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EDUCAO POPULAR E SAUDE TRAJETRIA, EXPRESSES E DESAFIOS DE UM
MOVIMENTO SOCIAL
Critical Pedagogy and Health: history, expressions and
challenges of a Brazilian social
movement.
Eduardo Navarro Stotz*
Helena Maria Scherlowski Leal David**
Julio Alberto Wong Un***
Resumo
O presente artigo tem por objetivo apresentar uma viso de
conjunto da Educao Popular e
Sade, perspectiva que anima um amplo movimento de profissionais,
tcnicos e
pesquisadores e de militantes e ativistas atuantes na rea da
sade desde 1991. Discute a
caracterizao do movimento social assim conformado por estes
atores, procurando
entender o processo histrico de seu surgimento. Descreve as
expresses deste movimento
nos congressos de Sade Coletiva, nas propostas dos ncleos
universitrios, nas polticas
municipais de sade e nas reflexes cientficas de cunho acadmico.
Identifica a influncia
difusa exercida no sistema de sade e levanta a questo sobre
quais as razes de um
movimento social to amplo e com razovel acumulao de experincias
tem encontrado
tanta dificuldade em generaliz-las politicamente.
Palavras-chave: Sade Pblica; Educao em Sade; SUS(BR);
Sociologia
Abstract
This revision paper aims to present a global vision of the
Critical Pedagogy on Health
approach - known as "Popular Health Education " in Brazil, which
inspires a extensive
* Escola Nacional de Sade Pblica/Fiocruz, pesquisador, doutor em
Cincias da Sade. Endereo: Praia de Botafogo, 114/503 CEP 22250-040
Rio de Janeiro - R.J. ** Faculdade de Enfermagem da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, professora adjunta, doutora em Cincias da
Sade. *** Coordenao de Preveno e Vigilncia/Instituto Nacional do
Cncer, pesquisador, doutor em Cincias da Sade.
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movement of researchers, professionals, health workers and
activists working in the
Brazilian health sector since 1991. It discusses the
characterization and definition of the
social movement shaped by the aforementioned actors, in order to
understand its historical
process of birth and development. It describes this movement's
expressions in the
Collective Health Congresses and Meetings, inside Brazilian
universities, in the municipal
health policies and in scientific and academic thought and
production. It identifies the
diffuse influence on the Healthcare System and discusses why
such an important social
movement, with a significant accumulation of experiences and
practices has encountered so
many obstacles to expand politically. Key Words: Public Health.;
Health Education; SUS(BR); Sociology
Introduo
A caracterizao da Educao Popular e Sade como proposta de um
movimento
social foi cunhada por Eymard Vasconcelos numa interveno pblica
no Congresso de
Sade Coletiva da Associao Brasileira de Ps-Graduao em Sade
Coletiva
(ABRASCO) realizado em Salvador, em julho-agosto de 2000,
retomada depois em
publicaes (VASCONCELOS, 2001a, 2001b). Sistematizar os passos
dados tem sido,
alis, trao marcante do movimento composto, em sua maioria, de
profissionais, tcnicos e
professores/pesquisadores da rea da sade, com a participao de
ativistas e militantes de
movimentos sociais e organizaes no-governamentais. A recusa em
teorizar fora do
contexto da ao fonte de aproximao da vida social, em especial
daqueles grupos
sociais mais oprimidos. Como sabemos, tambm acarreta limitaes e
impe desafios
quando almeja generalizar-se. Esta a inquietao que explicitamos
ao leitor para que, aps
percorrer conosco a apresentao deste movimento e de suas
contribuies, possamos
retom-la em nossas consideraes finais.
De que movimento social estamos falando?
Esse jeito de pensar e de fazer sade pautado na experincia
favorece uma forma de
expanso e de crescimento que exerce grande fascnio sobre quem se
depara, como o caso
dos profissionais de sade, com as limitaes do tecnicismo da
formao e da orientao
normativa da ao face complexidade da vida. Esta rigidez tanto
mais sentida quando se
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considera a contradio entre a experincia do sofrimento e a falta
de resolubilidade dos
servios de sade. Tal situao gera um permanente descontentamento
capaz de mobilizar
os profissionais no sentido de tentar outros caminhos e buscar
outras solues. Esta , sem
dvida, uma das razes mais fortes para a emergncia do movimento
da Educao Popular
e Sade, de sua ampliao e de seu fortalecimento como um movimento
social (RIOS,
1987).
VASCONCELOS (2001b, p.16) assim formulou este processo: Pode-se
afirmar que grande parte das experincias de Educao Popular em Sade
esto voltadas para a superao do fosso cultural existente entre os
servios de sade, as organizaes no-governamentais, o saber mdico e
mesmo as entidades representativas dos movimentos sociais, de um
lado e, de outro lado, a dinmica de adoecimento e de cura do mundo
popular.
A capacidade de movimentos sociais como a EP&S em superar
contradies desta
natureza uma questo discutida mais adiante. Por ora podemos
endossar o ponto de vista
de que, para promover mudanas, no todo ou em parte, em certas
instituies sociais, os
movimentos sociais precisam dar conta de proposies ou de normas
adequadas ao
sistema de valores de que so porta-vozes (BOUDON ; BOURRICAUD,
1993, p.376-77).
Isto coloca em pauta tanto a forma de organizao e o grau de
coeso interno, como traz
tona o problema, geralmente relativizado ou mesmo ignorado, das
caractersticas e das
alianas subjacentes base social dos movimentos.
Pode-se afirmar que a existncia de um fosso cultural entre os
servios de sade e a
populao foi percebida nas primeiras iniciativas de educao
popular em sade, tal como
se organizaram nas periferias das metrpoles e das cidades do
interior, entre os anos 1975 e
1985. Essas experincias foram sistematizadas em encontros
populares e vieram a compor
o iderio do que se convencionou chamar de movimento da Reforma
Sanitria. (STOTZ,
2005). Contudo, em que pese o acolhimento dessas contribuies na
VIII Conferncia
Nacional de Sade ocorrida em 1986, o modelo biomdico que est na
base do processo de
separao cultural entre servios de sade e populao continuou
intocado, pois a poltica
de sade desde ento implementada manteve este modelo como
pressuposto da ateno da
sade.
