CURRÍCULO, DIDÁTICA E AVALIAÇÂO DA APRENDIZAGEM: DA APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA AO DISTANCIAMENTO OBSERVADO NO COTIDIANO ESCOLAR A busca por uma escola pública de qualidade é o objetivo declarado de diversas políticas educacionais em curso, todavia faz-se necessário investigar cientificamente seus desdobramentos nas escolas. Neste sentido, as pesquisas aqui apresentadas adentram o cotidiano da escola pública em três diferentes redes de ensino e evidenciam que as políticas educacionais investigadas impõem um controle excessivo sobre o trabalho realizado pela escola, reduzindo sua autonomia de gestão, de definição e efetivação do currículo escolar e de utilização de procedimentos avaliativos que contemplem suas peculiaridades. O primeiro texto, elaborado a partir da análise dos resultados do IDESP de alunos das séries finais do ensino fundamental I da rede pública paulista de ensino regular constatou que a grande maioria destes alunos não possui autonomia em leitura e escrita em função, principalmente, do abandono dos recursos da Didática no cotidiano escolar. O segundo trabalho, elaborado com informações obtidas a partir da análise de um procedimento utilizado pela rede pública municipal de ensino de Guarulhos para avaliar o desenvolvimento escolar de seus alunos detectou lacunas entre os saberes a serem elencados para cada etapa escolar e as dificuldades encontradas pelos coordenadores para a leitura do registro avaliativo. Finalmente o terceiro artigo, elaborado a partir da análise do Programa Mais Educação desenvolvido no município de São Paulo, identificou intensificação do trabalho docente, organização escolar inadequada, falta de estrutura e condições materiais num contexto em que a autonomia do professor docente se vê ameaçada. O conjunto de investigações aqui apresentadas sugere que, com a justificativa de busca por uma escola de qualidade, a necessária e comprovadamente bem sucedida aproximação entre Didática, currículo e avaliação da aprendizagem dos alunos não tem ocorrido, ao menos nas três diferentes redes investigadas. Este cenário é, no mínimo, preocupante. Palavras-chave: Escola Pública. Avaliação da Aprendizagem. Reforma Curricular. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 6305 ISSN 2177-336X
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CURRÍCULO, DIDÁTICA E AVALIAÇÂO DA APRENDIZAGEM: DA
APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA AO DISTANCIAMENTO OBSERVADO NO
COTIDIANO ESCOLAR
A busca por uma escola pública de qualidade é o objetivo declarado de diversas
políticas educacionais em curso, todavia faz-se necessário investigar cientificamente
seus desdobramentos nas escolas. Neste sentido, as pesquisas aqui apresentadas
adentram o cotidiano da escola pública em três diferentes redes de ensino e evidenciam
que as políticas educacionais investigadas impõem um controle excessivo sobre o
trabalho realizado pela escola, reduzindo sua autonomia de gestão, de definição e
efetivação do currículo escolar e de utilização de procedimentos avaliativos que
contemplem suas peculiaridades. O primeiro texto, elaborado a partir da análise dos
resultados do IDESP de alunos das séries finais do ensino fundamental I da rede pública
paulista de ensino regular constatou que a grande maioria destes alunos não possui
autonomia em leitura e escrita em função, principalmente, do abandono dos recursos da
Didática no cotidiano escolar. O segundo trabalho, elaborado com informações obtidas
a partir da análise de um procedimento utilizado pela rede pública municipal de ensino
de Guarulhos para avaliar o desenvolvimento escolar de seus alunos detectou lacunas
entre os saberes a serem elencados para cada etapa escolar e as dificuldades encontradas
pelos coordenadores para a leitura do registro avaliativo. Finalmente o terceiro artigo,
elaborado a partir da análise do Programa Mais Educação desenvolvido no município de
São Paulo, identificou intensificação do trabalho docente, organização escolar
inadequada, falta de estrutura e condições materiais num contexto em que a autonomia
do professor docente se vê ameaçada. O conjunto de investigações aqui apresentadas
sugere que, com a justificativa de busca por uma escola de qualidade, a necessária e
comprovadamente bem sucedida aproximação entre Didática, currículo e avaliação da
aprendizagem dos alunos não tem ocorrido, ao menos nas três diferentes redes
investigadas. Este cenário é, no mínimo, preocupante.
