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BOLETIM CULTURAL DE MELGAÇO | 2009 | |225 | Introdução A fronteira que, desde os recuados séculos XII-XIII, se- parou e defendeu este estreito pedaço da Ibéria, estendido ao longo do oceano Atlântico, oferece hoje uma ampla gama de visões e abordagens. Ao seu redor acabam por se fundar associações e centros de investigação de cariz transfronteiriço; conceber planos e fundos de investimento próprios; aprovar novos e ambiciosos projectos; recuperar memória e patrimó- CONTRABANDO PELA RAIA SECA DO LABOREIRO* José Domingues** Américo Rodrigues*** * Este texto foi elaborado a partir da comunicação audiovisual (Power Point) proferida nas Jornadas “O Miño, unha corrente de memoria”, Goián (Tomiño – Galiza), no dia 19 de Outubro de 2007. ** Professor Universidade Lusíada – Porto *** Adm. Sistemas Informáticos / Prof. Profissionalizado Secundário NEPML – Núcleo de Estudos e Pesquisa dos Montes Laboreiro. [email protected] www.monteslaboreiro.com
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«Contrabando pela raia seca dos Montes Laboreiro»

Jan 22, 2023

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José Domingues
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Introdução

a fronteira que, desde os recuados séculos XII-XIII, se-parou e defendeu este estreito pedaço da Ibéria, estendido ao longo do oceano atlântico, oferece hoje uma ampla gama de visões e abordagens. ao seu redor acabam por se fundar associações e centros de investigação de cariz transfronteiriço; conceber planos e fundos de investimento próprios; aprovar novos e ambiciosos projectos; recuperar memória e patrimó-

contraBando pela raia seca do laBoreiro*José Domingues**Américo Rodrigues***

* Este texto foi elaborado a partir da comunicação audiovisual (power point) proferida nas jornadas “O Miño, unha corrente de memoria”, Goián (Tomiño – Galiza), no dia 19 de outubro de 2007.** professor Universidade lusíada – porto*** adm. Sistemas Informáticos / prof. profissionalizado Secundário

NEpml – Núcleo de Estudos e pesquisa dos montes [email protected]

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nio… e, sobretudo, fundamentar uma imensidão de estudos de índole legislativa, administrativa, histórica, etnográfica, an-tropológica, sociológica, etc.

é claro que nem sempre foi assim. antes pelo con-trário, a proximidade à raia, com todas as implicações de pe-rigosidade e defesa militar (sobretudo em tempos de guerra), era considerada como um obstáculo sério ao povoamento e ao desenvolvimento económico das comunidades locais. por isso, o passado remoto de cada uma dessas terras raianas está carregado de privilégios únicos e soluções peculiares preconi-zadas pelo poder real numa tentativa premente de combater esse óbice.

mas em definitivo, o que outrora foi considerado alta-mente pernicioso, pode hoje converter-se num vector de pro-gresso e atractivo turístico, tendo em linha de conta, sobretu-do, o copioso acervo de património material e imaterial para desvendar.

Neste sentido, o actual concelho de melgaço ocupa uma posição que se pode dizer paradigmática e de destaque, já que a linha limítrofe que demarca o seu espaço geográfico coincide, em grande parte, com a linha de fronteira luso-es-panhola. pelo lado Norte fica a raia húmida do rio minho, até à embocadura do rio Trancoso, seguindo depois o traçado sinuoso deste até à nascente. aí, no porto dos Cavaleiros, co-meça a raia seca (marco fronteiriço n.º 2), que vai seccionar os montes laboreiro a meio até juntar no rio laboreiro, junto às poldras de mareco (marco fronteiriço n.º 53), seguindo depois o curso tortuoso do laboreiro até juntar no rio lima. advir-ta-se, no entanto, que o antigo termo de melgaço alargou o seu espaço territorial à custa de dois concelhos – Valadares e Castro laboreiro – extintos por Decreto de 24 de outubro de 1855. Só a partir dessa data a referida raia seca dos montes laboreiro passou para o concelho de melgaço.

Toda a fronteira, conforme fica dito, é susceptível de múltiplas abordagens. No entanto, a nossa comunicação ficou submetida ao tema do contrabando e, territorialmente, con-finada à raia seca dos montes laboreiro, ou seja, às práticas ilícitas de comércio desde o porto dos Cavaleiros (alcobaça) até às poldras de mareco. Sem depreciar o contrabando pela raia húmida, é claro que, devido sobretudo às características

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orográficas propícias, o grosso se processava pela raia seca. Não temos dúvidas que, durante séculos a fio, desde a Idade média até à recente abolição dos controles alfandegários, as práticas contrabandistas fi-zeram parte do quotidiano das aldeias raianas de ambos os lados do laboreiro. mas, sendo o contrabando uma prática ilícita de comércio – por violação de um comando normativo legal ou por fuga aos respectivos tributos aduanei-ros – torna-se bastante difícil de documentar em épocas recuadas. para o século XX ainda subsistem preciosos testemunhos orais, mas para as centúrias antecedentes muito pouco de concreto chegou até aos nossos dias.

Este trabalho não tem quaisquer pre-tensões de tratar de uma forma profunda e exaustiva o tema do contrabando pelo la-boreiro. para isso tornar-se-ia indispensável revolver os arquivos à procura de novos in-dícios, quer do lado português quer do lado galego, e registar os derradeiros testemunhos orais de contrabandistas vivos. Como o tem-po não sobeja, fico por uma mera síntese dos parcos subsídios documentais e algumas conversas soltas, aliadas ao conhecimento do terreno palmilhado, que foi possível coligir ao longo dos últimos anos.

Parte I Américo Rodrigues

Os arraianos e a rambóia

a rambóia existe desde que há raia!o antigo concelho de Castro laboreiro (perto de 90

quilómetros quadrados), actualmente freguesia do concelho de melgaço, é rodeada, a Norte e a Nordeste pela Galiza, es-pecificidade raiana que assume um maior significado se pen-sarmos que a extensa serra do laboreiro comporta toda a raia

Castro laboreiro e os marcos da

raia: 2, 8, 14, 23, 32, 51 e 53

(junto ao rio laboreiro)

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seca entre o rio minho e lima. Estamos perante uma das fronteiras mais velhas da Euro-

pa (senão a mais antiga) e o início da numeração fronteiriça da raia seca hispano – portuguesa (do marco 1 ao 53).

por causa desta localização, Castro laboreiro, teve no seu território, no século vinte, durante o Estado Novo, até ao 25 de abril, três postos (quartéis) pertencentes à corporação da Guarda-fiscal: Vila, ameixoeira e portelinha (os dois últimos construídos na década de 20 e 30).

