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Enric Batlle i

Jan 20, 2016

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Aline Oliveira
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Tradução José Paulo de Bem

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Enric Batlle (Barcelona, 1956) É doutor arquiteto e professor de Urbanismo e Paisagem na Escola Técnica Superior de Arquitetura de Vallès e máster de Arquitetura da Paisagem da Universidade Politécnica da Catalunha (UPC). Em 1981 fundou, junto a Joan Roig, Batlle i Roig arquitectes, um estúdio que desenvolveu numerosos projetos de edificação, planejamento e paisagismo. Sua obra ganhou diferentes prêmios e foi objeto de diversas publicações.

À memória de Josep Batlle Gras. Este livro é o resultado das reflexões realizado a partir de compatibilizar o ensino de arquitetura da paisagem com a prática profissional entorno da arquitetura, o urbanismo e a paisagem. Para o desenvolvimento do trabalho foram fundamentais os estímulos iniciais que recebi de meu magnífico professor Elias Torres, que me ofereceu uma acertada apresentação, e a continuada colaboração de meu sócio Joan Roig. Assim mesmo, tenho que agradecer os comentários do orientador de minha tese de doutoramento, Antonio Font Arellano, que supervisionou o trabalho que deu lugar a este livro, e o suporte incondicional e constante de minha esposa Mercedes Blay. O jardim da metrópole pretende ser uma opção global para a cidade, mas também é uma atitude pessoal que pode persistir em todas as ações que realizamos. O jardim da metrópole é uma fuga romântica sem final. Este discreto manifesto é uma sequência ordenada de algumas idéias1 que se desenvolvem nesse livro, e o reflexo de uma utopia que trata de imaginar um novo modelo de espaço livre para nossas metrópoles, uma utopia alimentada de todos aqueles exemplos que tratam de construir uma projeção de futuro otimista e possível.

1 No manifesto se utilizam muitas palavras que respondem às diversas idéias utilizadas no livro, e sua procedência está referenciada nos diversos capítulos do mesmo

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Um novo espaço livre Do paraíso da metrópole ao espaço livre para uma cidade sustentável O jardim da metrópole é um jardim O jardim da metrópole é um parque O jardim da metrópole é um sistema O jardim da metrópole é um híbrido

1. Devesa de Girona, Espanha, 1813-1830 Maximilien Lamarque et AL. Um novo espaço livre Do paraíso da metrópole ao espaço livre para uma cidade sustentável “A do paraíso perdido e recuperado foi uma das emoções primordiais e constitutivas do homem. O estabelecimento da idéia de paraíso – jardim na mente de nosso primeiro antepassado – Pode coincidir com a primeira manifestação da Divindade por ele recebida. Espaço limitado e mesmo cercado, foi o paraíso terrestre. Paraíso, ou pairidaeza em persa, assim quer significar “jardim” como “espaço cercado”. As raízes indo-germânicas de palavra “jardim” gards, geard, garde, significam também cerrado, espaço cercado. Aquele homem não se sentia, como seus irmãos nórdicos, oprimido por um clima invernal nem por uma intensa vegetação e, por isso, quase inimiga; ao contrário, o primitivo cameleiro do deserto, como o atual, sofria da falta e escassez de vegetação, da secura espantosa do solo, de uma espécie de verão dominante a que estava, e está, submetido. A cena paradisíaca, para ele, se transforma: Já não aspira um “claro no bosque” ou uma suspensão do inverno, mas deseja um “Oasis”, verde e primaveril, situado no meio das areias e das pedras, que interrompa o clima canicular. O oásis é o paraíso do nômade meridional, do beduíno, do homem das rotas terríveis, entre um sol branco e a areia tórrida. A emoção paradisíaca do paleolítico subsiste, mas com uma mudança de sistema de referências que revoluciona seu ser”.2 O novo espaço livre tem que ser necessariamente complexo porque tem que incluir os valores tradicionais da utilização pública e beleza e, ao mesmo tempo, tem que ser coerente com as leis ecológicas e as problemáticas meio-ambientais. A dimensão e a escala crescente desses espaços nos planejamentos territoriais abrem novas possibilidades antes inimagináveis: 2 Rubiò i Tudurí, Nicolau Maria, Del paraíso al jardin latino, Tusquets, Barcelona, 1981

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Um espaço livre, público, metropolitano, ecológico, vertebrador da nova cidade, integrador das novas técnicas meio-ambientais, sujeito a processos naturais e/ou agro-florestais, formalizado desde a modernidade. Ao aceitar os problemas e as dúvidas, aceitamos a complexidade e a contradição do novo modelo de cidade. O novo modelo de espaço livre é simultaneamente o jardim ideal, um parque público, um sistema de espaços exteriores e um híbrido de diversas paisagens. O jardim da metrópole é este novo espaço livre que recupera a tradição do jardim como domesticação da natureza e que também é um jardim urbano fruto de umas novas relações entre natureza e cidade. Um novo espaço livre que se inserta em um novo modelo de cidade: Aquela que pretende organizar-se como um sistema capaz de desenhar uma nova geografia de si mesma. Um jardim que renuncia às novas complexidades, um jardim que busca a sustentabilidade. O jardim da metrópole recupera a idéia de paraíso que se associava habitualmente ao jardim na utilização dos processos naturais e agro-florestais. O jardim da metrópole é um jardim cheio de significados urbanos, ecológicos e estéticos. O jardim da metrópole é um parque. A imagem da paisagem desejada no contexto da nova cidade dispersa. O produto da simbiose ecológica entre o ser humano e a natureza. Um parque útil e de utilização pública. O jardim da metrópole é um sistema de espaços exteriores, resultado das novas vinculações entre cidade e território; um conjunto de novas tipologias de espaços livres, organizados desde novas lógicas e que pretende obter novas continuidades. O jardim da metrópole é um híbrido, o produto do uso não convencional dos espaços agro-florestais, o resultado da formalização das decisões ecológicas; um híbrido de cidade e infraestruturas, de espaço livre e ecologia, de agricultura e meio ambiente. O jardim da metrópole é um jardim “Os jardins existem antes dos jardineiros e só umas horas anteriores à terra”.3 Sir Thomas Browne, The Garden of Cyrus A história do jardim está ligada a história da domesticação da natureza. Lugar seguro, limitado, cerrado, o jardim quer reencontrar a ideia de paraíso perdido através da proteção de seu âmbito. Entre a natureza que o rodeia e o jardim deve existir certo grau de diferenciação, e em muitas ocasiões o desenho desta diferença é uma das características mais determinantes de cada um dos modelos de jardim. A concepção do jardim como natureza controlada pelo ser humano, como espaço ligado aos valores simbólicos e sociais de cada época, deu lugar ao longo da história a cada um dos modelos de jardim que conhecemos. O Jardim da metrópole quer ser o modelo de espaço livre que corresponde a uma cidade que pretende ser sustentável. O desejo do ser humano de controlar a natureza, tanto quanto com fins alimentares, medicinal ou contemplativo, produziu o desenvolvimento de uma multitude de técnicas agrícolas e elementos de serviço, que posteriormente evoluíram desde a agricultura até os elementos decorativos ou de uso para o ócio; desde os sistemas de rega às fontes monumentais, desde os tabuleiros agrícolas aos terraços dos jardins, desde os sistemas de proteção às valas, desde as podas para melhorar a produção à topiaria decorativa. Se a agricultura é uma das origens do jardim, é lógico que, depois de um largo período de máxima artificialidade e perda das origens, se pense que o jardim pode regressar à agricultura, pode ser agricultura. A variedade de soluções nos limites, nos traçados, nas formas de modelar a topografia, no uso da água, na domesticação da vegetação e na introdução de elementos arquitetônicos produziu diferentes estilos de parques e jardins que, ao longo da história, foram se debatendo entre a imitação da natureza e a imitação da arquitetura, exemplificados ambos extremos pelo jardim paisagístico inglês do século XVIII e o jardim barroco francês do século XVII.

3 Sir Thomas Browne, citado em Clifford, Derek, Los Jardines. Historia, trazado, arte..., Instituto de Estudios de Administración Local, Madrid, 1970.

