárias sejam
autorizadas pelo serviço público, preferencialmente de base
territorial, constituído por equipe de saúde mental.
120. A internação e a reinternação psiquiátrica deverão
ocorrer após avaliação da equipe técnica de saúde mental dos
serviços substitutivos.
121. Estimular a criação de centrais de regulação de
internaçãopsiquiátrica com o objetivo de evitar internações
não indicadas.
122. Rever o critério de tempo de internação e garantir, por
meio de supervisões institucionais e fiscalizações, que o
tempo de internação seja o mais breve possível, de acordo
com avaliação e conduta psiquiátrica e da equipe
multiprofissional.” (p. 46-48, g.n.).
De outro lado, não há comprovação suficiente nos autos de
que a ausência de concessão da tutela antecipada cause dano irreparável ou de
difícil reparação à agravada e muito menos à agravante.
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Conforme já salientado, embora a agravada narre que os
transtornos da agravante começaram na adolescência e esta já conte com 24 anos,
sua interdição nunca foi pleiteada e sequer há nos autos documentos que atestem
que a agravante tenha iniciado tratamento médico antes de 2009. Salienta-se que
não há qualquer comprovação nos autos de que a agravante possua o
comportamento violento alegado.
Importante observar que não se pode utilizar o transtorno
mental da agravante, de intensidade e natureza ainda não suficientemente
demonstradas, de forma discriminatória, presumindo-se a necessidade de
internação como forma de auto-preservação, como veda o artigo 1º da Lei
10.216/01, até porque as internações são excepcionais, temporárias e não
configuram a melhor alternativa terapêutica.
Não bastasse isso, certamente, a internação representa
extrema violência ao direito de liberdade da agravante e pode caracterizar grave
ou até irreparável prejuízo à sua saúde, caso realmente ela não seja necessária,
sobretudo da forma severa, ampla e ilimitada como foi determinada pela r.
decisão impugnada.
Nesse sentido, há inequívoca violação ao princípio da
proporcionalidade, pois a r. decisão liminar, a pretexto de preservar o direito da
agravada, traz enorme violação ao direito da agravante, que pode ser encarcerada
em qualquer estabelecimento de internação psiquiátrica, em regime fechado, no
local e pelo tempo que qualquer médico determinar.
Sobre o tema, conveniente a transcrição da posição
jurisprudencial:
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“Interdição pretensão da curadora provisória à internação
compulsória J do interditando decisão que indeferiu a
antecipação da tutela, determinando a realização de perícia
médica ausência de dispositivo legal a amparar o pleito
conveniência de se aguardar a conclusão da perícia, para
melhor se aquilatar a necessidade ou não da internação.