-
Carina Faustino Santos
Construo de sentidos: o contributo da
imagem no processo de reescrita de textos
Relatrio de estgio em ensino de Portugus no 3. ciclo do Ensino
Bsico e Ensino Secundrio e de
Francs nos Ensinos Bsico e Secundrio, orientado pela Professora
Doutrora Ana Maria Machado e pelo
Professor Doutor Joo Domingues, apresentado ao Conselho de
Formao de Professores da Faculdade
de Letras da Universidade de Coimbra
Setembro de 2014
-
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Construo de sentidos: o contributo da
imagem no processo de reescrita de
textos
Carina Faustino Santos
Ficha Tcnica:
Tipo de trabalho Relatrio de estgio
Ttulo Construo de sentidos: o contributo da imagem no
processo de reescrita de textos
Autora Carina Faustino Santos
Orientadora Professora Doutora Ana Maria Machado
Coorientador Professor Doutor Joo Domingues
Jri
Identificao do Curso
Professora Doutora Cristina Mello
Vogais:
1.Professora Doutora Maria Joana Vieira dos Santos
2. Professora Doutora Ana Maria Machado
Mestrado em Ensino de Portugus no 3. ciclo do
Ensino Bsico e Ensino Secundrio e de Francs nos
Ensinos Bsico e Secundrio
Data de defesa 17 de setembro de 2014
Classificao 19 valores
-
1
A educao deve contribuir para o desenvolvimento
total da pessoa, esprito, corpo, inteligncia, sensibilidade,
sentido esttico, responsabilidade pessoal e espiritualidade.
Todo o ser humano deve ser preparado, especialmente graas
educao que se recebe na juventude, para elaborar
pensamentos autnomos e crticos e para formular os seus
prprios juzos de valor, de modo a poder decidir, por si
mesmo, como agir nas diferentes circunstncias da vida.
(Jacques Delors, 1996)
-
2
Agradecimentos
Aos meus orientadores, a Professora Doutora Ana Maria Machado e
o Professor
Doutor Joo Domingues, pelo apoio, pelas indicaes precisas, pelo
rigor da sua
exigncia.
s minhas orientadoras de Estgio Pedaggico Supervisionado, a
Professora
Doutora Anabela Fernandes, a Professora Doutora Eulalie Pereira,
a Professora
Cndida Lopes e a Professora Violeta Alves, por terem conduzido a
minha ao em
sala de aula, acompanhando e incentivando continuamente o meu
trabalho.
Aos meus colegas de Mestrado, pelo ombro amigo, pela partilha de
experincias
nesta longa jornada.
Ao meu marido e aos meus filhos, por terem tantas vezes
entendido a minha
ausncia.
-
3
ndice
Resumo 6
Abstract 7
Introduo 8
Parte I - Prtica pedaggica supervisionada 10
1. A escola 10
1.1 - Contexto socioeducativo 10
1.2 - O espao fsico 11
1.3. Princpios e valores da ao educativa 12
1.4. Projeto educativo para o quadrinio 2009-2013 13
2. Perfil das turmas observadas 13
2.1. A turma de Portugus 14
2.2. A turma de francs 15
3. A prtica pedaggica supervisionada 16
Parte II - Construo de sentidos:
o contributo da imagem no processo de reescrita de textos.
20
1. Fundamentao terica para o estudo da escrita 20
1.1. Construo de sentidos:
o contributo da imagem no processo de reescrita de textos 26
1.2. O tema nos documentos de referncia 32
1.2.1. Portugus 32
1.2.1.1. Programa de Portugus, Ensino bsico 33
1.2.1.2. Metas Curriculares de Portugus, Ensino Bsico 34
1.2.1.3. O manual escolar Novas Leituras, 8 35
1.2.2. Francs 37
1.2.2.1. Programa de Francs, Ensino Bsico 37
1.2.2.2. Currculo Nacional do Ensino Bsico 37
-
4
1.2.2.3. Quadro Europeu Comum de Referncia para
as Lnguas 38
1.2.2.4. O manual Superchouette, 8. ano 38
2. Didatizao 40
2.1. Tipo de estudo 40
2.2. Metodologia 41
2.3. Operacionalizao 42
2.3.1. Nas aulas de Portugus 42
2.3.2. Nas aulas de Francs 49
2.4. Anlise e interpretao dos resultados 53
2.4.1. Portugus 53
2.4.1.1. Anlise das produes escritas 53
2.4.1.2. Concluses resultantes da observao direta em aula 61
2.4.1.3. Anlise de questionrios 63
2.4.2. Francs 65
2.4.2.1. Anlise das produes escritas 65
2.4.2.2. Concluses resultantes da observao direta em aula 67
Consideraes finais 68
Bibliografia 71
Anexos 76
-
5
ndice de tabelas
Tabela 1 - Pessoal docente e no-docente 11
Tabela 2 Grelha de anlise das produes escritas 54
ndice de ilustraes
Ilustrao 1 Atividades do manual escolar 36
Ilustrao 2 Aulas lecionadas a portugus 45
Ilustrao 3 - Aluno A (1. produo) 54
Ilustrao 4 - Aluno B (1. produo) 55
Ilustrao 5 - Aluno C (1. produo) 55
Ilustrao 6 - Aluno A (2. produo) 57
Ilustrao 7 - Aluno B (2. produo) 57
Ilustrao 8 - Aluno C (2. produo) 58
Ilustrao 9 - Aluno A (3. produo) 58
Ilustrao 10 - Aluno B (3. produo) 59
Ilustrao 11 - Aluno C (3. produo) 59
Ilustrao 12 Anlise de questionrios 64
-
6
Resumo
A proposta de estudo do presente Relatrio visa averiguar em que
medida a
explorao da imagem, enquanto ilustrao literria, poder contribuir
para a aquisio
de crescentes capacidades de construo de sentidos face ao texto
literrio.
Aps o enquadramento da realidade socioeducativa da escola onde
realizei o
estgio, bem como uma breve reflexo da prtica pedaggica
supervisionada, procede-
se, numa primeira fase, reviso da literatura no domnio da
didtica da escrita e da
comunicao visual, de modo a fundamentar teoricamente o estudo em
causa.
A anlise de resultados permitiu aferir um efetivo contributo da
imagem no
processo de reescrita de textos literrios, porquanto
potenciadora de exerccios de
traduo intersemitica, introduzindo o aluno no dilogo
estabelecido entre duas
linguagens que se complementam a textual e a icnica.
Enquadrada num projeto de escrita enquanto processo, a imagem,
ela prpria
interpretao do texto literrio, instituiu-se como recurso capaz
de potenciar a
capacidade de construo de sentidos.
-
7
Abstract
The reports proposal seeks to ascertain the extent to which the
exploitation of
the image, as literary illustration, may contribute to the
increasing capacity of
constructing sense from literary texts.
After giving an account of the social and educational
environment of the school
where I did the supervised internship, I present a brief
reflection on supervised
pedagogical practice, and then a review of the literature about
the didactics of writing
and visual communication, in order to theoretically justify the
study.
The analysis of the results confirm that the use of the image in
the process of
rewriting literary texts, fundamental to inter-semiotic
translation exercises, introduces
the student to the dialogue established between two languages
that complement each
other the textual and the iconic.
Framed in a project of writing as a process, the image, itself
interpretation of the
literary text, becomes a resource in creating the ability to
construct sense.
-
8
Introduo
A opo pelo domnio da escrita como tema central do Relatrio
decorre do
trabalho desenvolvido ao longo do Seminrio de Portugus. A
escrita foi apresentada
como tema central, de forma a que, dos estudos finais do grupo
que o integrava,
resultasse uma viso relativamente sistemtica do ensino e
aprendizagem de diferentes
tipos de escrita, nas distintas fases e elaborao, preconizada
pelo modelo processual
adotado e, como se ver, coincidente com as indicaes do Programa
de Portugus do
Ensino Bsico.
Tendo presente que a compreenso escrita do texto literrio uma
competncia
cuja aquisio exige um trabalho de aprendizagem progressiva,
delineou-se um projeto
que procurou desenvolver nos alunos competncias ao nvel da
construo de sentidos,
aferindo-se o contributo da imagem no processo de reescrita de
textos.
Ciente de que o sistema de ensino atual deve basear-se em
estratgias de ensino
e aprendizagem que impliquem ativamente o aluno, procurei pensar
pedagogicamente
o contributo da anlise da imagem, pelo seu poder representativo
da mensagem
veiculada. O projeto foi aplicado em duas turmas do 8. ano
(Portugus e Francs), em
contexto de sala de aula.
Numa primeira parte do Relatrio procedi a uma breve caracterizao
da escola
onde desenvolvi o projeto, bem como descrio do perfil das turmas
observadas e da
prtica pedaggica supervisionada, como enquadramento essencial
prvio ao projeto
apresentado.
Num segundo momento, procurei fundamentar teoricamente a didtica
da
escrita, focando-me, de modo particular, nos estudos de Flower e
Hayes, Emlia Amor e
Lusa Pereira, bem como sustentar o contributo da imagem enquanto
recurso didtico.
Analisei, de igual modo, em documentos de referncia para o
ensino do Portugus e do
Francs, as sugestes pedaggicas para o uso da imagem no processo
de interpretao
escrita de textos.
Por fim, dediquei uma terceira parte descrio da didatizao do
projeto,
situando o tipo de estudo que me coube desenvolver, bem como as
metodologias que
nortearam a minha ao, apresentando os contornos da
operacionalizao do tema
proposto. Aps a anlise de resultados, que me permitiram aferir
os benefcios didticos
da explorao da imagem, concluo o presente Relatrio com algumas
consideraes
-
9
finais, que julguei importante tecer, porquanto congregadoras de
reflexes resultantes da
breve investigao realizada: a explorao da imagem permitiu ao
aluno aproximar-se
do texto literrio focando o seu olhar num recurso paratextual,
cuja linguagem visual
favoreceu um dilogo capaz da educao da ateno do aluno, bem como
a construo
segura da interpretao escrita, quer em lngua materna quer em
lngua estrangeira.
-
10
Parte I - Prtica pedaggica supervisionada
1. A escola
1.1 Contexto socioeducativo
A sede do agrupamento, a Escola E.B. 2,3 Dr. Correia Alexandre1,
localiza-se na
vila de Caranguejeira, a leste do concelho (e sede de distrito)
de Leiria. A vila ocupa
uma rea de 32,48 km e conta com uma populao de 4972 habitantes.
Ainda que se
possa reconhecer um importante desenvolvimento de atividades
econmicas,
especialmente no sector secundrio, tercirio e servios, o meio
envolvente ainda
marcado por uma cultura rural.