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2. 3. Vaux de Vicomte, França 1656 1661 André Le Nôtre Jardins Stowe, Buckinghamshire, Reino Unido, 1740 1751. ‘Capability’ Brown Entre o oásis das civilizações meridionais e a clareira no bosque das civilizações septentrionais, a busca do paraíso perdido através do jardim variou segundo o momento histórico, as soluções adotadas e as influências recebidas. Se o oásis deu lugar aos primeiros jardins cerrados, onde a sombra e a água tinham um papel principal, como nos jardins árabes e, posteriormente, nos jardins do Renascimento italiano, a clareira no bosque está presente nos primeiros jardins paisagísticos ingleses, mais tarde nos românticos e, por último, é um dos fundamentos básicos dos primeiros parques públicos produzidos no século XIX. Se o traçado geométrico dos primeiros jardins cerrados evoluiu desde os jardins da antiguidade até o jardim barroco francês, paradigma do controle absoluto do ser humano sobre a natureza, a imitação da paisagem próxima está presente nos jardins paisagísticos japoneses e ingleses, autênticas clareiras no bosque, que requerem a ajuda de valas complexas para poder ser simultaneamente um lugar seguro e um lugar que se confunde com a paisagem circundante. O jardim barroco francês, produto final das geometrias que provêem das culturas do Oasis, é um jardim aberto à paisagem e que não requer valas, já que não é um oásis, mas uma grande clareira que se forma a partir do recorte geométrico de uns bosques que também estão organizados desde a lógica do jardim. Nos jardins de Versalles, obra de André Le Nôtre, a geometria do palácio e do jardim organiza também a cidade e a paisagem, para converter-se finalmente em um cruzamento de todas as tradições. O romantismo, e em especial sua representação pictórica, definiram uma nova forma de compreender a natureza. O homem romântico tinha um grande desejo de voltar ao espírito da natureza, mas ao mesmo tempo se sentia impotente diante dela. A consciência da cisão entre a natureza e o ser humano se torna irremediável. O desejo de volta ao espírito da natureza e a consciência de aniquilação fatal que coadjuva este desejo resultam inseparáveis. Podemos exemplificar muito claramente esta compreensão da natureza com os quadros de Caspar David Friedrich: Viajero contemplando um mar de nuvens e mulher olhando pela janela, que comparamos através das imagens com dois espaços exteriores exemplares, o jardim de Ermenonville e Central Park. A atração pelo abismo do viajante de Friedrich nos recorda os escassos exemplos de jardins românticos, como a ruína de um templo clássico no meio do bosque de Ermenonville e o enquadramento da natureza da mulher que olha pela janela aos primeiros parques públicos como o Central Park encaixado na quadrícula urbana de Manhattan.

4. 5. Jardim de Ermenonville, França, 1762-1778. Central Park, Nova York, Estados Unidos, 1858. Frederick Law Olmsted No Jardim da metrópole se recupera parte do espírito dos jardins e, especialmente, do espírito romântico quando o habitante da cidade expressa seu desejo de regresso a uma natureza que lhe parece demasiadamente distante. Como acontecia então, a expressão deste desejo por meio do jardim se vincula aos elementos que exercem a máxima fascinação sobre o ser humano consciente dessa cisão: A força da natureza e a beleza das ruínas das arquiteturas clássicas durante o romantismo, e as possibilidades dos processos naturais e a beleza das intervenções agrícolas no novo espírito dos jardins da metrópole. No jardim da metrópole, as lógicas dos processos naturais e agro-florestais podem servir para definir sua formalização e sua vinculação com a cidade na qual se insertam. A natureza e a agricultura se convertem outra vez nos instrumentos principais para recuperar espaços que a cidade esqueceu, ou para integrar atividades que habitualmente se desenvolvem de forma autônoma. As imagens da natureza e da agricultura voltam a ser as

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melhores imagens possíveis, e assim vemos como um magnífico bosque se converte na imagem onipresente para uma biblioteca que quer representar a condensação de todos os conhecimentos, ou como Giles Clément põe em prática no Parc André Citroën (Paris, 1992) suas teorias sobre os jardins em movimento e consegue que a beleza dos jardins involuntários possa ser utilizada em um parque de uso público. No projeto de Michel Desvigne e Christine Dalnoky para um parque urbano em Issoudun (1994), a antiga estrutura agrícola do lugar se converte no instrumento básico para a recuperação de uns espaços degradados nos arredores da cidade. Em vez de eliminar o obsoleto e criar uma nova estrutura, o projeto aproveita o traçado existente para estabelecer uma nova relação entre a cidade e os espaços naturais das margens do rio Indre. O caráter agrícola das antigas hortas se conserva na nova imagem desses jardins urbanos.

6. Parque Urbano em Issoudun, Indre, França, 1994. Christine Dalnoky e Michel Desvigne. Durante as últimas décadas do século XX, o espaço público no marco dos novos projetos de cidade produziu exemplos notáveis. A experiência de Barcelona foi extraordinária e chegou a ser uma referência para outras muitas cidades. Agora, no início do século XXI, começa a ser patente a influência de um novo efeito que invade a Europa e impregna muitos dos novos projetos de espaço livre: Os jardins voltam à nossas cidades.4 Este retorno não se efetua com as formas com as quais se iniciou o século XIX, mas próximas do estilo paisagístico, mas com características contemporâneas próximas à arte, à agricultura e à ecologia. Como poderíamos explicar este revival de uma arte que dávamos por moribunda ou complementária? Poderíamos encontrar uma explicação na versatilidade das modas e na importância cada vez maior que se outorga às preocupações ecológicas. Não obstante, no fundo, na origem desse regresso podemos encontrar uma insatisfação. Depois de muitos anos de domínio da racionalidade, das explicações em termos quantitativos o das intervenções de autor sensivelmente alheias das preocupações dos cidadãos, se produz uma nova demanda de espaços de qualidade, uns espaços mais próximos, mais íntimos e mais vivos, que refletem o passar do tempo, que expliquem que nossas paisagens estão subordinadas às singularidades topológicas, climáticas e fisiológicas dos elementos que as compõem. E em seu regresso, estes jardins modernos impregnam a cidade e cada um dos cenários nos quais se desenvolvem as novas atuações, desde as intervenções em escala geográfica às pequenas ações individuais; desde os novos sistemas de parque em áreas abandonadas à recuperação de espaços degradados; desde o retorno dos espaços temáticos à criação de novos espaços públicos que reutilizam ou reinventam as agriculturas; desde os projetos que tratam de integrar as grandes infraestruturas na paisagem às pequenas intervenções que querem aproximar do cidadão esta sensibilidade; e, por último, desde os jardins em movimento que seduzem os novos paisagistas às novas arquiteturas que se explicam como paisagens. O jardim da metrópole é um parque “A área aberta de uso público não é uma idéia recente – a praça urbana é provavelmente tão antiga como o próprio assentamento, e começou como um simples espaço entre as vivendas até a se utilizar como um lugar de encontros –, pois inclusive na época romana encontramos jardins, como o Porticus Liviae, que foram desenhados para o uso público. No sentido de uma grande extensão de terreno reservada para a caça ou outras atividades ao ar livre, também se conhecia o parque, pelo menos entre os assírios, que inclusive em Khorsabad contava com um pequeno monte artificial com um templo e canal de água, antecipando-se vários séculos a “Capability” Brown e seus seguidores. Não obstante, foi no século XIX que encontramos um parque público tal como o conhecemos, uma extensão de terreno desenhado principalmente para o uso público e situado em um entorno fundamentalmente urbano”.5

4 Corajoud, Michel, “Faire Le jardin pour mieux faire La ville”, em Coen, Lorente, Lausanne jardins. Une envie de ville heureuse, École National Supérieure Du Paysage, Versailles, 1998. 5 Chadwick, George F., The Park and the Town, Frederick A. Praeger, Nueva York, 1966

