CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS EVENTO: Audiência Pública N°: 0469/09 DATA: 29/04/200 9 INÍCIO: 14h32min TÉRMINO: 18h24min DURAÇÃO: 03h51min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 03h51min PÁGINAS: 77 QUARTOS: 47 DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO LÚCIA MORAES – Relatora Nacional pelo Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana. CELSO SANTOS CARVALHO – Diretor do Planejamento Urbano da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades. ETHEL PROENÇA BRAGA – Representante do Departamento de Planejamento Urbano e Conflitos Fundiários do Ministério das Cidades. GILDA PEREIRA CARVALHO – Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão. RAQUEL ROLNIK – Relatora Especial para o Direito à Moradia da Organização das Nações Unidas. DARCI FRIGO – Representante da Plataforma Dhesca Brasil. GILBERTO CARDOSO AGUIAR – Representante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM. MARCELO BRAGA EDMUNDO – Representante da Central de Movimentos Populares. VERÔNICA KROLL – Representante da União Nacional por Moradia Popular. CRISTIANO MULLER – Representante do Fórum Nacional de Reforma Urbana. COSME VÍTOR – Representante da Associação de Favelas de São José dos Campos e da Central dos Movimentos Populares – CMP. JAIRO SALVADOR – Defensor Público de São José dos Campos, Estado de São Paulo. SUELI OLIVEIRA – Presidente do Conselho Estadual das Cidades e Secretária de Desenvolvimento Urbano e Regional do Estado do Pará. TONHÃO DUTRA – Vereador de São José dos Campos, Estado de São Paulo. ADNAMAR SANTOS – Representante da Cáritas de Manaus. BENEDITO ROBERTO BARBOSA – Representante da União Nacional para o Direito à Moradia. MANOEL COELHO SOARES DIVINO – Representante da União Estadual de Moradia Popular de Goiás. GENIVALDO DOS SANTOS – Representante de São Paulo. DULCE BENTES – Professora e representante do Rio Grande do Norte. SUMÁRIO: Discussão e encaminhamento de proposições do relatório elaborado pela Plataforma Dhesca Brasil sobre a efetivação do direito humano à moradia adequada no Brasil no período 2007-2009. OBSERVAÇÕES Reunião conjunta com a Frente Parlamentar pela Reforma Urbana, com a Relatoria Nacional do Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana, da Plataforma Dhesca Brasil.
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DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE ... · ADNAMAR SANTOS – Representante da Cáritas de Manaus . BENEDITO ROBERTO BARBOSA – Representante da União N
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LÚCIA MORAES – Relatora Nacional pelo Direito Human o à Moradia Adequada e Terra Urbana.CELSO SANTOS CARVALHO – Diretor do Planejamento Urb ano da Secretaria Nacional deProgramas Urbanos do Ministério das Cidades.ETHEL PROENÇA BRAGA – Representante do Departamento de Planejamento Urbano eConflitos Fundiários do Ministério das Cidades.GILDA PEREIRA CARVALHO – Procuradora Federal dos Di reitos do Cidadão.RAQUEL ROLNIK – Relatora Especial para o Direito à Moradia da Organização das NaçõesUnidas.DARCI FRIGO – Representante da Plataforma Dhesca Br asil.GILBERTO CARDOSO AGUIAR – Representante do Moviment o Nacional de Luta pela Moradia– MNLM.MARCELO BRAGA EDMUNDO – Representante da Central de Movimentos Populares.VERÔNICA KROLL – Representante da União Nacional po r Moradia Popular.CRISTIANO MULLER – Representante do Fórum Nacional de Reforma Urbana.COSME VÍTOR – Representante da Associação de Favela s de São José dos Campos e daCentral dos Movimentos Populares – CMP.JAIRO SALVADOR – Defensor Público de São José dos C ampos, Estado de São Paulo.SUELI OLIVEIRA – Presidente do Conselho Estadual da s Cidades e Secretária deDesenvolvimento Urbano e Regional do Estado do Pará .TONHÃO DUTRA – Vereador de São José dos Campos, Est ado de São Paulo.ADNAMAR SANTOS – Representante da Cáritas de Manaus .BENEDITO ROBERTO BARBOSA – Representante da União N acional para o Direito à Moradia.MANOEL COELHO SOARES DIVINO – Representante da União Estadual de Moradia Popular deGoiás.GENIVALDO DOS SANTOS – Representante de São Paulo.DULCE BENTES – Professora e representante do Rio Grande do Norte.
SUMÁRIO: Discussão e encaminhamento de proposições do relatório elaborado pelaPlataforma Dhesca Brasil sobre a efetivação do dire ito humano à moradia adequada no Brasilno período 2007-2009.
OBSERVAÇÕES
Reunião conjunta com a Frente Parlamentar pela Refo rma Urbana, com a Relatoria Nacional doDireito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana, da Plataforma Dhes ca Brasil.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Direitos Humanos
Número: 0469/09 Data: 29/04/2009
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Inicialmente, informo que a
Comissão de Direitos Humanos e Minorias, a partir de hoje, ainda em caráter
experimental, começa a utilizar a ferramenta Twitter, uma inovação da Internet
colaborativa, a Web 2.0. Vamos utilizar o Twitter para divulgar notícias e informações
relacionadas ao trabalho desta Comissão e à luta em defesa e promoção dos
direitos humanos em geral.
Para acompanhar esta audiência pública recebendo mensagens de texto,
basta acessar o endereço eletrônico www.twitter.com/cdhcamara.
Esta ação, além de promover as bandeiras dos direitos humanos, contribui
para democratizar a comunicação.
Declaro abertos os trabalhos da presente audiência pública que a Comissão
de Direitos Humanos e Minorias realiza em parceria com a Frente Parlamentar pela
Reforma Urbana, com a Relatoria Nacional do Direito Humano à Moradia Adequada
e Terra Urbana, da Plataforma Dhesca Brasil.
Esta audiência tem como finalidade discutir e encaminhar proposições do
relatório elaborado pela Plataforma Dhesca Brasil sobre a efetivação do direito
humano à moradia adequada no Brasil no período 2007-2009.