No lugar da alcobaça (marco da raia nº 1), freguesia de lamas de mouro, estava situado o quarto posto, que ajudava a criar um cordão asfixiante de vigilância e controle das rotas do contrabando vindo da serra do laboreiro. mesmo assim, o contrabando era diário, de dia e de noite, galegos e portugue-ses e as suas bestas atravessavam diariamente a fronteira que pontilha a serra do laboreiro, a contrabandear.

Do lado espanhol, os Carabineiros, tinham funções si-milares, percorrendo o basto espaço de planalto, na procura do contrabando e dos seus transportadores, que podiam ser homens ou mulheres, de tenra idade ou mesmo já na casa dos setenta anos.

o contrabando, enquanto ac-tividade condenada pelos poderes instituídos, é um fenómeno de sécu-los. Tem a idade das fronteiras admi-nistrativas e politicas, e foi desde as suas origens um elemento importante na economia destes povos vizinhos. melhorou sempre as suas condições de vida e criou laços de amizade, fa-miliares (casamentos) e de cumplici-dade em ambos os lados da frontei-ra. a cumplicidade do contrabando, o pastoreio nos montes vizinhos e as romarias foram sempre motivos de

aproximação entre famílias de ambos os lados da raia.Neste importante “comércio de fronteira”, passaram

durante séculos todo o tipo de produtos: gado, sal, carvão, milho, centeio, azeite, bacalhau, castanhas, feijões, pimentão, batatas, metal, vestuário, calçado, pedras de isqueiros, vidros,

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peles, suínos, louças, utensílios agrícolas, café, farinha, pólvora, minério (volfrâmio), ouro, cozinhas de ferro, máquinas de cos-tura, máquinas de café, electrodomésticos variados, dinheiro, bananas, maças, ananases, amendoins, amêndoas, bocados de cobre e muitos outros produtos de maior ou menor valor. a época, o preço ou a escassez de um produto, de um dos lados da raia, geravam contrabando.

para as populações locais o contrabando nada tinha de ilícito, era simplesmente um modo de vida que ajudava na di-fícil sobrevivência destas paragens. o medo de ser apanhado e de perder a carga, os pesos exagerados e as distâncias, exigiam ousadia, coragem e sofrimento.

Os caminhos do contrabando

São imensos os cami-nhos que atravessam a Serra do laboreiro e ligam os lugares (aldeias) de um lado e do outro da fronteira.

assureira “galega”, la-pela, monte redondo, quin-ta, Górgua, Bangueses, Fraga, queguas, Goginde e pereira, são alguns dos lugares galegos próximos dos portugueses, de portelinha, adofreire, outeiro, antões, rodeiro, portos, Se-ara, padresouro, Cainheiras, ameixoeira, e ribeiros onde o contrabando chegava e partia com mais facilidade, por carreiros, carrilheiras e caminhos em direcção à serra do laboreiro. No entanto havia transportado-res e contrabandistas em todos os lugares da freguesia. muitos Castrejos chegaram a transportar mercadoria a lugares galegos distantes da raia dezenas de quilómetros, empreitada que de-morava noites e dias.

é impossível traçar um mapa rigoroso de caminhos e carreiros que eram utilizados pelo contrabando, no entanto, os mais utilizados ainda são conhecidos dos idosos da região. a

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escolha do carreiro ou caminho dependia do destino da mer-cadoria, do tipo de carga que se transportava, da forma como era transportada e da vigilância da guarda-fiscal e dos carabi-neiros, e muitas vezes das condições meteorológicas.

Em alguns locais da freguesia, os terrenos de cultivo, as bouças de giestas, os prados e o pinheiral semeado no Estado Novo, estendiam-se desde os lugares referidos, até muito pró-ximo da raia, em plena serra do laboreiro (marco 3, marco 13, etc), o que facilitava a protecção dos contrabandistas, mesmo em pleno dia. a sul da freguesia, o terreno acidentado, com grandes formações graníticas e carvalheiras seculares eram uma preciosa ajuda.

a distância dos postos da Guarda à raia, o relevo e o clima agreste eram vantagens aproveitadas em favor dos con-trabandistas.

os montes da serra do laboreiro junto à raia, amplos e descampados, e os caminhos apertados eram os principais inimigos dos contrabandistas, por isso receados de todos.

os marcos da raia eram pontos de referência conhe-cidos da maioria, como ponto de passagem ou de encontro: marco 3, marco 14, marco 18, marco 35, etc. para as popu-lações locais, era deveras fácil assinalar o local e os possíveis caminhos para lá chegar.

No mesmo lugar Castrejo, muitas vezes vivem contra-bandistas e guardas. Conviviam e andavam nos mesmos ca-minhos, quanto mais não fosse por motivos diferentes, uns vigiavam-nos e outros traziam e levavam as mercadorias que ajudaram a alimentar muitas bocas fustigadas pela miséria dos regimes vigentes e pelo atraso e isolamento em que estavam abandonados estes lugares.

Os tipos de contrabando e os contrabandistas

o contrabando, numa terra que sempre teve dificuldade em dar pão aos seus filhos, num tempo de guerra (36-45) e fas-cismo (Franco e Salazar), foi deveras importante, desenvolveu localmente comércio e estatutos sociais.

aqui praticou-se sobretudo o contrabando “às costas” e o contrabando feito com muares - machos e mulas. Cada homem levava em média 25-30 quilos e as viagens duravam,

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às vezes, horas, ou mesmo dias e noites. os animais transpor-tavam uma centena de quilos e normalmente não passavam a raia delimitadora dos dois países.

o contrabando de camião surgiu quando da abertura das estradas em terra, uma na serra do laboreiro, que ligou portelinha aos portos, e a ou-tra, a actual estrada de fron-teira, da Vila à ameixoeira. Tal tipo de contrabando é por isso recente, e contava com a cum-plicidade da Guarda-fiscal, que engordava à manjedoura da actividade, sem qualquer ética ou princípio de classe.

apesar da dificuldade em formatar esta actividade, considero que existem três ti-pos de contrabando distintos.