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Conceitualmente, se considera que os parques são um fragmento limitado de natureza introduzido na cidade, uma natureza que não pode ser a mesma natureza de onde foi tirado devido aos evidentes inconvenientes do translado, da mudança de escala ou da necessária abstração da fonte de inspiração. O encaixe desta natureza nostálgica deu lugar aos diversos exemplos de espaço público que começaram a ser produzidos no século XIX e que se conhecem como parques urbanos. Produto da complexidade de reproduzir modelos naturais para uso dos cidadãos é o resultado da contradição evidente entre umas imagens naturais idílicas e uns usos urbanos que cada vez eram mais intensos e sofisticados. Tradicionalmente existem dois modelos de relação entre a natureza e a cidade: O uso de elementos naturais na cidade e as intervenções para uso dos cidadãos fora da cidade. O primeiro é herdeiro da tradição vitoriana em que os parques eram criados para resolver os conflitos derivados do desmesurado crescimento das cidades, como os primeiros parques londrinos instalados nas antigas propriedades reais, que eram cedidas para o uso público e ofereciam a oportunidade de remodelar determinados setores da cidade, ou como os primeiros parques públicos em nova planta, resultado da aplicação das leis do Parlamento inglês (1833-1848) para o fomento das condições higiênicas dos novos bairros das cidades. O segundo modelo responde à necessidade por parte dos cidadãos de utilizar as paisagens mais próximas, como as tradições anglo-saxônicas de visitar os cemitérios o de realizar trajetos entre o interior e o exterior da cidade. O Jardim da metrópole intenta buscar um novo modelo de espaço livre que suporte esta dicotomia entre interior e exterior, e desta forma intentar recuperar aspectos positivos de cada uma das duas situações: Por um lado, uma maior vinculação entre os cidadãos e os elementos naturais e, por outro, uma melhor relação entre a cidade e as paisagens que engloba. Os primeiros parques públicos construíram paisagens muito parecidas com as criadas pelo movimento paisagista do século XVIII, com jardins integrados no entorno como um pedaço de natureza idealizada, selecionada e melhorada. Os jardins de “Capability” Brown – de beleza suave e mansa, asséptica e uniforme, que produzia ligeiras ondulações contratadas e que só dava lugar à variedade e surpresa para conseguir perspectivas idílicas – se converteram em um modelo que podia ser transladado à cidade. Não obstante, as condições urbanas eram muito diferentes das do campo, e se “Capability” Brown tinha conseguido a integração do jardim no entorno com o desenho do há-há, os jardineiros que trabalharam na cidade trataram de conseguir a integração do parque em seu entorno urbano; se “Capability” Brown havia desenhado um caminho que servia exclusivamente para o passeio do latifundiário pela sua propriedade, nos parques foi necessário estabelecer uma nova maneira de conceber os percursos para tratar de favorecer o uso destes espaços por parte dos cidadãos. A nova relação que se estabelece entre a cidade e seus parques se concretizou nos limites e percursos, os primeiros como expressão das interações que se produziam entre o parque e sua periferia urbana, os segundos como elementos que permitiam uma correta experiência do lugar. Os limites dos parques nos mostram as relações entre a cidade e esse pedaço limitado de natureza que se introduz em seu interior. Quando o movimento paisagista chegou à cidade – como no Circus e no Royal Crescent de Bath em 1767 – foi para criar novas paisagens para o ócio privado dos novos edifícios que estavam sendo construídos.

7. The Royal Crescent, Bath, Reino Unido, 1767-1775. John Wood II. Mecanismos como o há-há se transladaram à cidade, mas com um uso diferente; já não se tratava de separar o jardim do latifundiário dos campos onde pastavam os animais, mas para separar o parque dos ricos do dos pobres; ainda que ambos os parques tivessem as mesmas características e tendiam a confundir-se voluntariamente. No Central Park de Nova York, Frederick Law Olmsted condensou tudo o que havia apreendido dos parques ingleses para desenhar um que se relacionava de um modo unitário e homogêneo com todo seu entorno.

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O projeto de Olmsted e Calvert Vaux apresentado ao concurso para a construção do parque em 1858 tinha como lema Greensward (prado de um jardim).6 Pode se considerar que o termo era muito adequado em vista das características substanciais do parque, um imenso prado insertado em pleno centro de Manhattan. A vala perimetral do Central Park expressava uma relação democrática de todos os cidadãos com o parque. Seu traçado e a disposição regular dos diferentes acessos se relacionavam com a lógica da trama urbana. A monotonia da vala só ficava alterada pela força da paisagem, que emergia, logo detrás dela.7

8. Central Park, Nova York, Estados Unidos, 1858-1873. Cerca perimetral. Frederick Law Olmsted e Calvert Vaux. Os percursos explicam a organização dos parques desde sua função mais básica: O passeio. O jardim paisagístico inglês se articulava desde uma série de percursos, em geral bem traçados, mas voluntariamente tortuosos, pelos quais o usuário era introduzido a experimentar uma série de sensações visuais e emocionais, similares as que suscitavam um quadro ou uma cenografia teatral: Os três grupos de árvores que tantas vezes utilizou “Capability” Brown eram similares à decoração de uma cenografia. Alguns lugares do percurso se abriam de repente a um sugestivo panorama ou revelava a presença inesperada de uma ponte, um pavilhão de jardim ou uma ruína.

9. Sistema de percursos do Central Park, Nova York, Estados Unidos A partir das sucessivas evoluções dos jardins durante o século XIX como espaços de uso público no interior das cidades, supõe-se uma transformação do modelo, já que a nova situação requeria também uma nova maneira de conceber o percurso, por umas paisagens que queriam lembrar a natureza, mas que estavam rodeadas por edifícios. Nas praças das cidades britânicas e norte-americanas, os caminhos são a expressão dos percursos mais diretos entre os distintos edifícios que as rodeiam. O resultado final se compõe de um tapete verde com árvores, que poderia remeter a um idílico fragmento de natureza, e uma série de caminhos retilíneos que atravessam toda a praça, de porta a porta dos edifícios. O sistema de percursos do Central Park criado por Olmsted se converte na melhor interpretação do modelo original de “Capability” Brown aplicado aos espaços urbanos. A estrutura de diferentes caminhos com usos específicos lembra a que estabeleceu Joseph Paxton em Birkenhead Park (península de Wirral, Inglaterra 1847), mas no Central Park adquire a categoria de sublime ao construir um conjunto de redes homogêneas desenhadas em função de seus destinos. Devido à proporção alargada do parque, Olmsted dispôs que diferentes ruas da 6 Zapatka, Christian, “L’architettura Del paesaggio americano”, Lótus Quaderni, núm. 21, Milan, 1995. 7 Kelly, Bruce; Guillet, Gail Traveis y Hern, Mary Ellen W., Art of the \Olmsted Landscape, The Arts \Publisher, Nova York, 1981.

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cidade o atravessariam e facilitar assim a comunicação entre ambos os lados. Por outro lado, se estabeleceram três maneiras diferentes de passear pelo parque: As avenidas para carruagens, os caminhos para pedestres, que podem chegar aos pontos mais singulares do parque, e um caminho específico para montar a cavalo. Para que esses percursos fossem exclusivos e não seriam interrompidos, e também para transmitir a sensação de que o parque todavia era muito maior, os caminhos se cruzam em diferentes níveis por meio de pontes. O resultado foi que podíamos qualificar como uma rede moderna de vias, com divisão de circulações e um amplíssimo catálogo de mais de cem pontes de todos os tipos e características.8 Os quatro sistemas de percursos, situados em um entorno natural em pleno centro da cidade, completavam a imagem idílica que os cidadãos esperavam de um parque. Não obstante, o cidadão estava acostumado a utilizar a rua para suas festas e celebrações, para passear, ver e ser visto, o que provocou Olmsted a incluir outro elemento no parque, o Mall, que é como uma rua da cidade mas disposta no centro do parque. O Mall do Central Park é equivalente às ruas arborizadas do perímetro do St. James’s Park de Londres, uma rua de passeio retilínea e rotunda, cuja geometria contrasta com a naturalidade do resto do parque. Olmsted conseguia assim um quinto sistema de percursos e uma magnífica sistematização das possibilidades de um parque urbano.

10. 11. Rua que cruza o Central Park, Nova York, Estados Unidos. Cruzamento de caminhos, Central Park, Nova York, Estados Unidos O jardim da metrópole quer aproveitar o já aprendido dos modelos tradicionais de relação entre cidade e natureza, para intentar superar os discursos sobre os espaços singularizados no interior das cidades, ou sobre as intervenções pontuais no exterior da mesma, e poder estabelecer, assim, a possibilidade de estudar visões mais globais que entendam a cidade e seus espaços exteriores a partir de uma idéia comum. A utilização dos parques por parte dos cidadãos marcou a segunda evolução dos espaços públicos nas cidades: Se os primeiros parques compatibilizaram a imagem das paisagens desejadas com a função de espaços de estar, admirar ou passear, a introdução de novos usos transformou o modelo até chegar a uns parques com uma estrutura capaz de acolher funções específicas. Deste modo apareceram parques organizados desde a lógica dessas novas funções, que se converteram em espaços temáticos dedicados a um tema concreto. A imagem da clareira no bosque, paraíso das civilizações septentrionais que “Capability” Brown elevou à categoria de obra de arte e que os primeiros parques públicos utilizaram como um recurso infalível exemplifica a perfeição a evolução desde a imagem de um suposto paraíso perdido até a inclusão de espaços úteis em nossos espaços livres públicos. A clareira no bosque, que compatibilizava sua função pastoril com a pública, foi capaz, nos parques públicos de Olmsted, de suportar usos tão específicos como os esportivos.

8 Olmsted, Frederick Law Jr., Forty Years of Landscape Architecture: Central Park (1928), The MIT Press, Cambridge (Mass.), 1973.