A Relatora Nacional pelo Direito Humano à Moradia Adequada e Terra
Urbana, Lúcia Morais, apresentará relatório contendo os resultados do trabalho da
Relatoria entre 2007 e 2009. Nesse período, foram realizadas visitas e missões para
investigar violações ao direito à moradia em 7 cidades: São José dos Campos, São
Paulo; Manaus, Amazonas; Macapá, Amapá; Belém, Pará; Goiânia Goiás; Rio
Grande, Rio Grande do Sul; Natal, Rio Grande do Norte, e Rio de Janeiro.
Informo que a realização deste evento atende a requerimento de autoria do
Deputado Pedro Wilson, 1º Vice-Presidente desta Comissão, e do Deputado Paulo
Teixeira, Presidente da Frente Parlamentar pela Reforma Urbana.
Gostaria de destacar a pertinência dessa iniciativa, a começar porque o direito
à moradia tem enorme impacto sobre os demais direitos e é essencial para definir a
qualidade de vida e o exercício da cidadania. É um direito que está associado, por
exemplo, à questão ambiental e às demandas por um planejamento urbano
sustentável.
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Embora seja tão importante e esteja consignado pelo Pacto Internacional dos
Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais, o direito à moradia é ainda
pouco reconhecido como um direito humano. Portanto cabe a todos nós divulgar e
fortalecer a exigibilidade desse direito.
Esta audiência também é oportuna porque ocorre no momento em que se
debate o programa de habitação popular do Governo Federal, em parceria com
Governos Estaduais e Prefeituras Municipais. Sem dúvida, é um programa de
grande alcance social e, por isso mesmo, deveria incorporar a contribuição dos
técnicos, dos militantes e das lideranças políticas que historicamente têm atuado na
perspectiva da moradia como direito humano.
Quero saudar nossos convidados expositores, tanto do Governo Federal
como do movimento social e da Plataforma Dhesca, que de certa forma representam
um pouco do pensamento dessa militância pelo direito à moradia.
Dessa forma, esperamos que as reflexões e as propostas que serão
apresentadas possam ser objeto da atenção e da incorporação pelo Ministério das
Cidades e outros órgãos do Poder Executivo no programa de habitação popular.
Passamos então a compor a Mesa desta audiência pública convidando os
expositores Dr. Celso Santos Carvalho, Diretor do Departamento de Planejamento
Urbano da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades
(palmas); Dra. Ethel Proença Braga, representante do Departamento de
Planejamento Urbano e Conflitos Fundiários do Ministério das Cidades (palmas);
Dra. Gilda Pereira Carvalho, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (palmas);
Dra. Raquel Rolnik, Relatora Especial para o Direito à Moradia da Organização das
Nações Unidas (palmas); Dra. Lúcia Morais, Relatora Nacional pelo Direito Humano
à Moradia Adequada e Terra Urbana (palmas).
Como não há espaço para todos, vamos considerar a primeira fila uma
extensão da Mesa. Estão presentes diversas entidades de direitos humanos na luta
pela moradia.
Convido ainda o Sr. Gilberto Cardoso Aguiar, representante do Movimento
Nacional de Luta pela Moradia (palmas); a Sra. Verônica Kroll, representante da
União Nacional por Moradia Popular (palmas); o Sr. Cristiano Muller, representante
do Fórum Nacional de Reforma Urbana (palmas); o Sr. César Santos, representante
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da Confederação Nacional de Associação de Moradores — CONAM (palmas); e o
Sr. Darci Frigo, representante da Plataforma Dhesca Brasil (palmas).
Como disse antes, a primeira bancada do plenário será uma espécie de
extensão da Mesa, já que não há espaço para incluir todos que farão uso da
palavra. Os representantes dos movimentos sociais presentes ficarão na primeira
bancada e suas intervenções serão feitas após as intervenções dos membros da
Mesa.
Dada a exiguidade do tempo disponível, definimos o tempo de 10 minutos
para cada um dos representantes do Poder Público e da Plataforma Dhesca, e de 5
minutos para cada um dos expositores das representação dos movimentos sociais.
É claro que a Mesa considerará, se for o caso, a necessidade de dispor mais tempo.
Antes de iniciar as exposições, gostaria de convidar o Deputado Pedro
Wilson, um dos propositores desta audiência pública, para coordenar os trabalhos
da Mesa. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Dando continuidade ao
evento, concedo a palavra à Prof.a Lúcia Morais, Relatora Nacional pelo Direito
Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana.
A SRA. LÚCIA MORAES - Boa tarde a todos os presentes a esta audiência
pública. Quero cumprimentar o Deputado Federal Pedro Wilson, que nos atendeu e
solicitou a realização desta audiência pública, e os demais representantes da Mesa.
Destacamos a importância desta audiência pública, na Relatoria Nacional
pelo Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana, no sentido de expor um
pouco dos problemas das violações ao direito humano à moradia que vêm
acontecendo no Brasil. Por que estou falando em expor um pouco dos problemas?
Porque, infelizmente, não vamos dar conta de relatar todos os problemas que vêm
acontecendo nas cidades brasileiras.
Nossa grande intenção é que esta Casa possa, realmente, integrar-se à
questão dos conflitos fundiários urbanos e que possa ajudar essa comunidade, essa
população que hoje sofre a violação do direito humano em seu local de moradia, em
sua cidade, em sua casa. Junto a essa violação ao direito à moradia, infelizmente,
acontecem outras violações, como a que envolve a questão da criança, a falta de
alimentação e o próprio risco de morte nessas comunidades.
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Nesse sentido — depois o Frigo vai expor o que é a Plataforma Dhesca —, a
Relatoria Nacional do Direito Humano à Moradia é uma das que compõem a
Plataforma Brasileira dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais e
Ambientais. Desde julho, o Brasil conta também com a Relatoria Internacional do
Direito à Moradia, uma relatoria especial, de que é relatora a nossa colega arquiteta
Dra. Raquel Rolnik. Temos, portanto, a possibilidade, hoje, de a Relatoria Nacional,
integrada com a Relatoria Internacional, dar essa visibilidade aos problemas de
violação do direito humano à moradia nas cidades como um todo.
