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DOSSI DREIFUSS
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O efeito desmistificador de A Conquista do Estado na anlise das
bases sociais da contra-revoluo
Joo Quartim de Moraes
Joo Quartim de Moraes professor do Departamento de Filosofia do
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Unicamp e membro do
Conselho Cientfico do NEE.
1. O livro e o golpe
Estava muito longe de supor, ao redigir, h uma dcada atrs, o
Captulo III (Em
torno de 1964: Contra-revoluo liberal, Golpe de Estado e
Ditadura) de Liberalismo e
ditadura no Cone Sul, que retomaria essa discusso numa homenagem
pstuma a Ren
Dreifuss. Naquela ocasio assinalei em nota62, que embora o mtodo
marxista permitira-me
no perder de vista, nos textos escritos ao longo dos anos
setenta, em particular no artigo
La nature de classe de l'tat brsilien, publicado em Les Temps
Modernes63, bem como
nos captulos de minha tese de doutorado retomados naquele livro,
o carter de classe da
ditadura militar e, portanto os interesses econmicos aos quais
ela servia, faltara-me, para
avaliar com preciso a importncia da participao das entidades
patronais, notadamente do
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), nome que no
enganava quase ningum64,
62 Campinas, IFCH-Unicamp, 2001, Coleo Trajetrias, n 4, p.
111-112, nota 2. 63 La nature de classe de l'tat brsilien. Les
Temps Modernes (Paris), n 304 (XXVII), p. 657-675 e 305
(XXVII), p. 853-878, novembro de 197l (primeira parte) e
dezembro de 1971 (segunda parte). 64 A esquerda traduzia-lhe a
sigla oficial por instituto de presso econmico-social. notvel a
proximidade
cronolgica entre o duplo desastre sofrido pela direita em
agosto-setembro de 1961 (renncia de Jnio Quadros e o subseqente
malogro do pronunciamento militar visando a impedir que seu
sucessor legal, Joo Goulart, assumisse a presidncia) e a fundao do
discretamente intitulado Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(IPES) a 29 de novembro de 1961, bem como de organizaes congneres,
integrantes do feixe (servimo-nos deste neologismo poltico para
enfatizar a semelhana da mobilizao contra-revolucionria brasileira
com o fascio mussoliniano) cripto-fascista que iria assaltar com
sucesso o poder em 1964. Embora tal proximidade cronolgica sugira
que as pr-condies para a mobilizao contra-revolucionria da
burguesia industrial e financeira estivessem reunidas desde antes
(no se forja uma vanguarda de classe, mesmo tratando-se de uma
classe dominante, num to curto espao de tempo), incontestvel o
vnculo de causa a efeito entre o duplo fiasco do governo Jnio
Quadros e do golpe anti-Goulart e a iniciativa de organizar fora e
acima dos quadros partidrios o estado-maior do patronato de
choque.
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e do Instituto Brasileiro de Ao Democrtica (IBAD), cujo
objetivo, como seu nome no
diz, era agredir a democracia, na organizao do movimento
contra-revolucionrio, a
documentao historiograficamente decisiva (porque deixou evidente
a funo decisiva
exercida pelos crculos dirigentes patronais na montagem do
dispositivo golpista) que Ren
Dreifuss divulgou, em 1981, no livro 1964: a conquista do
Estado65.
Sem dvida, nenhum observador ou analista minimamente lcido da
mobilizao
reacionria que conduziu ao golpe de 1964 e ditadura militar
precisou esperar a
publicao do livro de Dreifuss para saber que ela envolveu um
vasto espectro de interesses
dominantes, todos empenhados em salvar, num s golpe, a
propriedade, Deus, a famlia e a
liberdade: latifundirios enfurecidos, testas de ferro de
trustes, ruidosas marchadeiras (de
ambos os sexos), militares adestrados para caar comunistas, ao
lado de conformistas
assustados de todos os matizes. Como bem notou o saudoso Nelson
Werneck Sodr a
propsito do fracasso do dispositivo militar do governo Goulart,
que se mostrou incapaz
de enfrentar o movimento sedicioso desencadeado em 31 de maro de
1964,
A ausncia de resistncia militar por parte do governo surpreendeu
os
prprios empreiteiros do golpe. Na verdade, Goulart dispunha
de
elementos militares suficientes para a resistncia. Se tal
resistncia - face
presena dos heris da Brother Sam - teria sido suficiente,
teria
condies de deter o golpe, outro problema. O que paralisou a
ao
das foras militares de que o governo dispunha foi, justamente, a
prvia
derrota poltica das foras populares que apoiavam o governo
(...). Da o
fato de que o golpe foi poltico, embora operado por foras
militares.
Lembrando que, de 1945 em diante, todas as intervenes polticas
das Foras
Armadas (salvo a do general Teixeira Lott em 1955), foram
inspiradas pelos partidos
reacionrios derrotados nas urnas acrescenta:
65 Ren Dreifuss, 1964: A conquista do Estado. Ao poltica, poder
e golpe de classe. Petrpolis, Vozes, 1981.