O Agrupamento de Escolas de Caranguejeira foi criado nos termos
do n. 4 do
art. 8. do Decreto-lei n 115-A/98 de 4 de Maio2, por proposta da
DREC, homologada
em 4 de Maio de 1999 pelo Secretrio de Estado da Administrao
Educativa. A escola
sede abriu no ano letivo de 1986/1987, sendo designada por C+S
de Caranguejeira e, a
partir de 1997, por E.B. 2/3 Dr. Correia Alexandre, ilustre
mdico da vila3. No ano
letivo de 1012/ 2013 agrupou-se com a Escola Bsica de Santa
Catarina da Serra,
alterando-se a denominao do agrupamento para Agrupamento de
Escolas da
Caranguejeira e Santa Catarina da Serra.
O corpo docente (quadro 1) constitudo por noventa
professores/educadores de
infncia, distribudos por cinco jardim-de-infncia, seis escolas
do 1 ciclo e pela escola
sede que congrega os 2. e 3. ciclos. A maioria dos docentes
(cinquenta e nove)
pertence ao quadro do agrupamento, estando seis destacados.
Vinte e cinco pertencem
ao Quadro de Zona Pedaggica e dezassete so contratados. O
pessoal no docente
conta com seis assistentes tcnicos e trinta e quatro assistentes
operacionais.
1 As informaes constantes neste captulo foram recolhidas no
documento Projeto Educativo para o trinio 2009/2013 - literacia e
cidadania: um projecto para o futuro. 2 Este decreto-lei vem
aprovar o regime de autonomia, administrao e gesto dos
estabelecimentos pblicos da
educao pr-escolar e dos ensinos bsico e secundrio, bem como dos
respetivos agrupamentos. 3 A atribuio deste nome no foi fcil, pois
o referido mdico era ainda vivo, razo pela qual a designao teve
de
merecer aprovao de instncias superiores. Tratava-se do mdico que
mais anos exercera medicina na vila, tendo
acompanhado vrias geraes. Exerceu medicina at pouco antes da sua
morte, aos 89 anos. Ficou conhecido pelo
tratamento da febre tifoide.
-
11
Relativamente evoluo da populao escolar, o nmero de alunos
manteve-se
estvel, tendo como referncia os anos letivos de 2006 a 2011, com
um ligeiro
decrscimo de alunos no pr-escolar e no 1. ciclo, verificvel a
partir de dados
recolhidos no Projeto Educativo.
O nvel etrio dos pais dos alunos situa-se na faixa dos 30 aos 40
anos de idade.
A maioria dos encarregados de educao concluiu o primeiro ou o
segundo ciclo. Um
nmero menos expressivo tem o nono ano de escolaridade e um nmero
muito residual
fez o ensino superior. Predominam profisses situadas no setor
tercirio.
Nos servios tcnico-pedaggicos, contam-se uma biblioteca/ centro
de recursos,
um ncleo de educao especial, apoios educativos (aulas de apoio
curricular), tutorias,
orientao escolar e profissional, projetos e clubes (Atelier das
Artes, Clube de Histria,
Clube de Matemtica, Clube de Musica Tradicional, Clube de
Teatro, Clube da
Matemtica, Desporto Escolar, Frias Desportivas, Jornal da
Escola).
1.2 - O espao fsico
A Escola Bsica Dr. Correia Alexandre composta por quatro blocos
distintos,
um campo polidesportivo exterior e um pavilho
gimnodesportivo.
-
12
O Bloco A o principal edifcio da escola. No rs-do-cho
encontram-se os
Servios Administrativos, o Gabinete do Concelho Executivo, a
Reprografia, a
Papelaria, o Gabinete de Primeiros Socorros, o Bar e o
Refeitrio, a Cozinha, a
Biblioteca, a Ludoteca, o Estdio de Rdio, um espao polivalente,
a Sala de
Funcionrios e duas salas de arrecadao. No primeiro andar
situam-se a Sala de
Professores, a Sala de Diretores de Turma e duas salas de
informtica.
O Bloco B composto pelas salas de aulas do 2. ciclo e pela de
Educao
Visual e Educao Tecnolgica. Existe tambm uma sala destinada
Educao
Especial. No Bloco C decorrem as aulas do 3. Ciclo. Neste bloco
existe um laboratrio
de Fsico-Qumica e de Cincias da Natureza. No Bloco D decorrem as
aulas de
Educao Visual e de Msica.
No espao exterior existe um campo polidesportivo descoberto. Os
alunos
podem ainda contar com um pavilho gimnodesportivo, de construo
mais recente, que
acolhe no s as atividades fsicas dos alunos, como recebe eventos
desportivos da
comunidade. Nele existe um ginsio com cerca de 1000 m2,
balnerios, sala de
Funcionrios e Gabinete de Professores de Educao Fsica.
No ano letivo transato, a escola teve de adaptar o acesso aos
diversos blocos com
rampas que possibilitassem a deslocao de indivduos portadores de
deficincia fsica.
Embora o acesso fosse possvel anteriormente, no se revelava
prtico e integrador.
1.3 - Princpios e valores da ao educativa
A ao educativa da escola tem por objetivo favorecer a
aprendizagem e
formao do aluno de acordo com as exigncias da comunidade.
Pretende-se ainda
contribuir para o desenvolvimento integral do aluno, promovendo
a reflexo consciente
sobre os valores espirituais, estticos, morais e cvicos, bem
como favorecer a
construo do esprito crtico e da prtica democrtica.
Deste modo, preconiza-se que a educao escolar deva proporcionar
no s a
aquisio de cultura moderna (literria, cientfica, tecnolgica e
artstica), mas tambm
fomentar o desenvolvimento da personalidade, de forma a formar
cidados
responsveis, autnomos e solidrios.
O valor da liberdade est igualmente presente na ao educativa da
escola e
decorre da filosofia de um sistema educativo promotor de cidados
conscientes e
-
13
preparados para a vida que os espera, numa linha de pensamento
que nos conduz ao que
John Dewey defendia: mais do que preparar para a vida, a escola
a prpria vida.
1.4 - Projeto educativo para o quadrinio 2009-2013
Revelando dados obtidos atravs de alguns estudos, nomeadamente
os
resultantes de PISA 2000 e 2003, salientada no Projeto salienta
a existncia de
elevados ndices de iliteracia quer ao nvel de competncias em
lngua materna, quer ao
nvel do raciocnio matemtico e das cincias. Consciente da urgncia
de se trazerem
mudanas no sistema de ensino-aprendizagem - no s a nvel de
contedos, mas
tambm ao nvel das metodologias/ estratgias - a escola props-se
elaborar um projeto
educativo cujo objetivo ser aumentar os padres de literacia e da
cidadania dos
estudantes.
A fundamentao do projeto educativo para o quadrinio de
2009-2013,
Literacia e Cidadania Um projeto para o futuro, comea por
lembrar:
Ser capaz de ler no define a literacia no complexo mundo de
hoje. O conceito de
literacia inclui a literacia informtica, a literacia do
consumidor, a literacia da informao, a
literacia visual, a literacia matemtica, a literacia das artes e
a literacia cientfica, entre outras
[]. Alm do mais, compreender a chave. Literacia significa ser
capaz de perceber bem ideias
novas para as usar quando necessrias. (2009:5)
Assim, os objetivos cimeiros do Projeto Educativo so a formao de
alunos na
sua relao com o meio e o desenvolvimento de competncias que lhes
permitam
compreender e interpretar o mundo, numa atitude consciente e
cvica.
2. Perfil das turmas observadas
No mbito do estgio supervisionado, no decorrer do ano letivo
2013/2014, pude
observar as aulas de Portugus do 8. C e as de Francs do 8. B. De
modo a enquadrar
o trabalho desenvolvido ao longo destes meses, no que concerne
algumas opes
metodolgicas de um projeto de trabalho ao nvel da competncia do
ensino e
-
14
aprendizagem da escrita, uma sucinta caracterizao das turmas em
questo constitui o
ponto de partida para a didatizao que fui construindo.
2.1 - A turma de Portugus
A turma do 8. C composta por dezanove alunos (catorze rapazes e
cinco
raparigas), variando a sua faixa etria entre os doze e os
catorze anos de idade. So
alunos provenientes de um meio socioeconmico ainda marcado por
certa cultura rural,
que se vai esbatendo pela proximidade capital de distrito,
Leiria.
A maioria dos pais exerce atividades profissionais ligadas
construo civil,
enquanto as mes so maioritariamente empregadas fabris,
existindo, contudo, um
nmero significativo de casos de desemprego. Ao nvel das
habilitaes literrias, a
maioria dos pais possui o 2. ciclo. Nenhum deles possui formao
superior, tendo os
pais uma escolaridade superior s mes. A mdia de idades dos pais
situa-se nos
quarenta e dois anos de idade.
Relativamente a questes que possam dificultar o processo de
ensino-
aprendizagem, trs alunos tm Necessidades Educativas Especiais,
sendo um deles
portador do Sndrome de Down. Um dos alunos da turma repetente.
Alguns
beneficiam de aulas de recuperao (aulas previstas no mbito das
medidas educativas
proporcionadas pela escola) a Portugus e a Matemtica.
No que concerne o aproveitamento, a turma tem uma prestao
satisfatria,
embora com algumas dificuldades ao nvel do raciocnio
abstrato.
O trabalho desenvolvido no domnio da escrita permitiu aferir,
desde cedo,
algumas particularidades. Existiam dificuldades, essencialmente
no domnio da
estruturao do pensamento, da sistematizao de conhecimentos e
compreenso. Se na
oralidade, a maioria conseguia ler adequadamente um texto,
atingindo um nvel de
interpretao adequado, embora pouco seguro, j a mobilizao de
conhecimentos para
a escrita revelava-se um exerccio inconsistente e pouco autnomo.
As lacunas mais
evidentes centravam-se ao nvel da organizao e coerncia do texto
e na traduo de
ideias.
Ao longo das aulas lecionadas, pude desenvolver atividades onde
foi trabalhada
a competncia escrita. Num primeiro momento trabalhei oralmente a
interpretao do
texto. Alguns alunos destacaram-se, participando ativamente e
contribuindo para a
progresso da aula. No momento em que era solicitado o trabalho
escrito, deparei-me
com situaes em que os alunos no conseguiam sistematizar o
conhecimento
-
15
demonstrado aquando da leitura inicial. Acresce que, mesmo os
que o conseguiam
fazer, demonstravam alguma incapacidade em fazer ilaes,
constatando-se, tal como
me tinha sido transmitido pela professora orientadora da escola,
a dificuldade ao nvel
do pensamento abstrato. Revelavam-se alunos que, no estando
habituados a trabalhar
sistematicamente a competncia escrita em aula, se apresentavam
reticentes e imaturos
perante os exerccios propostos.