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12. Uma clareira no bosque, Central Park, Nova York, Estados Unidos. Em seu momento, nas quadras de tênis que ocupam temporariamente uma clareira no bosque em Prospect Park (Brooklin, Nova York, década de 1860), obra também de Olmsted, na paisagem idílica as funções modernas todavia eram compatíveis; mais tarde se desfigurou completamente o modelo original com a incorporação de áreas específicas. Ao incluir usos específicos, a evolução dos parques públicos também encontrou outras respostas que tratavam de fazer compatíveis a criação de espaços de características basicamente naturais com a possibilidade de receber funções concretas. No Bos Park (Amesterdam 1937) se compatibilizou um cuidadoso e sofisticado processo de construção de um grande bosque numas terras baixas com o estudo sociológico sobre o uso dos espaços recreativos populares, tal e qual já se havia ensaiado nos parques alemães. O uso recreativo das clareiras nos bosques – esportes, teatro, tomar sol – e das zonas de água – canal de remo, banhos, passeio de barco – assim como a dimensão ambiental dos espaços destinados aos animais e ao estudo da natureza, se desenvolvem sobre um espaço projetado desde a máxima artificialidade, com o objetivo de tornar real um dos lemas do parque: “Natureza em liberdade”.9 Os jardins de flores do Vasa Park (Estocolmo, 1947), obra de Erik Glemme, estabelecem outra maneira de resolver a problemática antes exposta. Os jardins de uso concreto e específico se traçam com o tamanho correto e com a formalidade requerida, confrontando sua estrita geometria com as formas naturais de um parque situado sobre unas escarpas existentes, A cerca de pedra dos jardins acrescenta dramatismo à situação e estabelece um limite claro entre ambos os âmbitos: O da paisagem natural sujeita a seus processos e o dos pequenos jardins que esperam a chegada da primavera para converter-se em um paraíso de cor que será visitado por todos os cidadãos.

13. 14. Vasa Park, Estocolmo, Suécia, 1947. Erik Glemme. Parc de La Villette, Paris, França, 1982-1996. Bernard Tschumi. O Parc de La Villette (Paris, 1984-1987), obra de Bernard Tschumi, trata de sistematizar estas preocupações e deu lugar a uma estratégia que podia ser ilimitada, e que se explicava didaticamente com os três estratos de definiam o projeto. A superfície verde e plana que se estende por todo o território disponível e que vincula o parque a sua imagem idílica, um pedaço de natureza; as linhas retas que cruzam o parque de um lado a outro e oferecem ao visitante a função mais genuína de todo espaço público: Passear; e, por último, unas follies que, dispostas de forma homogênea pelo parque, tratam de prepará-lo para que possa receber todas aquelas funções que um parque do século XXI deverá suportar. O jardim da metrópole não só aspira a ser de uso público, senão também, um parque útil, resultado da aplicação das considerações ecológicas sobre os espaços livres e da recuperação da agricultura como sistema capaz de ordenar lugares. A publicidade apresentou o Parc da La Villette como o parque do século XXI, e para justificá-lo se fez uso das imagens das follies dispostas a resolver nossas necessidades complexas. Não obstante, podemos dizer que as leituras ecológicas serão muito mais representativas deste novo século. O Parc de Sausset, em um banlieue de Paris é um exemplo brilhante de parque útil construído a partir da recuperação dos sistemas agro-florestais, como sistemas urbanos suscetíveis de empregar-se nos espaços públicos de um novo contexto metropolitano. O parque, desenhado por uma equipe encabeçada por Michel Corajoud, não trata de definir uma imagem final, mas estabelece um processo contínuo de construção do parque. No parque de Sausset a agricultura não é algo alojado na memória romântica do designer, mas o motor do parque que dá lugar a um sistema de bosques metropolitanos, não estabelece a conservação de algum valor natural existente, mas fabrica uma nova natureza. A água não se utiliza como um artifício estético, mas que se converte na resposta aos novos problemas meio-ambientais e dá origem à criação de novos ecossistemas úmidos. A geometria não se utiliza para estabelecer novos elementos arquitetônicos, mas para criar uma nova paisagem10.

9 Balk, J. Th., Eenkruiwagen vol bomen het amsterdamse bos, Stadsdrukkerij van Amsterdam, Amsterdam 1979 10 Ver: Battle, Enric, “De La “banlieu” de Paris a La periferia de Madrid”, em AA VV, La reconquesta d’Europa. Espai public urbá 1980-1999 (catálogo de La exposición homônima), CCCB, Barcelona, 1999.

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15. Parc de Sausset, Villepinte (Paris), França, 1979-1992. Jacques Coulon e Claire e Michel Corajoud. O jardim da metrópole é um sistema “Um parque bem administrado perto de uma grande cidade se converterá sem dúvida em um seu novo centro. A determinação da localização, o tamanho e os limites deveriam estar associados, portanto, com o dever de dispor novos percursos troncais de comunicação entre o parque e as partes afastadas da cidade existente e futura.”11 Frederick Law Olmsted, Public Parks and the Enlargement of towns Os jardins domesticaram a natureza para o ócio, os parques a introduziram nas grandes cidades, os sistemas verdes tratam de organizá-la com a finalidade de conseguir uma melhor ordenação de nossas paisagens urbanas. Os sistemas de parques das cidades compactas do século XIX pretendiam obter uma maior circulação entre as cidades e seus parques públicos. O jardim da metrópole aspira a ser um sistema de espaços exteriores capaz de resolver as disfunções evidentes entre a nova cidade dispersa e seus espaços livres Os sistemas de parques superaram e ampliaram os conceitos de espaço livre desenvolvidos nos primeiros parques públicos e incorporaram em sua definição inicial uma maior integração urbana, uma melhor definição de usos e uma sistematização mais esmerada de todos os elementos e soluções empregados em sua construção. Alguns dos primeiros exemplos de espaços públicos desenvolvidos nas cidades européias e norte-americanas durante o século XIX se converteram na prática de um sistema de parques. É o caso do conjunto de parques de Londres, ainda que nunca se tratasse de um projeto unitário preconcebido. O exemplo de Paris, que foi impulsionado a partir do barão Haussmann de 1853, se converteu em um modelo de organização tipológica de todos os espaços livres de uma cidade e pode ser considerado como um autêntico sistema. O estudo Les Promenades de Paris12 nos mostra o esplêndido e rigoroso trabalho de Jean-Charles Adolphe Alphand na organização dos diferentes espaços públicos do novo Paris, desde as ruas e avenidas, desde os jardins às praças, desde os parques de bairro aos grandes parques da cidade. Neles, sistematizava todos os elementos que os constituíam, desde a rede de esgotos e água pluvial à iluminação, desde os pavimentos ao mobiliário urbano, desde as valas aos monumentos, desde a topografia à vegetação. A transformação de Paris executada entre 1853 e 1870, durante o reinado de Napoleão III e sob a direção do prefeito Georges-Eugène Haussmann, implicou na passagem de uma cidade medieval a uma moderna. O plano foi impulsionado por razões econômicas, humanitárias e políticas: Os grandes bulevares permitiram construir novos edifícios, novos sistemas de transporte, a circulação do ar puro, o estabelecimento dos serviços necessários e o movimento fácil das tropas para controlar as revoltas de um povo descontente. Os resultados, por outro lado, tiveram uma vertente artística: As novas fachadas dos bulevares, a ênfase nas perspectivas barrocas sobre os principais pontos de interesse e o inigualável conjunto de espaços públicos fizeram de Paris uma das cidades mais belas do mundo.

11 Olmsted, Frederick Law, citado em Chadwick, George F., op. Cit. 12 Alphand, Jean-Charles Adolphe, Les Promenades de Paris, I. Rothschild éditeur, Paris, 1867-1873.

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16. Ilustração do livro Les Promenades de Paris (1853-1870) Adolphe Alphand O trabalho de Alphand compreendeu, em um curto período de tempo, a transformação do Bois de Boulogne e do Bois de Vincennes, a construção dos parques Buttes-Chaumont, Montsouris e Monceau, e a reordenação de 24 praças e outros espaços livres, produto dos espaços residuais que o plano de Haussmann havia deixado ao cortar a cidade.