Palavras-chave: Escola Pública. Avaliação da Aprendizagem. Reforma Curricular.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ESCOLAR: OS SABERES EM
QUESTÃO
MOLINARI, Simone Garbi Santana
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP
Resumo
O presente estudo tem como objetivo contribuir para o debate sobre os saberes
elencados em uma proposta curricular denominada Quadro de Saberes Necessários
(QSN) e sua relação com a avaliação da aprendizagem de alunos do 1º ao 5º ano. Desde
2010, a rede municipal de Guarulhos utiliza uma proposta curricular elaborada pelos
seus gestores e professores que, continuamente, recebem formação para refletirem sobre
a sua prática e se apropriarem da concepção nela contida. O município está inscrito,
também, no Pacto Nacional da Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), que contribui à
formação desses professores e pretende que eles alfabetizem seus alunos até os oito (8)
anos de idade ou até o 3º ano (final do Ciclo I). Semestralmente, os professores
registram a avaliação em um instrumento denominado Registro-Síntese, onde estão
elencados os saberes trabalhados em cada fase escolar. Os saberes são escolhidos pelos
professores e coordenador pedagógico para serem trabalhados durante o ano letivo. A
questão que serviu de base para essa discussão foi: Quais as dificuldades encontradas
por educadores para o registro de uma avaliação que se baseia em saberes? Ela foi
respondida por cinco (5) coordenadores pedagógicos de escolas diferentes. A rede de
ensino municipal de Guarulhos é regida por ciclos e utiliza legendas para o registro
avaliativo semestral: IP (início do processo), ES (entende o saber), AS (Apropria-se do
saber) e NT (Não trabalhado). Os depoimentos demonstram as lacunas existentes entre
os saberes a serem elencados para cada etapa escolar e as dificuldades encontradas pelos
coordenadores para a leitura do registro avaliativo. Tais dificuldades expressam a
subjetividade do instrumento de avaliação que não define o tempo destinado ao
aprendizado desses saberes, assim como quais saberes devem ser elencados de acordo
com a faixa etária, podendo variar de uma instituição escolar para outra.
Palavras-chave: proposta curricular; avaliação da aprendizagem; escola pública.
Introdução
Desde a década de 1980, tem-se vivenciado as mudanças ocorridas em âmbito
educacional, especificamente, aquelas que estão diretamente relacionadas às crianças
entre 6 e 10 anos de idade, fase em que a sistematização da alfabetização ocorre. Várias
foram as mudanças que promoveram, e continuam a promover, a reflexão sobre a
postura de professores alfabetizadores diante de suas práticas: a chegada dos estudos de
Ferreiro e Teberosky (1985) ao Brasil, a política de ciclos das escolas públicas, como
organização escolar não seriada após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
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(BRASIL,1996), a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997),
a Lei 11.114/2005 (BRASIL, 2005a), que torna obrigatória a matrícula de crianças de 6
anos no Ensino Fundamental, a criação de programas destinados aos professores
alfabetizadores, como o Pacto pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC (BRASIL,
2012) que visa alfabetizar todos os alunos até os 8 anos de idade ou até o 3º ano e a
introdução das avaliações educacionais em larga escala que mensuram o aprendizado de
alunos em processo de alfabetização.