(A verso inicial sua e foi redigida em ingls como tese de
doutorado)
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Devidamente dopados pelo anticomunismo e pela ao macia da
mdia,
os militares faziam sempre o servio que lhes era solicitado.
Jejunos em
poltica, alimentados pela propaganda, supunham, que estavam
mesmo
salvando Deus, a Ptria e a Famlia, nada menos do que isso66.
A operao Brother Sam, qual alude Sodr, foi desencadeada pelo
Pentgono s
15:30 de 31 de maro de 1964, mobilizando um fast carrier task
group (do qual fazia parte
o porta-avies Forrestal), com o objetivo de fornecer aos
sediciosos o carregamento de
quatro petroleiros gigantes, bem como 110 toneladas de armas e
munies, a serem
transportadas por avies de guerra67. O rpido sucesso do golpe
tornou desnecessrio o
prosseguimento da operao. Mas embora a interveno militar direta
do governo
estadunidense no tenha chegado a se concretizar, a certeza de
poderem contar com o
colosso do Norte (para retomar frmula corrente entre a direita
pr-imperialista) trouxe
grande encorajamento aos conspiradores, alm claro, de confirmar
o sistemtico desrespeito
do Imprio do dlar soberania dos povos cujos governos o
incomodam.
A despeito de ter sido sempre denunciado pela esquerda, o apoio
da Casa Branca e
do Pentgono ao golpe s foi reconhecido em 1976, quando foram
divulgados vrios
documentos do arquivo Lyndon Johnson relativos participao de seu
governo na
articulao do movimento sedicioso, notadamente um memorando do
embaixador dos
Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, classificado como
ultra-secreto e dirigido aos
principais conselheiros polticos, diplomticos e militares do
presidente L. Johnson (Dean
Rusk, Thomas Mann, coronel J. C. King, representante da CIA
junto ao presidente, general 66 Nelson Werneck Sodr, Trinta anos
depois. Carta (Informe de distribuio restrita do senador Darcy
Ribeiro), n 11, Braslia, Senado Federal, 1994, p. 40. Examinei
as razes do fracasso do dispositivo militar de defesa do governo de
Joo Goulart em Liberalismo e ditadura no Cone Sul, p. 117-132,
verso ampliada e modificada de textos publicados em Histria, UNESP,
14 (1995), p. 49-59, sob o ttulo O colapso da resistncia ao golpe
de 1964 e em Caio Navarro de Toledo (org.), 1964. Vises crticas do
golpe. Campinas, Editora da Unicamp, 1997, p. 117-133, sob o ttulo
O colapso da resistncia militar ao golpe de 1964.
67 A participao estadunidense na conspirao e na preparao do
golpe est amplamente documentada no livro de Phylis Parker, O papel
dos Estados Unidos no golpe de 31 de maro. Rio de Janeiro,
Civilizao Brasileira, 1977, inteiramente consagrado ao tema, bem
como em Presena dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro,
Civilizao Brasileira, 1973 e O governo Joo Goulart. Rio de Janeiro,
Civilizao Brasileira, 1977, ambos de L. Moniz Bandeira; cf. tambm
seu artigo Segurana continental e o golpe de 64. Carta, loc. cit.,
p. 91-104. Ver tambm Marcos S Correa, 1964 visto e comentado pela
Casa Branca. Porto Alegre, LPM, 1977.
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Maxwell Taylor, adido militar da presidncia e outros). Com a
data de 27 de maro de
1964, o memorando d o sinal verde para o golpe, salientando o
papel a ser desempenhado
pelo general Castelo Branco, cuja cristalizao como lder de um
grupo de resistncia
militar considerada como o mais significativo desdobramento da
situao no Brasil68.
Entretanto, o prprio curso objetivo dos acontecimentos ao longo
dos dezessete
anos que separam o golpe de 1964 do lanamento do livro, em 1981,
tinha favorecido a
identificao da ditadura ao componente militar do regime,
obscurecendo a forte
participao das classes sociais privilegiadas no movimento
sedicioso e o decisivamente
entusistico apoio que prestaram a seu desfecho vitorioso. Com
efeito, exatamente por no
ter sido criado de um s golpe, o regime ditatorial s assumiu
suas formas e mtodos mais
perversos ao longo de uma escalada golpista em que a articulao
contra-revolucionria da
burguesia e do latifndio e a mobilizao das massas reacionrias
(decisivas em 1964 no
somente para o sucesso do ato de fora que derrubou Joo Goulart
mas tambm para a
implantao do regime de exceo que alegava pretender salvar a
democracia) foram sendo
substitudas por pronunciamentos tramados nos bastidores e
desfechados pelo Alto
Comando das Foras Armadas.
