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Miradas desde la Historia social y la Historia
intelectual.Amrica Latina en sus culturas: de los procesos
independistas a la globalizacin
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El gaucho tiene quien lo dibuje. Estudo da imagem gaucha e de
suas reapropriaes
a partir das edies ilustradas do Martn Fierro
Ivia Minelli*Priscila Pereira**
Desde a publicao de La vuelta de Martn Fierro em 1879, o poema
de Jos Hernndez tem sido acompanhado de uma srie de ilustraes e
comentrios grficos que tentaram dar um rosto a este famoso
personagem da literatura argentina. Artistas reconhecidos como Juan
Castagnino e Carlos Alonso esto entre os que se dedicaram tarefa de
desenhar ao gaucho hernandiano, e aceitaram o desafio de dar vida
pena extraordinria narrada/cantada por Fierro. De modo geral, estas
edies ilustradas estiveram de acordo com a leitura monumentalizada
do poema, ou, pelo menos, coincidiram no ponto de que deveriam
exaltar ao escrito. Neste sentido, este artigo tem o objetivo de
apresentar uma leitura das ilustraes do Martn Fierro publicadas ao
longo do tempo, particularmente de quatro edies ilustradas
produzidas em momentos distintos da historia nacional. As edies
escolhidas so: a de 1879, desenhada por Carlos Clrice, e
considerada a primeira ilustrao do poema; a de 1960, ilustrada pelo
artista plstico Carlos Alonso e que se diferencia das demais por
causa de seu expressionismo plstico; a de 1962 de Juan Castagnino,
conhecida por ser a mais conhecida ilustrao do Martn Fierro; a de
2004, que ficou sob os cuidados do quadrinista Roberto
Fontanarrosa. A partir da anlise destas imagens, pretende-se
demonstrar que ao redor do espao gauchesco foi construda uma rede
de significados polticos, que remetem a esquemas explicativos da
historia nacional e a disputas pela voz do Outro e pela definio de
seu papel na configurao da nao. Alm disso, possvel ler estes
trabalhos grficos como expresso da permanncia da gauchesca no
interior da cultura argentina, de modo a se criar, atravs de um
espao originalmente literrio, outras instncias de enunciao que
destacam a presena de um tipo de saber que permanece at os dias de
hoje.
* Aluna de mestrado do programa de ps-graduao em Histria da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) na rea de Poltica,
Memria e Cidade, com pesquisa em Histria da Amrica Independente.**
Aluna de doutorado do programa de ps-graduao em Histria da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) na rea de Poltica,
Memria e Cidade, com pesquisa em Histria da Amrica
Independente.
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Por que voltar ao texto hernandiano?
Estudar tantas vezes uma mesma obra, encontrar milhares de
exemplares diferentes em cada livraria visitada ou, ainda, perceber
referncias constantes ao mesmo livro em outros campos da produo
cultural (cinema, msica, novela, jornais, etc.) pode gerar no
leitor um sentimento de esgotamento ou cansao, decorrente da
pergunta: por que voltar a este texto mais uma vez?. Acrescido a
isso, pode-se citar a reiterao e engessamento do relato que as
obras consideradas clssicas costumam padecer, e que resultado do
prprio processo de canonizao e consagrao literrio.
Este parece ser o caso do Martn Fierro, poema escrito pelo
jornalista e poltico Jos Hernndez nos anos 1870 argentinos. Ainda
hoje, no h uma s imagem do gaucho e de seus adereos que no nos faa
lembrar o protagonista hernandiano, situao com a qual contribuem os
inmeros volumes ilustrados que encontramos de El gaucho Martn
Fierro (1872, 1 edio) e de La vuelta de Martn Fierro (1879, 1
edio). Diante dessa constncia que a memria cotidiana argentina
revela, perguntamo-nos: por que continuar a estudar tal obra? Como
podemos nos aproximar de um texto to explorado pelos prprios
argentinos? Enfim, por que seguir falando do poema de Hernndez?
Estas e outras indagaes norteiam os motivos pelos quais
escolhemos abordar neste artigo o tema das ilustraes do Martn
Fierro. Primeiramente, no temos correspondentes no Brasil de uma
narrativa literria to significativa para a consolidao de nossa
memria histrica, assim como no encontramos um livro que perpasse
geraes e una os brasileiros numa perspectiva identitria. lgico que
alguns livros poderiam ser aqui lembrados como referncias ao nosso
passado literrio e como representativos de uma suposta brasilidade,
mas em nenhum deles tal reflexo estaria atrelada sua autoria e
suporte de origem.1
Em segundo lugar, interessante observar que compartilhamos dessa
cultura da ilustrao de clssicos literrios, preenchendo nossas
livrarias com edies de obras como Dom Quixote e A Divina Comdia,
mas no possumos exemplares nacionais com tais caractersticas. No
caso do Brasil, no se sabe se por sorte ou por azar, no houve um
Homero, um Virglio ou um Cames que cantasse em chave pica as
supostas glrias do passado de nosso povo. Neste sentido, o caso
argentino, com a monumentalizao do poema Martn Fierro, seguido de
sua elevao pica nacional2, nos parece curioso.3
preciso dizer tambm que no existem estudos no nosso pas sobre
este tema, e tanto o texto como as ilustraes do Martn Fierro so
pouco conhecidos por l. No obstante, se levarmos em considerao a
fortuna crtica e a importncia histrica desta obra para os
argentinos, pode-se justificar uma aproximao ao poema hernandiano.
Assim, queremos abordar a obra Martn Fierro a partir de suas
ilustraes porque, alm de estas renderem tributo ao mais famoso
poema argentino, elas mostram como so rearticulados os temas
gauchescos para o contexto evocado, imputando narrativa criada por
Hernndez uma condio atemporal e prxima ao mito.