Tendo em considerao as particularidades da turma, o trabalhado
de
interpretao de textos fazendo uso da imagem poderia traduzir-se
numa metodologia
profcua, no sentido em que esta poderia contribuir para a
representao mental que o
aluno fazia do que lia e, por conseguinte, auxiliar a sua
capacidade de interpretao. No
entanto, se, por um lado, os alunos demonstraram que, de forma
emprica, conseguiam
fazer a leitura de uma imagem, por outro, revelou-se necessria
bastante orientao da
minha parte para que, da imagem, trouxessem para o texto que
redigiam informao que
acrescentasse uma mais-valia ao nvel da compreenso da
narrativa.
Esteve sempre presente na planificao da minha ao junto dos
alunos a
necessidade de trabalhar dois aspetos fundamentais para a
prossecuo do projeto de
investigao: a escrita tinha de deixar de ser um lugar estranho
para ser um lugar que se
atinge atravs de um trabalho progressivo, por um lado; conduzir
os alunos no processo
de construo de sentidos aquando da reescrita de textos
literrios, trabalhando a
capacidade de interpretao de imagens, por outro.
2.2 - A turma de Francs
A turma do 8. B composta por vinte alunos (nove raparigas e onze
rapazes),
com idades entre os doze e os catorze anos. Tal como na turma de
Portugus, os alunos
so provenientes de um meio socioeconmico rural, favorecendo-os o
facto de
pertencerem a uma comunidade onde o suporte familiar e social
ainda uma realidade.
A turma tem dois alunos com escalo A da Ao Social Escolar e
cinco alunos
com escalo B. A maioria das profisses dos pais est ligada rea da
construo civil e
atividades fabris, enquanto as mes exercem profisses na rea
fabril e prestao de
servios. Nesta turma, o nvel de escolaridade das mes mais
elevado. Apenas um dos
pais possui habilitaes acadmicas de nvel superior. A mdia da
faixa etria dos pais
situa-se nos quarenta e trs anos de idade.
-
16
A turma compreende trs alunos com Necessidades Educativas
Especiais,
existindo uma aluna repetente. Sete alunos foram propostos para
aulas de apoio
disciplina de Matemtica, seis para as de Portugus e sete para as
de Ingls. Quanto ao
aproveitamento, a turma situa-se num nvel satisfatrio, embora
com algumas
dificuldades, tal como a turma de Portugus, ao nvel do raciocnio
abstrato.
O trabalho desenvolvido com a turma, no domnio da escrita,
permitiu concluir
que os alunos se situavam inicialmente num patamar muito bsico.
Para tal, no foi,
obviamente, estranho o facto de estarem no nvel II de ensino de
lngua estrangeira. As
principais dificuldades prendem-se com a falta de vocabulrio,
com a ortografia e com a
estrutura especfica da lngua francesa, que ainda estavam a
adquirir. Se, na oralidade, a
grande maioria dos alunos conseguia entender o sentido de um
texto, a competncia
escrita situava-se ainda numa fase muito embrionria. Do que pude
constatar, a grande
maioria dos exerccios escritos propostos tinha-se situado, at
ento, ao nvel da
interpretao de textos, em exerccio de pergunta/resposta. A
composio escrita e a
elaborao de texto era apenas trabalhada nos momentos de avaliao
final.
A proposta de investigao-ao na turma foi desenvolvida ao longo
de trs
aulas. A mesma teve em conta as especificidades da didtica em
lngua estrangeira,
diversas das que so possveis nas aulas de Portugus, lngua
materna. Os exerccios,
ainda que com o mesmo objetivo final, permaneceram num nvel mais
bsico no que
concerne complexidade da produo textual. No entanto, os
resultados alcanados
permitiram aferir que possvel no s trabalhar o texto literrio
francs em nveis de
ensino mais elementares, entrelaando-os com os objetivos
comunicativos das unidades
temticas, mas tambm que a imagem tem um papel fundamental no que
diz respeito ao
ensino de lnguas estrangeiras.
3. A prtica pedaggica supervisionada
A prtica pedaggica supervisionada iniciou-se em setembro de
2013, na Escola
Bsica Dr. Correia Alexandre. Iniciar o estgio foi, no s, comear
uma nova
experincia, como reviver um espao que j foi meu. De facto,
voltar a esta escola, local
onde conclui o 3. ciclo, permitiu-me rever espaos, rostos e
memrias de um tempo.
Numa primeira fase, reuni com as minhas orientadoras, tendo sido
fornecidas
informaes relativas s turmas com as quais iria trabalhar ao
longo do ano letivo. Foi
-
17
com entusiamo que iniciei o meu estgio, sentindo-me acolhida
tanto pelo corpo
docente e no-docente, como pelos alunos, antevendo um ano de
aprendizagens
recprocas.
Ao longo do estgio lecionei oito aulas de Portugus de 90 minutos
e dez de
Francs (oito de 90 minutos e duas de 45 minutos)4. Tanto a
Portugus, como a Francs,
assisti maioria das aulas lecionadas pelas orientadoras, bem
como aos seminrios por
elas desenvolvidos. Estes revelaram-se momentos fundamentais
para a definio de
objetivos para as aulas a serem lecionadas. A observao de aulas
permitiu-me uma
aprendizagem progressiva do trabalho pedaggico a desenvolver em
sala, tendo sido
determinante para a minha formao enquanto futura professora.
Pude constatar o uso
de metodologias e de estratgias pedaggicas diversificadas, o que
me conduziu a uma
reflexo aprofundada acerca da funo do professor e do ensino. No
se podendo cingir
transmisso de conhecimentos, o seu objetivo passa por conduzir o
aluno atravs de
um processo educativo que tenha como finalidade no apenas a
aquisio de
conhecimento, mas tambm a aquisio de competncias de trabalho, de
competncias
basilares da educao: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a viver juntos e
aprender a ser, naquilo a que Jacques Delors (1996) chamou os
quatro pilares da
educao.
O trabalho prtico em estgio permitiu-me, ainda, o confronto com
uma questo
central: por que quero ensinar? Ensinar no apenas de transmitir
um ofcio ou uma
tcnica a quem no a domina, mas sim trabalhar com a questo da
evoluo social,
intelectual e emocional das crianas e jovens. Dizia John Dewey
(2002) que educar
preparar para a vida. Por outro lado, Hannah Arendt (2006) fala
em transmisso.
Transmisso de um mundo, de tradio, aos mais novos. Do confronto
entre estas duas
posies, surge aquilo que acho de mais maravilhoso na atividade
docente, poder situar
a criana no seu mundo, que o nosso mundo, o mundo de todos ns,
ao mesmo tempo
que lhe damos instrumentos para eles prprios serem capazes de
pensar a vida e, um
dia, serem agentes ativos na construo de um mundo que s existe
em devir constante.
Enquanto professora de Lngua Materna e de Lngua Estrangeira,
considero que
a principal competncia do professor , no s situar a criana, mas
ensin-la a ler o
4 O nmero de aulas a lecionar, tal como todos os princpios
orientadores da prtica pedaggica supervisionada, e as
normas da sua organizao, seguiram as diretrizes do Regulamento
de Formao de Professores e do Plano Anual
Geral de Formao da Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra. Deste modo, refere o primeiro documento
que nos Ncleos de Estgio bidisciplinares, o nmero mnimo de
actividades lectivas que cada Estagirio tem de assegurar situa-se
entre 28 e 32 aulas de 45 minutos ou entre 14 e 16 aulas de 90
minutos, divididas equitativamente
pelas duas reas de formao (p.2).
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mundo. Da que tenha desenhado, desde muito cedo, uma proposta de
trabalho em sala
de aula que pudesse conduzir estes alunos (com as suas
dificuldades e inseguranas,
mas tambm com um potencial de trabalho que descortinava enquanto
os observava) em
crescentes capacidades de construo de sentidos e de pensamento
crtico. Desta forma,
tambm aproximava o meu projeto dos objetivos propostos no mbito
da literacia
definidos no Projeto Educativo da escola.
Tendo sido, desde logo, sugerido no Seminrio de Portugus que
fosse
explorado o domnio da escrita em sala de aula, procurei que o
meu projeto pedaggico
pudesse, ento, desenvolver neles seguras capacidades de
interpretao que, da
oralidade, pudessem estar espelhadas na sua capacidade de
comunicao escrita.
Saber construir sentido ser saber posicionar-se face ao que se
l, ao que se
ouve, ao que se intui. Saber construir sentido, escrevendo-o,
ser dizer ao mundo, de
forma organizada, a interpretao que dele cada um faz. Pois a
interpretao (entendida
como a capacidade, oral ou escrita, de se posicionar perante o
patrimnio literrio e no-
literrio) um dos principais exerccios para desenvolver em ns o
esprito crtico, a
criatividade e a maturidade. Talvez por isso se diga, ento, que
educar preparar para a
vida.
Ensinar permite, assim, a viagem, em descoberta partilhada,
vivncia pessoal e
coletiva, que ser tambm comunicao e relao com a vida. Ensinar
levar o aluno a
encontrar os mundos do seu mundo. Haver motivao maior para se
querer ensinar?
Neste processo couberam tambm as atividades extracurriculares.
Longe se de
institurem como tarefas desagregadas do trabalho realizado em
aula, funcionaram como
braos que se estenderam fora da sala, levando de mo dada a
motivao dos alunos a
mostrarem comunidade escolar a construo da aprendizagem
realizada.
O estgio profissional possibilitou-me limar representaes, p-las
em causa,
reformul-las, abandon-las, criar outras tantas e redefinir
estratgias do que considero
ser a prtica docente. A par da prtica pedaggica supervisionada,
o projeto de
investigao levado a cabo instituiu-se um suporte que deu corpo
minha interveno
junto dos alunos. Foi o trabalho de investigao que me colocou
perante o
conhecimento de uma rea especfica, a didtica da escrita, e me
permitiu a conduo
sustentada da ao. Seria difcil conceber que eu pudesse crescer
intelectualmente sem
percorrer a exigncia da investigao, sem confrontar teorias, sem
produzir as minhas
prprias concluses pelo confronto com as concluses de quem sobre
as diversas
matrias discorreu. Da que considere que qualquer professor deva
estar ciente da
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importncia da investigao na construo crtica do conhecimento do
seu e, por
consequncia, do aluno.
No esse, afinal, o objetivo de um processo de ensino e
aprendizagem baseado
no ensino pela descoberta?