Cada um destes sucessivos atos de fora, que culminaram no
terrorismo de Estado
do general Garrastazu Mdici, estabeleceu novo patamar para a
concentrao do poder
discricionrio na cpula militar do Estado. Porm, salvo para os
que acreditam na pr-
determinao dos fatos histricos, este tenebroso desfecho no
correspondeu a uma
fatalidade, embora sua possibilidade objetiva se inscrevesse
desde o incio na contradio
entre o princpio liberal-democrtico, cuja preservao havia
servido de pretexto para
derrubar o governo legal, e o ato de fora que conduzira ao poder
os golpistas triunfantes.
Esta possibilidade s se concretizou com mais dois golpes, o de
1965 e o de 1968. O golpe
de 1965 decorreu diretamente da contradio intrnseca situao
poltica instaurada no
68 Cf. Jornal do Brasil de 18 a 20 de dezembro de 1976.
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malfadado 1 de abril de 1964: coexistncia de um regime
discricionrio de exceo,
portanto, em princpio provisrio, e de modificaes pretendidas
durveis.
Esta contradio est expressa com todas as letras j no prembulo do
Ato
Institucional, redigido por Francisco Campos (um clrico-fascista
veterano do Estado
Novo) e decretado na data de 9 de abril de 1964, com a
assinatura do general Costa e Silva
pelo Exrcito, do brigadeiro Correia de Melo pela Aeronutica e do
almirante Rademaker
pela Marinha. De um lado, reconhecendo antecipadamente que a
revoluo no se
limitaria a depor o presidente e a cassar mandatos e direitos
polticos dos que o tinham
apoiado, os signatrios declaram que a revoluo vitoriosa se
investe no exerccio do
poder constituinte, legitimando-se por si mesma. Por isso mesmo,
ela no procura
legitimar-se atravs do Congresso. Este que recebe deste ato
institucional, resultante do
exerccio do poder constituinte, inerente a todas as revolues, a
sua legitimao. De outro
lado, reconhecem tambm que o poder constituinte pode se
manifestar pela eleio
popular, mas a revoluo sua forma mais expressiva e mais radical.
No declaram o
que ocorreria se o sufrgio universal viesse a negar a
auto-legitimao da pretensa
revoluo, mas sugerem que, nesta hiptese, prevaleceria a forma
mais expressiva e
radical do poder constituinte. Retrica reacionria parte, fica
sub-entendido que o ato de
fora renegaria a si prprio se admitisse ser contestado pelo
voto.
2. Duas provas decisivas
Dentre os motivos do muito merecido sucesso de 1964:A conquista
do Estado,
dentro e fora da Universidade, um dos maiores foi ter provado,
com irrefutvel
documentao que (1) o golpe reacionrio de 1964 comeou a ser
sistematicamente
preparado desde 1961, desmentido, portanto rigorosa e
frontalmente, o argumento de
protagonistas e defensores do movimento sedicioso (reiterado ad
nauseam pelo coronel
Passarinho e scios e recentemente retomado pelos revisionistas
liberais)69 de que eles
69 Entre os quais pontificam intelectuais de resultados,
nomeadamente um certo Marco Vila, reacionrio de
choque, mas tambm o socialista cor de rosa L. Konder. Uma crtica
objetiva e convincente desses equvocos
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recorreram preventivamente fora para se antecipar a um projeto
golpista que estaria
sendo meditado ou at mesmo urdido pelo governo Joo Goulart e que
(2) foi decisiva, na
mobilizao reacionria que culminou no golpe de 1964, a iniciativa
direta de banqueiros,
grandes industriais e comerciantes e outros plutocratas,
apoiados pelas principais
associaes e federaes patronais do pas.
Para compreender o alcance desta dupla demonstrao, necessrio
retornar
conjuntura em que se configurou o cenrio e se definiram os
protagonistas do drama
histrico que teve seu desfecho no golpe de 1964: as eleies
presidenciais de 1960. A
UDN tivera de superar compreensveis relutncias para apoiar a
candidatura de Jnio
Quadros presidncia. Na verdade, no tinha muita escolha: o
marechal Henrique Lott,
candidato de uma aliana nacional-democrtica em que era forte a
presena da esquerda70,
dispunha de perspectivas concretas de vencer a eleio
presidencial. Para a direita, no era
pois hora de indicar o candidato preferido, fosse ele um poltico
bem comportado e sempre
s ordens ou um reacionrio de choque, como o cido Carlos Lacerda
e sim de apoiar o
melhor caador de votos capaz de derrotar Lott. Cooptou Jnio, que
no incio dos anos 50
era vereador do insignificante Partido Democrata Cristo (PDC),
tornando-se, em galopante
carreira poltica, prefeito de So Paulo em 1953 e governador do
Estado em 1954.
Eficientssimo caador de votos, combinava retrica enftica,
talento histrinico,
demagogia carismtica e ranoso moralismo pequeno-burgus. Estas
duvidosas qualidades,
estimuladas por cada vez maior consumo de bebidas alcolicas,
valeram-lhe ser eleito
presidente da Repblica em 1960.