Dentre estas avaliações destacam-se a Provinha Brasil que investiga o
desenvolvimento das habilidades relacionadas à alfabetização e ao letramento em
Língua Portuguesa e Matemática, desenvolvidas pelas crianças matriculadas no 2º ano
do ensino fundamental das escolas públicas brasileiras (BRASIL, 2007); a avaliação
censitária Prova Brasil que envolve os alunos da 4ª série/5ºano e 8ª série/9º ano do
Ensino Fundamental das escolas públicas das redes municipais, estaduais e federal com
o objetivo de avaliar a qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas (BRASIL,
2005b) e outra avaliação censitária, no caso a Avaliação Nacional de Alfabetização
(ANA), que envolve os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas
com o objetivo principal de avaliar os níveis de alfabetização e letramento em Língua
Portuguesa, alfabetização Matemática e condições de oferta do Ciclo de Alfabetização
das redes públicas (BRASIL, 2013).
Até a década de 1980, o debate sobre o processo de alfabetização concentrava-se
no professor como um técnico da arte de ensinar. Aquele que dominava o método, seja
ele qual fosse, era considerado o professor eficiente. Se um aluno não conseguisse
aprender, não se questionava o professor, e sim, as fragilidades do aluno por não ter
conseguido aprender. Lembremos que a classe popular começava a ter acesso à escola e
não havia se pensado em "técnicas" para se ensinar ou promover a aprendizagem
daquela parcela da população que não possuía o mesmo acesso a bens culturais daqueles
que já a frequentavam. Eram alunos que nem sempre podiam contar com a instrução
escolar de seus pais e que não tinham o hábito de frequentar museus, bibliotecas ou
cinemas. Eram alunos da camada popular, filhos de trabalhadores e operários, com
baixo poder aquisitivo.
O baixo aproveitamento escolar fez que com se buscasse formas de justificar tal
fracasso: déficit de aprendizagem, falta de "estrutura familiar", baixa condição
socioeconômica, preguiça, apatia, falta de alimentação devido às condições precárias
existentes em suas casas, falta de acesso à pré-escola, entre outros. Pouco se falava
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sobre os saberes que os professores alfabetizadores precisariam ter para contribuir com
a aprendizagem de uma das fases mais significativas da vida escolar: a alfabetização.
A eficiência do método passa a ser questionada a partir do momento que os
resultados não mais são alcançados. Sabe-se, contudo, que a técnica, aquele conjunto de
procedimentos utilizados para determinado fim, existe em todas as áreas. Um médico
aprende as técnicas menos invasivas para seu paciente e as aprimora continuamente; o
motorista aprende a dirigir e precisa seguir determinados passos para que seja um bom
condutor do veículo; o agricultor atualiza técnicas de plantio e colheita, para cada vez
mais ter menos desperdício, enfim, a técnica é essencial à vida humana. Entretanto, a
técnica pela técnica, ou seja, o cumprimento de um roteiro de ações sem a reflexão do
que se está fazendo, é uma ação tecnicista. Mas não haveria saberes que cada
trabalhador deveria ter para desempenhar bem a sua função? Quais seriam os saberes
necessários ao bom cumprimento da técnica de ensinar? Esta é, justamente, a questão
que, a partir da década de 1980, passou-se a considerar. O professor não é um técnico
eficiente, simplesmente porque desempenha bem determinado método. Ele deve possuir
saberes que contribuam para que essa tarefa seja bem feita. Caso contrário, esse manual
de se fazer "qualquer coisa", poderia ser comprado em livrarias e todos poderiam
desempenhar funções sem, de fato, frequentar uma instituição escolar e apropriar-se de
conhecimentos que fossem capazes de explicar os motivos pelos quais se escolhem
determinadas ações em situações específicas a cada área.
André e Vieira (2006) apontam que a temática dos saberes docentes passou a ser
difundida, primeiramente, no mundo anglo-saxão e, posteriormente, por toda a Europa.
O artigo de Tardif, Lessard e Lahaye (1991) é visto pelas autoras como o desencadeador
de muitos textos e pesquisas sobre o assunto no Brasil, justamente pela emergente ideia
de superar o tecnicismo que dominava o pensamento educacional até a década de 1980.