Um contrabando familiar, de subsistência, exercido principalmente pelas mulheres e filhos, que esporadicamen-te deslocavam-se ao outro lado da fronteira, às lojas, para se abastecer de bens de primeira necessidade para a casa: azeite, bacalhau, uns sapatos, pimento, sabão, etc. podia acontecer até irem trocar batatas por feijões ou milho.

outro contrabando, já mais profissional, é encabeçado, na maioria das vezes por comerciantes da zona. Compram e vendem de um lado e do outro da raia, com “amigos” do ofí-cio. para isso, contratam grupos de cinco, dez ou mais pessoas (familiares e vizinhos), para irem “ao outro lado” ou à raia, a pé, por vezes com animais de carga, buscar e levar os pro-dutos. para os locais é um contrabando de subsistência que ajudava a enganar os tempos de miséria e privações. homens, mulheres e rapazes, depois dos trabalhos do dia a dia, no cam-po e no monte, levam as cargas pela calada da noite aos locais combinados.

o mais famoso e o mais bem sucedido dos contraban-distas foi “o mareco” de Várzea Travessa. “o Frade” das Co-riscadas talvez seja o segundo da hierarquia, no entanto são conhecidos de todos: “o Carqueijo” de padresouro, com loja

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em padresouro e depois na Vila, “o mochena” das Eiras, com loja nas Cainheiras e depois na Vila, “o Chimpa” de Várzea Travessa, “o albano” “pereira” com loja nos antões e depois na Vila, o “ o Varanda” de portelinha, ou o “Nicho” da Vila.

Estes homens não fizeram vida de emigrante (alguns partiram à aventura mas re-gressaram novos) como era moda na sua geração. o con-trabando é a sua profissão desde muito cedo. alguns já contrabandeiam em plena guerra civil espanhola. me-lhoram bastante a sua condi-ção de vida, poupam e com-pram quintas por todo o alto minho. Chegam a investir na banca portuguesa. a maioria dos Castrejos formados (os primeiros), por universidades portuguesas, estudantes no fi-nal dos anos 50, é descenden-te deles. Estes homens gozam

de um estatuto social superior e pela primeira vez os seus fi-lhos passam a pertencer à classe média portuguesa. o mareco é mesmo um dos homens mais ricos entre o rio lima e minho (norte de portugal).

ao longo do século vinte, nos lugares mais próximos da fronteira são referenciadas muitas lojas de contrabando. re-cordo aqui a loja do “Chastre” em Dorna, a do “Bernardo” na assureira, a de manuel “maceira” no rodeiro, natural de Vár-zea Travessa, a loja dos antões de antónio “Carrapiço”, a loja do outeiro de Domingos “Bernardo”, natural das Falagueiras, mais tarde comerciante na Vila, ou a loja da “Cordas” (que foi para o Brasil) no outeiro, sita no prédio com o nome de Casi-no. o negócio era com galegos, e era vê-los curvados de sacos de café às costas em direcção à raia.

o contrabando dos anos setenta e oitenta é em gran-de escala. Gado e bananas são os produtos mais conhecidos. Da velha guarda restam “o Frade” e “o albano”, que ainda contrabandeiam, quase por gosto e obrigação, mas com eles,

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estão reformados da França ou ex-emigrantes jovens, que disto fazem modo de vida. há mesmo contrabandistas de outras pa-ragens, como o Salvador da Gave. Na estrada asfaltada fazem uso de camiões e as vacas entram aos milhares pela fronteira, com destino a todos os matadouros do norte e centro do país. as bananas abastecem todo o mercado nacional.

Confessa um contrabandista: “em 1984, numa noite normal podia ter de lucro 2000 euros”. as famílias mais pobres e até alguns estudantes jovens ganham dinheiro todas as noites “a passar vacas” ou a carregar caixas de bananas. os Guardas-fiscais reclamam parte dos lucros. o dinheiro circula a rodos.

Na maior parte das vezes os produtos eram enviados, recebidos e geridos por redes situadas em muitas vilas e cida-des da Espanha e de portugal. Estas redes faziam acordos com estes homens, conhecedores do terreno, das pessoas e das forças militares.

Tudo acabou no início dos anos 90. os últimos foram “os do ribeiro”, família pires, do ribeiro de Baixo.

Deixo aqui uma nota de nostalgia para a contrabandista a retalho, “Tia rezaura”, de nome rosana, galega, que viveu sozinha até ao final da vida, no lugar da assureira (inverneira de Castro laboreiro), que de manhã ia comprar “peças” de trigo, chocolate, azeite, galhetas, e mais, à loja da amiga luiza no lugar galego de pereira, para venda aos Castrejos, e à tarde deixava algum guarda fiscal em turno, quentar-se em dia frio, ao lume da sua lareira, oferecendo-lhe copa ou café acompa-nhado dos deliciosos e açucarados doces galegos.

A Guarda-fiscal “os Carabineiros” (na realidade Guarda-civil) e a Guar-

da-fiscal (“os guardinhas”) vigiavam uma das fronteiras mais velhas da Europa. Em portugal dependiam do ministério das Finanças, e a sua profissão estava quase totalmente vocaciona-da para a apreensão dos produtos contrabandeados, ou seja, ela existia em parte devido ao contrabando e aos contraban-distas.

os três postos do guarda-fiscal existentes na freguesia tinham uma basta área de vigilância à sua guarda. os meios de que dispunham eram escassos.

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os guardas eram na sua maioria de terras distantes, Trás-os-montes, Beira alta, etc. muitos chegavam jovens e tinham baixo índice escolar. alguns, poucos, até casaram na terra e aqui fixaram residência.

os postos ofereciam condições mínimas de habitabilidade permanen-te para o corpo, principalmente para os jovens guardas, que não tinham família constituída. outros alugavam casa na lo-calidade, botavam horta e tentavam viver normalmente com a sua família.

a vigilância do território era feita a pé, normalmente por patrulhas de dois, percorrendo longas distâncias e foca-vam-se nas áreas mais sensíveis, princi-palmente em encruzilhadas, pontos altos e passagens mais ou menos conhecidas,

onde fosse possível controlar alguns dos caminhos que se diri-giam à Galiza.

a apreensão dava um processo burocrático, uma multa e por vezes cadeia. os produtos eram retidos e leiloados. os guardas recebiam uma parte da verba. Da fama que ficavam com alguns também não se livram.

mais tarde vigiavam as estradas onde tinham de passar os camiões de gado e bananas. Nesta altura recebiam quantidades chorudas, apesar de muitas vezes serem enganados, principalmen-te nas quantidades. Taxavam à cabeça, ao quilo ou à “passagem”. recebiam em grupo ou individualmente, conforme a patente ou o peso junto dos contra-bandistas. alguns construíram “casas de emigrantes” e todos melhoraram as suas vidas, neste período de transição pós 25 de abril.

ao contrabando familiar pouco ou nada ligavam, no entanto o povo ainda se escondia deles como do lobo, com medo que lhe aprendessem o azeite, o ba-calhau, o polvo do natal, o pimento e outros bens apreciados

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no consumo da casa.o povo nunca gostou de guardas. alguns deles eram

maus e ganharam fama disso. o Zé Carteiro dos anos 50/60, era disso exemplo. parece ser mesmo perverso. maltrata os galegos, bate-lhe e tira-lhe o contrabando. muitos destes ho-mens são pobres coitados que tudo temiam.

apesar de serem funcionários públicos (sem grandes pri-vilégios), eram descriminados localmente e colocados em nível social inferior. Em Castro laboreiro toda a gente tinha o seu bocado de terra e os homens havia séculos que emigravam.

os guardas na sua maioria eram considerados mandri-ões, e gente a evitar.