Gostaríamos de ser bastante sucintos na apresentação, porque estão
presentes vários representantes das cidades que foram visitadas e eles também
colocarão a vivência deles no dia-a-dia dessa luta pelo direito humano à moradia.
A Relatoria Nacional, a partir das denúncias que nos foram apresentadas,
juntamente com o Fórum Nacional de Reforma Urbana, a Frente Nacional pelo
Saneamento, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia — MNLM, a Central de
Movimentos Populares — CMP — e a Confederação Nacional das Associações de
Moradores — CONAM, seleciona os casos e determina as cidades a serem
visitadas. Mediante denúncia, organizamos missões e visitamos o local para
averiguar as violações.
Vou falar um pouco de cada missão realizada e, posteriormente, vamos
entregar o relatório elaborado durante a missão aos representantes e autoridades
presentes.
Realizamos duas missões em Goiânia. A primeira foi uma missão de
investigação logo após um despejo que aconteceu na ocupação do Parque Oeste
Industrial.
Como a Relatora reside em Goiânia, nós fizemos um monitoramento
constante dessa comunidade e, infelizmente, relato para vocês que, no dia 27 de
abril, na segunda-feira, o líder comunitário Américo Novaes foi condenado pelo júri
popular a 5 anos e 4 meses em regime semiaberto.
Eram duas pessoas arroladas nesse processo de criminalização em função
de que, um dia antes do despejo, um policial recebeu um tiro. Tanto o Américo como
o Josiel foram arrolados no processo. Embora não haja comprovação de que tenha
sido o mandante, ele foi condenado como mandante do crime, e o processo de
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criminalização de quem assassinou 2 moradores durante o despejo ainda continua
com uma certa morosidade.
Essa questão do despejo, infelizmente, não aconteceu só em Goiânia. Vem
acontecendo em grande parte das cidades brasileiras. Temos o caso de São José
dos Campos, onde os despejos acontecem constantemente; temos o caso da cidade
de Manaus, onde realizamos também uma missão — os despejos na cidade de
Manaus acontecem constantemente, tanto em ocupações novas como em lugares
em que as famílias já moram há mais de 10, 15 anos. As cidades de São Paulo e
Rio de Janeiro implementam uma política de higienização, que consta basicamente
em remover a população de baixa renda da cidade. Não existe um projeto integrado
da urbanização para fixar essas famílias.
Então esse assunto, esse problema do despejo acontece em âmbito nacional,
e um dos grandes eixos da Relatoria e dos movimentos nacionais é como vamos
conter essa questão do despejo.
Temos também a questão da urbanização dos igarapés. Tanto em Manaus
como na cidade de Belém, para urbanizar os igarapés, são removidas, são
despejadas aquelas famílias para lugares longínquos, para conjuntos habitacionais
construídos fora da cidade, fora da malha urbanizada daquela cidade. Ao se
construir os conjuntos habitacionais, as famílias são transferidas para aqueles
lugares onde não existe qualquer tipo de equipamento comunitário. Em geral,
demora-se de 5 a 10 anos para construir escolas de primeiro grau, de segundo grau,
creche, posto de saúde.
Vou citar um caso de Manaus, o do conjunto João Paulo II, onde as famílias já
estão morando há 6 anos. É uma área de grande proliferação do mosquito da
malária, várias pessoas já contraíram a doença e não há sequer um posto de saúde.
Então há uma luta pela não segregação urbana e pela construção de equipamentos
comunitários para essa comunidade.
Na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, onde realizamos uma
missão preventiva, detectamos também a segregação urbana. Foi construída a
cidade de Águeda, fora da cidade, para onde foi levada a população de baixa renda
removida, despejada da área central, também sem nenhum equipamento
comunitário e com um grande problema: a tecnologia adotada para a construção das
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unidades habitacionais. O conjunto foi financiado pela Caixa Econômica Federal e a
tecnologia adotada foi de baixíssima qualidade. Inclusive temos notícias de que
essas casas vieram a desabar devido às chuvas. Então, existe esse grande descaso
na construção desses conjuntos habitacionais.
Temos recebido também — não fizemos uma missão em função disso ainda
—, em cada cidade que visitamos, denúncias sobre a Caixa Econômica Federal
quanto à questão de promover despejo de moradores que moram em conjuntos
habitacionais há vários anos. Esse é o caso do conjunto Tambaú, na cidade de
Manaus, onde as pessoas já moram há 15 anos e, por uma não negociação da
cooperativa com a Caixa Econômica, esta está solicitando o despejo dessas
famílias. Isso também vem acontecendo na cidade de Macapá. Então são despejos
promovidos pela Caixa Econômica Federal contra cooperativas. As famílias querem
negociar e, infelizmente, isso não vem acontecendo.
Temos ainda, na missão de monitoramento na cidade de Salvador, o exemplo
de edifícios ociosos na área central do Pelourinho que foram ocupados por famílias
e que hoje estão ameaçadas de despejo. Elas têm conseguido permanecer na área
por uma luta dos movimentos nacionais de moradia, do fórum nacional e devido a
uma articulação local. Ainda continuam lá mas, infelizmente, esses edifícios ainda
não oferecem condições de habitabilidade para essas famílias — inclusive eles
viriam aqui hoje, mas parece que não foi possível.
Vou citar aqui o exemplo do caso dos edifícios Chile e Lord, na área central
de Salvador e na área do Pelourinho, onde a sétima etapa em construção os
moradores reivindicam que seja ampliada para atender os moradores que hoje estão
no centro e não que seja removida aquela população para dar lugar ao comércio e
ao turismo que acontecem na região.
Na missão de Macapá nós detectamos um grande número de famílias que
moram em cima de rede de esgoto. Elas moram em palafitas, em áreas de alagados
e estão em cima dos esgotos. Então, são 5 mil famílias que moram nessas
condições super precárias. Não há a mínima condição de se dizer que isso é um
conjunto habitacional ou que isso é um bairro devido a essas condições de falta de
saneamento. Infelizmente, não há uma política habitacional nessa cidade que possa
atender essas famílias.