Finalmente, pode-se argumentar que a permanncia de uma obra e
sua consagrao para alm dos seus limites literrios pode indicar a
atualidade de certa tradio, bem como a fora de uma memria coletiva
que se recicla com o passar do tempo. Ora, isso por si s j possui
relevncia e interesse histricos, pois coloca em evidncia as
representaes e imaginrios sociais vigentes numa determinada
sociedade.4 Afinal, e citando talo Calvino, clssico aquilo que
persiste com rumor mesmo onde predomina a atualidade mais
incompatvel.5
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Como ler uma obra ilustrada?
A despeito das discusses sobre a grandeza e valor literrio do
poema de Hernndez o que justificaria a encomenda de uma edio
ilustrada do Martn Fierro -, gostaramos de fazer alguns
apontamentos sobre a relao entre texto e imagem, para tratarmos na
sequencia do histrico das ilustraes. Partindo do pressuposto de que
qualquer edio ilustrada e/ou adaptao literria se constitui como uma
obra autnoma, que no deve ser avaliada em termos de fidelidade ao
original, recusamos qualquer chave de leitura destas imagens
pautada na relao modelo / cpia. No nosso entendimento, nem a obra
literria portadora de um sentido unvoco e monoltico, nem a ilustrao
funciona como a apoteose de um texto, conferindo-lhe um sentido
interpretativo ltimo.
Isso significa dizer que, por mais que as ilustraes do Martn
Fierro possam ser situadas no campo maior da gauchesca, no possvel
reduzir um sistema ao outro. Uma coisa so as discusses relativas ao
campo literrio ao qual o poema se insere; outra, completamente
diferente, so as questes prprias do campo da cultura visual na qual
as imagens esto circunscritas. Em outras palavras, a percepo de que
artes diferentes trabalham o sentido esttico de modo distinto um
conceito primordial para lidarmos com adaptaes, 6 o que se aplica
perfeitamente ao caso das edies ilustradas.
Talvez um caminho interessante seja ver tais ilustraes como um
comentrio obra, uma leitura possvel da mesma. Obviamente, em se
tratando de verses ilustradas de clssicos da literatura, impossvel
no pensarmos nas razes para a criao das mesmas, geralmente feitas
sob encomenda e com o propsito de prestar uma homenagem obra em
questo. Todavia, deve-se pensar tambm que, uma vez realizado o
trabalho ilustrativo, tais imagens adquirem um significado que vai
muito alm do mero sentido ilustrativo que lhes foi atribudo.
Inclusive, a relao entre artes visuais e literatura pode ser
explorada com vistas a se fazer uma histria da recepo da obra, ou,
antes, uma histria da sua fortuna crtica.
Saber ilustrar implica tener conciencia cualitativa del
contenido de la obra que se va a ilustrar. Es decir, para responder
a las partes del poema Martn Fierro tuvo que tener conocimiento de
la lengua del poema y de las experiencias humanas que trata. Tambin
tuvo el ilustrador que encararse con los problemas de interpretacin
y de juicio, y tuvo que pronosticar lo que l podra representar
visualmente con el mrito artstico con que fue escrito el poema. Lo
que dibuje ser el resultado de su seleccin, de su enfoque y de su
tcnica. Y las ilustraciones sern su crtica por apreciacin del
poema.7
Tomando, portanto, estas trs dimenses em considerao (seleo,
enfoque e tcnica) faremos a anlise das quatro ilustraes
selecionadas do Martn Fierro. Seguiremos tambm as pistas presentes
no trabalho da historiadora Paula F. Vermeersch, que realizou um
estudo sobre os desenhos de Sandro Botticelli para A Divina Comdia.
No seu trabalho, a pesquisadora traou o seguinte caminho para
analisar esta produo da renascena italiana: primeiro, fez o
mapeamento iconolgico, comparando os desenhos de Botticelli com
fontes visuais precedentes e contemporneas; em seguida, Vermeersch
desenvolveu um estudo da relao entre as imagens e as fontes
literrias que lhe serviram de inspirao, buscando entender o debate
intelectual da poca.8 Finalmente, para desenvolver esta pesquisa, a
autora se apoiou nos aportes metodolgicos oferecidos pela linha de
investigaes sobre a relao entre texto literrio e imagem, proposta
principalmente pelos intelectuais ligados
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ao Instituto Warburg (...).9
Um ltimo ponto que queramos tocar diz respeito aos cuidados
necessrios para no reduzir a obra ao contexto histrico, nem
tampouco fazer dela um campo absolutamente autnomo e livre de
quaisquer lastros sociais. Como bem lembrado por Zoila Nelken,
deve-se considerar algumas variveis importantes na hora de se
avaliar as questes estticas de uma obra ilustrada, como o caso, por
exemplo, das sadas narrativas encontradas pelo artista para
desenhar determinada cena ou, mesmo, a materialidade do suporte que
receber as imagens. Porm, tambm no se pode fazer vista grossa para
as discusses poltico-sociais que envolveram a criao de uma obra
ilustrada, de modo a se reposicionar a reflexo sobre a
historicidade de suas imagens.
Martn Fierro: a conformao de um debate poltico-esttico
Embora Martn Fierro seja a obra mais ilustrada na Argentina,
sendo este poema evocado como o sinnimo de argentinidade,
importante lembrar que no foi com La vuelta que comeou a tradio de
representar visualmente o gaucho. O poema recupera uma abundante
iconografia gaucha articulada ao longo do sculo XIX nas telas de
Carlos Morel, Carlos Pellegrini, Lon Pallire, entre outros, que j
apresentavam os atributos descritos por Martn Fierro sobre o gaucho
cantor, as payadas e a figura do leitor nas pulperas.10
interessante notar que boa parte destes pintores eram viajantes
franceses que percorriam a regio do Rio da Prata, sendo responsveis
pela criao de um modo de representao de tipos rurais baseada num
olhar orientalista e que bebia de fontes literrias, sobretudo
textos escritos por D. F. Sarmiento e autores da literatura
gauchesca.11
Alm dessas pinturas pertencentes ao gnero pictrico do
costumbrismo rural, houve outras imagens do gaucho que podem ter
servido como fonte de inspirao para o trabalho de Clrice. Este pode
ter sido o caso das gravuras e vinhetas que costumavam acompanhar
os folhetos gauchescos e gauchipolticos de autores como Hidalgo e
del Campo, e que gozavam de bastante popularidade naquela poca.