Tragédias do contrabando

o Contrabando trouxe alguma riqueza e melhorou vida a muitos, mas os sacrifícios provocados pelo esforço, pelos guardas e pelo temporal fizeram as suas vítimas. as estórias e as cruzes na serra do laboreiro não deixam dúvidas.

os documentos registam mortos nas Bainhas e nas Uri-geiras. a Cruz do galego no Vale das antas, as duas Castrejas do Bido mortas pelo frio da neve, próximo do lugar das Cai-nheiras vindas de queguas e os três galegos regelados pela neve, na Serra do laboreiro, que tinham partido de uma loja do rodeiro, são disso bom exemplo.

o assalto por galegos à loja do “Bragado” na adofreire, que é atingido por arma de fogo, sem perigo de vida, e a morte brutal, a tiro, inexplicável, de um galego no lugar do rodeiro e enterrado na Vila, sem qualquer diligência legal e sem nin-guém a reclamar o corpo, são sinais desses tempos.

os contrabandistas tinham os seus medos e motivos para isso não lhe faltavam.

A preservação da memória

o autor subiu a Espedregada e atravessou a Cruz da Ermida em direcção ao marco 18 e 19, buscar gando. quem o protegia e contratava era o manuel “Negrito” do outeiro, mas sabe que as vacas e bois, também eram do “Frade”, do “Carra-piço” de queimadelo e do “roxo” de portelinha. levou gado

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às côrtes dos antões, do outeiro, da adofreire e de portelinha. O dinheiro: 300 ou 400 escudos (1,5 ou 2 €, pela moeda actu-al) por viagem, davam muito jeito a um jovem estudante.

apesar das poucas viagens efectuadas, recorda este pas-sado com nostalgia e romantismo. as companhias de tais em-preitadas, as estórias ouvidas nas esperas raianas, o encontro com os galegos, o anoitecer à luz das estrelas ou o orvalho da manhã na Cruz da Ermida, o fugir de um coelho ou raposa madrugadora, o barulho das levadas da Canda, os recados de quem sabia do ofício, e as peripécias vividas, são passos de um tempo que já não anda para trás. os contrabandistas morreram quase todos, o contrabando acabou, os Guardas fo-ram para as suas terras, reformaram-se ou foram integrados na Guarda Nacional republicana, os caminhos deixaram de ser percorridos e a linha de fronteira deixou de ser vigiada, como tal, as aventuras, as memórias e as estórias, que durante décadas ajudaram ao sustento a todos estes lugares foram-se perdendo.

o enriquecimento cultural das novas gerações só pode ser feito se conhecermos a história onde mamamos a teta. o caminho para qualquer futuro só é possível se tivermos identi-ficação com o passado. o contrabando é um dos marcos que balizou estas terras, no entanto desde o seu fim, tal como o conhecíamos, muito pouco foi feito para evocar a sua memó-ria com apostas nos testemunhos orais, documentais e audio-visuais.

Faltam estudos sobre o contrabando, visto que poucos são aqueles que se têm interessado pelo assunto.

Urge recuperar o que seja possível, a bem da identidade local e do aproveitamento futuro, quer seja para as próximas gerações locais, quer seja para o turismo cultural, em moda, nestes espaços de arraianos.

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Parte IIJosé Domingues

as relações de comércio que existiam antes da fundação do reino luso mantiveram-se ao longo dos sécu-los seguintes, com épocas de maior ou menor intensidade, através da frontei-ra hispano-portuguesa1. as cartas de vizinhança, confirmadas por D. afon-so V no crepúsculo da Idade média, são um sintoma basilar dessas relações ancestrais entre comunidades raianas de ambos os lados2. mas o que adul-terou essas ligações económicas fron-teiras para contrabando, não foi tanto o surgir de uma linha limítrofe imagi-nária, mas antes a posterior proibição expressa de saída de determinados produtos para fora do reino ou a consignação de determinados tributos para a saída de outros. ou Seja, o comércio transfronteiriço converte-se em contrabando a partir do momento em que surgem comandos normativos a proibir a transacção de determinados produtos e a cobrança de tributos para outros. Não admira, por isso, que, praticamente, só a par-tir de meados do século XIII nos surjam os incipientes indícios de práticas contrabandistas.

por esse tempo da segunda metade de duzentos, agre-gados à intensificação do poder legiferante do monarca (D. afonso III, entre 1248 e 1279, terá emitido mais de 200 di-plomas com carácter de lei), surgem os primeiros comandos proibitivos de exportação de certas mercadorias. Na lei da al-motaçaria, de 26 de Dezembro de 1253, proíbe-se a saída de

1 é bem plausível que a cláusula prevista nos forais de D. afonso henriques a melgaço e Castro laboreiro englobe os comerciantes vindos do reino de leão.2 Cfr. josé marqUES, relações económicas do norte de portugal com o reino de Castela, no século XV, separata da revista Bracara Augusta, Tomo XXXII – Fasc. 73-74 (85-86), janeiro-Dezembro de 1978.

marco 45

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prata para fora do reino, exige-se que o mercador estrangeiro traga mercadoria equivalente à que retirar do reino e que a mercadoria seja levada por mar e não por terra – tudo sob pena de perder essa mercadoria3. a proibição da exportação de prata explana-se em outro diploma, com data plausível de 1254/554, onde também se proíbe a retirada para fora do reino de peles, panos de cor, coiros, cera e mel, salvo pelos portos por onde entrassem panos de França5.

aliás, os metais preciosos e a moeda são dos produtos mais frequentes nos comandos gerais proibitivos de saída para o exterior. Nomeadamente, numa lei de D. afonso IV, datada de 13 de março de 13276; num capítulo geral das cortes de Santarém de 1331, depois aproveitado para a compilação das Ordenações Afonsinas7; noutra lei de D. afonso IV de 16 de Dezembro de 1341 (que proíbe também a saída de cavalos e armas)8; posteriormente, D. Duarte, a 30 de Novembro de 1436, lança uma lei interpretativa a propósito das restrições impostas à saída de ouro e prata para fora do reino9.