No campo da Sade Coletiva, o tema tratado como um dos aspectos
do modelo de
ateno da sade da populao. O papel da poltica de sade na manuteno
e reproduo
da biomedicina poderia ser visto como uma conseqncia da nfase
dada aos problemas de
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financiamento e de gesto em detrimento da mudana do modelo de
ateno do Sistema
nico de Sade. Entretanto, com a implantao do Programa Sade da
Famlia teriam
ocorrido os avanos quanto ao modelo assistencial, principalmente
com o chamado modelo
tcnico-assistencial da vida (acolhimento, vnculo, contrato)
incorporado proposta mais
abrangente da Vigilncia da Sade (TEIXEIRA, 2005). Apesar destes
avanos, no se
observa na literatura uma retomada da crtica hegemonia da
biomedicina feita por Maria
Andra Loyola, em 1984, que destacava o comprometimento da
medicina cientfica ou
biomedicina com a ordem social fundada no capitalismo: Imbudo de
uma ideologia que tem por funo mascarar as relaes de classe que ela
encobre, o mdico atua no sentido de preservar o monoplio de seu
saber e autoridade indiscutida que a sociedade lhe outorga para
dispor da doena, at mesmo do corpo e das sensaes de seu cliente. E
sua atitude to mais autoritria quanto mais baixa a classe social do
doente que, pela distncia scio-lingustica e dos hbitos mentais que
o separa do mdico, encontra-se incapacitado de contra-argumentar
com ele, isto , de impor seu prprio discurso ao discurso forte e
definitivo do mdico (LOYOLA, 1984, p.228).
Na leitura que Maria Andra Loyola faz da obra de Luc Boltanski,
Les Usages
Sociaux du Corps, publicada em Paris em 1970 (BOLTANSKI, 1989),
verifica-se que a
medicina cientfica produz constantemente o distanciamento e a
ruptura com o saber
comum e o saber das outras medicinas que lhe fazem concorrncia,
disputando o
monoplio legtimo do cuidado mdico.
Alguns trabalhos (SILVA JUNIOR, 1998; FAVORETO; CAMARGO
JUNIOR,
2002) e a linha de pesquisa sobre racionalidades mdicas
desenvolvida sob coordenao de
Madel Therezinha Luz, no Instituto de Medicina Social da UERJ,
constituem uma exceo.
A relativizao e posterior abandono, pela maioria dos
pesquisadores, dos pressupostos
crticos da Sade Coletiva, tal como indicada acima, tm razes
polticas. A nossa Reforma
Sanitria, diferentemente da italiana, no se organizou a partir
das classes trabalhadoras,
ainda que fosse proposta em seu nome. Os articuladores do
movimento sanitarista
priorizaram de modo absoluto a ocupao dos assim chamados espaos
pblicos,
separando-se do movimento popular que estava na origem de todo o
processo (ESCOREL,
1995). As razes deste processo so polticas, esto vinculadas aos
compromissos firmados
a partir da aceitao da eleio indireta para o primeiro governo
civil (1985), expresso da
democratizao pactuada pelo alto entre os militares que ento
deixavam o poder e os
polticos que at aquele momento haviam, em sua maioria absoluta,
sustentado esse poder.
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Uma vez escolhido este caminho, as tentativas de avanar a
reforma setorial acabaram se
dobrando s imposies das alianas polticas que sustentavam as
instituies estatais,
principalmente o Ministrio da Sade. No apenas a urgncia de
enfrentar o problema do
financiamento e da gesto para viabilizar a construo e consolidao
do Sistema nico de
Sade tornou-se permanente, mas toda lgica do sistema passou a
orientar-se pela oferta de
servios que reafirmou o primado da medicina cientfica.
As dificuldades em implementar o SUS num contexto poltico
neoliberal tornaram
ainda mais difcil a crtica identidade de pressupostos entre a
poltica de sade e a
biomedicina. Gerou-se uma atitude coletiva em defesa do SUS que
acabou por engendrar
uma sorte de susismo, do qual no ficou imune sequer o ambiente
da pesquisa cientfica,
pois a prpria agenda de pesquisa acabou por incorporar as
prioridades da poltica pblica
de sade.
nesta conjuntura histrica que emerge o movimento social
denominado Educao
Popular e Sade (EP&S). O movimento organizou-se na Articulao
Nacional de Educao
Popular em Sade, criada em 1991 no I Encontro Nacional de Educao
Popular em Sade,
realizado em So Paulo. Durante quase uma dcada funcionou como
uma frgil mas
persistente relao direta e informal entre profissionais de sade,
pesquisadores e algumas
lideranas de movimentos sociais para a troca de idias e
apoio.
Em 1998, a Articulao passa a denominar-se Rede de Educao Popular
e Sade.
Dela participam aqueles que acreditam na centralidade da Educao
Popular como
estratgia de construo de uma sociedade mais saudvel e
participativa, bem como de um
sistema de sade mais democrtico e adequado s condies de vida da
populao. (REDE
DE EDUCAO POPULAR E SADE, 2005).
A unidade de propsitos dos participantes do movimento consiste
em trazer, para a
campo da sade, a contribuio do pensamento freiriano, expressa
numa pedagogia e
concepo de mundo centrada no dilogo, na problematizao e na ao
comum entre
profissionais e populao. importante ressaltar, na identidade do
pensamento de Paulo
Freire e a dos participantes do movimento de educao popular e
sade, a convergncia de
ideologias aparentemente dspares, quais sejam, o cristianismo, o
humanismo e socialismo.