17. Parc de Buttes-Chaumont, Paris, França, Adolphe Alphand Qualificado como um sistema de parques românticos13 ou como o resultado da transformação de uma cidade dura em uma metrópole verde,14 Les Promenades de Paris influenciou durante a segunda metade do século XIX no desenho dos espaços públicos de cidades tão diversas como Berlim, Barcelona, Viena ou Washington. Ainda hoje em dia, o alcance desta operação nos parece fascinante. Uma das maiores contribuições ao planejamento urbano, efetuado desde as experiências de desenho dos espaços públicos, foi o completo sistema de parques da cidade de Boston, realizado por Olmsted a partir de 1877. As informações de Olmsted e Vaux sobre as relações entre os parques e a cidade haviam sido decisivas para a definição desse novo modelo. Havia-se constatado que, tanto o Brooklyn Park, o Central Park como toda uma série de pequenos parques e outros espaços recreativos dispersos pela área metropolitana de Nova York, podiam ser unidos por um sistema de vias – denominadas parkways – com uma largura, uma capacidade e uma qualidade cênica suficientes que expressaram simultaneamente a condição de rua da cidade e de passeio de união entre dois espaços livres.15 Talvez este conceito de sistema de parques seja a melhor contribuição norte-americana ao modelo de parque urbano que se estava desenvolvendo durante o século XIX a partir dos exemplos ingleses, que promoviam parques públicos com limites bem definidos e sem relação entre eles. Os parkways norte-americanos são as ruas que cruzam um parque, ou ruas com muitas aléias de árvores, e podem ser um passeio que bordeja uma paisagem urbana ou uma via panorâmica que atravesse uma paisagem natural. A diferença principal entre um parkway e uma via convencional consiste em que a primeira é desenhada desde sua relação com a paisagem e a segunda desde sua capacidade de resolver o trânsito.16 13 Jellicoe, Geoffrey e Susan, The Landscape of Man: Shaping the Environment from Prehistory to the Present Day, Thames & Hudson, Londres, 1975 (versão espanhol: El paisaje del hombre: la conformación del entorno desde la prehistoria hasta nuestros dias, Editorial Gustavo Gili, Barcelona. 1995). 14 Von Joest, Thomas, “Parigi, metropoli verde? La política di Haussmann” em Mosser, Monique e Teyssot, Georges, L’architettura del giardini d’Occidente, Electa, Milão, 1990. 15 Chadwick, Georges F., op. Cit. 16 Zapatka, Christian, “The American Parkways”, Lotus, nº 56, Milão, 1987

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Em 1868, dez anos depois de ganhar o concurso do Central Park, Olmsted e Vaux – que nessa época estavam construindo o Prospect Park no Brooklyn – propuseram a construção do Eastern Parkway com a finalidade de melhorar a acessibilidade ao bairro e conseguir o prolongamento do parque pelas zonas residenciais mais distantes.17 O Eastern Parkway lembra modelos anteriores, como a Avenida da Imperatriz de Paris, que unia um palácio com um parque no interior da cidade, ou a Unter den Linden de Berlim, que unia um palácio com um parque no exterior da cidade, mas a proposta de Olmsted e Vaux resulta muito mais moderna e democrática, e constitui o embrião dos primeiros sistemas de parques. O sistema de parques de Boston é um dos conjuntos de parques urbanos mais completos dos Estados Unidos. Foi sistematizado por Olmsted em 1887, sob o lema “Park System the Common to Franklin Park” (Sistema de parques desde o Common Park até o Franklin Park”, a partir de varias realizações anteriores e de certas previsões que terminaram em 1902. Também denominado “O parkway de Olmsted” o Emerald Necklace, se compõe de uma sucessão de espaços livres conectados mediante parkways. Estes espaços incluem desde o velho parque do centro da cidade, novos passeios, parques lineares, um arboretum e um grande parque situado na periferia da cidade.18 O projeto não pretende planificar toda a cidade, senão aproveitar o que já existe, recolhe todos os espaços disponíveis e transforma toda uma série de barrancos em parque público que aproveita um pequeno afluente do rio Charles. Este projeto melhora o modelo de parque urbano ensaiado em Nova York por meio de potenciar a continuidade dos percursos através dos diferentes espaços públicos e por conservar os valores ecológicos de determinados lugares. Esta concepção ecológica e social da proposta geral se complementa com uma definição mais ajustada dos usos, que em Arnold Arboretum chegam a ser muito específicos já que baseia sua estrutura na organização científica do parque. A história iniciada pelos paisagistas ingleses, sublimada pelos bosquinhos de “Capability” Brown ou pelos esfumados de Humphry Repton, sistematizada pro Joseph Paxton em Birkenhead Park e transladada aos Estados Unidos graças ao Central Park de Olmsted, chega à essência mais genuína de um novo modelo de espaço urbano no percurso que vai do Common Park ao Franklin Park.

18. Sistema de parques de Boston, Estados Unidos, 1887. Frederick Law Olmsted O exemplo de Boston foi seguido rapidamente pelo resto das grandes cidades norte-americanas que aproveitaram o crescimento para remodelar seus centros, conseguir uma nova imagem e obter um sistema de parques. O plano de Chicago de 1908, de Daniel Burnham e Edward H. Bennett, foi pioneiro ao propor simultaneamente o planejamento metropolitano e um novo sistema de parques urbanos.19 O plano promovia a interação entre os parques existentes e os novos, as reservas naturais e a frente do lago Michigan, que se convertia no centro da cidade e em uma localização extraordinária para um parque urbano.20 O replanejamento do Mall de Washington, realizado em 1901 a partir das informações da comissão Macmillan pela equipe formada por Daniel Burnham, Charles McKim e Frederick Law Olmsted (filho), tratou de completar o projeto de 1791 de Pierre Charles L’Enfant com a melhora da relação com o rio Potomac por meio de umas perspectivas mais trabalhadas e um aumento da escala monumental do conjunto. A proposta inicial estabelecia um mall – um espaço livre – como centro da nova capital do país. A nova tratava de acentuar a grandiosidade da capital conservando as qualidades do Mall como peça central na cidade. O desenvolvimento do plano se completou com a proposta do System Park (1939) que enlaçava o Mall com as margens do Potomac e com o resto dos espaços livres da cidade.

17 Zaátka, Christian, “L’Architettura del paesaggio Americano”, op. cit. 18 Fein, Albert, Frederick Law Olmsted, George Braziller, Nova York, 1972. 19 Chadwick, George F., op. cit. 20 Zapatka, Christian, “L’architettura Del paesaggio americano”, op. Cit.

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19. The Mall, Washington, Estados Unidos, 1901. Daniel Burnham, Charles McKim e Frederico Law Olmsted, filho. O desenvolvimento dos parkways por todo o país prosseguiu até a década de 1930, quando os requerimentos que exigia o automóvel começaram a converter-se no fator principal de projeto. Nos anos prévios a esta transformação transcendental, os parkways norte-americanos permitiam uma relação esplêndida entre as cidades, suas periferias e as paisagens naturais próximas. O System Park de Nova York (1928) se baseia no traçado de numerosos parkways e bulevares que unem diferentes bairros da cidade com as paisagens próximas.21 Parque e estrada eram uma só coisa, de modo que paisagem e vias públicas podiam projetar-se simultaneamente. Tal como se desprende dos exemplos anteriores, não podemos dizer que os sistemas de parques sejam uma idéia atual, mas que se pode afirmar que se trata de uma idéia presente em muitas das propostas de espaços livres dos últimos séculos. A revisão das propostas dos system parks norte-americanos nos faz pensar em conceitos que foram esquecidos ou que creríamos impossíveis dadas as condições atuais de nossas cidades. Os paradigmas que Olmsted desenvolve encaixam perfeitamente com nossas preocupações atuais sobre como tem que ser os espaços livres de nossas metrópoles. A partir destas propostas redescobrimos a possibilidade de pensar a cidade também pode planejar-se desde a paisagem, que as infraestruturas e os espaços livres são os únicos sistemas com continuidade e que poderiam projetar-se de forma simultânea; que os sistemas de espaços livres poderiam servir para resolver algumas problemáticas meio-ambientais e entende-los como sistemas ecológicos vitais. A evolução posterior dos sistemas de parques se pode interpretar desde a busca do equilíbrio ideal entre o espaço construído e o espaço livre. Nesse sentido, encontram respostas muito diversas segundo as quais sejam os objetivos para obter uma melhor relação entre as cidades e seus territórios, desde as diferentes propostas de cidade jardim – que tratam de melhorar a dialética campo-cidade com soluções que pretendem resolver a mescla dos sistemas urbanos e naturais que tinham nascidos autônomos –22 até os projetos de novas cidades que permitem desenvolver os novos assentamentos urbanos segundo modelos teóricos sobre uns territórios ainda virgens. O movimento de cidades jardim formulado por Ebenezer Howard em1898 se desenvolveu de muitas formas, e todas elas perseguiam a escala ideal para as diferentes funções urbanas em um entorno de equilíbrio entre o campo e a cidade. As novas cidades, em especial os projetos para novas capitais, desenvolveram modelos onde o espaço livre organiza o centro da cidade, mas não só para obter o equilíbrio adequado entre o espaço construído e o espaço livre, mas também pela capacidade monumental de um grande vazio no qual se dispõe os edifícios mais emblemáticos. Como antes havia sucedido em Washington, os projetos de cidades como a Delhi imperial, realizado por sir Edwin Lutyens em princípios do século XX, com uns espaços livres que recordam as experiências inglesas do mesmo Lutyens com a paisagista Gertrude Jekyll,23 ou como o plano de Brasília, realizado por Lucio Costa no final de década de 1950 sob a influência de Le Corbusier e com espaços livres projetados por Roberto Burle Marx, estabelecem a organização de umas cidades perfeitas e finitas que organizam uns centros mais pensados para exaltar a glória nacional que para o uso de todos os seus cidadãos. Tanto as cidades jardim como as novas cidades buscavam a organização ideal, a relação adequada entre o vazio e o cheio, mas a complexidade dos processos de urbanização fez com que a cidade tendesse a se estender e a por em prova os diferentes tecidos que a compunham. Como resultado, as cidades jardim perderam seu equilíbrio entre campo e cidade, e as novas cidades transbordaram para suas periferias. A falta de um modelo homogêneo e extensivo que permitisse resolver corretamente o estabelecimento de uma cidade sobre o território havia liquidado os modelos ideais. Ainda assim, é interessante ver como, durante o século XX, o movimento moderno havia tratado de conseguir esta quimera. Nos textos sobre parques e jardins é habitual afirmar que o movimento moderno não deu lugar a um novo modelo de espaço livre, e que a partir daquele momento o jardim encontrou grandes dificuldades para definir sua correspondência com uma arquitetura determinada. Não nos parece suficiente recordar a magnífica contribuição de Roberto Burle Marx, que combinava as pinturas cubistas com os 21 Jellicoe, Geoffrey e Susan, The Landscape of Man: Shaping the Environment from Prehistory to the Present Day, Thames & Hudson, Londres, 1975 (versão espanhol: El paisaje del hombre: la conformación del entorno desde la prehistoria hasta nuestros dias, Editorial Gustavo Gili, Barcelona. 1995). 22 Acebillo, José Antonio e Folch, Ramon, Atles ambiental de l’àrea de Barcelona, Ariel Ciência, Barcelona, 2000 23 Chadwick, George F., op. Cit.

