Amor, Paixão e Promessas Lynn Kurland Inglaterra, 1200 Mais uma chance para sonhar... Sem terras, bens ou título de nobreza, Rhys de Piaget não poderia pedir a mão de Gwennelyn de Segrave, mas ele sempre seria o dono do seu coração. Rhys e Gwen eram almas gêmeas, tinham sido feitos um para o outro. Ele, um cavaleiro honrado, educado e gentil. Ela, uma amante dos contos de menestréis, romântica e sonhadora. No entanto, Gwen estava prometida a outro homem, e Rhys temia perdê-la para sempre... Até que o inesperado aconteceu, uma reviravolta do destino, que trouxe a Rhys e a Gwen uma segunda chance de amar, e outra chance de sonhar... 6
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Quanto à contrição, talvez também devesse se arrepender do dano corporal
que causou a um par de cavalheiros e a uma criada quando ia escapando pelo estábulo
com sua recém adquirida espada, tentando que ninguém descobrisse sua identidade.
Nunca teria imaginado que o só o feito de caminhar com uma espada atada ao quadril
pudesse ser tão perigoso para os que estavam por perto.
Mentira. Bom, isso lhe causava pontadas de vergonha, mas que outra coisa
poderia ter feito? Ganhar uma aposta jogando dados era algo perfeitamente aceitável,
embora jamais tivesse atirado um dado em sua vida. E se podia ganhar um animal no
jogo, porque não o melhor corcel de Alain do Ayre? O moço do estábulo engoliu sua
mentira sem dificuldade e aparentemente ficou impressionado por sua habilidade paraapostas.
Além disso, a habilidade para mentir e roubar era uma qualidade muito
aceitável em um mercenário. De verdade, suspeitava que esse talento mais que
conveniente, era necessário. Talvez isso compensasse sua falta de perícia com uma
espada.
E com um cavalo, claro. Seus dentes batiam castanholas ao saltar violentamente sobre o lombo do veloz corcel. Lástima que as rédeas não fossem outra
coisa que uma agradável lembrança, já que estavam penduradas e oscilando fora do
seu alcance. Certamente lhe teriam servido para controlar o animal.
Seu terceiro pecado não retrocedia em seu potente empenho de lhe atrair a
atenção, mas não lhe fazia caso. Embora quanto mais forte golpeavam a terra os
cascos do cavalo, mais forte ressonava em sua cabeça o som da palavra: cobiça.Cobiçava um homem, e seguro que isso era algo de que devia arrepender-se. Dava
igual se a reputação do homem fazia fugir em busca de refúgio a qualquer donzela
sensata; diziam que não lhe interessava absolutamente a sorte do matrimônio, mas ela
acreditava em outra coisa. Mas fazia um bom punhado de anos que não o via, de modo
que era possível que tivessem trocado as coisas. Tinha motivos para duvidar; fazia
tempo que deveria ter retornado da França.
Mas não tinha retornado, portanto só o que podia fazer ela era especular, não
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só a respeito de seus sentimentos por ela, mas também sobre a verdade das histórias
que circulavam a respeito dele. Por isso tinha decidido tomar o assunto em suas mãos
e sair em sua busca. Se eram certos os rumores de que já não desejava uma esposa,
restava a possibilidade de que não se oporia a contar com outra espada para guardar
suas costas. E se tinha que dedicar dois largos meses a adquirir destreza para poder
oferecer-lhe pois que fosse. Teria sir Rhys de Piaget, queria ele ou não.
O valor e a perícia comentadas de sir Rhys eram qualidades desejáveis; do
seu mau gênio se podia fazer caso omisso, e sua tenaz dedicação à esgrima poderia
finalmente voltar-se para ela. Convencê-lo que se casasse com ela poderia requerer
que ela asseasse um pouco sua pessoa e aprendesse as habilidades necessárias que se propunha adquirir, mas estava segura de que conseguiria. Por muitos que fossem os
perigos que encontrasse em sua busca, por muitos que fossem os rigores de uma vida
com um mercenário enquanto melhorava sua destreza no manejo da espada, tudo isso
valeria a pena se ele fosse o prêmio.
Certamente isso era preferível ao infernal futuro que tinha deixado a léguas
atrás em Ayre.Encolheu-se de medo ao ver aparecer ante ela um muro baixo de pedras. Mas
ao que parecia o cavalo a achou muito do seu agrado, se a alegria eqüina com que
saltou por cima era uma indicação. Gwen se agarrou a sela ao mesmo tempo em que
lhe fechavam os dentes de repente com uma forte tremedeira. Imediatamente percebeu
que refletir sobre seu destino era uma atividade perigosa, posto que devesse centrar
toda a atenção em sua montaria.Enquanto quase voava através do campo, parecia-lhe que tinha transcorrido
uma eternidade desde que conseguiu montar na sela uma vez fora das portas de Ayre.
A velocidade era uma vantagem, então; quando Alain descobrisse sua fuga ela já
estaria bastante longe caminho de Dover. Estava segura de que não lhe custaria nada
vender seu anel de compromisso e encontrar passagem para o continente. Se não,
seriam necessários mais roubos e mais mentiras. Era uma sorte que tivesse provado
ambas as coisas quando ainda estava em terreno conhecido. Seguro que já saberia
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fazer ou um ou outro com não muito mais que um pouquinho de nervos.
Pela extremidade do olho viu uma figura escura; arriscou-se a dar um
segundo olhar e viu um homem cavalgando para ela. Teria se posto rígida de terror,
mas lhe deu medo mover-se e teve que contentar-se em soltar um débil chiado que
imediatamente se apagou nas rajadas de vento. Santos misericordiosos, acaso Alain já
teria notado sua ausência e enviado alguém a procurá-la? Ou seria outro mercenário
empenhado em lhe roubar a espada e o cavalo?
Ah, seja o que fosse, a primeira prova de seu valor chegaria antes do que
tinha pensado. E bem que iria talvez. Igual a seus vícios, sua perícia com a espada
seria posta a prova pela primeira vez enquanto ainda estava em chão inglês.Se soubesse parar ao cavalo o tempo suficiente para tirar a espada, claro.
O homem chegou até ela e continuou cavalgando para seu lado.
— Vai-te, caipira! — gritou-lhe.
Percebeu que seu tom era o que teria usado sua mãe para repreender a um
criado recalcitrante; tentou uma voz mais em tom mercenário.
— Deixe-me em paz, eeh...!Espremeu os miolos em busca de uma palavra convenientemente vulgar, mas
se distraiu ao ver a incrível exibição de perícia do cavaleiro que ia ao seu lado.
Sem muito mais que uma leve ruga de concentração na fronte, o jovem se
inclinou, estendeu uma mão enluvada e agarrou as rédeas. Uma palavra dita em tom
seco e um saudável puxão nas rédeas bastaram para que o cavalo diminuísse o passo
até deter-se com graça e majestade. Gwen sentiu uma gratidão tão imensa pelo fim domovimento que não conseguiu encontrar a língua para falar. Bom, é que também a
tinha ocupada em passá-la pelos dentes para assegurar-se de que todos continuavam
residindo em seus lugares correspondentes.
Satisfeita por ter sobrevivido à viagem até esse momento, mostrou os dentes
ao homem e estirou a mão para agarrar as rédeas; mas a retirou imediatamente. Ela
podia estar suja, sim, mas se via bastante limpa comparada com o homem que tinha
adiante. Tocá-lo não era algo que estivesse segura de desejar fazer.
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captura -, porque sou muito esperto, sabe? Não só com o jogo de dados, mas também
com a espada. E, além disso, acrescentou, sou um cavaleiro condenadamente bom.
Inclinou-se e de um puxão lhe tirou as rédeas.
E na seguinte respiração, comprovou que o cavalo já não estava debaixo
dela.
Estendida no chão com a cara enterrada na terra pensou se talvez devesse ter
executado o movimento com um pouco mais de elegância. Ao princípio estava muito
sem fôlego para dar-se conta de que já não tinha as rédeas na mão nem que o cavalo já
não estava perto para esmagá-la e lhe tirar a vida. Sim, ouviu que o homem lhe
gritava, mas o zumbido nos ouvidos demorou uns momentos em sossegar o suficiente para entender o que lhe dizia.
-... pisoteado, estúpido! Santos do céu, desde quando os moços ingleses
sabem tão pouco de equitação? Maldito seja, vai me dar tantos problemas como
imaginei. Maldito seja o cavalheirismo; deveria fazer um hábito de não praticá-lo.
Como se tivesse tempo para ajudar a um moço estúpido que de toda maneira vão
enforcar dentro de duas semanas.E assim continuou xingando, enquanto Gwen se levantava com grande
esforço. Quando esteve de pé, olhou para todos os lados em busca de seu cavalo.
— Lá! — disse o homem assinalando com gesto impaciente para o caminho
por onde ela tinha vindo. O cavalo baio só estava um pouquinho distante-. Voltou para
o Ayre, seguro que a procurar a alguém que saiba montá-lo.
Gwen refletiu sobre sua situação. Estava sem cavalo e machucada; tinha poucas possibilidades de chegar à França se fizesse o caminho a pé. Olhou o jovem e
logo o seu manso cavalo. Ao que parecia só ficava uma solução. Jogou para trás a
capa, apoiou a mão no punho de sua espada e plantou os pés separados a uma distância
masculina.
— Espantou meu cavalo. Acredito que terei que agarrar o teu em troca.
Isso ao menos conseguiu acabar com a diversão do jovem, que a olhou
pestanejando, atônito, como aflito por essa idéia.
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Gwen cruzou os braços sobre o peito e franziu o cenho.
— Não tem nada a temer. Não te farei nenhum dano se desmontar
imediatamente e me deixa continuar meu caminho. Ainda restam muitas léguas por
percorrer antes do por do sol.
Ele limpou as lágrimas com o dorso da luva, manchando de pó a cara; depois
soltou outro bufo e aparentemente conseguiu dominar o medo.
— Segue-te toda a gente de Ayre ou só Alain?
— É provável que toda a guarnição, respondeu ela impaciente. Como te podeimaginar, tenho pouco tempo para perder. E agora, obedece-me ou devo tirar minha
espada?
O homem apeou afogando outra exclamação de medo; ao menos ela pensou
que era de medo. Seguia limpando-se as lágrimas os olhos e lhe estremeciam os
ombros; só podia ser medo, não havia outra explicação possível.
Ele tirou a poeirenta capa, deixou-a sobre a sela de montar e se afastou uns passos do cavalo. Gwen dedicou um momento a revolver-se na inveja que lhe
produzia que ele tivesse um cavalo que ficava quieto onde o deixavam; depois dirigiu
a mente a outros assuntos, ou seja, o homem que tinha diante levava uma espada que
pelo visto não lhe estorvava para mover-se; e no punho da espada havia um rubi do
tamanho do punho de um menino. Quem era? Como tinha obtido uma espada assim e
um cavalo por cuja posse qualquer cavalheiro se humilharia?Por desgraça, não teria as respostas a essas perguntas; já tinha perdido mais
tempo com ele que o que tinha. Plantou os pés mais firmes na terra e se obrigou a
voltar para sua tarefa.
— Vejo que não quer cooperar, disse. Deixa-me sem alternativa, senão te
fazer dano corporal.
Ele encolheu um ombro negligentemente.
— É um risco que terei que correr. Ainda necessito do meu cavalo.
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— Como quer então. Dói-me fazer isto — disse ela, e apertou os dentes,
esforçando-se para tirar a espada roubada da vagem. Mas vejo que é uma alma teimosa
— resfolegou, inclinando-se um pouco para equilibrar-se melhor— que talvez tenha
menos desenvolvido o desejo de viver muitos anos.
Conseguiu tirar a espada, com expressão triunfal, e o brusco movimento
quase a jogou no chão. Apoiou a espada onde esta pareceria querer, com a ponta
cravada no chão, e se inclinou sobre ela como se isso fosse o que queria fazer.
— Uma última oportunidade para te perdoar a vida, disse.
— É muito bondoso.
— Sim, esse é um traço do qual quero me liberar, concordou ela. Empunhoua espada e a pôs vertical, só me estorva em meus trabalhos mercenários.
— Compreendo que te estorve.
Gwen sentiu um leve golpe de inquietação ao notar que ele ainda não tirara
sua espada. Parecia-lhe bastante injusto matá-lo assim, tal como estava, mas já não lhe
tinha dado amplas oportunidades de salvar-se?
Levantou a espada e tratou de brandi-la. Santos do céu, esses últimos mesesdeveria ter levantado outras coisas além de agulhas de costurar. A espada não era
muito pesada, mas para os braços não treinados lhes resultava muito difícil movê-la.
Com um grunhido conseguiu pô-la direito apontando para o homem. Dirigiu-lhe seu
olhar mais feroz e moveu a lâmina em gesto significativo.
— Deveria ter ficado na cama esta manhã, disse ele movendo a cabeça.
— É muito tarde para lamentar-se, disse ela e moveu a espada com supremocuidado.
Movê-la resultou mais fácil do que tinha esperado, mas a espada não queria
lhe dar nenhuma idéia sobre onde devia enterrá-la primeiro.
— Vais matar-me então? — perguntou ele educadamente. Tenho pressa,
tenho que fazer muitas coisas antes que se ponha o sol.
— Vou matar-te, disse ela com os dentes apertados. Esta espada é mais
pesada que as que costumo usar.
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luminosidade. De repente lhe jogou o cabelo para trás metendo-o detrás das orelhas, e
ficou imóvel, com a boca aberta.
— Gwen?
«Sim», esteve a ponto de dizer ela, mas então caiu na conta de que ninguém
que andasse rondando tão longe de seu castelo podia saber quem era. Olhou-o
carrancuda.
— E você seria...?
— Ai, que logo me esquecem estas belas donzelas, disse ele sorrindo irônico.
Embora tenha de reconhecer, acrescentou lhe dando um puxão na orelha, que embora
não esteja muito mais limpa que a primeira vez que nos vimos, cheira muito melhor.Nesse instante ela compreendeu.
— Santos do céu misericordiosos, exclamou. É você.
— Sim, chérie, sou eu.
Gwen franziu o cenho; não tinha sido sua intenção estar coberta de lodo na
próxima vez que visse o homem que tinha na sua frente. Abriu a boca para fazer a
vintena de perguntas que devia lhe fazer, mas nesse momento divisou na distância aum destacamento de cavaleiros que vinham em sua direção. Reconheceu facilmente o
corcel branco de Alain de Ayre, que vinha à cabeça. Guardou as perguntas.
— Aí vem Alain, se limitou a dizer.
— Maldição! — exclamou ele e olhou para trás por cima do ombro.
— Estiveste no Ayre? — perguntou-lhe voltando-se para ela.
Ela assentiu.— Temos muito que falar, disse ele muito preocupado. Mas será depois,
acrescentou olhando novamente para trás. É possível que não me reconheçam com
esta cara.
— Poderia ser que não tivéssemos tanta sorte. Olhou-o com olhos
avaliadores. Evidentemente teremos que inventar alguma mutreta para explicar porque
estamos juntos.
Ele abriu muito os olhos e começou a retroceder.
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vegetação que pudesse dar refúgio a um inimigo. Além disso, ao que parecia ali
usavam o fosso para defesa, o qual era uma surpresa para ele. No Ayre o fosso era
simplesmente um lugar para atirar o lixo, o que fazia sofrer os habitantes do castelo
tanto como a qualquer inimigo que caísse no fosso. Embora pelo que a defesa se
referia, Ayre talvez tivesse vantagem, porque a água imunda podia manter um exército
à distância.
A ponte levadiça baixou brandamente até ficar encaixada em uma estrutura
que parecia feita com o propósito para recebê-la; não se parecia em nada à ponte
grosseira que dava as boas-vindas ao descuidado pátio de Ayre. Rhys dedicou um
momento a admirar o belo edifício e depois puxou as rédeas do cavalo para olhar paratrás, ao caminho por onde tinha vindo. Por muito interessante que fosse o castelo, não
se podia comparar com os campos que acabava de atravessar.
Por todos os Santos, que terra mais formosa.
Havia-lhe custado um enorme esforço manter-se sobre a montaria essa
manhã. Seu desejo tinha sido caminhar por esses campos, agachar-se a sentir a terra
deslizar-se por entre seus dedos, cheirar as ervas e flores. Desejava percorrer oscampos palmo a palmo, sentir a terra sob seus pés e perder-se no sonho de que esse
lugar poderia ser dele.
— Rhys?
Voltou-se a olhar ao homem que o tinha chamado, e se quadrou, por
costume.
— Sim?Montgomery do Wyeth, o Capitão do guarda do Bertram, sorriu.
— Mocinho, está olhando para o lado equivocado. A beleza do Segrave se
encontra dentro das muralhas, não fora.
— Falham-lhe os olhos, capitão, respondeu Rhys movendo a cabeça. Nada
pode comparar-se com o que já vi.
— Ai, a sabedoria da juventude — comentou Montgomery, não sem
amabilidade. Não te relatei suficientes histórias sobre a donzela do Segrave para
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— O que é uma donzela a não ser um meio para obter terra? Além disso, é
uma menina.
— Tem nove verões — disse Montgomery com sorriso malicioso, e promete
herdar a considerável beleza de sua mãe. Venha, pequeno, olhe-a e veja senão tenho
razão.
— Como queira — respondeu Rhys a contra gosto, e desejou acrescentar:
«Que bem me fará isso?».
Gwennelyn de Segrave estava tão por cima dele em posição social, que
poucas possibilidades tinham de estar na mesma sala com ela, e muitas menos de quelhe permitissem admirá-la. Além disso, era uma menina, e as meninas não lhe
interessavam absolutamente.
Sua terra, em troca, era uma história totalmente diferente.
Mas não tinha nenhum sentido desejar o que jamais poderia ter, de modo que
seguiu ao Montgomery pela ponte até o pátio de armas. Aproximaram-se uns moços
para levar os cavalos. Rhys desmontou e começou a caminhar para o estábulo, masnesse momento o chamou seu pai adotivo. Deteve-se e se voltou a olhá-lo.
— Deixa-os, filho — lhe disse Bertram aproximando-se. Agora não tem
nenhuma necessidade de te ocupar dessas coisas.
Rhys inclinou a cabeça respeitosamente.
— Obrigado, milorde, mas prefiro me ocupar de meu cavalo.
Bertram o olhou um momento em silêncio e depois moveu a cabeça sorrindo.— Como queira, Rhys. Quando tiver acabado venha se reunir conosco na
sala grande. Apresentarei ao William do Segrave, que me disse expressamente que
deseja te conhecer. Suponho que quer ver por si mesmo como se comporta um moço
feito cavalheiro tão jovem.
Rhys assentiu e se dirigiu ao estábulo. Embora não lhe resultava de todo
agradável, estava acostumado ao interesse que provocava por ter sido feito cavalheiro.
Por todos os Santos, como se ele tivesse pedido que o nomeassem cavalheiro na
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batalha do Marchenoir, e nada menos quando acabava de completar quatorze anos.
Mas quem era ele para dizer não ao Felipe da França? Sobretudo considerando as
relações de sua família com o monarca francês. Embora tivesse escolhido um caminho
diferente de seu pai e seu avô, seguia sendo um Piaget, e Felipe o considerava dele.
Quando terminou de atender ao seu cavalo, Rhys já tinha esquecido as
intrigas políticas e a terra de Segrave e tinha a mente ocupada em pensar em encher a
barriga. Talvez em troca da apresentação William lhe desse uma boa comida.
Recordava-se que Joanna de Segrave servia uma mesa francamente boa.
Nem bem havia dado dois passos fora do estábulo ouviu um ruído horroroso
proveniente do chiqueiro. Olhou ao seu redor e viu que ninguém considerava estranhoo ruído; os homens continuavam em suas tarefas, embora alguns estavam sorrindo.
Rhys encolheu de ombros e começou a cruzar o pátio em direção à sala grande, mas
voltou a deter-se um ou dois passos mais à frente. Esses chiados não eram os que
normalmente saem de um chiqueiro.
Descobriu que, por uma vez, sua curiosidade era mais forte que seu desejo de
encher a barriga. Girou sobre seus pés e se dirigiu para o lugar de onde provinham osuivos que pareciam lançados por uma besta furiosa. Deu a volta à esquina do estábulo
e parou em seco. Sim, era um corpo que emitia esses horrendos ruídos, mas não era
algo horrível do bosque. Era uma menina.
A menina estava sentada no lodo e grasnia e chiava em uma só voz. Viu
manchas em forma de mãos na porta do curral, por isso calculou que a menina tinha
tentado escapar, e no lodo havia rastros de pés, onde ela tinha estado chutandofrustrada. Não sendo juiz experiente nesses assuntos, não soube lhe calcular a idade,
mas supôs que não era muito pequena. Não era uma garota totalmente desenvolvida,
mas certamente com idade suficiente para ter escapado sozinha do castelo. Talvez
houvesse algo mais que não via. Aproximou-se cautelosamente.
A menina o olhou e, graças a Deus, deixou de chiar.
Rhys se inclinou sobre a porta e a olhou também.
— Apanhada? — perguntou.
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Ela piscou e depois assentiu, e começou a lhe tremer o queixo.
— Alguém te encerrou aqui?
Ela voltou a assentir.
— Geoffrey do Fenwyck.
Rhys tinha ouvido falar do Fenwyck, mas não sabia nada do seu filho.
Evidentemente o moço era pouco cavalheiro, mas tinha uma enorme quantidade de
imaginação a julgar pela perícia com que tinha feito os nós para fechar a porta. Não
era de estranhar que a menina não tivesse podido sair. Porque não tinha saltado pela
grade, não sabia, mas bom, ao fim e ao cabo era uma menina. O motivo de que se
encontrasse ali era outro assunto. Apoiado na grade a observou atentamente.— Porque o fez?
Ela fez uma careta.
— Suponho que em vingança por deixá-lo encerrado no quarto da torre.
Rhys notou que uma de suas sobrancelhas se arqueava como por vontade
própria.
— Isso deve ser difícil. Ou ele é muito tolo?— Não, é que tenho uma imaginação muito fértil; minha mãe sempre me diz
isso.
Rhys observou que dizia isso como um simples feito; não viu nenhuma
expressão de vaidade escondida sob todo o lodo que lhe cobria a cara.
— Vi que roubava uma garrafa do melhor clarete de meu pai, continuou ela.
Quando me ameaçou me jogar na masmorra se o denunciasse, agarrei a garrafa vazia,a pus no quarto da torre e enviei um mensageiro para lhe dizer que havia outra garrafa
ali o esperando.
Rhys esfregou o queixo pensativo; não era uma menina normal a que via ali.
Quantos cabelos brancos teria feito sair já a seu pai, pensou.
— Suponho que está aqui porque ele soube que você organizou isso. Você
mesma fechou a porta com chave?
— Sim, respondeu ela e desta vez havia orgulho em sua cara. Ele merecia, o
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muito vagabundo. Ontem me disse que as orelhas me sobressaíam da cabeça de modo
muito pouco atraente e que nenhum véu me tamparia isso jamais.
Rhys levou a mão à boca e mordiscou um dedo para não rir. Nesse momento
a menina não usava véu, e não pôde evitar estar de acordo com a descrição do
Fenwyck das suas orelhas. Mas não seria cavalheiresco dizer isso; além disso,
suspeitou que não lhe conviesse irritá-la. A menina falava como uma mulher adulta, e
imaginou que suas mutretas eram igualmente amadurecidas. Era melhor congraçar-se
com ela.
Desatou os nós que fechavam a porta e olhou à cativa.
— Terá que se apressar, porque também poderiam escapar os porquinhos.Os ditos porquinhos estavam fuçando entusiasmados na saia da menina. Pelo
menos não estava à vista a porca. Nisso tinha mostrado sensatez o jovem Fenwyck.
Mas a menina continuou sentada olhando-o.
— Pois bem, venha — lhe disse ele lhe fazendo um gesto. Agora está livre.
Ela começou a levantar-se, mas escorregou e voltou a cair no lodo lançando
respingos para todos os lados. Começou a lhe tremer o queixo.Quando começaram a lhe brotar lágrimas, lhe deixando um rastro de limpeza
nas bochechas, Rhys compreendeu que devia fazer algo. Sentiu a tentação de dar meia
volta e abandonar o lugar a toda pressa, mas a lembrança do ruído de sua espada em
sua cabeça o manteve onde estava; isso e o peso dos sermões ouvidos de seu pai
adotivo ao longo dos anos. Um verdadeiro cavalheiro devia ficar e resgatar uma
donzela de uma difícil situação. Soltou um suspiro; não lhe agradava em excesso aidéia de sujar com barro as botas, mas estava claro que não podia fazer outra coisa se
queria estar à altura dos valores inculcados pelo Bertram de Ayre.
Entrou no curral e, com outro suspiro, agachou-se e agarrou à menina nos
braços. Obrigou-se a não protestar quando ela jogou os braços ao pescoço e apoiou a
cara em sua garganta. Enquanto saía do chiqueiro, chegou a uma conclusão: o
cavalheirismo era um assunto bem asqueroso na realidade.
Uma vez fora deixou à menina no chão e fechou a porta. Depois se voltou
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— Por todos os Santos — exclamou, é Rhys de Piaget. Meu pai me falou de
você. Faz um par de meses lhe fizeram cavalheiro por lhe salvar a vida de Lorde Ayre.
Vamos, é um cavalheiro de valor lendário.
Sem pensar passou a mão pela cara deixando uma larga franja de lodo que se
deslizava pela bochecha. Então pareceu recordar suas orelhas, porque arrumou o
cabelo para que as cobrisse bem, enlodando-se mais ainda.
— Os trovadores de minha mãe já cantam histórias sobre sua perícia. Olhou-
o com adoração. Poderia ser meu paladino.
Rhys piscou. Essa era Gwennelyn de Segrave? Escreveram trovas que
descreviam detalhadamente a beleza do rosto de sua mãe e a bondade de seu coração.Bardos, menestréis e artesãos, todos iam ajoelhar-se aos pés da ex-dama da rainha
Eleanor e lhe oferecer seus melhores trabalhos. Sua dedicação à esgrima não o tinha
absorvido tanto que lhe tivesse impedido de escutar de tanto em tanto os rumores
sobre a beleza de Joanna ou os rumores sobre como a promessa dessa beleza se via
claramente em sua filha.
Estavam todos cegos ou ele estava tão distraído pelo espantoso fedor doexcremento de porcos que cobriam aos dois que não era capaz de ver o que deixava
loucos os outros?
Refletindo sobre isso não sabia bem se olhava o lodo que sujava os cabelos
de Gwen ou encolhia-se sob o peso de seu escrutinador olhar.
— Sim, exclamou ela com um radiante sorriso. Não poderia pedir um
cavalheiro mais valente para restabelecer minha honra. Já imagino como vai acabar ocombate.
Ele também imaginou; teria que sair trotando para evitar a força de seu pai.
Mas antes que pudesse lhe dizer que Geoffrey do Fenwyck era o filho de um barão e
que os simples cavalheiros não desafiam para duelar os filhos de barões, ela se agarrou
ao seu braço e começou a caminhar para a sala grande.
— Desafia-o depois do jantar, lhe aconselhou. Terei que me lavar para ter o
melhor aspecto quando te vir desafiá-lo. Porque o vais desafiar, não é?
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Uma coisa ele concordava; tinha o par de olhos da cor verde mar mais
assombrosos que já tinha visto em sua vida. Como podia um homem, embora fosse um
jovem como ele, dizer não quando estava perdido neles?
Tratou de obrigar-se a recuperar certa aparência de razão. Disse-se que ela
não tinha mais de nove ou dez verões e que não importava o que pensasse dele. Jamais
teria uma mulher como ela, portanto decepcioná-la não teria nenhuma importância
para ele. Entretanto quando ela fixou toda a força de seus radiantes olhos nele,
comprovou que de sua boca saíam palavras que não tinha intenção de dizer.
— Sim, o desafiarei.
E então compreendeu que a única linha de conduta que ficava a seguir eratirar sua espada e lutar. Como se pudesse atrever-se a esse descaramento. Por todos os
Santos, devia ter apertado os lábios.
— Sim? — perguntou ela com um deslumbrante sorriso.
— E... Exigirei uma desculpa, se apressou a corrigir.
Talvez conseguisse envergonhar o estúpido para que pedisse desculpas a
Gwen.— Vais usar sua espada? — perguntou ela quase sem fôlego.
— Se for necessário — disse ele, sentindo ânsias de cair de joelhos e rogar
que o liberassem de sua língua. Mas primeiro lhe darei a oportunidade de comportar-
se bem, sem violência.
— Se crê que isso é melhor, disse ela com certo ar de desilusão. Embora, na
verdade, eu gostaria de vê-lo cravado uma ou duas vezes por suas maldades.Claro que sua desilusão não era tão grande para estar disposta a liberá-lo do
encargo. Agarrou-lhe a mão e o levou para o castelo. Rhys olhou ao seu redor em
busca de uma forma de escapar, mas não viu nada, até que de repente seus olhos
caíram sobre sir Montgomery. Este deixou de afiar sua espada para olhá-los.
— Escoltando a nossa dama até a sala, sir Rhys? — perguntou.
— Ele é meu paladino, sir Montgomery — se apressou a dizer Gwen. Vai
vingar a afronta a minha honra. Pensa usar sua espada se for necessário.
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Rhys dirigiu um olhar suplicante ao Capitão de Lorde Bertram, mas este se
limitou a sorrir.
— Bem feito, moço — disse em tom de aprovação. Faça reluzir esse
cavalheirismo com a maior freqüência possível. Mantenha brilhantes as esporas, como
diz sempre Lorde Ayre.
Rhys pensou o que diria Lorde Ayre quando se inteirasse de que seu filho
adotivo tinha sido convencido a desafiar o filho de um dos barões mais importantes do
norte da Inglaterra. Seguro que diria algo assim como «Te desejo a melhor sorte,
estúpido falador», e empreenderia a volta ao Ayre enquanto o levavam a Fenwyck
para deixar que se apodrecesse em uma masmorra; considerando que Fenwyck estavaa umas boas duas semanas de viagem ao norte de Ayre, Bertram poderia estar
tranqüilo sabendo que nunca teria que ouvir seus gritos de agonia.
— Eu mereço, murmurou. Não deveria ter pegado numa espada jamais.
— Há dito algo? — perguntou-lhe Gwen.
— Nada de importância, respondeu.
— Então nos ocupemos de nosso assunto. Disse ela entusiasmada.Rhys suspirou e se deixou levar para a sala grande. Deveria ter se contentado
com a encomenda de um ou dois campos em lugar de aspirar às esporas de cavalheiro.
Teria sido muito menos arriscado; também estaria muito mais seguro se tivesse
prestado mais atenção a encher a barriga que resgatar uma donzela metida no lodo,
para logo encontrar-se no papel de paladino de Gwennelyn de Segrave.
Mas no fundo de seu coração descobriu que ser eleito paladino era possivelmente o prazer mais doce que tinha experimentado em seus quatorze anos.
Estúpido ou não, sentia seu passo e seu coração mais leves. Quando chegaram à
soleira, Gwen se voltou a olhá-lo e lhe dirigiu o melhor de seus sorrisos. Calculou que
nem sequer sua mãe tinha recebido um sorriso assim dele.
Gwen também lhe sorriu, e a visão desse sorriso o emocionou até a alma.
Sim, surpreendeu-se pensando que em realidade havia muitas outras coisas
que faria por essa menina.
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tinha arriscado sua vida desafiando a um homem pelo menos seis anos mais velho que
ele. Ainda via a firmeza de suas mãos apoiadas no punho de sua espada, lhe dizendo a
todos os que estavam olhando que tinha o valor de um Geoffrey do Fenwyck de vinte
anos. Não teve nenhuma dificuldade em recordar à beleza de seus cabelos escuros que
lhe caíam sobre os ombros, à nobre superioridade de sua cabeça erguida e a majestosa
forma de seu nariz.
E essas maravilhosas orelhas.
O suspiro de prazer lhe saiu antes de poder reprimi-lo; então tossiu, para que
sua mãe pensasse que estava sonhando acordada e não adormecida.
Ai, se ele pudesse pedi-la em matrimônio em lugar desse mal-humorado e bobo do Alain de Ayre. Então sua vida real seria tão gloriosa como a que se imaginava
na cabeça.
Haveria uma maneira? Rhys só era um cavalheiro, certo, mas não contavam
algo suas gloriosas façanhas? Não seria possível convencer o seu pai de que Rhys era
muito mais desejável que Alain como genro? Já tinha o discernimento suficiente para
saber que a terra e as alianças decidiriam com quem ia se casar; na realidade essascoisas já tinham decidido o assunto. Mas não se poderia deixar disso de lado por esta
vez? Seu pai não lhe negava nada, talvez continuasse com essa prática. Seria o
primeiro que lhe pediria.
Bocejou e fechou os olhos, e depois sonhou de verdade.
Com um jovem esplendidamente cavalheiresco, de olhos cinza muito sérios e
uma espada brilhante e afiada.Rhys observou os outros habitantes do castelo dirigirem-se a suas camas,
mas ele ficou montando guarda junto ao seu senhor. Em realidade não pertencia à
guarda de Lorde Ayre, mas de boa vontade se oferecia de voluntário para fazer o
turno. Tinha recebido muitíssimo do Bertram e lhe parecia que isso era o menos que
podia fazer em troca. Achava especialmente tranqüilizador estar perto de seu senhor
essa noite, dada a ocupada tarde que tinha tido. Resultou vencedor, mas o triunfo não
deixou de ter seu preço: sua paz mental.
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Tão logo Gwen se lavou e escovou o cabelo para tirar as manchas de lodo,
reapareceu na sala, esperando que ele fizesse algo. Ele tinha acariciado a última
esperança de que talvez sua mãe a fizesse entrar em razão, mas comprovou que a dita
mãe estava sentada ao lado de sua dama protegida observando com a mesma espera
que ela. Com o forte peso da promessa de vingança sobre seus ombros, armou-se de
descaramento e abordou Geoffrey do Fenwyck com toda a seriedade que conseguiu
reunir.
A princípio o filho do Fenwyck riu dele; necessitou de muitíssima coragem
para continuar ali e não retroceder, mas o obteve. Depois tirou sua espada e a colocou
com a ponta sobre as esteiras do chão, diante dele. Só era uma espada emprestada, jáque fazia muito pouco que Bertram tinha encarregado que lhe fizessem outra, mas
tratando-se dos assuntos mais refinados do dever de um cavalheiro, uma espada era
uma espada. Evidentemente Geoffrey viu que a ponta da espada estava afiada e que
ele estava firmemente resolvido, porque deixou de rir e começou a defender-se com
bravatas. Logo as bravatas se converteram em embaraçoso silêncio quando ele o
convidou a bater-se no campo de batalha; embaraçoso para o Geoffrey, claro, que eramuito maior que ele. Nesse momento ele já tinha começado a pensar que sua fama de
ferocidade no campo de batalha poderia lhe ser muito útil.
Certamente ganhou um olhar de adoração de Gwen quando acabou a
façanha.
Por todos os Santos, e isso foi suficiente para lhe fazer acreditar que, no fim
de contas, algum sentido tinham todos os sermões do Bertram sobre o cavalheirismo.William se levantou da mesa, tirando-o de seus pensamentos. Esperou até
que se levantou Lorde Bertram também para seguir atrás deles. Deteve-se fora da
porta do quarto de Lorde Segrave e se colocou de costas à porta meio entre aberta.
Embora ele tentasse, não pôde evitar ouvir a conversa entre os dois homens.
— Perdeu o acontecimento do dia, meu amigo, disse William. Enquanto
dormia a sesta seu filho adotivo se dedicou a reparar injustiças.
— Não terá desafiado a tudo sua guarda, não? — respondeu Bertram rindo
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— Não foi aos meus guardas a quem desafiou, e sim a esse descarado que
encerrou a minha Gwen no chiqueiro.
— Ao jovem Fenwyck?
— A quem, senão? Esse moço é um perigo.
Bertram soltou um suave assobio.
— Já cumpriu seus vinte anos e segue fazendo chorar às donzelas. Não me
surpreende que Rhys o desafiasse.
— Ele o fez. Enfrentou às fanfarronadas do Geoffrey com toda a ousadia do
mundo e lhe disse que o jogaria no chiqueiro se não pedisse desculpas a Gwen. Eacrescentou que o acompanharia até ali passando antes pelo campo de batalha se fosse
necessário.
— Ah, esse é meu moço — disse Bertram com voz cheia de orgulho.
Suponho que o jovem Fenwyck fez o que lhe pedia?
— Não de modo muito cortês, mas sim, fez. A fama do jovem Rhys já é
tema de lendas.Rhys ficou mais erguido, não pôde evitar. Que William do Segrave o
elogiasse era algo, sem dúvida. Tocou-se a fita que tinha atada ao braço. Seu primeiro
favor, e nada menos que da filha de um Lorde. Tinha estado à altura não só das
expectativas dela, mas também das de seu pai. Era motivo para sentir-se orgulhoso.
— Será um homem admirável, comentou Bertram em voz baixa.
— Sim — concordou William. É uma lástima que não possua terras. Seriaum bom marido e um bom senhor.
Os dois homens estiveram em silencio durante um comprido momento. O
primeiro a falar foi Bertram.
— De todos os modos seria um excelente marido, sobretudo de uma jovem
cujas travessuras aterrariam ao mais valente dos homens.
— Bertram, disse William meio rindo , insulta a minha doce Gwen. Só tem
um espírito aventureiro.
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— O tempo suficiente, respondeu Montgomery docemente.
— Tem que estar sempre à espreita em rincões escuros?
Montgomery se limitou a lhe pôr uma mão no ombro e o empurrou
brandamente pelo corredor.
— Eu ficarei — disse, e seu tom indicou ao Rhys que não aceitaria
discussão. Vá dormir. Terá que estar no campo de batalha cedo.
Rhys teria ido ao campo de batalha nesse momento se tivesse podido, para
aliviar o sentimento de vergonha que o embargava. Claro que jamais poderia ter uma
mulher como Gwennelyn de Segrave. Acaso não se havia dito isso mesmo essa manhã
quando atravessou as portas do castelo? Não teria a ela nem teria sua terra.Entregariam-na a Alain de Ayre, jovem cujos pensamentos não chegavam a mais
profundidade que a descida de um falcão para sua caça do dia; aos seus cuidados a
propriedade de Gwen se converteria em terra baldia, e a própria Gwen se converteria
no mesmo tendo ao Alain por companheiro. E não havia condenadamente nada que ele
pudesse fazer para remediar nenhuma das duas coisas.
E, por desgraça, isso era o que desejava.Por todos os Santos, que coisa mais horrível era o maldito desejo.
A fita que lhe tinha dado Gwen se agitava com o movimento de seu passo
pelo corredor. Tratou de tirar-lhe, mas não conseguiu desatar o nó. Pelos mesmos
Santos, quem lhe teria ensinado a fazer esses nós tão firmes à menina? Empreendeu a
tarefa de desatá-lo com frenética intensidade, tirando-a e amaldiçoando o favor e a sua
doadora. Finalmente o laço se soltou e jogou no chão a fita; a ardência que sentia nosolhos o cegava, lhe impedindo de ver onde caiu. Continuou caminhando, deixando a
fita no corredor.
Amaldiçoou o dia em que olhou aqueles olhos verde mar, e rogou que jamais
chegasse o dia em que tivesse que voltar a olhá-los.
Eram bem passadas as primeiras horas da madrugada quando Rhys voltou a
subir os degraus. A tocha já estava quase consumida e o corredor estava deserto.
Avançou lentamente junto à parede, e se deteve no lugar onde pensou que se deteve
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— Talvez se o usasse com mais freqüência — disse Joanna, estaria mais a
par de seu estado de limpeza ou sujeira.
— Quero me esmerar, mãe — explicou Gwen com toda a paciência que
conseguiu reunir, para causar uma boa impressão.
— Lorde Bertram?
— A quem, senão? — mentiu Gwen.
Seu futuro sogro poderia vê-la coberta de restos do poço negro e não lhe
importaria nada. Não, só havia uma pessoa cuja opinião lhe importava.
E o maldito vândalo não a tinha olhado nenhuma só vez desde que chegou.
Não conseguia entendê-lo. Fazia seis anos que ele tinha partido com LordeBertram no dia seguinte de ter desafiado ao Geoffrey do Fenwyck; foi uma partida
inesperada, mas ela supôs que o fazia para não envergonhar mais ao filho de Fenwyck,
o que era muito mais que ele merecia, o velhaco.
Ela tinha ido às portas para vê-lo partir; não tinha intercambiado nenhuma
palavra com ele, mas sim um bom e longo olhar. Viu seus olhos limpos e brilhantes, e
sua mandíbula fortemente apertada, como se empreendesse o caminho de realizar maisfaçanhas heróicas para deleitá-la. Reconheceu essa expressão que ocultava toda
emoção; todos os bons paladinos faziam isso, para que olhos curiosos não
descobrissem os sentimentos mais íntimos de seus corações. Era uma mutreta que
representavam e a alegrou muitíssimo ver que Rhys a fazia. Só podia significar que lhe
deixava seu coração em segredo. Ela o despediu com uma inclinação da cabeça, muito
séria, e depois correu ao terraço de sua mãe para gravar em sua memória sua últimavisão do homem a quem, com toda certeza já amava.
Durante os anos seguintes, de tanto em tanto a inquietava ver chegar Lorde
Bertram sem o Rhys. E, de tanto em tanto, inquietava-a ainda mais ver chegar ao
Alain com seu pai, mas a consolava saber que algum dia chegaria Rhys a procurá-la, a
reclamá-la para ele. Esse consolo fazia menos difícil agüentar os maus modos e a
conversa estúpida do Alain.
E então amanheceu esse dia. Tinha andado rondando pelo caminho de ronda
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das muralhas, observando aos arqueiros de seu pai e calculando a dificuldade de lhe
roubar um arco para aprender a atirar, quando de repente o que viu se não o estandarte
de Ayre que se aproximava? Ao vê-lo emitiu um gemido, mas continuou em seu posto
de observação para ver se teria que suportar a pesada carga da presença do Alain ou
não.
E então viu quem cavalgava junto aos guardas de Lorde Bertram.
A surpresa quase a fez cair do muro.
Sua mãe a teve ocupada em seu terraço todo o santo dia. Costurou as mangas
de uma túnica as deixando fechadas; fez as pregas de um lençol deixando-as muito
curta, e bordou um falcão com três patas na melhor capa de vestir de seu pai.Finalmente Joanna a pôs a tocar o alaúde para entreter a suas damas, mas inclusive
isso lhe resultou uma tarefa muito cansativa. Não conseguiu recordar de nenhuma só
nota.
Ele estava lá embaixo.
Quase não podia respirar pela emoção que a percorria inteira.
Ao final obteve permissão para baixar à sala grande e tomar parte em umarefeição. Foi uma refeição longuíssima, e Rhys esteve sentado na mesa de mais abaixo
da de seu pai durante muito tempo.
Sem fazer o menor caso dela.
Se tivesse atrevido se teria aproximado para lhe exigir uma explicação.
Ocultar seus sentimentos era uma coisa, mas inclusive isso exigia um olhar furtivo
cheio de amor de vez em quando. O que tinha recebido do paladino de seu coração?Nem sequer um maldito gesto de saudação. Nem sequer um movimento de
uma sobrancelha quando ela derramou acidentalmente uma jarra de vinho sobre os
joelhos de Lorde Bertram.
As coisas não estavam acontecendo como as tinha planejado.
Por esse motivo, essa manhã, a segunda da estadia de sir Rhys em seu
castelo, encontrou-a pinçando em sua arca em busca de um véu de freira em bom
estado para tampar as orelhas. Era possível que ele tivesse pensado melhor sobre ser
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seu paladino devido a que tinha meditado muito no estado de sujeira em que a
encontrou na última vez em que se viram. Não seria assim desta vez. Estava
absolutamente resolvida a lhe demonstrar que era capaz de manter sua roupa limpa,
suas maneiras recatadas e suas orelhas tampadas. Isso por força tinha que impressioná-
lo bem.
Mas a descoberta das manchas em seu melhor véu jogou por terra todos seus
planos. Como ia causar boa impressão com uma touca suja? Estava em meio de uma
seleção de maldições quando sentiu as mãos de sua mãe em sua cabeça.
— Aqui tem, querida — lhe disse Joanna docemente, lhe tirando o objeto
sujo. Vais pôr um meu.— Não, protestou ela, sabe que só o vou danificar.
— Para ser uma garota tão limpa, lhe assenta bem levar bastante sujeira em
cima — concedeu Joanna placidamente.