A trajetria do movimento de EP&S no esteve isenta de
conflitos e de dificuldades
de relacionamento com os movimentos sociais que, a exemplo do
Movimento Popular de
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Sade (MOPS), reivindicam para si tambm a herana da educao
popular em sade.
importante assinalar, neste sentido, a experincia originria nos
movimentos sociais durante
a poca da luta contra o regime militar que entre 1979 e 1981,
logrou organizar Encontros
Nacionais de Experincias em Medicina Comunitria. desta
experincia, alis, que
nasceu e se desenvolveu o MOPS que jamais conseguiu reunir em
torno de si as vertentes
da educao popular em sade (STOTZ, 2005). Apenas com a abertura
do governo Lula,
principalmente no Ministrio da Sade, participao dos movimentos
sociais se conseguiu
construir uma proposta de atuao comum. Isto aconteceu na criao
da Articulao
Nacional de Movimentos e Prticas de Educao Popular e Sade
(ANEPS) em 5 e 6 de
dezembro de 2003.1 A ANEPS aponta, pela primeira vez desde a
tentativa dos ENEMECS,
a possibilidade de que movimentos e prticas locais possam
adquirir voz e reconhecimento
pblicos, que venham a ser apoiados como elementos fundamentais
para a prpria
renovao da poltica de sade e das prticas do SUS (STOTZ,
2004).
A estrutura e mtodos da Rede de Educao Popular e Sade
A estrutura da Rede extremamente simples: uma coordenao
escolhida entre os
pares reunidos em oficinas realizadas no mbito de congressos e
outros eventos cientficos
e tcnicos da rea da sade, operando por meio da comunicao
eletrnica (lista de
discusso) e comunicando-se com o pblico mais amplo por meio de
boletins e da pgina
na internet. Contudo mais do que uma rede virtual, uma vez que
se apia sobre redes
sociais estruturadas em ncleos universitrios, centros de
pesquisa ou setores tcnicos de
secretarias de sade progressistas. O sucesso da rede depende em
parte dessas redes
subjacentes, em parte da liderana desses ncleos, do carisma de
alguns de seus nomes
mais proeminentes e da convico da originalidade radical da
proposta da educao
popular. Lembre-se aqui a advertncia de Boudon e Bourricaud
(1993) a respeito das
interpretaes unilaterais: a anlise de um movimento deve
considerar as diversas
motivaes dos seus participantes, sejam mais idealistas,
utilitaristas ou romnticos.
Relaes em rede na educao popular em sade
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As dinmicas da Rede de Educao Popular em Sade e, parcialmente,
as da
ANEPS, correspondem ao que tem sido descrito como a Sociedade em
Rede, onde os
fluxos de informao e os contatos fludos so caractersticas
marcantes. Estas novas
formas de convvio social e de organizao e articulao coletiva
devem ser entendidas
como produto de desenvolvimentos e mudanas recentes. Nos anos 70
e 80 surgiram os
denominados novos movimentos sociais (mulher, ndio, moradia,
sade) que ampliaram
as agendas e estratgias de luta pelo bem-estar, incorporando o
cotidiano, a cultura, o
subjetivo e as emoes embora de forma variada e desigual.
A sociedade em rede aproxima-se, no plano das idias, das
transformaes
identificadas na estrutura do sistema social abrangente. Embora
no seja do escopo do
presente artigo, importa assinalar a crise do capitalismo
organizado que deu sustentao
ao Estado de Bem-estar Social e a superao (negao, conservao)
numa nova
configurao da sociedade civil subordinada empresa capitalista e
aos mecanismos de
mercado (SAMAJA, 2000). No se pode deixar de perceber que as
classes subalternas
tambm reagiram ao enfraquecimento e limitao dos arranjos de
proteo social. No por
acaso, nos anos da dcada de 1990, os movimentos sociais foram se
articulando no que veio
a se chamar redes de movimentos.
A idia de redes de movimentos convergiu com as discusses, vindas
da teoria dos
sistemas e das cincias da complexidade, sobre as relaes sociais
em rede (CASTELS,
1999, 2003; BAUMAN, 2001, 2003; SANTOS, 2000, 2003) que se
caracterizam pela
mobilidade, fragilidade, velocidade e mutabilidade. Uma rede,
ento, definida pelas
relaes e no pelos ns sejam pessoas, grupos ou conjuntos de
movimentos. Os ns
mudam, surgem e apagam-se, participam (plenamente, na poltica,
na esttica, no dilogo,
na produo e/ou no uso dos produtos culturais da rede). As relaes
em rede so difceis
de classificar e delimitar.
A reflexo acima esboada pertinente para a compreenso dos
processos criativos
da Rede de Educao Popular em Sade. Desde sua fundao a Rede tem
demonstrado uma
capacidade surpreendente de articulao, produo, gerao de relaes
profissionais,
pessoais e afetivas profundas, mesmo que fragmentrias,
temporrias, e no lineares e
talvez por isso, mais livres e prazerosas.
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Vida dentro (e alm) do ciberespao
Bom exemplo das dinmicas que acontecem na rede a produo
cotidiana de
vozes e trocas dentro dos grupos de interesse (ou listas de
discusso) na Internet
ligados rede. A lista foi fundada em maro de 1999
e em 2004 atingiu uma mdia mensal de 250 a 300 mensagens, nmero
considerado alto
para uma lista de cunho acadmico-poltico, na medida em que
prprio de grandes listas
com mais de 1000 participantes. A lista conta atualmente com 560
participantes. A
participao na lista propicia a criao coletiva de espaos reais de
troca, conhecimento e
reconhecimento, a exemplo de oficinas, congressos e projetos de
pesquisa.
Poiesis das relaes em rede: criao, amizade, militncia e
identidade
Dentro da Rede h ticas amorosas de relao que foram se
construindo atravs das
trocas e dilogos, dos aportes das pessoas depoimentos, crnicas,
relatos de viagens,
poemas, conversas, desentendimentos, acordos, indignaes
compartilhadas. Uma vez que
o espao da virtualidade configura-se como um ntimo pblico, vai
se criando uma
forma de grito ao p do ouvido, ou cochicho coletivo. Pela prpria
natureza das
relaes em rede, ticas amorosas de relao se reformulam
cotidianamente.