outra mercadoria que, desde a segunda metade do sé-culo XIII, passa a ser proibida é o pão, conforme consta numa lei de afonso III, de 13 de julho de 127310. a regulamentação das sacas do pão e do gado será feita, por alvará de 13 de abril de 1437, no reinado de D. Duarte11. por sua vez, a proibi-ção da passagem de gado para fora do reino, a par com outros produtos, fica, definitivamente, sublinhada com a conclusão das Ordenações Afonsinas, a 28 de julho de 1446: “defende-mos e mandamos, que nom seja alguum tam ousado, que leve [para] fora do Regno, per mar ou per terra, armas, nem servos, nem goados; e qualquer que o contrairo fezer, perca todo pera a Coroa do Regno, assy como suso he estabellicido nos cavallos,

3 Portugaliae Monumenta Historica – leges, pp. 191-196.4 Veja-se acerca da data deste documento a nota VI no fim do 3.º vol. da historia de portugal de alexandre hErCUlaNo.5 Portugaliae Monumenta Historica – leges, pp. 253-254.6 Cortes Portuguesas do Reinado de D. Afonso IV, pp. 19-20.7 Ordenações Afonsinas, liv. V, Tít. 47, §1.8 Chancelaria de D. Afonso IV, vol. III, doc. 344, pp. 198-201.9 Ordenações de D. Duarte, pp. 553-555.10 Ordenações Afonsinas, liv. V, Tít. 48, § 1.11 Ordenações Afonsinas, liv. V, Tít. 48, §§3-5.

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ouro, prata, e moeda”12. mas a passagem de gado para fora do reino esbarra com o obstáculo da transumância ancestral.

a regulamentação em torno da passagem de gado irá acentuar-se a partir de meados do século XV e nos princípios do século XVI. Este tema passa a ser debate assíduo nas assem-bleias de Cortes13 e são promulgadas várias leis sobre o mani-festo obrigatório do gado14. mas esta tentativa de controlo das práticas contrabandistas de gado colide com a prática multise-cular da transumância ibérica. por isso, para ajustar toda a re-gulamentação normativa à realidade material são definidos os portos de entrada e saída dos gados de Castela e neles são co-locados oficiais responsáveis pela contagem e verificação dos animais e recebimento dos respectivos tributos alfandegários.

já tratei esta dicotomia, entre contrabando de gado e transumância, em trabalho publicado no Boletim Cultural de melgaço15. aproveito, por isso, para transcrever aqui a resenha cronológica feita aos regimentos publicados no decurso do sé-culo XVI.

«No dia 20 de abril de 1503, el-rei D. manuel mandou publicar um regimento sobre o passar do gado e as outras cousas defesas para fora do reino16, que irá ser incorporado nas sucessivas colectâneas legislativas da sua lavra – primeiro no Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares destes Reinos17, depois nas sucessivas Ordenações de 1512/13, 1514 e 152118. Em data muito próxima – 24 de maio de 1503 – surge uma ordenação contra os que levassem pão, farinha e gados para fora do reino19. luís miguel Duarte publica um regimento avulso, sem data, enviado ao alcaide das sacas do algarve e

12 Ordenações Afonsinas, liv. V, Tít. 47, § 16.13 Cfr. armindo de SoUSa, As Cortes Medievais Portuguesas, vol. II.14 Uma lei incipiente terá sido promulgada por volta do ano de 1455, mas desconhece-se o paradeiro deste diploma, apenas se sabe que foi solicitada a sua revogação nas Cortes de lisboa de 1455.15 josé DomINGUES, a pastorícia e “passagem” de Gado na Serra do la-boreiro, Boletim Cultural de Melgaço, 2007, pp. 87-107.16 IaN/TT – Corpo Cronológico. parte III, maço 2, doc. 29.17 Regimento dos Oficiais das cidades, villas e lugares destes Reinos, fls.81-91v.18 Ordenações Manuelinas, liv. V, tít. 89.19 IaN/TT – Corpo Cronológico, parte 2, maço 7, doc. 119.

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comarcas de Entre-Tejo-e-Guadiana e além Guadiana, lopo álvares de moura20.

De forma muito sucinta, vejamos o que de mais relevan-te, para este trabalho, se pode extractar desses regimentos do alcaide das sacas. o gado de Castela deveria entrar mais de cinco léguas da raia, caso contrário os maiorais e pastores esta-vam obrigados a dar fiança, pela qual ficavam obrigados a não saírem com os gados sem serem vistos e contados e fazendo o contrário “percam todos seus guados e sejam presos e ajam a pena dos Passadores”. Todos os gados que entram, vindos de Castela, como os que saem do reino, devem ser contados e escritos em livro de registo próprio. Esse registo teria que ser feito “polo miudo e com toda boa declaraçãm”, de forma que ficasse assente o número de cabeças, o seu género e os luga-res a que pertenciam. Isto, para que no regresso se pudesse averiguar e controlar se passavam mais animais do que os que tinham entrado para pastar. os prevaricadores perdiam tudo o que levassem a mais e ficavam sujeitos às penas previstas para os passadores.

Em outro parágrafo prevê-se que as dizimas dos gados castelhanos, que nascessem em portugal, fossem pagas, não em dinheiro, mas em cabeças de gado. ao invés, as solda-das dos pastores castelhanos que vinham ao reino de portugal “guanhar suas vidas” deviam ser pagas em dinheiro e não em gado. pretendia-se engrossar o gado do reino e, sobretudo, evitar que, sob pretexto de soldada, se passassem juntamente outros animais. ou seja, sob a forma simulada do pagamento de soldadas poder-se-iam contrabandear animais para fora do reino.

os contadores de gado cobravam para seu salário, tanto pela entrada como saída, quatro reais por cada cem cabeças de gado miúdo e dez reais por cada cem cabeças de gado vacum. os bois que entravam no reino com carretas deviam ser registados “quantos sam, e de que sinaes, e cores, e cujos sam, e de que Lugares, e com toda outra boa declaraçam, pera

20 luís miguel DUarTE, Justiça e Criminalidade no Portugal Medievo (1459-1481), Fundação Calouste Gulbenkian– Fundação para a Ciência e a Tec-nologia, Textos Universitários de Ciências Sociais e humanas, Coimbra, [1999], doc. 97, pp. 654-659.

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se saber, e veer ao tempo da tornada delles, se tiram, ou leuam mais dos que meteram”. E se pretendessem tornar por outro porto deviam requerer os respectivos alvarás de guia, para se-rem apresentados no porto de passagem escolhido.

outros oficiais da justiça régia, nomeadamente os cor-regedores de comarca, estavam obrigados prestar toda a cola-boração quando se tratava de poderosos, contra os quais os al-caides das sacas e contadores do gado não conseguissem fazer justiça. as gentes locais, por sua vez, são aliciadas a colaborar através da denúncia, recebendo a respectiva compensação de um terço ou então a metade se fosse alcaide de castelo, corre-gedor, juiz, meirinho ou alcaide pequeno.

para transaccionar bois, os carniceiros e os lavradores que os compravam para a sua lavoura ou criação, tinham que estar munidos de imprescindíveis cartas de certidão, onde se assentava a soma de gado que necessitavam, o nome e lugar dos respectivos vendedores.