Neste sentido, fica claro que o ilustrador escolhido por Jos
Hernndez para desenhar cenas de La vuelta de Martn Fierro baseou
seu trabalho numa iconografia j existente, utilizada com o fim de
conferir credibilidade ao relato visual, alcanar aceitao popular e
exaltar ao escrito.12 Contudo, a grande novidade que teria trazido
a primeira ilustrao de Martn Fierro, na defesa do seu prprio autor,
seria uma aproximao indita entre o texto escrito e a ilustrao,13
esta como parte constitutiva do corpo do poema apenas na segunda
parte. As dez gravuras que compem La Vuelta foram encomendadas a
Carlos Clrice, litgrafo, ilustrador e cartunista argentino que
estudou seu ofcio na Frana como discpulo do desenhista Henri Meyer
(1844-1899), sendo este fundador e diretor do peridico argentino El
Mosquito.14 Clrice ficou conhecido nos anos 1870 por suas
contribuies a vrios peridicos satricos, as quais o relacionavam a
tendncias modernas e ilustradas do perodo. Assim, fora considerado
por Hernndez como boa referncia para ilustrar e melhorar a
continuao de Martn Fierro. No prlogo intitulado Cuatro palabras de
conversacin con los lectores, o autor assim apresenta o novo
poema:
Lleva tambin diez ilustraciones incorporadas en el texto, y creo
que en los dominios de la literatura es la primera vez que una obra
sale de las prensas nacionales con esta
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mejora. As se empieza. Las lminas han sido dibujadas y calcadas
en la piedra por D. Carlos Clrice, artista
compatriota que llegar a ser notable en su ramo, porque es jven,
tiene escuela, sentimiento artstico, y amor al trabajo. El grabado
ha sido ejecutado por el Sr. Supot, que posee el arte, nuevo y poco
generalizado todava entre nosotros, de fijar en lminas metlicas lo
que la habilidad del litgrafo ha calcado en la piedra, creando o
imaginando posiciones que interpreten con claridad y sentimiento la
escena descrita en el verso.15
Por terem sido encomendadas pelo autor da obra, Nelken nos chama
a ateno para o didatismo oferecido pelas imagens, uma vez que elas
surgem com o propsito de descrever o poema.16 Essas lminas podem
ser consideradas costumbristas, pois ilustram o gosto, os costumes
e as indumentrias de uma poca e, para Nelken, representam uma
crtica positiva do poema, por suas propostas estarem definidas no
prprio texto.17 Percebe-se que a relao entre imagem e escrita foi
cuidadosamente construda em Martn Fierro, o que nos sugere a busca
de Hernndez pela representatividade popular da sua obra,
reconhecida no seu esforo em rearticular o lugar da memria
gaucha.
Os anos 1870 e 1880 foram marcados pelos resultados do
investimento educacional que o pas conheceu desde 1853,
principalmente atravs de projetos impulsionados por Domingo
Faustino Sarmiento (1811-1888).18 Adolfo Prieto indica que, mais do
que resultados eficientes, ao longo dessas dcadas conformadoras de
uma Argentina moderna19 criou-se uma simpatia pela instituio
escolar e Hernndez, percebendo essa transformao a partir da
apreciao inicial de seu poema,20 reconhecia esse retorno
educacional e apostava no discurso popular e pedaggico como soluo
civilizacional.21 Logo, o recurso imagtico ajudaria na apreciao do
poema, que tinha cada vez maior aceitao entre o pblico popular e
cativava a existncia dos leitores coletivos.
Un libro destinado a despertar la inteligencia y el amor a la
lectura en una poblacin casi primitiva, a servir de provechoso
recreo, despus de las fatigosas tareas, a millares de personas que
jams han ledo, debe ajustarse estrictamente a los usos y costumbres
de esos mismos lectores ().22
Nessa primeira tentativa de identificao com um pblico leitor
mais amplo, as lminas de Martn Fierro no poderiam ser, se no,
costumbristas, sendo que as imagens de Clrice reafirmam o prprio
movimento de homogeneizao do homem argentino desprendido do poema.
E, por conta dessa sobreposio do poema e da ilustrao, abre-se espao
para os deslocamentos posteriores entre a narrativa da imagem e a
do texto, pois ambas as linguagens no apresentam uma descrio exata
do fsico do protagonista, podendo ser ele qualquer homem
interiorano; ambas no fazem uma localizao geogrfica onde a trama se
desenrola, podendo ocorrer ela em qualquer deserto. De imediato, o
que podemos inferir a partir da imagem e do texto que neles existe
uma questo scio-poltica que transcorre num palco de intenso debate
intelectual. Enfim, esses ingredientes sero bastante explorados
pelos ilustradores de Martn Fierro at os dias de hoje.
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Do olhar criollista s perspectivas transgressoras: um balano
sobre as ilustraes do Martn Fierro
Aps o aparecimento desta primeira edio ilustrada do Martn
Fierro, surgiu uma srie de outras interpretaes grficas do mais
famoso poema da literatura argentina. A redescoberta do texto
hernandiano por Lugones e Rojas nos anos 1910, seguido de sua
consagrao como o ponto culminante da produo literria daquele pas,
resultou no ingresso do Martn Fierro no crculo das grandes
editoras, obra para colecionadores e biblifilos. Acompanhando esta
tendncia de maior preocupao grfica com a obra, apareceu uma srie de
edies de luxo do poema, com ilustraes cada vez mais portentosas, e
sob os cuidados de grandes nomes do cenrio artstico argentino.