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Parte II - Construo de sentidos: contributo da imagem no
processo
de reescrita de textos
Nos programas oficiais de ensino, o processo ensino-aprendizagem
admite
metodologias que se apoiem em recursos que permitam ao professor
uma abordagem
diversa da tradicional. Com base nos quatro pilares de ensino
evocados por Jacques
Delors (1999), procurei delinear um projeto de trabalho que
integrasse estratgias que
dotassem o aluno de uma crescente capacidade quer de anlise do
texto literrio quer de
produo escrita.
Neste processo pretendi aferir a importncia do uso da imagem,
enquanto
recurso visual, para uma pedagogia participada e interativa no
ensino do Portugus,
lngua materna, e do Francs, lngua estrangeira. Em concreto,
trata-se de verificar de
que modo a imagem contribui para o exerccio de interpretao e de
reescrita de textos.
1. Fundamentao terica para o ensino da escrita
Cabe escrita um papel determinante na histria do homem, como
veculo de
uma memria que perpetua, ou, nas palavras de Carlos Reis, se a
lngua uma
herana (2011:10), a escrita materializa-a, eternizando-a. Assim
sendo, o seu papel na
transmisso do conhecimento organizado faz dela uma competncia
que exige
simultaneamente um nvel elevado de especializao e complexidade.
A sua pertinncia,
a nvel pedaggico, determinante. Muito antes da ateno que os
novos programas do
Ensino Bsico concedem escrita (Reis, 2009), Emlia Amor (1994)
surgia como uma
das defensoras de um novo paradigma do seu ensino, apontando o
facto de os alunos
apresentarem um fraco domnio e falta de motivao para a escrita,
no obstante caber
escola o desenvolvimento efetivo desta competncia, bem como o
processo de ensino e
aprendizagem inerente, tal como determinar os moldes da sua
avaliao. Salienta ainda
a importncia da escrita para o desenvolvimento cognitivo do
aluno, na sua maturidade
crtica, na sua autonomia intelectual e scio-afectiva (Amor,
1994: 109).
Tambm Lusa Pereira (2000), num trabalho amplamente reconhecido
no
domnio da escrita, salienta a necessidade de uma didtica neste
domnio que contribua
para o seu ensino e aprendizagem, preconizando uma mudana de
cenrio programtico,
visto nas ltimas dcadas ela no ter merecido especial ateno por
parte dos programas
em vigor, nem ter sido objeto de uma pedagogia que satisfaa as
atuais exigncias da
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escola. Perante a necessidade de se definir uma didtica da
escrita que contribua para a
sua unidade pedaggica, a autora prope a sequncia didtica como
dispositivo ideal de
ensino-aprendizagem.
No mesmo sentido, Maria Cabral (2001) coloca a nfase na
responsabilidade da
escola sobre o atual estado da escrita na sala de aula, pois,
defende, a competncia
escrita, ao contrrio de outros usos da lngua, uma competncia
cuja complexidade
tem de ser aprendida. Preconizando uma mudana do paradigma do
seu ensino e
aprendizagem, sustenta a abordagem processual da mesma. A este
propsito, lembra
Lus Barbeiro que a investigao das ltimas dcadas sobre a escrita
colocou em
evidncia a dimenso processual. O texto (o produto) no nasce sem
o processo. A
perspectiva sobre o ensino-aprendizagem da escrita deslocou-se
do produto para o que
acontece nesse processo. (2000: 65).
Para a questo do ensino da escrita em lngua estrangeira, h muito
que a
didtica das lnguas preconiza uma abordagem que vem ao encontro
do que hoje
defendido em didtica de lngua materna (Beacco, 2007: 208-248),
entendendo-se o
carter progressivo da sua aprendizagem, considerando-se,
contudo, tal como salienta
Fabienne Desmons (2005), que a leitura e a oralidade continuam
no centro das
referncias de ensino e aprendizagem. O ato de escrita , antes de
mais, considerado
como um ato pragmtico de comunicao funcional.
Reconhecendo que a competncia da produo escrita em lngua
estrangeira
permanece um comptence langagire (2005: 45) particular, para a
qual falta um
efetiva didtica, o autor resume as singularidades do seu ensino:
a questo da
transferncia de competncias de uma lngua para a outra, a
imaturidade dos alunos que
se iniciam numa lngua que se inscreve no domnio da alteridade e
o ensino de uma
lngua outra. O autor salienta ainda que a didtica da escrita em
lngua estrangeira deve
ter em considerao dois nveis de saberes fundamentais: o savoir
orthographier e o
savoir rdiger (2005: 55).
O atual Programa de Portugus do Ensino Bsico (2009) reflete j o
novo
paradigma didtico em torno da competncia escrita,
percecionando-a como um
processo no linear de trabalho de apropriao de mecanismos
textuais
progressivamente mais complexos, em que se utiliza a linguagem
escrita para pensar,
para comunicar e para aprender.
O documento salienta ainda que, no domnio da escrita, importa
que os alunos
trabalhem um conjunto alargado de textos, dando-se relevo ao
literrio, na medida em
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que este permite o contacto com modos de comunicao de
complexidade crescente e
com formas mais sofisticadas de organizao do pensamento.
Relativamente explorao do texto literrio no ensino de lngua
estrangeira,
Jean-Pierre Cuq refere com pertinncia que:
[a]vec lapproche communicative, la littrature est dune certaine
manire rhabilite
par lintroduction des textes littraires parmi les supports
dapprentissage. Le texte littraire est
exploit dans les mthodes pour dvelopper la comprhension de lcrit
et comme dclencheur
de lexpression orale et crite. (2003 :158).
No reforo do lugar da literatura no ensino de lngua estrangeira,
este autor
afirma que: " [l]a littrature est une lecture du monde partager.
Sans la sacraliser, il
faut donc redonner la littrature la place qui doit tre la sienne
au sein de
lapprentissage" (2005:415).
Salvaguarde-se, no entanto, que em nveis mais elementares de
aprendizagem
(como o caso do ensino de lngua estrangeira) a abordagem ao
texto literrio ter de
ser diversa da que possvel em aulas de lngua materna. Nestes
nveis de
aprendizagem, o ensino da literatura dirigir-se- mais compreenso
lingustica dos
textos, embora outras dimenses possam comear a ser
exploradas.
Defendendo a relao que a escrita deve manter com o texto
literrio, pelas
implicaes da leitura na qualidade escrita, salienta Emlia Amor
que existem
interferncias mtuas das duas competncias. Apresenta-se, contudo,
a escrita como a
forma socialmente mais valorizada, impondo-se como referncia
normativa, o que a
posiciona como uma competncia basilar entre as restantes que
norteiam o ensino de
lngua, materna ou no materna, transversal e integradora de todo
o currculo
(1994:141).
Tambm Lusa Pereira reflete sobre a questo da articulao
leitura-escrita.
Segundo a autora, a tradio escolar privilegia a precedncia do
ler sobre o escrever,
no sendo reconhecida a influncia da leitura na qualidade da
escrita (2000: 317).
Conclui a autora que na relao leitura (literria)-escrita, os
professores tendem a
encarar a literatura como um entrave aprendizagem da produo
textual escrita, que,
entretanto, ficou marginalizada. No entanto, o ensino da
literatura hoje encarado no
seu papel formativo de sensibilizao ao literrio e no num
enquadramento de
venerao que o ensino tradicional lhe conferia, lembrando as
palavras de Cuq. Assim
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ser possvel uma leitura orientada pela escrita (), gerando-se um
vaivm contnuo
entre mundo do texto, mundo do leitor, leitura e escrita (2000:
326).
Para se rentabilizar a escrita atravs da articulao com a
leitura, o trabalho
sobre um texto pode recorrer a prticas como a parfrase, a
reescrita ou o resumo. Neste
exerccio de criao de um texto a partir de outro, a leitura surge
como um exerccio de
explicitao do texto-fonte.
Praticando a interao dialtica leitura-escrita, a literatura em
contexto escolar
tem de ser instncia de produo (criao literria) e no apenas
instncia de receo
(leitura literria), tal como salienta Pereira. Ao ter presente a
escrita como um processo
e no como um produto final, a didtica da escrita ganha sempre
que o aluno se
confronta com o prprio percurso da escrita de escritores
consagrados, concluindo-se a
escrita como construo, mesmo a literria (Pereira, 2000:
326-327). Admitindo a
interferncia da leitura na produo escrita, importa refletir de
que modo se organiza a
compreenso no ato de escrita, num processo de construo de
sentidos.
Reconhecendo-se a difcil transposio didtica da lngua/ escrita,
Pereira
apresenta trs vias de investigao em didtica da escrita plasmada
nos modelos
lingustico-textual e discursivo, cognitivista, e de abordagem
literria, e salienta as
limitaes do paradigma redacional. Ora, estas vias de investigao
contrapem-se a
uma conceo da escrita como intuio inata e abrem portas para um
novo paradigma
do seu ensino. Assim, para Pereira, a sequncia didtica constitui
uma abordagem
adequada para o complexo ensino-aprendizagem da escrita,
correspondendo a um
projeto de trabalho organizado, do qual resultar um texto, com
um gnero especfico,
inscrito numa real situao de comunicao. Para a autora, a
sequncia didtica
apresentada como pilotagem didtico-pedaggica capaz de levar o
aluno a apreender
efetivamente o processo da escrita, refutando-se a ideia de que
esta no se aprende,
desejando que a capacidade de escrever possa ser concebida como
fruto de um trabalho
planificado, sistemtico, que exige tempo e exercitao
intelectual, e que se desenvolve
com a prtica e o conhecimento de algumas tcnicas (Pereira,
2000:24).
Preconizando um programa sistemtico de promoo da escrita,
pelas
caractersticas que esta apresenta (comunicao diferida, passvel
de planificao) e
pelo que constitui (ao nvel da interdisciplinaridade, da
epistemologia e das
modelizaes possveis), julgo que um projeto ao nvel desta
competncia, para alm de
contribuir para a aprendizagem de estratgias de autonomizao do
seu processo, pode
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concorrer para um fim maior, visto que favorecer a apropriao da
lngua favorecer a
apropriao do restante conhecimento (Amor, 1994:142).
Quando se traam objetivos e abordagens pedaggicas que encaram a
escrita
com um processo, por forma a que o aluno adquira
progressivamente estratgias de
autonomizao e de planificao de textos, temos de ter presente
modelos processuais
que no a encarem numa conceo funcional, orientada para um fim,
mas antes que, tal
como o sugerido por J.R. Hayes e L.S. Flower (1981:365-387),
desloquem a ateno do
produto para o processo redaccional e para estratgias no ato de
escrita. O modelo
apresentado pelos autores integra trs componentes, a do sujeito,
a do contexto da tarefa
e a do processo da escrita, qual estaro implcitas trs etapas
distintas: planificao,
textualizao e reviso. Pelos processos cognitivos de que d conta
e pelas etapas
propostas, ser este o modelo que adotarei no ensino da escrita,
pelo que as suas
orientaes estaro subentendidas aquando da planificao de
estratgias didticas em
aula.