As pesquisas apontavam a necessidade de tornar o professor um agente transformador,
uma autoridade emancipatória, capaz de refletir sobre a sua prática e ser um crítico de si
mesmo.
André e Vieira (2006) apontam as questões levantadas por Tardif (2002) sobre
os saberes docentes, a saber:
Quais são os saberes que servem de base ao ofício do professor? Essa questão se
desdobra em outras, como: Quais são os conhecimentos, o saber-fazer, as competências
e as habilidades que os professores mobilizam diariamente, nas salas de aula e nas
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escolas, a fim de realizar concretamente as suas diversas tarefas? Qual é a natureza
desses saberes?
Tardif (2002) concluiu que o saber dos professores é um saber social por quatro
motivos: (1) por ser compartilhado pelos seus pares e estar relacionado a uma situação
coletiva de trabalho; (2) há todo um sistema que garante a sua legitimidade; (3) o
professor trabalha com um sujeito social, representado por uma turma de alunos; (4) os
saberes relacionado ao ensino e à forma de se ensinar acompanham o tempo e as
mudanças sociais; (5) esse saber torna-se profissional e é "incorporado, modificado e
adaptado em função dos momentos e das fases de uma carreira ao longo de uma
história profissional onde o professor aprende a ensinar fazendo o seu trabalho"
(TARDIF, 2002, p. 14).
A história profissional dos professores é marcada por saberes que antecedem a
sua carreira docente. Faz-se necessário considerá-los, uma vez que são trazidos às
escolas e salas de aula.
Na rede municipal de Guarulhos, campo empírico dessa pesquisa, os professores
recém-contratados são chamados para um período de formação em que se apresenta a
proposta da rede e a concepção de ensino e aprendizagem que eles devem se apropriar.
A questão dos saberes e a proposta curricular
Com a questão dos saberes em pauta, e com uma concepção de ensino e
aprendizagem voltada à formação sócio-histórico cultural (VYGOTSKY, 1984 e 1998),
a rede municipal de Guarulhos elaborou sua proposta curricular e seu instrumento de
avaliação da aprendizagem com base nos saberes julgados necessários à formação de
seus alunos.
A rede municipal de Guarulhos iniciou-se na década de 1970, apenas na
Educação Infantil. A primeira escola destinada ao Ensino Fundamental data de 1997.
Nos últimos dezoito anos, o número de escolas, alunos e funcionários aumentou
significativamente. Se no ano 2000 a rede contava com 24.000 alunos (GUARULHOS,
2010), em 2015 eram 96.720 alunos distribuídos em 139 escolas e 54 escolas
conveniadas, sendo 41.453 na Educação Infantil e 55.267 no Ensino Fundamental
(GUARULHOS, 2015).
Com o aumento da rede, os educadores sentiram a necessidade de uma proposta
curricular que compusesse o Projeto Político Pedagógico da Secretaria da Educação
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e,em 17 de junho de 2009, eles se reuniram para discutir diversas questões, entre as
quais se destacam: Quais seriam os saberes necessários para formar os alunos que
desejamos? Já sabiam de antemão que buscavam o suporte para a formação de um
sujeito autônomo, crítico, solidário e criativo. A necessidade das discussões deu
margem a vários encontros e novas questões, como: O que ensinar? O que aprender?
Quem são nossos alunos? Como aprendem? Como se desenvolvem? Para começar essa
discussão, educadores se basearam, primeiramente, em um princípio: a educação é um
direito de todos e, como já sabemos, garantido por lei. A questão, agora, se desdobraria
para: Como fazer para que "todos" tenham o mesmo direito, além do acesso, sabendo
que há diferentes realidades e que muitas delas minimizam as condições e
possibilidades de sucesso escolar?