Nos anos 1930, tivemos trs importantes edies ilustradas do Martn
Fierro: a de Adolfo Bellocq para a Amigos del Arte (1930), a de
Alberto Giraldes para a editora de Nova York Farrar and Rinehard
(1936) e a de Tito Saubidet para a edio de Domingo Viau (1937). De
acordo com Nelken, o trabalho de Giraldes, tal e qual a verso
apresentada por Clrice no final de 1870, traria uma viso bastante
edulcorada do poema, com forte acento edificante e idealizador do
homem do pampa. Com isso, alijou-se completamente o Martn Fierro do
realismo vital to caro Hernndez. Em contrapartida, Bellocq teria
enfatizado precisamente estes elementos realistas presentes no
texto, como a violncia do gaucho e a fora da natureza. Ora, talvez
tais diferenas possam ser explicadas, em parte, pela orientao
intelectual/ ideolgica de cada ilustrador: enquanto Bellocq era
partidrio do anarquismo e integrava o Grupo de Boedo, Giraldes era
filiado ao Grupo de Florida, com tendncias mais
aristocratizantes.
Dos anos 1940, destacamos as ilustraes que ficaram a cargo de
Eleodoro Ergasto Marenco (edio Cultural Argentina, 1949), Maria A.
Ciordia (edio Ciordia y Rodriguez, 1949) e Osvaldo Svanascini
(Ediciones Centurin, 1948). Marenco fez uma interpretao do Martn
Fierro muito prxima a que Saubidet havia feito uma dcada antes,
enfatizando muito mais os motivos histrico-sociolgicos do poema do
que os literrios. J o comentrio grfico de Maria A. Ciordia deu um
enfoque feminino obra, ressaltando o tema materno e a insero das
mulheres no universo gauchesco. Finalmente, a ilustrao de
Svanascini enfatizou o valor universal que o poema poderia ter,
fazendo com que a imagem adquirisse certa autonomia em relao ao
texto. Es otra manera de decir que el poema Martn Fierro vale como
obra de arte aparte de su contenido gaucho.23
Duas dcadas depois, o modo de representao martinferrista sofreu
uma virada em relao a estas correntes mais clssicas de representao
pictrica que prevaleceram at os anos 1950. Em 1960, o artista
plstico argentino Carlos Alonso produziu uma edio do Martn Fierro
de forte expressionismo esttico, desnudando de maneira crua e
violenta o universo do gaucho hernandiano. Sua obra choca pela
voracidade das linhas e espessura dos seus leos, recriando cenrios
com um realismo perturbador e poucas vezes visto na histria das
ilustraes do poema.24
Outra edio que se tornou particularmente conhecida foi a que
Juan Carlos Castagnino (1908 - 1972) fez para a Eudeba em 1962.
Este artista ilustrou nada menos do que a edio mais vendida do
Martn Fierro, motivo que fez com que seu trabalho se tornasse
bastante popular e reconhecido por todos. Assim como Svanascini,
Castagnino imprimiu um tom universalizante ao seu comentrio grfico,
a partir do dilogo com uma tradio da histria
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da arte de corte mais ocidental. Sob a pena deste artista, o
drama vivido por Fierro parece ser o drama de toda a humanidade, o
que foi feito atravs da evocao de imagens com forte carga emotiva e
dramtica. Para Nelken, en la ilustracin de Castagnino lo importante
es el diseo y la emocin que sugiere. Constituye crtica no verbal o
por analoga, porque es tan buen arte pictrico como el poema es arte
literario.25
Nos anos 1970 houve outras edies do Martn Fierro que continuaram
rompendo com o modelo de representao costumbrista anterior26. Mais
recentemente, o quadrinista, escritor e humorista grfico Roberto
Fontanarrosa realizou a verso martinferrista mais atual que se tem
noticia, juntamente com a de Luis Scafari. Neste trabalho de 2004
publicado pelas Ediciones de la Flor, chama a ateno o tom pardico e
o humor sutilmente transgressor, presente, por exemplo, nas setas
com palavras explicativas de termos do jargo gauchesco-nativista,
maneira de um glossrio. Nas ilustraes de Fontanarrosa, ntida a
influncia da esttica dos comics, fazendo do Martn Fierro muito mais
um relato de aventuras do que um texto pico ou de denncia
social.
Enfim, entre 1930 a 2004 Martn Fierro foi desenhado por 19
artistas das mais diversas procedncias e estilos, o que mostra a
importncia e atualidade da obra no cenrio poltico-cultural
argentino. Houve Fierros em estilo realista, feitos em nanquim, em
litografia, em histria em quadrinhos... De qualquer forma, das
leituras mais tradicionais s interpretaes mais transgressoras,
subsiste certa exaltao do escrito, como se todos, a seu modo,
rendessem tributo a este clssico da literatura argentina.
Em suma, podemos seguir a diviso de Juan Sasturain e dizer que
na tradio de desenhar o poema Martn Fierro destacaram-se dois tipos
de aproximao grfica: a primeira, representada por autores como
Clrice, Saubidet, Marenco, e Giraldes, baseia-se num olhar
criollista e bastante tradicional, cujo foco evocar o suposto
sentimento nacional presente no poema atravs de um trabalho
documental e esttico. J a segunda aproximao, presente na leitura de
artistas de esquerda dos anos 1960 e 1970, transformou o poema em
crnica de violncias e injustias sociais, revelando claramente seu
olhar militante e expressionismo comprometido.27
Alguns temas presentes nas edies ilustradas do Martn Fierro
Entendido que as ilustraes no funcionam segundo o esquema
modelo/ cpia e mais bem introduzem um comentrio grfico obra,
iniciaremos a anlise de algumas das imagens presentes nas quatro
edies escolhidas. importante ressaltar que selecionamos nosso
corpus documental levando em considerao temticas em comum e pontos
de divergncia entre as obras de Clrice, Alonso, Castagnino e
Fontanarrosa. Pautamos a anlise iconogrfica em ferramentas advindas
dos campos da histria da arte28 e da nova histria poltica, e nos
baseamos nos critrios de seleo, enfoque e tcnica utilizados por
cada ilustrador. Finalmente, resta-nos dizer que nosso objetivo ao
trabalhar com este material ilustrado foi rastrear a construo de
uma tradio e de uma memria histrica, no necessariamente coincidente
com os debates do campo literrio.