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traçados de seus jardins plantados com a flora autóctone das selvas do Brasil. Tampouco nos satisfaz a utilização habitual de alguns exemplos pontuais que mantinham uma intensa relação com as correntes artísticas do momento. Em seu artigo “E o resto verde”, Elias Torres o explicava da seguinte maneira: “A abstração e o radicalismo do mundo figurativo moderno e o caráter exemplificador e purificador de seus elementos formais em apoio da expressão de uma teoria que não acolhe as formas do mundo vegetal, o que explica o abandono do tema do jardim por parte de qualquer um dos protagonistas desse período da arquitetura. Se a isto somamos a impossibilidade de introduzir a idéia de funcionalidade em um jardim desde a visão maquinista e a defasagem entre o tempo de crescimento dos vegetais e a sucessão febril de experiências plásticas a partir da década de 1910, resulta menos paradoxo que precisamente quando na obra arquitetônica o traçado da planta adquire maior liberdade como geradora da forma, a função do jardim fique relegada a uma presença indefinida e complementária pelo seu valor ambiental e higiênico e, em muitos casos, servirá para reforçar o caráter artificial e abstrato da arquitetura”.24 Mas o movimento moderno realizou um esforço por recolocar todos os parâmetros que intervêm na construção de uma cidade, desde a definição da habitação mínima ideal, às novas fórmulas de arranjos que permitiram uma menor ocupação do terreno; desde a organização dos grupos de habitação para obter melhores condições, à definição de modelos mais racionais para as novas cidades; desde a otimização dos sistemas construtivos, à formulação de novos conceitos que permitiram uma melhor relação dos cidadãos com seu entorno. Nos marcos teóricos, a nova habitação se situava sobre uma natureza ideal não desenhada, e os pilotis sobre os quais descansava o edifício permitia que o verde se passasse por baixo, e que também a cobertura plana oferecia a possibilidade de recuperar este espaço como um lugar útil. As Siedlungen alemãs chegaram a sistematizar todos os elementos necessários para a construção de um bairro, e trataram de encontrar o equilíbrio adequado, entre as edificações e seus espaços livres. A Siedlung Britz (Berlim, 1925-1927) de Bruno Taut é um bom exemplo de adaptação dos princípios do movimento moderno às peculiaridades de um lugar concreto, uma brilhante justaposição de duas idéias diferentes: A necessidade de sistematizar todos os espaços de intervenção na construção da cidade e a possibilidade de valorizar as características naturais das paisagens que utilizamos. As Unités d’Habitation de Le Corbusier podem ser consideradas como uma síntese de toda a produção do mestre suíço,25 tanto desde a perspectiva urbanística como desde a arquitetônica. As Unités d’Habitation, uma proposta de cidade vertical construída sobre um solo previamente desenhado para poder suportá-las, unam as características tipológicas experimentadas por Le Corbusier em sua produção arquitetônica com suas propostas organizativas ideais, desde a Cidade Contemporânea de Três Milhões de Habitantes (1922) à proposta para a Ville Radieuse, desde os Immeubles-Villas (1922) ao Modulor (1942-1946). N o texto intitulado “Urbanisme et La règle dês 7V (Vois de circulation)”,26 Le Corbusier trata de recolher os aspectos mais importantes dessa disciplina. Pode ser considerado um resumo de todo seu pensamento desde que desenvolvera seu primeiro grande projeto urbanístico para a Cidade Contemporânea de Três Milhões de Habitantes, onde se recolhem aspectos como o papel da geografia, suas propostas para o território europeu, a formulação dos “Três estabelecimentos humanos” e a “Regra das sete vias”.

20 Ilustração do texto Le Corbusier “Urbanismo e a regra das 7V, 1948. Esta última foi apresentada em 1948, a pedido da UNESCO, e pretendia ser um modelo ideal de ordenação da cidade; estabelecia uma organização homogênea e adaptável que podia se desenvolver em todas as escalas, desde a local à geográfica. Diferente de seus anteriores modelos, não se apresenta com um desenho preciso,

24 Torres, Elias, “E o resto verde”, Arquitetura Bis, nº 28-29, Barcelona, 1979. 25 Ver: Monteys, Xavier, La gran máquina de Le Corbusier, Ediciones Del Serbal, Barcelona, 1996. 26 Le Corbusier, “Urbanisme et La règle des 7V (Voies de circulation), em Woesinger, Willy, Le Corbusier, Oeuvre complete (vol. 5, 1946-1952), Les Editions d’Architecture, Zurique, 1985, p. 90-94.