Houve um consenso entre os educadores de que a nova proposta curricular da
rede deveria elaborar os saberes necessários à educação em uma perspectiva de inclusão
escolar e, para isso, reconhecer que há diferenças entre as pessoas em diferentes
aspectos foi o primeiro passo (GUARULHOS, 2010).
A rede de ensino municipal de Guarulhos construiu seu próprio instrumento de
avaliação entre 2010 e 2011: o Registro-Síntese do Processo Avaliativo.
O Registro-Síntese é um instrumento que o educador e a equipe
escolar utilizam para sistematizar o aprendizado e o
desenvolvimento do educando em seu percurso escolar. Além de
ser um material de síntese das avaliações realizadas, é um
instrumento diagnóstico, contribuindo para a reorientação das
práticas pedagógicas. Desse modo, ele se constitui como
referência para o pensamento acerca do que é necessário fazer
para que o educando possa se desenvolver de maneira plena
(GUARULHOS, 2012, p. 15).
O Registro-Síntese está dividido por ciclos, a saber: Educação Infantil (0-3
anos), Educação Infantil (4-5 anos), Ensino Fundamental (6-10 anos) e outro destinado
à Educação de Jovens e Adultos.
Para avaliar seus alunos, o registro das atividades que eles produzem é muito
importante e o professor é orientado a fazer, por exemplo, um portfólio para cada
criança, embora essa forma de registro não seja obrigatória.
Há cinco finalidades elencadas e, para cada uma delas, há saberes que, se forem
escolhidos pela equipe pedagógica para serem trabalhados naquele ano, serão avaliados
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quanto à apropriação desses saberes pelo aluno. Para registrar a etapa do processo em
que o aluno se encontra, o professor utiliza por referência as informações dispostas no
Quadro 1.
Quadro 1 - Registro do processo avaliativo do aluno
Legenda
IP Início do processo Tem uma ideia do saber, informações e/ou notícias sobre ele.
ES Entende o saberIdentifica o saber e interage com ele: determina as características e
apresenta dados.
AS Apropria-se do saberUsa o conhecimento em seu cotidiano e o aplica quando necessário,
julgando-o e avaliando-o; dispõe do saber para agir no mundo.
NT Não trabalhadoIndica que tal saber, ainda, não foi definido para o trabalho em sala
de aula em determinado período.
Fonte: Guarulhos, 2012.
Observa-se no Quadro 1 que o processo de aprendizagem apresenta etapas a
serem alcançadas até o seu objetivo final, ou seja, a apropriação do saber (AS). Os
saberes não escolhidos para determinada turma são registrados com a legenda NT (Não
trabalhado).
Após entrevistas com cinco coordenadores pedagógicos, de cinco escolas,
responsáveis por garantir que a proposta curricular e a concepção da rede de ensino
estejam claras para os professores e o registro de avaliação dos alunos seja feito de
forma correta, verificou-se que:
1. Ainda que não haja orientação no Quadro Saberes Necessários (QSN) para
divisão dos saberes no período letivo, todas as escolas pesquisadas dividem os saberes
escolhidos por bimestre;
2. Não há uma unidade entre as escolas, ou seja, cada grupo de professores
escolhe os saberes a serem trabalhados durante o ano. Há, portanto, a preocupação,
segundo eles, de que se uma criança for transferida, ela poderá não ter a continuidade do
que estava sendo trabalhado em sua escola anterior;
3. As escolhas desses saberes não obedecem, segundo eles, a uma sequência
gradativa de dificuldades, ou seja, do mais rudimentar para o mais complexo;
4. Professores recém-contratados são vistos por um coordenador como mais
preparado e flexível, uma vez que passou recentemente por formação na rede de ensino;
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5. Professores inexperientes podem, segundo quatro coordenadores, ter
dificuldades para elencar os saberes por turma e, por isso, precisarão da ajuda de seus
pares;
6. Há divergência entre os coordenadores sobre quais seriam os saberes
prioritários ao processo da alfabetização, pois para dois deles, todos são essenciais e, para
os outros três, os prioritários seriam aqueles que estiverem relacionados à oralidade,
leitura e escrita;