Esta primeira e nica vitria eleitoral da direita udenista na
disputa da presidncia
foi, entretanto, alm de ambgua e efmera (triunfou um
aventureiro, auto-investido de uma
nebulosa misso regeneradora, que logo tropeou nas prprias
pernas), tanto mais
contraproducente que seu candidato a vice, Milton Campos,
politicamente mais confivel
encontra-se em C. Navarro de Toledo, As falcias do revisionismo.
Sobre o golpe de 1964. Crtica Marxista, n 19, 2004.
70 A candidatura de Lott foi apresentada pela coligao
governamental PSD-PTB, majoritria no Congresso e no pas. Constitua
um passo esquerda relativamente aliana que elegera Juscelino
Kubitschek em 1955.
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do que Jnio, porque identificado ao moralismo udenista, foi
derrotado pelo candidato da
esquerda, Joo Goulart, o qual, embora carecendo dos traos de
carter prprios a um
dirigente de estatura histrica (no se pode compar-lo a um
Salvador Allende, por
exemplo), no era um politiqueiro vulgar, contrariamente ao que
pretendem no somente os
udenistas explcitos, mas tambm aquela esquerda especializada em
responsabilizar
somente a esquerda por suas derrotas, como se para vencer
bastasse apenas no errar71.
Mostrara coerncia em sua trajetria poltica, vinculada ao PTB
(que no era, naquela
poca, mero balco de negcios polticos) e ao sindicalismo
getulista. Candidato a vice na
chapa de Lott, foi eleito em outubro 1960, beneficiando-se da
legislao eleitoral de ento,
que no obrigava a votar nos candidatos da mesma chapa, graas
recusa de parcela
importante do eleitorado popular de Jnio de votar para
vice-presidente no udenista Milton
Campos.
Confiando em sua prpria (e nebulosa) inspirao para levar
adiante, acima dos
partidos polticos, sua pretensa misso moralizadora dos costumes
cvicos72, mas
embriagado, inclusive no sentido literal, por to vertiginosa
ascenso, Jnio logo se atolou
em megalmanas fantasias, que culminaram no bisonho auto-golpe
promovido em agosto
de 1961, cujo fracasso levou-o a demitir-se. A este fiasco
somou-se, graas resistncia
republicana encabeada por Brizola, o do pronunciamento golpista
da cpula do Exrcito,
que pretendia impedir a posse de Joo Goulart, sucessor
constitucional do frustrado
Bonaparte de periferia.
71 Caio Prado Jr., o mais eminente representante destes censores
dos derrotados, declarou que Jango procurou
imitar Getlio, mas o problema que tinha todos os defeitos de
Getlio elevados ensima potncia e nenhuma de suas qualidades. E deu
nisso que tinha de dar. Entrevista a O Estado de S. Paulo de 11 de
junho de 1978. Nada mais lamentvel para um historiador do que fazer
previses retrospectivas, sobretudo neste grau de simplismo.
72 Em sua prpria verso, mais exatamente, na pluma de Antnio
Houaiss, um dos coadjuvantes do prprio Jnio Quadros e de Afonso
Arinos, co-autores de Histria do povo brasileiro. 2 ed. So Paulo,
J. Quadros Editores Culturais, 1968, VI vol., da qual extramos as
notas (auto) biogrficas que seguem, Jnio conquistou a suprema
magistratura do pas na base de suas qualidades pessoais, j que no
se fizera, no curso de rpida vida pblica, nem catalisador de
tendncias poltico-partidrias definidas, nem defensor, ostensivo ou
velado, de grupos de presso poderosos, visto como, ao contrrio,
ousara apresentar-se sempre com ampla mobilidade crtica, verberando
-atravs de pregao moral e de externados anseios de justia social-
partidos, tendncias, instituies, correntes e indivduos (op. cit.,
p. 213).
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A reao burguesa e latifundiria tirou deste duplo fracasso de
agosto 1961 a
concluso de que no lograria debelar a ameaa a seus privilgios
recorrendo apenas aos
partidos polticos disponveis, sobretudo considerando que a
eficcia do recurso aos
militares mostrara-se problemtica. A criao do IPES e de
organismos congneres, logo
em seguida, correspondeu claramente percepo, nos meios
patronais, do que podemos
chamar uma crise de hegemonia, mas que a imprensa a servio deles
designava, em
linguagem policial, subverso comuno-peleguista: suas posies e
privilgios de classe
estavam ameaados pela ascenso potencialmente revolucionria das
classes subalternas
numa situao poltica em que estavam descrentes da possibilidade
de fazer valer seus
interesses pela via eleitoral. Precisavam de uma organizao de
tipo novo, capaz de
superpor aos instrumentos habituais de dominao burguesa
(manipulao eleitoral das
massas, intoxicao meditica da opinio pblica) formas
conspirativas de atuao,
coordenadas por uma direo estratgica disposta a recorrer a todos
os meios, inclusive os
piores, para articular a heterclita aliana reacionria que,
derrubando Goulart, resolveria
pela fora a crise de hegemonia burguesa. Da concluso terica
aplicao prtica o prazo
foi curto.