Gwen não se incomodou em discutir. Sim que se manchava com bastante
freqüência, mas a sujeira vinha dos lugares aonde ia e das coisas que investigava.
Necessitava de material para seus contos e isso certamente não ia encontrar no terraçode sua mãe. As fofocas das mulheres, por muito entretidas que fossem, não eram
suficientemente interessantes para as complexas trovas que escrevia em sua cabeça.
Mas a sala de armas de seu pai sim. O que importava que jamais em sua vida tivesse
levantado uma arma? Não precisava levantar armas para criar.
Ficou quieta enquanto sua mãe lhe atava o véu com um laço sob o queixo e
logo lhe colocava o cabelo sob o tecido. E lhe resultou muito difícil olhar nos olhos asua mãe, por medo de que visse as tramas e mutretas que espreitavam nos seus.
— Gwen.
— Sim? — a contra gosto olhou a sua mãe.
— Seu caminho já está esboçado ante ti, minha filha.
— Oxalá pudesse trocá-lo, murmurou ela.
— Eu não tive escolha quando me casei com seu pai, lhe recordou Joanna, e
vê quão bem resultou?
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Ah, mas seu pai era um homem muito diferente do vaidoso e egoísta Alain
de Ayre. Que seu mau gênio só fosse igualado por sua estupidez o convertia em um
partido muito desagradável. Mas, se tivesse sorte, muito em breve ele buscaria outra
noiva. Sir Rhys se encarregaria disso, estava segura.
Bom, se conseguisse convencê-lo.
— Devo descer — disse, sentindo a necessidade de escapar do olhar
perspicaz de sua mãe. Lorde Bertram verá que serei uma boa castelã se estiver aí para
atender aos nossos hóspedes.
— Tome cuidado, Gwen — suspirou sua mãe.
Gwen se apressou a fugir para não ter que ouvir mais. Tinha a impressão deque o que sua mãe não sabia, ela adivinhava. Tanto se tinha delatado então, durante
esses seis anos? Tinha vivido para as notícias que chegavam sobre sir Rhys, e fazia
que todos os portadores dessas notícias repetissem uma e outra vez o que tinham
ouvido. Dizia a seus pais que estava compondo trovas heróicas em troca ao carinho
que lhes professava a rainha Eleanor, e isso lhe servia para ouvir as extraordinárias
aventuras de sir Rhys; o jovem levava a cabo muitas missões para Lorde Bertram esempre se arrumava para sair das situações mais difíceis da forma mais gloriosa,
usando sua espada e seu engenho com igual perícia.
Ao chegar ao último degrau da escada se deteve e se retirou a um canto em
sombras, de onde podia observar, sem ser vista, aos ocupantes da sala grande. Ainda
era cedo, e os homens haviam tornado de seus trabalhos matutinos para romper o
jejum. Tinha pensado muitíssimo no momento de fazer sua entrada. Sir Rhys teria quesaudá-la quando saísse da sala ao terminar sua comida. E se não o fazia então, tinha
outros planos para plantar-se diante dele e não lhe deixar outra alternativa que olhá-la.
O que lhe diria então não sabia, e rogava que lhe ocorresse algo. No momento, era
suficiente obter que a olhasse e a visse.
Inclusive a tênue luz das tochas encostadas às paredes, não teve nenhuma
dificuldade para descobri-lo. Havia muitos homens sentados às mesas inferiores, mas
nenhum que fizesse tremer o ar que o rodeava com apenas estar ali.
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Estava sentado de costas a lareira, seu elmo sobre a mesa junto ao seu braço,
e uma capa negra arremessada para trás sobre os ombros. A luz das tochas lhe
iluminava seu cabelo escuro e destacava seus traços cinzelados à perfeição. Sua roupa
era singela e sem adornos, embora como o filho adotivo predileto do Bertram poderia
ter se vestido com a mesma prodigalidade com que o faziam Alain e seu irmão Rollan.
Mas certamente não tinha nenhuma necessidade de fazer isso; nem sequer a
simplicidade de sua roupa podia ocultar a nobreza de seu porte nem a beleza de sua
cara.
E pensar que era um simples cavalheiro, sem nada que acrescentar ao seu
nome fora sua espada e seu cavalo.Por todos os Santos, não era de estranhar que Alain o odiasse; Rhys era tudo
o que ele não era.
Comia rápido, falando seriamente com os que estavam perto e só quando lhe
falavam. Gwen o viu terminar muito antes que estivessem satisfeitos os homens que o
rodeavam. Logo se levantou, pediu permissão a Lorde Bertram para retirar-se da sala e
se dirigiu à porta. E desapareceu antes que ela se desse conta de que seu plano de ficar em seu caminho antes que saísse da sala tinha fracassado desastrosamente. Teria que
controlar-se melhor. Ficar olhando com a boca aberta ao homem enquanto escapava da
armadilha que lhe tinha estendido não lhe serviria de nada, além de alimentar seus
sonhos de noite. Sua intenção era conseguir mais. Seus pais podiam ter a intenção de
casá-la com o Alain, mas ela tinha outra idéia.
Embora essa idéia significasse casar-se com um simples cavalheiro.Mas isso não ocorreria enquanto não tivesse falado com ele, e isso por sua
vez não ocorreria se não encontrasse uma maneira de atrair sua atenção. Certamente
não ia voltar a derrubar-se no chiqueiro para conseguir isso. Já era uma mulher.
Embora só fosse uma menina na última vez que o viu, já então soube que ele era o que
desejava. Seguro que agora que era adulta ele se tomaria mais a sério seu desejo de
que fora seu paladino.
Saiu da sala ao passo mais rápido possível sem chamar a atenção, com a
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compreender que novamente lhe tinha escapado das garras.
— Sir Rhys, espere!
Ele não se deteve. De maneira nenhuma podia pensar que era um grosseiro,
de modo que supôs que talvez os gritos de muitas vítimas pedindo misericórdia lhe
teriam estragado o ouvido. Levantou as saias e correu atrás dele.
— Sir Rhys, espere — repetiu sem fôlego quando lhe alcançou. Ele não
diminuiu seus largos passos, por isso teve que seguir correndo ao seu lado. Não quer
deter-se para falar...?
— Tenho muito que fazer, respondeu ele em tom cortante e apressou o
passo.— Mas... — resfolegou ela, pondo-se a correr mais depressa.
— Não se admitem mulheres no campo de batalha — lhe disse ele por cima
do ombro, e quase correndo para seu destino.
Gwen compreendeu que devia parecer uma parva, de modo que se deteve e
franziu o cenho. Não se admitem mulheres no campo de batalha? Isso era o que ele
acreditava. Certamente não conhecia sua determinação. Teria a oportunidade deconquistar seu coração antes que acabasse sua visita ou morreria tentando. Ele não
poderia resistir. Usava o melhor véu de freira de sua mãe, pelo amor de Deus. Ele não
tinha idéia do tipo de sacrifício que era isso?
Pensou em segui-lo até o campo de batalha, mas compreendeu que talvez
fosse bem repensar sua estratégia.
Mas ao final sucumbiria; não lhe deixaria outra opção.
***
Rhys se apoiou em sua espada e se obrigou a fazer umas quantas respirações
profundas e tranqüilas. Sim, aperfeiçoar suas técnicas batendo-se com quase todos os
homens de Segrave podia ser suficiente para fazê-lo ofegar; na realidade a qualquer
homem lhe perdoariam uns quantos ofegos depois da manhã de exercícios que
acabava de passar.
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Mas nem todos os homens tinham a uma Gwennelyn de Segrave passeando
pelas muralhas observando todos seus movimentos. Sentia seu olhar sobre ele, igual
aos três dias passados. Implacável, isso era, implacável e resolvida. Jamais em toda
sua vida se havia sentido tão esquadrinhado, e certamente tinham havido muitas almas
observando-o para aproveitar qualquer tropeção. Mas jamais se obrigou a não ofegar
por nenhum deles.
Necessitava do amparo dos Santos, estava perdendo o juízo.
Fazia todo o possível para não olhá-la nem lhe fazer caso. Inclusive tinha
chegado ao extremo de ser grosseiro com ela em mais de uma ocasião. Quando se deu
conta de que ela conhecia seus hábitos, trocou-os, pensando que era impossível que elao superasse em engenho. Certamente havia uma menina muito inteligente sob toda
essa beleza, porque ela imediatamente descobriu e depois se dedicou a lhe fazer
sombra. Tinha aptidões para ser uma espiã condenadamente boa.
O que queria dele? Não tinha idéia. Provavelmente o convencer de outro
resgate. Franziu o cenho; a última vez tinha aprendido a lição. Pouco importava o que
fizesse por ela, porque não a possuiria jamais. Que sentido tinha agradá-la?Era uma lástima que agradá-la fosse à única coisa que o tinha obcecado
durante seis anos.
Olhou pela extremidade do olho para ver se ela continuava em seu posto de
observação. Sim, estava em seu posto, mas ao parecer vencida pela difícil natureza de
sua perseguição. A seu pesar, Rhys esboçou um sorriso. Caminhou sem fazer ruído até
a muralha e se deteve uns poucos passos dela. Fez movimentos com suas armas se por acaso alguém o estava olhando, e com dissimulação deleitou sua vista olhando a
jovem que roncava baixinho onde estava sentada com as costas apoiada na muralha.
Seis anos não tinham feito nada fora de aumentar a promessa de formosura
que tinha visto nela. Com razão Bertram a desejava para seu filho. Ela contribuiria a
sua mesa uma beleza que nenhuma jóia incrustada podia igualar, e provavelmente
faria todo o trabalho de pensamento que correspondia ao Alain. Era uma sábia escolha
no que se referia ao futuro de Ayre. No lugar de seu senhor, ele teria feito o mesmo,
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com a diferença de que não a teria dado a seu filho, e sim teria ficado para ele.
Suspirou e lhe pareceu que o suspiro lhe saía da medula dos ossos. Foi um
engano vir a Segrave, pensou. Disse-se que tinha vindo para agradar a Lorde Bertram,
que pediu. Em outras ocasiões ele também tinha pedido, mas ele jamais se atreveu a
pensar que seria capaz de olhá-la e não comover-se.
Estúpido, disse-se com outro suspiro. Um olhar, e todas as defesas que tinha
construído contra ela vieram abaixo.
Embainhou a espada e soltou uma maldição em voz baixa. Deveria ter ido à
França para passar a primavera. Esse tinha sido seu plano. Lorde Bertram se mostrou
disposto a liberá-lo de todas suas obrigações para que fosse. Imaginou que uns quantosanos de torneios lhe dariam dinheiro suficiente para comprar uma parte de boa terra
em alguma parte. Tinha desenhado na mente o tipo de castelo que poderia construir, e
calculado o número de cavalheiros que viveriam nele e o chamariam de senhor.
Logicamente tinha tido bom cuidado de não povoar seu castelo com nenhum
tipo de família, e muito menos uma esposa, sobretudo depois de que suas primeiras
imaginações deram esse papel a Gwennelyn do Segrave.Ao final, essa primavera a França lhe pareceu uma perspectiva bastante
pouco atraente. Seus serviços a Lorde Bertram, que restava por livre vontade, estavam
a ponto de acabar. Tinha-lhe devotado sete anos de serviço como cavalheiro, aceitos
com muito gosto. Bom, já estavam satisfeitos seis anos, e Bertram não se mostrava
relutante a deixar o sétimo para mais adiante. De todos os modos, ele não se sentiu
capaz de partir do Ayre.E enquanto contemplava a jovem adormecida pensou se não seria isso que
ele tinha estado esperando. Pensou que, contra toda razão, o que lhe tinha impedido de
partir ao continente era o desejo de vê-la pela última vez. Bertram viajava ao Segrave
com certa freqüência, e certamente não tinha tido nenhum problema para vir.
A dificuldade agora seria partir.
E se tivesse um só grão de sensatez na cabeça, empacotaria seus pertences e
fugiria a França nesse mesmo dia.
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Gwen saiu da sala e subiu correndo para as muralhas, antes que Rhys
pudesse suspeitar que pudesse estar atrás do convite a um encontro. Saiu às muralhas e
se ocultou em um canto escuro. Não tinha nenhum sentido que os guardas a
estivessem observando enquanto se ocupava de seus assuntos. Tinha toda a intenção
de convencer ao galhardo sir Rhys de que a raptasse antes que a obrigassem a casar-se
com o Alain de Ayre, e isso era melhor fazê-lo em segredo.
Ao cabo de uns instantes rangeu a porta junto à qual estava escondida. Rhys
passou por ela com muito cuidado, como se esperasse um ataque. O fato de vê-lo,
escuro e sigiloso, foi suficiente para lhe acelerar o coração. Sim, certamente esse era o
homem para ela, e que homem! Seu pai não poderia evitar sentir prazer por seu valor edestreza. Guardou essa frase para lhe dar algum uso no futuro. Talvez pudesse sugerir
ao seu pai que Rhys seria um melhor protetor que Alain. Isso o convenceria.
Rhys fechou a porta brandamente. Gwen fez provisão de seu valor e lhe
tocou o braço.
E antes que pudesse abrir a boca para saudá-lo, viu-se empurrada contra a
muralha com uma faca na garganta. Teria chiado, mas não tinha fôlego para fazê-lo.Com a mesma rapidez com que apareceu, a faca desapareceu em alguma
curva da manga de Rhys. Ele baixou a cabeça até o peito e soltou uma trêmula
expiração.
— Só sou eu, conseguiu dizer ela.
Ele levantou a cabeça e a olhou furioso.
— Poderia ter te matado... — começou, mas logo fechou a boca e começou aafastar-se.
— Não, disse ela lhe agarrando a manga com mais firmeza.
Ele se deteve.
— Por favor, acrescentou ela.
A luz da lua o iluminava de acima, deixando sua cara em penumbras. Não
conseguiu ver nenhum sorriso, mas não teve dificuldade para ouvir um suspiro de
resignação. Esse era um som que seu pai fazia com regularidade.
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interpretado como que não lhe importasse nada. Mas não ia acreditar nisso. Uma vezele tinha aceitado ser seu paladino; estava segura de que, dada a oportunidade, voltaria
a fazê-lo. E se queria que falasse com franqueza, pois com franqueza falaria.
— Pedi-te que viesse para falar de meu matrimônio, disse com a maior
tranqüilidade possível.
— Seu matrimônio com quem? — perguntou ele, cortante. Com o Alain de
Ayre?
— Não, contigo — disse ela pronta e sinceramente.
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Ele piscou, voltou a piscar, e depois deixou cair à mandíbula e a olhou
boquiaberto.
— Não fala a sério, conseguiu dizer.
— Pois sim que falo a sério.
— Está louca.
-Acredito que estou em posse de todo meu entendimento; daí a habilidade de
minha mutreta para te trazer até aqui.
Ele pareceu refletir e depois sua cara adquiriu uma expressão de frieza.
— Tão pouco atraente é Ayre que te rebaixaria a se casar com um simples
cavalheiro? — perguntou com voz monótona.— Alain é pouco atraente, disse ela, mas esse não é o motivo de que escolhi
a ti.
— Que arrogante é, senhora, ao acreditar que é você quem escolhe.
Esta vez tocou a ela ficar sem fala, olhando-o boquiaberta. Nunca lhe tinha
ocorrido pensar que ele não a desejasse. Com tanta freqüência o tinha imaginado
resgatando-a de sua situação que tinha chegado a acreditar que ele a queria tanto comoela a ele.
Fechou a boca com a maior naturalidade possível e fez provisão de seu valor.
Soltou-lhe o braço, embora muito a contragosto tratou de sorrir. Não lhe saiu seu
melhor sorriso, mas perseverou.
— E não poderia te deixar convencer de que fosse meu? — propôs-lhe.
De repente lhe pareceu que ele tinha dificuldade para tragar. O jantar tinhaestado delicioso, como sempre, ou seja, que não podia atribuir o problema à comida.
Talvez o que lhe ocorria era que de repente se via enfrentado a algo que desejava
negar. Tinha visto esse problema em outros homens, e geralmente significava que os
assaltava uma emoção forte. Seria afeto por ela? Talvez não fosse tão insensível como
parecia.
— Mmmm — disse ele, como pensando seriamente em sua proposta. Teria
que pensá-lo.
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Mas Rhys não era seu pai e o contato de sua mão sobre a dela era totalmente
distinto. Seu contato fazia que subissem estremecimentos por seu braço e que logo se
estendessem por todo o resto de seu pobre corpo.
Observou-o em silêncio quando lhe levantou a mão e a levou até seus lábios.
O contato de seus lábios sobre sua pele lhe produziu uma quebra de onda de algo que
jamais havia sentido antes. Nem sequer quando quase caiu pela escada enquanto
espiava ao capitão dos homens de seu pai para ver se cumpria bem suas obrigações lhe
tinha produzido esses formigamentos de medo.
A não ser que o que sentia não fora medo.
— Sim — disse ele, apoiando a sua mão em sua bochecha ligeiramenteáspera.
— Sim? — perguntou ela piscando.
— Encarregarei-me disso.
— Se encarregará disso?
Estava tão rendida por sua proximidade, por sua altura e sua força, que já
quase não recordava seu nome, e muito menos do que tinham estado falando. Sorriu-lhe, e ao ver esse sorriso quase caiu de costas muralha abaixo. Por todos os Santos,
que formoso era.
— Encarregarei-me de te resgatar dos vis intuitos do Alain de casar-se
contigo, lhe recordou ele.
— Ah — disse ela assentindo, disso.
— Sim, disse ele com outro sorriso, disso.Ele deixou de sorrir, fechou os olhos e suspirou; depois os abriu e a olhou. O
desejo que viu em seu olhar não se parecia com nada que tivesse visto jamais na cara
de nenhum homem, nem sequer dos homens que iam olhar sua mãe sabendo que
jamais a teriam. Que um homem, Rhys de Piaget, sobretudo, olhasse-a assim era algo
absolutamente maravilhoso. Observou sua expressão para evocá-la durante os meses
em que ele estaria longe concebendo uma maneira de fazê-la sua.
Então, antes que pudesse lhe pedir que se girasse um pouco para que a lua
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lhe iluminasse melhor a cara, lhe agarrou o rosto entre as mãos, inclinou a cabeça e a
beijou muito docemente nos lábios.
Gwen estava segura de que as pedras se moviam sob seus pés.
— Oh, conseguiu dizer quando ele levantou a cabeça e a olhou.
Parecia estar tão aturdido como ela.
— Sim, disse ele com voz rouca. Moveu a cabeça para limpá-la. Agora
devemos descer; alguém poderia nos ver.
Mas não se moveu.
Ela tampouco.
Só o que desejava fazer era continuar ali com suas bochechas entre suasmãos ásperas, sentir nos lábios o recordado calor de sua boca e sua amada figura
muito junto a ela, e perguntar-se se nos anais do tempo alguma donzela teria tido a um
homem assim, disposto a protegê-la.
Ou a beijá-la, se era esse o caso.
Ia perguntar-lhe se teria a amabilidade de fazê-lo de novo, quando lhe
agarrou a mão e começou a descer a puxando.— Temos que voltar, lhe disse por cima do ombro.
— Mas...
— Além de te raptar de noite, não sei como vou fazer isto — murmurou ele
enquanto descendiam os degraus.
— Mas...
— Suborno, talvez — continuou. É muito caro, mas bem vale o preço. Tereique pensar.
— Bom, obrigada...
— Sim, disse ele quando tinham chegado abaixo. Farei minha viagem à
França e ali assistirei a um ou dois torneios.
— E então voltará? — apressou-se a dizer ela antes que ele voltasse a
interrompê-la. Muito antes que me case com esse imbecil?
Ele se voltou a olhá-la.
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— Pelo mesmo motivo que o fiz da última vez, explicou ela. Para que não
nos descubram.
Rhys apalpou o nariz com muito cuidado, pensando se isso valeria à pena.
Não podia negar que tinha dado bom resultado na última vez; recordava que naquela
vez, de um extremo do corredor, William se limitou a olhar com sorriso mal
dissimulado o sangue que lhe corria pela cara e o saudou com um gesto quando ele
passou quase correndo por seu lado para a segurança da sala para as tropas. E na
manhã seguinte, depois de ter recebido a permissão do Bertram, partiu.
Teve a sorte de não voltar a encontrar-se com o pai de Gwen; com ela
tampouco voltou a falar. Ela se limitou a presenciar sua partida, com uma expressãode absoluta confiança nele, e isso lhe bastou para dirigir-se diretamente a França,
fazendo só uma breve parada no Ayre para recolher seus poucos pertences.
E nesses momentos, embora pudesse lhe parecer impossível, encontrava-se
justamente ante a mulher por cuja compra tinha trabalhado esses quatro anos passados.
O que não o surpreendia tanto era não dispor da tranqüilidade ou um lugar mais
adequado para saudá-la como era devido. Embora, pensando bem, se dentro de muito pouco teria o dinheiro suficiente para fazer uma oferta por ela, o que podia lhe
importar o que pensasse seu noivo?
— Na realidade não acredito que importe muito que revele — lhe disse,
limpando a cara com a manga, porque dentro de uns meses terei muitíssimo ouro...
— Dentro de uns meses? — repetiu ela. Girou a cabeça e indicou com o
dedo por volta de onde se via o corcel branco do Alain aproximando-se rapidamente.Vão-me casar com ele esta mesma semana!
Rhys deixou de limpar a cara e a olhou surpreso.
— Não, isso não pode ser. Não vais casar com ele...
— Enquanto não tinha os vinte e um anos completos, já sei. Mas quem pode
impedir? Meu pai morreu faz dois anos, e meu tutor não vê à hora de livrar-se de mim.
Rhys se tinha informado da morte de Lorde de Segrave, mas não se atreveu a
retornar para consolá-la. Além disso, a notícia demorou seis meses em lhe chegar.
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Esperava que ela soubesse o quanto tinha lamentado.
Mas ele sabia que seu pai adotivo, Lorde Ayre, não permitiria que se
realizassem as bodas antes da data acordada. Gwen estava equivocada; seu tutor a
tinha convencido de uma data errônea em relação às núpcias.
Núpcias que certamente não se levariam a cabo com o Alain de Ayre.
— Bertram se ocupará disso, lhe assegurou. Ainda não faz um mês que me
enviou uma mensagem para que voltasse; por isso estou aqui, em lugar de continuar na
França enchendo meus cofres. Sorriu-lhe. Não temas, Gwen. Ele não vai permitir que
ocorra isso ainda.
Viu que isso não a tranqüilizava, e não entendeu o por que. Ela olhou paratrás por cima do ombro e logo o olhou.
— Esta poderia ser a última vez que podemos falar livremente.
— Eu acredito que não...
— Não tem idéia do que se passou.
Rhys olhou a figura do Alain que se aproximava rapidamente e amaldiçoou a
interrupção.— Eu me encarregarei, disse muito crédulo. Vamos dizer lhe a esse imbecil
que se vá e se deteve ao ver o olhar de advertência dela. De acordo, vamos continuar a
comédia um momento mais. Quer que volte a me socar o nariz?
Ela abriu a boca para falar e voltou a fechá-la.
Ao Rhys teria gostado mais algum tipo de manifestação de afeto, mas estava
claro que isso não poderia ser. Fosse qual fosse a catástrofe que tinha ocorrido, estavaseguro de que Alain era o responsável. Esta poderia resolver se evitavam exibir seus
verdadeiros sentimentos diante de todos os homens do Alain. Apalpou o nariz com
tato, pensando que talvez isso não seria tão difícil se a alternativa era outro murro.
De repente lhe acabou o tempo para considerar a importância dos últimos
momentos de sua vida, porque estava rodeado pelos homens do Alain. Observou como
este se situava habilmente entre seu cavalo e Gwen. Nunca tinha duvidado da perícia
do Alain no manejo dos cavalos; era de sua perícia para dirigir as almas de que
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duvidava. Com o peito agitado, Alain contemplou um momento a Gwen desde sua
montaria, talvez escolhendo a palavra adequada para expressar seu aborrecimento.
— Porca, disse finalmente. Depois mordeu o lábio, ligeiramente consternado
pelo que acabava de dizer.
— Imbecil, replicou Gwen.
Alain se limitou a olhá-la fixamente, movendo um pouco os lábios. Rhys
supôs que sua mente não ia ao mesmo passo que sua boca, porque dela não saiu
nenhum som; talvez lhe tivesse produzido uma desconexão entre o pensamento e a
fala.
Ao parecer Alain recuperou o fio perdido; olhou ao Gwen com certaincredulidade.
— Fugiu do castelo, conseguiu dizer.
— Sim, respondeu ela.
Ele arranhou o lado da cabeça com a vara que sustentava na mão.
— Por quê?
— Para escapar de ti, bobo.— Bobo, repetiu ele olhando-a com cara de surpresa. Bobo?
Rhys estava pensando que reação a esse insulto ia encontrar Alain nas curvas
de seu esgotado cérebro quando, ante seu absoluto assombro, Alain se inclinou e deu
um golpe na cara de Gwen com o dorso da mão.
Rhys só a agarrou porque a força do golpe a lançou enfraquecida para seus
braços. Olhou sua cara manchada de fuligem e sentiu uma fúria candente. Já tinhameio desembainhado sua espada quando se deu conta do que estava fazendo.
De repente sentiu uma mão mais leve sobre a sua. Olhou a Gwen nos olhos e
viu uma súplica neles. Voltou a embainhar a espada foi o mais difícil que tinha feito
em sua vida. E no fundo de sua mente suspeitou que isso era só a primeira das coisas
que teria que fazer para manter em segredo seu desejo pela mulher que tinha em seus
braços.
Por todos os Santos, era um caminho difícil o que tinham escolhido.
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— Não sei quem é, mas tem umas maneiras que eu não gosto. Solta à
empregada porque ainda tenho mais golpes a lhe dar.
Rhys era o primeiro em reconhecer que sua aparência deixava bastante a
desejar, mas bom, Alain o tinha visto com muita freqüência no passado para
reconhecê-lo. Era evidente que não tinha aumentado sua inteligência durante sua
ausência.
— Seu pai, milorde, desaprova que se golpeiem as mulheres, disse.
— O que pode saber você de meu pai — balbuciou Alain, furioso-, se for
um... Um...Parecia que novamente estava procurando uma palavra o bastante feia para
expressar seu aborrecimento quando seu olhar caiu sobre a espada de Rhys e ficou
com a boca aberta.
Isto indicou a Rhys que Alain acabava de compreender a quem estava
olhando. Lorde Bertram não só lhe tinha dado a espada, mas também um rubi para
incrustá-la em seu punho. Alain não tinha perdoado nunca isso a seu pai, porquecertamente ele não tinha recebido nada semelhante. A explicação de Bertram foi que
posto que seu filho herdasse todo o resto, não tinha nenhuma necessidade de pedras
preciosas para adornar sua espada. Mas Alain, sendo Alain, e não precisamente
superdotado de lógica, tinha estado furioso durante anos pela injustiça, embora não o
suficiente para convidar a Rhys a combater no campo de batalha para aliviar seus
machucados sentimentos.No fundo de sua mente, Rhys pensou se não acabaria pagando desse modo a
generosidade de seu pai adotivo.
— Meu pai está morto, Piaget, lhe disse Alain depois de lhe cuspir aos pés, o
qual significa que não está aqui para desaprovar...
Rhys sentiu que se afundava o chão sob seus pés.
— Morto? Mas se não faz um mês estava vivo.
— Morreu repentinamente, disse Gwen em voz baixa. Não fazia muito tinha
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— E até não faz muito me estavam escutando! — interrompeu Alain furioso.
Por todos os Santos, detesto que não me prestem atenção!
Ao Rhys resultava quase impossível acreditar que tivesse morrido o pai do
Alain e que nesses momentos estivesse olhando ao atual senhor do Ayre. Se o tivesse
sabido, não teria saído da França tão mal preparado.
— Vamos, irmão — disse uma voz detrás do Alain, não te conviria deixar
para um momento mais íntimo a manifestação de sua irritação?
Alain se voltou a olhar ao homem que tinha falado. Rhys aproveitou a
ocasião para pôr Gwen atrás dele.— Chamou-me de bobo, se queixou Alain.
— Sim, chamou-te de bobo — respondeu Rollan docemente, mas quem
recorda essas trivialidades?
Rhys ouviu Gwen balbuciar em voz baixa e de todo coração desejou que se
calasse. Certo que Alain era um parvo, mas seu irmão Rollan era tão hábil como o
próprio demônio e igualmente cruel. Embora os insultos de Gwen finalmenteescapassem da mente de Alain, Rollan escolheria o pior momento possível para lhe
refrescar a memória.
— Deve ser castigada, grunhiu Alain. Olhou ao Rhys, enfurecido: E você te
faça a um lado para que possa fazê-lo.
— Acredito que seu tutor não aprovaria esse mau trato, disse Rhys com a
esperança de acender nele uma faísca de sensatez.— Quem é você para me dizer o que devo ou não devo fazer? — perguntou
Alain.
— Sim, quem é sir Rhys em realidade? — acrescentou Rollan. Sem dúvida
esquece seu lugar. Não tem título, fila nem terras.
«Nem terras.» Bom, essa era sempre a essência do assunto. Rhys sentiu a dor
quase com a mesma intensidade com que o sentiu a primeira vez que lhe insultaram.
Seu orgulho ferido exigia algum tipo de alívio.
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— Durante sua noite de bodas, talvez — disse Rollan.
Alain o olhou perplexo; sem dúvida para descobrir o significado oculto das
palavras de seu irmão era muito para ele. Depois encolheu os ombros e olhou a Rhys.
— Por seu nariz vejo que te golpeou. Devo supor que tentou lhe impedir a
fuga?
— É obvio, conseguiu dizer Rhys. O que senão?
— Então suponho que me servirá bem, grunhiu Alain.
— Te servir? Porque ia servir-te?
— Devia um ano mais ao meu pai.— Ao seu pai, não a ti.
Alain fez um mau gesto.
— Antes de morrer, meu pai ordenou que me desse esse ano, como parte de
minha herança.
Não era a primeira vez que Rhys ouvia falar desse plano, embora sempre
tendesse a não aceitá-lo. Olhando ao novo senhor do Ayre compreendeu que não tinhaopção. Quantas vezes tinha Bertram tentado convencê-lo? «Só um ou dois anos,
filho», dizia-lhe. «Sirva-o um ou dois anos depois que se casar. Talvez consiga ser
uma influência estabilizadora.» «Com o que sente por mim?», alegava sempre ele.
«Servirei meu ano na masmorra». Bertram sempre lhe prometia que esse tempo de
serviço valeria a pena, mas ele nunca conseguiu imaginar nada que pudesse fazer
suportável esse sacrifício.Em troca de Segrave, talvez.
Ou de Gwen.
Amaldiçoou para seus botões: «Demônios, Bertram, por que me fez isso?»
— Sigo querendo golpeá-la, anunciou Alain. Todos se afastem.
E essas palavras deram a resposta a Rhys. Estava claro que Bertram desejava
que ele estivesse perto para proteger a Gwen. Bramou para seus botões. O que podia
fazer, dormir no meio dos dois?
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Não, nunca chegaria a isso; Gwen não se casaria com o Alain. Ele se
encarregaria pessoalmente disso.
— Talvez devesse esperar chegar em casa, sugeriu Rollan. Golpeia-a na
intimidade de seus aposentos com uma taça de vinho à mão. Ali estará mais cômodo.
Alain pensou e assentiu.
— Tragam uma corda — ladrou.
Desceu do cavalo, afastou ao Rhys de um empurrão e agarrou a Gwen pelo
braço.
— Talvez o caminho de volta ao Ayre ensine a não fugir de novo, lhe disse
agarrando a corda que lhe oferecia um de seus homens.Rhys teve que apertar os punhos contra seus flancos enquanto Alain atava as
mãos de Gwen. Este voltou a montar segurando o extremo da corda e fez girar o
cavalo em direção ao Ayre.
— Suba, Piaget. Tenho coisas importantes do que me ocupar. Talvez uma
caçada, embora, claro, ela já arruinou a manhã para esse tipo de esporte.
No tempo que Rhys levou a assegurar a espada roubada de Gwen em suacadeira de montar, Alain se tinha afastado uma boa distância levando a sua presa.
Rhys agarrou as rédeas do cavalo e se apressou a seguir à comitiva. Chegou junto a
Gwen e continuou caminhando junto a ela, atirando de seu cavalo. Passado um bom
momento, ela rompeu o silêncio.
— Tinha saído para lhe buscar, lhe disse em voz baixa.
— Oxalá tivesse esperado em Segrave, suspirou ele.— Já estava no Ayre, e não suportava continuar ali nenhuma noite a mais. Além disso, pensei que talvez te
conviesse ter a alguém que te guardasse as costas.
— Sim? — disse ele tentando não sorrir.
— É que não me acha capaz de fazer isso? — perguntou ela olhando-o
carrancuda.
— Eeh...
— Hoje era meu primeiro dia como mercenária. Asseguro-te que teria
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Rhys pesou suas forças e mediu sua fúria. Sim, restava suficiente de ambas
para sustentá-lo. Imediatamente pensou em umas seis coisas vulgares que podia lhe
sugerir ao Alain que fizesse a si mesmo; mas descobriu que não tinha fôlego para dizê-
las, de modo que se contentou em lhe cuspir os pés.
— Outros dez! — vociferou Alain e reatou a tarefa com esforço.
Uma vez recebidos estes, Rhys decidiu que possivelmente já tinha suficiente
por essa manhã para fortalecer seu caráter. Viu que Alain estava quase desenquadrado
de ira. Suspeitou que se o provocasse mais não veria outra coisa que a masmorra do
Ayre, e isso não seria muito útil para seus propósitos.
Mortificou-o fazê-lo, mas deu ao Alain todas as respostas que este queria, e odepositaram sobre seus pés sem muita suavidade. Deu as graças aos que lhe ajudaram
a por a roupa, memorizando suas caras para recordá-las no futuro, e depois gravou em
sua memória cada puxão, cada beliscão e cada gota de sangue que tinha produzido
suas costas.
Alain pagaria por tudo isso. E Rollan também, claro.
Caminhou enrijecido para seu cavalo e saltou sobre a sela, mordendo o lábio para manter-se em silêncio. Só então teve a presença de ânimo para olhar a Gwen.
Ela o estava olhando com as bochechas banhadas em lágrimas, e ele teve que
desviar o olhar para não chorar. Não era assim como tinha planejado seu reencontro. O
que desejava era agarrá-la em seus braços e fugir com ela. Mas no momento, só o que
podia fazer era concentrar-se em manter-se sobre seus arreios; não estava em muito
boas condições para realizar um resgate.Isso também Alain faria pagar.
Voltaria para o Ayre com ela. Se encarregaria de que lhe curassem as costas
e tomaria um ou dois dias de descanso para recuperar as forças. E depois, talvez lhe
ocorresse o que fazer a respeito do futuro. Se fugissem, abandonaria à mãe de Gwen, e
isso ela não consentiria; e suas terras, e isso ele não o consentiria.
Fechou os olhos e se perguntou se seus desejos seriam muito ambiciosos
para merecer uma sincera oração por seu cumprimento.
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dificilíssimo acreditar que seu pai tivesse desejado realmente que ela passasse o resto
de sua vida nessa pocilga. Nenhuma aliança política podia fazer isso suportável.
Soltou um suspiro. Sabia que não tinha nenhum motivo para queixar-se; seu
pai lhe tinha procurado o melhor partido possível e tinha acreditado em que ela usaria
seu engenho em melhorar as condições a sua volta. E isso teria feito, claro, se tivesse
tido a desgraça de estar no Ayre qualquer período de tempo; mas não entrava em seus
planos ficar ali o tempo suficiente para recolher o lixo e os escombros e transportá-los
bem longe das muralhas. A liberdade que seus esforços não tinham ganhado por
converter-se em mercenária certamente ganharia a aparição de Rhys na Inglaterra.
Bom, na realidade tinha que reconhecer que lhe produzia um muito ligeirodesgosto pensar em como se arrumaria Rhys para liberá-la a das bodas que Alain tinha
programado para dentro de uns dias.
Atravessou o pátio de terra calcada respirando pela boca. Quando chegaram
à torre da comemoração, Alain desmontou diante da porta da sala grande. Não era
mais alto que ela, e isso lhe permitiu lhe ver bem os olhos furiosos enquanto lhe
desatava as mãos. Gwen rogou que não lhe notasse o desdém que sentia. Alain estavagordo e perto de ficar quase calvo de todo, e tinha uns dentes podres que
provavelmente lhe cairiam antes que chegasse a primavera. Além disso, tinha as
pernas arqueadas, possivelmente porque passava a maior parte de seu tempo sobre seu
cavalo, ou de caça ou para, desde essa altura, intimidar os que poderiam ser mais altos
que ele.
Tomado tudo em conta, não era a primeira escolha que teria feito paramarido.
E essa alma, a que via pela extremidade do olho, estava desmontando de seu
cavalo, com o corpo rígido. Seus pés golpearam o chão com um som que indicava que
não estavam muito firmes; apoiou a cabeça sobre o pescoço de seu cavalo, mas voltou
a erguê-la imediatamente; sem dúvida não queria que ninguém visse quanto sofria.
Ele a olhou por cima do ombro e ela olhou seus olhos cinza. Ele não disse
nenhuma só palavra, nem sua expressão revelou nada do que sentia, mas em seus
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Então, como se soubesse que ela tinha entendido, ele fez um gesto afirmativo
com a cabeça. Depois girou a cabeça e lentamente conduziu o seu cavalo para o
estábulo.
Gwen contraiu o rosto ao observar o seu enrijecido andar. Talvez tivesse
cometido um engano ao lhe impedir de desembainhar a espada; mas claro, se o tivesse
feito, Alain teria ordenado aos seus homens que o matassem ali mesmo. Seu atual
estado era uma dolorosa alternativa à morte, mas uma certamente melhor, embora ela
tivesse preferido não presenciar as chicotadas. Obrigou-se a contemplar como Alain
lhe açoitava as costas, em parte para olhá-lo nos olhos em caso de que ele elevasse avista e necessitasse de fôlego, e em parte para gravar em sua mente outro exemplo da
crueldade do Alain. Precisou recorrer a toda sua força de vontade para ficar onde
estava e não lançar-se sobre o Alain e mutilá-lo com suas próprias mãos.
— Vejo que encontrou a garota.
— E não graças a ti. Foi você o responsável por vigiá-la e de te encarregar de
que se comportasse bem.Gwen olhou para o lugar de onde provinham as vozes. Alain estava
expressando seu desagrado ao seu tutor, que estava nos degraus que subiam à sala
grande. Por um momento se derrubou no desejo de correr detrás de Rhys e ocultar-se
no estábulo. Ouvir discutir ao Hugh do Leyburn e o seu prometido sobre quem era o
responsável por sua fuga era algo que teria preferido evitar.
— Mas é que só sou um homem, disse Hugh. Pinçou na bolsa que penduravade seu cinturão, tirou um ou dois figos, os jogou à boca e procedeu a mastigá-los
diligentemente. Não estou acostumado a essa desobediência. Acaso não a ameacei
bem?
— Como? — burlou-se Alain. Prometendo que lhe tiraria sua agulha de
costurar?
— Isso dava resultado com minhas filhas, disse seu tutor encolhendo os
ombros.
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Gwen pensou se Hugh também ameaçaria a suas filhas perdendo seu posto
na mesa para o jantar. Hugh não era um homem magro, nem tampouco o eram suas
filhas, se eram certos os rumores. O único motivo que podia imaginar para que seu pai
o escolhesse para cuidar dela e de seu dote era que o homem estava mais interessado
na dispensa de Segrave que nela ou em sua mãe. Levar as contas das rendas com uma
mão e encher o focinho com a outra não lhe deixava nenhuma mão livre para explorar
as senhoras do Segrave. Isso ela o agradecia muitíssimo, e suspeitava que sua mãe
agradecesse ainda mais.
— Posso ir agora? — perguntou, passando junto ao Alain antes que este
pudesse dizer sim ou não.— Ao quarto de minha mãe, ordenou Alain. Irmãos Fitzgerald! Acabem seus
deveres e depois se postem na porta desta empregada e vigiem que não vá a nenhuma
outra parte.
Gwen olhou pasma aos dois gigantes que saíram da sala grande e baixaram
os degraus em uníssono. De acordo, só tinha estado no Ayre um par de dias e em toda
ocasião tinha pretextado dor de cabeça para não baixar à asquerosa sala grande, masteria que ter visto esses dois que tinha diante.
Gêmeos, isso eram; pilares idênticos de crueldade, e seguro que estavam
possuídos pelo demônio também. Quem podia saber o que ficava da alma pervertida
que se dividia para habitar em dois corpos?
Passou como um raio junto a eles soltando um chiado. Tropeçou e
escorregou nas esteiras da sala grande, mas não diminuiu o passo. Quando chegou àescada, limpou a sola das botas roubadas no primeiro degrau e depois subiu com a
maior rapidez que lhe permitiu sua ousadia nesse momento. Chegou ao quarto, deteve-
se na porta para olhar o corredor e assegurar-se de que os dois demônios não a
seguiam.
O corredor estava deserto, mas não sabia quanto duraria isso. Quantos
deveres teriam? Entrou no quarto e fechou a porta.
Não invejava ao Rhys a tarefa de derrotar a esses dois, porque deveria
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derrotá-los se queriam partir de Ayre. Possivelmente devia fazer provisão de seu valor
para ir lhe ver antes que os demônios enviados a vigiá-la ocupassem seus postos fora
de sua porta. Certamente isso lhe evitaria gastar suas forças; suspeitava que nesses
momentos ele tivesse muito poucas para esbanjar.
Esteve um bom momento pensando nas possibilidades. Acabava de chegar à
conclusão de que seria muito conveniente fazer uma breve viagem para falar com o
Rhys quando a porta se abriu. Muito tarde, voltou-se a olhar, preparada para o pior.
— Ah, é você — saudou o recém-chegado com certo mau aspecto.
Um moço de não mais de quatorze verões lhe fez uma profunda inclinação e
depois se endireitou sorrindo:— Comove-me sobremaneira seu prazer ante minha chegada.
— Estava esperando a outra pessoa, grunhiu ela. Como conseguiu entrar sem
que lhe vissem meus guardas?
— Não havia nenhum, embora não teria importado que estivessem. Haveria-
lhes dito que me enviava Alain.
Sim, isso teria dado resultado, supôs ela. John era o irmão menor do Alain, ese parecia tão pouco a ele como ela. Ao menos parecia que os acontecimentos dessa
manhã não tinham tido conseqüências funestas para ele. Foi ele quem lhe conseguiu as
roupas de menino; e também lhe deu conselhos sobre como caminhar como moço.
Talvez ela tivesse sido uma aluna muito avantajada; se tivesse tido mais aspecto de
garota, talvez Rhys a teria reconhecido antes, e poderiam ter evitado a topada com a
fúria do Alain.— Chegou sir Rhys, lhe anunciou ele-. Eu o vi na sala grande.
John estava tão apaixonado por Rhys como ela, observou Gwen, com outro
mau gesto. O menino se criou em Segrave, com seu pai, e tinha continuado ali a
pedido de sua mãe, pelo qual ela teve amplas oportunidades de conhecer sua adoração
pelo valente sir Rhys; além disso, tinha o mais incrível talento para averiguar os
detalhes mais insignificantes de sua vida. Onde conseguia toda sua informação seguia
sendo um mistério, mas suspeitava que grande parte dela a adquiria ouvindo
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furtivamente as conversações no estábulo e na sala dos homens. Não se permitia
acreditar que John tivesse exagerado nem respeito ao valor nem à destreza do Rhys.
Estava tão disposta a acreditar em todas as histórias sobre ele como disposto estava o
irmão do Alain.
À exceção, claro estava, dos rumores de que não desejava esposa.
— Não vais acreditar o que me ocorreu, lhe disse John tão entusiasmado que
lhe saía espuma pela boca. Pergunte o que ocorreu faz só uns momentos. Depressa, me
pergunte.
— Viu sir Rhys?
John emitiu uma exclamação de impaciência.— Isso já lhe disse. Isto é ainda mais glorioso. Pergunte o que poderia ser
mais glorioso que isso.
Gwen suspirou resignada.
— O que poderia ser mais...?
— Bom, como sabe — a interrompeu John-, sua mãe me pediu que
permanecesse ao seu lado para que a tivesse informada de suas travessuras...— John!
Falta que o fazia que lhe recordassem que sua mãe a tinha encarregado com
um vigilante.