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mas como uma regra que poderá ser aplicada sobre territórios diversos. O resultado é a superposição de diferentes redes que dão lugar a um bairro moderno e democrático. A aplicação da “Regra das sete vias” deu origem ao apoio territorial que as Unités d’Habitation necessitavam. Pese a infinidade de propostas de Le Corbusier para muitas cidades do mundo, em muito poucas ocasiões chegou a desenvolvê-las até a fase de realização. Mesmo assim, existe uma cidade que se urbanizou por completo a partir do modelo teórico da “Regra das sete vias”: Chandigard. As características deste projeto e o fato de que realmente se construíra realmente permitem identificá-la com o marco teórico. A isso podemos acrescentar que se tratava de um terreno plano, quase sem acidentes, e que o encargo fora para a fundação de uma nova capital.27 Chandigar recolhe em seu único traçado a homogeneidade urbana das sete vias e a necessidade de estabelecer um centro administrativo. Seu traçado mostra a capacidade da regra de manter a ordem desejada e de adaptar-se à geografia do lugar. A sequência das sete vias nos mostra como se converteriam em pequenos corredores verdes que atravessariam a cidade e que inclusive aproveitariam os acidentes naturais existentes; tal é o caso do riacho que observamos em uma delas. As sete vias de Chandigard conformam um verdadeiro sistema de parques homogêneo, flexível e democrático. Em uma análise superficial dos projetos urbanísticos de Le Corbusier, no geral existe uma idéia de um urbanismo imposto, com muito pouca relação com os elementos preexistentes,28 devido seguramente ao contraste entre o tecido da cidade tradicional e aquele que Le Corbusier propõe de uma maneira sistemática, mas não às características geográficas prévias, que em algumas propostas adquirem um papel relevante. As propostas de Le Corbusier, quer seja com os princípios da Ville Radieuse ou com a “Regra das sete vias”, se opõem à concepção tradicional da cidade, mas não rechaçam nenhum território determinado. Em geral, todos os projetos realizados a partir do modelo da Ville Radieuse podem ser considerados como o desenvolvimento do esquema ideal sobre um território concreto, onde os acidentes geográficos mais significativos – o mar, o rio, as montanhas – acabam determinando a ordenação básica da proposta de cidade. As considerações sobre a mobilidade através dos territórios e a vontade de encontrar modelos que pudessem reduzir a superfície de ocupação das cidades sobre a paisagem deram lugar às propostas mais geográficas de Le Corbusier, como a urbanização do Rio de Janeiro (1929) ou o Plano Obus de Argel (1930), onde os traçados da mobilidade se superpõem com a topografia artificial das Unités d’Habitation, seguem a forma do território e configuram a nova forma da cidade – uma cidade que busca uma nova maneira de ocupar o território que permita liberar a maior quantidade de solo –, dando origem a um novo híbrido que é simultaneamente autopista e habitação, edifício e cidade em um só elemento. A busca de modelos de cidade que estabeleceram uma correta relação com a natureza esteve presente em muitas das propostas urbanas da segunda metade do século XX. A partir das influências do movimento moderno se desenvolveram uma grande quantidade de experiências que tratavam de conseguir uma implantação ótima sobre a paisagem, tanto desde os modelos próximos às Unités d’Habitation como desde as ordenações que recuperavam as cidades jardim. Sobre as generosas paisagens do norte, e com modelos de baixa densidade, encontramos exemplos que, desde marcos diferentes, buscavam a organização perfeita da cidade sobre uma natureza controlada. A cidade de Tapiola, sobre os frondosos bosques finlandeses, é um dos melhores exemplos da cidade na natureza, resultado da aplicação dos princípios do movimento moderno relativo à divisão das funções urbanas – habitação, trabalho, lazer e circulação – em áreas separadas por espaços livres.29 Em 1965, Christopher Alexander publicou um artigo em duas partes intitulado “The city is not a Tree”,30 no qual se colocava em crítica o modelo Tapiola por ser considerado elitista e pouco adequado para os conceitos coletivos da década de 1960, mais próximos de recuperar as complexidades da cidade ou as verdadeiras vantagens do campo. O novo assentamento holandês de Nagele ocupa as terras ganhadas de um novo polder e ordena todas as funções urbanas ao redor de um espaço público central, que também se vincula à exploração agrícola de todo o entorno. A cidade jardim de Brondby, situada na periferia de Copenhague, estabelece uma ordem perfeita e equitativa que fomenta o valor dos interstícios verdes vinculados à natureza contínua que rodeia a cidade. A new town inglesa de Milton Keynes se planejou desde a premissa de que a paisagem e as infraestruturas seriam os elementos unificadores da vida urbana. O projeto conjunto da rede viária e os sistemas de espaços livres estabelecem a estrutura unificadora da cidade que permite todos os tipos de comunicação. A consistência e a qualidade de Milton Keynes se explicam desde a homogeneidade das continuidades destes sistemas e das infraestruturas viárias e de espaços livres.31 Muitas cidades européias desenvolveram planos para intentar dominar sua dimensão metropolitana e incidiam nas relações entre o espaço urbanizado e os espaços livres: Londres com seu famoso Green Belt (cinturão verde) de \Patrick Abercrombie, e Paris com seu esquema de cidades novas. Mas, para reforçar o que estamos tratando de explicar aqui, podem ser de muita utilidade dois exemplos de escala diversa: Estocolmo e Copenhague.

27 Monteys, Xavier, op. Cit. 28 Ibid. 29 AA VV, Tapiola, Espoo City Museum, Jyväskylä, 1992. 30 Alexander, Christopher, “The City is not a Tree. Part I”, Architectural Forum, vol. 122, nº1, abril de 1965, p. 58-62; “The City is not a Tree. Part II”, Architectural Forum, vol. 122, nº 2, maio de 1965, p. 58-62 (versão espanhol: “La ciudad no es un árbol”, Cuadernos Summa, nº 9, Buenos Aires, 1968, p. 29-30). 31 Ver: Walker, Derek, The Architecture and Panning of Milton Keynes, The Architecture Press, Londres, 1982.

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O sistema de parques de Estocolmo trata de conseguir uma harmonia perfeita entre os cidadãos e os espaços livres da cidade. Desde os pequenos parques de bairro, como o Vasa Park, até os parques lineares como o Rälambshovsparken e Norr Mälars-trand, se tratava de vincular a cidade com a paisagem do seu entorno.

21. Sistema de parques de Estocolmo, Suécia, 1936-1953. Erick Glemme. As propostas de Oswald Almqvist, Holger Blom e Erik Glemme propõe uns espaços para a natureza e para a cultura, para uma natureza que exalta os valores da paisagem sueca – bosques e água – e para umas atividades cidadãs de cultura e ócio que podem desenvolver-se nesses lugares. O parque linear de Rälambshovsparken e Norr Mälars-trand (1941-1943), obra de Erik Glemme, é um passeio de mais de quatro quilômetros que começa no terraço neoclássico da magnífica Câmara Municipal da cidade, bordeia o lago Mälaren, enlaça toda uma série de espaços intersticiais cruzados por novas autopistas e estabelece diferentes pontos de contato com a água onipresente em todo o entorno. Este parque linear resolve brilhantemente alguns dos tópicos deste tipo de espaços: Por uma parte, consegue dar continuidade ao percurso com independência do cruzamento de várias infraestruturas; por outra, define uma paisagem constante e homogênea que se conecta bem com as margens da cidade e com a lâmina d’água do lago. O passeio contínuo sobre esta magnífica paisagem natural interior à cidade se complementa com os espaços de uso; quer dizer, com uns lugares concretos desenhados para uso específico. Como em El Vasa Park, Erik Glemme desenhou numerosos pequenos jardins de com identidades próprias, espaços geralmente quadrados e bem limitados que se situam sobre a natureza – prado ou água – para ser utilizados como lugares de estar, jardins de flores, jardins de jogos infantis, embarcadouros, de vistas sobre o lago ou pequenos quiosques para tomar café. Desta maneira, o sistema de parques de Estocolmo conseguia um domínio de todas as escalas: por uma parte, a vinculação com a escala geográfica da paisagem sueca unindo a cidade com seu magnífico entorno; por outro lado, a vinculação à escala individual do cidadão, oferecendo-lhe espaços próximos, íntimos, ajustados a suas necessidades cotidianas. O Finger Plan (1947) para o planejamento do entorno metropolitano de Copenhague estudou o crescimento da cidade sobre as vias de comunicação. Estabelecia umas penetrações urbanas que se fundiam no verde e conseguiam a máxima superfície de constato entre o construído e a natureza. O Store Vejladalen with Kongsholmsparken é um parque linear construído em um dos interstícios de Finger Plan.32