Destacamos trs eixos de explorao de cada ilustrao: qual seria o
foco das imagens, pensando se ele se constitui nos personagens, no
cenrio, nas indumentrias, ou no prprio sentimento que elas evocam;
quais seriam os motivos que levantam, sendo eles
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de valor costumbrista, histrico-sociolgico ou, ainda,
esttico-literrio; e, finalmente, a influncia que o suporte pode
exercer na apresentao dessas imagens.29 Acreditamos que, pelo
menos, uma caracterstica todos os autores deixam entrever nas suas
obras: todas encampam a eterna vigncia de Martn Fierro como
condutor de um espao de debate cujo sentido seja o nacional.
Comecemos com o rosto que cada ilustrador deu ao Martn Fierro.
Sem dvidas, a verso mais conhecida do rosto do gaucho de Hernndez a
de Juan Castagnino (fig. 1). Com fortes traos expressivos e
habilidade no manuseio linear das formas, chama a ateno o realismo
da representao e seu carter monumental, proporcionado pelo close-up
que ocupa uma pgina inteira da edio da Eudeba. No toa, portanto,
que foi esta a imagem que ficou gravada no imaginrio popular como
se na verdade fosse a imagem do protagonista do livro de Hernndez,
o que explica tambm o sucesso desta verso de1962.
Fig. 1 Fig. 2
J o trabalho de Fontanarrosa se diferencia deste pela presena de
traos mais sintticos e cartunizados, o que se deve claramente
esttica dos comics (fig. 2). Porm, tal e qual o Fierro de
Castagnino, tambm o de Fontanarrosa possui uma sobriedade que o
aproxima leitura realista do poema. Para o Martn Fierro, o
humorista grfico rosarino pintou gauchos caricaturescos, mas tambm
os fez parecer tristonhos, caracterstica acentuada devido
ferocidade do retrato do ndio. Em alguns momentos, Fierro saiu com
os ombros cados, os olhos fundidos na tristeza e nostlgico pela
perda de sua prenda e de seu rancho.
Em relao ao Martn Fierro de Carlos Alonso, interessante notar
que seu protagonista aparece despojado de caracteres universais,
sendo apenas um gaucho como outro qualquer. Inclusive, difcil
distingui-lo de outros tipos gauchescos quando o personagem aparece
representado em cenas coletivas. Seu rosto s vezes focado,
denunciando mais o seu sofrimento do que um intento de eterniz-lo.
Ao prescindir dos atributos que converteriam Fierro num ser
excepcional, este artista talvez pretendesse demonstrar o carter
coletivo do drama vivido pelo personagem, que seria o drama dos
setores campesinos representados por ele. Por eso, los dibujos de
Alonso privilegian las escenas de la vida social, laboral y
familiar del gaucho ms que ilustrar los acontecimientos que se
narran en la trama.30
Outro tema caro literatura gauchesca e que apareceu em todas as
edies analisadas diz respeito representao do ndio. sabido que o
mundo do gaucho se estruturou no gnero gauchesco sempre em funo de
seus Outros, por antonomsia. Este outro poderia ser o estrangeiro,
o negro ou o habitante da cidade, embora mais tradicionalmente a
alteridade recaia no elemento indgena.
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Fig. 3 Fig. 4 Fig. 5
Na ilustrao de Clrice (fig. 3) o indgena aparece de costas, em
posio de ataque. Ele ocupa o centro da imagem e mantm a posse da
cautiva, que com gesto suplicante parece implorar ajuda. Toda a
cena est investida de forte dramatismo, e se impe como se se
tratasse de uma foto posada. Em contrapartida, na imagem de
Fontanarrosa (fig. 4), nota-se que o indgena tambm o centro da
cena, mas de outro ponto de vista. Aqui sua apario caricata e
feroz, evidenciada pelos dentes destacados e a expresso medonha, se
d de forma frontal. A cautiva aparece como uma figura totalmente
secundria, tendo parte de seu corpo cortado pelo ilustrador. O
gaucho tambm desenhado na defensiva, e tal e qual na representao de
Clrice, tem uma faca nas mos. interessante notar que, nesta cena de
Fontanarrosa, o enfrentamento com o ndio faz o gaucho se
transformar: ele fica grotesco tambm. Alis, dos ilustradores
estudados, Fontanarrosa o que mais retratou o indgena, que sempre
aparece na sua obra travestido de motivos burlescos: sua
representao irreverente e escrachada.
Em oposio s duas ilustraes anteriores, Alonso focou seu olhar no
duelo a cavalo envolvendo Fierro e o indgena (fig. 5). Toda a cena
baseada na ao e no movimento, sugerido pelos esboos dos corpos e de
elementos do cenrio, clara influncia da narrativa flmica na obra
deste artista plstico. Ao contrrio das representaes de Clrice e
Fontanarrosa, em Alonso o gaucho que est com as boleadeiras. O ndio
porta uma lana e est representado de costas, em posio ameaadora. A
cautiva est com Fierro, o que sugere que o gaucho tem o domnio da
situao. A perspectiva meio area produz distanciamento: como se ns,
leitores, vssemos a cena sem nenhum envolvimento emocional.