Dreifuss comprova, com exaustiva documentao, a amplitude e a
importncia das
multiformes atividades conspirativas centralizadas pelo IPES por
trs de sua andina
fachada legal. Simplificaramos, entretanto, a dinmica deste
processo complexo e tortuoso
se sustentssemos que o IPES ou o IBAD, que com ele se fundiu na
prtica (Dreifuss se
refere ao complexo IPES-IBAD), formaram-se na perspectiva
imediata de tomar de
assalto o poder de Estado. Tal propsito, sem dvida, estava
presente no esprito de seus
chefes, civis e militares, alguns dos quais vangloriar-se-iam
mais tarde, sem mentir, de
terem comeado a conspirar em 1961. Mas justamente por encararem
com critrios
orgnicos (isto , do ponto de vista dos interesses histricos da
ordem do capital) a soluo
de fora que estavam preparando, atuaram sem precipitao, com
cautela correspondente
magnitude dos interesses e privilgios que pretendiam (e
lograram) preservar.
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Parece-nos justa, portanto a nfase de Dreifuss no carter orgnico
do IPES.
Entretanto, a frmula com que o define, elite orgnica da
burguesia multinacional e
associada, apresenta inconvenientes. No vemos, com efeito,
nenhum ganho terico no
uso do termo elite. No somente por ser dificilmente separvel de
conotaes ideolgicas
manifestamente estranhas inspirao democrtica e anti-imperialista
de seu pensamento,
mas sobretudo porque restringe ao estado-maior da conspirao
golpista (que exatamente
por ser tal, devia atuar nos bastidores da cena poltica) as
funes dirigentes e portanto as
responsabilidades polticas de uma ampla mobilizao que envolveu
todos os aparelhos
polticos e ideolgicos das classes dominantes, a comear dos
partidos de direita e de
extrema-direita.
A montagem do dispositivo golpista entre os militares coube ao
general Golbery do
Couto e Silva, que se integrou desde o incio no ncleo dirigente
do IPES. A tarefa
apresentava dificuldades, porque as Foras Armadas,
contrariamente Igreja, estavam
ento politicamente divididas. O fato de que Brizola tivesse
conseguido mobilizar parcela
decisiva da oficialidade contra os golpistas de agosto 1961, era
especialmente preocupante
para a direita. Golbery supervisionou com zelo metdico e
eficiente a organizao, pea por
pea, de uma tentacular rede conspirativa, formando atravs do
controle das empresas
polticas disponveis (partidos, jornais, sindicatos patronais
etc.) uma holding da
conspirao contra-revolucionria, que centralizou contatos
regulares com grupos
reacionrios extremistas, lavagem de dinheiro para suborno de
plumitivos e outros
sicofantas instalados nos meios privados de comunicao social
etc.
J no incio de 1962, sob a coordenao do general Golbery, o IPES
lanou sua
primeira ofensiva ideolgica. Para convencer as correntes de
opinio assustadas com o
avano (mais presumido do que real) das foras de esquerda, de
que, para salvar Deus, a
Famlia e a Propriedade, era preciso derrubar o presidente Joo
Goulart, uma tropa de
jornalistas passou a anunciar com mercenria disciplina que o
espectro do comunismo
rondava o pas. Alm do patronato industrial e financeiro, a
mobilizao da rede contra-
revolucionria envolveu a hierarquia da Igreja catlica, a qual,
na poca (com a notvel
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exceo de D. Helder Cmara), inspirada em posies virulentamente
reacionrias,
marchou coesa para o golpe Aos industriais e latifundirios
somou-se a maioria reacionria
do clero. Um padre chamado Veloso, ex-reitor da PUC do Rio de
Janeiro, ajudou a
branquear os fundos ilegais repassados ao IPES pela plutocracia
inquieta. O padre
Leovigildo Balestieri, outro sacerdote tambm mais preocupado com
o profano do que com
o sagrado, organizou uma das mais importantes frentes de massa
da reao, a Campanha da
Mulher pela Democracia (CAMDE), de onde saram as furibundas
marchadeiras, que
iriam ganhar para a reao a batalha das ruas.
Chegada a hora da batalha final contra Goulart, no foi preciso
improvisar. Estudos
posteriores ao livro de Dreifuss, notadamente Os Senhores das
Gerais, de Heloisa Starling,
consagrado conspirao e mobilizao golpista em Minas Gerais73
confirmam
pormenorizadamente a funo hegemnica exercida pelo IPES,
incontestavelmente o
principal centro da articulao contra-revolucionria.