— E quando me inteirei de que muito em breve iria se casar com o Alain —
continuou ele animadamente, e que, portanto eu viveria no Ayre, vi com que não sabia
o que podia fazer aqui. Claro que imediatamente pensei em ganhar minhas esporas;isso não é algo tão inaudito a uma tenra idade. Sir Rhys ganhou as seus aos seus
quatorze anos, e pela mão do próprio rei Felipe, como recordará, embora isso fosse
contra os desejos de meu pai, que era seu senhor nesse tempo, mas quem ia se opor
aos desejos do rei da França...?
— Quem, com efeito? — murmurou ela aproveitando que John fez uma
funda inspiração para seguir falando.
Todo isso ela já sabia, é obvio, mas não o fazia nenhum dano voltar a ouvir;
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Ela conhecia muito bem a resposta, e por própria boca do Rhys, mas não lhe
faria nenhum dano ouvir as histórias que tinha ouvido John.
— Sir Rhys? Bom, meu pai o mandou chamar; seguro que para despedir-se
dele antes de morrer.
— Talvez seu pai acreditasse que Rhys tinha acabado seus assuntos na
França.
— OH, não — respondeu John. Sem dúvida o plano de sir Rhys era
continuar pelo menos outro ano mais à frente lutando em torneios. Necessita de ouro,sabe para comprar sua terra.
«Sua esposa» corrigiu Gwen para seus botões. Esclareceu-se garganta.
— Faz uns meses me disse que tinha ido à França para fazer um nome.
— Sim, e para ganhar ouro para comprar a terra que deseja. Não tem nenhum
título e seguro que as travessuras de seu pai não lhe ajudaram nada para adquirir uma
com apenas seu sobrenome.— Mmm — assentiu ela como se entendesse a que se referia o moço.
Essa era uma história da qual não sabia nada. Segundo os rumores ouvidos, o
pai de Gwen tinha chegado a um mau fim, mas não tinha idéia o que tinha feito para
chegar a ele.
Com certo sobressalto compreendeu que embora estivesse segura de que
Rhys a conseguiria ou morreria tentando, não tinha idéia dos meios que planejava usar para realizar a façanha. «Tudo está nos detalhes, querida», dizia-lhe sempre sua mãe;
estava começando a compreender o que queria dizer com isso. Escolheu
esmeradamente as palavras para a seguinte pergunta:
— Porque então não gasta seu ouro em comprar um título e depois busca
uma rica herdeira para casar-se?
— Considerou essa possibilidade — a informou John, como se tivesse estado
presente nas deliberações mais íntimas de Rhys consigo mesmo. Claro que ao seu
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devido tempo terá uma esposa, mas não é isso o que mais o preocupa, e certamente
não é o que lhe preocupa agora. Necessita de terra. A não ser — franziu o cenho, a não
ser que encontre ante um substancioso dote. Isso talvez pudesse persuadi-lo de ter uma
esposa. E suponho que nesse caso teria que ser a mais rica.
Gwen pensou em seu dote e nas enormes propriedades que o constituíam.
Sim, seguro que Rhys não sofreria conseguindo-a; mas a conseguiria?
De repente lhe ocorreu pensar quanto valeria ela para ele se não tivesse dote.
Nada?
Não. Moveu energicamente a cabeça. Acabava de deixar-se dobrar sobre um
toco por ela. Fazia anos que ele lhe prometeu que encontraria a maneira de consegui-la. Não podia ter mentido em um assunto tão sério. Decidiu explorar um pouco mais.
— Estou segura de que se conhecesse a mulher de seus sonhos se casaria
com ela embora fosse pobre.
John a olhou como se acabassem de lhe brotar chifres, e se apressou a
responder:
— É obvio que não. Do que lhe serviria então?Não tinha sentido explicar ao John os pontos mais refinados do
cavalheirismo; o moço teria feito bem em dedicar mais tempo a pregar a orelha à porta
do quarto de sua mãe. Agarrou-o pelos ombros, o fez girar e lhe indicou a porta.
— Adeus, mocinho. Vá mordiscar lhe os pés de seu novo senhor.
— Não se casaria com uma mulher que não tivesse nada, Gwen. Precisa ter
terras. Não fala de outra coisa...Gwen abriu a porta, o fez sair e voltou a fechá-la. Não podia ter razão o
moço. Ao fim e ao cabo, o que outra coisa podia dizer Rhys? Que só queria casar-se
por amor?
Havia-lhe dito algo semelhante. A magnitude de seu dote era algo sobre o
que ela não tinha nenhum controle. Não ia incomodar se ele a desejava; não tinha
terras próprias, por que não ter as dela?
Teriam que falar e quanto antes melhor. Não iria mal assear-se um pouco e
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mensageiro o encontrou no torneio, ele cobrou o preço da redenção dos vencidos,
reuniu o resto do ouro e o depositou tudo na casa de sua mãe, para tê-lo ali seguro.
Isso lhe levou uma semana; demorou outra semana em chegar à costa. Depois teve que
sacrificar outras duas semanas para passar por Londres e deixar uma garrafa de caro
clarete ao mordomo do rei. Nem sequer se tinha detido para tomar um banho em toda
a viagem, embora, na verdade, banhar-se não era algo que estivesse de moda na
Inglaterra. Arranhou a bochecha, molesto; barbear-se seria o primeiro que faria depois
que lhe tratassem as costas.
Suspirou. Que lástima não ter sabido o verdadeiro estado em que se
encontrava Bertram, porque então teria se dado mais pressa; jurou descobrir osverdadeiros motivos de sua morte. No momento só podia supor que Bertram se
inteirou de que morreria logo e o chamou ao seu lado para informá-lo de como queria
que cumprisse seu último ano de serviço.
Com gesto preocupado bebeu outro comprido gole da jarra. Por todos os
Santos, a última coisa que desejava fazer era estar constantemente junto ao cotovelo
do Alain para endireitá-lo antes que fizesse o ridículo. E isso era algo que não faria seobtinha o que queria. Bertram poderia olhá-lo do céu e lhe perdoar o deslize. Preferia
que Gwen estivesse fora da vista do Alain antes de cumprir um juramento de serviço a
um homem que estava morto e que talvez nem se inteirasse. Nesse caso, sua honra
podia ir-se ao inferno, pelo que lhe importava.
Jogou para trás os ombros e o movimento lhe produziu uma contração da
cara. Tinha chegado o momento de ir ao curandeiro do Ayre. Levantou-se com tato;quando se voltou encontrou bloqueado seu caminho por dois largos peitos sobre os
quais se cruzavam enormes braços. Rhys levantou a vista, proeza nada pequena dada à
altura dos dois homens, e os olhou.
Face à avançada idade de pelo menos trinta e cinco anos, os semblantes
idênticos eram lisos como mármore, e igualmente duros. Sobre seus muito largos
ombros flutuavam largos cabelos loiros, e tinham as mãos metidas nas axilas, umas
mãos capazes de partir umas costas em dois pedaços sem nenhum esforço.
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tivesse reconhecido o dia poderia ter terminado melhor.
Jared também suspirou.
— Pobre menina. Tamanho susto lhe demos quando nos viu pela primeira
vez.
— E de que forma podíamos evitá-lo? — perguntou Connor. Você me
assusta, e isso eu que te vi toda minha vida.
Rhys moveu a cabeça, desejando poder evitar a inevitável discussão sobre a
quem se pareciam mais: se a sua mãe que brandia a tocha ou ao seu pai que brandia
dois sabres ao mesmo tempo. Isso era impossível, e sabia que não lhe fariam o menor
caso se tentava interromper a discussão, de modo que se fez a um lado e se dirigiucoxeando para a cozinha. Gwen estava em boas mãos. Se Alain tinha ordenado aos
Fitzgerald que a vigiassem, não tinha nenhuma intenção de incomodá-la outra vez essa
tarde. Se havia homens que sabiam pôr nervoso ao novo senhor do Ayre eram os
gêmeos. Tinham sido os guardas prediletos de Bertram justamente pelo efeito que
causavam nos outros.
Com cuidado baixou a escada para o porão, detendo-se freqüentemente paraganhar fôlego. O chicote do Alain lhe tinha causado mais dano que o que queria
reconhecer. Talvez tivesse se apressado muito em submeter-se ao desdobramento de
sua ira.
Deteve-se sob uma tocha e apoiou a cabeça na pedra. Jamais lhe tinha
cruzado pela mente a idéia de que Alain fosse desobedecer aos desejos de seu pai, e se
perguntou por que tinha sido tão estúpido. Claro que Alain se casaria com o Gwen omais breve possível. Seu dote era fabuloso.
— Com quem está sonhando? Ou devo supor?
Rhys olhou para cima, esquadrinhando a penumbra. Montgomery do Wyeth
baixava a escada com uma taça na mão, que Rhys supôs era de cerveja.
— Ainda está aqui? — perguntou-lhe surpreso.
— Parece que sim.
— Eu tinha pensado que Alain te enterraria com seu pai.
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A menina estava sentada em um tamborete junto ao fogo olhando como
fervia o conteúdo de uma panela.
Perto dela havia um ancião de rosto enrugado agachado sobre sua coleção de
potes em busca de um ingrediente especial.
— Não, este não.
Pos a um lado o que não queria e estirou seus dedos ossudos para agarrar
uma pequena bolsa de couro que continha uns pós rançosos. Abriu-a, cheirou
atentamente o conteúdo e esboçou um sorriso triunfal.
— Sabia que ainda restava um pouco. Voltou-se para a panela fervendo.
Segue mexendo, filha.— Sim, avô.
Enquanto a menina mexia com força, o ancião acrescentou um pingo do pó,
que desapareceu na espessa e borbulhante beberagem de cor esverdeada e aspecto
nada apetecível.
— Mmm, algo cheira maravilhosamente, disse uma voz da porta.
A menina levantou a vista sem surpreender-se. Já sabia que o cavalheiro iachegar ao castelo esse dia. Tinha visto sua chegada, embora não tinha contado a
ninguém. Seu avô teria pensado que era fantasiosa, mas ela sabia que não eram
fantasias; isso de ver era um dom que tinha.
— Ah, sir Rhys — disse seu avô, convidando com um gesto a entrar o jovem
no pequeno quarto, retornaste são e salvo. E muito a tempo, diria eu. Estão se
tramando coisas terríveis no castelo, terríveis! Eu sabia que viria a lhes pôr fim o maisrápido possível.
— Senhor Sócrates, como sempre, sua fé em mim é mais do que eu mereço.
— Nada disso, moço. Vêem te sentar, tenho algo especialmente saboroso no
fogo.
— Já o cheirava a cinqüenta passos, apesar dos maus aromas da cozinha.
Como é que se encontram neste inferno e não perto da cabana do tecedor onde lhes
deixei? Voltou-se a sorrir a ela. Alegra ver-te, minha pequena.
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Ao passar junto a ela o gigantesco cavalheiro lhe passou brandamente os
dedos pela cabeça, lhe revolvendo o cabelo, e se sentou em um tamborete perto do
fogo, fazendo uma careta de dor. Ela não entendia as palavras com que a chamava
sempre, mas gostava de seu som; pelo tom em que ele as dizia, sabia que eram
amáveis. Com um agradável calorzinho no coração continuou mexendo, detendo-se só
o tempo suficiente para que seu avô enchesse uma tigela com sua mistura. Não tinha
um aroma apetecível, mas o cavalheiro a tomou toda e depois felicitou o seu avô, não
só pela força e textura da poção, mas também por seus sabores únicos. Quando seu
avô lhes deu as costas para continuar com suas coisas, com a cara acesa de felicidade
pelo elogio, o cavalheiro lhe deu uma piscada e pos um dedo sobre os lábios. Elaassentiu, com o coração cheio de carinho e gratidão. Não havia nenhuma outra alma
que fizesse isso para proteger o amor próprio de seu avô.
— Queria saber, senhor Sócrates — disse o cavalheiro cortesmente, se tem
algo para aliviar feridas e machucados. Esta manhã me topei com umas quantas
chicotadas.
Muito em breve o cavalheiro deixou as costas ao descoberto, e a meninaobservou como seu avô deslizava seus nodosos dedos pelos vergões. O ancião fez
estalar a língua com grave expressão de desaprovação; depois começou a preparar seu
ungüento.
A menina se levantou e foi se apoiar na parede a observar ao cavalheiro. Este
estava pinçando sua bolsa atada ao cinturão, em busca de algo. Ela pensou que talvez
procurasse algo para mastigar e tirar o mau sabor que sem dúvida lhe tinha ficado na boca. Ela amava muito ao seu avô, mas era primeira em reconhecer que este não era
muito bom cozinheiro.
— Tenho algo para ti querida, disse o cavalheiro lhe fazendo um gesto para
que se aproximasse. Quando as vi me disseram seu nome.
A menina se aproximou, surpreendida de que ele se lembrasse de uma
pessoinha tão pequena e insignificante quando andava em suas viagens. Estirou a mão
e piscou ao ver os trocinhos da cor do mar e do céu que lhe pôs ali.
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— Conheci um vidreiro que estava trabalhando em uma janela para uma
capela, lhe explicou ele. Assegurou-me que estas cores eram agradáveis juntas, mas eu
não tenho olho para estas coisas. Pensei que você poderia lhe encontrar alguma
utilidade.
A menina só se atreveu a lhe jogar um olhar aos três pedacinhos de vidro
lisos, verde, azul e amarelo, mas comprovou que já via mais neles que na água quieta
da tigela de madeira de seu avô. Fechou os dedos sobre eles e olhou ao cavalheiro;
quase não o viu porque as lágrimas a cegavam e não conseguiu encontrar palavras
para expressar sua gratidão.
— Ah, se outros se sentissem tão felizes com tão pouco, disse ele rindo brandamente. Depois olhou para outro lado e suspirou: Se eu me sentisse tão satisfeito
com tão pouco.
A menina o viu agachar à cabeça e pensou que possivelmente eram as feridas
as que o afligiam por essa maneira, mas logo pensou melhor. Embora soubesse muito
pouco dos homens e suas penas, suspeitava que essa valente alma levava sobre seus
ombros uma carga pesadíssima.Sua mãe lhe tinha aconselhado que usasse seus dons com moderação, porque
os homens não os entendiam, mas também lhe disse que os usasse com generosidade
quando fosse necessário. Se havia uma ocasião para ser generosa com o pouco que
sabia fazer, certamente era essa.
Esperou que seu avô lhe aplicasse seu ungüento no cavalheiro e depois lhes
voltasse as costas para continuar com sua beberagem. Então lhe aproximou e com todocuidado lhe tocou as costas com sua pequena mão. Embora não poderia lhe aliviar o
coração, mas talvez sim lhe aliviasse o corpo.
O cavalheiro se endireitou, surpreso, e a olhou por cima do ombro com os
olhos aumentados.
— Em agradecimento por seu presente, disse ela, baixando os olhos e
retrocedendo um passo.
O cavalheiro se estirou. Ocorreu que ela o olhou justo no momento em que
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Tinha sido um dia particularmente interessante, com todo o alvoroço
provocado pela fuga de Gwen, depois sua captura, e os saborosos açoites aplicados a
Rhys de Piaget. Essa tarde, enquanto vagava pelos arredores do castelo, tinha estado
pensando o que poderia ocorrer para melhorar ainda mais esse dia memorável.
E sim, ante sua surpresa e prazer, o dia certamente melhorou. Já de volta no
castelo, decidiu baixar ao porão e fazer uma visita ao barril de sua cerveja favorita.
Acabava de sentar-se a desfrutar de uma agradável tarde bebendo quando ouviu as
vozes do Rhys e Montgomery que iniciavam uma conversa. Imediatamente se
aproximou sigilosamente e se ocultou nas sombras. A posição era incômoda, sim, mas
a recompensa bem valeu à pena. Fez caso omisso dos ratos e aranhas que passavam aoseu redor e escutou encantado o que diziam.
Escutou e escutou, até quando já acreditava que não poderia suportar um
momento mais o desconforto. Finalmente se separaram; Montgomery subiu a escada e
Rhys continuou seu caminho para a pocilga do lastimoso velho a quem chamavam
curandeiro de Ayre. Então, tão satisfeito como se tivesse passado horas comendo à
mesa do Rei, voltou para a sala grande a observar as atividades e refletir no queacabava de inteirar-se. Agradava-lhe sobremaneira a idéia de passar toda essa noite
calculando o que pretenderia fazer o sempre reto sir Rhys. Alain seguia encerrado em
seu quarto, rabiando como um javali aguilhoado por causa da curta escapada de Gwen,
portanto tinha tempo de sobra para dar voltas em sua cabeça às possibilidades. Jamais,
nem em suas mais loucas fantasias, teria suspeitado algo tão retorcido como o suborno
no bem amado filho adotivo de seu pai.Por um momento teve a tentação de fazer um pouco mais de espionagem
para ver aonde ia e com quem falava Rhys, mas se conteve. Não, dedicaria outras
poucas horas a especular, para descobrir ele sozinho que tipo de ardis projetava fazer
Piaget. Inteirar-se dos detalhes um minuto antes seria um insulto a sua imaginação e
capacidade de urdir intrigas.
Não, daria ao Piaget tempo de sobra para arruinar-se, e depois faria o papel
honroso e subiria a revelar o subterfúgio antes que acontecessem maiores.
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Ao fim e ao cabo, um cavalheiro tinha o dever de dizer a verdade, não?
Rollan assentiu para seus botões pensativo. Isso era o menos que podia fazer
pela causa do cavalheirismo.
Capítulo 11
Gwen olhou pela modesta janela que conferia a esse quarto o elevado título
de solar. Não era muito agradável a vista que oferecia, com o pátio de armas de Ayre
justo debaixo dele. Levava uma hora, da saída do sol, contemplando os montões delixo acumulados aqui e lá, e pensando atentamente nos méritos de uma agulha de
costurar como arma. Sabia que as agulhas eram bem porque já as tinha usado com
bastante êxito, e no momento era a única coisa que tinha ao seu dispor, posto que Rhys
ficasse com sua espada roubada.
Mas suspeitava que, por desgraça, uma agulha pequena, embora tivesse a
ponta bem afiada, não serviria de muito contra os demônios vikings que a vigiavam.Desde que estava prisioneira ali, tinham-lhe levado duas comidas, e as duas vezes
tinha visto seu dois guardiães imóveis como árvores apostadas em sua porta. Eram
muito grandes para que uma boa espetada lhes fizesse algum dano.
Isso não era um sinal alentador.
Um forte golpe na porta quase a fez saltar pelo oco da janela. Foi depressa
até a porta e a abriu.
— Alain quer te ver, resfolegou John. Imediatamente.
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Esteve a ponto de lhe encher os ouvidos com o desagrado que lhe produzia
receber ordens, mas ao lhe ver a cara, refreou-se. John a olhava com os olhos
exagerados.
— Está furioso, claro. Por quê?
— Não tenho idéia, mas tem algo que ver com sir Rhys. Também lhe
ordenou ir lá.
Os irmãos Fitzgerald se afastaram ao estilo água do mar Vermelho, e Gwen
se apressou a sair detrás do John antes que suas sombras tivessem tempo para decidir
se deviam lhe permitir um pouco de liberdade. Ouviu seus passos atrás dela. Reprimiu
um estremecimento.O trajeto para o solar particular de Alain foi muito curto. Gwen entrou e
passeou sua vista pela sala. Alain, Rollan e seu tutor estavam sentados como se fossem
a realeza e ela fosse à serva chamada para receber ordens. Sentiu uma forte tentação
de fazer um comentário sobre o ridículo da situação, porque estava segura de que se
fosse um homem e possuísse suas propriedades ela sozinha poderia ter comprado e
vendido várias vezes os três, mas sabia que não lhe faria nenhum bem falar. Quantamenos atenção atraísse sobre si, melhor estaria. Era possível que se Alain a acreditasse
dócil afrouxasse a vigilância e ela teria mais possibilidades de escapar de suas garras.
E Rhys também estava ali. Era evidente que se banhou; atividade perigosa
essa, mas, claro, era um homem acostumado a arriscar sua vida com sua espada.
Olhou-lhe a cara e repentinamente desejou que alguém oferecesse uma cadeira
também a ela; inclusive um tamborete pequeno lhe teria servido. Essa cara era umavisão que fazia necessário ter algo resistente sob o traseiro.
Certamente não sabia como quatro anos podiam tê-lo feito mais atraente,
mas era assim. Era formoso, imponente, tão atraente que quase não se atrevia a olhá-
lo. Talvez os homens contra os que combatiam se sentissem tão rendidos como ela
pela inflexível força de seus traços. Ou simplesmente se sentiriam aterrados pela frieza
de seus olhos claros? Estava quase segura de que as mulheres que o olhavam perdiam
a noção de onde tinham a mente. Compreendia-o absolutamente bem.
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Olhou de esguelha ao Rhys só para recordar o que podia ser um homem.
Talvez fosse o contraste entre ele e os outros o que a fazia compreender o quão
magnífico era. Talvez fosse seu porte, sua sabedoria, como se tivesse hectares de chão
sob seus pés e um poderoso título atrás do qual amparar-se ele e amparar a seus seres
queridos. Talvez fosse a simplicidade de sua vestimenta, tão agradavelmente diferente
às roupas cheias de quinquilharias e plumas com que se engalanavam esses três
bufões.
Ou talvez fosse esse enorme rubi encravado no punho de sua espada, que
proclamava ao mundo que ele não era um homem com o qual se podia brincar, porquesuas vítimas poderiam ver-se cobertas por uma cor parecida.
Suspirou. Era uma lástima que Rhys não pudesse encarregar-se de Alain e
dos outros dois. Isso lhe economizaria a moléstia dessa estupidez, em que esses três
estavam empenhados em alongar o mais possível. Alain estava manuseando seu
onipresente chicote de montaria. Hugh, logicamente, estava metendo-se figos na boca
e mastigando-os com a maior rapidez de que era capaz. Ao Rollan estava muito pensativo, e isso a inquietou, porque só podia significar problemas para ela; bom, ao
menos não lhe caía à baba por estar olhando-a.
Disso o tinha curado ela na última visita que fez a Segrave acompanhando ao
seu pai. Encontrando-a só em um corredor, tinha procedido a lhe dar a conhecer seus
beijos; uma joelhada nas virilhas não o alterou, uns quantos beliscões tampouco; então
lhe pareceu que seu ventre era um bom lugar para lhe enterrar uma ou duas vezes suaagulha mais fina, e isso sim lhe deu resultados. Deixou-o uivando de dor e se retirou
ao solar de sua mãe, onde passou todo o tempo que durou a visita de Lorde Ayre com
seu filho.
Olhou-o e se esfregou o ventre com toda intenção. Ao que parecia ele captou
a mensagem porque transladou sua atenção a outra parte.
— Hugh — disse Alain-, me conte de novo o que ocorreu esta manhã para
que este par ouça claramente.
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com mais ingenuidade que a que sem dúvida havia possuído toda sua vida. Para ser o
destro guerreiro que era, tinha atuado com incrível estupidez.
Sabia muito pouco do Hugh, mas seu comportamento no jantar a noite
anterior lhe tinha revelado a um homem cujo interesse estava centrado principalmente
em seu gogó. Como ia imaginar que detrás de todos esses arrotos se escondia um
homem tão ladino, capaz de embolsar uma substanciosa quantidade de ouro com uma
mão, continuar metendo comida na boca com a outra e ao mesmo tempo ter a
agilidade mental para tramar a ruína de outro homem? Se tivesse considerado possível
lhe abranger todo o pescoço com seus dedos, o teria estrangulado nesse mesmo
instante, mas por desgraça o tutor do Gwen era tão gordo como indigno de confiança.Por todos os Santos, que estúpido tinha sido.
Todo o ouro que trouxe da França estava perdido; também estava perdida sua
oportunidade de conseguir Segrave. Quase não suportava pensar no que mais tinha
perdido na transação, embora não podia evitá-lo posto que ela estivesse a menos de
três passos dele, com as costas tão retas como uma espada. Tinha-a ferido, sabia, mas
não havia nada que pudesse fazer a respeito. Já era uma desgraça que Alainsuspeitasse que desejasse Segrave; mas se chegasse a suspeitar que na realidade
desejasse a Gwen, com toda segurança se veria encerrado na masmorra. E então toda
esperança estaria perdida.
— Só a terra? — disse Rollan pensativo, tirando-o de seus pensamentos.
Surpreende-me, Rhys. A gente diria que seu elevado cavalheirismo te teria ditado
desejar à mulher também.Santos do céu pensou Rhys, mas é que o maldito ia continuar com o tema?
Estrangular a Rollan de Ayre seria uma morte muito rápida e fácil. Desejou ter o
tempo para pensar com tranqüilidade em uma forma mais dolorosa de acabar com sua
vida, mas não o tinha. Alain estava pensando novamente e isso nunca pressagiava
nada bom; em geral era Rollan quem se encarregava de pensar pelos dois, mas isso
tampouco melhorava as coisas. Não lhe cabia a menor duvida de que no fundo da
catástrofe estava Rollan, mas não podia dedicar tempo a pensar de que modo o tinha
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— Porque ia ter mais que o que já recebeu? — disse Alain. Meu pai lhe deu
suficiente. Além disso, agora essa terra é minha.
Rollan negou com a cabeça e dirigiu ao seu irmão um paciente sorriso.
— Como pode ser tua, Alain, quando nosso bom pai tinha outros planos para
ela?
— Não era dele para dá-la tampouco!
— Ah, mas o será quando te tiver casado com a senhora de Segrave. Pô-lhe
uma mão no ombro. Deve fazer o correto nisto, milorde. É justo que sir Rhys tenha
tudo o que deve ser dele. À margem do custo para ti.
Rhys desejou urgentemente ter uma cadeira debaixo, porque estavacomeçando a duvidar de sua capacidade de agüentar de pé a loucura que esses irmãos
pretendiam lhe comunicar.
— Muito bem então — disse Alain em um tom muito, muito relutante.
Olhou ao Rhys. Vais ter Wyckham.
Rhys fechou os olhos e os abriu; voltou a fechá-los e voltou a abri-los. Mas
mesmo assim, Alain seguia sentado no mesmo lugar e Rollan continuava atrás de suacadeira com a mão sobre seu ombro. Hugh seguia metendo figos na boca com
alarmante rapidez.
— Wyckham?
— Meu pai queria que essa terra fosse tua, explicou Alain. E será. Quando eu
achar conveniente.
— Alain, disse Rollan em tom consolador, não torture assim ao pobre sir Rhys. Fazê-lo esperar ainda mais tempo para ter o que deseja tanto... Vamos, é nada
menos que crueldade.
Rhys não teria se surpreendido mais se Alain lhe tivesse dado Gwen.
— Wyckham? — repetiu, pasmado-. Mas como...?
— É meu por meu matrimônio com ela, disse Alain fazendo um gesto
negligente para o Gwen. Meu pai me ordenou que lhe desse isso a ti depois.
— Quando Rhys tivesse completos seus vinte e seis anos, corrigiu Rollan,
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porque pensava que então o moço estaria preparado para esse desafio.
Moço? Rhys não fez caso do desejo de olhar furioso ao Rollan. Havia coisas
mais importantes às quais devia evitar reagir, por exemplo, ao fato de que
possivelmente tinha uma parte de terra ao seu alcance e só o que devia fazer para
ganhá-la era continuar ali e calar a boca.
— Portanto me servirá até então, continuou Alain.
— Isso são dois anos, não um — respondeu Rhys, um tanto assombrado por
ter encontrado a sagacidade para dizer isso. Só devia um ano a seu pai.
— E eu digo que me servirá dois, disse Alain furioso, em qualquer trabalho
que eu escolha.Limpar as latrinas sem dúvida pensou Rhys.
— Se quiser minha opinião, disse Alain ao Rollan em tom queixoso, isto foi
uma estupidez de meu pai. Não tenho nenhuma vontade de fazê-lo.
— Mas é o honroso, respondeu Rollan docemente. E ninguém pode alegar
que não te esforça sempre por ser honrado. Além disso, só é uma pequena amostra da
estima de nosso pai por seu bem amado filho adotivo.Não era uma amostra pequena. Não era Segrave, mas sim uma terra bastante
grande. Mas em troca de dois anos de serviço ao Alain? Rhys descobriu que não era
capaz de expressar com palavras nenhum sentimento, nem de surpresa nem de
incredulidade. Nem sequer a idéia de ter que servir ao Alain um ano mais conseguia
lhe limpar a névoa produzida pela impressão.
Mas sim via com bastante claridade que respeitar os desejos de seu paichateava ao Alain até o fundo de seu ser. Em troca, Rollan era um mistério. Jamais em
sua vida tinha recebido outra coisa que ódio do segundo filho de Ayre. Tinha que ter
algo que ele não percebia. Olhou ao Rollan e viu um ligeiro sorriso; então
compreendeu que na proposta havia muitíssimo mais do que saltava à vista.
— Onde está a escritura? — perguntou.
Alain o olhou furioso.
— Já te disse que será tua. Isso deveria te bastar.
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Rhys ouviu as palavras saídas de sua boca e ficou atônito ante sua audácia. O
que importava estar preso ao Alain do Ayre outro par de anos; isso significava que a
terra seria dele, e deveria estar disposto a fazer tudo para tê-la.
Mas, claro, era Alain do Ayre com quem estava tratando.
Alain se levantou da cadeira com a cara feita uma máscara de fúria. Ao Rhys
não coube dúvida de que se Rollan não o tivesse pegado pelos ombros e voltado a
sentar, Alain teria tentado matá-lo ali mesmo.
— É uma petição perfeitamente aceitável — disse Rollan tranqüilamente,
sem tirar a mão do ombro de seu irmão. Nosso galhardo sir Rhys não a expressou quemodo muito educado, mas é bastante lógica. A escritura se fará depois das bodas.
— Duas cópias, disse. Uma para guardar aqui e outra para guardar em
Londres.
Rollan soltou uma risada.
— Pelos Santos benditos, a gente acreditaria que sir Rhys passou toda sua
vida adquirindo terras. Suponho que quando a gente não tem a carga da nobreza emcima tem tempo de sobra para pensar nessas coisas.
— Bastardo ambicioso, resmungou Alain. Olhou ao Rhys com os olhos
entrecerrados. Servirá-me bem; senão, romperei a escritura.
«Razão a mais para ter uma cópia em mãos do Rei», disse-se Rhys para seus
botões. De todo modo, embora se sentisse alagado de dúvidas respeito de Alain,
também estava alagado de assombro pelo que acabava de inteirar-se.Bertram lhe tinha deixado terra. Quase não podia assimilá-lo.
— Acabou comigo?
Ao ouvir essa voz Rhys piscou, e percebeu do que se esqueceu. De Gwen.
— Vamos, Rhys — disse Rollan como se não a tivesse ouvido, não pode
assegurar ao meu irmão que o vai servir bem? Juro-te que se eu estivesse em seu lugar,
correria a me jogar em seus pés e a lhe beijar as botas.
«E isso é justamente o que vou fazer durante o próximo par de anos», pensou
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— Servirei-te bem — se ouviu dizer, e se perguntou de onde tinham saído
essas palavras.
— Ah, suspirou Rollan satisfeito, o cavalheirismo em pessoa. O possui em
abundância, não te parece, Gwen?
— Ah, sim — respondeu ela serenamente. Hoje há uma verdadeira
inundação dele nesta sala.
Rhys limpou a garganta.
— Não há nada mais, milorde? Suponho que há deveres dos quais terei que
me ocupar o mais breve possível.— Deveres, repetiu Alain. Terei que refletir sobre quais poderiam ser.
— Talvez algo distinto, em recompensa pelo trabalho desta manhã, sugeriu
Rollan. Eu diria que deveria ser algo que só possa realizar o honroso sir Rhys.
Alain arranhou a cabeça e olhou ao seu irmão.
— Sim, talvez deva pensar nisso mais tarde.
— Sábia decisão, milorde, disse Rollan inclinando submissamente à cabeçaE eu estarei a sua disposição para ouvir algo que sugira, é obvio.
«Os Santos me protejam», pensou Rhys. Depois moveu a cabeça. Alain
poderia decidir os deveres que quisesse; o que importava? Ele não estaria ali para
cumpri-los.
Ou sim?
Se conseguisse sair da sala, seguro que poderia pensar com mais clareza. Aterra estava ao seu alcance e Gwen estava ao alcance de Alain. E para que ele tivesse
sua terra teria que ver o Alain levar Gwen à cama. E se Gwen se casasse com o Alain,
sua vida não seria outra coisa além de desgraçada, se é que sobreviveria ao trato que ia
lhe dar esse homem. Estava seguro de que se o pai do Gwen tivesse conhecido o
verdadeiro caráter do Alain nunca teria permitido esse enlace.
E se Lorde Segrave não tivesse permitido esse enlace, ele nunca teria tido
Wyckham. A situação era mais diabólica do que o próprio diabo podia ter maquinado.
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— Agora passemos às bodas, sugeriu Rollan. Suponho que deveria celebrar-
se o antes possível. Que tal amanhã?
Alain fez uma careta de desagrado.
— Tinha planejado uma caçada para amanhã.
— Ah — disse Rollan, em tom de profundo pesar, e eu sei o quanto você
gosta de uma boa caçada.
— Será melhor que a amanse quanto antes, sugeriu Hugh entre bocado e
bocado. Nunca é muito cedo com uma empregada, é o que te digo sempre.
Essas palavras se cravaram em Rhys como espadas. «Amanhã. “As bodas
amanhã.» Isso era muito cedo; necessitava de mais tempo. Tinha que falar com o Rei,lhe prometer ouro, lealdade, seu pescoço se fosse necessário. Mas amanhã... muito
cedo.
— Amanhã, então — disse Alain. Agitou a mão para eles. Podem ir os dois.
Teremos a cerimônia ao meio-dia. Assim, antes, terei uma hora de falcoaria. E
recorde, Piaget, obediência em troca de sua terra.
— Certamente, milorde — respondeu Rhys, e disse isso mais que nada porque estava muito aturdido para dizer outra coisa. Aturdido e apavorado.
Estava ao bordo de perder as duas coisas pelas quais tinha pagado quatro
anos o preço de suor e lágrimas.
Gwen saiu do solar antes que ele, passando ao seu lado sem olhá-lo. Ele a
seguiu em silêncio até que saíram também os Fitzgerald e fecharam a porta.
— Gwen, chamou-a.Ela se voltou e o olhou muito triste.
— Parece que te entendi mal.
— Não entendeu mal nada. Sempre desejei terra, sim, P...
— E eu as possuía em abundância, lhe interrompeu ela. Obrigado, senhor
cavalheiro, mas isso eu entendi muito bem.
— Não é o que parece...
— E pensar que acreditei que era diferente dos outros, disse ela.
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— Bom — continuou Jared— , quando andávamos em nosso trabalho,
passamos perto do quarto onde Rhys estava preparando sua cama para a noite.
Gwen pensou se isso não seria algo que não lhe convinha escutar. Mas ao
que parecia Jared considerava necessário, porque continuo:
— Connor, sendo a alma inquisitiva que é, pegou o ouvido à madeira da
porta para ver como ia ao jovem Rhys em seus trabalhos.
Gwen afogou uma exclamação.
— Exatamente o que eu pensava, grunhiu Connor. Deve ouvir isto a menina?
— Sim, respondeu Jared, com outra cotovelada nas costelas de seu irmão.
Depois voltou a pousar sua atenção sobre Gwen: Como não gostou de nada dos protestos que fazia a empregada, Connor abriu a porta com o fim de observar ao Rhys
e averiguar o que estava fazendo tão mal para que sua acompanhante fizesse esses
sons tão estranhos.
— Bom, disse Gwen, quase sem poder dar crédito a seus ouvidos. Isto sim é
notícia.
Connor franziu os lábios e reatou sua contemplação do teto.— Sim, bom, o que Connor viu dentro foi uma notícia, sem dúvida.
Jared fez uma pausa em seu relato e esperou espectador, como se desejasse
algum tipo de reação dela. Gwen só foi capaz de olhá-lo também. Ele franziu um
pouquinho o cenho, como se assim fosse conseguir a reação que desejava. Finalmente
a olhou muito carrancudo, exasperado.
— Bom, não quer saber o que ocorria dentro?Gwen encolheu de ombros, totalmente confusa. Fazia falta a ela saber isso?
Mas claro, era impossível que essa história pudesse fazê-la mais desgraçada do que já
se sentia, verdade?
— Mmm..., bom, não sei se...
— Nada, interrompeu ele.
— Nada?
— Bom, disse Jared com expressão pensativa, não é que não estivesse
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— É óbvio que aceitou, resmungou Connor. Olhou-a carrancudo: teve tenros
sentimentos por ti desde que era um menino, uma pena. Isso o arruína para uma
esgrima mais séria, sempre lhe disse isso. Cada dia que passa sonhando contigo, e isso
ele tem feito durante anos. Esse tempo era melhor dedicado a aperfeiçoar esse golpe à
virilha, ou talvez o artístico floreio sobre a mandíbula...
Gwen não se sentiu capaz de suportar outra relação de golpes, de modo que
olhou ao Jared, que parecia menos inclinado que seu irmão a catalogar seus
movimentos guerreiros.
— Porque crê, então, que disse o que disse?
— O que outra coisa ia dizer? — respondeu Jared com um encolhimento deombros. Não podia revelar as intimidades de seu coração a Lorde Ayre. Não acredito
que pense muito nelas tampouco, e isso não se deve a falta de apoio de minha parte,
claro.
— Claro.
De repente Gwen sentiu que o mundo voltava a estar bem. Rhys a amava;
amava-a desde fazia tantos anos como ela o amava. Não podia dizer isso ao Alainnem ao Rollan, e certamente tampouco o haveria dito a seu tutor. Depois de tudo, não
tinha tentado subornar ao Hugh essa manhã? Subornar por terra era uma coisa, e
subornar por uma mulher era outra distinta, e algo que Hugh não teria entendido; Rhys
tinha que abordá-lo com algo que seu tutor fosse capaz de entender. Lástima que Rhys
não lhe tivesse oferecido carrinhos de mão de coisas para comer em lugar de ouro; isso
teria tido mais efeito.Mas o que podiam fazer agora? Ela ia se casar com o Alain à manhã
seguinte. Olhou aos gêmeos.
— Escapar, disse com voz clara. Essa é nossa única esperança.
Eles se limitaram a olhá-la e piscar.
— Mentiu para distrair ao Alain e Rollan, lhes explicou, para que
pudéssemos escapar. O coração se tinha aliviado tanto, e tão rápido, que pensou que
poderia sair voando do castelo. Irei vê-lo e então fugiremos, lhes anunciou. Sorriu-lhes
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e os afastou facilmente. Minha gratidão, gêmeos. Foste-me de grande ajuda.
Correu pelo corredor e baixou a escada circular até o bordo da sala grande.
Seguro que Alain estaria absorto em seus planos para a caçada. O paradeiro do Rollan
sempre era um mistério, mas com sorte também conseguiria evitar que ele a visse. Só
precisava encontrar ao Rhys, lhe dizer que compreendia seu plano e decidir como
levariam a cabo a fuga.
E então se deteve bruscamente.
Todas as saídas da sala grande estavam fortemente vigiadas. Olhou a mesa
superior e viu que Rollan estava ali sentado com uma taça perto do cotovelo. Sorriu-
lhe agradavelmente e levantou a taça a modo de saudação.E foi nesse momento preciso que compreendeu que não havia nenhuma
esperança de fuga.
Não podia fugir pela cozinha; certamente não poderia passar despercebida
pela porta da sala. Não havia nenhuma maneira de sair do castelo a não ser que fosse
saltando pelo parapeito para cair no fosso, mas calculou que não sobreviveria à queda,
e até se seguisse viva, não poderia manter-se flutuando na água.Estava perdida.
De repente sentiu dificuldade para respirar e começou a ver pontos
luminosos em toda a sala. Cambaleante, voltou para a escada e se apoiou na parede.
Não havia maneira de sair de Ayre. Nem sequer tinha conseguido encontrar ao Rhys
para convencê-lo de que seria dele se tivesse sido capaz de fugir do castelo. Era
tentador entregar-se à fantasia de que talvez durante a mudança de guarda conseguisse passar entre eles... Mas não. Se Alain se tomou esse trabalho esse dia, certamente se
tomaria o mesmo trabalho para assegurar-se de que a mudança de guarda se produzira
sem nenhum contratempo.
Subiu a escada e caminhou lentamente até onde esperavam os irmãos
Fitzgerald. Olhou-os e lhes sorriu tristemente.
— Não há forma de escapar.
Pelo visto eles não tinham nenhuma resposta a isso, de modo que entrou em
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pescoço que estaria no corda, mas também o dele. Talvez lhe conviesse lhe dar um
golpe na cabeça antes de sair do quarto. Assim, ele não seria totalmente responsável
por sua escapada.
— O que quer fazer com minha roupa? É que pensa fugir outra vez?
— Com sir Rhys, reconheceu ela.
— Não irão sem mim, disse ele resolutamente. Desta vez não vai me deixar
aqui.
Isso ia ser um problema. Talvez tivesse que lhe dar o golpe antes de lhe tirar
a roupa. Ou isso, ou lhe dizer alguma falsidade e fugir com sua roupa.
— Gwen... — advertiu-lhe ele.A mentira e o roubo pensou resignada, eram certamente uns vícios decididos
a formar parte de seu caráter.
***
Não muitos minutos depois, com a promessa de um suculento suborno,
Gwen abriu a porta de seu quarto e afastou aos irmãos Fitzgerald tratando de imitar o
que imaginou seria a maneira de John. Não perdeu tempo em falar com eles e
imediatamente se pôs em marcha pelo corredor. John tinha ficado mais tranqüilo ao
lhe dizer que ele poderia escapar de Ayre com mais facilidade que ela, já que ninguémse fixaria nele quando saísse pelas portas. Assim tranqüilizado, lhe disse onde estava
Rhys e lhe explicou a maneira de chegar ao quarto para o guarda da torre norte.
Fez o caminho pelo corredor com ar crédulo. Chegaria ao quarto do Rhys,
convenceria-o de que conhecia a verdade de seu coração e juntos empreenderiam o
caminho para a França.
Por desgraça a viagem a levou novamente à sala grande. Não pôde deixar de
ver o número de homens reunidos ali, nem de comprovar que todos estavam armados
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Quando conseguiu chegar à escada que subia à torre norte já começava a ter
suas dúvidas. Ela não tinha espada. Seriam suficientes a espada de Rhys, por letal que
fosse, e sua formidável perícia, para lhes conquistar a liberdade?
Quando subia a escada apareceu a olhar o pátio de armas; embora a
passagem fosse estreita, não teve dificuldade para ver o número de homens que se
apinhavam ali. Deteve-se em um degrau, assaltada por mais duvida. Não
conseguiriam, estava quase segura. Por vigoroso e feroz que fosse Rhys, virtualmente
era impossível que vencesse a todos os homens da sala grande e restassem forças paraocupar-se dos que estavam no pátio.
Apoiou-se na parede de pedra. Não havia esperança; deveria ter
compreendido antes.
Olhou para cima, o que lhe faltava subir, derrotada.
E então lhe ocorreu uma idéia.
Talvez não conseguisse fugir, mas ao menos tentaria uma coisa. Deu-lheuma ou duas voltas à idéia na cabeça, e assentiu para si mesmo. Talvez Rhys achasse
estúpida a idéia, mas bom, igual não.
Se Alain notasse ficaria lívido de fúria, mas isso era algo que poderia
enfrentar no dia seguinte.
Respirando, continuou subindo a escada com passos decididos.
Capítulo 13
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Rhys passeava de extremo a extremo do pequeno quarto amaldiçoando as
paredes que o rodeavam. E quando isso não lhe produzia nenhum alívio, amaldiçoava
as circunstâncias que o rodeavam de modo tão inflexível. Ou Gwen ou sua terra. Ver-
se enfrentado a tal escolha era suficiente para lançá-lo aos porões a tornar-se junto a
um barril de cerveja a beber durante uma semana.
Wyckham...
Ou a criatura mais formosa, valente e perfeita em que tinha pousado seus
delicados pés em chão inglês.
Por todos os Santos, se tivesse tido um grão de sensatez teria reconhecido
Gwen ao vê-la e teria fugido com ela para França naquele mesmo instante, dalimesmo. Passado um tempo, Alain teria pensado que tinha sido presa de um destino
horroroso e se teria casado com outra herdeira. Hugh teria saboreado a riqueza de
Gwen durante uns anos a mais. Ele teria comprado uma pequena parte de terra na
França e juntos teriam vivido suas vidas em perfeita felicidade. Mas onde se
encontrava agora?
Em um diminuto quarto para guardas, olhando as paredes que o teriam prisioneiro outros dois anos e considerando as torturas que Alain e Rollan poderiam
inventar para ele nesses anos.