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Como último exemplo de violação, vou citar as zonas especiais de interesse
social que, infelizmente, não estão sendo implementadas em grande parte das
cidades que citei. Ou seja, a elaboração dos planos diretores não contou, na grande
maioria, com a participação da comunidade, como determina o Estatuto da Cidade,
portanto têm sido elaborados e implementados um pouco à revelia da comunidade.
Nesse sentido, quero citar o exemplo da cidade de Natal, onde, pela
valorização da orla e pela rica paisagem que esse local propicia, hoje há um projeto
no sentido de remover as famílias que ali moram incentivando transformar as leis em
outras zonas que possam dar lugar a edifícios habitacionais.
Esse exemplo nós temos também na cidade de Salvador, onde famílias que
moram há 20 anos em determinada área estão ameaçadas de despejo para dar
lugar a grandes empreendimentos.
Bom, esses são os focos das violações que gostaria de trazer para vocês.
Teríamos mais coisas para falar em termos de considerações finais, mas vamos
falar ao longo da nossa discussão aqui.
Quero frisar que todas as missões realizadas nessas cidades contaram com
parceria local, com entidades, com os movimentos que já citei aqui. Hoje temos aqui,
representando Manaus, a Caritas, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o
Observatório Cidades, e todas essas missões fazemos em parceria com as
entidades locais.
Agradeço pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Obrigado, Dra. Lúcia Morais,
professora da Universidade Católica de Goiás e Relatora Nacional para o Direito
Humano à Moradia Adequada.
Quero registrar, com imensa alegria, a presença dos Deputados Fernando
Chucre, Fernando Nascimento, Chico Alencar e Paulo Teixeira, Presidente da
Frente Parlamentar pelo Direito à Moradia e coautor desse requerimento. (Palmas.)
Quero também registrar a presença de Germana Pires, Diretora da Federação
Nacional dos Arquitetos; Sandro, Vereador de Planaltina; Mardones, de Luziânia;
Jair Amaral e José Manoel, de Águas Lindas; Celso e Cristiano, de Valparaíso;
Midiam, de Águas Lindas; Tito, da União por Moradia; do MDS, e Ana Sueli, do
Governo do Pará.
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Ao longo da sessão vamos citando outros companheiros.
Tendo em vista outros compromissos, passo a palavra ao Dr. Celso Santos
Carvalho, Diretor do Planejamento Urbano da Secretaria Nacional de Programas
Urbanos do Ministério das Cidades, pelo prazo de 10 minutos.
O SR. CELSO SANTOS CARVALHO - Obrigado, Deputado Pedro Wilson.
Inicialmente quero cumprimentar a todos, companheiros e companheiras, e
agradecer pela oportunidade de participa deste debate e expor a visão do Governo
Federal, do Ministério das Cidades sobre a questão do direito à moradia no Brasil.
Esse quadro que a Lúcia apresenta é grave, reconhecemos que é grave. A
sociedade, os Municípios, os Estados e o Governo Federal têm responsabilidade
sobre essa questão e devem estar envolvidos na superação desse quadro. Nesse
sentido, o Governo Federal, a gestão do Presidente Lula, no início de 2003, ao
construir o Ministério das Cidades, que tem como missão propor e construir uma
nova política de desenvolvimento urbano para o País, tinha bem claro essa nova
política de desenvolvimento urbano, cuja tarefa é construir cidades que possam
acolher a toda população, superar as injustiças e a exclusão social, garantir o
saneamento e garantir principalmente o direito à moradia. Ou seja, a construção de
uma política de desenvolvimento urbano que garanta o direito à moradia é um dos
objetivos do Governo Federal desde 2003.
No que diz respeito, portanto, às ações do Ministério das Cidades nesse
campo, quero citar 3 grupos de ação: a regularização fundiária dos assentamentos
precários urbanos, a produção habitacional de interesse social e, depois, a
companheira Ethel, que coordena o trabalho de intermediação de conflitos fundiários
urbanos, vai se referir à terceira vertente da ação do Ministério das Cidades.
No que diz respeito à regularização fundiária de interesse social,
reconhecemos que, hoje, no Brasil temos alguma coisa em torno de 15 milhões de
domicílios, ocupados por população de baixa renda, que são irregulares; domicílios,
portanto, onde não se tem garantida a segurança da posse, a segurança da
manutenção dessas famílias nos locais onde construíram suas relações sociais,
econômicas e afetivas.
O programa de regularização fundiária deve avançar na regularização de 15
milhões de domicílios urbanos, cerca de 30% do total de domicílios urbanos no
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Brasil. E quando falamos em regularização fundiária em uma perspectiva de direito à
moradia, isso para nós significa regularizar a posse da propriedade, do domínio
sobre o lote, mas também regularizar questões do ponto de vista urbanístico e
ambiental. A regularização fundiária para nós significa a plena integração dos
assentamentos à cidade.
Com essa perspectiva, já em 2003, na época liderada pela companheira
Raquel Rolnik, a Secretaria Nacional de Programas Urbanos construiu o Programa
Nacional de Regularização Fundiário, o Programa Papel Passado, no qual apoiamos
principalmente os Municípios mas também Estados, organizações não-
governamentais e Defensorias Públicas nas suas ações de regularização fundiária.
Hoje o programa tem um sistema de monitoramento no qual acompanhamos o
processo de regularização em cerca de 2.600 assentamentos em 376 Municípios.
São cerca de 1 milhão e 700 mil famílias, sendo que, desse total — são ações desde
2003, de 1 milhão e 700 mil famílias, que estão em processo de regularização
acompanhados por nós — 326 mil receberam título e, destas, apenas 110 mil
tiveram título registrado em cartório.
Por que de 1 milhão e 700 mil famílias só 100 mil chegaram ao título depois
de 6 anos? Porque o processo de regularização fundiária é extremamente complexo,
extremamente demorado, cheio de entraves; a todo momento existe um empecilho
colocado pelo Judiciário, pelo Ministério Público, pela própria Prefeitura e
principalmente, no nosso modo de entender, porque não existe uma lei federal de
regularização fundiária. Temos, portanto, que aplicar a Lei de Parcelamentos, a Lei
nº 6.766, que foi feita para novos parcelamentos. Quando se tenta adaptar para
regularização fundiária, surgem problemas de interpretação que a todo momento
impedem a continuidade dos processos.