Este nvel aprofundado de relao possvel dado o engajamento
mltiplo dos
membros com experincias locais, e movimentos sociais,
incorporando vrios nveis da
experincia e do fazer humano: ativismo poltico, trabalho
organizativo, atuao dentro dos
servios de sade e criao de identidades compartilhadas com os
grupos populares e
movimentos sociais. Nas propostas de vida (quem sabe projetos) h
um componente de
busca ativa de amorosidade e espiritualidade, artes de fazer o
convvio social e o
Self.
Ao mesmo tempo em que o iderio da Educao Popular em Sade prope
esta
atitude diferente, esta postura de dilogo, interesse pela
escuta, preocupao por viver
radicalmente o olhar e a experincia dos outros populares,
possvel pensar tambm numa
cultura em formao. Uma cultura de relaes militantes, amorosas e
estticas, onde se cria
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uma casa comum para o aconchego e no um lugar de briga.2
Amorosidade e respeito ao
outro diferente, lugar privilegiado das diversidades e da troca
entre vises, saberes e
sabedorias. Eis a poiesis da Rede, os caminhos da criao, da
experincia potica coletiva,
dentro e fora da internet.
Prticas e concepes educativas
Na medida em que estamos falando de um movimento que envolve um
grande
nmero de profissionais de sade, importa reconhecer a importncia
da ampliao da
cobertura do Sistema nico de Sade ao longo dos anos da dcada de
1990. A implantao
das estratgias do Programa de Agentes Comunitrios de Sade (PACS)
e do Programa de
Sade da Famlia (PSF) vem levantando debates importantes sobre os
vrios aspectos
envolvidos na reorganizao de servios e prticas, entre os quais a
importncia do papel da
educao nas aes de sade.
Grosso modo, dois tipos de profissionais engajaram-se nas
propostas do PACS/PSF:
o primeiro grupo refere-se queles que j estavam engajados com os
pressupostos da
Ateno Primria Sade (APS) que, desde os anos da dcada de 1970,
ofereceu uma
alternativa para romper com uma prtica tecnicista e distanciada
da populao; esses
profissionais j vinham debatendo questes relacionadas ao campo
da Educao Popular e
Sade (VASCONCELOS, 2001b). O outro grupo agregou profissionais
oriundos de
servios organizados de modo tradicional, e cuja relao com a
populao era caracterizada
pelo distanciamento considerado normal, ou ainda recm-formados,
na sua maioria
formados em currculos tradicionais, em busca de um mercado de
trabalho em expanso.
Na lista virtual de discusso da Rede
[email protected] - fonte de relatos
que serviram de base a estas consideraes podemos encontrar
profissionais dos dois
grupos.
Em relao s concepes educativas, para o primeiro grupo, este
momento inicial
de implantao do PACS/PSF representou a possibilidade de
continuidade do projeto da
APS, de concretizao de novas relaes e processo de trabalho.
Muitos profissionais e
acadmicos envolvidos com o campo da Educao Popular e Sade
estiveram inseridos
nestas estratgias. Entre aqueles que vieram de prticas
tradicionais de trabalho ou
formao, a mudana nos processos de trabalho dentro do PACS e do
PSF evidenciou
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algumas questes relacionadas mediao educativa: competncias
construdas a partir de
currculos inadequados e acrticos, despreparo dos profissionais
para o enfrentamento
compartilhado dos problemas na comunidade, dificuldade em
estabelecer dilogos e
parcerias e a descoberta da importncia dos referenciais tericos
e metodolgicos para o
estabelecimento de processos pedaggicos de fato efetivos. Um
certo ressurgir da
Educao Popular, desde ento, pode ser atribudo ao reconhecimento,
a partir da vivncia
no trabalho na comunidade, de que a educao est presente no
apenas como um
componente das prticas, mas como eixo estruturante de uma
proposta de mudana de
modelo de ateno. Da tambm, um certo entendimento corrente de que
Educao Popular
e PACS/PSF esto naturalmente atrelados ou at mesmo de que Educao
Popular
questo exclusiva do nvel da Ateno Bsica, e do trabalho em
comunidade do PACS/PSF
(no sendo, portanto, de interesse ou importncia para os nveis de
maior complexidade de
ateno).
A acentuada expanso de cobertura do PSF aps a segunda metade dos
anos 1990,
acompanha-se de mudanas no enfoque e nas formas de organizao dos
servios e
processo de trabalho, diluindo o componente ideolgico e poltico
da transformao de
modelo, numa crescente viso do PSF como desafogo da mdia e alta
complexidade, e
como mercado de oportunidades de trabalho. pluralidade de
enfoques, prticas e
processos educativos soma-se a contratao precria e alta
rotatividade de profissionais,
fazendo-nos lembrar o comentrio jocoso de um profissional
vinculado a uma coordenao
estadual de PSF, sobre as enfermeiras voadoras que ficam rodando
de um municpio para
outro, em vnculos precrios e provisrios, quando no chegam ao
absurdo de manter um
vnculo num municpio, de manh, e noutro, tarde.
Esta avaliao aponta para o diagnstico, anteriormente referido,
do processo em
que se deu a Reforma Sanitria e a implantao do SUS.
A persistncia do modelo de financiamento do INAMPS, de
faturamento de
procedimentos curativos individuais, apesar da convivncia com
outras formas Piso de
Ateno Bsica (PAB), Programao Pactuada da Epidemiologia e
Controle de Doenas
(PPI-ECD) e incentivos implantao do PACS/PSF deixa patente, quer
pelo volume de
recursos maior, quer pela segmentao do sistema de sade, as
dificuldades da mudana do
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modelo de ateno sade da populao brasileira. Trata-se de um forte
desafio proposta
da concretizao de um modelo baseado na sade e no na doena.