Mas não era assim como ia resultar seu futuro se ele tivesse algo a dizer
sobre o assunto. De acordo, havia guardas em abundância, mas acaso ele não era capaz
de derrotá-los? Talvez ele e os Fitzgerald poderiam abrir passo entre eles com suas
espadas, levando Gwen consigo. Até no caso em que se visse obrigado a deixar Gwencom sua mãe enquanto ele e os gêmeos ganhavam um pouco mais de ouro, o sacrifício
valeria à pena. Certamente três espadas de aluguel como as deles seriam suficientes
para deixar com a língua fora a qualquer senhor.
Caso conseguisse convencer Gwen de que sua espada roubada estaria melhor
aproveitada adornando a abadia. Porque se insistia em lhe guardar as costas... Que os
Santos lhe protegessem!
Abriu bruscamente a porta, decidido a passar como um vendaval pelo
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corredor para ir informar seu plano aos Fitzgerald, e deu uma topada com uma frágil
figura que estava de pé ante a porta. Soltou uma maldição entre dentes. Santos do céu,
sim, que era insistente o moço. Não podia negar que lhe adulava muito a mal
dissimulada adoração de John, com o prazer enquanto que pelo menos um dos irmãos
Ayre o tinha em alta estima, o que irritava sobremaneira aos outros dois; mas esse não
era o momento para começar a treinar a seu novo escudeiro. Tinha homens a quem
matar.
— John — lhe disse, terrivelmente molesto, disse-te ou não te disse que não
te necessito esta noite?
Ante seu infinito assombro, John lhe pôs a mão no peito e o empurrou dentrodo quarto. O menino entrou também e fechou a porta. Rhys estava tão impressionado
que só o que conseguiu fazer foi ficar boquiaberto pelo descaramento do moço.
— Deveria te fazer vergões no traseiro, exclamou.
— Eu em seu lugar não o faria, respondeu John imediatamente. Isso seria
jogar um jarro de água fria nos acontecimentos desta noite.
E dito isso, John tirou o elmo e ante os olhos de Rhys apareceu nada menosque Gwennelyn de Segrave, vestida, logicamente, com roupas de moço. Ao Rhys lhe
afrouxou a mandíbula e ficou com a boca aberta.
— Por todos os Santos, senhora — conseguiu murmurar, parece não ter
muito costume de usar vestidos.
— Estou disfarçada, confessou ela.
— Devo supor que John está em seu solar com saias?— E nada feliz, asseguro-lhe isso.
— Bom, balbuciou, sem saber o que dizer. Bom, voltou a tentar, desejando
que no quarto houvesse algo mais que uma mesa e um par de cadeiras, porque sentia a
necessidade de ter uma cama onde tombar-se até que a cabeça deixasse de dar voltas.
— Não poderia estar mais de acordo, disse ela.
Rhys procurou por uma cadeira e se deixou cair nela, e então caiu na conta
do que tinha a seu alcance. Incorporou-se de um salto e a agarrou pelo braço.
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— Eu poderia ser uma mercenária muito perigosa, lhe informou com
expressão picante.
— Sim, disse ele convencido.
Perigosa para ele pensou, mas não se atreveu a dizê-lo. Ela o estava olhando
com as mãos nos quadris e em seu rosto começava a aparecer uma expressão zangada.
De repente, com a mesma impulsividade, ela moveu a cabeça e voltou aapoiar-se na porta. Rodeou-se a cintura com os braços, como se quisesse consolar-se.
— Não, Rhys, isso não é possível.
— Eu poderia derrotá-los — disse ele, desesperado.
Ela o olhou e negou novamente com a cabeça.
— São muitos. Além disso, isso é o que espera Alain. Ou você ou eu
acabaríamos na forca ou em sua masmorra, e eu não poderia suportar nenhuma dasduas coisas.
— Não temos escolha.
— Sim, temos. Eu me casarei com o Alain, você o servirá dois anos e obterá
o desejo de seu coração.
— Ao diabo com a terra, resmungou ele. Sabe que não é o que mais me
importa.— Mas importa.
— Claro que importa, replicou ele bruscamente, mas só porque necessito de
um lugar onde construir um castelo. Como te vou proteger sem muralhas? Como vou
proteger a nossos filhos sem uma guarnição de homens que vigiem essas muralhas?
Necessito de uma casa onde te levar.
Ela não respondeu, mas se separou da porta, rodeou-lhe a cintura com os
braços, apertou-se contra ele e apoiou a bochecha em seu peito.
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Ele a rodeou com seus braços e apoiou o queixo em sua cabeça. Tinha que
ser possível. Não aceitaria nada menos. Por muito que desejasse Wyckham, desejava
mais a Gwen.
De repente ela se afastou um pouco.
— Pelo menos há uma coisa que não darei ao Alain.
— Há várias coisas que não dará ao Alain, conseguiu dizer ele.
Isso era o mais inteligente que podia dizer, porque a sensação de ter ao
Gwennelyn de Segrave em seus braços o tinha tão aturdido como a última vez que a
abraçou. Tinha levado quase quatro anos para recuperar-se disso. Voltou a abraçá-la,não fora que ela o pensasse melhor e tratasse de separar-se. Mas ela só se apertou mais
contra ele.
— Não lhe dará sua mão em matrimônio, por exemplo — continuou.
— A isso não posso escapar.
— Eu me ocuparei de...
— Não, Rhys. Gwen só se afastou o suficiente para olhá-lo à cara. Essa terradeve ser sua. Os Santos sabem que para então lhe terá ganhado isso.
— Não a terei a seu custo.
— Vá com cuidado, sir Rhys, porque me leva a acreditar que talvez comece
a me valorizar por algo mais que meu dote.
Ele a olhou carrancudo.
— Não deve acreditar em tudo o que ouve.Ela o olhou risonha e voltou a apoiar a cabeça em seu peito. Rhys fechou os
olhos e desejou com todo seu coração que o castelo se desmoronasse sobre ele nesse
mesmo instante. Teria ido à tumba sendo um homem absolutamente satisfeito.
— Não, continuou ela. Alain terá minha mão em matrimônio e você terá sua
terra. Mas ele nunca terá o que me proponho a dar a ti esta noite.
Ele notou que começava a franzir-se o cenho. Olhou para o teto em busca de
uma resposta à adivinhação, mas não viu outra coisa que teias de aranha. Não vinha
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passou. Nisso não tenho escolha. Mas sim, posso escolher a quem entregar minha
virtude. E se fazê-lo significa que devo passar o resto de minha vida com o Alain do
Ayre, então esse preço eu pagarei alegremente.
— Mas, Gwen...
— Por favor, Rhys.
Pela primeira vez ele detectou medo em sua voz, e isso o assustou.
— Ele não vai ser considerado, acrescentou ela. Eu o provoquei muitas
vezes. Só posso rogar que me use rápido e logo vá fazer outras coisas.
Ele tragou saliva com grande dificuldade.
— De verdade, quero ter uma lembrança agradável de como deve ser, parame concentrar nele enquanto suporto outro.
— Oh, Gwen, disse ele tristemente.
Sorriu-lhe, mas o sorriso era muito alegre para acreditar.
— Façamos, pois nosso trabalho enquanto dura à noite. Amanhã se cuidará
de si mesma, garanto-lhe isso.
Ele a subiu a seus joelhos e a embalou contra si. Pensou que era capaz deapresentar uma frente sólida até que sentiu lágrimas quentes no pescoço. Arderam-lhe
os olhos e logo lhe molharam as bochechas com lágrimas próprias.
Santos do céu, não era assim como tinha planejado as coisas.
E enquanto embalava a mulher que tinha em seus braços, tanto para
consolar-se ele como para consolá-la, desejava com todas suas forças ser capaz de
submeter o tempo, e encontrarem-se os dois fora das portas do Ayre, ela tentandolevantar a espada para feri-lo. A teria pego a mão, atraído a seus braços para beijá-la
até deixá-la sem fôlego, e depois os dois teriam fugido a França. O desfloramento
mútuo teria tido lugar na estalagem mais cara que tivesse encontrado, precedido por
um delicioso jantar, molhada por um vinho excepcional, e muitas histórias de amor
para as quais um trovador teria gasto os miolos.
Certamente não teria ocorrido em um quarto sujo na noite anterior a que ela
se casaria com outro.
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Mas por onde? Santos, se nem sequer tinha experiência nesses assuntos.
Pinçou em sua bolsa quase vazia, enviando uma última e sincera maldição ao Hugh do
Leyburn por esvaziá-la, e tirou um par de jogo de dados. Moveu-os entre os dedos
nervosamente.
— Talvez um breve jogo, propôs.
— O tempo é essencial, disse ela.
— Então muito breve.
Enquanto lhe ensinava tudo o que sabia sobre jogo de dados, maravilhava-se
ante a absoluta imprevisibilidade da situação em que se encontrava, lhe explicando osdetalhes de um jogo de azar ao amor de seu coração para cortejá-la. Seu mais recente
encontro com ela tinha sido quando ela simulava ser mercenária, mentindo e roubando
entusiastamente como se o tivesse feito toda sua vida. Não o surpreendia então que
nesse momento estivessem jogando dados e também com suas vidas.
E evitando desesperadamente pensar na muito real possibilidade de que
entrasse alguém e os surpreendesse; Rollan, por exemplo.— Será melhor que passe o ferrolho à porta, disse.
Quando voltou, encontrou Gwen olhando atentamente os dados. Desejou que
o olhasse com igual concentração.
Então ela elevou a vista e lhe sorriu, e isso quase fez que caísse ao chão.
— Um último jogo? — grasnou.
Ela assentiu feliz e ele se ajoelhou a seu lado. Tremiam-lhe as mãos;respeitaria-o menos se sentia prazer em um desmaio antes de sentir prazer nela?
Pensou. Depois não recordaria nada do jogo, além de suas mãos, o calor de seu corpo
junto ao dele e o som de sua risada em seus ouvidos.
Pensou que igual morreria com tudo isso.
— Ganhei, disse ela de repente, sorrindo-lhe muito satisfeita, não é?
— Sim — disse ele, deslumbrado.
— E meu prêmio?
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Ele se sentiu muito tímido ao estirar a mão para ela.
— Valho eu?
Ela pôs sua mão sobre a sua. Ele a olhou e recordou a última vez que lhe
tinha pegado a mão; foi no caminho de ronda do castelo de seu pai, quando ela o
escolheu por seu paladino. Paladino, marido, era tudo o mesmo para ela.
Rhys olhou a sua dama e pensou se seria suor o que lhe corria pelas
bochechas, tinha-as muito molhadas.
— Acredito que não devo...
Pôs-lhe um dedo nos lábios e moveu a cabeça. Depois lhe secou as
bochechas, se aproximou mais e o beijou muito docemente na boca. E desta vez nãoestava seu pai ao final do corredor para impedir-lhe pensou ele.
Pelo menos, não estava em perigo seu nariz. Mas seu coração, sim, ficaria
muito deteriorado.
— Este momento é nosso, meu amor — sussurrou ela contra seus lábios.
Ele quis discutir, mas sua boca o distraiu de seus pensamentos. Desejou
fugir, mas as mãos dela o tocaram e deixou de lhe importar tudo o que estivesse foradesse quarto. Ele desejava mais que o que teriam essa noite, mas lhe rodeou o pescoço
com os braços e ele não pôde fazer outra coisa que estreitá-la tão forte contra ele que
sentiram as roupas sufocantes.
Então, tiraram a roupa, peça por peça, com mãos nervosas e sorrisos
sobressaltados, até formar um ninho com elas no chão.
Rhys agarrou a Gwen em seus braços e a depositou brandamente em sua pobre cama. Depois se estendeu ao seu lado e a apertou fortemente contra ele, rogando
que essa noite durasse até a eternidade.
E depois já não houve mais tempo para pensar, nem mais espaço para
discutir nem mais vontade para fugir. Estavam sozinhos e ninguém interromperia sua
felicidade.
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— Já esteve aqui o tempo suficiente, grunhiu um dos loiros.
— Sim, e agora lhe ouça roncar, resmungou o outro. Não se dará conta de
que se foi.
— Sim, se dará.
— É melhor assim, moço.
— Abaixo há vinho em abundância.
— Não quero vinho.
— Será melhor que beba algo, menino.
— Sim, isso te aliviará.Ao parecer, o cavalheiro não estava de acordo, mas a menina viu que não
estava em situação de discutir. O motivo não era a ferocidade dos homens que o
acompanharam a baixar a escada, mas sim tinha o coração quebrado e sua vontade
dobrada sob a carga que levava. Não ficava força para discutir.
Perguntou-se se poderia lhe aliviar a carga, mas suspeitava que inclusive o
toque que tinha herdado de sua mãe seria muito pouco útil para ajudá-lo. Quão único podia fazer era olhar os pedacinhos de vidro em sua mão e observar.
E então suas lágrimas lhe impediram de ver.
Capítulo 16
Gwen estava na porta de seu quarto com a mão no ferrolho, rasgada entre
dois desejos. Desejava sair do quarto; também desejava meter-se em sua cama e não
voltar a sair jamais de debaixo das mantas.
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Era a manhã seguinte das bodas, e suspeitava que tivesse passado noites
melhores.
Não podia ocultar-se eternamente. Teria que enfrentar às pessoas do castelo,
ao Alain e suas asquerosas condições de vida. Também teria que enfrentar ao Rhys.
Fez uma inspiração profunda e abriu a porta. Os irmãos Fitzgerald estavam
em seus postos de costume. Afastaram-se sem fazer comentários. Passou entre eles e
levantou a vista para olhá-los. Connor sabia que era ele por esse gesto carrancudo que
parecia ter pegado à cara, não a olhou aos olhos. Olhou ao Jared; pelo visto tampouco
ele estava decidido a olhá-la, mas teve a impressão de que sua resolução por parecer
carrancudo era mais fraca que a de seu irmão; franziu os lábios, tratou de ficar carrancudo, mas não o conseguiu. Sorriu-lhe, mas o sorriso lhe saiu menos que feliz.
Ele descruzou os braços e lhe apoiou a mão no ombro um breve instante;
ante um grunhido do Connor se apressou a voltar para sua postura de árvore.
Essa foi à demonstração de compaixão dos Fitzgerald.
Gwen empreendeu a marcha pelo corredor; assim que tinha avançado uns
quantos passos ouviu o rumor de seus grunhidos atrás dela e ao seu pesar isso aconsolou um pouco; ao menos teria uma espécie de companhia.
Então levantou a vista.
Ali, iluminado pela tênue luz que entrava por uma fresta, estava justamente à
pessoa a quem mais desejava evitar. Tinha um ombro apoiado na parede de pedra, em
postura negligente, os braços cruzados sobre o peito, o rosto em penumbra. O rubi do
punho de sua espada se via apagado e sem vida na escuridão.«Salve, capitão de minha guarda!», pensou ela sem humor. Deveria sentir-se
adulada. Qualquer mulher se sentiria fora de si de alegria por estar protegida por um
homem de sua fama.
Mas não ela; ela desejava chorar.
Ele não se moveu. Em realidade dava a impressão de estar esperando que ela
se aproximasse.
Deteve-se diante dele. Não foi capaz de sorrir, nem sequer era capaz de falar.
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Pelo visto ele não tinha muito mais que dizer que ela. Olhou-a fixamente,
com expressão triste, lúgubre. Seu aspecto indicava que acabava de passar uma noite
ainda mais desagradável que a dela. Tinha os olhos avermelhados e seus cabelos e sua
túnica molhados. Ela teria suspeitado que tivesse bebido até perder os sentidos e
depois caído no fosso, mas não, não tinha esse mau aroma. Talvez tivesse passado a
noite passeando de um lado a outro e ao amanhecer molhou a cabeça em uma cisterna
para refrescar-se.
Então acabou o tempo para especulações, porque ele se endireitou, separou-
se da parede e voltou a cruzar os braços sobre o peito. Ao princípio ela tinha suposto
que adotava essa postura com tanta freqüência porque assim intimidava, mas nessemomento pensou que talvez fosse uma forma inconsciente de proteger o coração.
Rhys limpou a garganta.
— Você...?
Voltou a limpar a garganta.
— Fez-te mal? — sussurrou com voz rouca.
Ela negou com a cabeça, muda.— Então viverá outro dia.
Ela assentiu. Acreditava. Suspeitava que se ela tivesse respondido de outro
modo, o tempo de Alain para seguir dentro de sua armação mortal seria muito curto.
— Foi muito impessoal...
Interrompeu-se bruscamente ao ver que ele jogava a cabeça para trás, como
se o tivesse golpeado.— Não quero ouvir nada disso, disse ele entre dentes.
— Então não direi nada, aceitou ela.
Nada podia ser melhor para ela.
Rhys descruzou os braços e estendeu as mãos para ela, mas imediatamente as
retirou e as pegou a seus flancos. Limitou-se a olhá-la jogando fogo pelos olhos.
— É minha, sussurrou em tom áspero.
— Rhys...
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— Segue sendo minha, e te terei ou morrerei tentando.
Ela moveu a cabeça e ficou em pontas de pé para lhe pôr a mão sobre a boca,
mas ele retrocedeu negando com a cabeça.
— Terei-te, insistiu.
Dito isso se girou sobre seus pés e se afastou rapidamente.
— Fitzgeralds, ladrou por cima do ombro. Venham comigo.
Os guardiões de Gwen o seguiram obedientemente. As mãos do Connor já
foram acariciando os punhos de suas espadas, por isso ela supôs que se entretinha deantemão em algum tipo de exercício no campo de batalha.
Considerou suas opções para manter-se ocupada esse dia. Poderia escrever a
sua mãe para lhe dizer que deveria agradecer que Hugh não lhe tivesse permitido
assistir às bodas. Ele tinha alegado que não havia espaço nos carros de bagagem, mas
Gwen suspeitava que seu verdadeiro motivo fosse ter um convidado menos às bodas
para assim ele engolir mais o que de bom tinha para oferecer a despensa de Ayre. Masescrever a sua mãe só recordaria o que tinha perdido, e isso ela não poderia suportar.
Nem sequer a idéia de começar a fazer habitável o castelo despertava o mínimo
entusiasmo.
O único que ficava então era encaminhar-se sigilosamente ao campo de
batalha para ver o que faziam ali os homens. Ao parecer o dia estava cinza; colocaria
uma capa e assim passaria inadvertida. Senão para outra coisa, seu dia de mercenário atinha preparado para isso.
Sem pensar duas vezes, voltou para seu solar, pôs uma capa e logo se dirigiu
ao campo de batalha. Já estava a ponto de chegar quando se chocou com sir
Montgomery.
Ele se inclinou em uma profunda reverência.
— Mil perdões, senhora. Deveria tê-la visto.
Com um gesto da mão lhe indicou que não eram necessárias suas desculpas.
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— Ah, mas eu devo lhe dar importância. Agora sou membro de sua guarda
pessoal, e meu capitão se zangaria muitíssimo se soubesse que estive a ponto de lhe
atirar ao chão.
Ela o olhou surpresa.
— Mas se foi o capitão do guarda de Lorde Bertram. Como é que...?
— As voltas do destino, milady.
— Rhys possui muito descaramento para pensar em te dar ordens.
-Possui mais habilidade com a espada que descaramento, e te asseguro que o
segundo o possui em abundância. Senão me tivesse derrotado tão completamentequando discutimos o assunto, talvez eu não estivesse tão disposto a lhe obedecer.
— Bom, disse ela, sem saber se lamentava por ele ou não, alegra-me te ter,
se isso importar.
Dirigiu-lhe um sorriso tão alegre como de costume.
— Importa-me muitíssimo, senhora, e estou feliz de te servir. Por volta de
onde vai agora? Encarregarei-me de que chegue a salvo ali.— Pensava me apoiar nas muralhas do campo de batalha para observar o que
se passa ali abaixo.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Seu marido está ali; e o capitão Rhys também, é obvio.
— Estão combatendo?
Ele fez uma piscada pícara.— Bom, isso sim seria digno de ver-se. Não, senhora, eu diria que Lorde
Alain tem poucos desejos de cruzar sua espada com alguém que não seja de sua
guarda pessoal.
Não lhe cabia a menor duvida disso; nenhum deles se atreveria a derrotá-lo.
— Mas Rhys ainda não tem totalmente curada as costas, disse. «Não saberia
eu», acrescentou para seus botões.
— Ah, mas está de um mau humor terrível. Isso é mais que suficiente para
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seu exercício, aumentando o volume de sua voz e a arrogância de seus comentários
jactanciosos.
Rhys lhe havia dito que a possuiria. Enquanto o observava combater, decidiu
que se alguém era capaz de fazer realidade essas palavras, esse era ele.
Incorporou-se e voltou para o corredor para não seguir pensando nisso. Sair a
olhá-lo tinha sido um engano. Seria melhor concentrar-se em algo que pudesse
controlar, por exemplo, o lixo do castelo do Alain. Atacaria os montões de lixo e se
ocuparia de que os jogassem muito longe das muralhas, onde não a incomodassem
mais.
Lástima não poder fazer isso mesmo com o homem com o qual seencontrava casada.
***
Rhys entrou na sala grande depois de sua manhã de exercícios, igual como otinha feito durante esses dois meses: em silêncio, sua fúria sem apaziguar. Tinha
esgotado aos Fitzgerald até os ossos, feito morder o pó ao Montgomery e chorar de
cansaço ao John.
E o sol seguia saindo.
Alain seguia vivo.
Gwen seguia casada.Seu único consolo era saber que tinha a ordem de permanecer perto dela a
toda hora. Talvez tomar o tempo para treinar era algo que não devia fazer muito, mas
não se sentia absolutamente culpado por isso, porque Gwen ia com freqüência ao
campo de batalha para olhá-lo, e quando não ia, ele deixava os Fitzgerald apostados
em sua porta.
Esses eram os dias que não gostavam nem o Montgomery nem ao John.
Mas assim tinham transcorrido os dias. Tinha treinado, tinha considerado
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todas as maneiras possíveis para liberar o Gwen de seu matrimônio. Tinha falado com
ela sobre a possibilidade de obter a anulação.
Tinha pedido um milagre; não se tinha produzido nenhum.
Olhou para a mesa alta para ver quem estavam ali. Viu o Alain reclinado em
sua cadeira com a expressão de ter desfrutado de uma boa comida. Franziu os lábios; o
atual senhor do Ayre jamais passava mais tempo do necessário no campo de batalha
quando isso lhe obstaculizava dedicar tempo à mesa. Hugh se sentiria orgulhoso dele.
Rollan estava sentado em seu lugar de costume, o mais perto possível de seu
irmão. Talvez assim lhe fosse mais fácil sussurrar seu ódio aos ouvidos do Alain.
Gwen estava sentada ao outro lado do Alain, o mais longe que lhe permitiasua cadeira. Rhys meio se perguntou para que se dava a esse trabalho; o único que se
podia dizer do Alain a esse respeito era que estava resolvido a fazer caso omisso de
sua esposa. Isso não podia fazê-lo mais feliz a ele; bom, se pudesse contar com que
também de noite fizesse caso omisso dela.
Satisfeito de não ver nada inquietante, foi sentar se a uma das mesas
inferiores a comer do que restava. Tinha comido pior em certas ocasiões, e inclusive,durante seus primeiros meses na França, quando foi ganhar seu ouro, houve vezes em
que não comeu nada; mas certamente tinha comido melhor que no Ayre. Em que pese
a todos seus esforços, Gwen não tinha conseguido melhorar a cozinha; tinha
conseguido tirar a maior parte do lixo do pátio de armas e da sala grande, mas não
tinha conseguido tirar de seu posto o cozinheiro nem animá-lo a produzir melhores
comidas. Recreou-se na agradável lembrança de duas das comidas feitas no Segrave.Com sorte conseguiria convencer ao Gwen de que lhe conviria fazer uma viagem a sua
casa. Não lhe viria mal ter algo saboroso para comer.
— O que tem de mau na comida?
Rhys levantou a vista e viu o Alain olhando a Gwen furioso. Ela se limitava
a pestanejar, surpreendida, sem dúvida, por esse estalo.
— A comida? — perguntou ela.
— Esta é a primeira vez há dias que se digna baixar a comer. Não me vais
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deixar envergonhado rechaçando minha comida! — gritou, jogando para trás sua
cadeira e ficando de pé.
Rhys não pensou, saltou. Como se arrumou para atravessar toda essa
distância e chegar à mesa em tão pouco tempo, não sabia. Só sabia era que a mão do
Alain ia cair sobre a cara de Gwen, e que ele devia estar ali para impedi-lo.
— Se domine, milorde, disse, pondo Gwen detrás dele.
— Cão insolente, te faça a um lado! Golpearei onde todos possam ver. A ver
se assim se cura de uma vez por todas de sua desobediência.
— Sofrerei eu em seu lugar...
Ia continuar, mas o interrompeu uma forte cotovelada do Gwen nas costas.— Bata-me se quer, disse ela aparecendo por um lado do Rhys e olhando
furiosa ao seu marido, e perca assim ao seu bebê.
— Um bebê? — repetiu Rhys voltando-se para olhá-la.
— Um filho? — perguntou Alain, como se o bebê só pudesse ser um varão.
— Sim, um bebê — disse ela, afastando ao Rhys para enfrentar cara a cara
ao seu marido. E me tirará isso do corpo se me levantar a mão.Alain a olhou de cima abaixo com olhos avaliadores.
— Suponho que poderia estar gerando. Ainda não tiveste suas regras e
estamos oito semanas casados.
Rhys olhou ao Alain e pela primeira vez o viu sorrir. Não era nada agradável
ver esse sorriso.
— Bom, continuou Alain alargando o sorriso. Parece que agora posso meocupar de outras coisas. Piaget vigia que se cuide bem, senão responderá ante mim.
Esta tarde vou ao Canfield, já atrasei muito a visita ali. Acredito que antes de ir, sairei
à caça. Sim, joguei muito de menos isso.
Dito isso se afastou, e continuou ilustrando aos que o rodeavam sobre seus
planos para o futuro imediato.
Rhys se voltou para o Gwen bem a tempo de impedir que caísse ao chão.
Agarrou-lhe os braços e a fez sentar em sua cadeira.
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Gwen a olhou surpresa; ainda não tinha anunciado a ninguém a notícia.
— Um bebê, né? Vem então, milady, servirei-te uma tigela do que tenho no
fogo neste momento. É uma beberagem inventada por mim com vários ingredientes
que a outros não ocorreria combinar.
Gwen se aproximou, apertando mais fortemente a mão sobre a boca. De
repente teve que usar os dedos para tampar o nariz.
— O que são esses pontos negros? — conseguiu perguntar.
— Flocos de insetos secos. Acrescenta um sabor algo inespe...
E a ele seguiu o conteúdo de seu estômago. Gwen compreendeu que deveriasentir mais remorso que o que sentia, mas esse era o único recipiente a mão para
vomitar, justamente diante dela.
Continuou tendo náuseas até que lhe esgotaram as forças, e então se viu
girada e sustentada por uns fortes braços.
— Ah, querida — lhe sussurrou Rhys, lhe friccionando brandamente as
costas, não sabe que nunca se pergunta a um curandeiro o que põe em suas poções?— Agora sei — grasnou ela, agarrando-se a túnica dele para sustentar-se
direita.
— Talvez uma infusão de ervas calmante senhor Sócrates, sugeriu Rhys.
Por cima do ombro, Gwen viu que o ancião estava contemplando sua panela
com expressão de profunda consternação.
— Suponho que poderia prepará-la, disse o ancião pensando. Tenho aquialgumas coisas a mais que poderia adicionar...
— Talvez só uma ou duas ervas, interrompeu Rhys amavelmente.
O senhor Sócrates parecia disposto a discutir; olhou a Gwen.
— Só uma ou duas? — perguntou passando a mão por sua colher de pau.
Gwen soltou um arroto que não conseguiu conter.
— Só uma, disse o senhor Sócrates suspirando.
Muito em breve Gwen se viu depositada em um tamborete com as costas
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apoiada em uma parede fria. Não soube bem o que a fazia melhorar, se o frio ou estar
sentada. Ou talvez era saber que Alain ia partir do castelo e com isso acabaria a
opressão de sua presença.
Então talvez pudesse ver um pouco mais ao Rhys. Isso não era o que
convinha ao seu pobre coração, mas não podia evitar desejá-lo.
Nesse momento ele estava curvado diante da menina, sorrindo-lhe e lhe
dizendo palavras doces. A inveja se apoderou de Gwen; nem sequer podia dar o luxo
de ter com ele uma conversa assim, mesmo que ele estivesse perto dela na maior parte
do dia. Não havia nem um só momento em que ela não se cuidasse de não repousar
muito tempo seu olhar nele, de não lhe sorrir com muita doçura e alertar assim de seusverdadeiros sentimentos aos que a rodeavam.
Se tivesse tido a oportunidade de aperfeiçoar suas habilidades mercenárias,
se daria muito melhor o artifício, e seria capaz de superar o engenho de seu marido,
embora em realidade isso não requeria muito esforço; mas sempre estava Rollan,
seguindo ao seu irmão como sua sombra, e lhe assinalando o que Alain não via.
Deixaria Alain ao Rollan no castelo para que o informasse de suas atividades, ouconfiaria em que Rhys cumpriria o ordenado e gravaria em sua memória o que ela
fazia? Mas embora não estivesse Rollan, havia muitos outros no castelo aos que lhes
agradaria muitíssimo advertir e depois informar de cada olhar, de cada sorriso, de cada
manifestação de seu afeto pelo homem que estava a menos de cinco passos dela.
E esse só pensamento bastou para fazê-la desejar vomitar de novo.
Meteu as mãos pegajosas sob as axilas e apoiou as costas na parede de pedra.Tinham falado a retalhos sobre como conquistar sua liberdade; a única solução que
lhes ocorreu era a anulação. E isso já não era possível.
O que podia fazer? Fugir com o Rhys a França levando com ela o herdeiro
do Alain? Ou deixar ao bebê no castelo? Parecia-lhe quase impossível que tivesse
ficado grávida tão rápido, mas não podia negar que era isso a estranha enfermidade
que a afligia. Era possível que não sentisse nada pelo bebê uma vez que nascesse, mas
sua experiência com bebês lhe dizia que não seria assim; sempre que agarrava a um
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— Se crê que o que aconteceu nós se pode esquecer facilmente...
— Não disse esquecer...
— Deixar de lado, então! — gritou ele. Deixar de lado como se não fosse
nada.
— Tampouco disse que não fora nada, conseguiu dizer ela aproveitando que
ele fazia uma funda inspiração.
— Não serei seu amigo! — rugiu ele. Santos do céu, mulher, que tipo de
homem crê que sou?
— Um homem honrado, certamente — disse uma voz arrastada da porta. E
um cujo senhor se está preparando para partir a outro castelo. Não acha que deveriaestar ali para se despedir ao menos?
Através das largas pernas do Rhys, Gwen viu o Montgomery perto da porta,
observando-os com um olhar muito especulativo. Levantou-se com muito cuidado,
comprovou que tinha os pés firmes e levantou a vista para o Rhys.
— Será melhor que façamos de conta. Sem dúvida Alain deseja nos ver
apropriadamente inconsoláveis por sua partida.— Você vai ao seu dormitório descansar, grunhiu ele. E não vou aceitar
discussão nisso.
Essa era uma alternativa muito mais atraente que ver seu marido, de modo
que assentiu, passou por seu lado, voltou a dar as graças ao senhor Sócrates, sorriu à
menina que estava junto ao fogo olhando-a e saiu do quarto.
Continuou caminhando embora sua vontade fosse se jogar ao chão com umataque de pranto. Tinha posto um sorriso alegre em sua cara e sugerido o plano mais
sensato que lhe podia ocorrer, mas se sentia mais que um pouco desgraçada. Por todos
os Santos do céu, como ia suportar outro par de anos com esse homem sempre ao seu
lado, mas jamais ao seu alcance?
Considerando-o um companheiro, disse-se.
— Amigo é um corno, resmungou Rhys detrás dela.
Gwen quase sorriu ao ouvi-lo. Com o tempo ele chegaria a estar de acordo
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com ela, porque sabia que tinha razão. Formariam seu próprio batalhão de dois.
Ensinaria-lhe esgrima e outras habilidades necessárias. Ela tinha pouco para lhe
oferecer, mas ao menos sabia cantar. E sabia ler. Talvez pudesse lhe ensinar isso em
troca de umas quantas aulas com a espada; e talvez com o jogo de dados.
Não, com o jogo de dados não, pensou em seguida. Isso só lhe evocaria
outras lembranças nas quais já não suportava pensar. Mas o outro sim o obteria.
Sim, era um plano muito sensato.
Capítulo 18
Era o plano mais ridículo que tinha ouvido em toda sua vida.
Rhys depositou Gwen dentro de seu dormitório e fechou a porta antes de cair na tentação de ceder ao avassalador impulso que ardia em seu interior: o de
estrangulá-la. Enquanto subia furioso a escada detrás dela, tinha conseguido recuperar
o resto de sua guarda; dita guarda estava reunido a seu redor fora da porta de Gwen.
Fixou um irritado olhar ao John.
— Atende-a.
— Devo? — perguntou John com a cara larga.— Sim.
— Mas aonde vai?
— Ao campo de batalha, grunhiu ele. Necessito de exercício para esfriar
minha cólera.
— Eu poderia ficar também, se ofereceu Montgomery com um sorriso.
Rhys olhou aos Fitzgerald e calculou quanto tempo lhe levaria despachá-lose quanta irritação restaria depois disso. Moveu a cabeça.
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— Trarei-te algo fresco para beber, moço. Merece isso.
— Ele merece? — exclamou Connor. O que tem feito para merecer cerveja
fresca? Dominei-o todo o tempo. E se não fosse porque conseguiu evitar meu talho
letal nos joelhos com as duas espadas...
— Terá observado, disse Jared que usou minha defesa contra esse
movimento tão feminino. Foi meu ensino que lhe valeu a vitória.
— Você ensinou? Ora, é incrível que saiba levantar uma espada depois do
que lhe ensinou você.
Rhys reprimiu o desejo de meter os dedos nas orelhas e mantê-los ali até queacabasse a discussão. Por sorte, Connor estava tão sedento de algo fresco como seu
irmão, e acompanhou ao Jared em seu caminho para a sala grande, continuando com
ele a discussão sobre qual dos dois tinha ensinado o que a quem. Rhys se apoiou em
sua espada e inspirou grandes baforadas de ar.
— Se te alivia saber, duvido de que eu tivesse podido contra eles, lhe disse
Montgomery. Esse Connor me assusta.— É tão manso como um coelhinho uma vez que sabe onde lhe arranhar,
resfolegou Rhys. Distraia-o com um elogio e é teu.
— Acredito que não o quero, obrigado de todo modo. Agora me diga o que é
o que te deixa tão mal-humorado. Não será a idéia de não voltar a ver o Alain até que
se canse de sua amante de Canfield.
— Como estou seguro de que não se moverá dali, disse Rhys, sem dúvidanão vamos precisar agüentá-lo aqui antes que nasça o bebê.
— Ah, disse Montgomery olhando-o atentamente, então o que te preocupa é
o bebê.
— Vamos ver, por que teria que me preocupar que Alain tenha um herdeiro?
— Uy, Rhys, não sou tão parvo como crê. Sei onde reside seu coração.
Rhys o olhou irritado.
— Como digo sempre, pensa muito.
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convertia a cor clara desses olhos em um matiz que invejariam as águas da costa do
sul da França, vendo-a florescer desde menina até a formosa mulher de belas
proporções...
Ao Rhys não surpreendeu que Montgomery trocasse o palavrório em meros
ruídos quando seus dedos lhe apertaram o pescoço. Mas se contentou lhe dar uma ou
duas sacudidas, porque no fim e ao cabo lhe tinha dado visões de Gwen que sua
covardia lhe tinha impedido de ver por si mesmo. Isso só bastava para redimir de mais
castigo à uva sem semente.
Montgomery se limitou a tirar de cima as mãos do Rhys e retrocedeu um
passo, Sorrindo como o panaca cabeça oca que era.— Santos, moço, sim que está apaixonado.
— Como se me servisse de algo!
— Nunca se sabe o que proporciona o futuro, disse Montgomery,
encolhendo-se de ombros. Sua expressão trocou a uma mais reservada: Ah, milorde
Ayre, que tenha uma boa viagem.
Rhys se voltou a olhar, e viu que Alain e Rollan iam a caminho do estábulo.Inclinou-se junto com o Montgomery, desejando que seu alívio ao vê-los partir não
fosse tão visível como temia que fosse. Não lhe cabia dúvida de que Alain teria
espiões por toda parte para observar todos os seus movimentos e os de Gwen, mas isso
ele podia suportar.
Então moveu a cabeça admirado de sua vaidade. O que podia lhe importar ao
Alain o que fizessem ele e Gwen? Como se tivesse alguma intenção de respeitar osvotos do matrimônio. Canfield era o lar de Rachel, a irmã de Lorde Edward de
Graundyn. Estava solteira e com toda probabilidade continuaria assim, porque suas
terras estavam em mãos de seu irmão, e este estava muito pouco disposto a renunciar a
elas. Mas sim as arrumava para esquentar sua cama com qualquer número de homens,
casados ou solteiros. Que Alain se acreditasse o único que vadiava ali entre os lençóis
simplesmente demonstrava o grau a que chegava sua estupidez. Quanto ao Rollan, só
os Santos sabiam em que andaria metido enquanto isso, mas Rhys se contentava em
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saber o que faria suas andanças em algum outro castelo. Pelo menos ele e Gwen
estariam a salvo desses olhos curiosos. Embora o que haveria para ver, não sabia
muito bem.
Essa só verdade lhe inspirou um intenso desejo de sentar-se e chorar. Ela
pertencia ao Alain; estava grávida do bebê de Alain. Certamente já tinha passado o
momento para a anulação. A única alternativa que restava era o divórcio, mas provar
que Alain continuava levando a cama as suas putas seria dificilíssimo. Tinha sérias
dúvidas de que Alain tivesse respeitado a santidade de sua noite de bodas não saindo a
procurar depois outras companhias pelo castelo.
A verdade era que não sabia, porque quase não tinha visto nenhum dosacontecimentos dessa noite, graças à quantidade de licor que lhe tinham feito tragar os
Fitzgerald. E se por algum milagre tivesse sido testemunha de algum deles, o teria
esquecido muita em breve graças ao despertar que teve na manhã seguinte antes da
alvorada: um instante estava roncando e no seguinte estava bufando sob um dilúvio de
água fria. Ao incorporar-se bruscamente, viu que estava em uma cama improvisada
em um rincão esquecido do porão, nu e sem ter idéia de como tinha chegado ali. Eenquanto isso os Fitzgerald o contemplavam desde sua enorme altura, com expressões
ferozes, cada um com baldes de água vazias em suas mãos.
Certamente não foi essa uma boa forma de começar o dia que, com toda
segurança, seria o mais infernal de sua vida.
Gwen estava casada. E não com ele.
— Olhe, falando de nosso anjo, ali vem — disse Montgomery com umsuspiro de felicidade. Só olhá-la é suficiente para me romper o coração.
«O meu também», pensou Rhys, sacudindo lentamente a cabeça. Como
podia alguém imaginar que ele seria capaz de custodiá-la nos dois anos seguintes sem
desejá-la? Só vê-la era suficiente para fazê-lo cair de joelhos.
Vinha vestida com a roupa de John, o que a essas alturas já não o surpreendia
absolutamente. Pelo menos o moço não ia vestido com suas saias; John estaria tão
agradecido disso como ele, sem dúvida. Trazia com ela a espada roubada, e Rhys
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pensou quem poderia ser o culpado, porque estava seguro de que a tinha escondido
muito bem entre suas coisas. Algum dia teria que tomar o tempo para encontrar o seu
verdadeiro proprietário e lhe pagar a essa pobre alma. Ou isso ou teria que mandar
fazer uma de peso adequado para ela. Com essa espada jamais conseguiria aprender
esgrima.
— Já partiu?— perguntou ela.
- Sim, senhora, respondeu Montgomery com uma profunda inclinação.
Agora pode praticar seu esporte livremente, acrescentou olhando ao Rhys com uma
sobrancelha arqueada.
Rhys fez como se não o tivesse visto.— Pensava que estava descansando, disse a ela.
— Já descansei — se apressou a responder ela, e agora vim para minha lição.
Ele recordou claramente a última lição que lhe tinha dado. Pelo rubor que
cobriu a cara dela, compreendeu que ela também a estava recordando.
— De esgrima, acrescentou ela.
— Do que se não? — resmungou ele.— Do que se não? — repetiu Montgomery.
Rhys deu um saudável empurrão ao Montgomery e olhou novamente a seu
aspirante a aprendiz. A julgar por todas as aparências, estava disposta e desejosa de
aprender.
— O que quer que faça primeiro? — perguntou-lhe ela.
Ele teve na ponta da língua a frase «Tire esse maldito anel do Alain e foge aFrança comigo», mas se absteve de deixá-la sair. Por desgraça, esse era só o começo
das coisas que desejava fazer com ela.
Desejava que o voltasse a olhar como o olhou essa noite em que foi vê-lo seu
quarto; desejava que o rodeasse com seus braços e lhe dissesse que não podia viver
sem ele ao seu lado; desejava que lhe tirasse timidamente a roupa, como tinha feito
essa noite, que o acariciasse com seus dedos frios e trêmulos, e lhe aproximasse a boca
para seus beijos doces e largos.
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— Isso é muito de cavalheiro, respondeu Gwen secamente, e acho muito de
meu gosto este conto.
— Quão único posso dizer — replicou John, é que o cavalheiro passaria
melhor seu tempo no campo de batalha. Pelo menos ali veria um pouco de coragem...
— Oh, pelos malditos Santos, rugiu Rhys, me passe isso.
John pestanejou admirado.
— Sabe ler?
A expressão da cara do Rhys deveria ter advertido ao John de que estava
pisando em terreno perigoso, mas John, como Gwen bem sabia, não via essas
advertências tácitas.— Depois de tudo — continuou, sem fazer conta-, seu pai era um simples...
— John.
— Sim, Sir Rhys?
— Quer continuar sendo meu escudeiro?
Inclusive John pareceu compreender que se ultrapassou. Tragou saliva
sonoramente.— Sim, sir Rhys.
— Então me passe esse manuscrito e faça-o em silêncio.
John lhe passou o manuscrito sem emitir nenhum outro som e depois se
trocou ao lugar mais afastado possível da vista do Rhys.
Gwen observava a cena fascinada. Era quase mais interessante que o conto
que Rhys sustentava em suas mãos. Os pais de Rhys eram um mistério, embora elasoubesse que seu avô tinha sido um cavalheiro de certo renome na corte francesa. Foi
ele quem se encarregou de enviar ao Rhys a viver com o Bertram do Ayre, embora
porque escolheu um Lorde inglês em lugar de um francês, não saberia dizê-lo.
Talvez o pai de Rhys fosse um simples cavalheiro. Sua experiência a tinha
levado a conclusão de que pertencer à nobreza não era necessariamente uma garantia
de que um homem fosse nobre. Talvez ao Rhys viesse muito bem não ter nenhuma
nobreza correndo por suas veias. Ela não conseguia achar nenhum defeito em sua
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— Era uma vez, em época não muito remota, uma donzela cuja formosura
era famosa em toda a terra.
Gwen conteve o fôlego. Bom, essa era uma voz que qualquer bardo invejaria,
profunda, bem temperada. Imediatamente se sentiu enfeitiçada por ela. Fugaz passou
por sua cabeça o pensamento de que em realidade Rhys sabia ler muito bem, fez a um
lado a pergunta de onde poderia ter aprendido e se entregou à magia que ele tecia com
apenas sua voz.
— Muitos cavalheiros iam admirar sua beleza e logo partiam com o solene
juramento de consagrar-se a conquistá-la, fosse qual fosse o preço. A donzela nãosabia nada desses juramentos, claro está, porque seu pai a tinha muito protegida e ela
não via seu verdadeiro amor entre os homens que iam à sala de seu pai.
Gwen fechou os olhos com um suspiro de prazer. Quantas vezes tinha
escutado esse conto? Muitas para contar. Mas nunca o tinha ouvido dessa maneira,
nem sequer quando lhe puseram música e o cantavam os melhores menestréis de sua
mãe.Continuou escutando e de repente sentiu que o bebê começava a mover-se
em seu interior. Seguro que estaria tão encantado como ela com o que ouvia.
E então compreendeu, sobressaltada, que não era só a beleza do poema o que
fazia mover-se a seu bebê.
Encontrou-se de pé antes de dar-se conta de como se levantou.