Nesse sentido, o Governo editou agora a Medida Provisória nº 459 que, junto
com o Programa Minha Casa, Minha Vida, traz a proposta de uma lei nacional de
regularização fundiária, no seu Capítulo III.
Nessa proposta, consideramos que pelo menos 3 questões são essenciais.
Primeiro, se reconhece que o Município pode estabelecer por lei o procedimento de
regularização fundiária em seu território — ou seja, o procedimento não fica para ser
definido por assessores técnicos do Judiciário, por juizes ou pela interpretação de
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donos de cartório. Segundo, o Município aprova o projeto de regularização fundiária,
e o projeto é estabelecido como próprio para regularização fundiária e não como
projeto de um novo parcelamento. Isso a lei deixa claro. Terceiro, permite que se
faça a regularização fundiária das ocupações em áreas de preservação permanente
desde que um estudo técnico comprove a melhoria das condições ambientais.
Finalmente, a medida traz outros dispositivos, como a instituição da demarcação
urbanística, legitimação de posse e regras para o registro.
Entendemos que esse projeto, se aprovada essa medida provisória com
essas características, principalmente no que se refere à competência de qualquer
Município para aprovar o projeto de regularização fundiária e a possibilidade de
regularizarmos as ocupações em áreas de preservação permanente, de uma forma
ágil, garantindo a melhoria da condições ambientais, vai resolver inúmeros
problemas de regularização fundiária como, por exemplo, aqueles relatados pela
Dra. Lúcia, no que diz respeito aos igarapés de Belém e Manaus. Vai-se ainda
permitir a ocupação em alguns casos em que, se a lei garante o direito à moradia, o
direito ambiental vai ser compatibilizado, permitindo a regularização fundiária em
APPs, desde que se comprove melhorias ambientais.
Então, achamos que essas questões são fundamentais e devem ser
debatidas aqui no Congresso. Pedimos o apoio de todos os Deputados presentes
porque essas medidas são necessárias para se avançar na regularização fundiária.
Com isso, estamos trabalhando num aspecto importante da garantia do direito à
moradia.
No que diz respeito à produção habitacional de interesse social, a Medida
Provisória n.º 459 traz também o Programa Minha Casa, Minha Vida, em que o
Governo Federal apresenta uma proposta de inversão de grandes investimentos
públicos na construção de moradia para a população de renda de até 10 salários
mínimos. Isso mostra, no meu modo de entender, que, enquanto vários outros
países no mundo tentam superar a crise repassando recursos públicos para o
sistema financeiro, felizmente, aqui no Brasil estamos superando a crise repassando
recursos para a construção de moradia popular e aprofundando a defesa do direito à
moradia. Há regras para o uso desses recursos, que vão ter a sua distribuição
regional de acordo com o déficit habitacional. Ou seja, além de gerar emprego e de
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auxiliar na superação da crise econômica, estamos também contribuindo com a
ampliação do direito à moradia.
É claro que existem questões complexas como a construção de cidades, que
não é só construção de moradia. Existem várias questões que devem e merecem
ser debatidas no Congresso, junto ao movimento social, e o Governo vai estar
aberto para fazer esse debate e aperfeiçoar esses dispositivos.
Quanto à terceira linha, que diz respeito a intermediação de conflitos e à ação
do Ministério das Cidades e do Conselho das Cidades, depois a companheira Ethel
vai comentar.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Agradeço ao Dr. Celso
Santos Carvalho, Diretor do Departamento de Planejamento Urbano da Secretaria
Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades.
Gostaria de registrar a presença dos Deputados Paes de Lira, Paulo Rubem
Santiago, Zezéu Ribeiro, nosso decano da luta urbana no Congresso; Dr. Rosinha e
das Deputadas Luiza Erundina e Luciana Genro.
Antes de passar a palavra à Dra. Ethel Proença Braga, representante do
Departamento de Planejamento Urbano e Conflitos Fundiários do Ministério das
Cidades, gostaria de registrar as presenças de Juliana Machado Brito, do MDT do
Distrito Federal; Wagner Baleeiro, Vereador de São José dos Campos, em São
Paulo; João França, do Sindicato dos Vigilantes do Distrito Federal; Maria Dolores
Santos Costa, da SEPLAN de Rondônia; Gilson Silva, da Força Sindical; Inácio
Pereira, do SINDSEP do Distrito Federal; Marcelo Braga, da Central de Movimentos
Populares; Jairo Salvador, da Defensoria Pública de São Paulo; Tonhão Dutra,
Vereador de São José dos Campos; André Queiroz, da Frente Nacional de
Vereadores pela Reforma Urbana, Cristiano Müller, Gilberto, do Movimento Nacional
de Luta pela Moradia; Ana Suely, do Governo do Pará, e outros que vamos
cumprimentar posteriormente.
Com a palavra, por até 10 minutos, a Dra. Ethel Proença Braga.
A SRA. ETHEL PROENÇA BRAGA - Quero cumprimentar todos os
presentes e agradecer pelo convite.
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O trabalho de conflitos fundiários surge, no Ministério, desde a sua origem,
porque caracterizamos como conflito a disputa pela terra, e muitos desses
movimentos têm como estratégia de luta legítima a ocupação de área urbana como
forma de garantia da moradia.
Os movimentos buscam o Ministério na tentativa de construir uma resposta
para esse impasse. Só que muitas dessas situações ocorrem já com a liminar de
reintegração de posse concedida, com a polícia entrando na ocupação. Reverter um
quadro quando já está na fase de conclusão é uma tarefa árdua, e os movimentos
vêm lutando e pressionando para que o Ministério construa uma resposta para esse
tipo de situação.