Brando Carvalho insiste que o modelo de Flower e Hayes, ainda
que revisto em
1994, se assume como uma referncia entre todos os que se
interessam pela
problemtica do ensino da escrita (2002:90). Reportando-se ao
mesmo pelo seu
interesse pedaggico, Emlia Amor salienta que este d conta do
escrever como um
processo complexo, de construo de sentidos (1994:112), em que se
clarificam
intenes, reorganizam ideias e se compreende (com treino) o
prprio processo de
criao.
Deste modo, a escrita enquanto objetivo de aprendizagem pressupe
dois tipos
de interveno possveis, cruzando estratgias de interveno
sectorial (operaes
concretas de planificao, textualizao e reviso), com estratgias
de atuao global
(pautadas pelas caractersticas do produto final). Estas dizem
respeito ao exerccio pleno
da atividade da escrita, agrupando-se em trs modalidades: a
triagem de textos; a
produo (total) do texto; a reescrita de textos.
O projeto que me propus desenvolver insere-se justamente nesta
ltima
modalidade. Lembre-se que o trabalho de reescrita defendido por
Emlia Amor
(2000:71) como um ncleo determinante na aprendizagem dos saberes
da escrita,
[sendo] excluda de grande parte das prticas ligadas redaco.
A reescrita de textos integra as produes que se baseiam noutros
escritos,
pressupondo a apropriao de tcnicas de reformulao (parafrsica ou
no parafrsica),
distanciam-se, por isso, da escrita recreativa. Relembra a
autora que as operaes de
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reformulao so constitutivas dos discursos, por norma orais, mas
tambm escritos, e
condio do seu eficaz funcionamento. A importncia pedaggica da
reformulao, ou
traduo intralingual, segundo Roman Jakobson (1963), reside no
facto de ajudar o
aluno a ganhar conscincia da adequao ou no do seu discurso/
texto e a servir de
instrumento de construo e avaliao da compreenso de outros
discursos/textos,
transversal a todo o currculo.
Relativamente reformulao parafrsica, a autora sugere que
atentemos
nalgumas sugestes, como a parfrase, a definio, a perfrase, a
contrao e resumo e a
traduo. Embora Amor entenda este termo como interpretao dos
signos de uma
lngua natural por meio de signos no lingusticos (1994:38), julgo
que, para o objeto
de estudo em questo, seja mais pertinente considerar-se por
traduo o que Roman
Jakobson denomina de intersemitica intralingual: reescrever um
texto a partir das
tradues dos signos de uma mesma lngua.
Assim sendo, do exerccio de traduo derivar um novo texto,
resultante da
interpretao de um primeiro, literrio, com o qual mantm relaes de
sentido, mas do
qual se distancia ao nvel do gnero, podendo, pelas
caractersticas que apresenta,
inscrever-se do domnio de textos descritivos ou sntese.
Na sequncia das orientaes veiculadas em vrios documentos e
estudos de
referncia, relativamente relevncia que o texto literrio deve
assumir ao longo do
percurso escolar, para o trabalho a desenvolver com os alunos no
domnio da escrita,
partirei do estudo especfico do texto narrativo, de cuja leitura
resultar um exerccio de
escrita que potenciar, essencialmente, exerccios como o
parafrasear, o reescrever ou
resumir, numa prtica onde se desenvolvam crescentes capacidades
de construo de
sentido do texto literrio originalmente lido, contribuindo,
assim, para o entendimento
da escrita enquanto processo. Perante este exerccio fundamental,
ocorre a questo de se
definirem estratgias pedaggicas que possam, efetivamente,
conduzir a construo de
sentido de um texto por parte do aluno. Da que se tenha
delineado um projeto de ensino
e aprendizagem que faa uso de metodologias que o dirijam numa
crescente capacidade
de anlise, de interpretao do que se l e, por conseguinte, do que
se escreve.
Deste modo, a anlise das imagens que ilustram o texto podero ser
um
contributo ao nvel da explorao do contedo a parafrasear e, nesse
sentido, contribuir
para a clarificao de intenes do autor, concorrendo para uma
melhor estruturao do
contedo a resumir, quer num primeiro plano de interpretao oral,
quer, depois, ao
nvel da sistematizao da interpretao que se faz no exerccio de
produo escrita. A
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imagem, considerada como toda a ilustrao que possa acompanhar um
texto, ser,
deste modo, encarada como subsidiria do exerccio de reescrita,
instaurando-se como
potenciadora de um dos objetivos da escrita enquanto processo, a
construo de
sentidos. Salienta-se, uma vez mais, que a reescrita de textos
foi trabalhada ao longo do
projeto como forma de interpretao do texto literrio.
Atente-se, como reflexo final deste breve captulo, no
significado da prpria
palavra ilustrar: esclarecer, elucidar e demonstrar,
exemplificar, segundo o
dicionrio de Lngua Portuguesa da Porto Editora, mas tambm tornar
compreensvel
e transmitir conhecimento. Assim, no exerccio de interpretao do
texto literrio,
ser que a imagem torna compreensvel o texto de modo implcito?
Poder-se-o
encontrar estratgias pedaggicas para que a imagem transmita ou
clarifique uma
mensagem?
1.1. Construo de sentidos: contributo da imagem no processo de
reescrita de
textos
A partir da constatao da necessidade de uma renovao pedaggica e
didtica
da escrita, como a que defendida por Emlia Amor (1994: 109-142),
elaborei um
projeto de turma que tem como objetivo o ensino da escrita como
um processo, uma
construo balizada por parmetros especficos. Deste modo, tendo
sempre presente que
a este processo subjazem tanto estratgias de interveno setorial,
como estratgias de
interveno global, tentei definir um caminho que desenvolvesse no
aluno crescentes
capacidades de explorao de sentidos de um texto literrio,
suscetveis de o auxiliar no
trabalho de interpretao (traduo) escrita (domnio da reescrita de
textos). No
processo, a imagem foi tida como recurso pedaggico privilegiado
e o seu confronto
com o texto, a metodologia norteadora da produo de
reescrita.
A razo da escolha deste recurso, como auxiliar privilegiado de
um exerccio de
interpretao e posterior sistematizao escrita da informao
recolhida, prende-se com
o facto de se poder fazer uso de um elemento paratextual,
presente na maioria dos
manuais escolares, mas que raramente explorado ao nvel didtico.
A sua
potencialidade pedaggica reside no seu poder de representao e de
confronto material
por meio de uma linguagem (visual) alternativa, capaz de chegar
a alunos cuja
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capacidade de aprendizagem se centra, maioritariamente, ao nvel
do estmulo visual
(Cf: La Garanderie: 1980).
O fenmeno da comunicao tem motivado vrios estudos cientficos,
feitos por
socilogos, linguistas e pedagogos. Em 1975, Jean Clouter destaca
a funo didtica da
comunicao, introduzindo o termo EMEREC (em[issor] e rec[cetor])
para definir um
novo sujeito no processo comunicativo. O EMEREC ser o sujeito
que deixa de ser
apenas emissor ou recetor para ser ambos, o que nos leva
comunicao ativa. Num
sistema educativo centrado no aluno, este simultaneamente
recetor de informao e
emissor ativo da mesma, no sentido em que, descobrindo, vai
construindo o seu prprio
conhecimento.
A explorao de uma imagem e o seu confronto com o texto concorre
para a
pedagogia pela descoberta (cf. Antnio Moderno, 1992:86), no
exato ponto em que
desenvolve e estimula o poder de observao. Cabe, pois, ao
professor levar o aluno a
descobrir os valores que pretende comunicar, devendo a sua ao
ser pautada pela
elaborao de questes que conduzam reflexo. A este propsito, T.
Decaigny observa
que aprender a observar uma imagem ou documento no significa
unicamente aprender
a interpretar todos os detalhes que ela contm ou interpretar o
seu primeiro significado,
mais ainda descobrir para l da imagem uma significao em segundo
grau (apud
Antnio Moderno, 1992:86), que se situa no seu poder de
representao de uma
realidade (textual ou no textual) com a qual estabelece relao. A
propsito da funo
da imagem enquanto veiculadora da mensagem do texto, Clio Meurer
lembra, num
estudo dedicado ilustrao literria como traduo intersemitica, as
palavras de Anna
Marie Christin:
A ilustrao olhar. Vis--vis mudo, fora do texto, da cena do
discurso, ela lhe rende
homenagem pela evidncia [] de uma leitura que seria espetculo,
de uma palavra que seria
mimo e desenho. [] O olhar da ilustrao nasce da presena da
imagem na vizinhana onde ela
se inscreve. A miragem se opera ali, nessa dualidade estampada
de um texto e de uma figura de
onde surge uma dependncia irresistvel. (Anna Marie Christin apud
Meurer, 2010: 4)
Moderno refere que o primeiro passo na construo do conhecimento
a
observao. Olhar uma imagem tentar compreend-la. Confront-la a
partir de um
texto, pedindo-lhe informao, poder construir sentido que enforme
o conhecimento
que o aluno vai descobrindo.
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A imagem, enquanto recurso didtico (e no como mero acessrio),
facilita a
comunicao, na medida em que torna visvel a mensagem,
clarificando-a, tornando
mais fcil a sua compreenso. A anlise de uma imagem, em aula,
convida ainda
participao ativa do aluno, tornando o jogo de interpretao mais
atrativo5 e permitindo
o exame crtico de fontes de informao que acompanham o texto.
Moderno diz a este
propsito que quem est sensibilizado reage. Ora, visto que o
discurso pedaggico
contemporneo privilegia a descoberta, h toda uma atitude
metodolgica que ter de
lhe estar subjacente. , portanto, nesse sentido que a imagem
trazida para a presente
proposta de investigao.
No caso da leitura e da escrita, o recurso visual, poder trazer
contributos ao
nvel da semitica, na construo de sentidos de um texto. A imagem,
enquanto
ilustrao literria poder reforar interpretaes, ajudar a
estabelecer relaes. Ainda
que uma imagem seja sempre a representao de uma realidade e no a
realidade em si,
se devidamente selecionada, poder concorrer para a representao
que se cria de um
texto, contribuindo para a sua interpretao, na sua funo de
espelho. Cabe ao
professor levar o aluno a participar ativamente no dilogo que a
imagem estabelece com
o texto.