— Gwen!Devia responder, mas repentinamente descobriu que não podia. Estendeu as
mãos e imediatamente encontrou um par de fortes braços, preparados para sustentá-la.
— Vem o bebê, anunciou Rhys.
Passou a dor e ela descobriu que tinha forças para olhá-lo zangada.
— E o que sabe você disso? Poderia ser algo. A comida. Só os Santos sabem
quão incapaz é o cozinheiro de preparar algo comestível.
Ele a olhou solenemente.
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— Sente mais seguidos que antes esses movimentos do bebê?
— Sim, mas...
Antes de poder responder se sentiu elevada no ar, em seus braços.
— Rhys, me solte, me deixe no chão! O que dirá Alain...?
— Eu diria que, dado como aconteceu esta tarde e as duas semanas desde sua
volta, vai continuar ocupado várias horas mais.
— Rollan...
— É um estúpido do que me encarregarei ao seu devido tempo. Será melhor
que reserve sua energia para dar a luz ao seu bebê e deixe que eu me ocupe de seus
outros problemas.Certamente não lhe dava muita escolha no assunto. Antes de limpar a mente
o suficiente para protestar mais, Rhys já a tinha levado ao interior da torre da
comemoração.
A tarde transcorreu lentamente. Rhys fazia sair imediatamente a todas suas
damas de seu solar, o que lhe veio muito bem porque a maioria delas passavam
bastante tempo na cama de seu marido; além disso, não as apreciava muito. Menosalmas ali significavam também mais espaço para passear, o que levava fazendo
durante horas.
Tinha pedido que chamassem à parteira do povoado, mas Alain se opôs. Em
seu lugar fez chamar ao seu cirurgião, que não tinha feito outra coisa que tirar os
afiados instrumentos de seu ofício. Ela fazia todo o possível para não olhá-lo. Uma das
criadas lhe levou um assento especial para partos, e ela tentou que ficasse,simplesmente para ter a companhia de outra mulher, mas o cirurgião a fez sair do
quarto. Teria protestado ante seu marido, mas era evidente que ele já tinha bebido suas
taças ao inteirar-se de que o nascimento de seu filho era iminente. A notícia só tinha
sido motivo para abrir outro barril de cerveja.
E o cirurgião continuava afiando suas facas. E Rhys estava em um canto com
os braços cruzados sobre o peito olhando-o furioso. Ao menos Alain estava muito
bêbado para preocupar do paradeiro de Rhys. Rhys não era parteiro, mas sim boa
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As dores se fizeram mais fortes. O cirurgião esfregou as mãos como se
tivesse pressa por começar seu trabalho. A expressão de Rhys ia se fazendo mais
irada. Começaram a intercambiar insultos. A ela também lhe soltou a língua e
começou a usá-la com generosidade para as outras duas almas presentes em seu
dormitório.
Embora não o explicava, isso não fez que o tempo passasse com mais
facilidade.
O sol já se pôs e estavam acesas as velas. Rhys estava no centro do quarto
olhando satisfeito ao cirurgião do Alain, que jazia no chão sem conhecimento. Assim pelo menos avançaria a noite sem mais ameaças, blasfêmias nem pronunciando o
nome de Rhys em vão.
Ao menos por parte do cirurgião.
Gwen seguia afiando a língua insultando-o, mas ele compreendia. Só
cometeu uma vez o engano de lhe dizer que seu corpo era feito para parir bebês, o que
teve por conseqüência outra cascata de impropérios sobre ele; entre outras coisas lhefez a comparação entre o parto e o passo de um enorme ovo através de seu... E bom,
isso o deixou cruzado de pernas ao imaginar a dor, e gastando os miolos em busca de
alguma outra coisa para distraí-la. Sugeriu-lhe talvez que essa era a recompensa
merecida por Eva e a maçã...
Seguia se maravilhando que uma mulher a ponto de parir pudesse mover-se
com tanta rapidez ou usar os punhos com tanta liberalidade. Bom, pelo menos não eratanta a energia que tinha para lhe golpear o nariz.
O esfregou distraidamente, e sentiu certo alívio ao comprovar que ainda não o tinha
machucado.
Suspirando agarrou ao cirurgião e o depositou em um canto, para que não
estorvasse a Gwen em seus passeios. Depois se apoiou na parede, meio temeroso de
falar, para não dizer algo inconveniente.
Claro que talvez ela não o tivesse ouvido. Ele não sabia aonde se foi, mas era
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evidente que seu espírito estava muito longe nesses momentos. Continuava passeando
de extremo a extremo do quarto, detendo-se a cada momento para agarrar-se de
qualquer objeto resistente onde apoiar-se até que passassem as dores. Fazia bastante
ruído, e ao princípio o assustaram seus gemidos. Cometeu o engano de lhe interromper
o passeio e o preço foi que quase lhe estalaram os ouvidos. Depois disso, teve bom
cuidado de não interpor-se em seu caminho e vigiar que nenhuma outra pessoa a
incomodasse.
O passeio a levou até ele, que continuou imóvel quando lhe segurou os
braços e apoiou a cabeça em seu peito. Não se atreveu a acariciá-la.
— Gwen?Ela só respondeu com um pouco parecido a um grunhido.
— Trago-te uma infusão do senhor Sócrates? Poderia te aliviar os dores.
Ela voltou a grunhir e se afastou para reatar seu passeio a passos lentos e
deliberados.
Ao fim havia algo que podia fazer. Caminhou para a porta, desejando que
estivesse pelo menos sua mãe para assisti-la. Por muito que lhe tivesse gostado deacreditar que ele sozinho bastaria a Gwen em seus momentos difíceis, estava-se
convencendo rapidamente de que assistir um parto era um trabalho de mulheres. Se
pudesse confiar em alguma das damas do Ayre a chamaria. Umas mãos mais suaves
também poderiam aliviar ao Gwen.
Abriu a porta e se encontrou com Rollan, que estava apoiado na parede ao
outro lado do corredor. Ao vê-lo, Rollan aumentou os olhos, surpreso.— O que faz você...?
— lhe salvando a vida, respondeu.
Olhou para o extremo do corredor e viu o senhor Sócrates com sua neta. Essa
tarde tinha enviado ao John para buscá-los, para o caso de que Gwen os necessitasse.
— Necessita uma de suas infusões, lhe disse.
— Não deveria me surpreender te encontrar aqui — disse Rollan em tom
zombador. Suponho que terá a habilidade para fazer isso, já que nisso residia à
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habilidade de seu pai. Filho de curandeiro se burlou. Como chegou a ganhar suas
esporas é um mistério para mim.
Isso indicava o pouco que sabia Rollan de sua família. Seu pai tinha
habilidades curadoras, era certo, mas também ganhou suas esporas. Simplesmente não
tinha nenhuma utilidade que outros soubessem.
Entrou no quarto com o senhor Sócrates e sua neta e fechou a porta deixando
Rollan com as palavras na boca. O último que os fazia falta era seguir ouvindo o
rancor de Rollan.
— Pode lhe aliviar a dor? — perguntou ao senhor Sócrates.
— Sim, sir Rhys. Trouxe comigo tudo o que necessito.— E pode assistir ao parto?
O senhor Sócrates olhou as mãos nodosas e logo olhou ao Rhys aos olhos.
— Minha esposa e minha filha eram parteiras, mas eu não sei...
— Melhor você que eu, disse Rhys implacável.
Interrompeu o passeio de Gwen no centro do quarto. Não fazia falta ser
parteiro para dar-se conta de que algo tinha mudado em sua dama.— Gwen?
— Chegou o momento — disse ela, afogando uma exclamação de dor.
E ao que parecia, assim era. Rhys descobriu que, chegado o momento,
parecia-lhe que não devia estar perto dela. Sem dúvida ela estaria muito melhor em
companhia de mulheres.
Sacudiu esses pensamentos. Não havia mulheres, portanto ele teria que bastar. Situou-se atrás do assento para parto e lhe colocou as mãos sobre os ombros.
Ao menos ela já não o amaldiçoava, mas já estava perto de tirar sangue das suas mãos,
com cada contração que lhe sobrevinha. Não lhe importava; era o mínimo que podia
fazer por ela.
Não tinha transcorrido um punhado de momentos quando se abriu a porta e
apareceu Alain. Olhou ao Rhys movendo freneticamente os lábios. Rhys se limitou a
olhá-lo sem alterar-se.
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E então, com imenso alívio, ouviu um débil pranto. A senhora agarrou ao seu
filho recém-nascido e o embalou junto ao seu peito.
A menina viu as lágrimas da jovem mamãe e ao vê-las sentiu suas próprias
lágrimas correrem por suas bochechas.
O cavalheiro se ajoelhou aos pés de sua senhora e também chorou.
A menina lhe olhou as mãos e viu que eram mãos curadoras. Seu coração
estava cheio de amor pela mãe e o filho, a diferença do senhor do Ayre. Desejou ser
capaz de mudar as coisas, mas isso superava em muito suas modestas artes.
O fôlego de vida. Sim, isso era o que ela teria feito em seu lugar; sua mãe o
fazia com bastante freqüência. O cavalheiro era muito sábio ao ter pensado nisso.— Vamos, neta. Nosso trabalho aqui acabou.
A menina obedeceu à ordem sussurrada de seu avô. Quando se dirigia à
porta, voltou à cabeça para dar um último olhar e viu que o cavalheiro agarrava a mão
à senhora e a beijava meigamente.
Ai, se ela pudesse trocar as coisas.
Suspeitou que provavelmente os dois que ficavam ali estavam pensando omesmo.
Gwen estava reclinada nos almofadões da cama, esgotada de corpo e
espírito. Sim, árduas e dolorosas tinha sido o trabalho do parto, mas o que a levou ao
limite de sua resistência e prudência foi o quão perto que esteve de perder ao seu filho.
Mas já o bebê estava a salvo, e isso devia agradecer ao Rhys.
De repente ouviu uma comoção na porta e levantou a vista. Alain e Rollanentravam em seu quarto, empurrando para um lado ao senhor Sócrates e a sua neta.
Sentiu a forte tentação de repreendê-lo por esse mau trato ao ancião, mas descobriu
que não tinha a energia para fazer nada que não fosse continuar deitada e apertar mais
ao seu filho contra seu peito.
— Deixe-me ver o bebê, lhe disse Alain estendendo os braços.
Passou-lhe o bebê de muito má vontade. Tinha que reconhecer que por muito
que lhe agradasse a idéia de negá-lo, Alain era o pai e tinha todo o direito de tê-lo em
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— Frágil criatura, disse levantando-o no ar. E se o perdesse?
— Como o vais perder! — protestou Rollan, amavelmente.— Mas e se o perdesse? — insistiu Alain. Maldição, e eu que pensei que não
teria necessidade de engendrar outro mais nela. Suspirou longamente. Suponho que
necessitarei de outro, se por acaso a este acontece algo.
— Talvez devesse assegurar que a este não aconteça nada, sugeriu Rollan. Se
fosse meu, entregaria-o a alguém de quem estivesse seguro de que o ia cuidar bem.
— Sim — disse Alain e ficou em silêncio, ao parecer muito concentradorefletindo sobre isso. De repente sorriu ao seu irmão. O levarei ao Canfield para que
ali o crie alguém com experiência.
Gwen sentiu um calafrio por todo o corpo.
— Não, protestou. Não me tirará isso.
— Farei o que quiser...
— Sou sua mãe — disse ela, incorporando-se com grande esforço, e serei euquem cuidará dele.
— Você o que pensa? — perguntou Alain a seu irmão.
— Leva-o ao Canfield, sorriu. Esse é um plano muito sensato.
Imediatamente sairei para lhe buscar uma ama e talvez possamos empreender a
viagem esta mesma tarde.
— Não — exclamou Gwen, estendendo os braços para o bebê.
— Rachel cuidará bem do menino, continuou Rollan.
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— Minhas sinceras felicitações por seu filho, se limitou a dizer.
Gwen o olhou com os olhos entrecerrados.
— E isso é tudo? Só felicitações?
— Não poderia me sentir mais feliz por ti, respondeu ele com um
encolhimento de ombros. Se houver outra coisa que eu possa fazer...?
— Pode partir, respondeu ela. Preciso descansar.
Rollan lhe fez uma profunda inclinação.
— Como queira, milady. Endireitou-se e dedicou um olhar ao Rhys. Já não é
necessária sua presença aqui, sir Rhys.
Rhys recolheu a adaga que lhe tinha tirado do cinturão, embainhou-a comsupremo cuidado, e inclinou a cabeça para o Rollan.
— Meu lugar é, como sempre, fora de sua porta, como capitão de sua guarda,
lhe disse com um sorriso implacável. Você primeiro, milorde.
Gwen se sentou na cama com seu filho bem abraçado. Rhys esperou a que
tivesse saído Rollan e depois foi fincar um joelho ante ela.
— Sei de uma ou duas mulheres do povoado dignas de confiança, lhe disseem voz baixa. Talvez preferisse que lhe atendessem elas em lugar de suas damas?
— Sem dúvida iria bem à ajuda, admitiu ela.
— Então me ocuparei disso. Quando retornar, se me necessitar estarei fora
de sua porta. Só o que tem que fazer é me chamar.
Gwen assentiu e se inclinou sobre seu filho recém-nascido. Sabia que deveria
ocupar a mente em uma vintena de outros pensamentos mais edificantes, mas o único pensamento que era capaz de pensar era como desejava que esse filho tivesse um pai
que não fosse Alain.
Rhys, por exemplo.
Ao cabo de um momento não muito comprido, apareceram duas mulheres
em sua porta, que esperaram timidamente a permissão para entrar. Gwen sentiu
gratidão ao vê-las. Quão último desejava era ver-se atendida por qualquer das putas do
Alain.
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da igreja por ter feito isso. Um pretexto fútil para condená-lo a morte, certamente, mas
pelo visto ninguém o achou insensato. A conseqüência foi à salvação de uma vida e a
destruição de outra. Ele ao menos não teve que ver morrer a seu pai.
E também ao menos, tinha evitado correr a mesma sorte. Graças aos Santos,
Alain não viu o que lhe fez ao menino.
Bom, havia valido a pena correr o risco. Gwen estava fora de perigo depois
de dar a luz e seu filho respirava. Não podia pedir uma melhor conclusão do dia.
A menos, claro está, que lhe concedesse o direito a fazer sair às mulheres do
quarto e deitar-se junto a sua dama e envolver em seus braços à mãe e ao filho.
Isso era o que desejava mais que qualquer outra coisa no mundo. Mais que aterra, mais que evitar o escândalo e salvar a reputação de Gwen, mais que sua honra,
sorte seja a verdade. Desejava que essas duas pessoas fossem dele.
Necessitaria de um milagre para isso.
Apagou-lhe a visão e se passou o dorso da mão pelos olhos. Foi então
quando se deu conta de que Gwen o estava olhando. Ela também tinha os olhos cheios
de lágrimas, mas não fez nada para secar as bochechas.Era uma situação intolerável.
Fez-lhe uma profunda inclinação e retrocedeu para retirar-se antes de
desmoronar-se e tornar a chorar. Fechou brandamente a porta e depois se girou e
apoiou as costas nela.
Outros guardas do Gwen estavam apoiados na parede do frente. Olharam-no
em silêncio um bom momento. Finalmente, Montgomery limpou a garganta:— O que te parece se formos ao porão a procurar um barril cheio?
Rhys negou com a cabeça.
— Não.
— Um lance no campo de batalha, então? — sugeriu Montgomery,
carrancudo.
— Não.
— Bom, eu gostaria de ir ao campo de batalha, resmungou Montgomery.
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Connor se limitou a encolher os ombros e seguiu ao Montgomery, que ia
soltando maldições pelo corredor.
Rhys quase sorriu; se soubesse Montgomery que a esquerda era a melhor
mão do Connor, e que só a reservava para os competidores mais difíceis... Olhou ao
Jared.— Acredito que será melhor que vá observar. Não quero que Connor o
ataque de verdade.
Jared assentiu e agarrou ao John pelo pescoço.
— Vamos, pequeno. Deixemos em paz ao seu senhor.
— Mas poderia me necessitar, protestou John.
— O que precisa é de silêncio — disse Jared, empurrando-o pelo corredor.Se deixar de arrastar os pés, igual poderia te dar uma pequena lição de esgrima.
Imediatamente os pés do John deixaram de encontrar obstáculos no chão.
— Você ensinou ao meu senhor?
— Sim, moço, todos os movimentos mais letais.
John já ia caminhando junto a ele, muito bem disposto.
— Crê que poderia me ensinar a lutar com duas espadas, como faz sir Rhys?— Melhor se começarmos com uma, menino John.
Uma vez que Rhys os viu desaparecer pela escada, apoiou-se na porta e
fechou os olhos. Seus homens estavam felizes entregues aos seus assuntos; Alain e
Rollan, sem dúvida, estavam no porão inchando-se de cerveja, e Gwen já estaria
dormindo outra vez com seu filho.
E ele estava ali, junto a sua porta, cumprindo sua missão de bom guardião,
quando o único que era capaz de pensar era em seus terríveis desejos de raptá-la.
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Moveu energicamente a cabeça. Não devia pensar nisso. Alain jamais
renunciaria ao seu herdeiro e Gwen jamais renunciaria ao seu filho. Isso não podia
pedir-lhe nunca. Queria ou não, teria que aceitar sua situação e suportá-la.
Como ia fazer isso, certamente não sabia.
Mas teria que fazê-lo. Teria que sorrir, aparentar que estava contente, manter
a fachada pelo bem do Gwen. Ela teria mais que suficiente no que ocupar a mente
criando ao seu filho. Talvez tivesse razão ao dizer que não deviam considerar-se outra
coisa que companheiros de armas. Não sabia se o obteria, mas sim sabia que não
ficava mais alternativa que simulá-lo. Ao menos durante os meses seguintes.
— Por todos os Santos — resmungou-. Meu pai deveria ter sido ator emlugar de cavalheiro.
Capítulo 21
Outono do ano de Nosso Senhor 1202
Os anos perdidos; dois anos de intrigas faltadas. Essas eram as reflexões
do Rollan do Ayre enquanto percorria os corredores do porão em busca de algo queacalmasse seu mau humor. Deteve-se ante um barril de cerveja e provou um pouco.
Amarga, estava quase tão amarga como seu humor.
Por todos os Santos, como tinham fracassado seus planos. Claro que já tinha
suspeitado isso antes que nascesse o filho do Gwen. Recordava muito bem essa
primavera. Que maravilha a primavera, com todas as coisas brotando à vida; era sua
época favorita para incubar suas intrigas. Tinha dedicado um par de meses a depenar aum par de filhas de nobres e depois a fazer uns quantos estragos seletos na corte,
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desejava Wyckham e provavelmente a Gwen também. O capitão e a dama sempre
juntos e ao parecer contentes assim. A situação que ele acreditava que os levaria aos
dois a jogar-se pelo parapeito se converteu em algo que eles não teriam podido fazer
mais agradável se a tivessem planejado eles mesmos.
E por desgraça, nesses momentos ele se encontrava absolutamente
desprovido de idéias para lhes causar mais problemas.
Pisando em forte, Rollan se dirigiu à cozinha, agarrou a uma criada passável
e atirou dela para a escada que subia a seu quarto. Talvez umas duas semanas de
putaria e bebida lhe restabeleceriam o bom humor e lhe dariam algumas idéias para
fazer desgraçados ao Rhys e Gwen. Claro que isso requereria um engenho que só ele podia reunir. E certamente necessitaria algo que estendesse inclusive sua considerável
capacidade de imaginação.
No corredor se encontrou com outra criada e também a levou com ele.
Esse algo foram ser essas duas semanas, estava seguro.
A menina estava de pé junto a seu avô observando os sinais que este
desenhava sobre o pergaminho com sua pluma molhada em tinta. Com os dois anos passados sobre esta terra e sua maior estatura, resultava-lhe mais fácil ver esses
estranhos signos, mas mais fácil de ver não significava necessariamente mais fácil de
ler. Seu avô lhe tinha ensinado umas quantas letras, mas as poucas que reconhecia
estavam tão entrelaçadas com as outras que não conseguia entender nada.
O que, sim, entendia, entretanto, eram os potes e bolsas que cobriam a mesa
de trabalho de seu avô. Em realidade, sempre lhe dizia que seu talento estava mais na preparação das poções que nas escritas. Por isso tinha exercitado seu nariz, olhos e
mãos em mesclar coisas curadoras, e esperava que isso fosse suficiente para as tarefas
que lhe apresentaria a vida.
Mas uma parte dela desejava, saber fazer também essas graciosas linhas
curvas e entrelaçadas sobre o papel.
Seu avô se endireitou sobre seu tamborete alto e sorriu satisfeito. A menina
aproximou mais a cabeça para ver a página.
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— Sim, reconheceu ele. Bastante parecida com a vida que levamos este
último tempo, não é neta?
O ancião o dizia sinceramente. Embora continuassem vivendo nesse quarto
úmido do porão, tinham-lhes chegado umas quantas comodidades, gastas por almas
que asseguravam não conhecer a identidade de quem as enviava. A menina sim sabia,
mas preferia não dizer nada.
Sir Rhys fazia freqüentes visitas, como também a senhora do castelo. A
menina dificilmente se atrevia a falar com a senhora, porque era tão bela que quase lhe
doía olhá-la, e a envergonhava sua fealdade. Mas a senhora era muito bondosa eamável com ela e estava acostumado a lhe levar presentes. A isso se acrescentava a
alegria de jogar e rir com o bebê de vez em quando. Sim, a vida era muito agradável
na realidade.
— Esta página é muito parecida com a vida — começou o avô, fazendo um
amplo gesto com a mão, como fazia sempre que ia dizer lhe algo importante.
Mas desta vez a manga ficou enganchada no pote com tinta e o derrubousobre as palavras tão bem escritas.
A menina lançou uma exclamação de pena e se apressou a secar a tinta com a
manga de seu vestido, mas por desgraça o desastre já parecia. As letras estavam todas
cobertas por tinta escura.
Seu avô suspirou e a olhou.
— Como ocorre na vida, pequena, às vezes a gente tem que começar de novoa página.
A menina achou muito sábia essa observação, embora não exatamente
agradável. Tanto trabalho e paciência, e tudo quebrado por um gesto casual.
Como a vida, em realidade.
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Gwen pôs o seu inquieto filho no outro quadril e olhou furiosa a sua coleção
de guardiães.
— Como vou poder ouvir algo se levar ao Robin? — perguntou.
Como um só homem, além do John, claro, as almas que tinha diante não
responderam nada, mas todos puseram uma expressão de pânico quase idêntica.
— OH, pelo amor dos Santos, é o grupo mais inútil que vi em minha vida, os
repreendeu. Assustados por um menino pequeno. Qualquer um diria que lhes vai
derrotar sem outra coisa que um olhar.
Não houve nenhuma mudança em suas expressões, a menos que fosse uma
mudança a mais absoluta certeza de que isso era uma realidade possível.
Ou seja, humilhá-los tampouco ia dar resultados. Ao parecer não ficava outra
coisa que tomar uma medida drástica.Fez um último mimo ao Robin, depois o girou e o plantou diante do homem
que estava mais perto. Jared, a alma escolhida por defeito, levantou as mãos para
manter a raia um destino certo. Mas em lugar de escapar a seu destino, viu-se com as
mãos ocupadas por um pirralho revoltoso de dezesseis meses de vida, sustentando-o à
distância de seus braços com mesmo cuidado que teria sustentado a uma serpente a
ponto de atacar. Gwen deu um último olhar ao pequeno: embora meio incômodo nessa precária posição, ao que parecia achou interessante a cara do Jared, porque o olhou
fixamente com esse olhar sem pestanejar tão próprio do Jared; depois meteu o polegar
à boca e se acomodou para continuar com a contemplação. Segura de que os dois
sobreviveriam a uns poucos momentos, ela se afastou em direção ao solar de seu
marido.
Um instante depois já estava com a orelha pega à madeira da porta, tratandode escutar os mais tênues sons da conversa que se desenvolvia dentro. Que houvesse
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um silêncio mortal só podia significar duas coisas: ou Alain estava sorrindo satisfeito
e Rhys havia decidido permanecer estóico, ou Alain tinha traído a seu capitão e este
tinha matado a todos os presentes no quarto. O último não a teria surpreendido muito.
Rhys estava chegando ao seu limite.
Como se tinham arrumado para sobreviver, certamente não sabia. Muitas
vezes havia dito ao Rhys que isso era possível porque sua capacidade de imaginação
estava mais exercitada que a dele; passava boa parte do tempo simulando que vivia um
dos contos que narravam os bardos de sua mãe; era muito mais fácil imaginar-se ao
Rhys como um pretendente não correspondido que a adorava de longe. Claro que isso
era mais difícil do que tinha esperado, dado que Rhys passava a maior parte do tempoa seu lado. Mas tinha sido fiel a sua palavra. Não a tocava nem lhe falava de amor.
Tratava-a com o mesmo afeto de companheiro com que tratava ao John, Montgomery
e aos Fitzgerald.
Maldito seja, de toda forma.
Só uma vez lhe sugeriu que talvez, embora não cometesse de verdade os
atos, lhe deu a entender com um gesto que sentia um intenso desejo de lhe acariciar amão ou lhe beijar os dedos não fosse tão mau.
O olhar que lhe dirigiu foi suficiente para fazê-la lamentar sinceramente a
sugestão.
Então ela tinha procurado distrair-se com outras coisas. Praticava esgrima.
Rhys tinha mandado fazer uma espada especial para ela, e em alguma parte tinha
conseguido uma jóia para o punho, de cor verde mar, como seus olhos. Infelizmente, aespada tinha as bordas cegas, e o condenado tinha ameaçado de morte a todos os
ferreiros de dez milhas à volta se acrescentavam qualquer qualidade perigosa à lâmina.
Ela poderia ter tentado afiá-la, mas o aço era formoso e temeu danificá-lo. Além disso,
era algo que lhe tinha dado Rhys e isso era motivo para tê-la como um tesouro,
embora não servisse para fazer mal a nenhum inimigo.
Dedicou-se a cuidar de seu filho. Alain não havia tornado a falar de sua
intenção de levá-lo a outro castelo, de modo que ao final ela deixou de dormir com
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uma adaga em uma mão e o outro braço ao redor de Robin. Não tinha a menor duvida
de que no momento mesmo em que Robin fizesse sete anos o enviariam longe, mas até
esse momento ela tinha toda sua custódia. Alain estava raramente em casa, e quando
estava nunca a incomodava de noite. Inclusive Rollan passava pouco tempo no castelo
criando problemas. E assim criava ao seu filho em paz, praticava sua esgrima e
passava o resto de seu tempo ocupada em seu quarto.
Então se disse que estava contente com sua vida, porque sabia que não tinha
outra alternativa. E isso a levou a perguntar-se que fazia ali, com a orelha pega à porta
do quarto do Alain, como uma amante, esforçando-se por ouvir os mais mínimos sons
de conversação. Mais inquietante era o que esperava ouvir: que Rhys tinha conseguidoa terra prometida pelo Alain.
E isso significava, sem dúvida, que ele partiria do Ayre o mais breve
possível.
A porta se abriu tão de repente que quase entrou de cabeça no quarto do
Alain. Retrocedeu e se endireitou bruscamente, com a esperança de que ninguém a
tivesse visto. Rhys saiu com tanta rapidez que quis acreditar que em realidadeninguém a viu.
Ele fechou a porta de um golpe e a olhou irritado.
— Falamos do Wyckham.
— Claro, disse ela.
Isso não era algo que a alegrasse muito ouvir porque significava o fim da
estadia dele ali. Mas teve a sensação de que as coisas não tinham ido tão bem comoele teria gostado. O fato de que tivesse uma expressão assassina na cara era boa
indicação.
— Disse-me, e te vou repetir suas palavras exatas, «Enfrente a minhas
tropas, se quiser».
— Disse o que? — exclamou ela surpreendida.
-Ouviste, respondeu ele, mal-humorado. Tem acampados os seus homens aí.
Tenho que tomá-la pela força!
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Agarrou-lhe a mão com tanta força que ela pressentiu que não ficaria livre
muito em breve.
— Rhys, não.
Mas ele continuou avançando pelo corredor sem soltá-la, de modo que não
ficou outra alternativa que correr para segui-lo.
Estava pensando como era que ninguém os olhava mais de uma vez quando
lhe viu a expressão da cara e o mistério ficou resolvido. Jamais o tinha visto tão
zangado.— Não é culpa minha, lhe disse.
Ele continuou a grandes pernadas até chegar ao seu quarto. Abriu a porta e
passeou o olhar por todas suas damas. Ao ver as expressões que puseram estas Gwen
compreendeu que devia alegrar-se por não ser a receptora desse olhar.
— Fora.
Essa palavra fez sair a toda pressa a todas as mulheres. Ela teria fugidotambém com elas, mas sua mão continuava aprisionada em seu forte aperto. Uma vez
que saíram as mulheres, ele a fez entrar na sala. A porta se fechou com um forte
retumbo.
— Não comece a buscar armas no vestido, lhe advertiu ele.
Ela caiu na conta de que era justamente isso o que estava fazendo, de modo
que se agarrou as mãos nas costas.— Como quiser, disse.
— Como quero, repetiu ele. Tem uma idéia do que quero?
— Estrangular-me? — perguntou ela, tentando sorrir como se fosse uma
brincadeira.
— Não, respondeu ele sem sorrir.
— Então te juro que tenho muito pouca idéia, porque pela expressão de sua
cara eu diria que o que mais você gostaria de fazer é me estrangular.
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Ele fez chiar os dentes e se limitou a olhá-la furioso.
Desesperada, ela procurou em sua cabeça algum comentário adulador para
lhe dizer para aplacar seu mau humor, mas o que podia lhe dizer? «Desfruta de sua
terra, bem que lhe ganhou isso?» «Forma um exército e tome a terra pela força?» «me
deixe e não volte a pensar alguma vez mais em mim?»
Era isso último o que mais a preocupava. Fez uma inspiração profunda.
— Poderia ficar, lhe disse.
Já o havia dito antes, mas era um sentimento que suportava repetição.
Ele arqueou uma sobrancelha, mas não disse nada.
— É um excelente paladino, insistiu ela. Foi passável, não é? Ler juntos,caminhar juntos, conversar. Não poderíamos seguir como até agora?
— Não, disse ele.
— Mas por quê...?
— Por quê? — interrompeu ele. E perguntas por quê?
Olhou-a como se de repente achasse muito atraente a idéia de estrangulá-la,
por isso ela retrocedeu um passo. Ele avançou com expressão tempestuosa e Gwendescobriu consternada que já não havia mais espaço para continuar retrocedendo; suas
costas tocavam a fria parede de pedra, e os pés dele tocavam os seus. Ele apoiou as
mãos na parede a ambos os lados de sua cabeça e a olhou.
— Permita que te diga por que não podemos, lhe disse com voz rouca. Não
podemos porque cada dia destes dois anos os passei ardendo por ti. Tive que me
agarrar fortemente as mãos às costas, me tirar sangue e me deixar cicatrizes para nãote tocar. Esgotei ao Connor e ao Jared até a medula dos ossos, com o fim de que
quando estivesse contigo não restasse energia para falar de outra coisa que não fosse o
estado de suas malditas ervas ou do maldito tempo.
— Então não era que eu te aborrecia...
Fechou a boca ao lhe ver a expressão da cara, e pensou que isso tinha sido
uma decisão muito prudente.
— Não posso permanecer aqui nenhuma hora mais se o único que me
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— Não posso permanecer nenhuma hora mais perto de ti e só poder falar
contigo.
Ia partir. Deveria estar preparada para isso, mas descobriu que não estava.
— E por cima de tudo, não quero voltar a escutar nenhuma maldita palavra
mais sobre isso de que sou um paladino nobre, cavalheiresco e não correspondido.
— Pois o fazia muito bem.
— Ao preço de dois anos sem dormir nenhuma maldita noite? — gritou ele.
— Não podia dormir? — perguntou ela surpreendida.— Não.
— Pois eu dormia muito bem.
— Sim?
— Sim, respondeu meio hesitante, sim, bom, a maioria das noites.
Certamente sua cama...
— Não era a cama.— Então seu quarto...
— Não era meu quarto.
Gwen franziu o cenho. Talvez a falta de sono lhe tivesse debilitado o
julgamento.
— Não vejo o que...
De repente, sem aviso, encontrou-se envolta em seu abraço. Se tinha havidoum espaço entre eles antes, já não existia. Não poderia tê-la modelado melhor se
tivesse sido uma massa fina para bolos. E não era que o cozinheiro do Alain fizesse a
massa fina, porque sempre estava cheia de grumos e areia.
— Gwen — grunhiu Rhys.
— Sim? — perguntou pestanejando.
Esperou para ouvir o que queria lhe dizer, e então compreendeu que
simplesmente queria ter toda sua atenção. Como se já não a tivesse. Era muito
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consciente de seu corpo sólido e da força dos braços que a deixavam cativa, apertada
contra ele.
E então a beijou.
E ela pensou que igual poderia desmaiar.
E se teria desacordado se ele não a tivesse tido abraçada com tanta força. E
seguro que esse não era o beijo casto que poderia dar um paladino a sua dama
inalcançável.
Era um beijo de posse total.
Quão único pôde fazer foi agarrar-se de seus ombros e apertar-se mais contra
ele. Era aniquilador voltar a ter sua boca na sua depois de dois longos anos se perguntando se se teria imaginado quão doces eram seus lábios. E mais lamentáveis
ainda eram as lembranças que lhe evocou seu beijo. Tinha-a beijado assim antes,
beijos longos, intensos e tão completos que duvidava de que ficasse alguma parte de
sua boca que ele não tivesse explorado. Mas esses beijos tinham sido um prelúdio da
posse do resto de seu corpo.
E de sua alma.Sentiram que lhe brotavam lágrimas dos olhos, mas não se incomodou em
limpar-lhe Ai, quantas coisas se perderam! Quantas horas de amor, quantos dias de
simples carícias e incitantes beijos.
Ele começou a se afastar, mas ela o impediu.
— Não, sussurrou contra sua boca. Ainda não.
— Vê agora? — disse ele com voz rouca.— Sim, conseguiu dizer.
— Eu nunca a esqueci — sussurrou lhe depositando suaves beijos nas
comissuras dos olhos, saboreando suas lágrimas. Nunca, nunca, nem um só instante.
Não sei como podia você.
— Talvez minha imaginação seja minha perdição.
— Deveria usá-la menos.
— O que outra coisa ia fazer para sobreviver?
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todos os modos não o teriam reconhecido. Jamais usava duas vezes o mesmo disfarce
para ir à abadia.
— Rhys, lhe disse a abadessa com um comprido suspiro de paciência, não
poderia ter escolhido um disfarce menos fragrante?
— Cuidar de porcos é um ofício respeitável, mãe.
A abadessa se levantou e o convidou a aproximar-se com outro suspiro.
— Venha e dê um beijo na sua mãe, querido, mas não um abraço, por favor.
Rhys se levantou rindo e se inclinou a beijar a sua mãe na bochecha.
— Suponho que estará tão contente que não te importará meu aroma.
Ela enrugou o nariz.— Não poderia te haver disfarçado de frade? Ou de trovador? Pelo menos
eles cheiram a tabaco e a cerveja, não a porcos.
— Mãe! — riu Rhys. O que pensariam suas noviças se lhe ouvissem?
Ela sorriu e o convidou a sentar-se ao seu lado.
— Temem-me muito para se incomodarem em escutar o que digo.
Escapolem por aí e procuram não atrair minha atenção. Sobretudo quando faz mesesque não tive notícias de meu filho, porque isso me põe de um humor particularmente
mau.
Rhys pôs os olhos em branco.
— Te teria escrito...
— Mas temia revelar meu paradeiro. Sim, já ouvi essa desculpa antes.
Ele iniciou um protesto, mas ela o fez calar com um gesto de mão.— Protege-me bem e isso eu lhe agradeço. Agora me conte suas notícias e
me diga por que te encontra na França.
— Bom...
— Seu avô diz que se apaixonou por uma jovem que não pode ter. Dirigiu-
lhe um olhar penetrante. Eu gostaria de saber por que não me contou isso.
— Não sabia se aprovaria.
— Tão rabugenta é, então?
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— Pelo menos sou livre para ver-te quando quiser, mãe. E sigo vivo para
fazê-lo. Não imagino o que ocorreria se seguisse os passos de meu pai.
— Isso é muito certo, carinho, disse ela e lhe apertou a mão. Muito bem,
continua com sua empresa e que seus trabalhos sejam muito frutíferos. Eu guardarei
seus lucros, como sempre.
— Elogiados sejam os Santos pela cripta que há debaixo do altar, disse ele
sorrindo. Eu agradeço muitíssimo.
— Sempre é uma felicidade para mim fazer algo pela causa do amor.Levantou-se agilmente. Pedirei que nos tragam algum refresco; depois me contará sua
viagem até aqui. Suponho que a travessia foi perigosa, como sempre.
Rhys sorriu para seus botões. Se havia algo que sua mãe detestava era pôr os
pés em qualquer tipo de veleiro. Suspeitava que esse fosse o motivo de que tivesse
continuado a viver na França todos esses anos.
Ou talvez se devesse a que lhe agradava sua vocação. Tinha tempo de sobra para orar, para contemplar os mistérios da vida em seu jardim e para oferecer
hospitalidade aos viajantes de passagem. Felipe se tinha encarregado de tudo isso
depois da morte de seu marido, e Mary tinha aceitado com muito gosto.
Quem teria imaginado que ia se converter em uma espiã tão boa como seu
marido?
Ou seria o seu marido que continuava espiando e Mary só oferecia umacobertura conveniente para suas atividades?
— Oh, por todos os Santos, murmurou vexado.
A imaginação excessivamente ativa de sua dama tinha tido um efeito
desastroso em seu juízo. Seu pai estava morto. Sua mãe era enganosa, mas nem tanto.
Enquanto observava a sua mãe dar ordens a suas noviças, perguntou-se, e
não pela primeira vez, onde teria nascido. Havia-lhe dito incontáveis vezes «Na
Inglaterra, e deixemo-lo aí, querido». Seu pai não tinha revelado mais, e seu avô se
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mostrou sempre ainda mais reservado que eles. Teria sido tão terrível sua vida que só
o feito de falar dela a afligia tanto?
Ou teria parentes ali que quereriam fazê-la voltar se soubessem onde
encontrá-la?
— Veio doce do sul, anunciou sua mãe lhe passando uma taça de prata. Frio,
tal como você gosta.
Rhys quase lhe pediu a garrafa inteira para sossegar suas dúvidas. Sua mãe
tinha motivos para seus segredos, e estes não eram de sua incumbência. Isso devia lhe
bastar. Além disso, já tinha suficiente no que ocupar sua mente nesses momentos.
Tinha muitos preparativos que fazer para assistir aos torneios. Precisaria ter os olhos bem abertos para recrutar homens para um exército que ainda não existia. E se isso
não fosse suficiente para mantê-lo ocupado, sim o seria ocupar-se de que John
continuasse ileso. Bebeu um comprido gole de vinho. Os Santos lhe protegessem de
um escudeiro arrogante.
Já era hora de que escrevesse a Gwen para lhe comunicar que tinha chegado
à França sem problemas.— Mãe, preciso enviar uma mensagem. Tem a alguém de confiança?
— É obvio.
— Então posso me retirar aos seus aposentos? Se mal não recordar, são
muito mais cômodos que este.
Sua mãe enrugou o nariz.
— Acredito que em primeiro lugar vais tomar um banho, meu filho.Enquanto isso eu irei procurar o hábito de irmã que possa usar.
— Tenho a impressão de que só faz para isso ver-me com saias, disse ele
carrancudo.
— Teria sido uma garota preciosa, respondeu ela lhe dando uns tapinhas na
bochecha.
— Mas muito alta, disse ele.
— É possível que as irmãs se fixem mais no tamanho de seus pés que em sua
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Rhys suspirou; as indignidades que tinha que sofrer por uma cama branda.
Mas as sofreria de boa vontade, porque suspeitava que essa seria a última vez, em
bastante tempo por vir, que sentiria plumas sob as costas. Sua mãe, pelo menos em
seus aposentos privados, não era dada às privações. O Rei tinha sido muito generoso
em sua gratidão pelo contínuo serviço de Mary a sua causa. E ela não sentia o menor
escrúpulo em desfrutar desses luxos enquanto pudesse.
Já tinham transcorrido várias horas quando Rhys se encontrou por fim
sentado no escritório de sua mãe, embelezado com um hábito de irmã, escrevendo
laboriosamente a que esperava fosse à primeira carta a seu amor. Se tivesse sorte,demoraria meio ano em ganhar o ouro que necessitava e só umas quantas semanas em
formar seu exército. Contava com que sua fama lhe seria de utilidade.
«Meu amor» começou, mas logo moveu a cabeça e riscou as palavras. Não
devia revelar muito de seu coração. Os mensageiros de sua mãe eram dignos de
confiança, certo, mas não sempre se podia contar com que a viagem fosse segura.
Seria melhor limitar-se a assuntos menos emotivos.«Milady Gwennelyn» começou a escrever, «cheguei à França sem novidade
e em qualquer lugar que vou encontro com céus bastantes cinzas e uma fina garoa».
Olhou as palavras com satisfação. No caso de que interceptassem sua carta, ninguém
poderia adivinhar no que ocupava seu tempo. E sim, garoava muitíssimo nessa época
do ano. «Até o momento, meu equipamento, incluído meu escudeiro tem aspecto de
estar sobrevivendo bastante bem à viagem. “Meu cavalo só perdeu uma ferradura, oque me causou um pouco de aflição, mas isso foi remediado em seguida».
Fez uma pausa para pensar, e então seu nariz captou os eflúvios. Era evidente
que a cozinheira de sua mãe tinha estado trabalhando novamente. Depois da sujeira
que tinha comido no Ayre durante os dois últimos anos, quase tudo podia ser melhor.
Olhou a carta, pensativo, e depois se levantou bruscamente. Primeiro
comeria. Isso lhe daria outro tema não arriscado para escrever a sua dama.
Saiu do aposento de sua mãe com a boca cheia de água. Percorreu o corredor
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Um calafrio percorreu de cima abaixo as costas de Gwen. Por grande que
fosse seu desejo de voltar para a cama e continuar ali vários dias mais, teria que
abandonar a idéia. Devia partir do castelo. Talvez lhe fosse possível convencer Alain
de que a acompanhasse até Segrave em seu caminho a Canfield. Igual lhe agradaria
fazê-lo, se pensasse que ela estaria convenientemente escondida com sua mãe, onde
não lhe criaria problemas.
Esperou até que esteve segura de que Rollan tinha subido a escada para subir
ela também. Sua primeira tarefa seria procurar sir Montgomery para lhe contar o que
acabava de ouvir. Depois se armaria de coragem para ir à cozinha do Ayre a preparar
ao seu marido algo que lhe adoçasse o humor. Embora seu paladar não fosse muitoseletivo, nunca distinguia quando um prato era mais saboroso que outro, a não ser que
fosse para comentar que havia algo estranho na comida, depois de tudo comida era
comida, em se tratando do gogó de um homem assim.
E assim logo se encontraria instalada no castelo de sua mãe antes que Rollan
tivesse tempo para causar desastres.
Ou isso esperava.Duas semanas depois, Gwen estava a salvo, instalada no castelo de sua
mãe em Segrave, com uma carta nas mãos. Era uma carta muito esperada durante
quase dois meses; tinha contado os dias da partida de Rhys, concedendo tempo de
sobra para as dificuldades que pudesse encontrar o mensageiro em seu caminho, de
modo que a alegria e o alívio que sentiu ao recebê-la foram enormes.
E então começou a lê-la.Nesses momentos estava relendo a parte de pergaminho infestado de borrões
à luz das melhores velas de sebo de sua mãe, e desejando que Robin estivesse dormido
mais profundamente para dar rédea solta a sua frustração com umas palavras seletas
que tinha aprendido em sua juventude freqüentando o campo de batalha.
— Ganso assado com cebolas e um saboroso molho de marmelo? — citou
chateada. Estas são as tolices que me escreve!
Sua mãe continuou costurando placidamente.
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filho. Estava segura de que Rollan iria contar a Alain, embora só fosse para fazê-lo
voltar para o Ayre e assim poder jogá-lo escada abaixo. Sentiu a tentação de lhe dar
voltas a esse pensamento um momento mais. Se deixasse ao Rollan tempo suficiente,
igual poderia lhe solucionar todos seus problemas.