Nos reinados seguintes de D. joão III e D. Sebastião são publicadas várias leis de subido interesse para o tema, quer da pastorícia e transumância, quer do contrabando. Estes di-plomas normativos foram coligidos por Duarte Nunes de leão nas suas Leis Extravagantes, sob o título dos Gados e dos Pas-sadores21.

Curiosa, por exemplo, uma provisão de 14 de agosto de 1527, que agrava as penas (previstas nas Ordenações, liv. V, tít. 89) para aquele que tirasse ou mandasse tirar, por si ou por outrem, gados para fora dos senhorios de el-rei:

o peão seria publicamente açoutado com baraço e pre-gão; ser-lhe-ia decepado um pé, junto ao pelourinho; degra-dado para sempre para a ilha de S. Tomé; e perdia toda a sua fazenda, metade para quem o acusasse e a outra metade para a Câmara de sua alteza;

o escudeiro ou cavaleiro seria degradado para sempre para a dita ilha e perderia toda a sua fazenda;

o fidalgo ou alcaide-mor de alguma fortaleza perderia qualquer jurisdição, fortaleza, direitos reais, tenças, moradias

21 Duarte Nunes de lEão, Leis Extravagantes, lisboa, 1569, pp. 122v-138. (edição fac-simile da Fundação Calouste Gulbenkian, lisboa, 1987)

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e qualquer outra cousa que de sua alteza tivesse. Sendo as ditas cousas ou cada uma delas de juro, perdia-as somente em sua vida e seria degradado cinco anos para cada um dos luga-res de áfrica. E não tendo cousa alguma de sua alteza perdia toda a sua fazenda, metade para quem o acusasse e a outra metade para a Câmara real, sendo degradado os ditos cinco anos para áfrica. E sendo alcaide-mor que tivesse fortaleza da mão de outra pessoa, que a de sua alteza tivesse, perdia a dita alcaidaria-mor e não poderia ser mais alcaide-mor de fortaleza alguma.22

por alvará de 3 de Novembro de 1529 ordenou-se que aos castelhanos passadores de gado e cousas defesas se lhe dessem as mesmas penas que se aplicavam aos portugueses23. a lei 32 dos capítulos das cortes de Torres Novas e évora de 1538 ordena que nenhum alcaide-mor ou seu logotenente, nem comendador das ordens trouxesse gado nas cidades, vilas ou lugares, nem em seus termos, onde fossem alcaides-mores ou tivessem comenda24. Esta proibição estende-se também aos escrivães da almotaçaria25. outra lei destas cortes estabe-lece que cada um traga as carneiradas que quiser26. E chega-se mesmo a proibir a entrada de gados que viessem pastar ao reino:

“que nenhuma pessoa de qualquer qualidade que fosse, metesse gado de nenhuma sorte de fora destes regnos, para nel-les pastar, sob pena de perder o dito gado, a metade para quem o accusasse, e a metade para os captiuos, e fossem presos, assi os senhores dos gados, que neste regno fossem achados, como os pastores, ou pessoas que em guarda dos gados andassem, e fossem degradados por cinquo annos para Africa”27

outras leis de avultado interesse são as que estabele-cem como e quando se deviam escrever os gados, onde cons-

22 lEão, Leis Extravagantes, quarta parte, Tít. 6, lei 1.23 Idem, lei 2.24 Idem, lei 3.25 Idem, lei 4.26 Idem, lei 6.27 Idem, lei 5.

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tam devassas e diligências a fazer acerca dos passadores dos gados e dos que os compram, vendem, mudam ou levam a pastar de um lugar para outro. Seria demasiado fastidioso – e o tempo também não me sobeja para a conclusão deste breve artigo – estar aqui a fazer uma análise meticulosa de todos os parágrafos desses extensos diplomas normativos. por isso fica a remissão para a colectânea de leis de Duarte Nunes de leão, de fácil acesso, ou, em última instância, para os originais da Torre do Tombo.

a partir dessas leis extravagantes de D. joão III de 14 de agosto de 1527 e de alguns capítulos das Cortes de 1538 e, sobretudo, da lei de D. Sebastião de 18 de julho de 1564 se acrescentam várias disposições às Ordenações Filipinas (liv. V, tít. 115), em relação às antecessoras Manuelinas (liv. V, tít. 89). os passadores de gado que levam gado para fora do reino são punidos com degredo para o Brasil e perdem todos os bens, devendo os juízes tirar, oficiosamente, todos os anos, devassas desses casos. No intuito de evitar tal crime, todo aquele que viver dentro de dez léguas da raia de Castela, deveria mani-festar, nos meses de abril a junho, o gado graúdo e miúdo, excepto as ovelhas, na Câmara do lugar. o respectivo escrivão teria um livro especialmente ordenado para esse efeito. pela mesma razão, é proibida a venda e transporte de gado para fora do lugar e termo onde fossem moradores, salvo obtendo primeiro carta de vizinhança.

Só para terminar este sucinto excurso normativo, deri-vada da conjuntura que se viveu com a unificação dos dois reinos peninsulares, a lei de 1 de janeiro de 1605 permite a livre passagem de gado para Castela28.»

Não há dúvida que, naquele tempo, se contrabandeava gado pela raia seca do laboreiro. quem o afirma é pero mou-ro, em 1538, quando se procedeu à demarcação da linha de fronteira com Galiza. Esta testemunha refere, explicitamente, que se passava gado, contra Direito, pelo porto dos asnos e pelo porto de meijoanes. aspando as suas palavras:

“que d’anos pera qua os galegos se lhe metem por dentro

28 josé justino de andrade e SIlVa, Collecção Chronologica da legislação portugueza, lisboa, 1854.

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do termo a lugares tyro de besta e a lugares dois e ao Porto de Mey Joanes e dos Asnos ahy tomam bestas e gado que por hy pasa contra direito e isto faz o concelho de Millmanda que come diso e roubam hy os portugueses por o qual lugar pasa a estrada que vay desta villa de Mellgaço pera Crasto Leboreyro e isto sabya pasar da dicta maneyra por o elle ver vyvendo em Crasto muitos anos”29.