22. Finger Plan, Copenhagen, Dinamarca, 1947. Peter Bredsdorff.

32 Ver: Lund, Annemarie, Danish Landscape Architecture, Arkitektens Forlag, Copenhague, 1997.

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23. Store Vejladalen with Kongsholmsparken, Copenhagen, Dinamarca, 1963-1979. Edith e Ole Norgärd. O projeto de seus bosques, na tradição do paisagista C. Th. Sorensen,33 determina a forma do lugar. Os diferentes círculos – clareiras no bosque, pequenos bosques em clareira, reservatórios de água, colina – se convertem em operações de land art desenhadas desde as considerações florestais, agrícolas e ecológicas. O parque garante todas as continuidades, desde as novas autopistas camufladas no interior do bosque até a iniludível continuidade do riacho que drena este território, passando pelas projetadas continuidades para os cidadãos que visitam ou atravessam esse espaço e pelas continuidades biológicas que tratam de conservar a biodiversidade no interior da metrópole. O jardim da metrópole quer recuperar algo de todas estas soluções, para enfrentar os problemas atuais de nossas cidades. No momento em que promovemos a proteção dos aspectos naturais mais singulares, no qual duvidamos sobre a conservação dos espaços agrícolas tradicionais, ou nos dedicamos a especular sobre o equilíbrio instável entre a cidade e o território próximo que desaparece, se requer sistemas de espaços exteriores capazes de aglutinar as velhas idéias dos sistemas de parque e de novas necessidades que fazemos recair nesses lugares: desde as continuidades que Olmsted explorou no Brooklin ou em Boston, até as que a ecologia nos atesta agora como indispensáveis; desde as estruturas territoriais ideais que Le Corbusier definiu na “Regra das sete vias” e depois mais tarde comprovaria em Chandigard, até os exemplos de sistemas de parques que estão construídos e em funcionamento nas cidades de Estocolmo e Copenhague. Os sistemas estão vivos, e o novo espírito que nos invade todavia lhes dá mais força; cada dia aparecem novas propostas para possíveis sistemas de espaços exteriores, de medida e concepção diversa, mas produto das mesmas preocupações. Desde os sistemas que tratam de estabelecer um modelo de ordenação territorial global que se entende por todo um país como o Ranstad holandês, até os que obtêm um imenso corredor verde do Emscher Park, construído na bacia do Ruhr motivado pela Internationale Bauausstellung (IBA) 99, a partir da reconversão de uma antiga região industrial. Desde as cidade que tratam de compensar o processo de especulação feroz a que estão submetidas, com operações que resolvam simultaneamente seus problemas de infraestrutura e suas necessidades de espaços livres, como o Cinturão Verde de Xangai, às cidades que querem estabelecer estratégias para melhorar sua rede de espaços livres e buscam o equilíbrio entre o crescimento e uma correta relação com o território de seu entorno. O jardim da metrópole é um híbrido “Defendo a riqueza de significados em vez da claridade de significados; a função implícita em vez do que a explica. Prefiro ‘isto e o outro’ a ‘ou este ou o outro’, o branco e o preto, e algumas vezes o cinza, ao preto ou ao branco. Uma arquitetura válida evoca muitos níveis de significados e se centra em muitos pontos: Seu espaço e seus elementos se lêem e funcionam de várias maneiras de uma vez. Mas uma arquitetura da complexidade a contradição tem que servir especialmente ao conjunto; sua verdade deve estar em sua totalidade ou em suas implicações. Deve incorporar a unidade difícil da inclusão em vez da unidade fácil da exclusão. Mais não é menos”.34 Robert Venturi, Complejidad y contradicción em la arquitectura Este novo espaço livre que estamos tratando de definir não responde a um único significado, mas é o resultado de considerações muito diversas. Os jardins voltam a nossas cidades, e com esse regresso recuperamos suas qualidades para uns jardins urbanos que se pode entender de maneiras muito diferentes. Os parques querem ser úteis e de uso público e, para conseguí-lo, recuperamos os valores do mundo agro-florestal para construir parques como bosques ou agriculturas urbanas que são parques públicos. Tratamos de voltar a organizar a forma da cidade desde os sistemas de espaços exteriores e, para fazê-lo, utilizamos as lógicas das grandes infraestruturas que necessitamos, as recomendações da ecologia para conseguir territórios sustentáveis ou a vontade de recuperar os signos geográficos mais destacados de nossas paisagens.

33 Ver: Anderson, Sven-Ingvar, C. Th. Sorensen, Arkitektens Forlag, Copenhague, 1993. 34 Venturi, Robert, Complexity and Contradiction in Architecture, Museum of Modern Art, Nova York, 1966 (versão espanhol: Complejidad y contradicción en arquitectura, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 1974, p. 26).

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São habituais os projetos de parques públicos no interior da cidade ou em sua periferia próxima, situados entre os novos crescimentos e uma paisagem próxima que vai se deteriorando paulatinamente. Muitas vezes, estes projetos servem para acondicionar ou ordenar espaços exteriores das cidades que, por suas qualidades naturais ou paisagísticas, poderiam permitir que se compatibilizassem seu uso como espaços livres e sua conservação como espaços naturais. A definição destes projetos se tem produzido, em geral, desde a utilização de parâmetros tradicionais do espaço público e do jardim, com a intenção de conseguir espaços nos quais se pode estar ou passear. Sem dúvida, esta concepção tradicional dos espaços livres cria cada vez mais controvérsia pela diversidade de demandas que se deve atender. A multiplicidade de usos e a singularidade de situações estão dando lugar a umas cidade cheias de lugares específicos, mal relacionados com seu entorno, isolados do resto da paisagem e que compõe um mundo homogêneo, cheio dos mesmos produtos, inundado pelas mesmas imagens. Frente a esta ubiquidade do não lugar universal,35 redescobrimos as vantagens dos híbridos, dos espaços que atendem simultaneamente diversos requerimentos e que podemos exemplificar como dois modelos bem diferenciados: O dos fenômenos de paisagens polivalentes e o das estruturas complexas. O primeiro nos permite pensar em espaços suficientemente flexíveis para permitir que sua configuração e utilização possam variar com o tempo, mas bastante claros e potentes para impedir a perda de suas característica básicas. O segundo nos aproxima dos artefatos que nascem para integrar atividades específicas, mas que também se definem desde suas possibilidades de uso como espaço livre, desde sua vertebração com a cidade e a compreensão desde a paisagem. Os fenômenos de paisagem polivalente são espaços livres desenhados a partir das características dos processos naturais e agro-florestais que também podem ser utilizados para receber programas complexos. Trata-se de espaços cambiantes pelas características que lhe são próprias, ligadas às variações sazonais e aos ciclos de vida em evolução, mas também porque todo programa complexo é um processo, continuamente cambiante, que tem que se reconhecer como essencial na escala de ordenação territorial. Há que se pensar na oportunidade de eleição e improvisação dos espaços livres: quer dizer, de poder usar os mesmos espaços de maneiras diferentes, incluídas aquelas para as quais não foram explicitamente desenhados.36 As estruturas complexas na paisagem são também fenômenos de paisagens polivalentes que se constroem simultaneamente como edifício e como espaço livre. As arquiteturas como paisagem nos permitem pensar nos híbridos de infraestrutura e paisagem, de arquitetura e parque ou de arquitetura e paisagem, como expressão de que a potenciação da mobilidade territorial não tem por que interferir na conservação da vida,37 e a aceitação de todos os espaços pode ser espaço livre. Nesse contexto, podemos encontrar uma infinidade de intervenções possíveis que, à priori, não se afrontam como espaços livres, mas sim como atividades concretas que requerem sítios concretos e programas detalhados. As soluções habituais destas intervenções se colocam exclusivamente desde a especificidade do tema concreto e renunciando a outras possibilidades. Sem dúvida, em muitos desses projetos podemos encontrar sempre um componente de espaço exterior, de espaço para o ser humano, de espaço que se relaciona com seu entrono, que nos permite a possibilidade de que também adquirem a dimensão de jardins. Explorar as possibilidades desta dimensão converte estes projetos em algo mais que um programa sobre um lugar. Estes “outros jardins” podem apreender dos anteriores o modo de adquirir esta dimensão sem renunciar ao funcionamento correto de programa proposto. Dos jardins, a capacidade para domesticar a natureza e transformá-la, como na agricultura, para novos objetivos. Dos parques – jardins urbanos –, a dimensão de espaço livre, de como se relacionar com a cidade e a paisagem que a rodeia, de como estabelecer percursos que permitam uma correta experiência do conjunto. Dos sistemas – jardins geográficos –, a possibilidade de redescobrir ou inventar novos fenômenos de paisagem que permitam resolver as problemáticas estabelecidas, tornando compatível sua definição como espaços exteriores com a integração de usos complexos. Jardins, parques e sistemas. Jardins urbanos e jardins geográficos. Agricultura, ecologia e arte. Cidade e espaço livre, arquitetura e paisagem. Infraestruturas verdes e espaços da sustentabilidade. Paisagens artificiais ou suportes de paisagens cambiantes. Simples ou complexas, estas paisagens híbridas que iremos visualizando através dos diversos exemplos têm muitos níveis de significado e um só objetivo: Tratar de explicar as características que há de ter o espaço livre de uma cidade que se pretende sustentável.

35 Ver: Virilo, Paul, La Machine de vision, Galilée, Paris, 1992 (versão espanhol: La máquina de La visión, Cátedra, Madrid, 1989). 36 Venturi, Robert, op. Cit. 37 Ver: Moneo, Rafael, “Paradigmas fin de siglo (fragmentación y compacidade em la arquitectura reciente)”, El Croquis, nº 98 (Rafel Moneo 1995-2000), Madri, 1999, p. 198-202.

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A imagem do arvoredo que se apresenta para finalizar este capítulo exemplifica à perfeição os fenômenos de paisagem que podem estabelecer-se sobre um sítio, atendendo a requerimentos tão diversos como a agricultura, a necessidade de resolver problemáticas meio-ambientais ou a vontade de dispor de espaços livres para o ócio.

24. Chopera, Girona, Espanha. Trata-se da evolução de uma imagem, da utilização de um sistema agrícola como jardim da metrópole. Esta arborização é um híbrido de agricultura, ecologia e paisagem, que com este novo espírito que nos seduz valorizamos artisticamente, como na imagem da Devesa de Girona, que serve para encabeçar este percurso na busca do paraíso da metrópole.