Mas, por tudo o que sabia, se Alain morresse de um acidente, o Rei a casaria
com o Rollan antes que ela tivesse notícias de Rhys, e então se encontraria em uma
situação ainda mais intolerável. Por sorte, Alain passava a maior parte de seu tempo
em Canfield, ocupado com o que só os Santos sabiam em que tipo de atividades com
lady Rachel. Pelo tempo que tinha passado com ele, seu marido poderia ser só um
nome. E isso lhe vinha muito bem, e era muito mais satisfatório que se encontrar juntoao Rollan frente a um sacerdote.
Talvez devesse enviar aos Fitzgerald de volta ao Ayre simplesmente para
proteger ao Alain. Tinham que ter viajado com ela a Segrave, com sua comitiva, mas
lhe rogaram que lhes desse permissão para atrasar-se, para poder explorar os arredores
se por acaso houvesse algum inimigo. Qualquer um ia se opor aos desejos desses
homens tão temíveis, de modo que os deixou ao seu ar. Já fazia dias que deveriam ter chegado, mas ainda não lhes via o cabelo. Deveram sair do Ayre mais rápido que a
velocidade que adotaram depois; talvez explorar era uma atividade mais difícil do que
ela tinha imaginado.
— Gwen, disse Joanna, interrompendo seus pensamentos, e se bordasse
algum desenho heróico em uma capa?
— Ele não a poria, mamãe.Suspirou e deixou de lado suas preocupações. Não lhe servia de nada tentar
adivinhar as intenções do Rhys, porque tinha a certeza de que ele faria as coisas de um
modo que ela não teria escolhido. Isso sim tinha aprendido sobre os homens em sua
curta vida.
— Acredito que vou fazer pregas de lençóis — disse, olhando ao seu redor
em busca de um tecido apropriado.
— Lençóis?
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agarrou a que estava mais perto de sua jarra de cerveja.
Leu-a e sorriu. Era francamente assombroso como o passar do tempo tinha
escolhido a formalidade das primeiras cartas.
Epifanía, 1206
Minha bem amada Gwen:
Por fim terminou o comprido assedio, e consegui que o Conde d'Auber,
motivado pelo medo, pagasse-me mais ouro que o que tinha a intenção de gastar, mas
o custo para mim foi seis meses mais ao seu serviço do que eu imaginava que me
exigiria. Com este ouro acredito que tenho suficiente inclusive para as mãosambiciosas de João, e sobrará para enviar a Roma, para adoçar o humor do Papa.
Estou seguro de que terá sua liberdade e a de Robin também.
Espere-me ao fim da primavera. Levarei comigo um punhado de moços para
assegurar Wyckham.
Sempre seu servidor
Rhys de Piaget
O leitor deixou a carta a um lado com supremo cuidado, e pôs sobre a mesa
outra carta selada escrita por outra mão. Esta não vinha tão manchada como a outra; só
trazia as manchas que deixaram as mãos da pessoa que a escreveu e as de um sómensageiro. O selo de cera estava intacto.
Mas o selo se fez pó com a pressa, bastante indecorosa, com que o leitor
abriu a carta; embora em realidade, isso não tinha nenhuma importância posto que
ninguém se inteirasse desse descuido, porque ali acabaria a viagem da carta.
O leitor começou a ler e começou a rir. A verdade era que em algumas partes
as palavras eram tão divertidas que tinha que jogar a cabeça atrás para rir a
gargalhadas. Se não outra coisa, a autora dessa carta menos que desagradável tinha
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estudado muito bem a anatomia eqüina e aproveitado ao máximo esses estudos. Muito
criativa, a verdade; lástima que sir Rhys não fosse lê-la nunca.
Sem deixar de sorrir, deixou a carta a um lado e agarrou uma folha limpa de
pergaminho. Afiou sua pluma, molhou-a na tinta e se deu um ou dois golpecitos na
frente com o outro extremo da pluma para começar a dirigir seus pensamentos na
direção correta. Fluiu a inspiração e se dispôs a escrever.
Meu bem amado Rhys:
Quanto te sinto falta! Quantas noites me desvelo pensando em você,sonhando que estou entre seus braços fortes e viris! Se apresse, meu amor, e me libere
desta prisão. Não penso em ninguém fora de ti, não desejo a ninguém fora de ti. Traga
todo seu ouro para que possa subornar a todo mundo da Inglaterra para me ter.
Rollan deixou a pluma, franziu os lábios e soltou uma maldição ao
compreender que talvez isso fosse menos sutil do que teria desejado. Gwen não teria
falado do ouro. Também começou a ter sérias dúvidas em relação à conveniência deutilizar a expressão «braços viris».
Maldição; teria que começar a carta de novo.
Com um suspiro, enrugou a folha que tinha debaixo de sua pluma e a jogou
no fogo da lareira. Agarrou outra folha de pergaminho limpo e recomeçou a tarefa,
concentrando-se ao máximo em ter na primeira linha de seus pensamentos as frases
que tinha usado em todas as outras cartas que tinha enviado ao Rhys em nome deGwen durante os três últimos anos. Tinha-lhe levado um par de meses aperfeiçoando a
imitação da boa letra de Gwen, mas a maior dificuldade com que tropeçou foi
adivinhar que expressões teria usado ela para dirigir-se ao galhardo sir Rhys.
Quando terminou, releu o fruto de seus árduos esforços. A carta gotejava
sentimento, de modo que, satisfeito, passou areia sobre a tinta para que se secasse mais
rápido. Depois enrolou o pergaminho, inclinou a vela para que gotejasse sobre as
bordas e finalmente pressionou sobre a cera quente uma cópia perfeita do selo de
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Gwen. Feito isso, levantou-se, saiu do melhor quarto da estalagem, procurou a seu
mensageiro e o enviou em sua missão, acompanhado por uma bolsinha de ouro. A
soma não o preocupava, já que procedia diretamente dos cofres do Alain. Sorriu
placidamente; que alma mais confiante era seu irmão.
Tinha-lhe resultado difícil interceptar a correspondência em ambos os
sentidos, posto que Gwen passava a maior parte do tempo com sua mãe em Segrave,
mas para ele isso só tinha significado um desafio acrescentado. E quando o ouro não
era o bastante convincente, utilizava outros meios. Todo homem tinha suas
debilidades: vulnerabilidade ao suborno, mulheres, veneno... Tinha comprovado que a
lista era longuíssima em realidade.Voltou para seu quarto seguido por uma criada carregada com uma bandeja
cheia do melhor que oferecia a estalagem. Não o surpreendia que a comida ali fosse
melhor que a que teria encontrado no Ayre. Isso era culpa de Alain; ninguém se deita
com a filha do cozinheiro, ante os próprios narizes do cozinheiro, sem encontrar, a
partir desse momento, algum tipo de retribuição em seu pão. Voltou a sentar-se ante
sua mesa movendo a cabeça; a discrição nunca tinha sido a característica mais forte deseu irmão.
Lançou-lhe uma moeda à moça, que a agarrou e saiu correndo do quarto. Por
um momento tinha tido a tentação de fazer que ficasse, mas desprezou a idéia.
Desejava saborear o último capítulo de sua melhor mutreta, e para fazer isso precisava
estar sozinho.
Certamente os sentimentos de Gwen por Rhys já teriam esfriado até o pontode não poder reencender-se. Depois de tudo, não tinha recebido notícias dele durante
quase três anos. O que faria quando ele chegasse ao castelo com seu coração na mão?
Matá-lo com uma flecha, pensou Rollan, se sua sorte não o abandonasse.
Reclinou-se no respaldo de sua cadeira e sorriu. E ali estaria ele, preparado
para entrar em cena e consolá-la.
Ah, sim, a vida era maravilhosa em realidade.
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era capaz de vencer a dezenas de cavalheiros nos torneios de todo o continente, e
cobrar resgate para lhes perdoar a vida; certamente tinha a perícia e coragem
suficientes para que muitos senhores franceses o contratassem para que combatesse
suas batalhas; e era mais que preparado para passar seu bom tempo na corte francesa
cortejando a qualquer nobre que encontrasse ali.
Ou às damas, se pudesse dar crédito às fofocas de Rollan.
O que ela não entendia era por que, tendo todas essas outras habilidades,
Rhys não conseguia encontrar sua capacidade para pôr tinta sobre pergaminho e contar
ele mesmo seus êxitos. Era porque estava muito ocupado no campo de batalha? Ou era
porque estava muito ocupado no quarto?Ou seria que tinha pensado melhor e já não desejava enredar-se na
desesperada situação dela?
Jogou a costura na cesta que tinha aos seus pés e saiu do quarto,
abandonando a sua mãe e as suas damas. Que lástima não ter conseguido convencer ao
senhor Sócrates e a sua neta de que fossem com ela a Segrave. Assim teria podido
passar mais tempo com eles e aprender tudo sobre cura. Mas não, eles seguiam noAyre e ela seguia em Segrave, desejando uma boa mudança.
Seus filhos nem sequer estavam acordados para entreter-se com eles. Robin
estava dormindo na cama da Joanna, absolutamente esgotado depois de passar boa
parte da manhã lutando com o Connor e Jared. Pelo visto, os gêmeos estavam
convencidos de que o menino não podia por menos que beneficiar-se a começar sua
aprendizagem a essa idade tão pequena. Ela tinha tido suas dúvidas, até que viu comque carinho cuidavam de seu filho. Talvez tivesse sido uma boa coisa deixar ao
menino com eles quando era um bebê para que ela pudesse escutar às escondidas as
conversas de Alain. Certamente não havia no castelo duas almas mais dispostas e
capazes de cuidá-lo que os Fitzgerald.
Suspirou e se dirigiu à sala grande. Encontrou-a deserta e o bastante
tentadora para induzi-la a ficar ali a gozar da quietude. Mas não, isso não era
suficiente. Precisava sentir o ar fresco e talvez um pouquinho de luz do sol.
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Mas tão logo abriu a porta para sair, notou que passava algo. Normalmente
Segrave era um lugar tranqüilo, em que os muitos e leais cavalheiros se ocupavam de
suas coisas com ar crédulo e seguro. Mas nesse momento o pátio de armas parecia um
verdadeiro galinheiro alvoroçado.
Correu simplesmente porque todos outros corriam, não fosse que se não
corria resultasse pisoteada. Furtou o corpo a cavalheiros com malha, a cavalheiros
com meia malha e a cavalheiros que se davam palmadas por toda parte para certificar-
se de que levavam todas as armas que lhes era possível levar.
Por todos os Santos, estavam atacando o castelo? Tinha desejado uma
mudança, sim, mas não um assédio.Desesperada, lamentou que não lhe tivesse ocorrido por roupa mais
apropriada e talvez o cinto com sua espada na cintura. Nem sequer levava uma faca na
manga; bom, sim levava um par de agulhas de costurar no bolso de seu cinturão. Teria
que arrumar-lhe com isso.
Chegou correndo, subiu correndo a escada e saiu como uma tromba no
pequeno terraço circular, Surpreendida descobriu ali a sir Montgomery, apoiado prazerosamente no parapeito. Bom, pelo menos ele não estava muito preocupado pelo
que ocorria.
— E bem? A que se deve esta comoção, por todos os Santos? — perguntou-
lhe.
Montgomery estendeu o braço apontando para os campos. Gwen seguiu a
direção de seu dedo, entreabrindo os olhos para ver o que ao parecer ele via com todaclaridade.
— Mercadores, disse. Daqui vejo o brilho das pedras preciosas.
— O que vê, senhora, não é o brilho de pedras preciosas, é o brilho do sol em
armaduras.
Ela franziu os lábios.
— Essas são imaginações tuas.
— Você crê?
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de arrebentar, e se eu não estiver ali para me preocupar de alimentar a esse filho, e aos
outros dez...
— OH, por todos os Santos — gemeu Gwen.
Abriria a porta e convidaria Rhys a entrar. Friamente, como o faria uma
grande senhora em seus domínios. Não manifestaria nenhuma emoção, não levantaria
a voz, não derramaria nenhuma só lágrima. Permaneceria totalmente ao mando de si
mesma e do encontro.
Voltou-se e abriu lentamente a porta. Com um majestoso movimento da mão
indicou ao punhado de cavalheiros ajoelhados a seus pés que baixassem ao pátio.
Elevou o queixo e olhou desdenhosa a visita que a aguardava. E se não tivesse estadotão ao mando de si mesmo e de suas emoções, teria caído de joelhos e suplicado
clemência.
Trinta guerreiros de aspecto estranho e rostos implacáveis a contemplavam.
Cada um estava vestido de negro da cabeça aos pés. Cada um levava uma armadura
que tinha sido remendada e reparada incontáveis vezes. Os elmos tinham arranhões e
rasgos; as capas estavam remendadas e poeirentas pela viagem; as selas de montar estavam puídas e gretadas. E estavam os rostos, duros, inflexíveis, experimentados.
Mercenários, todos eles. Era a horda de cavalheiros mais rudes que já tinha visto em
toda sua vida.
Um grupo aterrador de homens, sem dúvida.
Ah, e aí estava John, por certo. Fazia o número trinta e um, mas embora
vestisse de negro igual aos outros, sua cara recém lavada e seu sorriso idiota odistinguia do resto. Olhou furiosa ao seu cunhado e voltou sua atenção às almas mais
temíveis.
Um homem fez avançar a seu corcel negro de guerra açulando-o com os
joelhos. Quando desmontou, trinta mãos baixaram aos punhos de suas espadas. O
homem levantou a mão em sinal de paz e todo seu grupo de demônios relaxou
imediatamente. A seu pesar, Gwen sentiu admiração. Precisava ser um homem muito
forte para impor essa lealdade a homens cuja lealdade provavelmente só se podia
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Rhys esfregou brandamente o nariz com as duas mãos e olhou ao seu redor.
Os lastimosos guardas de Segrave, que se tinham agrupado na porta da sala
grande, olhavam-no boquiabertos. John seguia montado em seu cavalo, com a boca
igualmente aberta. Seus soldados estavam atônitos, tal como deviam estar; tinha
derrotado a cada um deles tão completamente que jamais nenhum se atrevia a
contradizê-lo em nada. Provavelmente vê-lo derrotado por uma mulher tinha dissipado
o que ficava de julgamento em seu exército.
Depois olhou a sua direita e viu os gêmeos Fitzgerald, olhando a Gwen, não
a ele, com expressões de satisfação suprema, como se eles lhe tivessem ensinado essa
maldita manobra. Surpreendeu-o um pouquinho vê-los ali; estava claro que no par deanos passados as tinham arrumado para chegar a Segrave intactos; teve a impressão,
apoiando-se na dor que sentia no nariz, de que teria sido melhor se tivessem ficado no
Ayre.
De repente ouviu o som de uma risada. Olhou para o lugar de onde provinha
e viu o Montgomery, à direita do Jared, tampando-a boca com um ou dois dedos, e os
olhos molhados de lágrimas.Rhys calculou se teria tempo para humilhar ao seu amigo no campo de
batalha antes de descobrir o que acontecia com Gwen. Montgomery sorriu e levantou
a mão em sinal de rendição.
— Não fui eu quem te fez sangrar o nariz — lhe disse, voltando a sorrir.
Nesse momento notou muitos murmúrios entre seus mercenários; voltou-se e
passeou por eles seu olhar severo. Como um só homem, todos fecharam a boca erepentinamente encontraram outras coisas que olhar além dele.
Rhys girou novamente a olhar a sua dama e lhe dirigiu o mesmo olhar que
acabava de dirigir aos seus homens.
— E esta é a saudação que recebo? — perguntou-lhe, e subiu os degraus.
Depois de três longos anos de me derrubando no pó, dormindo sobre minha espada e
arriscando minha vida em guerras e torneios? Passou a manga pelo nariz sangrando.
Esta é a saudação que recebo?
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Ela o olhou com tanta frieza que ele sentiu como se o frio do inverno o
percorresse inteiro.
— Não, disse ela com voz clara, é esta: Vá ao diabo.
E dito isso girou sobre seus pés e desapareceu dentro da sala, dando uma
portada.
Se ele não a tivesse visto com seus próprios olhos, teria acreditado que
acabava de entrar em outro castelo.
Ficou olhando a porta fechada, sentindo-se mais perplexo que em toda sua
vida. Pelo tom de suas cartas tinha chegado a pensar que ela ia estar esperando
ansiosamente sua chegada. Tinha esperado lágrimas de alegria; tinha esperado sorrisose olhares de amor. Certamente não tinha esperado um murro no nariz.
— Por sorte não tinha uma espada ao seu dispor, disse de repente Jared. Isso
te teria feito mais dano que esse pequeno machucado.
— Sobretudo tendo em conta o que eu lhe ensinei, acrescentou Connor.
— Você? E o que você lhe ensinou? Fui eu o que lhe ensinei a aproximar-se
coquetamente e olhá-lo pestanejando rapidamente enquanto lhe enterra uma adaga nascostelas...
— Mas eu lhe ensinei a olhar distraidamente o bordado de sua manga
enquanto tira a adaga da bainha atada ao braço e a enterra no gogó...
— Sim, um ataque feminino como não tinha visto nunca; por isso eu lhe
ensinei a distrair ao inimigo mostrando os dentes com um feroz sorriso enquanto lhe
enterra a agulha que leva na bolsa...Rhys tratou de distrair-se do que lhe tinham ensinado ao Gwen olhando aos
gêmeos em busca de novas cicatrizes. Jared tinha uma ou duas pequenas na frente,
uma larga e avermelhada em um antebraço, que parecia recente, e tinha enfaixada uma
mão.
Ao Connor faltava uma parte da orelha esquerda.
— Permitiram-lhe que afiasse essa espada? — perguntou-lhes.
Connor e Jared interromperam a discussão e o olharam pestanejando.
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— Sim. E se não fosse pelas ocasionais fofocas que ouvíamos nestes muitos
meses passados, lhe teríamos acreditado morto.
— Mas se lhe enviei dezenas de cartas! E ela me respondia!
Montgomery negou com a cabeça.
— Parece-me que entendeu mal. Estranhamente ela não as recebeu e nem as
respondeu.
— E você lia as cartas que me enviava?
— Ela me obrigava. Suponho que queria ver como reagiria um homem.
— Mas se suas cartas estavam cheias de amor!— Rhys, meu amigo, ou você perdeu o julgamento ou não recebia as cartas
que ela te mandava.
Sem acrescentar outra palavra, Rhys pôs-se a caminhar detrás do John. Por
fortuna, seu escudeiro não tinha avançado muito em seu caminho ao estábulo, talvez
porque tinha preferido ficar a escutar, portanto lhe deu alcance rapidamente. Pinçou
em seus alforjes, tirou um maço de cartas e voltou para largas pernadas à torre dacomemoração. Entrou na sala grande e se deteve em seco, ao compreender que não
tinha idéia de onde poderia ter se escondido sua dama.
Tinha estado no Segrave, certo, mas fazia muitos anos disso. Não havia
ninguém na mesa do senhor para lhe perguntar onde podia encontrá-la. O primeiro
criado ao que se aproximou, olhou-o e fugiu correndo para lugares desconhecidos.
E então ouviu um débil rumor de maldições.Bom, pensou filosoficamente, pelo menos se podia dizer uma coisa a favor
de estar em desgraça; fazia menos difícil descobrir o paradeiro da maldizente.
Seguindo o som, subiu a escada e continuou pelo corredor. Ao chegar a uma
porta que lhe pareceu à correta, deteve-se para concentrar-se. Com as provas de seu
amor fortemente agarradas na mão, abriu a porta.
— E se esse pomposo traseiro de cavalo acredita que...
Gwen se deteve em meia maldição e o olhou furiosa. Rhys passeou o olhar
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— Os homens sempre enviam aos seus filhos a criarem-se em outra família.
— Não todos os homens, lhe assegurou ele. Se eu tivesse um filho o teria em
casa até que tivesse pelo menos doze verões. Só a essa idade um menino valoriza
realmente a aventura de fazer seu próprio caminho. Eu diria que até essa idade vai
melhor aprender seu ofício sob o cuidado de seu pai. Não te parece?
Ela se aproximou mais.
— É possível isso?
Ele sorriu.
— Na França tenho várias arcas de ouro que diriam que sim, é possível.
E antes que ele soubesse o que ia vir a seguir, Gwen lhe rodeou a cinturacom o braço e apoiou a cara em seu peito. Ele só alcançou a rodeá-la com o braço livre
e atraí-la para ele quando ela pôs-se a chorar.
Bom, um pranto era melhor que uma paulada na cabeça; ou outro murro no
nariz.
Ou isso pensou até que Amanda viu os violentos soluços de sua mãe e
começou a chorar por sua conta. E então Robin começou a usar bastante bem seus punhos lhe golpeando ao redor dos quadris e da cintura.
— Uff — exclamou, quando Robin golpeou com certa força uma parte
sensível de seu corpo. Por todos os Santos, moço, sou um amigo, não um inimigo.
— Fez chorar a mamãe, disse o menino com clara desaprovação, mas deixou
de atacá-lo.
— Bom, ela me fez sangrar o nariz, lhe explicou ele.Robin o olhou pensativo, como se estivesse pesando o dano do nariz com os
soluços de sua mãe.
— Acredito que chora porque está feliz, acrescentou Rhys pensando que tipo
de lógica convenceria um menino de cinco anos.
— E por que te golpeou, então, se estava feliz? — perguntou Robin,
carrancudo.
— Ah, bom, é que houve um mal-entendido entre nós, moço, explicou Rhys.
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— Não o duvido. Oxalá me tivesse outras tantas para te mostrar.
Ele a olhou, com o intenso desejo de que um par de olhos cinza encontrasse
algo mais interessante que ele para observar; assim poderia beijá-la. Mas
dolorosamente consciente do olhar de Robin, só pôde lhe sorrir com tristeza.
— Escrevi-te.
— Acredito.
Ele desejou, mais que sua vida e seu fôlego, estreitá-la entre seus braços e
não soltá-la nunca mais. Estava a três anos desejando-a, sonhando com ela,
contentando-se com o pensamento de que ao final seria dele; pensando que cadamomento de separação, cada momento de pensar nela como a esposa do Alain, só
aumentaria a doçura de possuí-la quando conseguisse liberá-la. Estava farto de
combater, farto de gastar os miolos em busca de maneiras de liberá-la do seu
matrimônio com o Ayre, de obter que levasse ao seu filho com ela, de aplacar a todos
os clérigos e Reis que fosse necessário para conseguir seus fins.
E nesse momento estava a um palmo de ter tudo com que tinha sonhado emtodo momento durante três anos e só o que podia fazer era ter a sua filha nos braços e
submeter-se ao exame que fazia dele seu filho em busca de possíveis equipamentos
guerreiros.
E olhar à mulher a que amava mais que à vida.
— Vamos comer agora? — propôs Robin.
Rhys sentiu a mão de Robin meter-se na sua e o braço da Amanda apertar-secom mais força ao redor de seu pescoço.
— Sim, conseguiu dizer, primeiro comida. Depois falamos.
E nesse momento jurou não soltar nunca a esses três. Fosse qual fosse o
preço.
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— Pois sim, ela fez isso. Inclusive Alain se deu conta de que a comida não
estava de todo boa. Imagino que ao Rollan não custou muito o convencer de que
Segrave não era um lugar desejável para viver. Cobrar as rendas, claro, é algo que não
deixou nunca de fazer, mas não lhe atrai vir de visita.
Rhys a contemplou pensativo.
— Então Alain não te incomodou estes últimos meses?
— Não o vi desde que concebi a Amanda.
— Uma bênção, sem dúvida.— Acredito que teme a minha mãe, disse Gwen. E, é obvio, não tem o menor
interesse por uma filha. Envia a Rollan a investigar para que lhe leve notícias. Franziu
o cenho. Fui uma estúpida ao não vigiá-lo com mais cuidado. Se tivesse sabido o que
tramava teria acrescentado algo asqueroso ao seu vinho.
— É melhor que continue crédulo, disse Rhys. Ao menos assim conhecemos
inimigo.Gwen suspirou e se levantou com ele.
— Falemos de outra coisa. Não tenho mais estômago para pensar nas intrigas
do Rollan.
Dado que sua mãe já se encarregou de deitar os meninos, Gwen não tinha
outra coisa que fazer que guiar ao Rhys até o quarto, sentindo intensamente sua
presença detrás dela pela escada e o corredor. Acostumou-se aos passos suaves de suamãe e ao tamborilar sempre rápido dos passos do Robin quando brincava de correr
daqui para lá. As sólidas pisadas de Rhys atrás dela eram um som muito agradável na
realidade.
Só uns momentos depois, encontrava-se sentada ao lado de seu amor no
quarto de sua mãe. Talvez fosse apropriado que ocupasse as mãos em alguma costura,
mas só os Santos sabiam que tipo de apêndices estranhos podia desenvolver qualquer
animal que bordasse.
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Era evidente que Joanna, em troca, não considerava superior a suas forças
essa tarefa, porque tinha sob sua agulha um complicado trabalho.
— E agora sir Rhys, disse Joanna, poderia nos contar uma ou duas histórias
de suas viagens, posto que, claro — olhou a sua filha com um leve sorriso — não
ouvimos nada diretamente de ti.
Gwen se limitou a emitir um grunhido para manifestar que estava de acordo,
mas não disse nada. Já havia dito muito. Possivelmente ao Rhys ainda lhe ardiam às
orelhas com suas maldições.
— Bom, disse Rhys reclinando-se em sua cadeira com uma taça de vinho na
mão. Talvez pudesse começar pelo torneio de Toulouse.A Gwen pouco importava por onde começasse, porque tinha sentado na
poltrona contíguo ao dela. Reclinou-se em sua poltrona para contemplá-lo enquanto
falava de suas viagens, e pela primeira vez em anos pensou que na realidade poderia
desfrutar realmente da noite, rodeada por seus seres queridos.
Três anos de combates o tinham mudado; isso e levar sobre seus ombros o
peso de quase trinta anos. Desaparecida a suavidade de suas facções juvenis, seu rostolevava as marcas de suas penas e trabalhos, principalmente nas rugas da fronte quando
franzia o cenho para recordar este ou aquele detalhe.
De tanto em tanto a olhava a ela e sorria. Gwen tratava de gravar em sua
memória a forma como lhe enrugava a pele ao redor dos olhos e como apareciam
covinhas em suas bochechas, para celebrar sua alegria. E quanto mais o olhava mais se
convencia de que lhe ia romper o coração.Ai, se ele pudesse ser seu de verdade.
— Gwen?
Olhou-o e não pôde reprimir as palavras que saíram de sua boca:
— Te amo.
Ele pestanejou e outro radiante sorriso iluminou sua cara.
— Por todos os Santos, querida — lhe disse, lhe agarrando a mão. Acredito
que deveria partir mais freqüentemente...
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«Só uma noite», pensou ela. «Quero acreditar que isto é verdadeiramente
possível por uma noite». O terraço limitava bastante o tipo de coisas que podiam fazer
ali, o que talvez lhes viessem muito bem, mas ao menos sentiria seus braços
envolvendo-a e poderia imaginar-se que ia ser dele.
Ele agarrou a mão e subiu a escada diante dela. Uma vez acima, Gwen nem
sequer fingiu caminhar pelas muralhas. Deteve-se no lugar de costume e contemplou a
terra de seu pai; na realidade era do Alain, mas dificilmente a considerava assim.
— Sempre olha para o sul? — perguntou-lhe ele.
Ela apoiou a mão na pedra e deixou penetrar o frio em seus dedos.
— Sim.— Algum motivo especial?
Ela o olhou.
— Olhava se por acaso vinha alguém.
Ele lhe cobriu a mão com a sua e a olhou muito sério.
— Não tinha nenhum sentido ganhar só uma parte do que necessitava.
— Três anos é muito tempo, Rhys.— Teremos o resto de nossas vidas para estar juntos.
— E se te ocorresse algo e não tivéssemos nenhum futuro juntos?
— Sou invencível, não é o que ouviste?
— Isto não é assunto para fazer brincadeiras...
Pôs-lhe um dedo sobre os lábios e moveu a cabeça.
— Não voltarei a falar assim, Gwen. Mas não quero pensar em renunciar a tienquanto não possa te chamar de minha. Confie em mim, meu amor. Teremos muitos
anos para sermos felizes juntos, e então tudo o que suportamos nos parecerá só um
momento. Não te parece que estes três anos passados não são mais que um abrir e
fechar de olhos agora que voltamos a estar juntos?
— Não, disse ela, não me parecem isso.
— Ai, minha doce Gwen — riu ele brandamente, quanto senti falta de ter
comigo a alguém que não esteja disposto a me seguir o humor.
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que pese ao frio que fazia fora ou que os guardas de sua mãe a estivessem
observando...
— Gwen.
Ela o olhou pestanejando.
— Sim?
— Deixa de pensar em tantas coisas.
— Como sabe que estou pensando?
— Enrugas o cenho. Isso é muito atraente, é obvio, mas me faz duvidar de
que esteja concentrada em meus beijos.
Ela suspirou e fechou os olhos. Que o amanhã se ocupe de si mesmo. Essanoite era talvez a única, em muito tempo, em que teria ao Rhys para ela, e não devia
danificar esses momentos.
Portanto se entregou à doçura de seus beijos. Suspirou de agrado ao sentir
sua mão deslizando-se por seus cabelos. E quando a atraiu mais para ele, lhe
friccionando uma e outra vez as costas com a palma da mão, fechou os olhos e apoiou
a bochecha em seu peito. Ah, se esse agrado e prazer pudessem ser seus de verdade.— Eu me encarregarei, murmurou ele.
Gwen suspirou, muito contente para discutir. Concentrou-se em como era
voltar a estar nos braços dele. Escutou sua respiração, sentiu passar o calor de seu
corpo através de sua roupa e esquentá-la, e ouviu ressonar o eco de sua voz em seu
peito. E nesse instante compreendeu que tinha sentido falta dele muito mais que o que
estava disposta a admitir. Embora quando ele era o capitão de sua guarda não tinhamdesfrutado desses abraços, pelo menos o tinha perto.
Sim, três anos tinha sido muito tempo.
— Você gostaria de ouvir algo interessante?
— Mmm, como queira — respondeu ela, acomodando-se melhor entre seus
braços.
— Parece ser — disse ele em tom frívolo como se o que ia dizer não fosse
mais importante que o que iriam jantar ao dia seguinte, que Lorde Ayre tenha caído
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— Sim, acrescentou Connor, seguro que será um excelente guerreiro.
— Então — continuou Robin, acredito que tem que ser uma flecha no olho.
Voltou a olhar ao Connor e Jared, para ver se eles aprovavam sua linha de
pensamento. É a única maneira.
— Pensa por si mesmo, comentou Jared.
— Eu lhe ensinei isso, se gabou Connor.
Rhys começou a pensar se não teria trazido muitos guardas esse dia. Talvez
John tivesse sido suficiente; pelo menos ia observando os arredores em lugar de
chateá-los com seu falatório.
Gwen limpou a garganta intencionalmente.— E a donzela? — perguntou. Não teria que pensar na forma de resgatá-la?
— Ela é o motivo de todo o exercício, concordou Montgomery de onde
caminhava, diante de Rhys, embora neste grupo um não se inteirasse.
Gwen emitiu uma exclamação maliciosa e olhou ao Rhys.
— Esta é a companhia em que me deixou. Já pode imaginar a reação que
encontrei quando tentei compor alguma trova.— É que faz falta mais sangue, protestou Connor, e não porque eu não tenha
tentado ajudá-la.
— Mas se seus relatos de batalhas melhoraram, disse Jared foi graças a mim.
— O dragão, sir Rhys — disse Robin lhe puxando à mão. Ele é a parte
interessante.
— Os Santos me guardem deste menino, murmurou Gwen entre dentes. E pensar que passei todos estes anos lhe relatando contos de ousados resgates. Não tinha
idéia da parte que lhe atendia mais.
Rhys ouvia a confusa conversa que se desenvolvia ao seu lado, pensando que
doce era seu som em realidade. Também achava agradável a sensação da mão de um
menino pequeno na sua e a vista da filha de sua dama montada nos braços do
Montgomery.
Mas o mais maravilhoso de tudo era saber que seu amor ia ao seu lado. Cada
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vez que a olhava, sorria; cada vez que a ouvia rir, desejava rir também; e cada vez que
pensava no que lhe custaria fazê-la sua, desejava cair de joelhos e rogar por seu êxito.
Ouro tinha, resolução possuía em abundância, mas um plano que lhe garantisse a
vitória?
Isso era o que necessitava, e o único que não tinha.
— Ei, você! Detenha-se!
O grito de Montgomery o tirou de seus desagradáveis pensamentos. E quase
antes de pensar no que devia fazer, já tinha saltado para diante e pego o chicote antes
que voltasse a cair.
No chão, aos seus pés, jazia um menino preso de terror, e um homem muitocorpulento sustentava o chicote de couro em seu fornido punho. O homem arrancou de
um puxão o chicote da mão de Rhys e o olhou furioso.
— É meu vociferou, e o açoitarei quando me parecer.
Rhys franziu os lábios, enojado.
— E o que pode ter feito um menino tão pequeno para merecer isto?
— Não trabalha o que deve, respondeu o homem. Em minha casa não hálugar para um folgazão.
Rhys olhou ao homem e observou seus fornidos braços e seu largo peito; um
ferreiro, possivelmente, ou um pedreiro. Não era uma alma agradável, se a frieza de
seus olhos era um indicador. Certamente não era um homem a quem ele quereria ter
perto de seus filhos.
Sem fazer caso do grunhido do homem, Rhys se inclinou a levantar aomenino; viu sangue nas costas de sua puída túnica. Colocou ao menino atrás dele.
— Quanto quer por ele? — perguntou-lhe sem preâmbulos.
Os olhos do homem adquiriram uma expressão calculadora.
— Mais do que está disposto a pagar, provavelmente.
— Você crê? Aceita uma ou duas moedas de ouro ou prefere as trocar por
meus punhos?
— Ou por minha espada! — disse John, balançando-se nas almofadinhas de
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Rhys sorriu e agarrou a imunda mão do menino na sua.
— Suponho que essa é resposta suficiente. Vamos procurar algo para que
coma. Suspeito que iria bem algo substancioso.
Sentiu a outra mão agarrada por sua dama. E ali se acabava o passeio,
pensou; talvez fosse bom. Ele precisava fazer os últimos preparativos para a viagem
ao norte. Joanna parecia resolvida a acompanhá-los, o qual lhe vinha muito bem, não
só porque sua presença os protegeria do escândalo, mas também pelo punhado de
homens que pensava em levar com ela. Estava contente pela ajuda; talvez inclusive
pudesse obter um pouco de ajuda do Fenwyck.Caso é obvio, que Gwen e Geoffrey não se matassem mutuamente.
Necessitaria que os Santos o protegessem desse par o tempo suficiente para
ele combater pelo que realmente precisava combater.
Gwen se deteve na porta da cozinha e sorriu ao ver a cena que tinha ante
ela. Segundo suas próprias palavras, a intenção de Rhys era ir diretamente ao campo
de batalha tão logo voltassem para o castelo. Mas nesse momento, sem saber como,encontrava-se sentado a uma mesa da cozinha, com Robin a um lado, Nicholas ao
outro e Amanda sentada em seu regaço. Robin falava tão rápido como podia enquanto
seguia comendo; Amanda estava explorando a bolsa do Rhys se por acaso encontrava
algo interessante e Nicholas os contemplava aos três como se não pudesse acreditar
que estava ali.
Embora ali fosse onde lhe correspondia estar. Gwen recordou o que tinhasabido essa tarde e teve que mover a cabeça.
Só tinha falado um punhado de palavras com a mãe do Nicholas, mas estas
lhe bastaram para identificar ao pai do menino, e compreender como tinham ocorrido
as coisas. A pobre menina se viu levada de Segrave ao Ayre para servir de agrado ao
Alain; essa só idéia a fez chiar os dentes, embora soubesse que não devia surpreendê-
la. Foi justamente no dia das bodas de Lorde Alain, de noite, muito tarde, quando a
menina encontrou com seu destino, por assim dizer. Mas o homem estava tão bêbado,
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Quando ela se inclinou para escutar o nome do homem sussurrado em seu
ouvido, esperava que fosse o de Alain.
Mas não foi esse nome que ouviu.
Gwen olhou ao Rhys, depois ao Nicholas, em busca de semelhanças em seus
traços. Sim, havia, mas só se olhassem com muita atenção e se soubessem o que
procurar. Talvez isso mudasse à medida que o moço crescesse.
Pensou se talvez devesse sentir ciúmes da mãe do Nicholas; ter ao Rhys em
seus braços embora fosse por uma só noite...
Mas não, ela também o tinha tido, e tinha sido a primeira; e, com sorte, seriaa última.
Era suficiente que Nicholas tivesse sido encontrado e resgatado. Talvez com
o tempo dissesse ao Rhys, porque tinha fortes suspeita de que ele não notaria. Com
toda sua perícia, era muito pouco observador em certas coisas.
— Vamos ao Fenwyck? — perguntava Amanda ao Rhys.
Ele demorou um momento em responder:— Bom...
— Vamos, disse ela com firmeza ao notar sua vacilação.
— Mas...
— Vamos! — exclamou ela, levantando o queixo. Depois dirigiu um
radiante sorriso ao Nicholas. E ele vem conosco.
Gwen tampou a boca para ocultar seu sorriso. Rhys poderia ter derrotado oscavalheiros mais formidáveis que possuía a França, mas não tinha nenhuma, a mínima
possibilidade ante Amanda do Ayre.
— Se quer, disse Rhys já derrotado.
Gwen deixou a cozinha e se encaminhou para o quarto de sua mãe para
começar seus preparativos. Talvez levasse um ou dois véus extras; rígidos, que lhe
esmagassem mais as orelhas. Não tinha sentido dar ao Geoffrey mais motivos para
burlar-se que os que ele encontraria sozinho. Também incluiu sua agulha de costurar
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de ponta mais afiada e atou a adaga ao antebraço. Seria insensato não ir preparada.
Tinha muito pouca vontade de deter-se em Fenwyck, mas compreendia que
era conveniente. Seu pai e o pai do Geoffrey tinham sido camaradas, senão amigos, e
certamente sua mãe seguia contando com a aprovação do Geoffrey. Ali teriam a
possibilidade de descansar, para logo continuar para a inevitável escaramuça em
Wyckham. E por tudo o que sabia, era possível que Geoffrey descobrisse em Rhys um
vizinho mais suportável que os soldados de Alain, e se mostrasse disposto a lhe ajudar
a expulsá-los.
Também sabia que Rhys tinha a esperança de que Geoffrey falasse bem dele
ao Rei. Disso ela não se confiaria muito, mas talvez neste caso Rhys usasse mais suaimaginação que ela. Só era capaz de imaginar, em seu coração, uma vintena de
maneiras de humilhar ao Geoffrey antes que lhe devolvesse o favor.
Por todos os Santos, não gostava de nada a idéia da viagem. E pensar que
tinha considerado terríveis os três anos de espera ao Rhys.
Pôs as mãos sobre as orelhas, em uma última tentativa de dobrá-las e reatou
o caminho para o quarto de sua mãe.
Capítulo 30
Rhys pensou que possivelmente esta vez sim teria que usar sua espada contra
Geoffrey do Fenwyck.
Caso é obvio, que Gwen não acabasse primeiro com o homem.
Rhys estava montado em seu corcel, justamente atrás das portas do castelo
do Fenwyck, consciente da condenada sorte de ter conseguido chegar até ali, e
tentando obrigar-se a recordar todas as razões que o desaconselhavam a tirar sua
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espada e atravessá-la no coração do Fenwyck. Se o fizesse, mataria a um dos favoritos
do Rei João, além de Barão por parte de pai e mãe; mataria a um dos conhecidos de
Gwen de sua infância, embora estivesse seguro de que ainda recordavam o momento
que ela passou encerrada no chiqueiro e de que Gwen não o lamentaria se não voltasse
a olhar nunca mais ao Geoffrey à cara. Por desgraça, tinha que reconhecer que
também mataria um possível aliado, que talvez pudesse ajudá-lo a convencer ao João
de que o ouro de seus cofres era motivo mais que suficiente para lhe ajudar no suborno
aos representantes da Igreja necessários para a liberação de Gwen.
Mas nesse momento, só era capaz de olhar com crescente irritação como
Fenwyck segurava a mão de Gwen, e imaginar-se em seu coração uma vintena demaneiras de acabar com sua vida.
Gwen olhou ao seu redor, aterrada; sua mãe se limitou a encolher os ombros
e sorrir. Então procurou o Rhys e o olhou nos olhos. Ele ouviu seu pensamento com
tanta clareza como se o tivesse gritado: «Afaste-o». Tinha-lhe jurado que faria tudo o
que estivesse em seu poder para não ofender, para favorecer um bom entendimento
entre ele e Geoffrey, mas viu que nesse momento ela estava fazendo uso de cadamigalha de seu autodomínio para não tirar sua espada e fazer mal com ela.
Por desgraça, ele sentia o mesmo desejo. A verdade era que tinha que
compreender ao Geoffrey por sua recepção menos que amistosa. Ninguém viaja com
trinta mercenários mal educados e espera que as comportas se abram imediatamente
em alegre boas-vindas. Mas, por todos os Santos, acaso a mãe de Gwen não vinha
acompanhada por vários de seus guardas com as insígnias de seu defunto marido?Inclusive tinha enviado um homem na frente para avisar de sua iminente chegada;
Geoffrey sabia quem golpeava sua porta. Sua reação tinha sido uma descortesia
dirigida a ele pessoalmente, e nesses momentos ele se estava engolindo seu orgulho
para não dar-se por ofendido. Nada importava que ele tivesse deixado a seus homens
fora das portas; o verdadeiro insulto era que Geoffrey se aproximou de lhe negar a
entrada.
Mas aí estava, considerando o que podia fazer, e teria que fazê-lo rápido,
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antes que Gwen olhasse bem ao Geoffrey e sua agradável cara. Sabia que o coração do
Gwen lhe era fiel, mas se torturava que a vista de Geoffrey fazia perder a firmeza a
mais de uma donzela de caráter. Pelo menos isso era o que se dizia, embora ele não
estivesse totalmente seguro de que não tivesse sido o próprio Geoffrey o que se
pusesse a correr o rumor.
Claro que nenhum dos supostos encantos de Geoffrey teria importado se o
homem mostrasse seus cinqüenta anos e fosse tão gordo como o ex-tutor de Gwen.
Infelizmente, Geoffrey tinha os cabelos loiros, a tez clara e, maldito seja, estava em
muito boa forma física, como se treinasse regularmente com seus homens, o que,
suspeitava Rhys, era o que fazia. Além disso, era viúvo e certamente o nobre maiscobiçado do reino. Vamos, que ainda nenhum pai inteligente o tivesse apanhado para
genro era um mistério. E ele só podia lamentar esse descuido, porque certamente lhe
criava um problema do qual ele não precisava.
Por exemplo, esse aperto no dorso da mão de Gwen.
E logo na palma!
— Ehem, disse intencionalmente.Geoffrey levantou a vista e o olhou com os olhos entrecerrados.
— Te engasgou algo, amigo?
Era muito pouca a simpatia que emanava do Fenwyck, e Rhys o
compreendia muito bem, posto que também fosse muito pouca a que sentia ele. Era
evidente que Geoffrey ainda tinha muito vivo a lembrança de seu último encontro.
Rhys desmontou no enlodado pátio e rapidamente liberou a mão de Gwen.Felicitou-se por ter se limitado a isso, quando teria preferido lhe dar um soco no nariz
ao hipócrita brincalhão.
— Eu diria que lady Gwennelyn necessita de uma taça também, disse,
obrigando a Gwen a meter a mão sob o cinturão. Foi uma cavalgada longa, sabe?
Geoffrey liberou destramente a mão de Gwen e a pôs sob o braço dobrado.
— Quanta razão tem, sir Rhys — disse, recalcando o «sir».
Essa ênfase, logicamente, era uma alusão a sua posição social. Rhys se
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Então viu que Jared estava apalpando o lodo timidamente com uma mão. Abriu um de
seus mornos olhos azuis e olhou o chão em atitude assombrada, como se não pudesse
acreditar que estava no chão e que este não se movia. Balbuciou algo que Rhys só
pôde supor que era uma espécie de oração de agradecimento.
Rhys viu que Connor também estava apalpando o chão com a mão, e
relaxou. Logo, cairiam na conta de que já não estavam em cima de seus cavalos. E
como estava seguro de que fazia dias que não comiam, ou, melhor dizendo, que fazia
dias que não se beneficiavam da comida, não lhe coube dúvida de que muito em breve
sairiam a procurar a mesa do Fenwyck. O único que restava por fazer, então, era por
uma roupa menos suja e encontrar seu lugar na mesa do Fenwyck.Sentado, naturalmente, entre o senhor do Fenwyck e sua presa.