O Ministério tem, ao longo do tempo, buscado estruturar um trabalho para
essa área. Hoje temos a construção da Política Nacional de Prevenção e Mediação
de Conflitos Fundiários Urbanos, que está sendo discutida no território nacional;
estamos com um grupo de trabalho de conflitos, junto ao Conselho das Cidades,
buscando estruturar ações nos Estados e Municípios para que a discussão não se
esgote no Governo Federal, e temos a comissão interministerial, porque o trabalho
de conflitos é eminentemente de intersetorialidade das políticas públicas dos
Poderes e das esferas do Governo. Então, o exercício tem sido, ao longo desse
tempo, envolver todos esses atores na construção de soluções para essas
situações, respeitando as especificidades locais.
Hoje estamos atuando em 88 casos no País, tentando mobilizar esses atores
e respeitando o pacto federativo. As alternativas passam pela mobilização desses
autores, principalmente o envolvimento das esferas locais de poder.
Temos programas institucionais que precisam ser acessados para que se
consiga garantir o direito à moradia. Nesse sentido, quando contamos com a
parceria e o apoio dos Governos do Estados e dos Municípios, normalmente
conseguimos reverter alguns casos de reintegração de posse. Agora, precisamos
avançar ainda na construção desse trabalho, porque é novo e exige grande esforço
de articulação.
Então, o Governo Federal reconhece a legitimidade dessa demanda, vem
procurando atender e inserir, dentro do aparato institucional, essas situações.
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Convido vocês a participarem conosco dos seminários que estarão
acontecendo. O primeiro seminário regional que vai tratar dessa política ocorrerá no
Paraná, nos dias 14 e 15, e os demais vamos informar mais à frente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Obrigado à Dra. Ethel
Proença Braga.
Gostaria ainda de registrar a presença de Manoel, da Cidade Ocidental; de
Cristiane, Vereadora de Valparaíso e professora da rede escolar; Cosme Vítor, da
Associação de Favelas, e da Deputada Iriny Lopes, ex-Presidente da Comissão de
Direitos Humanos.
Antes de passar a palavra à Dra. Gilda Pereira de Carvalho, gostaria de tornar
pública uma questão.
A Dra. Lúcia Moraes falou sobre alguns atos que merecem que analisemos a
atuação da justiça. São dois fatos. Primeiro, o processo que envolve Eldorado dos
Carajás, que está há 13 anos paralisado, e agora está no Superior Tribunal de
Justiça para julgar os mandantes do assassinato de 19 trabalhadores. Esse mesmo
tribunal concedeu liberdade para o Sr. Bida, do Pará, que é o reconhecido mandante
do assassinato de Dorothy Stang. Segundo, ontem a Justiça de Goiás condenou o
suplente de Vereador do PSOL Américo Novais, uma das lideranças do Parque
Oeste Industrial. Houve morte no processo de retirada de moradores, e esse
processo de apuração está completamente parado. Enquanto que outro... Ele foi
condenado por mais de 5 anos.
Então, nessa luta pela terra, é importante vermos as nossas
responsabilidades como Parlamentares, e é nesse sentido que todos estamos aqui
presentes. Estamos interessados em discutir, mas vemos dois pesos e duas
medidas no julgamento desses casos e de outros que a Dra. Lúcia citou, em termos
de áreas. A Plataforma Dhesca, então, nos coloca situações em variadas cidades do
Brasil.
Gostaria de me referir a essa situação de Goiás dado que o julgamento
deveria ser igual: uma pessoa que estava lutando na defesa dos moradores é
condenada, enquanto que a verdadeira autoria das mortes ainda não foi apurada.
Peço desculpas a todos, mas gostaria de fazer este registro. Num encontro de
Parlamentares de direitos humanos, o nosso Presidente, Deputado Luiz Couto,
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registrou mais uma vez que esse fato acontecido em Goiânia seja remetido inclusive
a organizações de direitos humanos, dado que a maior parte do caso vai cair no
esquecimento. Agora ainda temos esse caso de condenar um dos lutadores,
enquanto o outro lado não recebe nenhuma penalização ou julgamento. (Palmas.)
Concedo a palavra à Sra. Gilda Pereira Carvalho, Procuradora Federal dos
Direitos do Cidadão.
A SRA. GILDA PEREIRA CARVALHO - Sr. Presidente, eu gostaria de
ressaltar o trabalho magnífico que vem sendo realizado pela relatoria nacional.
Recebemos cópia desses relatórios, que foram encaminhados tanto à Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão quanto ao Ministério das Cidades e aos outros
Ministérios correlatos.
A esse trabalho persistente e exaustivo da relatoria nós estamos dando
continuidade, cumprindo a nossa missão constitucional prevista no art. 129, II, da
Constituição, que diz que o Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos dos
Estados devem zelar para que os poderes públicos cumpram efetivamente os
direitos assegurados na Constituição.
É com essa missão que, então, temos cobrado políticas púbicas neste País
para que seja efetivamente respeitado o direito que está no art. 6º da Constituição,
que é o direito à moradia.
Dando seguimento, o Ministério das Cidades e a Caixa Econômica Federal
têm sido várias vezes cobrados pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
que, coordenando essas ações a nível nacional, tem pedido aos colegas nos seus
Estados, procuradores regionais dos direitos do cidadão, que efetivamente façam
vistoria e examinem esses relatórios que nos são entregues e que também, de
ofício, passem a dar toda uma prioridade a essas necessidades que chegam pelos
cidadãos que acorrem às procuradorias.
Gostaria de dizer, e já disse isso em reuniões, que há uma política perversa
relacionada à moradia. Eu entendo que, quando são transpostas famílias inteiras
para regiões mais distantes, como vem ocorrendo, a fim de dar continuidade à
política de habitação, nesses programas habitacionais não se contempla, o que para
nós deve haver claramente, o que deve haver de infraestrutura, que seria escola,
posto de saúde, casa para idosos. Isso é o básico num planejamento urbano. Há
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pouco tempo eu cobrei isso de algumas autoridades. Por que não se contempla
nessas alterações de residência esse direito tão claramente dito na nossa
Constituição?
Quero crer que os representantes do Ministério das Cidades, que estão
presentes, devem levar em consideração nos seus projetos isso que parece para
nós muito claro, ou seja, contemplar o cidadão, como já foi anteriormente destacado
pelo representante do Ministério das Cidades, com infraestrura urbana, ambiental,
sanitária.