Dentre as preciosas informaes de que o livro prdigo,
salientaremos apenas a
minuciosa descrio das atividades conspiratrias do general Mouro
Filho. J no final de
1961 e incio de 1962, quando comandava um regimento em Santa
Maria, Rio Grande do
Sul, Mouro estava vinculado ao IBAD, ao qual prestou desde logo
alguns servios,
notadamente ajudando a promover uma reunio do patronato rural
gacho. Engajado na
conspirao com o zelo de fascista impenitente, tornou-se
rapidamente um de seus
principais articuladores. Imaginava ser tambm um de seus
principais dirigentes, mas como
mostra Dreifuss com amplos pormenores, estava sendo manipulado
pelos verdadeiros
chefes da conspirao, isto , pela cpula do complexo IPES-IBAD74,
que o manipulava
como um boc de mola, dando-lhe ou tirando-lhe gs, infiltrando
militares que agiam sob
sua coordenao no estado-maior de sua tropa. Quando, guindado ao
comando da 42
Regio Militar e da 42 Diviso de Infantaria do I Exrcito, com
sede em Juiz de Fora,
decidiu agir por conta prpria, desfechando o golpe de Estado,
por pouco no ps a perder
73 O livro de H. Starling foi editado pela Vozes (Petrpolis,
1986). 74 Cf. Dreifuss, op. cit., p. 373-396.
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o tenaz e metdico trabalho subversivo do IPES. Era grande o
risco de que, se
permanecesse isolada, a quartelada de Mouro seria contida e
derrotada pelo governo
federal. Postos diante do fato consumado da intempestiva
sublevao mineira, os demais
articuladores do golpe, inclusive a direo do IPES, no podiam
deixar de apoi-lo,
precipitando seus planos. Mais tarde, vitorioso o golpe, iriam
colocar Mouro em seu lugar.
3. De um golpe a outro
Havia sem dvida entre os chefes do golpe a expectativa de que o
Ato de 9 de abril,
cronologicamente o primeiro de uma longa srie, seria o nico.
Tanto assim que no tinha
nmero. Ademais, consignavam por escrito, em seu 11 e ltimo
artigo, o carter provisrio
do poder excepcional de que estavam investidos, limitando-lhe a
vigncia ao dia 31 de
janeiro de 1966. Este carter pretensamente provisrio era
desmentido, porm, pelas
medidas anti-democrticas de carter permanente que ele
introduzia. A rigor, a nica
medida de exceo com data marcada para expirar era o poder de
cassar mandatos e demais
direitos polticos. (Seria ressuscitado, com renovado mpeto, pelo
Ato 5). As outras
medidas, pretendidas durveis, modificavam a Constituio de 1946
(em cuja defesa,
nunca ser demais repetir, tinha sido desfechado o golpe),
reforando os poderes
presidenciais e, portanto a mquina do Executivo.
Dissipando rapidamente a ambigidade entre a retrica do provisrio
e a lgica da
fora, o general Castelo Branco cassou, em 8 de junho de 1964, o
mandato de senador e
suspendeu por dez anos os direitos polticos de Juscelino
Kubitschek, o mais forte
candidato s eleies presidenciais de 1965. Algumas semanas
depois, no dia 22 de julho,
uma emenda constitucional, aprovada por um Congresso expurgado e
domesticado (o Ato
Institucional suprimira a exigncia de maioria de dois teros para
reformar a Constituio e
dera um prazo de trinta dias ao Congresso para votar emendas
apresentadas pelo
presidente), atribuiu mais quatorze meses de mandato a Castelo
Branco (ele deveria,
inicialmente, completar o mandato de Joo Goulart), prolongando-o
at 15 de maro de
1967.
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A despeito destas e de outras manipulaes75, a UDN, partido dos
tartufos bem-
pensantes da direita liberal, solidamente articulado aos
interesses industriais e financeiros
da burguesia pr-estadunidense e conseqentemente ao golpe e ao
novo regime, foi
amplamente derrotada nas urnas por candidatos da oposio
consentida em dois dos mais
importantes Estados onde houve eleies para governador: Minas
Gerais e Guanabara. Fato
tanto mais significativo que os governadores destes dois
Estados, respectivamente
Magalhes Pinto e Carlos Lacerda figuravam entre os mais
furibundos chefes civis da
conspirao golpista76. A derrota eleitoral, ao manifestar
inequivocamente o refluxo do
movimento das massas contra-revolucionrias e reacionrias, uma
vez atingido seu objetivo
maior, derrubar o governo de esquerda (o nico que o Brasil teve
em sua histria) fez
aflorarem as contradies no resolvidas do movimento
contra-revolucionrio de 1964.
Foi o bastante para que o general Castelo Branco, replicando ao
veredicto do
sufrgio universal, decretasse, em 27 de outubro de 1965, o Ato
Institucional n2. Este
novo golpe (agora estritamente palaciano) suprimiu todos os
partidos polticos, inclusive os
da direita, substitudos pela ARENA, em que se agrupou folgada
maioria de deputados e
senadores dispostos a desempenhar o duvidoso papel de estafetas
do regime, e pelo MDB,
reservado oposio consentida. Suprimiu tambm, no artigo 9, a
eleio direta do
presidente da repblica, atribuindo ao Congresso, expurgado e
manietado, a funo de
eleger o chefe do Executivo. Como o estuprador que se desculpa
dizendo no ter matado a
vtima, o Ato declarou, em seu artigo 1, que a Constituio de 1946
seria mantida. Mas
aps tantas violaes, no estava em condio de suportar mais
remendos, amputaes e
enxertos, sobretudo desta envergadura. Estava moribunda. 75 O
bloco parlamentar revolucionrio, base governista no Congresso,
agrupada em torno da UDN (partido que
se tornara majoritrio graas s cassaes de mandatos dos colegas),
fizera aprovar, em 9 de julho de 1965, por 210 votos contra 115,
uma reforma eleitoral que eliminava os pequenos partidos e
declarava inelegveis por um ano os antigos ministros de
Goulart.