Em Castagnino, o ndio no nem feio, nem repugnante. Representado
frontalmente, vemos que ele tem rosto e expresso. A cena toda
construda com elementos dramticos, destacados por uma iconografia
que parece ter origem religiosa. Assim, a cautiva se parece a uma
madona, assim como Fierro parece um Cristo sofrido.
Podemos aventar a hiptese de que a representao do ndio de
costas, presente tanto na lmina de Clrice como na ilustrao de
Alonso, pode sugerir que a barbrie no tem rosto. De qualquer
maneira, com rosto ou no, o fato que os quatro ilustradores
estudados mantiveram importantes topos do gnero gauchesco, em
geral, e do Martin Fierro, de modo particular. No caso da edio
ilustrada feita pelo Negro Fontanarrosa, manteve-se o
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tom de denncia e o lamento. O mesmo pode ser dito em relao ao
trabalho de Alonso e Castagnino: La ferocidad del indio, la
reconcentracin del gaucho, la desolacin de los perros flacos, en
fin, eso que aunque pasen los aos y las mitologas se degraden,
siempre ser parte inherente al espritu de Martn Fierro.31
Outro grupo de imagens que escolhemos trabalhar refere-se s
passagens de Cruz e Fierro nas tolderas, que o nome atribudo ao
conjunto de acampamento indgena presentes nas fronteiras do
territrio nacional. Ao final de La ida, os personagens decidem ir
morar em meio aos selvagens, por desgosto que tinham em relao ao
tratamento recebido do Estado argentino.
Ya veo que somos los dos Astilla del mesmo palo:
Yo paso por gaucho malo Y ust anda del mesmo modo,
Y yo, pa acabarlo todo A los Indios me refalo.
Pido perdn a mi Dios,
Que tantos bienes me hizo; Pero dende que es preciso Que viva
entre los infieles,
Yo ser cruel con los crueles: Ans mi suerte lo quiso.
()All habr sigurid
Ya que aqu no la tenemos, Menos males pasaremos
Y ha de haber grande alegra El da que nos descolguemos
En alguna toldera.32
Carlos Alonso opta por enfatizar a paisagem dessa cena,
mostrando a imposio da noite sobre seus personagens (fig. 6). A
imagem escura, densa e com traos pouco definidos, sem que possamos
distinguir o traado de Cruz e Fierro. O intuito no parece ser de
mostr-los fugidios ou tensos por optarem cruzar as fronteiras da
civilizao, pois a serenidade do cu, repleto de estrelas e com brisa
envolvente, aponta para uma viagem tranquila e espontnea.
Acreditamos haver duas referncias na composio dessa imagem: Carlos
Clrice e Van Gogh. Os traos de Clrice (fig. 7) aparecem na opo pela
perspectiva, que coloca os personagens em primeiro plano e deixa
sugerida, ao fundo, a formao de um pequeno povoado; tambm no est
presente a ideia de embate entre os dois mundos, civilizado e
selvagem, que em breve se encontraro. J os de Van Gogh, aparecem na
prpria escolha dos elementos em destaque. Em A noite estrelada
(1889) ou em Noite estrelada sobre o Rdano (1888), podemos notar
que na forma como se compe o cu as estrelas so imponentes diante
dos demais elementos ele se torna elemento fundamental para a
serenidade transmitida na tela.
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Fig. 6 Fig. 7
Uma diferena notvel na ilustrao de Clrice em relao de Alonso a
clareza com que podemos definir os traos dos personagens e da
paisagem que os circundam. Correspondendo aos propsitos
costumbristas, o foco da imagem Fierro e o soldado Cruz, estando
eles em primeiro plano e bastante caracterizados: so homens sisudos
e imponentes diante dos seus cavalos; o primeiro homem, que se
acredita ser Fierro, leva a indumentria completa dos gauchos, a
bombacha; o soldado Cruz olha para o espectador, retirando qualquer
tenso que pudesse existir na cena acreditamos que esta foi uma
forma encontrada por Clrice para construir uma identificao do
leitor com aquela situao narrada, a qual representa as adversidades
enfrentadas pelos gauchos. Ao fundo, os indgenas, j no to bem
delineados como Cruz e Fierro, so serenos e no carregam armas, numa
aparente movimentao acolhedora diante dos viajantes. Podemos dizer
que a prpria simplicidade do trao de Clrice, tpico das impresses
periodistas do perodo, conduz nossa ateno cena narrada, muito mais
do que forma como ela est representada, sem qualquer
dramaticidade.
J na imagem de Juan Carlos Castagnino sobre o cruzamento da
fronteira (fig. 8), a representao da cena se d de forma
fragmentada. O personagem central aparece isolado no corpo do poema
e a dramaticidade da imagem se d atravs de sua vestimenta, de sua
expresso fsica e da fora que o trao empregado pelo ilustrador
sugere. A cena se completa na pgina seguinte, quando a paisagem
natural aparece sintetizada por um nico animal: um gigantesco
abutre. E assim se encerra La ida, com a perspectiva de um deserto
tenebroso. A proposta de Castagnino construir na figura de Fierro
um mrtir e, para isso, dispe a indumentria gaucha em seu personagem
de modo a parecer que ele est coberto por um manto e, da mesma
forma, significa na vincha a coroa de Cristo. Os braos cruzados
levados ao peito e o olhar cabisbaixo representam o sofrimento de
um homem resignado que deve cumprir seu destino. interessante notar
que essa representao de Castagnino corresponde a uma narrativa
interna s suas prprias obras. Desde 1952, o artista desenvolveu uma
srie de trabalhos intitulados Testimonios, que retrata o sofrimento
dos envolvidos em conflitos sociais ao longo da histria argentina.