Embora no seja imediatamente visvel, o desenvolvimento de
prticas
transformadoras de educao acaba por sofrer a influncia deste
modelo de financiamento,
j que a presso pela produtividade em cima dos profissionais
termina por atropelar o
tempo necessrio e por impor um ritmo de trabalho incompatvel com
o tempo necessrio
ao estabelecimento de vnculos e parcerias entre profissionais e
populao.
Em relao s prticas educativas, as concepes e jeitos de fazer que
marcam a
atuao dos profissionais envolvidos em PACS/PSF evidenciam, a
partir das mensagens
trocadas na lista de discusso da Rede, alm de muitas queixas
diante da contratao
precria e da manipulao poltico-partidria de governos locais,
algumas questes para o
debate sobre o papel da Educao Popular nas prticas de sade.
A primeira delas a marca da individualidade: a explicitao da
busca de um agir
educativo transformador fica restrita, na sua maioria, a prticas
e processos individuais,
voluntaristas, no organizados coletivamente, muito menos
institucionalmente. Em um
estudo realizado entre enfermeiros do PSF, verificou-se que as
prticas de
informao/comunicao mostravam importante mudana nas aes
individuais, mas no
possuam expresso coletiva ou de envolvimento da comunidade ou de
grupos (MOURA;
RODRIGUES, 2003). Com todas as dificuldades relacionadas ao
vnculo de trabalho e de
formao de equipes coesas, no de admirar uma certa opo por
trabalhar sozinho. O
profissional prefere depender dele mesmo, raramente se sentindo
apoiado numa equipe que
compartilha a mesma viso sobre a importncia do papel da educao.
Aquele que j vinha,
ao longo dos anos, militando em outros espaos.
Na crtica prpria formao, verifica-se a valorizao da prtica
cotidiana como
espao de reflexo e avaliao contnua da prpria prtica educativa.
Relatos eventuais,
alguns oriundos de profissionais que trabalham em reas isoladas
e distantes, do conta de
um fazer educativo calcado na vivncia diria do sofrimento e das
dificuldades das
comunidades. Esta reflexo, se capaz de se reverter em uma prxis
nova, fortemente
calcada na realidade local, no avana, no entanto, como movimento
social capaz de levar
mudanas s prticas de sade do sistema de modo mais ampliado,
ficando restritas e estas
experincias individuais.
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No se trata de contrapor o desenvolvimento de aes individuais s
coletivas:
mesmo as prticas de educao que juntam pessoas acabam por
reproduzir modelos
prescritivos de educar, baseado nas palestras do doutor ou do
enfermeiro para a
populao. Vale ressaltar que, no mbito do PSF, palestras voltadas
para grupos especficos
como hipertensos e diabticos recebem incentivo financeiro como
atividades
educativas, muitas vezes apenas contrapartida do direito dos
usurios a receber o
medicamento gratuitamente.
A coerncia da orientao biomdica das consultas e a prtica
dominante de
educao e sade prescritiva de hbitos e condutas para
responsabilizar os indivduos pelo
controle das doenas e dos fatores de risco identificada na
pesquisa de ALVES (2004)
realizada junto a equipes do PSF na Bahia.
No por acaso, portanto, o reduzido apoio recebido pelas equipes
do PACS/PSF
realizao das aes educativas na perspectiva da educao popular,
desde equipamentos,
at recursos e espao para realizar as aes (ALBUQUERQUE ; STOTZ,
2004)
No se valoriza a mediao educativa como possibilidade de
instaurar novas
relaes e processos nas prticas de sade. A desvalorizao fica mais
evidente quando se
considera que a reflexo metodolgica tratada como algo
desnecessrio, como se o saber
clnico e a formao acadmica fossem suficiente para a implementao
dessa prtica
(ALBUQUERQUE; STOTZ, 2004, p.265). Embora seja importante
considerar toda e
qualquer prtica dos profissionais como uma prtica educativa,
refletir sobre esta prtica
implica colocar em evidncia concepes educativas implcitas e,
portanto, certas vises
sobre a relao entre profissionais e populao.
Por isso mesmo, os participantes da lista da Rede manifestaram
uma preocupao
crescente com a profissionalizao do Agente Comunitrio de Sade
(ACS) e a definio
de diretrizes curriculares e competncias para sua prtica, agora
legalmente definida como
vinculada ao gestor municipal. Durante o ano de 2004, foi
inclusive proposta a estruturao
de uma lista de discusso especfica sobre a formao de ACS,
discusso essa que no foi
adiante. Para alm do natural movimento de mar das discusses em
listas virtuais,
chama a ateno para a ainda reduzida capacidade de transformar
debates crticos e
consistentes em ao organizada de interveno e mudana. H consenso
em que a
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formao do ACS precisa ser rediscutida, em novas bases, mas se
avana pouco no
como, no quando ou no onde.
Identificamos uma certa perplexidade diante do imobilismo da
populao quando da
ocorrncia de demisses involuntrias ou interferncia poltica nos
PACS/PSF. Este um
fato bastante freqente nas gestes municipais, e sobretudo no
caso dos ACS, possui
desdobramentos dramticos, j que, diferentemente de mdicos e
enfermeiros, este
profissional, uma vez demitido, no pode simplesmente buscar
outra oportunidade de
trabalho em outro municpio. Cabe perguntar se esta perplexidade
no estaria expressando,
alm de desnimo, indignao e decepo diante do trabalho levado por
gua abaixo, a
persistncia de uma viso ingnua e redentora do papel mediador da
educao em sade.
Alternando decepes e nimo renovado nas poucas situaes em que
houve um
enfrentamento mais coletivo da situao pela populao, os
profissionais seguem
enfrentando a rotatividade de vnculos, salrios dspares, poltica
clientelista local, a no
existncia de espaos sistemticos de debate e crescimento
intelectual, a presso da lgica
da produtividade nos servios.
Atividades acadmicas e EP&S
Professores universitrios, pesquisadores e alunos de graduao e
ps graduao
participam da lista da Rede veiculando em suas mensagens o olhar
e as prticas do mundo
acadmico no fazer educativo em sade.