— Necessito-o vivo, se repetiu enquanto atravessava o pátio. Intacto,
coerente.
Teve a impressão de que teria que recordar essas coisas com bastante
freqüência em um futuro muito próximo.
Assear-se levou mais tempo do que teria gostado. Já tinha transcorrido pelomenos uma hora quando entrou na sala grande. Adaptou seus olhos à penumbra e viu
o que temia que fosse ver.
Geoffrey estava sentado entre a Gwen e sua mãe, tão cheio de si como se
tivesse conseguido sentar-se entre as duas mulheres mais formosas do reino. Joanna
estava formosa como sempre, e Gwen estava tão preciosa que acreditou que podia cair
morto ali mesmo em apenas vê-la. Entretanto, morrer parecia ser quão último poderia passar-se o pela mente ao Fenwyck. Pelo visto, sua mente estava mais concentrada em
adular e acariciar. Era evidente que tinha melhorado a respeito da forma de tratar às
mulheres. Ao Rhys gostava mais como era antes.
E antes tampouco lhe tinha gostado de muito.
— Esgrima? — ressonou a surpreendida exclamação do Geoffrey. Com esses
dedos tão delicados? Senhora quer tomar o cabelo. Lady Joanna, me diga que sua
filha... E me custa acreditar que seja verdadeiramente sua filha porque é muito jovem
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— É toda uma espadachin, disse Rhys inclinando-se para olhá-lo diante de
Gwen. Talvez você gostasse de enfrentá-la em um combate.
«E talvez ela te corte algo importante e isso te distraia de lhe lamber os
dedos durante um ou dois malditos batimentos do coração», pensou.
— Tentador, conseguiu dizer Geoffrey. Olhou a Gwen e ao parecer voltou a
concentrar-se nela. Que tarde poderia resultar!
Gwen parecia mais tentada pela idéia de atravessar ao Geoffrey com sua
espada do que convinha, portanto Rhys a distraiu agarrando os talheres que
compartilhava com o Geoffrey e colocando-a entre ele e ela. Cortou uma boa parte de
pão recém enfeitado e o atirou diante do senhor do Fenwyck.— Parece que tem bom apetite, lhe disse.
— Sim, respondeu Geoffrey, e ao que parece encontrou a energia para dirigir
um admirado olhar a Gwen, e de muitas coisas.
Gwen estava começando a sentir umas náuseas muito parecidas com as dos
irmãos Fitzgerald.
— Eu também, disse Rhys, entretanto, posto que lady Gwennelyn esteja aomeu cuidado, procuro não comer em excesso. Eu te sugeriria, milorde, que seguisse
meu exemplo.
Geoffrey o olhou e ao parecer nesse momento caiu na conta de que Rhys
tinha ocupado um lugar em sua mesa. Olhou-o furioso.
— Acredito que sei escolher muito bem minha comida, amigo.
— Neste caso, acredito que faria bem em seguir meu conselho neste assunto.— E quem é você... ? — Sou seu...
— Oh, pelo amor dos Santos, exclamou Gwen, façam o favor de deixar de
discutir.
— Por favor, acrescentou Joanna
— Necessitamos dele vivo e não irritado, murmurou Gwen em voz baixa. Os
Santos me ajudem a recordá-lo.
— Acredito que será melhor que vocês dois estejam atentos aos seus
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Geoffrey dava a impressão de ter uma tremenda dificuldade para engolir tudo
isso.
— E realmente quer ter a este, disse Geoffrey apontando ao Rhys e olhando
ao Gwen, incrédulo, a este...
Depois Rhys compreenderia que se Fenwyck tivesse acabado a frase estaria
em recuperação de uma ferida quase mortal, mas se salvou por um ruído na porta.
Rhys voltou sua atenção à porta, esperando ver entrar os Fitzgerald
cambaleantes e talvez jogando sobre outros o conteúdo de seus pobres ventres. Mas o
que viu foi a um homem tão cansado que o maravilhou que ainda pudesse se mover. O
homem caiu de joelhos sobre as esteiras, ofegante. Antes que o pensamento tomasseforma, Rhys se achou de pé e dando a volta à mesa. Ficou claro que Geoffrey teve a
mesma idéia, porque os dois se chocaram em seu caminho para a porta. Rhys grunhiu
ao Fenwyck e recebeu um grunhido por resposta; depois continuaram seu caminho, ao
mesmo passo, e chegaram juntos até o homem.
— Milorde, resfolegou o homem, há um incêndio. Houve um incêndio.
— Um incêndio? — perguntou Geoffrey. Onde?O homem inclinou a cabeça para continuar inspirando grandes baforadas de
ar.
— Um incêndio repetiu, muito grande para detê-lo.
— Onde? — repetiu Geoffrey. Em Fenwyck?
— Sim, resfolegou o homem. Aí também.
— Maldição! — gritou Geoffrey.— A chuva o apagou, espirrou o homem, mas não antes que queimasse um
ou dois dos teus campos, milorde. Vi o fogo da distância e agarrei o cavalo para ir ver.
Muitíssima fumaça...
— Sim, bom, isso é um incêndio — disse Geoffrey, impaciente. Quem pôs o
maldito fogo?
— Não os reconheci, respondeu o homem. Mas vi vários homens afastando-
se a todo galope do castelo. Agora não fica nada disso.
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— O incêndio foi provocado. Só os Santos sabem a quem terão deixado ali
para lhe fazer mal.
— Vamos, lady Gwennelyn... — começou Geoffrey.
— Mãe, chamou Gwen, por favor, me libere deste imbecil. Devo seguir ao
Rhys.
Conseguiu sair pela porta e chegar ao pátio antes que Geoffrey voltasse a
detê-la. Sem fazer caso dele, olhou ao seu redor em busca do estábulo. Consternada
viu Rhys sair puxando seu cavalo, e logo montar de um salto e sair ao trote pelas portas. Não levou nem um momento em confirmar sua decisão; não podia deixá-lo ir
sozinho; só os Santos sabiam o que podia lhe ocorrer se fosse sozinho.
Correu pelo pátio e esteve a ponto de ser esmagada pelo cavalo de John, que
não tinha esperado a sair do estábulo para montar. Uma vez dentro do estábulo, se
deteve a recuperar o fôlego e se dirigiu ao curral correspondente. Felizmente, os três
anos em Segrave lhe tinham servido para algo mais que prover-se de lençóis paraoutra cama de matrimônio. Embora os gêmeos não lhe fossem de nenhuma utilidade
em seus estudos eqüestres, e já compreendia porque, Montgomery sim foi vulnerável
as suas ameaças e lhe ensinou muitíssimo a respeito dos cavalos. Inclusive já era capaz
de selar um com bastante perícia.
Era o momento de dar bom uso a suas habilidades. Selar o cavalo lhe levou
mais tempo de que teria querido, mas Geoffrey não lhe prestou nenhuma ajuda,embora tampouco a tivesse pedido. Ele estava muito ocupado em dar ordens aos seus
moços para que selassem cavalos, para ele e vários de seus guardas. Só o que a
alegrou remotamente foi ver o Montgomery tirando seu cavalo. Pelo menos teria
companhia suportável.
— A que distância crê que está Wyckham? — perguntou-lhe quando saíram
juntos do estábulo.
— A um bom dia a cavalo, respondeu Montgomery, preocupado. Está tão
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Novamente viu seu caminho interceptado por Geoffrey, que a olhou
carrancudo:
— Isto é muito desaconselhável senhora, lhe disse. Provavelmente ele vai
levar os seus mercenários, e considero uma imprudência que vá nessa companhia.
— E estou mais segura na tua? — perguntou ela.
Ele ficou calado, talvez procurando uma boa resposta. Segura de que isso lhe
levaria mais tempo do que ela dispunha, Gwen tratou de pô-lo de lado.
— Se afaste do meu caminho, lhe ordenou. Tenho coisas a fazer.
Ele continuou tercamente diante dela.— Não entendo como é que essa terra chegou a ser sua, disse.
— Era de meu pai, lhe explicou ela, e passou a poder do Alain por meu
matrimônio com ele. O pai do Alain, Bertram, ordenou que Alain a desse ao Rhys
quando cumprisse os vinte e seis anos, em recompensa por seus leais serviços.
— Então suponho que não era só uma fanfarronada de sir Rhys para te
impressionar, resmungou Geoffrey.— Se afaste de meu caminho, disse ela com voz clara, se não quer me
obrigar a tirar minha espada e usá-la em seu lastimoso corpo.
— Os Santos me guardem disso — disse ele, fazendo-se a um lado
rapidamente. Limpou a garganta: Eu também irei.
Ela se deteve a olhá-lo. Não desejava falar com ele, mas era primeira em
reconhecer que era, ao fim e ao cabo, um homem poderoso, com muitos cavalheiros aoseu dispor. Além disso, tinha prometido ao Rhys que seria agradável com o canalha.
— A que vai? — perguntou-lhe a contra gosto.
— Preciso ver em que estado ficaram meus campos.
Claro, era por isso, logicamente não ia ajudar ao Rhys.
— Faça o que queira, disse ela puxando seu cavalo. Não poderia me importar
menos.
— Já eu creio que não. Provisões! — gritou a um de seus homens, detendo-
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se. Encarregue-te delas e nos siga tão logo seja possível.
Gwen encontrou a sua mãe no pequeno grupo que se reuniu perto da torre da
comemoração, e não a surpreendeu ver seus filhos com ela. Parece que Robin estava
ardendo em desejos de ir também, a julgar pela firmeza com que o se segurava em
Joanna. Amanda estava agarrada das saias de sua avó. Nicholas estava uns passos mais
atrás, em atitude insegura. Gwen se tomou um momento para abraçar os três pequenos
e logo agradeceu a sua mãe os seus cuidados.
— Volta logo? — perguntou-lhe Amanda, preocupada de que talvez não
fosse assim.
— Sim querida, lhe disse Gwen, inclinando-se a beijar a gordinha bochecha.Muito em breve. Temos que ir procurar a sir Rhys, para que volte em seguida. Você
cuidará dos meninos até então, sim?
Amanda olhou ao Robin e enrugou o nariz. Depois procurou o Nicholas e ao
vê-lo se soltou das saias da Joanna e se lançou sobre sua presa. Convencida de que os
meninos sobreviveriam a sua ausência, montou seu cavalo e empreendeu a marcha.
Muito em breve descobriu que Geoffrey estava resolvido a cavalgar ao seulado, de modo que fez o possível por concentrar-se na paisagem que tinha diante; não
fazer caso dele era a única solução, porque se não lhe diria algo que depois lamentaria.
Com a manhã que tinha tido Rhys já, não lhe faria nenhuma graça que lhe danificasse
a possibilidade de congraçar-se com o Fenwyck.
— Que estranho que alguém acenda fogo na terra, comentou ele.
— Estranho? — exclamou ela. Foi deliberado, estúpido!— Não sou nenhum estúpido, senhora...
— Então entendeu mal o que disse seu homem, e se isso não é estupidez, não
sei que é.
Olhou-o intencionalmente o buraco entre os dentes. Pelos olhos de San
Miguel, como pôde pensar Rhys que esse caipira poderia lhes ser de ajuda?
Comentava-se que sabia tudo o que ocorria na Inglaterra. Como era possível que não
soubesse o que ocorria em Wyckham?
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— Muito bem, então, senhora — disse Geoffrey, carrancudo-, já que é tão
sábia, quem provocou o incêndio? Alain?
— Seus soldados tinham a terra ocupada, desafiando ao Rhys a tomá-la pela
força.
Ao parecer isso sim captou a atenção do Geoffrey.
— Seriamente?
— Alain disse isso ao Rhys faz três anos. Daí sua viagem a França para
reunir um exército.
— Alain não faria uma coisa assim, não é? — disse Geoffrey, embora pela
vacilação que detectou em sua voz, ela suspeitou que ele acreditasse muito capaz.— Em todo caso, duvido que tenha sido idéia dele, tanto o acampamento de
seus homens ali ou de incendiá-la. Não tem a imaginação para tramar algo tão vil.
— Quem então?
— Rollan, é obvio.
Geoffrey não pareceu surpreso.
— Sempre me pasmou a profundidade da malevolência do Rollan. ComoBertram pôde engendrar a esse velhaco é um mistério. Alain é quase igualmente
desagradável.
— Eu pensava que te agradava muito a companhia do Alain, disse ela.
Olhou-o irritada: Nunca disse uma sílaba a meu favor no Segrave quando ele me
denegria.
— É que foi uma arrogante insofrível, respondeu ele. Encolheu os ombros eacrescentou: por que ia querer te defender?
— Arrogante eu? — exclamou ela. Arrogante?
— Sim, e sempre andava metida em alguma travessura as minhas custas.
— Só me desforrava das travessuras que você tramava.
— Com muita arrogância, concedeu ele.
— Pelo menos eu tinha bastante engenho para justificar essa arrogância.
— E as orelhas bastante grandes também — disse ele, com um desagradável
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sorriso que a fez recordar todos os motivos para não querê-lo.
— Ao menos minhas orelhas não se vêem quando abro a boca, replicou. As
posso esconder com um véu.
Ele a olhou jogando fogo pelos olhos e lhe devolveu o olhar. Poderia-lhe
haver dito mais coisas para lhe demonstrar toda sua irritação, mas já o ar cheirava um
pouco a fumaça, e a fumaça se via claramente no horizonte. Isso a convenceu de que
era melhor não continuar pelo caminho dos insultos. Era melhor isso que humilhá-lo
de tudo, porque, certamente, ele jamais a derrotaria. Imaginou incontáveis encontros
com ele, e em cada ocasião tinha resultado ganhadora. Esta vez não seria diferente, e
talvez isso só servisse para convencê-lo de que Rhys merecia sua ajuda. Fez provisãode toda sua força de vontade e mordeu a língua.
— O que pensa fazer Rhys? — perguntou Geoffrey, que pelo visto tinha
chegado à mesma conclusão de que não tinha sentido brigar. Plantar-se em sua terra e
apagar a pisões as chamas que ficam?
— Chorar sua perda, respondeu ela. Que outra coisa vai fazer?
— Vingar-se?— Como? Atacando Ayre?
Geoffrey ruminou isso, mas não disse nada.
Gwen desviou o olhar e se concentrou na fumaça que se via na distância.
Deveria ter sabido que Geoffrey seria de pouca ajuda. Teriam que inventar um novo
plano. Era possível que tivessem deixado algum rastro, alguma prova que assinalasse a
quem tinha provocado o incêndio. Então iriam ao Rei e lhe contariam a história.Talvez isso fosse suficiente para convencê-lo de que Alain não era um senhor
conveniente para todas suas terras, e que deveria dar-lhe a outro. A Rhys, por
exemplo.
Já estava escuro quando por fim lhe deram alcance, embora tivessem
saído do Fenwyck na última hora da manhã. Ao Gwen não tinha gostado de nada
forçar assim os cavalos, mas se não o faziam lhe teriam perdido o rastro de Rhys.
Desmontou e deixou ao Montgomery com o pequeno grupo. Rhys estava uns
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esperemos que Alain não tenha estado ali antes que nós.
Gwen o observou atentamente o resto desse dia, e os dois dias seguintes a
sua volta ao Fenwyck para preparar a viagem ao norte. E face à enormidade de sua
perda, dava a impressão de tomar-lhe notavelmente bem.
Quando pensava que o estavam observando, claro. Era vê-lo nesses
momentos, quando ele acreditava que não o observavam, que lhe partia o coração;
então via a profundidade da ferida causada por essa profanação do Alain. Já tinha sido
duro para ele que lhe negassem o presente do Bertram durante tantos anos, mas ver
esse presente tão estupidamente destruído era, sem dúvida, muito diferente.
Em um desses momentos ele a surpreendeu observando-o desde atrás de umaárvore do jardim do Geoffrey. Estava sentado em um banco ao sol, os braços apoiados
nos joelhos com as mãos caídas, e a cabeça encurvada. Ela estava segura de que não
tinha feito nenhum ruído, mas certamente seu ouvido era melhor que o que lhe tinha
atribuído, porque levantou a cabeça e a olhou. Sua expressão de aflição não trocou,
mas lhe estendeu a mão. Ela saiu de seu esconderijo e foi sentar se no banco ao seu
lado.— Sinto-o, lhe disse, não me ocorre nada que te dizer.
— Não estava pensando na terra.
— Em que então? — perguntou ela, pestanejando surpreendida.
— Em você, disse ele, e no muito mais que me doeria se te ocorresse algo.
Sorriu tristemente. Pensava que sabia o quanto te amava, Gwen... Até que ocorreu isto.
Enquanto olhava esses campos queimados, não era capaz de pensar em outra coisa queno muito pior que me teria sentido se tivesse sofrido você algo assim.
— Não me ocorrerá nada.
— Não, não te ocorrerá, disse ele serenamente, porque jamais estará em
posição de que lhe façam um dano assim. Não posso acreditar que te tenha deixado
três anos em companhia desses vikings vomitões.
— Os Fitzgerald são muito hábeis e capazes quando estão com os dois pés
em terra firme.
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— Teremos que nos arrumar com o ouro que temos, continuou, para não ter
que ir novamente à França. Se tiver que me ajoelhar a lamber as botas de João para ter
um castelo próprio, farei-o. Imagino que não irá ao norte com muita freqüência para
ver como funciona sua guarnição.
— Com sorte, não virá nunca.
Ele se levantou e a ajudou a levantar-se.
— Deveria descansar o resto da tarde. Amanhã nos espera uma larga
cavalgada.
— Estarei muito bem...— E deixa de me espiar, Gwen.
— Não te espio.
Ele arqueou uma sobrancelha e franziu os lábios.
— Ontem tinha teias no cabelo e hoje está coberta de ramos.
Ela ia discutir, mas de repente lhe agarrou o rosto entre as mãos, e se
inclinou a beijá-la. Foi um beijo doce, tenro, que a fez esquecer totalmente o que iadizer.
Ele levantou a cabeça e lhe sorriu.
— De acordo?
— De acordo — disse ela, com a esperança de que ele não se desse conta de
que nesse momento teria estado de acordo com quase tudo.
— Então vamos, meu amor e continuemos com o resto de nosso dia. A mim, por minha parte, faz-me muitíssima ilusão uma curta viagem ao norte. Nunca sabemos
o que vamos encontrar.
Puseram-se a andar para a torre da comemoração e se encontraram com o
Geoffrey no caminho. Gwen o olhou furiosa e ele a olhou furioso antes de passar sua
atenção ao Rhys.
— Ajudarei, lhe disse.
Gwen quase caiu ao chão pela impressão. Inclusive Rhys pareceu surpreso
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Santos, Gwen, esse homem tinha um fino instinto para uma boa brincadeira.
— É enorme! — conseguiu dizer ela.
— Sim, disse ele, maravilhado. Nunca tinha visto uma imensidão assim fora
da Aquitania. Não é tão fértil como aquela, mas a terra me parece fértil, cultivável.
— Só nos cabe esperar que Alain volte direto para casa e não tenha visto
isto.
— Não teria se incomodado.
— Rollan poderia ter se dado ao trabalho.
Rhys negou com a cabeça.
— Meus exploradores não viram nada, e te asseguro que adorariam capturá-lo. E então Alain passaria o resto de sua vida perguntando-se o que lhe teria ocorrido
ao seu irmão, porque não voltaria a vê-lo nunca mais.
Gwen estremeceu.
— Que horror o tipo de acompanhantes que mantém, Rhys. O que opina sua
mãe disto?
— Reza muitíssimo por suas almas e pela minha, asseguro-lhe isso.— Não o duvido. Olhou por volta do mar. Subimos até o topo para ver a
vista?
— Sim, encantado.
Era o lugar perfeito para um castelo. Rhys se tinha dado conta no momento
em que viu a crista, mas ver o terreno com os pés nele o confirmou. O montículo
entrava no mar em ondulantes colinas de areia que nenhum exército poderia atravessar com menos que grande dificuldade. Detrás deles um escarpado rochoso separava o
topo da parte baixa do terreno. Mais à frente se estendia a planície que levava sem
cultivar só os Santos sabiam quanto tempo. Rhys suspeitou que produzisse em
abundância quando finalmente se cultivasse.
— Escuta, sussurrou Gwen.
Ao princípio não conseguiu ouvir nada fora dos gritos de alegria do Robin e
Nicholas rodando pela colina de areia. Rhys dedicou um instante a alegrar-se de que
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Joanna ficou com a Amanda; teve visões de dias inteiros lhe tirando areia de detrás das
orelhas. Pelo menos aos meninos lhes podia colocar a cabeça em um tonel com água
de chuva e dá-los por lavados.
Quando os meninos já estavam longe rodando, Rhys descobriu que podia
escutar em paz. E então ouviu o som das ondas contra a praia e as rochas.
Gwen deslizou sua mão na dele e contemplou o mar.
— Êxtase, sussurrou. Meu pai tem que ter vindo aqui e sabido que eu
adoraria.
— Isso acredito eu meu amor, disse Rhys em voz baixa. E se não ele,
certamente sua mãe sabia.Ela o olhou com os olhos maravilhados.
— Construirá nosso castelo aqui? Justo neste lugar, onde possamos ouvir o
som do mar?
Ele sorriu e lhe jogou para trás o cabelo que lhe caía sobre a cara.
— Se não te importar que construa um castelo em sua terra.
— Considera-a meu dote. Isso sossegará as más línguas de ambos os ladosdo oceano. Pensa o que seria de sua reputação se te casasse comigo simplesmente por
amor.
— Arruinaria-me certamente, concordou ele.
— Então, servirá?
— Sim, querida. Servirá-nos muito bem, em realidade.
— Então, percorremos um pouco nossa terra e planejaremos o castelo. Dois pátios interiores, não te parece? Deverá ser muito maior que Segrave, e certamente
devemos fazer que Ayre parecesse uma pocilga ao seu lado. Além disso, devemos ter
um jardim. Que plantas se darão aqui, tão ao norte? Temos que perguntar aos frades
dessa abadia que vimos no caminho para aqui.
— Seakirk.
— Sim, aí — disse ela, puxando ele para caminhar pelo topo da colina. Eles
têm que saber o que se pode plantar com êxito nesta terra baldia.
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Ele a ouvia e sorria ante seus planos e projetos para cultivar esta e aquela
erva, mas ao mesmo tempo lhe custava concentrar-se. Essa terra era muitíssimo mais
do que tinha esperado; comparada com ela, Wyckham parecia um jardim de uma
modesta abadia. E pensar que tudo isso pertencia a Gwen. Embora ela a tivesse em seu
nome para o resto de sua vida, tinha a bondade de não arredar-se quando ele
construiria o castelo mais moderno que tinha visto a Inglaterra em seu chão, estaria
satisfeito.
— O que te parece?
Rhys caiu na conta de que ela se deteve e o estava olhando à espera de uma
resposta.— Ah, disse ele, muito bonito de verdade.
— Não me estava escutando, disse ela com os olhos entrecerrados.
— Sim lhe...
— Não me estava escutando. Roseiras, Rhys. Temos que ver se dão bem as
roseiras aqui. Vi as rosas gastas das Cruzadas. Sim, teremos rosas para alegrar os
olhos e também por suas propriedades medicinais.E se lançou novamente a enumerar com detalhes as ervas que precisaria
plantar e as flores que teria só por sua beleza. Mas ele só era capaz de pensar em
pedra, e em muita, muita quantidade. Construiria muralhas tão largas e sólidas que não
se desmoronariam jamais. Gwen estaria a salvo ali, a salvo do Alain e a salvo do
Rollan.
Pensou quanto conheceria William do Segrave sobre o caráter de seu futurogenro. Teria mantido em segredo a existência dessa terra com alguma finalidade
concreta?
-... Árvores, não crê?
Rhys pestanejou, e depois fez um gesto de desculpa ante o olhar dela.
— Minhas desculpas, senhora. Estava pensando em pedra.
— Para um muro ao redor do jardim? Excelente ideia, Rhys. Você te
encarregará disso?
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— Esses meninos me vão pôr nervosa. Robin, Nicholas! Não entrem assim
no mar. É que não sabem nada das bestas que há aí?
Pôs-se a andar para um lugar onde sem dúvida lhe escutariam melhor seus
gritos de desagrado.
— Voltarei em seguida, disse ao Rhys por cima do ombro.
Ele a observou afastar-se e voltou sua atenção ao chão que tinha sob seus pés
e à imensidão que o rodeava. Dali via milhas à sua volta. Nenhum exército o agarrariadespreparado. Nenhum navio poderia atacar sem que ele o tivesse visto com
antecipação. Sem dúvida era o lugar perfeito para construir um castelo, e só pôde
mover a cabeça maravilhado de que João não se apropriou já dessa terra para a coroa.
E se essa terra só podia herdá-la Gwen, talvez ele pudesse ir fincar seus dois
joelhos ante ao João e lhe beijar os dedos dos pés torcidos e lhe prometer lealdade
feudal direta à coroa por ela. Por mais atraente que fosse Wyckham, vinhaacompanhada do Alain como suserano, algo que não gostava nada. Talvez João
aceitasse sua espada e sua lealdade pelo Artane e se considerasse afortunado por ter a
alguém digno de confiança lhe guardando sua fronteira do norte.
Continuou ali com os pés bem plantados no excelente chão, escutando o som
das ondas ao romper na borda e os chiados das gaivotas que giravam no ar, e pensou
que igual podia tornar-se a chorar ante toda essa maravilha.Essa terra podia ser dela. E o único que tinha que fazer para tê-la era ganhar
quão único desejava mais que a vida.
Gwen.
E embora não há melhor momento para começar que o presente, descobriu
que ainda não era capaz de obrigar-se a ir conferenciar com seus mercenários.
Tampouco era capaz de correr detrás de sua dama e unir-se a ela na repreensão de dois
moços muito molhados que se divertiam felizes na praia. Quão único era capaz de
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fazer era continuar onde estava e inspirar profundamente o ar marinho e escutar o
rugido do mar.
Terra.
E Gwen para compartilhá-la.
Quão único tinha que fazer era ocupar-se de que ocorresse.
Acamparam dois dias no topo da colina. Rhys teria ficado ali
eternamente, e também os meninos, a julgar por seus gemidos de frustração ao partir.
Bom, talvez chamá-los de gemidos não era muito exato. Robin protestava em voz
muito alta, enquanto que Nicholas se inclinava estoicamente sob o peso da perda,
embora Rhys suspeitasse que se sentisse tão desiludido como Robin. Enquanto osolhava fazer sua última carreira colina abaixo, voltou a jurar que conseguiria que
Gwen conservasse o seu filho.
Ele poderia reclamar ao Robin como filho dele, e também ao Nicholas.
Considerando que a anulação do matrimônio da Gwen faria um bastardo do Robin
também, que diferença havia entre os dois moços? Além disso, Gwen estava muito
afeiçoada com o menino, e ele tinha que admitir que também lhe estava tomandomuito carinho. O que podia ser melhor que adquirir uma esposa e dois filhos ao
mesmo tempo?
Retornaram com toda a rapidez que permitiram os cavalos. Rhys teria
viajado mais rápido só com seus mercenários, mas não lhe importou a lentidão do
passo, porque isso lhe deu tempo de sobra para observar os arredores e descobrir a
configuração da terra do Gwen.Mas de todos os modos se sentiu aliviado quando divisou Fenwyck na
distância. Quanto mais cedo estivesse livre Gwen, antes poderia começar a construção
do castelo. Ele sabia que se celebrariam umas bodas também, mas tinham acontecido
tantos anos sem pensar nela que isso lhe tinha convertido em hábito. Pensaria nisso
quando se assegurasse a bênção do João e do arcebispo.
Orou para que o ouro que tinha fosse suficiente para isso.
Depois de ocupar-se de seus homens e de passar uns momentos no jardim,
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5/13/2018 (che 347) amor, paixão e promessas - lynn kurland - slidepdf.com
Gwen o olhou tão desgostosa como parecia sua mãe, e Rhys começou a
sentir-se tão imaturo como Robin. Mas se sentiu algo melhor quando viu que ela
olhava ao Geoffrey com a mesma expressão de desgosto.
— Caracóis. Bom, então — disse.
— Sim, claro — acrescentou Geoffrey, com uma expressão igualmente
sobressaltada.
— Rhys, disse Joanna inclinando-se para olhá-lo, quais são seus planos
agora, querido? Voltamos para o Segrave, ou quer que continuemos aqui?
Rhys sentiu uma inexplicável quebra de onda de prazer. Não era o marido doGwen nem o genro da Joanna, certo, e que ela o tratasse com essa cortesia em que
pese a sua falta de direitos era algo agradabilíssimo.
— Bom milady, explicou, meu plano é enviar um mensageiro a meu avô
hoje. Terei que viajar a Londres para me encontrar com ele ali e me arrastar ante o
Rei, mas acredito que é melhor que nem você nem minha senhora me acompanhem.
— Se por acaso perde a cabeça? — perguntou Gwen, nada agradada.Ele esboçou um sorriso.
— Não perderei nada e voltarei vitorioso, já o verá. E o único que tem que
fazer você é confiar em mim.
— E ficar aqui? — perguntou ela, olhando ao Geoffrey, carrancuda.
Geoffrey levantou as mãos para proclamar sua inocência.
— Não disse nada, milady Gwennelyn, nem sobre suas orelhas nem sobresua altura.
— Minha altura? O que tem minha altura?
Com muita prudência, Geoffrey se apressou a agarrar uma coxa de frango e
começou a dar conta dela diligentemente.
— E me vais deixar aqui para ver isto? — disse Gwen ao Rhys, irritada.
— Viajarei mais rápido só, explicou Rhys.
— Será melhor que não demore — disse Geoffrey, oculta sua boca atrás da
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— Deixaria-te persuadir de me sugerir algumas maneiras de que o incline ao
meu favor?
Geoffrey franziu o cenho.
— Vamos ver, e porque ia-me querer fazer isso? Sobretudo quando que
tenta roubar é a única mulher de toda a Inglaterra que eu escolheria para me casar se
ela estivesse livre?
Rhys repassou em sua cabeça todos os motivos que poderia ter Geoffrey para
aceitar ajudá-lo, dos quais o principal era que se não o fizesse, lhe faria um mal
corporal.
Gwen lhe economizou o trabalho de admitir isso, dizendo ao Geoffrey:— Deveria fazê-lo porque eu o amo.
Geoffrey franziu o cenho.
— Suponho que eu seria capaz de imaginar argumentos piores.
— Sobretudo dado que eu não me casaria contigo nem que fosse o único
homem que restasse na Inglaterra, murmurou ela.
Geoffrey lhe dirigiu um olhar irritado e logo reatou seus cuidados à coxa defrango.
— Alain é um homem poderoso, disse entre dentadas e dentadas.
— E você não é poderoso? — perguntou-lhe Joanna. Vamos, milorde
Fenwyck, é muito modesto.
Rhys teria soltado uma gargalhada ante essa lisonja, mas parecia que
Geoffrey acreditava; então não ia danificar o feitiço que começava a tecer a mãe desua dama, de modo que se reclinou no respaldo de sua cadeira a escutar.
Joanna dedicou uma boa quantidade de tempo a enumerar ao Geoffrey todos
seus pontos bons enquanto enumerava ao mesmo tempo todos os pontos maus do
Alain, e com tanta meticulosidade que inclusive Rhys chegou a acreditar que talvez
Geoffrey fosse capaz de triunfar onde Alain jamais poderia.
— Certo, certo — concordou Geoffrey quando Joanna esgotou o poço de
lisonjas bastante fundo. Estirou-se como um gato satisfeito. Suponho que junto com
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alertar ao Rei a respeito dos danos causados pelo Alain a minha terra, poderia também
falar favoravelmente de você, Rhys. Estou bastante seguro de que me escutará.
Rhys não sentia nenhum tipo de segurança, mas supôs que uma pequena
ajuda seria melhor que nenhuma. Talvez Geoffrey conseguisse distrair ao João
enquanto ele ficava sigilosamente as suas costas e lhe golpeava a cabeça com várias
bolsas de ouro. Era possível que o golpe inutilizasse um pouco a razão ao Rei, mas
não lhe inutilizaria as mãos tanto como para não poder assinar um punhado de
documentos que ele teria preparados.
— Pensarei um pouco mais, anunciou Geoffrey, e lhes darei a conhecer meus
planos dentro desta semana.Rhys suspirou. Isso era mais que o que desejava esperar, mas o que era em
realidade uma semana mais quando estava esperando a Gwen a metade de sua vida?
Em todo caso, a decisão apareceu muito antes da semana. Não fazia dois dias
de sua volta ao Fenwyck com Gwen quando um mensageiro atravessou correndo o
campo de batalha com uma carta em sua imunda mão. A carta não trazia selo, o que
imediatamente despertou suas suspeitas, mas claro, os selos não eram nenhumagarantia de autenticidade. Se alguém sabia disso, era ele. Quantas cartas tinha recebido
com o selo de Gwen, só para inteirar-se depois que eram falsificações?
Eu, Jean de Piaget, escrevo esta de meu punho e letra este último dia de junho
do ano de Nosso Senhor 1206, a Rhys de Piaget. Saúdo-te, neto; esteja contigo a graça
de Nosso Senhor.Estão se tramando problemas, e temo que viajem até a porta de sua mãe. Se
reúna comigo ali, por favor, e venha com a maior pressa. Conhece o caminho mais
rápido até ali, embora não me pareceria estranho que te detivesse em Londres a
comprar algumas quinquilharias para lhe adoçar o humor. Sabe o quanto mal-
humorada ficaria se não.
Não permita que lhe roubem todo o fruto de seu trabalho enquanto dorme,
neto.
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Gwen seria superior ao que poderia tolerar sua frágil capacidade de autodomínio;
prometeu ao Rhys que se reuniria com ele em Londres dentro de seis semanas para ter
uma conversa com o Rei. Rhys supunha que então ele já teria concluído seus assuntos
na França, resgatado a sua mãe e posto a salvo seu ouro, e voltaria para Londres
preparado para regatear com o Rei a mão de Gwen; talvez Geoffrey chegasse antes e
quando ele chegasse já teria falado com o Rei, lhe inchando os ouvidos com detalhes
da traição de Alain. Suspeitava que necessitaria de toda a ajuda possível.
Joanna lhe desejou boa viagem e boa sorte. Geoffrey estava ao lado dela,
com as mãos muito à vista e uma expressão de absoluta inocência em sua cara. A
guarda de Gwen, aumentada por implacáveis mercenários, parecia adequada para atarefa de mantê-la na linha. Nicholas estava junto a Gwen, com a mão no punho da
adaga que lhe tinha dado antes, quando lhe ordenou que cuidasse de Gwen; pelo visto,
o menino tomou muito a peito essa ordem, embora Rhys suspeitasse que não sabia
mais sobre usar a adaga do que Robin lhe tinha ensinado. Ele poria remédio a isso
quando voltasse.
Ao Robin não o viu por nenhuma parte; tinha querido acompanhá-lo, equando lhe negou seu desejo, partiu zangado. Tomou nota mental de recordar dar uma
olhada às muralhas ao sair, simplesmente para estar alerta se por acaso o menino lhe
jogasse algo para vingar-se. Com um suspiro pensou que lhe traria um presente de
Londres para lhe adoçar o humor. Era só o que podia fazer.
Amanda chorou e se segurou a ele, lhe suplicando que não partisse. Quando
terminou de abraçá-la a satisfação, tinha o pescoço da capa ensopado e estava a pontode por-se a chorar ele também. Por todos os Santos, ninguém lhe tinha advertido de
que os meninos poderiam ter esse efeito pernicioso em seu coração.
Aproximou-se para despedir-se de sua dama e ela se jogou em seus braços,
pendurando-se em seu pescoço também. Depois de beijá-lo na boca diante de todos os
pressente, retrocedeu uns passos e lhe disse, com o cenho franzido:
— Agora, vá, o que faz aqui perdendo o tempo quando há ouro por trazer?
Ele se pôs a rir e lhe deu outro beijo, além disso, agradecido da confiança
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ela imaginou que estaria com o Robin. Não era tão estranho que não visse seu filho
durante um ou dois dias, sobretudo se estivesse treinando com os gêmeos.
Ultimamente, passava por períodos em que simulava que já era um cavalheiro e,
conforme tinha chegado a entender, isso excluía muitas coisas impróprias de homens,
por exemplo, estar com sua mãe. Mas confiando como confiava nos gêmeos, pensou
que não havia motivos de preocupação.
Entretanto, essa manhã tinha caído na conta de que fazia muito que não via
seu filho nem com o Nicholas e nem com os gêmeos.
Divisou uma cabeça loira parecida com um matagal de arbustos e se dirigiu
para lá imediatamente.— Nicholas?
O menino levantou a cabeça e a olhou com uns olhos claros muito, muito
culpados.
— Sim, milady? — perguntou, quase em um sussurro.
— Onde está Robin?
Ele tragou saliva, mas com muita dificuldade; parecia que tentava tragar uma bota grande.
— Está no castelo?
Ele fechou e abriu os olhos, horrorosamente sobressaltado, mas sem
conseguir articular palavra.
Gwen o agarrou pela mão e o levou até um banco. Havia um problema, e
teve a sensação de que no fundo dele estava seu filho. Sabia bastante bem que seconseguisse encontrá-lo-se sentiria muito tentada de dar a conhecer seu traseiro o peso
de sua mão uma ou duas vezes; duvidava de ser capaz de fazê-lo, mas ela se sentiria
tentada. Como as arrumava o moço, não sabia, mas conseguia livrar-se das
repreensões simplesmente pondo uma carinha de contrição e prometendo não voltar a
fazer nunca mais uma travessura.
— Eu não queria mentir, disse Nicholas de repente.
Gwen o olhou; certamente o menino tinha mais desenvolvido o sentido de
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— Mentiu? — perguntou-lhe, em tom severo; não tinha nenhum sentido
deixar acreditar que essa conduta era permissível.
Então Nicholas pôs-se a chorar com uns soluços tão comovedores que ela se
arrependeu de lhe ter falado assim; subiu-o a sua saia e o balançou, enquanto ele
chorava como se não pudesse parar jamais. Muito em breve chegaram Amanda e Anne
a reunir-se com eles. Amanda lhe dava tapinhas consoladores e Anne simplesmente
estava aí, com as mãos entrelaçadas e olhando com os olhos muito abertos.
— Vamos, Nicholas, lhe disse Gwen docemente, não pode ser tão grave.
— Ele foi à França! — soluçou o menino.Então Gwen compreendeu que sim podia ser assim grave. Sentiu um calafrio
em todo o corpo.
— Foi sozinho?
— Não, soluçou Nicholas. Foi com os homens de sir Rhys.
— Bom, isso não é tão grave como poderia ser — disse ela, como se o fato
de que seu filho viajasse com quase uma centena de mercenários não fosse nada. Sabesir Rhys?
Nicholas deixou de chorar o tempo suficiente para olhá-la horrorizado.
— Não, certamente que não, milady! Ele nunca teria aceitado algo assim.
— Muito certo.
Gwen esteve a ponto de por Nicholas de lado ao e correr à torre a enviar a
alguém atrás de Rhys para que trouxesse de volta o menino, mas pensou melhor. Játinha passado um dia, e mais ainda, já que tinham partido na alvorada. Era possível
lhes dar alcance, mas, era isso o melhor? A idéia de Robin cavalgando para um
possível combate com o Rhys a fez desejar sair ela mesma para buscá-lo, mas era um
combate o que aguardava Rhys? Em sua opinião, era Rollan quem tinha maquinado
tudo, e Rhys ia a uma perseguição que não o levaria a nenhuma parte. Se Alain e seu
irmão decidissem fazer uma visita ao Fenwyck, não era melhor que Robin se
encontrasse em outra parte?
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grande, que está mais abrigada. Rhys cuidará muito bem do Robin depois de lhe dar
um bom corretivo. Sem dúvida isto será uma aventura grandiosa para ele e quando
voltar terá muitas histórias para te contar.
E provavelmente a primeira seria o quanto Rhys gritou por sua estupidez,
mas essa era uma que lhe encantaria escutar. Sim, deveria estar doente de
preocupação, mas se havia alguém capaz de manter a salvo ao Robin, esse era Rhys,
se sobrevivesse à dor no peito que sentiria ao ver o menino na sela de um mercenário.
Começou a conduzir a seu pequeno grupo para a torre da comemoração, mas
as meninas desejavam fazer outra coisa. Apressaram ao Nicholas para que lhes
servisse de cavalo, e ele se submeteu de boa vontade. Pela expressão resignada que viuem sua cara, Gwen suspeitou que considerasse isso uma justa penitência pelos graves
pecados que tinha cometido.
Fechou os olhos e enviou ao céu uma oração por seu filho, rogando que
estivesse seguro e que Rhys não o estrangulasse quando descobrisse o que tinha feito.
E depois acrescentou outra por ela, rogando que algum dia do futuro próximo
sua vida se organizasse como devia. Não mais guerras, não mais combate. Nada quefazer fosse mais que estar sentada em seu quarto com um tecido sob sua agulha e a
preocupação do que meter na panela para o jantar.
***
Já fazia um mês que por fim tinha conseguido para fazer-se pelo menos um
lugar no quarto do Fenwyck. O dia estava ensolarado e luminoso, e os meninos
jogavam aos seus pés. Sua mãe as tinha agenciado para descobrir a um menestrel nos
campos circundantes, e o moço estava cantando com muita perícia. Música agradável,
uma taça de bom vinho à mão, e seus seres queridos ao seu redor. Quão único sentia
falta era a seu filho, acariciando resolutamente sua espada de madeira, e ao seu amor,
sentado frente a ela, roncando à luz do sol.
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A visão foi tão potente e tão perturbadora que deixou a um lado seu bordado
e se levantou.
— Milady? — disse Nicholas, levantando a cabeça imediatamente.
Dirigiu-lhe seu melhor sorriso.
— Só estou um pouco inquieta, moço.
— Um passeio pelo jardim, querida? — perguntou Joanna, com um sorriso.
— Sim, mãe, isso me fará bem.
— Eu cuidarei das meninas, se ofereceu Nicholas.
— Que paciência tem, moço — lhe disse Joanna, sorrindo-lhe. Essa é uma
boa virtude de cavalheiro, cuidar dos que são mais fracos que você.Nicholas a olhou como se acabasse de ser reconhecido pelo Rei em pessoa.
— Você acha, milady?
Joanna lhe disse que sim com um gesto e depois olhou a Gwen.
— É um bom moço. Teve sorte ao encontrá-lo. Não sei se Rhys se dá conta
da sorte que tem.
Gwen franziu os lábios.— É homem, mãe, e tão pouco observador como todos os homens. Com o
tempo compreenderá quão afortunado é. Mas por agora — acrescentou, acariciando a
cabeça do Nicholas, simplesmente agradeço por ter a um bom moço que tem tanta
paciência com as damas que o rodeiam.
Nicholas sorriu bravamente.
— Às meninas cada dia lhes ocorre um animal diferente para mim, sabe?Quando aprendi a fazer bem um para contentá-las, a elas lhes ocorre outro. Refletiu
um momento e depois olhou a Gwen: Todas as mulheres são assim, milady?
Joanna se pôs a rir.
— Passou muito tempo com o Robin, querido. As garotas são simplesmente
inteligentes, não volúveis.
Nicholas ficou pensativo, ao parecer assimilando isso. Gwen sorriu e se
inclinou a lhe beijar a cabeça.
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— Obrigado por sua bondade com as pequenas. Elas lhe amam por isso.
Pela forma como ele endireitou os ombros e adotou uma expressão mais
resolvida, Gwen supôs que esse comentário o tinha feito feliz. Suspeitava que o moço
fosse capaz de fazer a viagem de ida e volta a Londres em quatro patas se Amanda e
Anne pedissem; estava faminto de qualquer tipo de afeto, e ela só podia ser feliz
procurando que o dessem.
Baixou à sala grande, pensando se conseguiria encontrar os gêmeos e
convence-los de que treinassem um momento com ela. Rhys lhe tinha escondido sua
espada, lhe dando em troca uma parte de aço absolutamente inútil. Por sorte, os
Fitzgerald se recuperaram de seu «enjôo eqüino» bem a tempo para descobrir comquem tinha escondido Rhys a espada, e exerceram seu considerável encanto para
tomar posse dela. Gwen não conseguia decidir se acreditavam que ela devia recuperar
a espada porque consideravam um desafio evitar as lutas, ou porque consideravam que
ela tinha melhorado tanto seu manejo que já não precisavam preocupar-se com suas
delicadas peles. Agradava-lhe pensar que o motivo era este último.