Em 1965, logo aps a sua verso ilustrativa de Martn Fierro,
Castagnino lana um novo quadro dessa srie, no qual consolida sua
representao de Cristo como o espelho dos mrtires ao deixar frente a
frente Cristo crucificado e prisioneiro.
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Fig. 8
Por fim, valendo-se de uma linguagem prpria dos quadrinhos, a
imagem de Roberto Fontanarrosa desnuda a tranquilidade com que tal
relao entre ndios e gauchos fora apresentada em algumas ilustraes.
A violncia, representada nas lanas indgenas que preenchem
hostilmente toda a cena, colocam Fierro e Cruz como refns,
ironizando a prpria expectativa do poema sobre estar entre os
indgenas: menos males pasaremos. Atravs do recurso da elipse
narrativa os ndios no aparecem, mas apenas suas armas , cria-se uma
tenso narrativa, expressa tambm na feio dos personagens.
Consideraes finais
No trabalho com a obra de Jos Hernndez, ou melhor, com as verses
que as ilustraes de Martn Fierro acabam nos proporcionando,
interessante observar que no se trata, apenas, de um poema bastante
reconhecido ou canonizado pela cultura argentina: um texto que
ganhou ares atemporais e serve como base argumentativa para
diferentes discursos que o invocam. Por ser to enraizado na memria
coletiva do pas, ilustrar Martn Fierro parece ser uma honra, um
pice artstico ou uma oportunidade. Fontanarrosa, por exemplo, que
construiu um arsenal crtico em relao tradio gaucha na figura de
Inodoro Pereyra, foi coroado ao final de sua vida com o convite
para ilustrar a famosa obra.
As imagens que aqui apresentamos demonstram que voltar ao drama
cotidiano de Fierro implica no reconhecimento de um lugar seguro
para suas narrativas imagticas, que carregam preocupaes tanto
histrico-sociais quanto estticas. Esse aparente saber gauchesco,
que paira como algo natural entre o discurso poltico-cultural
argentino, legam obra Martn Fierro uma caracterstica de suporte, do
qual se desprende uma autoridade
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discursiva. Assim, as narrativas da imagem e a do texto andam em
paralelo, mas sem uma necessria equivalncia por parte das
ilustraes.
Notas1 Casa Grande & Senzala (que no um texto literrio, mas
creditado muitas vezes como tal), Iracema, Os
Sertes, O Guarani, entre outras, so obras que remetem a um
debate bastante localizado que no reverbera na boca do povo. Se
ouvimos algo como unio das raas, da docilidade indgena, ou ainda do
caipira/sertanejo, h uma meno velada a essas obras, sendo a sua
origem desapropriada, tornando-se senso comum.
2 A monumentalizao do Martn Fierro, assim como sua reivindicao
como poema pico nacional, foi fruto das discusses que desencadearam
o chamado Primeiro Nacionalismo ou Nacionalismo Cultural, movimento
poltico-intelectual ocorrido na poca do Centenrio argentino. Este
movimento foi responsvel pela inveno da nao e do ser argentino, a
partir da reivindicao do interior como depositrio da tradio e do
gaucho como seu legtimo representante. Isso num contexto no qual se
temiam os supostos perigos encarnados na figura do gringo, e a
ameaa de dissoluo social representada pelo trip modernizao,
secularizao e imigrao. Ver: ALTAMIRANO, Carlos e SARLO, Beatriz.
Ensayos argentinos. De Sarmiento a la vanguardia. Buenos Aires:
Ariel, 1997.
3 preciso ressaltar que o nmero de adaptaes de obras literrias
brasileiras para outras linguagens, sobretudo quadrinhos, cresceu
muito nos ltimos anos, com o fim de atender a uma demanda oriunda
principalmente do campo educacional. Assim, surgiram narrativas
desenhadas de livros como O Alienista, O Guarani e Triste fim de
Policarpo Quaresma. Porm, o que estamos destacando a ausncia no
Brasil de uma narrativa pica ou proveniente da epopeia que goze de
certa unanimidade nacional e reconhecimento enquanto tal.
4 BACZKO, Bronislaw. Los imaginarios sociales Memorias y
esperanzas colectivas. Buenos Aires, Nueva Visin, 1991.
5 CALVINO, talo. Por que ler os clssicos? So Paulo: Cia das
Letras, 1993, p. 15.6 ZENI, Lielson. Literatura em quadrinhos in
Waldomiro Vergueiro e Paulo Ramos (orgs.). Quadrinhos na
educao: da rejeio prtica. So Paulo: Contexto, 2009, p. 132.7
NELKEN, Zoila E. Las ilustraciones del Martn Fierro como crtica
literaria. Hispania, Vol. 53, n 01,
maro1970, pp. 98-102.8 VERMEERSCH, Paula. Consideraes sobre os
desenhos de Sandro Botticelli para a Divina Comdia. --
Campinas, tese de doutorado: [s.n.], 2008. 9 Ibidem. Segunda a
autora, Essa escola preconizava o estudo sistemtico do mundo
imagtico renascentista
como ndice dos debates polticos, intelectuais e mesmo econmicos,
no apenas num estudo formalista das obras de arte, o que torna a
abordagem proposta por este escola algo bastante interessante para
historiadores que no pertenam ao campo da Histria da Arte.
10 RIVERA, Jorge B. Ingreso, difusin e instalacin modelar del
Martn Fierro en el contexto de la cultura argentina. In: ELOIS,
lida; NUEZ, ngel. (Coord.). Martn Fierro / Jos Hernndez. Edicin
crtica. Barcelona: ALLCA XX, 2001, p. 552.
11 AMIGO, Roberto. Beduinos en la Pampa. Apuntes sobre la imagen
del gaucho y el orientalismo de los pintores franceses. En
publicacin: Historia y Sociedad. no. 13. Universidad Nacional de
Colombia, Facultad de Ciencias Humanas y Econmicas. Medelln.
2007.