Sendo a imagem uma das mais antigas formas de expresso da
cultura humana,
ela apresenta uma linguagem com a qual o aluno est
familiarizado. H muito que ela
acompanha a escrita, complementando-se mutuamente, mas, mais do
que nunca, as
novas geraes apreendem o mundo pela e com a imagem. Perante o
seu uso
generalizado nos manuais escolares e face s orientaes para a
construo ativa de
conhecimento fazendo uso de recursos audiovisuais variados,
importa, pois, pensar
didaticamente a potencialidade da imagem aquando da produo
escrita.
A imagem, pelo seu papel representativo, poder ser um contributo
importante
na explorao e construo de sentido de um texto, pelo que o seu
uso numa
metodologia de abordagem ao texto escrito, concorre para o
entendimento do ensino
enquanto processo, na medida em que permite a explorao da
capacidade de
interpretao por parte do aluno.
5 Ao nvel pedaggico, a imagem estimula a perceo atravs da viso.
Recorde-se que cerca de 75% da
aprendizagem advir deste sentido, como lembra Diana Sousa
(2009). Da que, gradualmente, o audiovisual tenha
deixado de ser usado como uma tcnica, ou recurso auxiliar, para
ser agora usado como metodologia ativa de ensino.
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Como refere Spanol Santos, a propsito de trabalho realizado no
mbito da
semitica, a imagem, enquanto smbolo, configura-se como um vetor
de transmisso,
cuja funo principal
representar outra coisa que no ela mesma. Assim, ela no tem
valor em si, mas deve a
sua razo de ser apenas ao seu poder de representao. A
representao conceitual tem relao,
por fim, com a virtude de concretizao simblica que encarregada
de representar, devido a
uma coneco, por elementos concretos ou semi-abstratos, uma
realidade abstrata e intangvel. O
smbolo tem, assim, por funo essencial mostrar e tornar sensvel o
que no o : valores
abstratos, poderes, programas de aces. Nesse sentido, a funo
simblica da imagem remete
para o poder de construir uma analogia emblemtica. (Santos,
2009:3)
A imagem, enquanto representao visual, poder ser um
contributo
interpretao de um texto, na medida em que salientar aspetos
concretos do contedo a
analisar, representando-os, tornando concreta a imagem mental
que o aluno faz do
texto, ou de partes do mesmo. Como afirma Antnio Moderno, o
esprito nunca pensa
sem imagens (1992:66). Fornecer ao aluno uma imagem concreta
poder contribuir
para apuramento daquilo que j intuiu, dado que na imagem aparece
com mais
intensidade a lgica do contedo, como bem lembrava Agustina Bessa
Lus.
No ensino de lnguas estrangeiras, o uso de imagens um recurso
didtico
amplamente utilizado, sendo que o objetivo da sua explorao tem
variado ao longo dos
tempos. Atualmente, posiciona-se a imagem como un dclencheur
verbal, quer numa
primeira fase de elucidao de termos, quer no reemprego de
estruturas lingusticas,
podendo ainda servir como suporte etnogrfico ou cultural.
Relembra o pedagogo
Gerald Schlemminger que, no cdigo da imagem, a mensagem tende a
ser mais eficaz,
pois os significantes podem ser melhor visualizados. A mensagem
possibilitada pela
imagem tende a ser explorada de modo a que se possa representar
a situao global da
realidade com a qual estabelece relao, permitindo que o aluno se
voit ainsi offrir une
plus grande interprtation ce qui implique une plus grande
implication sa part (1995:8).
Salienta-se ainda que os meios audiovisuais ao servio do ensino
tero entrado na
Europa como meio auxiliar de ensino para as lnguas
estrangeiras.
A propsito do estudo da imagem e a sua relao com a escrita,
autores como
Lcia Santaella e Winfried Nth do conta da necessidade do suporte
verbal para que
uma imagem possa ser pensada, para alm da fruio da mera observao
da mesma:
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As imagens so um sistema semitico ao qual falta a metassemitica:
enquanto a lngua,
no seu carcter metalingustico, pode servir, ela prpria, como
meio de comunicao sobre si
mesma, transformando-se assim num discurso auto-reflexivo, as
imagens no podem servir como
meios de reflexo sobre imagens. () A separao dos dois cdigos, do
verbal e do visual, no
to radical quanto [se pode] sugerir. (1997:13)
Salientam ainda a propsito da relao entre palavra e imagem que
na
realidade, o cdigo verbal no pode se desenvolver sem imagens. O
nosso discurso
verbal est permeado de imagens, ou, como Pierce diria, de
iconicidade. (1997:14)
Os referidos autores classificam ainda as imagens em dois
domnios: o domnio
das imagens como representaes visuais, como as ilustraes,
pinturas, gravuras, que
so signos que representam o nosso meio ambiente visual; e o
domnio imaterial das
imagens mentais. Estes dois domnios encontram-se ligados pelo
facto de no existirem
imagens como representao visual que no tenham surgido na imagem
mental de quem
a produz e que, atravs dela, interpretam uma parcela do real. Do
mesmo modo, no h
imagens mentais que no tenham, de algum modo, origem no mundo
concreto dos
objetos visuais.
Reforando a relao entre imagem e contexto verbal, os autores
salientam a
funo de uma imagem junto de um texto: a imagem tanto pode
ilustrar o texto, quanto
o texto pode esclarecer a imagem, na forma de comentrio ou
descrio. Consideram
que o contexto mais marcante da imagem a linguagem verbal,
ressaltando, contudo,
que a semntica da imagem particularmente polissmica,
apresentando o carter de
mensagem aberta, passvel de diversos atos comunicativos.
perante essa abertura que possvel trabalhar o texto atravs do
seu confronto
com a imagem, devendo o professor reter os pontos de contacto
que permitam ao aluno
focar a sua anlise em segmentos de tema que faam comunicar as
duas linguagens.
De Roland Barthes (1984), a Dondis (1997), Santaella & Nth
(2002), muitos
so os autores a apresentarem diferentes teorias de leitura de
imagens. Por considerar
que este no o objeto deste estudo, no norteei o confronto da
imagem a partir de
modelos propostos, visto pretender concentrar-me na imagem como
subsidiria do texto
literrio. Assim, atravs da linguagem icnica, a ilustrao ser tida
como meio de
sensibilizao para o texto escrito. O seu efeito extrator ser
trabalhado particularmente
em cada texto, de acordo com a informao que se pretende elencar.
Estar, portanto, ao
servio da palavra escrita e, em cada texto trabalhado,
diferentes particularidades da
imagem podero ser destacadas, mediante o que dela comunica com
esse texto, nesse
-
31
encontro ntimo de significados que Magritte classifica de
recontre heureuse
(2001: 486).
Na relao imagem/texto, Santaella & Nth salientam a funo da
imagem em
torno de conceitos de redundncia, informatividade e
complementaridade, mas tambm
de contrariedade e discrepncia (lembre-se a pintura Ceci nest
pas une pipe, de
Magritte). Quando uma imagem acompanha um texto, no ocorre
somente a adio de
duas mensagens informativas diversas, mas uma nova interpretao
holstica da
mensagem total pode ser derivada dessa disposio (Santaella &
Nth, 1997:55).
Citando a investigao realizada por Barthes (1964c:38-41) e Bassy
(1974) nesta rea
especfica, Santaella e Nth apresentam a diferenciao entre duas
formas principais de
referncia recproca entre texto e imagem, que Barthes denominar
de ancoragem e
relais. No caso da ancoragem, o texto dirige o leitor atravs dos
significados da
imagem e leva-o a considerar alguns deles e a deixar de lado
outros. (1997:55). J na
relao de relais, o texto e a imagem encontram-se numa relao
complementar. As
palavras, assim como as imagens, so fragmentos de um sintagma
mais geral, e a
unidade da mensagem realiza-se num nvel mais avanado.
(1997:55).
A unidade da mensagem de que falam os autores algo que tem de
ser
verbalizado para ser mensagem. Essa unidade poder acontecer
aquando da
sistematizao da mensagem por escrito. Sendo que na relao de
relais, a ateno do
observador dirigida da imagem para a palavra e da palavra para a
imagem, o exerccio
da traduo ganhar ao nvel da informao a ser interpretada, na
medida em que
conjuga dois sistemas lingusticos, duas linguagens. Para l da
significao do cdigo
escrito, o intrprete vai buscar informao significao da linguagem
visual.
Ambas as relaes permitem formas de referncia indexical de
elementos
imagticos a elementos textuais, essenciais da semntica textual
(Santaella & Nth,
1997: 55). No entanto, enquanto a relao de ancoragem pressupe
uma estratgia de
referncia direcionada do texto imagem, a de relais permite uma
observao dirigida
da imagem palavra e da palavra imagem, o que permite o vaivm da
observao do
aluno.
O objetivo do presente projeto ensinar a construir sentido a
partir do confronto
entre texto e imagem, sendo o produto desta equao a reescrita.
Equaciona-se, assim, a
possibilidade de um projeto de reescrita de textos norteado por
uma metodologia que
exija do aluno um confronto de texto com a imagem, porquanto
esta poder contribuir
para uma mais ativa e eficaz compreenso, visualizao,
sistematizao e, por
-
32
conseguinte, construo de sentidos de categorias especficas do
texto narrativo, como a
personagem, o espao ou o tempo, em particular, ou para o sentido
global dos textos
analisados.
A propsito do treino de reescrita (traduo), tambm Emlia Amor
refere a
importncia de se associarem diferentes linguagens linguagem
verbal, invadindo-se o
terreno da criao plstica (1994:138).
Deste modo, a imagem foi chamada para uma estratgia pedaggica
que visou o
desenvolvimento da capacidade de reescrita. Tendo presente as
concluses elencadas
por Ricardo Castro (2011) acerca da ilustrao literria,
reconhece-se hoje a estranha
cumplicidade entre linguagem plstica e linguagem literria, e que
o dilogo mantido
entre as duas seduz a inteligncia discursiva. na medida em que a
capacidade de
expresso escrita se alimenta desta inteligncia, que o objetivo
geral do trabalho foi
aferir o desenvolvimento progressivo da capacidade
interpretativa escrita, fazendo uso
do contributo da imagem, numa prtica de escrita
intersemitica.
A anlise da imagem, na sua relao com o texto, possibilitou a
explorao e a
descoberta de sentidos em registos escritos que consolidassem e
organizassem a anlise
textual realizada e o discurso do aluno.
A interao da imagem com o texto produziu-se sempre de forma
orientada por
um guio de interpretao que auxiliasse o aluno na busca de relaes
intersemiticas
entre o texto e a imagem. Assim, a imagem contribuiu no s para
contextualizar o
contedo de uma obra, mas para traduzir sentidos, concorrendo
para o entendimento do
texto, cruzando duas linguagens: a textual e a icnica.