Como acima ficou referido, para atalhar ao contrabando e verificação do gado transumante, foram determinados portos específicos de entrada e saída, onde eram colocados os con-tadores de gado e seus coadjuvantes. para esta zona, abarcan-do os concelhos mais setentrionais do reino (Castro laboreiro, melgaço, Valadares e monção), foi nomeado para contador dos gados afonso Eanes, por carta de 20 de junho de 149030. ao mesmo tempo, foram espalhados contadores de gado, ao longo da fronteira, nos seguintes portos: Chaves e monforte de rio livre, miranda, mogadouro, Sabugal, marvão, Elvas, oli-vença, Campo de Noudar e moura. os contadores de gado estavam autorizados a cobrar para o seu salário, tanto pela entrada como pela saída, quatro reais por cada cem cabeças de gado miúdo e dez reais por cada cem cabeças de gado vacum.

a 7 de maio de 1459, aos monteiros do concelho de So-ajo foi outorgado o privilégio de, “sem embargo da ordenação geral”, poderem passar e comerciar livremente os seus gados para Galiza31. o mais plausível é que para a comercialização e escoamento dos gados de Soajo para Galiza se aproveitasse a raia seca dos montes laboreiro.

mas o gado não é o único produto a ser contrabande-ado pelo laboreiro raiano, no curso dos séculos mediévicos. há certeza documentada de serem contrabandeados outros produtos, nomeadamente o sal, o mel, a cera e o sebo. o

29 IaN/TT – Núcleo antigo, n.º 289, fls. 153-157.30 Doc. publicado em josé DomINGUES, a pastorícia e “passagem” de Gado na Serra do laboreiro, Boletim Cultural de Melgaço, 2007.31 Valdevez medieval, documentos II arquivos de lisboa (1300-1479). Edi-ção da Câmara municipal de arcos de Valdevez, 2001, doc. 153, p. 210.

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contrabando de sal, que vinha das salinas de aveiro, gerou acesa controvérsia com os alcaides dos castelos de melgaço e Castro laboreiro, no decurso do século XV. já nas cortes de lisboa, reunidas em 1439, os procuradores da vila de Valença do minho solicitam que lhe seja respeitada a carta de D. joão I, para que não penhorem os galegos que vinham à vila com-prar sal, queixando-se que eram importunados por martim de Castro, alcaide-mor dos castelos de melgaço e Castro laborei-ro32. pouco tempo volvido, por carta de 19 de Dezembro de 1441, o Infante D. pedro (regente do reino na menoridade de D. afonso V) solicita ao seu irmão D. afonso, conde Barcelos33, para prover o lugar da alcaidaria-mor dos castelos de melgaço e Castro laboreiro, enquanto o seu actual alcaide, martim de Castro, se deslocava à Corte para responder às queixas feitas contra ele34. Desta vez as queixas contra o coetâneo alcaide-mor são feitas pelos moradores de melgaço, mas o documento não é explicito quanto ao conteúdo das querelas. Existe uma remota possibilidade de estarem relacionadas com o contra-bando de sal, uma vez que o infante D. pedro se reporta a um feito do tempo das Cortes de lisboa. a verdade é que o lití-gio se prolongou com os sucessores de martim de castro. Nas Cortes reunidas em lisboa, no ano de 1459, os procuradores de Valença voltam a reclamar contra o alcaide-mor de melga-ço e Castro laboreiro, que nesta data é Fernão de Castro.

a conjuntura que ateou o pleito entre os alcaides-mores de melgaço e Castro laboreiro e os moradores do termo de Valença relaciona-se com uma das mais antigas e bem docu-mentadas vias medievais de contrabando que, vindo de Gali-za, entra no reino de portugal pelo porto dos asnos. No ano de 1361, el-rei D. pedro I interditou esse caminho de lamas de mouro, desde o dito porto dos asnos até à ponte do mouro, obrigando os mercadores que vinham de Galiza a passar pela vila amuralhada de melgaço:

32 IaN/TT – Chancelaria de D. afonso V, livro 2, fl. 16.33 ao tempo era o donatário dos castelos de melgaço e Castro laboreiro. a propósito da sua passagem para o âmbito da Casa dos condes de Barcelos e duques de Bragança, vide josé DomINGUES, paderne militar, Boletim Cultural de Melgaço, 2006.34 antónio Caetano de SoUSa, provas da história Genealógica da Casa real portuguesa, Tomo III, doc. nº17, p. 493.

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“Tenho por bem e mando que o camjnho que uem de Galiza pera o meu senhorio o qual uay pello monte de san tome o qual se toma no meu senhorio a par da ponte de moa e uay ferir ao porto dos asnos pollo dicto monte de san tome por o julgado do dicto logo de Melgaço e vaam daquj en diante pella dicta villa de Melgaço e mando e defendo que nom seia nenhuum tam ousado dos que forem do meu senhorio pera o de Galiza nem dos que vierem do de Galiza pera o meu que ve-nham nem vaao senom per a dicta ujlla de Melgaço E esto faço porque me foy dicto que se fazia per o dicto camjnho mujtos maaos fectos e que eu perdia porem mujtos dos meus djreitos das cousas que per el leluauam”35

o intento é óbvio! o monarca pretende acabar com as práticas contrabandistas por este esconso caminho de mon-tanha. é fácil de compreender que palmilhando este trajecto – desde o porto dos asnos, atravessando por lamas de mouro, Cubalhão e descendo pelo monte da Cumieira (ou monte de S. Tomé, como consta no documento) até à ponte do mouro – os mercadores, para além de encurtar caminho, conseguiam evitar os elevados tributos de passagem.

os alcaides-mores do século XV insurgem-se contra a utilização deste caminho (apoiados no diploma de el-rei D. pedro I) e pretendem que os mercadores passem em melgaço, para aí cobrarem os respectivos impostos. Este entremetimen-to acaba por prejudicar as transacções do sal no mercado de Valença, que solicita a cobrança dos tributos alfandegârios em Cubalhão ou na ponte do mouro.

mas qual o caminho alternativo por melgaço?a tese corrente defende que os mercadores teriam que

ir a orense e a ribadávia, entrando em portugal por S. Gre-gório, seguindo depois pelo caminho paralelo à margem es-querda do minho36. Na minha opinião, o caminho alternativo

35 Chancelaria de D. Pedro I, lisboa, 1984, pp. 253-254, Doc. 567.36 humberto Baquero morENo, “as peregrinações a Santiago e as relações entre o Norte de portugal e Galiza”, in I Congresso dos Caminhos portugue-ses de Santiago de Compostela, lisboa, 1992, pp. 78-79.Suzanne DaVEaU, “Caminhos e fronteira na Serra da peneda – alguns exemplos nos séculos XV e XVI e na actualidade”, Revista da Faculdade de

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forçado pelo diploma régio de D. pedro I e defendido pelos alcaides quatrocentistas seria, antes, pelo vale do rio Trancoso, passando nas proximidades do mosteiro de Santa maria de Fiães e depois descendo para a vila de melgaço37.