76 Vale lembrar a este respeito que, evocando em depoimento a um
jornalista sua participao na articulao do golpe de 1964, Carlos
Lacerda admitiu que ele e Magalhes Pinto haviam mantido negociaes
visando a obter armas e apoio diplomtico dos Estados Unidos. A
entrevista de Lacerda O ltimo depoimento foi publicada em dias
sucessivos no jornal O Estado de S. Paulo. A passagem aqui citada
do dia de 9 de junho de 1977. Magalhes Pinto, tambm em declarao
imprensa (entrevista ao Jornal do Brasil do dia 23-12-1976), havia
reconhecido, at por serem evidentes, seus contatos com a Embaixada
norte-americana, negando, entretanto (mas s os muito ingnuos
poderiam lev-lo a srio), ter pedido armas a seus interlocutores
estrangeiros.
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Um ltimo remendo lhe foi infligido pelo Ato Institucional n3, de
5 de fevereiro de
1966, que estendeu s eleies para governador o banimento do
sufrgio universal. Em 15
de abril, decidido a mandar fabricar outra Constituio, Castelo
Branco emitiu um decreto
encarregando um grupo de quatro jurisconsultos de elaborar um
anteprojeto, o qual,
entretanto no lhe pareceu suficientemente retrgrado. Incumbiu
ento o ministro da
Justia, Carlos Medeiros da Silva de redigir, sem maiores
discusses, o texto da Carta a ser
outorgada. Em seguida, por fora do Ato Institucional n 4, de 7
de dezembro de 1966,
deputados e senadores receberam, para aprov-la, o prazo de um ms
e meio (feriados de
fim de ano includos). Nem por isso foram impedidos de desfrutar
das frias: a ARENA,
que tinha obtido 267 deputados federais contra 142 para o MDB
nas eleies legislativas
de 15 de novembro de 1966, iria, em qualquer hiptese, votar sim
senhor. Mantinha-se
assim, em hipcrita homenagem do vcio virtude, a forma
republicana, ainda que
esvaziada de contedo, como de um cadver esvaziam-se as entranhas
para embalsam-lo.
Entrementes, no dia 3 de outubro, o agressivo e vulgar general
Costa e Silva, que impusera
sua candidatura contestando pela direita as posies politicamente
menos truculentas de seu
predecessor, tinha sido eleito presidente nos termos esprios do
artigo 9 do Ato
Institucional n2.
Para o regime no foi pequeno o custo poltico desta normalizao
institucional.
Carlos Lacerda, cuja grande ambio era tornar-se presidente,
vinha se distanciando do
governo Castelo Branco desde o incio de 1965. No dia 18 de maio,
notadamente,
desfechara na televiso forte ataque poltica econmica do ministro
Roberto Campos, dito
Bob Fields por seu liberalismo servilmente pr-imperialista. A
prorrogao do mandato
de Castelo Branco em julho de 1965, infligira uma primeira
frustrao sria ao funesto
corvo udenista. Ele comentaria mais tarde que, quela altura, a
eleio presidencial j
tinha ido pro brejo77. Mas as instncias dirigentes da UDN
continuaram a confirmar sua
candidatura. Ela s foi mesmo chafurdar no brejo trs meses
depois, com a derrota eleitoral
de outubro 1965, logo seguida do Ato 2. Mais ainda do que as
ambies pessoais de 77 Diria tambm, com o sarcasmo habitual, que o
general-presidente detestava a prorrogao dos mandatos
alheios. O ltimo depoimento, entrevista a O Estado de S. Paulo,
12 de junho de 1977.
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Lacerda, para l tambm tinham ido as pretenses de qualquer
candidatura civil
presidncia, a qual permaneceria, at 1985, cargo monopolizado
pela cpula do Exrcito.
A primeira reao do chefe civil do golpe aps sua defenestrao foi
tentar
mobilizar contra Castelo Branco os militares da linha dura,
eufemismo dos jornalistas
para designar os oficiais de mentalidade fascista. A despeito do
prestgio de que desfrutava
junto massa dos oficiais de direita, no teve sucesso, at porque
a funo de mediador
entre os elementos mais exaltados da direita militar, empenhados
em engavetar sine die o
sufrgio universal, e o desgastado governo de Castelo Branco foi
assumida pelo general
Costa e Silva, que atropelando as duas pr-candidaturas militares
governamentais (do
general Adhemar de Queiroz e do marechal Cordeiro de Farias) e
pondo-os diante de um
fato consumado, lanou-se candidato em janeiro de 1966.