12 Da mesma forma, a prpria frmula potica hablar como l habl,
que marca o incio do gnero gauchesco com Juan Baltazar Maciel, em
1777 o qual, no final do sculo XVIII, conseguia criar a
sensibilidade de transmitir atravs do texto uma voz , tambm
resgatada por Hernndez, com a finalidade de desvincular-se do
debate letrado que o gnero teria se concentrado em seus
desdobramentos. O que podemos identificar nessa articulao de
Hernndez, diante do j tradicional espao gauchesco oitocentista, o
apelo a uma memria literria e artstica, que se justifica pelo
prprio contexto em que a obra foi escrita. Ver: SCHWARTZMAN, Julio.
El gaucho letrado. In: LOIS, lida; NUEZ, ngel (coord.). Martn
Fierro. Edicin Crtica. Madrid:
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ALLCA XX, 2001.13 RIVERA, J. B. Op. Cit. p. 14
http://www.mav.cl/expo/martin_fierro/Clrice_comenta.htm (disponvel
em 11 de Maio). Vale ressaltar que
poucas so as fontes biogrficas disponveis sobre Carlos Clrice.15
HERNNDEZ, Jos. La vuelta de Martn Fierro. In: LOIS, .; NUEZ, .
(coord.). Op. Cit. P. 261.16 NELKEN, Z. E. Op. Cit. P. 98.17
Idem.18 PRIETO, Adolfo. El discurso criollista em la formacin de la
argentina moderna. Bunos Aires: Siglo XXI
Editores, 2006, p. 27. Sarmiento teve uma longa carreira pblica
na Argentina, sendo Governador de sua provncia natal nos anos 1860,
assim como embaixador nos Estados Unidos e presidente argentino
entre 1868 e 1874.
19 Referenciando o moderno como momento de consolidao do Estado
Nacional, assim como de sua cultura nacional.
20 At 1878, a obra El gaucho Martn Fierro conheceu 10 edies, um
nmero indito para o perodo.21 PRIETO, P. 32.22 HERNNDEZ, Jos. La
vuelta de Martn Fierro. In: LOIS, E.; NUEZ, . (coord.). Op. Cit. P.
261-262.23 NELKEN, Z. E. Op. Cit. p. 101.24 Carlos Alonso (1929 -)
um gravador, pintor e desenhista argentino, particularmente
conhecido pelo
seu compromisso poltico atrelado atividade artstica. Ele fez
parte de um movimento chamado Nuevo Realismo, que surgiu quando
alguns integrantes do Grupo de Boedo passaram a preconizar uma arte
de contedo poltico e social, preocupada com o registro das partes
feias da sociedade e de suas mazelas sociais. Entre as obras que
ilustrou esto Dom Quixote, A Divina Comdia, El Matadero, alm de
textos de Borges, Neruda e Vias. Pode-se dizer que sua arte deriva
rapidamente em direo a formas cada vez mais livres e expressivas
simultaneidade da imagem, ruptura do plano, uso da narrativa
flmica, do comic, do pop. Cf: BERLANGA, Angel. Pinta tu aldea.
Disponvel em: www.boletinargentino.com (2008). Acesso em
10/01/2011. Ver tambm: Carlos Alonso, (auto) biografa en imgenes,
Buenos Aires: RO Ediciones, 2003.
25 NELKEN, Z. E. Op. Cit. p. 102. 26 Este foi o caso dos
trabalhos grficos de Di Toto, Roberto Gonzlez e Norberto Onofrio.27
SASTURAIN, Juan. Este gaucho est dibujado. Pgina 12, Domingo, 28 de
octubre de 2007. Disponvel
em:
http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/radar/9-4230-2007-10-28.html28
Nossa base terica adveio, sobretudo, dos estudos de cultura visual
e de alguns aportes oferecidos pela
Escola de Warburg via estudos de iconologia. Longe de
postularmos uma autonomia do campo da histria da arte, acreditamos
que objetos artsticos sofrem mediaes scio-culturais e se relacionam
com o seu contexto de produo. Cf: GINZBURG, Carlo. De A. Warburg a
E. H. Gombrich: Notas sobre um problema de mtodo Mitos, Emblemas,
Sinais: morfologia e histria. So Paulo: Cia das Letras, 1989.
29 Em 2004, Ediciones de la Flor lanou uma edio ilustrada do
Martn Fierro, com 25 desenhos em branco e preto de Roberto
Fontanarrosa. As ilustraes foram coloridas posteriormente por Pablo
Cosgaya; Juan C. Castagnino foi convidado para ilustrar a obra pela
Editora Universitaria de Buenos Aires, em 1962, que chegou a vender
mais de 250 mil exemplares em quatro edies (entre formatos de luxo
e populares). As ilustraes foram realizada pelo artista em tinta
sobre papel, tambm no colorida; em 1960, Carlos Alonso ilustra 2
edies de Martn Fierro: ambas saem pela editora Emec com 67
desenhos, sendo que apenas 150 dos 2 mil exemplares retirados
naquele ano levam 13 litografias; por fim, como incio da tradio
ilustrativa da obra de Jos Hernndez, Carlos Clrice apresentou 10
litografias junto ao poema em 1879, editado pela Librera del
Plata.
30 SLATTA, Sylvia. El Martn Fierro de Carlos Alonso in GUEDICCI,
Alberto. Carlos Alonso ilustrador. Buenos Aires: Editorial Fundacin
Aln, 2007, p. 47. Ressaltemos que o tema rosto do Martn Fierro em
plano close-up no aparece no trabalho de Carlos Clrice.
31 ZEIGER, Claudio. El gaucho ilustrado in Pgina/12, 30/05/2004,
p. 3.32 HERNNDEZ, Jos. El gaucho Martn Fierro. In: LOIS, E.; NUEZ,
. (coord.). Op. Cit. P. 197; 200.