A atividade acadmica mais citada a extensionista com aes
educativas
envolvendo alunos de graduao em comunidades. A viso mais
presente a de que a
extenso universitria pode ser um elemento importante para a
ruptura da distncia entre a
universidade e a sociedade, e, em relao Educao Popular, que pode
se constituir em
importante espao de formao dos futuros profissionais. Os relatos
no trazem o
detalhamento das concepes que perpassam os projetos, embora
refiram-se vivncia
comunitria dos estudantes.
No foi localizada meno integrao da extenso com movimentos
sociais
populares, apenas com o movimento estudantil, e deste, pelas
executivas nacionais, com a
ANEPS. Vale lembrar que, nas mensagens, predomina a tica do
professor, e no do aluno,
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quanto atividade de extenso, embora seja demanda do movimento
estudantil o debate
sobre a EP&S, incluindo eventos onde a participao discente
seja mais ampliada.
As atividades de pesquisa, quando relatadas, tambm o so na tica
do pesquisador-
professor, no dos alunos ou dos sujeitos das pesquisas
(comunidades). Em relao aos
aspectos tericos, diversos referenciais so explicitados, com
nfase na pedagogia libertria
de Paulo Freire; na discusso sobre a experincia brasileira, com
menes a Eymard
Vasconcelos, Victor Valla, Eduardo Stotz, entre outros; autores
latino-americanos como
Oscar Jar e Juan Daz Bordenave; socilogos como Boaventura dos
Santos. As
metodologias de pesquisa mencionadas referem-se a abordagens
qualitativas: pesquisa-
ao, observao-participante, anlises de contedo, com procedimentos
metodolgicos de
realizao de entrevistas e grupos focais.
Outras prticas e a EP&S
Muitos dos envolvidos na Rede, que mandam mensagens para a lista
de discusso,
contam experincias e vivncias no uso de prticas alternativas
e/ou populares de sade,
mais ou menos conformadas em racionalidades e filosofias mdicas
especficas (medicina
antroposfica, medicina tradicional chinesa, medicina ayurvdica)
ou no: prticas
populares de fitoterapia, tcnicas de relaxamento e meditao.
Muitas destas esto voltadas
para grupos populacionais vulnerveis, especficos, como mulheres,
populaes indgenas,
comunidades perifricas, apoio a ocupaes urbanas, comunidades do
campo.
As expresses artsticas so vivenciadas como aspecto mediador
importante com a
cultura popular, sobretudo entre grupos e em regies onde a
cultura popular se encontra
mais preservada. Danas regionais e locais, produo de textos,
poesia, artesanato popular,
so as expresses mais citadas e valorizadas na lista de discusso.
Mais importante
constatar que a expresso artstica confere um tom prprio aos
encontros presenciais de
movimentos e prticas de educao popular e sade, diferenciando-os
dos encontros
puramente acadmicos. Alm da dimenso comunicativa, a arte
desempenha, por meio da
mstica das aberturas e da dinmica de interao pessoal, um
importante papel na
definio das identidades dos movimentos e prticas de
EP&S.
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Movimentos e prticas mais visveis: o Catlogo da ANEPS
O impulso dado pelo apoio financeiro, por parte do Ministrio da
Sade,
estruturao da ANEPS permitiu a realizao de uma pesquisa sobre o
perfil dos
movimentos e prticas. Os resultados da pesquisa realizada pela
Rede de Educao Popular
e Sade durante os encontros estaduais e nacional realizados em
2003 foram consolidados
no Catlogo de Movimentos e Prticas de EP&S em 2004, dando
visibilidade a uma srie
de caractersticas dos movimentos, organizaes e entidades que
informaram o modo de
fazer educao popular e sade no Brasil.
A pesquisa confirma alguns elementos metodolgicos das prticas,
aqui citados
anteriormente: o resgate, sistematizao e disseminao de
alternativas populares, aparece
com 57% das respostas dos 783 movimentos e entidades
pesquisados, seguindo-se a
comunicao popular (53,7%), o intercmbio de experincias e
capacitao (51,2%). A
pesquisa revelou que a maioria das entidades e organizaes est
vinculada s classes
populares. Grande parcela das organizaes (72, 6%) de algum modo
est ligada ou recebe
o apoio das instncias governamentais da rede pblica de sade dos
nveis municipal,
estadual ou federal. 54, 3% das organizaes mantm parcerias com
universidades.Tal
informao entra em contradio com a queixa corrente dos
profissionais em relao ao
pouco apoio s aes educativas e levanta questionamentos. Quais as
explicaes
possveis? Estaro as secretarias terceirizando as aes educativas,
pelo suporte ou
vinculao a movimentos, ONGs e outras organizaes, e, ao mesmo
tempo, no
conseguindo enxergar o potencial destas mesmas prticas dentro
dos prprios processos de
trabalho?
As concepes e opes pedaggicas envolvidas nas prticas no foram
objeto desta
primeira pesquisa. Na continuidade dos seminrios e oficinas,
cada vez mais espalhados e
capilarizados Brasil afora, surgem e ressurgem elementos
metodolgicos, explicativos,
fortalecedores que passam a ser incorporados, oriundos das
condies concretas de vida,
sofrimento e lutas dos grupos populares. Neste sentido, a regio
nordeste do pas tem sido
um exemplo de criatividade e pluralidade de propostas, com a
incluso de prticas j
conhecidas (com destaque para a arte popular: teatro de
mamulengo, danas, mdias
literrias locais) e outras menos, a exemplo do escambo
vivenciado pela ANEPS do Cear
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vivncia coletiva, riqussima em signos e significados, de troca
de saberes e recursos
cognitivos. Os que pouco possuem, dividem o muito que sabem.