Posto, ele tambm, diante do fato consumado, Lacerda divulgou a
seus amigos
fardados duas cartas abertas (21 e 22 de outubro de 1966) em
que, com a costumeira
truculncia verbal agravada pelo amargor, responsabilizava
Castelo Branco por todos os
desmandos e incoerncias do regime. Uma semana depois, em 28 de
outubro, distribuiu
imprensa o Manifesto da Frente Ampla, colcha de retalhos
poltica, cujo nico objetivo
prtico era propor uma aliana com os principais lideres
proscritos pelo regime, de
Kubitschek a Goulart.
Na medida em que a linha de clivagem da ruptura lacerdista
parecia passar entre os
lderes militares e civis da contra-revoluo de 1964, reforou-se a
imagem de uma
ditadura dos militares. Na verdade, o prestgio, em seus
ambientes respectivos, dos dois
protagonistas desta ruptura, tanto o do chefe civil da direita
golpista quanto o do presidente
da ditadura militar, estavam em inexorvel declnio. Com a
diferena de que as Forcas
Armadas mantiveram espessa coeso ao trocar de chefe, ao passo
que a Frente Ampla
subsistiu principalmente no noticirio jornalstico e morreu de
esquecimento sem nunca ter
verdadeiramente nascido.
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No perodo aberto pela outorga da Constituio de 1967 e pela posse
do general
Costa e Silva, o vazio poltico instaurado pelo regime
contra-revolucionrio foi preenchido
pela mobilizao da oposio democrtica, a qual, a partir de maro de
1968, ocupou as
ruas do pas, contestando a ditadura com forte apoio da opinio
pblica. Reprimindo sem
intimidar e legiferando sem se legitimar, o regime foi posto
diante da constatao de que os
atos de fora que lhe tinham permitido submeter ou condenar ao
ostracismo os chefes
polticos da oposio consentida eram incuos para silenciar a
mobilizao cvica que
vinha dominando a cena poltica nacional durante vrios meses.
verdade que ela perdera
intensidade a partir de outubro, mas nada provava que este
refluxo iria ser duradouro. Salvo
a romper de novo a j espria legalidade vigente para soterrar de
vez o ciclo das passeatas
nas trevas espessas do ciclo do sufoco.
O desencadeamento paralelo do movimento de luta armada, tambm no
primeiro
semestre daquele ano, conferindo nova dimenso, ofensiva e
assumidamente violenta, ao
combate da oposio clandestina, reforava nos detentores do poder
de Estado a opo por
um novo e mais radical ato de fora, com suspenso sine die da
Constituio de 1967.
Precipitada pela manifestao de independncia da Cmara Federal,
que recusou licena
para processar um deputado da oposio que, da tribuna, havia
contestado o regime, a
deciso foi concretizada por meio de mais um golpe, em 13 de
dezembro de 1968, com a
promulgao do Ato Institucional n 5, que outorgou ao Alto Comando
das Foras Armadas
poderes discricionrios sem precedentes.
sombra do Ato 5, as prises se encheram de novas levas de
estudantes e demais
militantes de diferentes tendncias da resistncia. Ao ciclo das
passeatas sucedeu o ciclo do
sufoco. A mquina policial e militar, com suas equipes de
torturadores, tendo recebido carta
branca para travar a guerra suja, concentrou-se ento no
aniquilamento do movimento de
luta armada desencadeada no primeiro semestre daquele ano.
Institucionalizado com a
ditadura aberta, o recurso sistemtico tortura, primeiro para
cercar e destruir a guerrilha
urbana em seguida, a partir de 1972, a guerrilha do Araguaia, e
complementarmente, para
quebrar o nimo (quando no os ossos) do que restava da resistncia
clandestina, conduziu
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falaciosa identificao da ditadura e do golpe que lhe deu origem
ao carter militar do
regime. A falcia, note-se bem, no consiste em sustentar que a
cpula militar assumiu o
controle discricionrio dos centros decisrios da mquina estatal,
mas em supor que os
militares agiram por conta prpria. Contrariamente a uma imagem
que prosperou at por
ser trivial, a ditadura militar no era ditadura dos militares
sobre os civis, e sim de
militares e civis reacionrios e pr-imperialistas sobre as foras
populares e progressistas da
nao brasileira. Vale lembrar que mesmo no que concerne ao uso da
tortura em larga
escala para extorquir rapidamente dos presos as informaes que
permitiriam prender
outros resistentes, a iniciativa pioneira foi tomada por membros
do alto patronato paulista,
os quais, articulados com torturadores do Exrcito e da polcia,
entre os quais o truculento
crpula Srgio Paranhos Fleury, montaram o primeiro organismo
especializado em guerra
suja, a Operao Bandeirantes (OBAN). Os DOI-CODI s vieram depois.
Mas
exatamente por serem rgos do Exrcito, reforaram ainda mais,
junto opinio pblica, a
ocultao do apoio das classes dominantes represso dos
subversivos.