O que nós vemos, e posso dizer isso porque já visitei esses conjuntos
habitacionais, é que eles são completamente desprovidos do básico. Nós não
podemos deixar de ver que ali há crianças, idosos, que precisam ser respeitados na
sua inteireza, até porque a criança e o adolescente, como diz nossa Constituição,
devem ter prioridade nas políticas públicas.
Outra coisa que quero registrar é que me parece também perversa a política
quando o Estado tem inúmeros imóveis aos quais não está sendo dada utilização
pública, social. (Palmas.) Veio recentemente à Procuradoria Federal a notícia de que
determinado ente descentralizado estaria alienando seus imóveis, quando havia um
plano já ofertado pela própria comunidade para que fossem utilizados para moradia
habitacional, contemplando inúmeros sem-teto.
Por fim, Sr. Presidente, quero registrar como exemplo de atuação que
aconteceu recentemente, e é bem provável que algum movimento social ou entidade
civil tenha presenciado essa questão, se deu em Pernambuco, meu Estado, em que
nos deparamos com inúmeros edifícios na zona metropolitana da Grande Recife,
construídos há trinta anos, que estavam na iminência, muitos deles, de desabar, e lá
moravam milhares de famílias. O que vemos numa situação dessas? A Caixa
Econômica, a entidade financiadora daquele conjunto habitacional, de um lado, e a
população necessitada do outro, e cada um dizendo que o seguro é que paga.
Foi nessa ocasião que tive oportunidade de chamar os órgãos do âmbito
federal para uma conversa, e foi muito, eu digo assim, rica essa reunião, porque me
pareceu que todos os presentes ali estavam convencidos de que não pode haver
esse jogo de responsabilidade. Não pode ficar um ente financiador de um lado,
dizendo que isso é o seguro, e de outro, a comunidade de sem-teto.
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De forma que saiu um encaminhamento. Naturalmente que não foi possível
estabelecer uma solução amigável, porque a coisa, realmente, requeria uma
imediata solução e os órgãos administrativos estavam um pouco devagar, de modo
que foi necessário judicializar essa questão. Está judicializada, mas isso não
significa... Aliás, depois dessa reunião, passou a significar que os órgãos de Estado
estavam inteirados e que queriam de boa vontade dar uma solução a este caso.
Por ora, Sr. Presidente, eu me reservaria a responder eventuais perguntas.
Muito obrigada por esta oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Dra. Gilda.
Passamos a palavra à Sra. Raquel Rolnik, Relatora Especial da Organização
das Nações Unidas para o Direito à Moradia.
A SRA. RAQUEL ROLNIK - Antes de mais nada, boa tarde a todos. Gostaria
muito de agradecer aos Deputados Luiz Couto, Paulo Teixeira e Pedro Wilson pela
iniciativa desta audiência, que é absolutamente oportuna no momento em que esta
Casa começa a discutir uma importantíssima iniciativa no campo da política
habitacional brasileira, que é a MP nº 459, como parte do Programa Minha Casa,
Minha Vida.
Antes de entrar propriamente nesse ponto, eu gostaria apenas de explicar —
porque eu mesma demorei para entender — o que é a Relatoria Especial para o
Direito à Moradia da ONU.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU, que tem sede em Genebra e cria
ou desenvolve direitos, tanto no âmbito civil e político como nos direitos econômicos
e sociais e culturais, também zela pela implementação desses direitos nos países
que são signatários dessas resoluções. Para poder acompanhar a implementação
desses direitos nos países, a Comissão designa um Relator para cada um dos
direitos. Então, são 49 relatores especiais.
O Relator funciona como uma espécie de ouvidor do Conselho para dizer
como as ações estão sendo implementadas nos vários países, tanto do ponto de
vista das experiências positivas como das violações do direito à moradia.
Assumi essa tarefa em maio do ano passado e comecei a atuar a partir daí.
Primeiro, eu fui me informar sobre a definição. Se eu sou Relatora para o
Direito à Moradia Adequada — tem a palavra “adequada”, não é só direito à moradia
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não —, o que é o direito à moradia adequada e como isso está consagrado nas
resoluções das quais o Brasil é signatário — e inclusive incorporou isso na sua
Constituição, como já foi dito aqui?
Eu não vou apresentar aqui toda a base jurídica, até porque há Deputados
aqui que conhecem isso muito melhor do que eu. Do ponto de vista do conceito de
moradia adequada, podemos dizer o que não é. Moradia adequada não é 4 paredes
e um teto em cima da cabeça da pessoa num lugar qualquer. Não é isso, não.
Moradia adequada é uma localização dentro do território, e isso vale para o urbano e
para o rural também, a partir do qual o grupo que habita aquele domicílio, seja uma
família ou não, tenha possibilidade de viver uma vida digna. E uma vida digna
envolve não somente acordar todos os dias, mas poder se desenvolver do ponto de
vista humano e econômico. Então, isso envolve, como já foi mencionado pelos que
me antecederam, acesso às oportunidades de educação, de saúde, aos meios de
sobrevivência, ao emprego, ao trabalho, aos meios de desenvolvimento da pessoa
humana.
É por isso que moradia não é depósito de gente, um lugar onde os pobres —
porque são pobres — podem morar. Afinal de contas, se tomarmos a idéia e o ponto
de partida da moradia como um direito humano, isso vai se contrapor claramente na
nossa sociedade à idéia amplamente majoritária e que estrutura um modelo de
desenvolvimento urbano no nosso País — e não apenas nele, evidentemente — que
é a moradia como uma mercadoria, ou a moradia e o desenvolvimento imobiliário e
a produção da cidade de uma forma geral como um ativo financeiro, como alguma
coisa que faz parte de um circuito de valorização do capital.