A reflexo acadmica
Os textos fundadores do campo da educao popular em sade na sua
configurao
atual foram publicados inicialmente nos anos da dcada de 1980
sob a forma de livros e
artigos cientficos, no s em publicaes de sade coletiva, mas
tambm da rea da
educao. Ao longo dos anos seguintes surgiram trabalhos
acadmicos, livros e artigos;
mltiplas experincias de extenso universitria e projetos
comunitrios; e tentativas de
construo de metodologias de trabalho junto populao. Ncleos de
educao popular e
sade se estruturaram na Escola Nacional de Sade Pblica, no
Departamento de Promoo
da Sade da Universidade Federal da Paraba, no Laboratrio de
Comunicao e Educao
em Sade (LACES) da Universidade Estadual de Campinas, no Grupo
de Educao em
Sade Comunitria do Grupo Hospitalar Conceio de Porto Alegre.
As reflexes sempre foram acompanhadas de vivncia e engajamento
dos autores-
pesquisadores em processos locais, regionais e nacionais de luta
social pela concretizao
do controle social e a participao popular. Mas tambm, seguindo
as propostas ampliadas
e integradas da Educao Popular em Sade, houve a busca de vnculos
pessoais amizade,
militncia compartilhada afetivos e dialgicos.
Levantamos um conjunto de vinte e oito (28) trabalhos acadmicos
dissertaes
de mestrado e teses de doutorado que abordam direta ou
indiretamente a educao
popular em sade e seus conceitos e valores sustentadores. O
mtodo de busca pela internet
envolveu pesquisa no portal Scielo, nas pginas da Rede de Educao
Popular em Sade e
da Lista da Rede e convocatria aberta para envio de resumos nas
duas listas principais
e .
A tabela completa contendo os resumos destes trabalhos pode ser
encontrada em:
http://wongun.sites.uol.com.br/teses.html
Nas produes e sistematizaes coletadas encontramos grande
variedade temtica e
de abordagens, aproximando-se e problematizando boa parte do
espectro de possibilidades
das prticas sociais em sade da populao, dos profissionais da
sade e dos processos de
gesto do Sistema nico de Sade. No objetivo deste artigo explorar
todas as
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possibilidades que estas pesquisas levantam, nem as mltiplas
pontes que se estabelecem
entre elas, ou as perspectivas de desenvolvimento de linhas de
pesquisa e formulao de
polticas pblicas de educao, cuidado e ateno sade. Mencionaremos
apenas alguns
avanos reflexivos luz das teses e dissertaes revisadas.
Um primeiro grande tema o da preocupao com a construo
compartilhada,
dialgica de novas compreenses sobre a sade: uma sade ampliada,
diversa, mltipla,
contraditria at em suas mltiplas vertentes, tolerante e
inclusiva. Neste sentido alguns
trabalhos colocam outras racionalidades mdicas como
possibilidades de interseo e
debate entre as propostas da educao popular e a sade.
Especificamente, a Homeopatia
colocada como espao de reflexo e dilogo. De outro lado, a
reflexo sobre as redes
sociais e sua importncia para a sade dos coletivos num tempo de
excluso social
globalizada discutida, assim como a reflexo sobre o apoio social
e seu valor intrnseco
no bem-estar das pessoas. Nesta mesma perspectiva insere-se o
novo campo de estudos
sobre religiosidade popular e sade.
O questionamento do senso comum dos profissionais
caracterizado
dominantemente por uma sobrevalorizao e naturalizao do prprio
saber, a ponto de
estabelecer, no cotidiano dos servios e das pesquisas
considerado indispensvel para
uma educao capaz de se abrir experincia e saber dos outros,
pessoas comuns, ao
dilogo, o respeito e a construo de saberes, sabedorias e prticas
compartilhadas. Temas
como o conceito de comunidade, o saber popular, a intuio e as
emoes, as prticas
sociais, as culturas populares, as medicinas outras
(racionalidades mdicas, naturais,
alternativas, complementares, paralelas). Foram desenvolvidas
pesquisas tericas, estudos
de caso, propostas metodolgicas, avaliaes.
Outros temas abordados aproximam a educao popular em sade da
discusso
contempornea sobre o cuidado em sade, a integralidade e a
humanizao. Ao trabalhar as
formas de relao entre profissionais e trabalhadores de sade e
populao, estudando
impasses, problemas e possibilidades de dilogo, algumas das
produes acadmicas
encontradas abordam temas como: a escuta atenta; o respeito pelo
outro no encontro
teraputico; a espiritualidade como dimenso intrnseca do cuidado;
as relaes entre
cuidado e condies sociais, organizacionais e polticas; a interao
entre as equipes de
Sade da Famlia e a populao; os desafios para aprofundar e
sustentar as propostas e
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vises de educao popular dentro das aes comunitrias dos servios e
ONGs; caminhos
para a comunicao em sade atravs de fotonovelas, rdios
comunitrias, projetos de
gnero e comunicao em sade; dentre outros. Tambm h reflexes
crticas sobre a
estratgia de Promoo da Sade e possveis encontros e desencontros
com as propostas de
origem freireana da educao popular em sade.
A reflexo sobre os Agentes Populares de Cura, incluindo neste
grupo Agentes
Comunitrios de Sade, hoje inseridos nos Servios Pblicos de Sade,
Agentes
Comunitrios ligados a Organizaes No Governamentais, Agentes de
Pastoral da Sade,
e vrios atores sociais de cura popular e tradicional (como
pais-de-santo, rezadeiras,
parteiras, pajs) est presente. H tambm estudos sobre os grupos
profissionais
enfermeiras, odontologistas e sobre a formao, vislumbrando-se
possveis pontes de
debate com a Educao Permanente em Sade.
Outra agrupao temtica diz respeito aos Movimentos Sociais.
Encontramos
estudos sobre os aspectos de sade do Movimento Sem Terra, de
iniciativas locais e de
extenso universitria. Da mesma forma comea a abordar-se o estudo
de redes sociais
solidrias.