para terminar, porque são muito pouco assíduos os do-cumentos históricos desta laboração à margem da lei, publico um documento do século XVII que relata os excessos de vio-lência cometidos por moradores de Castro laboreiro, apôs a apreensão de uma carga de sal. Tudo se passou próximo de Carvalho da Breia, no dia 27 de maio de 1686, quando os guardas de D. Diego rodriguez, guarda-mor da raia de mon-terrey, surpreenderam um carregamento de 16 fanegas de sal. os contrabandistas puseram-se imediatamente em fuga, aban-donando a mercadoria, mas um deles acabou por ser preso. No dia seguinte (28 de maio), quando o dito guarda-mor e seus ministros pretendiam pôr cobro à mercadoria apreendida em Carvalho da Breia, saíram-lhe ao caminho mais de 100 mora-dores de Castro laborei-ro, armados com chuços, arcabuzes, paus e outras armas. parece que saíram vitoriosos da refrega, liber-taram o seu conterrâneo que tinha ficado refém no dia anterior, mas acaba-ram por tirar a vida a um dos guardas galegos, cha-mado joão mendes. Esta atitude, de alguma forma, poderia pôr em causa o tratado de pazes assinado entre ambos os reinos, no final da Guerra da restau-ração.

Letras – Geografia, I série, vol. XIX, porto, 2003, pp. 81-96.37 josé DomINGUES, a pastorícia e “passagem” de Gado na Serra do la-boreiro, Boletim Cultural de Melgaço, 2007.

marco 51

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Anexo Documental

1686, Agosto, 13.Cópia da consulta do Conselho de Fazenda, em que se

dá conta dos excessos cometidos pelos moradores de Castro Laboreiro, por causa do contrabando de sal.

Simancas, AG – Estado, Legajo 4035.Pub. Porto dos Cavaleiros, n.º5, Jornal de Lamas de

Mouro, Julho de 2003.

por parte de Don Francisco Bermudez a cuio cargo es-tan por arrendamiento las ventas de salinas de Galizia y as-turias se ha dado memorial a V. magestade en este consejo refiriendo que el dia 27 de mayo de este año estando Don Diego rodriguez Guardamor de la raia de monterrey com sus Guardas rondando su distrito para obiar y embarazar las frau-des que cada dia se executan de entradas de sal de el reyno de portugal para los lugares conrraianos como Viana del Vollo, y otros que pretenden eximirse de acopiarse solo con la mira á estas introduçiones y de fraudar la real hazenda encontra-ron a unos vezinos de la Villa de Castro laboreiro de aquel reyno cargados de sal çerca de la villa de Carballo Daberea y hauiendo intentado prenderlos se pusieron en fuga dejando mas de diez y seis fanegas del sal y solo se pudo coger a uno de los portugueses que la conduzian al qual lleuaron presso á un lugar que llaman reni desando la sal en el de Carballo y el dia 28 que fue el Guarda mayor y sus ministros a poner cobro en la sal les salieron al encuentro mas de çiem portugueses naturales del lugar de laboreiro todos armados con chuzos arcabuzes palos y otras armas con tal furia que les obligo a hazerse fuertes en una cassa del mismo lugar de Carballo y en ella los asaltaron los portugueses maltratando los á arca-buzazos y a chuzazos; y hauiendose retirado e metido en un horno juan mendez uno de los ministros de Guardamayor y descubiertole los portugueses le tiraron un carabinazo y dieron muchas heridas con los chuzos obligandole a salir y atrauesado en una caualleria le lleuaron á portugal juntamente con los de-mas guardas maniatados afrentosamente como si fueran publi-cos mal echores y en la mitad del camino ignominiosamente y

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atropellando los fueros de la humanidad a chuzazos puñaladas piedras y palos acauaron de matar al juan mendez retiniendo con el mismo (...) en (...) a los demas Guardas maniatados para executar en ellos lo mismo apretandoles los portugueses le en-tregasen su presso con que les fue prezisso por librar la vida despachar persona para que le diesen libertad y con ella el portugues presso y los demas sus conpañeros les dejaron ame-nazandoles que si otra vez los cojian los hauian de matar cuio suceso a dejado amedrontada toda la tierra y en especial a los guardas pues no quier ninguno exerzer este ofizio temiendose de otro trabajo semejante y que al exemplar todos los lugares conrraianos como es Viana del Vollo su jurisdizion y los demas que pretenden eximirse de acopiarse se les habri la puerta para que con mas anchura puedan cometer fraudes pues sin que ellos vaiam por sal á portugal los mismos portugueses se la traen con que la real hazenda queda disipada generalmente en la contribuzion deste arbitrio y suplica a V magestade el arrendador se de á este desorden la prouidenzia conveniente.

Todo este hecho se justifica por la caussa original y autos que se hizieron para el guarda mayor y demas ministros que se han presentado en este consejo con el memorial referido; y hauiendose visto en el con la particular atenzion que pide la grauedad deste casso á tenido por de su obligazion ponerle en la real noticia de V. magestade remitiendo juntamente a sus real manos copia de los autos firmada de Don Francisco del Vaus y frias por donde no solo consta el graue delito que han cometido los portugueses de la Villa de castro laboreiro en la muerte de un guarda y atropellamientos que executaron en los demas sino en faltar al cumplimento y obseruanzia de los capitulos de las pazes ajustadas con aquel reyno en los quales el noueno dispone

Y si contra lo dispuesto eneste tratado algunos merca-dores sin orden ni mandado de los reyes respectiuamente hi-zieren algun daño se reparara y castigara el daño que hizieren siendo apresados los delinquentes pero no sera liçito por esta caussa tomar las armas ni romper la paz y en caso de no hazer-se justizia se podran dar cartas de marca o repressallas contra los delinquentes en la forma que se á costumbra.

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Y respecto de ser preciso acudir al reparo destos imcom-benientes para que no se repitan es de parezer el censso que V magestade se sirua de mandar que por la parte donde toca se partiçipe lo que há passado al ministro de V. magestade que assite en portugal remitiendole la copia de autos que vá ao junta y ordenandole que en conformidad de lo dispuesto por los capitulos de las pazes solicite se de condigna satisfa-zon destos exzesos y que se castigue seueramente a los que los han cometido como en estos reynos se há executado y praticará siempre en casos desta calidad dando quenta a V. magestade de lo que en razon desto consiguiere á fin de que se tenga entendido;

V. m. mandara lo que fuere su real voluntad.agosto 13 de 1686.

Copia de consulta del consejo de hazenda de 13 de agosto en que da cuenta de los excesos cometidos por dife-rentes portugueses de la Villa de Castro laboreiro.

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