1.2 - O tema nos documentos de referncia
1.2.1 Portugus
No obstante a abertura das orientaes programticas para o uso
de
metodologias de aprendizagem potenciadoras das diversas
competncias dos alunos,
constata-se a ausncia de uma reflexo pedaggica em torno do uso
da imagem no
processo de ensino e aprendizagem, apesar da sua presena
esmagadora nos manuais
didticos. Raramente a referncia imagem assistida por um objetivo
educativo
explcito ou proposta uma abordagem didtica deste recurso.
-
33
1.2.1.1 - Programa de Portugus, Ensino Bsico
De entre as propostas do Programa de Portugus do Ensino Bsico,
explcita a
referncia a uma metodologia no processo ensino-aprendizagem que
se apoie em
recursos diferenciados. No entanto, no existem menes concretas
ao uso da imagem,
nem no processo de leitura, nem no processo de escrita.
No que concerne s questes metodolgicas, o documento refere
que
os percursos pedaggicos a desenhar tm como objectivo prioritrio
maximizar as condies e as
oportunidades de sucesso dos alunos. Para isso, importante que
contemplem contextos de
ensino e de aprendizagem ricos, desafiadores e significativos.
[] O domnio da lngua adquire-
se e desenvolve-se a partir de prticas diversificadas. O
professor cria situaes variadas e
regulares que possibilitem ao aluno experienciar diferentes
formas de uso e de reflexo sobre a
lngua, procurando patamares de realizao com uma complexidade
crescente. (Reis, 2009: 146)
Salienta-se ainda que se deve permitir ao aluno variadas
oportunidades para
compreender, produzir, treinar, mobilizar e reinvestir
conhecimentos (Reis,2009:146),
evitando prticas estereotipadas e propondo mecanismos que visem
a superao de
dificuldades, recorrendo a instrumentos de apoio aprendizagem,
biblioteca escolar e
utilizao das tecnologias de informao e comunicao.
Considerando estas orientaes, o recurso imagem d conta, por um
lado, de
um ensino onde se oferecem variadas oportunidades de
aprendizagem, de outra parte,
inscreve-se no domnio dos recursos variados capazes de despertar
no aluno o
desenvolvimento integrado de competncias.
No domnio da Escrita refere que o aluno deve produzir textos em
termos
pessoais e criativos, para expor representaes e pontos de vista
e mobilizando de forma
criteriosa informao recolhida em fontes diversas (Reis,
2009:117). No so
apresentadas, contudo, referncias diretas ao uso da imagem no
exerccio direto de
interpretao textual, nem como adjuvante no processo de escrita,
pelo que se estranha
um silncio to contrrio invaso da ilustrao nos manuais
didticos.
O documento reconhece uma didtica da escrita baseada numa
aprendizagem
gradual, preconizando-se que justamente atravs da confrontao, da
justificao e da
validao, quer das hipteses interpretativas, quer dos aspectos
terico-compositivos
implicados na compreenso, na produo e na reescrita e reelaborao
de textos que,
progressivamente, se afina a competncia textual de cada aluno
(Reis, 2009:140).
-
34
Conclui-se, portanto, que, embora o recurso imagem no seja
diretamente
mencionado no processo de ensino e aprendizagem, o Programa
contempla objetivos
que permitem inseri-la em estratgias de apropriao da competncia
escrita, uma vez
que se preconiza que o aluno deva saber expor representaes
fazendo uso de fontes
diversas e que a experincia da escrita esteja ligada capacidade
de se produzir texto
em projetos de aprendizagem progressiva.
Recomenda-se ainda, para o 3. ciclo, usar paratextos para
recolher informaes
de natureza pragmtica, semntica e esttico-literria que orientem
e regulem de modo
relevante a leitura e que se recorra escrita para assegurar o
registo e o tratamento de
informao diversa (Reis, 1996: 143). No so, contudo, dadas
orientaes para a
explorao da imagem, enquanto paratexto e parfrase do prprio
texto literrio.
Ainda que o Currculo Nacional do Ensino Bsico6 se tenha
institudo como
documento que marcou a transformao gradual do tipo de orientaes
curriculares
formuladas a nvel nacional, curiosamente no existiam, na rea do
Portugus,
sugestes metodolgicas no domnio da reescrita de textos.
Salientava-se, contudo, que
os alunos deviam aprofundar o estudo refletido de textos, de
modo a ampliar o
conhecimento de como os sentidos so construdos e
comunicados.
Mesmo que no houvesse referncia ao como trabalhar textos de
diferente
natureza (escritos, falados, visuais), importa referir que, de
facto, a questo da
linguagem visual estava presente e era reconhecida no plano
educativo.
1.2.1.2 - Metas Curriculares de Portugus, Ensino Bsico
Este documento refere, embora para o 6. ano, que no domnio da
Leitura e
Escrita o aluno deve saber fazer inferncias a partir da informao
prvia ou contida no
texto, nomeadamente antecipar o assunto, mobilizando
conhecimentos prvios com
base em elementos paratextuais (incluindo-se a imagem)
(2012:42). J relativamente
ao 3. ciclo, dever supor-se que esta competncia esteja
adquirida, face ao silncio que
sobre ela se faz.
6 Embora o Despacho n. 17169/2011, de 23 de dezembro de 2011, d
por finda a aplicao deste documento, ele
constituiu uma referncia crucial do Programa, tanto mais que, no
seu quadro de orientao terica, o termo
competncia tido como orientador do processo
ensino-aprendizagem.
-
35
Embora, no domnio da escrita, se estipule como objetivo o
escrever para
expressar conhecimentos, no h referncias ao uso de metodologias
que cruzem as
duas linguagens, textual e icnica, ou sequer privilegiem a
ltima, que totalmente
negligenciada.
Em relao Educao Literria, no que concerne apreciao de textos
literrios, refere-se que o aluno deve saber exprimir opinies e
problematizar sentidos,
oralmente e por escrito. Na questo da leitura para fruio
esttica, h a meno de que
os alunos devem analisar recriaes de obras literrias com recurso
a diferentes
linguagens. No entanto, mais uma vez, a linguagem icnica no
mencionada e, no
entanto, repita-se, aquela que mais avulta no manual e que, por
consequncia, menos
recursos exigiria tanto a professores como a alunos.
Regista-se uma ntida falha ao nvel de uma reflexo em torno do
seu uso
didtico, como se fosse evidente a explorao deste recurso.
Lembramos, a este
propsito, o que diz Moderno acerca do uso ilusrio dos recursos
audiovisuais. O facto
de uma imagem acompanhar um texto, no traduz uma imediata
vantagem pedaggica,
salvo se o confronto texto-imagem for devidamente trabalhado e
dirigido. Os
documentos de referncia, embora reconheam o seu uso, no traduzem
metodologias
potenciadoras da explorao da linguagem visual.
1.2.1.3 - O Manual Novas Leituras 8
Embora, na maioria dos manuais disponveis, seja raro o texto que
no se faa
acompanhar de uma imagem, raramente a relao texto/ imagem
explorada, estando
subentendido o contributo, implcito, desta para o entendimento
global da leitura.
Deduz-se um mero objetivo ilustrativo, sem que se proponham
estratgias que
aproximem a imagem ao processo de escrita.
Porm, o manual escolar adotado para o 8. ano de escolaridade
(Novas Leituras
8, 2012) parece configurar uma exceo, dado que, no raro, a
imagem surge associada
ao exerccio da escrita.
No que diz respeito s atividades especficas de escrita, so
sugeridas quatro
atividades concretas, evocando uma metodologia de anlise que
recorre imagem:
-
36
As sugestes de atividades escritas, tendo como recurso a imagem,
surgem
em tarefas que decorrem ou preparam a leitura de um texto
concreto. A sequncia de
atividades apresentada, prope, por norma, um exerccio de leitura
de um texto
selecionado de acordo com as indicaes do Programa, resultando
desse exerccio a
explorao dos restantes domnios de referncia, a saber,
compreenso/expresso
oral, conhecimento da lngua e escrita, ltimo domnio a ser
proposto.
Os exerccios de escrita sugeridos pelo manual no mantm, de
facto, uma
relao direta com o texto literrio a ser trabalhado em aula.
Nunca so propostos
exerccios de reescrita, como forma de interpretao deste tipo de
texto.
Note-se ainda que, sendo a escrita o ltimo exerccio sugerido na
sequncia
de atividades apresentadas, nas aulas que observei, raramente
lhe era dada
relevncia, com a justificao de prevalecerem objetivos de
cumprimento do
Programa ao nvel dos textos a serem trabalhados para o ano
letivo em questo. A
explorao da competncia escrita nunca ocorreu ao nvel interpretao
de textos
literrios.
-
37
1.2.2 -Francs
1.2.2.1 - Programa de Francs, Ensino Bsico
Tambm o Programa de Francs estabelece o uso de estratgias
diversificadas
que promovam uma metodologia activa e centrada no aluno, que
contribuam para a
apropriao de regras lingusticas e sociolingusticas; motivem para
uma aprendizagem
comunicativa da lngua estrangeira e favoream o desenvolvimento
intelectual,
psicolgico e sociocultural do aluno. (1991:89).
Prope-se o uso de recursos tcnicos e/ou tecnolgicos, que
favoream uma
abordagem mais autntica, sugerindo-se tanto o uso da imagem
visual, como da
auditiva. Diz-nos igualmente o Programa que, ao nvel da
compreenso de textos
escritos pretende-se que o aluno saiba compreender o sentido
global do texto, e que
interprete aspetos da cultura e da civilizao numa perspetiva
intercultural. No so,
contudo, indicadas metodologias potenciadoras do uso da imagem
no exerccio de
interpretao escrita do texto literrio.
1.2.2.2 - Currculo Nacional do Ensino Bsico (Lngua francesa)
Embora a aplicao deste documento tenha sido suspensa, conforme
informao
da nota 8, nele podemos encontrar sugestes de articulao da
escrita com suportes
vrios, entre eles a imagem, tendo em conta os objetivos
definidos para esta
competncia: narrar, descrever, reproduzir, criar textos ou
adequar comportamentos
comunicativos. Embora no haja referncia a metodologias
concretas, abre-se a
possibilidade para que, didaticamente, sejam trazidos recursos
que auxiliem o aluno na
construo da sua aprendizagem.
Conclui-se que os documentos de referncia para o domnio do
Francs, lngua
estrangeira, carecem de sugestes metodolgicas no domnio da
escrita enquanto
processo de aprendizagem, prevalecendo o desenvolvimento da
capacidade
comunicativa oral dos alunos. A referncia ao uso da imagem,
enquanto estratgia
facilitadora da competncia escrita, apenas sugerida, no sendo
elencadas estratgias
de interveno didtica a este nvel.