Esta diversidade temtica dos objetos de estudo aqui apresentando
em grandes
traos vai configurando, portanto, um campo de identidade
intelectual comum marcado
pela pluralidade e diversidade das abordagens, pela assuno de
mltiplas identidades e
identificaes tericas e metodolgicas mistas. Nos estudos
encontramos a utilizao
criativa de vrias vertentes tericas presentes na sade coletiva
hoje: o pensamento
marxiano, com a crtica ao capitalismo e a necessidade de sua
superao; o pensamento
deleuziano, com a anlise institucional e a esquizoanlise; o
pensamento de filsofos como
Spinoza, Brgson, Serres, Guattari e Benjamin; a pedagogia crtica
freireiana; a
espiritualidade explorada por Vasconcelos; o estudo sobre
religiosidade popular e sade,
uma das linhas de pesquisa de Victor Valla; as cincias da
complexidade de Morin; a
antropologia interpretativa de Geertz; a idia de inveno do
cotidiano
(tticas/estratgias) de Michel de Certeau; o estudo crtico sobre
corpo e classes sociais
(Boltanski) e sobre a relao entre normal e patolgico
(Canguilhem); chegando at
reflexes luz do pensamento epistemolgico do budismo e da poesia,
dentre os principais.
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Quem sabe possamos pensar que o eixo comum da Educao popular e
Sade um
projeto subjetivo (porque interiorizado e reconhecido como
prioritrio e prprio) e
intersubjetivo (partilhado nas iniciativas em redes), no qual
conhecimento no se separa na
postura diante das ordens poltica, tica e esttica. No aspecto
poltico, vemos uma postura
crtica injustia, desigualdade, ao neoliberalismo e ao
capitalismo; no tico uma
solidariedade com os excludos e marginalizados, um interesse em
saber com a razo e o
corao e de unir reflexo e pesquisa prtica social e militncia; e
finalmente, no esttico,
a conscincia da boniteza, ao dizer de Paulo Freire, como condio
fundamental para
uma experincia humana plena, transcendente e verdadeira.
Consideraes finais
A trajetria deste movimento social singular aqui descrita em
grandes linhas e
breves palavras, ultrapassa, em densidade humana e riqueza
intelectual, a nossa capacidade
de apreenso e anlise. Todo esse cabedal ser, com certeza, objeto
de estudos mais
cuidadosos, num futuro prximo. Isto no nos impede de apontar,
desde j, o desafio posto
pelos prprios passos, no caminho j trilhado.
Hoje vale ainda mais a afirmao de Vasconcelos (2001b, p. 18-19)
de que, apesar
da razovel experincia sobre os caminhos de participao popular
com base na
metodologia da Educao Popular, continua o desafio de generalizar
esta experincia. A
proposta do autor que aqui endossamos de que tal generalizao
passe principalmente
pela formao de recursos humanos sob o mtodo da educao popular,
capaz de escutar
suas angstias, sua experincia prvia e sua vontade de superao das
dificuldades,
constitui talvez o desafio posto forma de organizao do prprio
movimento, isto , da
fluidez das relaes diretas e informais da rede.
Esta uma dificuldade parcial, na medida em que o espontanesmo se
contrape
exigncia de uma prtica mais organizada, sistemtica, baseada numa
comunicao de
significados compartilhados tacitamente. As motivaes
diversificadas e a pluralidade das
profisses, experincias, concepes que compem a rede certamente
requerem processos
coletivos novos, capazes de dar respostas s complexas questes da
generalizao da
experincia. Tambm se deve considerar, como apontado no texto, as
filiaes diversas
dos profissionais de sade, aspecto importante quando se
considera que est nas mos deles
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o acesso experincia com a populao organizada e no organizada. O
tecnicismo da
formao e o carter normativo das aes de sade igualmente atuam de
modo negativo,
gerando uma atitude suspeita em relao teorizao, quase sempre
dissociada,
infelizmente, da prtica.
At o momento, as experincias de educao popular e mesmo as
reflexes
acadmicas constituem um patrimnio intelectual disperso e
alternativo. Assumir a tarefa
de passar formulao de propostas de poltica implica superar, no
sentido de negar
conservando, a informalidade originria do movimento social, a
saber, criar espaos para
uma discusso mais aprofundada e sistemtica sem perder o ethos
caracterstico da rede, a
sua poiesis. Mas sempre se propondo a um saber-fazer associado
prtica inovadora: por
isso, indispensvel assinalar a necessidade de fortalecer os
vnculos com os movimentos e
prticas de sade da ANEPS.
A inveno de novas formas organizativas e novos mtodos de
trabalho , como
vimos, uma exigncia do prprio desenvolvimento da EP&S como
movimento social no
perodo recente. Os processos adequados generalizao das
experincias e reflexes aqui
relatadas, transformando-as em proposies de polticas pblicas,
esto, a nosso ver, j em
curso. Numa primeira vertente esto aqueles relacionados aos
encontros dos movimentos e
prticas de sade que, em cada municpio, tomam forma na ANEPS. Por
a fluem as
possibilidades de uma teorizao vinculada prtica dos servios e
dos movimentos
sociais. Noutra vertente, surge o Grupo de Trabalho de Educao
Popular e Sade da
ABRASCO enquanto dinmica de interface entre a Rede e o ambiente
da ps-graduao.
Registre-se aqui a deciso do GT de apoiar e assessorar cursos de
especializao e de
atualizao, preocupando-se com os processos de formao de pessoal
para o SUS
vinculados vivncia dos profissionais de sade.3
Em sntese: a EP&S precisa tomar para si o desafio da
institucionalizao quem
sabe sob a forma de um grupo academicamente mais slido em
contato com a pulso da
vida social nos meios populares. Os contornos do movimento
chamando de EP&S podero
ento adquirir novas formas, modeladas por novas artes, numa
trajetria de horizontes
abertos.
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Projeto Sade e Alegria (GTA), Movimento Popular de Sade (MOPS). 2
Mensagem eletrnica enviada por Eymard Vasconcelos lista de discusso
Submisso: Jan. 2005 Aprovao: maio 2005
Revista APS, v.8, n.1, p. 49-60, jan./jun. 2005