Por que eu estou mencionando isso? Quando discutimos e falamos em
política habitacional, o que está por trás das denúncias que foram feitas aqui pela
Relatora Nacional Lúcia Moraes e pela Dra. Gilda? O que está por trás da imensa
dificuldade de reconhecer o direito daqueles que estão morando hoje em
assentamentos irregulares, como as favelas e as periferias irregulares do País,
mencionadas pelo Celso Carvalho, a imensa dificuldade de ver esses
assentamentos plenamente integrados à cidade? O que está por trás é a idéia de
que o ponto de partida da política habitacional não é a moradia como um direito
humano e, portanto, é necessário respeitar o fato de que a terra urbana tem um
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valor no mercado, e que esse valor no mercado é muito mais importante do que o
direito humano de ter um lugar para viver com dignidade. Então, é isso que está por
trás.
Estou falando de alguma coisa que contraria absolutamente as possibilidades
de desenvolvimento da cidade de acordo com as regras do mercado? Não. É
exatamente em função da compatibilidade da existência do mercado com a garantia
dos direitos. Existe Estado, existe Governo, existe regulação, norma e lei
exatamente para poder atender a esses direitos, mesmo diante de uma situação em
que as regras básicas de estruturação da cidade e do território se dão através do
mercado.
E como isso se dá? Primeiro, através de políticas habitacionais que de fato
garantam a moradia digna; o lugar para que a moradia digna possa acontecer,
mesmo se esse lugar tiver um valor maior do que a capacidade econômica daquelas
pessoas que vão morar lá. Por que isso está por trás das questões da violação?
Porque é maravilhoso urbanizar a favela da periferia, num lugar que não tem
nenhuma disputa grande em termos de valor econômico para empreendimentos
lucrativos na cidade.
Por que é tão difícil até hoje usar e mobilizar até o patrimônio público federal,
estadual e municipal, vazio e subutilzado, nos centros da cidades? Estão aqui hoje
companheiros dos movimentos de moradia que há décadas lutam para que esse
patrimônio público seja utilizado para moradia. Por que é tão difícil? Porque até
mesmo dentro do Governo Federal, e ainda nos Governos Estaduais e Municipais,
prevalece a idéia de que um lote ou um imóvel bem localizado tem de ir para o
mercado para fazer caixa e não para atender o direito à moradia digna das pessoas
que não têm casa. (Palmas.) Por isso, na semana passada, movimentos e
Deputados correram para sustar leilão de imóveis públicos vazios e subutilizados
que estavam indo para mercado quando poderiam estar produzindo moradia neste
País.
Mesmo diante de um enorme avanço que tivemos, qual seja o
reconhecimento por parte do Governo Federal de que habitação é fundamental e a
disponibilidade de uma enorme quantidade de recursos sob a forma de subsídio
direto para as famílias, que é o Programa Minha Casa, Minha Vida, e subsídios
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grandes para quem mais precisa, na faixa de renda de zero a 3 salários mínimos,
esse programa foi lançado sem uma palavra sobre onde e como vão se dar essas
moradias; tudo isso sem nenhuma conexão com aquilo que foi um enorme avanço
construído nesta Casa, neste Congresso Nacional, que foi o Estatuto das Cidades.
Depois da mobilização que o País inteiro fez para implementá-lo, o que ganha
um município que está implementando o Estatuto das Cidades? Nada. O que ganha
em termos de acesso a recursos do Programa Minha Casa, Minha Vida, se garantir
que essas moradias aconteçam nas zonas especiais de interesse social, que muitos
prefeitos se arrebentaram para poder aprovar nas Câmaras Municipais, graças à
enorme mobilização social que ocorreu? Não ganha nada.
É exatamente por isso que neste momento é extremamente importante esta
Casa fazer uma audiência pública sobre o direito à moradia, porque é possível e
existam várias emendas de Deputados que estão aqui presentes ou passaram por
aqui, como os Deputados Zezéu Ribeiro, Fernando Chucre e Paulo Rubem, que
tentam introduzir na MP nº 459 pelo menos alguns mecanismos para poder fazer
essa conexão, usando recursos do Programa Minha Casa, Minha Vida para
reabilitação de imóveis; fazendo com que os municípios que os têm, apresentando
como contrapartida terrenos situados em áreas bem localizadas, em zonas
consolidadas, tenham prioridade e mais recursos.
Isso fará com que todo esse processo fortaleça a construção feita ao longo de
décadas no País para garantir o direito à moradia, que é a construção do sistema
nacional de habitação de interesse social, de conselhos de habitação com
participação popular em todas as cidades. Isso é importante para que esse processo
fortaleça o que já foi construído e não vá totalmente, em paralelo a ele, dando força
para o nosso modelo de cidades partidas.
Quero concluir dizendo que o nosso modelo de cidades partidas e de
negação do direito à moradia está muito incrustado na cultura do País e dos
Governos. Aliás, não só na cultura dos Governos, mas também na das elites, que
jamais admitiram a idéia de que podemos compartilhar nossas cidades e territórios
entre pobres, médios e ricos; que podemos conviver nesses espaços em paz e
segurança, compartilhando os espaços públicos e as qualidades da cidade. Essa
cultura ainda não chegou, tanto é que, por exemplo, no Rio de Janeiro, no momento
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em que se está investindo milhões para transformar favelas em cidade, o que é
genial, propõe-se construir muro atrás da favela, como se favelado fosse bicho para
viver enjaulado, o que vai na contramão da integração total, que é o que propõe a
regularização fundiária e a urbanização.
Acho que o momento desta audiência e a denúncia dessas violações nos
trazem a oportunidade de lembrar que os avanços que já foram conseguidos nesta
Casa ainda não estão totalmente assentados nas nossas cidades, na nossa
sociedade, nos nossos Governos. Eles requerem, sim, ainda incentivos fortes da
nossa parte, incentivos fortes da parte dos legisladores, para que seja premiado
quem trabalha na direção das cidades integradas, das cidades adequadas e da
moradia adequada. Embora a construção civil gere empregos e isso seja muito
importante para lutar contra a crise, assim como a indústria gera emprego, casa não
é igual a geladeira, e produzir casas é produzir cidades. Nosso grande desafio é
produzir cidades para todos, e não só cidades para poucos.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Pedro Wilson) - Obrigado, Dra. Raquel
Rolnik, Relatora Especial da Organização das Nações Unidas, ONU.
Gostaria também de registrar a presença de Mirim, de Formosa; já registrei