7. Todos os coordenadores lamentam a falta de orientação oficial sobre a temática
avaliação e o seu registro nas reuniões destinadas à sua formação contínua;
8. Não há a exigência de uma única forma de registro para o acompanhamento do
processo de desenvolvimento da aprendizagem do aluno. Cabe ao professor fazer essa
escolha. Há professores que escolhem algumas atividades, outros fazem portfólio, alguns
utilizam provas diagnósticas, entre outros;
9. Todos os coordenadores disseram que os professores não gostam dessa forma
de registro, porque precisam explicar aos pais e muitos não o compreendem. Acreditam
que é muito subjetivo, o que não quer dizer que tenham maior facilidade para fazê-lo de
forma descritiva;
10. Alguns professores se baseiam em outros documentos e livros para elencarem
os saberes para a sua turma, de acordo com a faixa etária;
11. Nenhum dos coordenadores tem clareza dos motivos pelos quais os saberes
não vêm elencados por turma, uma vez que acreditam não ser possível trabalhar com
todos eles de uma vez. Um coordenador acredita que seja uma forma de superar uma
proposta conteudista.
Considerações finais
O presente estudo partiu da constatação de que, a partir da década de 1980,
muitas foram as mudanças ocorridas na área educacional, especificamente, com
professores alfabetizadores. Tais mudanças influenciaram diretamente a forma como
eles ensinam e como avaliam a aprendizagem de seus alunos. As avaliações externas
contribuem, também, para o controle de sua prática pedagógica quando são
apresentados os resultados das provas feitas pelos alunos. Buscou-se, a partir da década
de 1980, superar as técnicas de ensino e compreender os saberes docentes. A discussão
trouxe possibilidades de se repensar o currículo. O município de Guarulhos elaborou
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uma proposta curricular baseada nos saberes que acredita serem necessários à formação
de seus alunos. Assim como a proposta, criou-se um instrumento avaliativo que elenca
os saberes a serem trabalhados e que devem ser avaliados ao final de cada semestre por
siglas.
As entrevistas com os cinco coordenadores de cinco escolas apontam que a
interpretação de uma pedagogia por saberes precisa ser melhor discutida e
acompanhada. Salientam que o instrumento avaliativo baseado em saberes pode se
tornar subjetivo e de difícil entendimento, principalmente, por aqueles que não fazem
parte da vida acadêmica. Para os coordenadores, ele não é um documento simples de ser
preenchido e requer que o relatório descritivo seja feito, uma vez que as legendas não
conseguem traduzir as dificuldades no aprendizado do aluno. Os depoimentos
demonstram as lacunas existentes entre os saberes a serem elencados para cada etapa
escolar e as dificuldades encontradas para a leitura do registro avaliativo. Tais
dificuldades expressam a subjetividade do instrumento de avaliação que não define o
tempo destinado ao aprendizado desses saberes, assim como quais deles devem ser
elencados de acordo com a faixa etária podendo, ainda, variar de uma instituição escolar
para outra.
Referências
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dos saberes. In PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza. O coordenador pedagógico e
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TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes,
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TARDIF, Maurice; RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho
no magistério. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v.21, nº 73, p. 20-244, Dez.
2000.
i Forma de organização dos Ciclos no município de São Paulo até a reforma aqui estudada, o Ciclo I
correspondendo ao ensino fundamental I e o Ciclo II ao ensino fundamental II. ii A Jornada Especial Integral de Formação (JEIF) corresponde a uma jornada estendida remunerada
voltada para estudos e discussões coletivas entre os docentes e coordenação pedagógica. Apenas os
professores com uma jornada completa de vinte e cindo aulas semanais tem garantido o direito de optar
por esta jornada.
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