-
38
1.2.2.3 - Quadro Europeu Comum de Referncia para as Lnguas
Este documento de referncia preconiza uma abordagem metodolgica
da lngua
estrangeira baseada nas necessidades comunicativas dos
aprendentes e na utilizao de
materiais que possam satisfazer no s esta necessidade, como
sejam adequados s
caractersticas dos alunos.
Os objetivos propostos para o nvel A2 permitem concluir uma
abordagem que
implica o reconhecimento de um grau ainda elementar de ensino,
face ao saber dos
alunos em lngua estrageira. Em relao produo escrita, espera-se
que o aluno seja
capaz de escrever uma srie de expresses e frases simples. A
capacidade de identificar
indcios e fazer inferncias j se encontra prevista neste nvel de
aprendizagem, embora
num nvel de reconhecimento bsico. No que concerne interao
escrita geral, apenas
esperado que o aluno consiga escrever notas simples, com
estrutura tambm simples,
relacionadas com questes de necessidade imediata, face ao seu
repertrio lingustico
limitado. Relativamente capacidade de desenvolvimento temtico,
esperado que
saiba contar, de forma coerente e coesa, uma pequena histria ou
descrever algo, usando
conetores que ocorrem em frases simples.
No que diz respeito s estratgias de aprendizagem, tambm no so
dadas
orientaes que levem a concluir ser a explorao da imagem um
recurso auxiliar da
competncia escrita, embora seja sugerido o uso de materiais
audiovisuais como forma
de aproximao lngua estrangeira. De um modo geral, atribui-se
grande importncia
interao (oral) no uso e na aprendizagem da lngua, considerando o
seu papel central
na comunicao em detrimento do papel da comunicao escrita.
1.2.2.4 - O manual Superchouette, 8. ano, nvel II
Focando a anlise no manual adotado, Superchouette (2010), temos,
desde logo,
a registar que existem atividades que se destinam a desenvolver
nos alunos capacidades
comunicativas de acordo com as unidades temticas propostas.
Estas centram-se,
essencialmente, em atividades de leitura e oralidade. As imagens
acompanham todo o
manual escolar, sendo explorada a relao imagem-texto tanto em
exerccios de
compreenso oral como em exerccios de compreenso escrita. A
competncia escrita
no explorada enquanto um processo de aprendizagem progressiva,
sendo sugeridas
-
39
atividades no domnio da interpretao de texto num esquema de
pergunta/resposta,
avaliando-se a escrita apenas enquanto produto final. Embora
existam exerccios onde
pedida a produo escrita, partindo-se da anlise de uma imagem,
nunca sugerido que
se analise um texto pelo confronto de uma imagem. Apesar de
existirem textos
autnticos, no se encontram referncias ao texto literrio em lngua
francesa, nem ao
exerccio de reescrita de textos, articulando o contributo
ilustrativo da imagem.
-
40
2 Didatizao
2.1. Tipo de estudo
contextualizao terica da problemtica subjacente ao presente
projeto,
segue-se o momento em que a especificidade do problema elencado
exige a definio de
uma tcnica de investigao que possa proporcionar uma interpretao
vlida e
coerente.
Tendo presente que, tal como Lusa Aires sublinha, nos projectos
de pesquisa
em educao, a coerncia e a interaco permanentes entre o modelo
terico de
referncias e as estratgias metodolgicas constituem dimenses
fulcrais do processo
investigativo (2011:4), julgo que o paradigma da investigao
qualitativa seja o que
mais se adequa ao que se pretende aferir, face prtica
metodolgica levada a cabo nas
aulas lecionadas (e da qual falaremos adiante), por permitir uma
perspectiva
multimetdica que envolve uma abordagem interpretativa e
naturalista do sujeito de
anlise (Denzin & Lincoln, 1994:2, apud Aires, 2011: 14).
Assim sendo, apresentando-
se o estudo de caso como a estratgia de investigao mais
comummente trabalhada na
investigao/pesquisa qualitativa, o mesmo permitir uma
metodologia adequada aos
objetivos do presente projeto: descrever, explorar e interpretar
de que modo a imagem
contribuiu para a compreenso escrita de um texto e analisar o
trabalho realizado no
domnio da escrita, numa pilotagem de sequncia didtica.
Interessa, pois, averiguar algumas questes implcitas: de que
forma a imagem
espoletou a participao e implicao ativa do aluno no exerccio de
reescrita,
facilitando a aprendizagem; em que medida a explorao da imagem
contribuiu para o
ensino da escrita enquanto processo e de que modo contribuiu
para a construo de
sentido do texto a produzir. Resultante desse mesmo contributo,
importa ainda aferir o
contributo da imagem, inserida num conjunto de estratgias
didticas, no processo
concreto da reescrita de textos (numa crescente capacidade de
anlise do texto literrio,
na segurana com que se traduzem sentidos e se constri um texto).
Por conseguinte,
verificar ainda se foi produtivo proporcionar o interface
leitura de texto literrio-escrita.
Por ltimo, decorrente do que disse inicialmente em relao ao que
considero ser uma
das grandes funes do professor (ajudar o aluno a ler e a
situar-se no mundo), gostaria
ainda de poder constatar de que forma o uso da imagem, enquanto
recurso didtico,
favoreceu a construo segura do sentido crtico dos alunos.
-
41
O trabalho de investigao, enquanto abordagem qualitativa,
focou-se em
objetivos especficos, percorrendo as questes acima elencadas
atravs da anlise das
produes escritas realizadas pelos alunos ao longo do ano letivo.
Para tal, foram
elaboradas grelhas que facilitaram a anlise especfica e
sistematizaram a informao
recolhida. Saliento ainda a importncia da observao participante
que me permitiu a
reflexo sobre as situaes observadas e a planificao das aulas de
acordo com os
objetivos propostos no estudo em causa.
2.2. Metodologia
Como se disse, cruzam-se no projeto de investigao duas aes
paralelas ao
nvel da explorao da competncia escrita. Por um lado,
pretendeu-se explorar
estratgias de interveno sectoriais, por outro, desenvolver a
capacidade de reescrita de
textos (inserida no domnio das estratgias de interveno global),
explorando uma
metodologia de confronto entre texto literrio e imagem,
subsidiria de exerccios de
interpretao escrita.
O trabalho efetuado ao nvel de estratgias de interveno sectorial
implicou um
trabalho progressivo de apresentao, sistematizao e conduo de
atividades que
cimentassem nos alunos crescentes capacidades de autonomia neste
domnio. Implicou
uma didtica da escrita balizada por princpios metodolgicos de
escrita enquanto
processo, encarando a mesma como uma competncia passvel de ser
ensinada por
etapas e tendo como principal referncia cientfica autores
citados anteriormente, a
saber, Flower e Hayes, Emlia Amor e Lusa Pereira. J ao nvel da
mobilizao de
tcnicas que permitissem aos alunos a interpretao escrita de
textos, mencionou-se,
ento, a possibilidade do uso da imagem como recurso adicional
facilitador dessa
mesma interpretao.
A metodologia usada na imbricao destes dois nveis de trabalho
implicou a
seleo e elaborao especfica de instrumentos de trabalho, a
definio do modo como
esses materiais integrariam a sequncia de aula e como seriam
explorados, a
inventariao de tarefas de interpretao e de escrita e a definio
de uma pilotagem
didtico-pedaggica no domnio da escrita e dos aspetos da imagem
que seriam
observados aquando da reescrita de textos.
-
42
As atividades planeadas tiveram, assim, por objetivo que os
alunos
desenvolvessem progressivamente capacidades de escrita a dois
nveis que se intercetam
aquando do ensino desta competncia: de uma parte, a capacidade
de planificar e redigir
um texto formalmente coerente, de outra, a capacidade de
construir sentido, de construir
contedo, questionando o uso da imagem como potenciadora da
capacidade de escrita a
esse nvel. De facto, estas duas competncias concorrem para a
aprendizagem holstica
da escrita, porquanto forma e contedo so aspetos indivisveis do
que se considera ser
um texto. Pretendeu-se igualmente desenvolver um conjunto de
estratgias que
potenciassem a educao da ateno e do esprito crtico dos alunos, o
que foi possvel
pelo dilogo mantido entre texto literrio e ilustrao.
O corpus textual trabalhado em aula teve como referncia textos
narrativos
sugeridos pelo manual escolar, textos estes de autores
portugueses, autores de pases de
lngua oficial portuguesa e autores da chamada literatura
universal, sugeridos pelo
Programa de Portugus do Ensino Bsico ao nvel da literatura
juvenil: Alice Vieira,
Antnio Mota, Jos Saramago7, Mia Couto, Michel Tournier, Gianni
Rodari e Jean M.
Auel.
O trabalho resultante, os textos dos alunos, foi analisado com
vista a aferir os
progressos realizados no domnio do projeto apresentado. No caso
concreto da proposta
de investigao, o objeto da observao constitudo por um grupo de
alunos, uma
turma, no mbito da qual se pretende identificar e compreender a
evoluo do trabalho,
numa dinmica que se orienta mais para o processo do que para o
produto
(Stake,1999:42).
Pretendeu-se contribuir para uma explorao consistente do dilogo
texto
imagem, em prol da potenciao da capacidade de interpretao,
assegurando atividades
escritas que mantiveram uma relao direta com o texto
literrio.
2.3. Operacionalizao
2.3.1. Nas aulas de Portugus
O trabalho desenvolvido com os alunos processou-se por fases,
tendo presente a
evoluo da turma perante o que era pedido e o tempo de que
dispunha para a
7 Refira-se que as Metas Curriculares de Portugus para o Ensino
Bsico excluem as obras de Jos Saramago no
mbito da Educao Literria. No obstante, o manual trabalhado em
aula, aproximando-se do corpus textual
sugerido pelo Programa de Portugus, apresenta no s propostas de
trabalho em torno de um conto deste autor,
como trabalha o texto autobiogrfico a partir de uma
autobiografia do mesmo.
-
43
lecionao das aulas. A execuo do projeto seguiu uma planificao a
longo prazo e a
pilotagem didtico-pedaggica foi conduzida em funo da evoluo dos
alunos, o
mesmo acontecendo com as opes metodolgicas, que foram definidas
de acordo com
as suas capacidades, conduzindo elaborao e explorao de vrios
instrumentos
criados com fins especficos, que concorressem quer para a
sequncia didtica da escrita
quer para uma explorao da imagem que permitisse a anlise de
segmentos de tema
concretos.
No incio do projeto, comecei por sens