Uns sussurros e gestos irados lhe atraíram a atenção. Olhou para a lareira eviu o Geoffrey e Montgomery discutindo acaloradamente, embora em voz baixa. Tão
logo a viram os dois adotaram expressões de inocência tão falsas que ela soube
imediatamente que fosse que fosse que estavam discutindo tinha a ver intimamente
com ela. Sem dúvida isso era algo que devia investigar.
Dirigiu-se ali a grandes pernadas, deteve-se a um passo deles e colocou as
mãos nos quadris. Essa postura sempre intimidava ao Robin, e talvez resultassetambém aí.
— O que aconteceu? — perguntou.
— Nada, responderam os dois ao uníssono.
Gwen viu um pedacinho de pergaminho que aparecia pelo pescoço da túnica
do Geoffrey. Sem pensar duas vezes, saltou sobre ele, puxou o pergaminho e o meteu
no sutiã de seu vestido. Os dois homens se voltaram para ela ao uníssono, com os
punhos fechados e movendo a boca em silêncio.
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— Tenham um bom dia — disse, girou sobre seus pés e pôs-se a caminhar.
— Milady, rogo que me devolva isso — suplicou Geoffrey.
— Acredito que não, respondeu ela, voltando-se para olhá-lo.
— É uma insignificância, seriamente.
— Então o que importa que eu saiba?
Montgomery deu um passo atrás movendo a cabeça.
— Com isto eu me retiro deste desastre, disse. Olhou ao Geoffrey. Todo o
peso do desagrado do Rhys recai sobre ti, milorde.
Gwen não esperou para ouvir mais. Tirou a carta e começou a lê-la inteira, à
exceção da assinatura, antes que Geoffrey a arrancasse das mãos.
Eu, Jean de Piaget, escrevo esta de meu punho e letra este último dia de julho
do ano do Senhor 1206, ao Rhys de Piaget. Saúdo-te, neto; seja contigo a graça de
Nosso Senhor.
Estão-se tramando problemas, e temo que viajem pela França a seu arbítrio.
Recolhi seu tesouro e lhe levarei isso ao Ayre. Te reúna comigo ali a toda pressa.Não permita que lhe roubem todo o fruto de seu trabalho enquanto dorme,
neto.
Jean do Piaget
— Devemos ir ao Ayre imediatamente, declarou Gwen.
Montgomery elevou as mãos.
— Eu não quero ter nada que ver com isto...
— De maneira nenhuma irá ao Ayre, disse Geoffrey energicamente. Isto
poderia ser uma falsificação.
— Estúpido, a primeira carta era uma falsificação, sem dúvida. Começa
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— Muito bem, suspirou Geoffrey, irei ao Ayre e enviarei a alguém a Londres
para lhe comunicar o que ocorreu. Irá ao Ayre em lugar de vir ao Fenwyck e assim
teremos acabado esta historia com o Alain.
— E outro mensageiro ao Dover.
— Mas...
— Se por acaso seu mensageiro não o encontrar em Londres.
— Muito bem — disse Geoffrey, com outro comprido suspiro. Dois
mensageiros então, um a cada lugar. E esperemos que Rhys não passe ao largo junto
aos dois. Porei em marcha a meus moços dentro de um ou dois dias. Agora terei que
me ocupar de organizar a direção do castelo durante minha ausência. Olhou-a. Você poderia fazer bem isso.
Dois dias? O avô do Rhys poderia estar já a um punhado de milhas do Ayre,
e perto de cair em uma armadilha nesse tempo. Era muito esperar dois dias.
— Seguir a pista da Amanda e da Anne te ocupará agradavelmente o tempo
— continuou Geoffrey, e talvez se ocupar um pouco em arrumar minha roupa.
Gwen teve que fazer um enorme esforço para não lhe dar um forte golpe nacabeça. Mas era tentador fazer várias alterações em suas roupas.
Talvez se roubasse um cavalo e saísse protegida pela escuridão, estaria
bastante longe quando alguém notasse sua ausência. Deixaria os gêmeos a cargo do
cuidado dos meninos. Deixavam-se dominar pela Amanda quase tanto como Nicholas,
mas talvez se lhes desse um severo sermão compreenderiam a necessidade de manter
controlados os meninos. Nicholas estaria ali para entretê-la, e sua mãe fiscalizaria ocuidado dos meninos e de seus dois guardas. Suspeitou que, em realidade, era
provável que não a jogassem muito de menos.
— E um ou dois dias fiscalizando a cozinha também — continuou Geoffrey,
claramente encantado ao pensar em todas as coisas que poderia fazer uma mulher, que
não se fazia desde que morrera sua lady.
Gwen viu claramente o que devia fazer. Por sorte, nesses últimos anos,
embora não as praticasse, tinha pensado muitíssimo em suas qualidades mercenárias.
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— E o que te faz pensar que tenho a intenção de partir do castelo, meu bom
senhor?
— Tem uma idéia de quanto tempo faz que te conheço, senhora?
— Amadureci.
— Tem se feito mais ardilosa, acusou ele. Agora bem, para me assegurar de
que seriamente vais fazer o devido, acredito que te pedirei alguma espécie de
juramento.
— Meu pai me ensinou que nunca devo jurar.
— Jure, insistiu ele, exasperado. Jure pela Cruz que não vai ao Ayre
procurar o ouro do Rhys.— Tenho que te recordar que sou sua senhora e que é seu dever me obedecer
em tudo?
A expressão carrancuda do Montgomery se converteu em olhar de fúria.
— E tenho que te recordar o que me ocorrerá se te ocorrer algo? Poderia ser
a maldita rainha de todo o reino e seguiria dizendo isso para salvar meu pobre
pescoço. Santos do céu, senhora, a quem crie que temo mais?Ela não teve mais remédio que compreendê-lo, embora a mortificou fazê-lo.
— Ele não é meu senhor ainda, resmungou.
— Deixo a ti convence-lo disso quando voltar. Agora, pela salvação de
minha doce alma, por favor, jure pela Cruz que não sairá do Fenwyck tentar essa
loucura.
O dilema estava muito claro. Se Rhys perdesse seu ouro, não poderiasubornar ao João e não poderia casar-se e ela enterraria a espada no peito; sua alma
seria enviada ao inferno. Se jurasse pela Cruz que não sairia de Fenwyck quando isso
era justamente o que ia fazer, sua alma seria enviada ao inferno.
A escolha era muito simples.
Seguro que Deus não tomaria em conta uma mentira que tanto significava
para um homem que o tinha servido fielmente durante tantos anos.
Olhou ao Montgomery à cara sem pestanejar, adotando a expressão mais
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movia por entre a mata com o sigilo de um javali ferido.
A luz da lua se refletiu em uns cabelos loiros.
— Nicholas! — exclamou, embainhando a espada.
— Milady, disse ele e correu a rodeá-la com seus braços. Temia por sua
segurança.
Ela levantou a cabeça.
— Viu-te alguém?
Ele negou com a cabeça.
— Como me alcançou tão rápido? Vieste a cavalo?
— Não, milady. Não se afastou muito. Em realidade, acredito que deu umagrande volta. Fenwyck está bastante perto.
Maldição. Montou o cavalo e estirou a mão para subi-lo.
— Teremos que cavalgarmos nós dois, moço. Oxalá houvesse trazido
alguma espécie de mapa.
— Eu posso te guiar — disse ele, enquanto ela o acomodava detrás dela. Sir
Rhys me ensinou a reconhecer as direções pelo sol. E lembro que viajamos para onorte para vir ao Fenwyck, ou seja, que para ir ao Ayre temos que cavalgar para o sul.
Ela não pôde rebater essa lógica, e certamente não ia enviar de volta ao
Fenwyck a um guia tão capaz. Apertou os pés nos flancos e seguiu as orientações do
Nicholas.
E sinceramente rogou que sua tarefa de resgate terminasse com mais êxito
que como tinha começado.
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seis anos. Necessitaria do amparo dos Santos quando o menino encontrasse realmente
sua língua.
— Então — disse, procurando algo que fosse motivo para castigá-lo, não
disse a sua mãe que ía vir.
— Não teria deixado.
— Eu tampouco! — exclamou Rhys.
— Poderia ter necessidade de mim — disse Robin, elevando o queixo.
— O que preciso é um toco de árvore onde me sentar comodamente para te
pôr sobre meus joelhos e dar boas palmadas.
Robin pareceu convenientemente horrorizado ante tal perspectiva. Tragousaliva e depois endireitou os ombros.
— Se for necessário — disse, com apenas um ligeiro tremor na voz. Ou
talvez pudesse me fazer sangrar o nariz e dar por concluído o assunto.
Rhys olhou a carinha séria e teve que reprimir a vontade de rir. Santos do
céu, que descaramento tinha o pequeno. E também teve que admirar sua resolução
para ajudar. Recordava-lhe tanto Gwen que quase lhe cortou o fôlego. E no momentoseguinte desejou mais que nada no mundo abraçá-lo fortemente e lhe agradecer sua
lealdade.
Mas só os Santos sabiam que tipo de travessuras fomentaria fazendo isso, de
modo que pôs sua melhor cara de aborrecimento e tentou pensar em um castigo
adequado.
— Desobedeceu-me, e isso merece certo tipo de castigo.— Você não me disse que não devia vir, alegou Robin.
— O que te disse foi que esperava que ficasse ali para cuidar de sua mãe.
Robin olhou os pés.
— Você não é meu pai. Agachou ainda mais a cabeça. Não tenho por que te
obedecer.
Rhys se surpreendeu do muito que lhe doeram essas palavras. Era certo, não
era o pai do Robin, mas teria dado muitíssimo para sê-lo.
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— Compreendo, conseguiu dizer finalmente. Suponho que me convém saber
o que pensa...
De repente se viu abraçado à altura dos quadris por um menino pequeno que
tinha estalado em soluços.
— Oxalá fosse, chorou Robin. Desejo isso mais que qualquer outra coisa.
Se o momento anterior não lhe tinha feito brotar lágrimas, isto sim o
conseguiu. Levantou Robin em seus braços e o abraçou fortemente. Suspeitava que a
maioria, senão todos, seus homens o estavam olhando, mas bom, que pensassem o que
pensassem. Deu-lhe tapinhas nas costas e lhe disse umas quantas dessas palavras
consoladoras que Gwen sempre dizia a Amanda quando estava chorando. E quandoRobin deixou de chorar tão forte para avisar a toda a França de sua chegada, deixou-o
no chão, agarrou-o pela mão e o levou até o centro da clareira. Ali, se abaixou diante
dele e lhe secou energicamente as lágrimas com sua manga. Teve que reprimir um
sorriso quando Robin fez o mesmo com ele.
— Pai e filho não somos, lhe disse, mas talvez nós gostássemos de trocar
isso se pudéssemos. Em todo caso, considero-te um bom moço e certamente mesentiria muito orgulhoso de te chamar de meu filho.
Robin o olhou como se acabasse de lhe dar de presente duas dúzias de
espadas do melhor aço de Damasco, junto com a perícia para brandir-las todas de uma
vez.
— É? — perguntou, extasiado.
— É, respondeu Rhys. Mas temo que então eu espere algo de ti.— O que? — perguntou Robin, seu entusiasmo um pouco diminuído.
— Esperaria que não voltasse a roubar. Isso não é algo honroso em um
cavalheiro.
— Mas em um mercenário...
— Estou falando de cavalheiros, Robin. Um cavalheiro honrado não rouba.
Tampouco mente.
Robin ruminou isso.
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— Um cavalheiro protege às mulheres e aos meninos, e certamente não
coloca vermes no vestido de sua irmã.
Rhys sabia que estava causando impressão no menino; não tinha nenhum
sentido não aproveitar o momento para deixar umas quantas coisas em claro.
— Não? — perguntou Robin, um tanto consternado.
— Isso não é cavalheiresco, Robin.
— Ah — disse o moço, pesando talvez as conseqüências de consagrar-se a
uma vida de tanta bondade. Aparentemente, não considerou muito pesada essa carga,
porque jogou os ombros para trás e suspirou: Não mais vermes, não mais serpentes,
não mais arranhas.«Pobre Amanda» pensou Rhys.
— Mas quanto ao outro — acrescentou Robin, elevando repentinamente a
vista. Você planeja seqüestrar a minha mãe, não é?
Rhys descobriu que não tinha resposta para essa pergunta.
— E não disse ao meu pai?
Rhys negou com a cabeça, ainda mudo.Robin o contemplou em silencio durante vários momentos e finalmente
encolheu de ombros.
— Talvez isso se deva fazer se quiser proteger às mulheres e aos meninos. É
essa a parte mais importante de ser um cavalheiro?
«Não roubar, nem mentir e nem trair», pensou Rhys. Como explicar a um
menino de seis anos as coisas mais sutis da vida? Ou do amor? Moveu a cabeça.Talvez ele estivesse cometendo os mesmos delitos que proibia ao Robin. A mentira e o
roubo eram vícios aceitáveis em mercenários, e bem que lhe estavam servindo em sua
atual empresa. Mas claro, já tinha quase trinta anos e se via obrigado a fazer uso do
que fosse para fazer realidade seus sonhos.
Santos do céu, que habilidade a dos meninos para fazer que um homem se
questionasse seus próprios atos. Fez uma inspiração profunda.
— Robin, lhe disse não vou seqüestrar a sua mãe.
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— Os cavalheiros tampouco escutam as conversas alheias, moço.
Robin franziu o cenho e ficou calado.
— Farei o que tenha que fazer, porque é necessário resgatar a sua mãe de seu
pai. Talvez neste caso me veja obrigado a recorrer ao suborno, mas isso não é algo que
faça à ligeira, nem tampouco com freqüência. Tampouco deve fazê-lo você.
— Eu não subornei sir Jacques à ligeira, observou Robin. Era necessário que
estivesse aqui contigo, para te guardar as costas. Mas, acrescentou suspirando,suponho que não evitarei que me faça sangrar o nariz de todo modo. Retrocedeu um
passo, apertou os punhos aos lados e fechou os olhos. Estou preparado, sir Rhys.
Rhys lhe colocou as mãos sobre os ombros, girou-o e lhe assinalou os
cavalos.
— Um melhor castigo será que se ocupe dos cavalos durante uma semana.
Seu nariz está a salvo.Robin o olhou agradecido e pôs-se a correr para o outro lado do
acampamento. Rhys suspeitou que a alegria só durasse um par de horas, até que lhe
cansassem as mãos de tirar com pá as bostas dos cavalos, e então voltaria para lhe
suplicar que lhe desse um murro no nariz.
Isso lhe dava pelo menos um par de horas para decidir como se arrumaria
para impedir que ocorresse algum dano ao moço. Até o momento não tinham tidonenhum problema, mas, claro, tampouco tinham parado de cavalgar desde que
tocaram na terra francesa. Só os Santos sabiam o que podia passar quando
encontrassem com seu avô na abadia da sua mãe. Não acreditava que Alain fosse
capaz de criar mais problemas na França, de modo que isso ficava para o Rollan, e ele
sabia que nada era muito para o irmão menor do Ayre.
Bom, só o que podiam fazer era continuar caminhando para o Marechal,
onde, conforme sabia estava abrigado nesses momentos seu avô, e esperar que tudo
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— Se rendam! — gritou repentinamente Robin, brandindo sua espada de
madeira como se fosse uma potente arma mortal.
Pierre se apertou o braço ensangüentado e o olhou irritado.
— Deveria te cortar em tiras, pequeno demônio...
Bom, esse tipo de conversa não tinha nenhuma razão de ser. Rhys se inclinou
e enterrou um punho na cara do Pierre, que caiu ao chão e ficou ali como um molho de
seda fina.
— Eu poderia tê-lo derrubado, disse Robin.
— E o derrubou moço, lhe assegurou Rhys. O distraiu muito bem. Foi
amável de sua parte me permitir acabar com ele.— Caracóis, disse Robin, embainhando sua espada com entusiasmo. Duvido
que minha mamãe invente um conto melhor que este.
— Eu lhe relatarei todos os pontos importantes, prometeu Rhys. Agora,
atemos esses outros dois e vejamos que tipo de notícias podemos extrair. Acredito que
você gostará de ficar para o interrogatório.
— É obvio — respondeu Robin, cruzando-se de braços e olhando os doisdelinqüentes. Possivelmente poderíamos usar vermes. Ou lhes colocar um punhado de
aranhas debaixo de suas túnicas.
Quase seis verões. Rhys reprimiu um sorriso enquanto fazia as honras atando
os prisioneiros de Robin. Ou seja, que Rollan o fazia espiar para saber o paradeiro de
sua mãe era interessante. Não conseguia entender que proveito podia tirar com isso, se
não era raptá-la; pelo visto não tinha idéia do seguro que era o refúgio de sua mãe;nem do que estariam dispostas a fazer suas mulheres para protegê-la. Certamente
havia certas vantagens em ser a nora de Jean de Piaget e, sem dúvida, outra alma que
continuava a tradição Piaget de espiar para o Rei. Não, tinha que haver algo mais do
que haviam dito os homens.
E ele saberia tudo, tão logo descobrisse quais de seus homens tinham estado
espreitando entre os arbustos rindo. Uma vez que lhes tivesse recompensado bem seu
humor, dedicaria-se a resolver o outro enigma. Esperava que não acabasse tão mal
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receber a outra carta falsificada que ele urdiu com tanta manha. E bendita a
empregada, que fez exatamente o que ele suspeitava que fizesse: enviar mensageiros
ao Dover e a Londres para comunicar ao Rhys que devia ir diretamente ao Ayre a sua
volta a Inglaterra.
Não poderia tê-lo planejado melhor se o tivesse planejado ele mesmo. Que o
tinha planejado, claro.
A última tarefa que tinha por diante era convencer ao Alain de que voltar
para o Ayre a maior brevidade possível era a única linha de ação que restava. Quase
podia ver a cena que alegraria seus olhos ao final: Alain, comodamente instalado em
casa, decidido a atuar de acordo às idéias que ele tinha implantado em sua cabeça;Gwen, toda ardorosa, resolvida a resgatar o ouro de Rhys; e o próprio Rhys arroxeado
de raiva por ter feito o papel de tolo.
Modestamente reconheceu que, quase com toda probabilidade, esse era o
plano mais engenhoso que tinha posto em marcha em toda sua vida.
E a isso ia nesse momento, a ocupar-se da parte do Alain em seu plano.
Percorreu o corredor até o quarto que Alain ocupava durante todas suas estadias ali eabriu a porta. Pouco o surpreendeu a visão que o recebeu, de modo que se dirigiu ao
poste dos pés da cama e olhou a seu irmão, que estava enrolado em lençóis com
mulheres.
— Talvez não recebesse as mensagens que te enviei, lhe disse.
Alain o olhou sem compreender.
— Mensagens?Rollan extraiu de si a pouca paciência que ficava depois de passar dias
bebendo a porcaria que passava por cerveja nesse castelo. E pensar que poderia ter
estado comendo as delícias do Segrave; já não estavam nem Gwen nem Rhys para lhe
negar a entrada. E embora Joanna também tivesse ido com eles, seu senescal não lhe
tinha muita antipatia; depois de tudo era ele quem mantinha ao Alain longe de suas
portas. Seguro que isso ganharia uma comida ou duas.
— Levo vários dias esperando falar contigo, irmão.
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— Tenho algumas notícias que estou seguro lhe vão interessar.
Alain moveu a mão em gesto majestoso.
— Diga-me isso agora.
Rollan teria preferido falar com seu irmão a sós, mas estava muito claro que
este não tinha pensado em mover-se.
— Muito bem — começou, pausadamente, com o fim que seu irmão não se
perdesse nenhuma só de suas palavras: Parece que lady Gwennelyn voltou para o
Ayre.
— Eu pensava que seguia no norte, talvez tentando tirar o fedor da fumaçade suas roupas — disse Alain com um largo sorriso, como esperando alguma reação a
sua amostra de perspicácia.
Rollan também teria preferido que suas atividades em Wyckham ficassem
em segredo, mas bom, não era provável que uma ou duas prostitutas de castelo
entendessem isso. Riu para agradar o ego de seu irmão e em seguida retomou sua
expressão séria.— Gwen voltou para encontrar-se com sir Rhys.
Alain pareceu mais perplexo que de costume. Sentou-se e se acomodou um
ou dois almofadões às costas.
— Encontrar-se com ele em Ayre? Acreditava que estavam juntos em
Fenwyck.
— Nosso galhardo sir Rhys foi à França recolher seu ouro.— Ele vai precisar, disse Alain. Reconstruir Wyckham lhe vai custar até a
última maldita moeda.
— Eu diria que não tem nenhuma intenção de reconstruí-lo, corrigiu Rollan.
Ele vai usá-lo para comprar a liberdade do Gwen.
Alain o olhou como se acabasse de lhe passar por cima uma manada de
cavalos.
— Sua liberdade? De mim?
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ninguém saiba que conseguimos burlar as defesas do castelo. Acredito que devemos
recorrer ao roubo. Além disso, não esperariam nada menos de nós, vestidos como
estamos de mercenários.
Nicholas pareceu menos que convencido.
— Milady, aos ladrões cortam as mãos. E se nos confundem com ladrões e
não com ferozes mercenários?
O menino colocou as mãos sob as axilas, como se já se imaginasse que lhe
separavam as mãos dos braços. Gwen olhou seu disfarce e logo olhou o dele. Os dois
se lubrificaram prodigamente as caras com fuligem, além de outras substâncias
inexprimíveis, e também a roupa, é obvio. A aparência de Nicholas honraria aqualquer mercenário esfarrapado; a roupa que usava ela a tinha roubado em Fenwyck,
e tinha a segurança de que as quase três semanas de viagem lhe tinham acrescentado
autenticidade a sua aparência. Não lhe cabia dúvida de que tomariam pelo que
aparentavam ser. Além disso, tinha tanta fome que nem lhe importava. Ao empreender
a viagem só tinha pegado comida para ela; certo que Nicholas era pequeno, mas era
um moço ao fim e ao cabo, e a aparentemente queria compensar os seis invernos demá comida na cozinha de seu tio. Tal como estavam as coisas, a única alternativa que
via era arriscar-se a roubar. Embora desfrutasse de antemão da chegada de Rhys a
qualquer momento, graças aos mensageiros enviados pelo Geoffrey, estava segura de
que se conseguiria encontrar algo com o que encher o estômago e estaria em melhor
estado para recebê-lo.
— Vamos, Nicholas — lhe disse estendendo a mão. Não nos ocorrerá nadamal. Temos mais possibilidades de morrer de fome que de que nos confundam com
ladrões.
Nicholas sorriu bravamente, agarrou-lhe a mão e começaram a sair
cautelosamente do curral.
— Eu te protegerei milady, se ocorrer isso, disse o menino. Tocou a adaga de
brinquedo que lhe tinha dado Rhys e endireitou os ombros. Sir Rhys desejaria isso de
mim.
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Gwen moveu a cabeça; não era de estranhar que Rhys conseguisse essa
lealdade de seus mercenários; se não os tivesse submetido a golpes, os teria
enfeitiçado para segui-lo; certamente tinha feito um fiel seguidor em Nicholas. Só lhe
cabia esperar uma obediência similar por parte de Robin nesses momentos; sem
dúvida já fazia dias que Rhys o teria descoberto, e lamentava terrivelmente não ter
estado ali para ver sua reação ao descobri-lo. O mais seguro era que Robin tivesse
conseguido manter-se oculto durante todo o trajeto até a França, porque se ainda
tivessem estado em chão inglês, Rhys não teria vacilado em dar meia volta para levá-
lo para casa.
E retornaria, certamente, quando descobrisse a falsidade da carta recebida.Estava segura de que a carta só podia ser obra do Rollan. Sem dúvida a intenção do
Rollan ao atrair ao Rhys ao continente era poder estar ele no Ayre para receber o ouro.
Ainda não o tinha visto, mas, claro, tampouco se tinha aventurado a sair do estábulo,
já que preferiu deixar passar um dia ou algo assim para tentar; seu coração já tinha
passado muitas penas com o trabalho para entrar no castelo.
— Maldita seja!Gwen interrompeu seus pensamentos. Essa voz era desagradavelmente
parecida com a de Geoffrey do Fenwyck. Isso não pressagiava nada bom.
— Te volte para outro lado para vomitar, imbecil!
Gwen parou em seco na entrada do estábulo e apareceu ao pátio. Ali estavam
Geoffrey do Fenwyck, seus guardas, Montgomery e quinze mercenários de rostos
implacáveis.Ah, e os gêmeos amarrados em seus cavalos, como sempre.
— Uy, exclamou.
— Não, Connor, não vomite também! E não caia em cima de mim!
Gwen se teria posto-se a rir, mas Geoffrey do Fenwyck acabava de vê-la, por
isso pesou melhor sua reação.
— Você! — gritou ele, sacudindo de sua muito molhada manga as partes
mais sólidas do vômito e apontando-a. Você tem a culpa de tudo isto!
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Muito tarde. Rhys já estava dentro do pátio, antes que a ordem chegasse aos
guardas da porta.
Rhys olhou aos guardas e ladrou:
— Baixem a ponte.
Os homens se apressaram a fazer girar a manivela, em franca desobediência
à ordem do Alain.
— Traidores — gemeu Alain, enquanto os homens do Rhys foram enchendo
o pátio.
— Eu avisei, disse isso Gwen ao Alain sorrindo-lhe agradavelmente.
Depois olhou ao Rhys. Ele dirigiu-lhe um olhar irado, por isso ela suspeitouque estivesse menos que agradado por vê-la ali. Passeou o olhar pelas filas de
cavaleiros e de repente sentiu um alívio quase avassalador ao ver Robin, montado
diante de John, que a saudava agitando alegremente a mão.
Um ser querido a salvo. Bom, agora a esperar que Rhys conseguisse evitar
que o alcançasse alguma flecha dos guardas do Alain.
Então lhe chamou a atenção um homem que parecia ter se unido aosmercenários do Rhys. Contemplou maravilhada a brancura de seus cabelos; sua
semelhança com o Rhys era tão grande que pensou se não seria seu avô talvez. Sorriu-
lhe e ele respondeu com um radiante sorriso. Bom, pelo menos o ouro do Rhys estava
a salvo. Ou isso supunha.
Voltou a olhar o seu amor e ao ver a ferocidade de sua expressão pensou que
talvez tenha relaxado muito cedo.Ou possivelmente ele reservava essa expressão para o Alain e seu irmão.
Apertou com mais firmeza o punho de sua espada. Em outra época de sua
vida tinha saído a procurar o Rhys para lhe oferecer sua espada para lhe guardar as
costas.
Era possível que, depois de tudo, fosse necessário cumprir essa promessa.
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— Não pedi sua opinião, grunhiu Alain olhando-a irritado. Depois voltou sua
atenção ao Rhys. E olhe o teu cabelo, esse comprimento está fora de moda.
— Oh por todos os Santos, gemeu Rollan.
— Estou indo bastante bem sem sua ajuda, lhe disse Alain altivo. Acabo de
começar a enumerar seus defeitos.
Rhys cruzou de braços e tentou manter séria a expressão. Não podia acreditar
no que estava ouvindo.
— É que tenta me insultar? — perguntou.— Vê? Captou a idéia sem muita dificuldade, se gabou Alain olhando ao
Rollan
Rhys não sabia se ria ou sentia-se ofendido porque Alain não conseguia
inventar algo mais inteligente. Moveu a cabeça.
— E por que quer me ofender?
— Para que me desafie, se apressou a responder Alain. Olhou-o com olhosavaliadores Suponho que está tão cansado de suas viagens como o estaria se tivesse
estado semanas na cama de minha esposa.
Rhys agitou a cabeça, seguro de que o ouvido eram imaginações dele.
— E bem? — perguntou-lhe Alain esperando. Vais-me desafiar?
— E por que ia desejar fazer isso?
Alain olhou ao Rhys como se acreditasse que tinha perdido o juízo.— Eu diria que não é difícil ver várias razões evidentes.
— Ah, assentiu Rhys. A destruição total de minha terra, talvez?
— Isso seria para começar.
Rhys sorriu.
— Acredito que deixarei ao nosso bem amado monarca a vingança por isso.
Não o agradou muito sabê-lo.
— Você disse ao Rei? — perguntou Alain. Quando?
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-Quando passei por Londres, de volta de uma emboscada que me estenderam
na França. Sorriu ao Rollan. Da próxima vez deverá buscar vândalos menos
ambiciosos, meu amigo. Estes não viam as horas de pôr suas mãos em meu ouro.
— Estúpido! — disse Alain ao seu irmão, lhe jogando o chicote. Depois
olhou a mão vazia pasmo. Maldição! Agora como vou açoitá-lo?
Rollan emitiu um comprido suspiro e lhe devolveu o chicote, lançando-o
brandamente.
— Aí o tem, milorde. Agora está totalmente preparado para a tarefa.
— Oh por todos os Santos, exclamou Gwen. Alguém me faria o favor de me
trazer algum tipo de assento para contemplar sentada esta ridícula conversa?Rhys compartilhava absolutamente seus sentimentos.
— Sim, assentiu Alain, o desafio. Muito bem, Rhys, adiante. É boa coisa que
tenha desmontado antes de fazê-lo.
— Resulta-te mais fácil usar o chicote assim? — perguntou-lhe Rhys
divertido.
— Sim. E depois te rematarei com uma espada muito afiada.— Não é muito esportivo que eu esteja de pé e você a cavalo, não te parece?
Possivelmente deveria desmontar você também.
Alain desmontou antes de dar-se conta do que fazia. Pôs tal cara de
consternação pelo que tinha feito, que Rhys não pôde evitar sentir compaixão.
Custava-lhe acreditar que pudesse sentir lástima pelo homem que lhe tinha causado
tantas penas, mas claro, depois de tudo Alain só era uma figura decorativa. Teve acerteza de que se continuasse um momento mais a conversa, Alain revelaria todas as
maquinações de Rollan.
— Ou seja, devo te desafiar — disse em tom coloquial, primeiro por me
insultar e logo por Wyckham ou é ao reverso?
Alain pestanejou confundido, e de repente assentiu.
— Sim, disse pesando o chicote.
— E então me matará.
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— Um cavalheiro não insulta a um senhor impunemente.
— E o que pode te importar que eu viva ou morra? Tanto te interessa
Wyckham?
Alain fez um gesto para que se afastassem seus guardas, que tinham
começado a agrupar-se ao seu redor.
— Não é Wyckham, disse e fez um gesto para Gwen. São todas suas terras.
Rhys intercambiou um olhar com o capitão de seus mercenários e observou
rapidamente a cena. Robin estava a salvo aos cuidados do John, e o resto de seus
homens se colocaram detrás de Gwen e Nicholas. Seu avô estava sentado à parte,
observando-o tudo com expressão satisfeita. Dirigiu-lhe um olhar de advertência, massir Jean se limitou a levantar um ombro, como dizendo que não via nenhum perigo
para ele.
— Todas suas terras, mmmm?
— Sim, todas — confirmou Alain. Verá, se viver e conseguir comprar a
anulação...
— Ou o divórcio, interrompeu Rollan.Alain o olhou aborrecido e voltou a olhar ao Rhys.
— Se o Rei te conceder a anulação, continuou, eu poderia perder suas terras.
Mas se morrer, ela não terá nenhum... — franziu o cenho e olhou ao Rollan. Não, isto
não é correto, porque com isso me tem de todos os modos. Como posso me casar com
quem quiser se estou preso a ela?
— Talvez pudesse te divorciar dela, sugeriu Rhys. Alegandoconsangüinidade ou alguma outra tolice assim.
Alain o olhou surpreso.
— Sim, isso resultaria bastante bom. E então seguro que o Rei me permitiria
conservar suas terras.
— Depois de seu trabalho em Wyckham? — perguntou Rhys. Eu duvido.
— Essa foi idéia de Rollan, — replicou Alain imediatamente. Eu mesmo o
direi ao João.
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Alain se aproximou de Rollan, que continuava montado.
— Queria que me matassem! — rugiu golpeando com o chicote a parte de
seu irmão que estava a seu alcance.
— Ou ao menos te indispor com o Rei, falou Rhys. Provavelmente esse seria
um destino pior...
— Sim, é certo — espetou Rollan, golpeando ao Alain com o pé. Queria-te
morto.
— É um traidor!
— E você um imbecil, replicou Rollan. Por todos os Santos, Alain, nemsequer tem um par de faíscas que unidas produzam a inteligência para governar Ayre.
Quem crê que se encarregou de tudo até agora? Você?
— Traidor, disse Alain e continuou golpeando-o com o chicote. Mentiroso!
Fez-me acreditar que só desejava minha glória.
O cavalo do Rollan recebia boa parte dos açoites de Alain e começou a
empinar. Rollan tratou de manter-se na sela, puxando bruscamente as rédeas paracontrolar o seu corcel. Quanto mais retrocedia o cavalo mais lhe aproximava Alain.
Rhys lhe teria gritado que tivesse prudência, mas o senhor do Ayre estava muito
enfurecido para escutar razões. Era como se para ele o cavalo fosse uma prolongação
de seu irmão, porque o açoitava grosseiramente.
De repente, já fosse por acaso ou com intenção, Rollan deu ao seu irmão um
chute na cabeça, este caiu de joelhos no chão e, antes que alguém conseguisse mover-se para retirá-lo do perigo, o cavalo cobrou sua vingança com seus cascos,
escoiceando-o e pisoteando-o até que Alain ficou imóvel. Só então Rollan conseguiu
controlar o cavalo e o fez afastar uns passos.
— Santos misericordiosos, sussurrou Gwen atrás do Rhys. Está morto?
— Se tiver sorte sim, respondeu Rhys em voz baixa.
O corpo de Alain não estava muito intacto como para que tivesse sido
possível ter uma vida. Rhys olhou ao Rollan; nunca o tinha visto tão horrorizado.
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Rollan olhou ao seu irmão, espantado, e depois olhou ao seu redor.
— Não era minha intenção... — começou, movendo nervosamente as rédeas.
Quer dizer, não era minha intenção ser o que...
— Agarrem-no! — exclamou Geoffrey.
A isso parecer fez recuperar o juízo de Rollan.
— Não! — gritou, gesticulando violentamente para o Rhys. Agarrem a ele!
Procurou com os olhos ao capitão da guarda do Alain. Ele é o causador desta tragédia!
Rhys sentiu que lhe abria a boca pela surpresa.
— Eu? — exclamou.
— Sim, disse Rollan, já recuperada sua tranqüilidade. Capitão ata-o e jogue-o na masmorra. Eu me ocuparei de lady Gwennelyn, até que se relate ao Rei...
O capitão do Alain, Osbert, não necessitou que lhe repetissem a ordem. Rhys
tinha se enfrentado com ele várias vezes no campo de batalha, simplesmente para
treinar, claro, mas ainda assim os encontros nunca tinham sido amistosos. Rhys
suspeitou que ao Osbert agradasse muitíssimo a idéia de lhe fazer dano com a
consciência limpa.— Osbert — disse Rhys, levantando uma mão, viu com seus próprios
olhos...
— que você provocou ao meu senhor, terminou Osbert com um grunhido e
desembainhou a espada com gesto triunfal. É como já disse Lorde Rollan. Tudo é tua
culpa.
Rhys gemeu para seus botões. O capitão do Alain não era mais inteligente doque tinha sido seu amo. Não tinha nenhum sentido tratar de raciocinar com ele, e
muito menos nesse momento, em que Osbert lhe apontava entusiastamente com a
espada.
Bom, ao menos Osbert era o único dos guardas do Alain que desenbainhou a
espada. Talvez os acontecimentos dessa tarde fossem se concluir antes do que tinha
imaginado.
E então se viu sem outra alternativa que a de concentrar-se no homem que
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— Para que nos case, respondeu ele com tom impaciente. Santos do céu,
Gwen, para que outra coisa você crê que poderíamos necessitar de um padre?
— Para enterrar ao Alain?
— Ele não se vai a nenhuma parte. Em troca minha cabeça sim, se não
acabarmos este assunto antes que ocorra algo desastroso, por exemplo, que chegue o
Rei e descubra o que vou fazer.
Rhys lhe agarrou a mão e pôs-se a andar a grandes pernadas pelo pátio;
Gwen não teve mais remédio que trotar junto a ele até o castelo. Ele não se incomodouem embainhar a espada, e ela não tinha tido tempo para embainhar a sua. Gwen viu
que o sacerdote punha os olhos em branco ao vê-los aproximarem-se, e por desgraça
não alcançaram a chegar até ele antes que caísse desabado no chão.
— Maldição, grunhiu Rhys. Que outra coisa mais poderia acontecer hoje?
— Uma visita do Rei? — perguntou John detrás deles.
— Um toró? — sugeriu Montgomery.— Parem, disse Geoffrey tratando de colocar seu corpo entre Gwen e seu
amor. Acredito que agora que morreu Alain, que sua negra alma descanse em paz,
deveria ser eu quem cuide do Gwen e do que é dela. A fim de contas sou um poderoso
barão por direito de mim...
Rhys afastou Geoffrey de uma cotovelada e apertou com mais firmeza o
braço de Gwen.— Montgomery, acorde o sacerdote. E busca ao meu avô.
— Estou aqui, Rhys, moço — chegou a mal-humorada resposta. Que
descortesia, menino, não tomar em conta os joelhos doloridos de um velho. Estalou a
língua. Muito indecorosa esta pressa.
Gwen olhou à esquerda e viu o avô do Rhys. Este parecia tudo menos
decrépito, e o brilho risonho de seus olhos a fez compreender que desfrutava
enormemente fazendo raiva ao seu neto. De repente o ancião lhe agarrou o queixo com
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situação em que se encontrava. Rhys planejava casar-se com ela; o sacerdote que os ia
casar ou era muito folgado ou lhe aterrava endireitar os joelhos para sustentar-se em
pé ele sozinho; Geoffrey estava resmungando em voz baixa detrás dela; sir Jean ia
com passo irado a despertar aos Fitzgerald; Montgomery e John estavam discutindo
sobre qual dos dois devia firmar o sacerdote; Robin e Nicholas estavam combatendo
com suas espadas de madeira e todos os homens do Ayre estavam agrupados detrás
deles, observando com olhos aumentados, incrédulos. Os mercenários do Rhys, os que
tinham levado com ele e os que tinham seguido ao Geoffrey desde o Fenwyck,
reuniram-se em um grupo à parte, trinta homens com suas mãos em suas espadas
como se tivessem toda a intenção de ferir qualquer um que tentasse frustrar os planosde seu empregador. Rhys acariciava sua espada como se estivesse preparando para
saltar em meio de uma batalha, não de umas bodas.
Ah, e lá estava Alain, seu corpo morto a menos de cinqüenta passos deles,
vítima de sua própria fúria.
— Sou eu a única que acha estranho tudo isto? — perguntou a ninguém em
— É uma pena que não tenha tempo agora, cachorrinho, mas não creia que
vou esquecer a oferta. Dentro de duas ou quatro semanas, quando tivermos chegado a
sua terra baldia do norte e te tenha recuperado da dor das nádegas por montar,
veremos quem é o verdadeiro homem.
— Conde? — disse Gwen olhando ao Rhys.
— Presente do Rei, por seus impetuosos serviços e valentia, respondeu John.
— E um arca de ouro também, resmungou Rhys.
— Conde? — repetiu Gwen.— Era um arca muito grande.
— E, entretanto te negou a permissão para te casar comigo? — perguntou
Gwen.
— Disse que pensaria, respondeu Rhys, o que me fez pensar senão seria
melhor voltar para a França a procurar mais recursos ou simplesmente tentá-lo com
um ou dois barris de pêssegos.— Poderia tê-lo ameaçado lhe tirar seu cozinheiro, sugeriu sir Jean.
— Pensei nisso também, lhe assegurou — respondeu um risonho Rhys.
— Rhys! — exclamou Gwen. O que vamos fazer? Se te disse que não...
— Isso foi antes que ficasse viúva, disse ele lhe agarrando a mão. Lamento
não te deixar mais tempo para fazer duelo...
Quem talvez necessitasse isso era Robin, mas pelo visto o maior interesse domenino era estar o mais perto possível do Rhys. Além disso, não tinha passado com
seu pai mais do que somavam uns quantos dias. Talvez fazer duelo por seu pai era o
último que lhe podia passar pela cabeça.
— Mas a pressa é essencial, terminou Rhys. Espero que o Rei esteja muito
ocupado perseguindo Rollan para pensar em nós até que estejamos a salvo em
Fenwyck, onde estou seguro, Geoffrey deseja nos oferecer hospitalidade.
— Hospitalidade, bramou Geoffrey. Recorde sempre o quanto lamento
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— João se apropriou de Artane e me deu isso. Disse-lhe que não, mas
insistiu em que eu devia ter algo em compensação por meus problemas, posto que não
fosse ter a ti.
— E agora que me tem?
— Eu ficarei, senão te importar, e te construirei nela um castelo com uma
torre da comemoração muito formosa.
Gwen descobriu que lhe importava muito pouco a quem pertencesse a terra
nos arquivos do Rei. Só o que importava era que ela e Rhys estavam destinados aviver no mesmo lugar, e como marido e mulher; caso o Rei não chegasse antes e lhe
negasse o que tinham esperado tanto tempo. Voltou-se para o sacerdote.
— Nos case, lhe ordenou. Agora mesmo.
— Mmm... — começou o sacerdote.
— Tabelião! — gritou Rhys.
Alguém empurrou em meio deles uma alma, mas bem magra, de aspectodoentio, carregado de pergaminho, pluma e tinteiro, em precário equilíbrio. Ordenou-
lhe escrever os trâmites, sob o olhar vigilante e a espada desembainhada do novo
Conde do Artane.
O contrato foi assinado por todas as partes envolvidas e depois enviou o
sacerdote a atender o assunto menos urgente de dispor o funeral do ex-Barão do Ayre.
Gwen pensou que talvez Rhys pudesse considerar apropriado esse momento para beijá-la e selar assim o matrimônio, portanto se voltou para ele, fechou os olhos e
levantou a cara.
Mas em lugar de beijá-la, Rhys a agarrou pelos ombros, afastou-a e deu uma
bofetada em Geoffrey do Fenwyck.
— Essa, disse, é, por babar a mão de minha mulher.
Olhou ao barão do Fenwyck deitado no chão e acrescentou: Não volte a fazê-
lo nunca mais.
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lamentaria não voltar a vê-lo. Sabia que de vez em quando teria que vir ao Ayre com o
Robin para certificar-se de que ninguém tinha invadido as posses do moço, mas no
momento se sentia mais que feliz de abandonar esse lugar. Várias vezes imaginou
como seria sair pelas portas do Ayre com Gwen sendo dele.
A realidade era quase mais do que era capaz de suportar.
Sua comitiva o estava esperando no pátio de armas. Seus mercenários se
viam adequadamente ferozes e não vacilavam em dirigir ameaçadores olhares aos
guardas do Ayre sempre que era possível. Ainda não tinha decidido o que faria com os
moços; talvez o perdoassem por não ter tido a mente ocupada com seu futuro durante
os últimos dias. As coisas não tinham melhorado para sua pobre cabeça, e muitomenos depois de ter tido uma longa noite de íntima deliberação com sua bem amada.
Talvez lhe conviesse mantê-los um tempo mais, até que conseguisse concentrar-se em
algo que não fosse onde e quando encontrar-se a sós com sua dama outra vez.
Com um gesto deu a ordem de montar aos seus homens. Isso ainda podia
fazê-lo com o pouco juízo que restava. Olhou a Gwen e lhe sorriu timidamente.
Sorriu-lhe e então ouviu umas risadas de seu avô. De alguma parte baixou um rubor que lhe cobriu diligentemente suas bochechas; teve que voltar-se para outro lado antes
que seus homens, e, sobretudo seu avô, vissem-no e o humilhassem com suas
brincadeiras.
Encontrou ocupação em revisar as cordas que mantinham atados aos
Fitzgerald aos seus cavalos.
— Uma última vez meus amigos, lhes disse com um sorriso alentador.Prometo-lhes que não farão mais viagens.
— As penúrias que sofremos por ti, gemeu Jared. Atender seus desejos e
penas...
— Cavalgar de um extremo ao outro desta terra baldia, acrescentou Connor.
— Vomitar até não ter nada para vomitar...
— E eu te pergunto, irmão — disse Connor, girando a cabeça para olhar ao
seu gêmeo, vale a pena todo este sofrimento?
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— De maneira nenhuma vamos perder nossas cabeças, Robin, disse Rhys
sorrindo. Vamos viajar muito rápido ao norte e começaremos a construir nosso
castelo.
«E com sorte não vais ver a cabeça de seu futuro pai adotivo cravada em uma
estaca fora das portas por construir», disse-se para seus botões.
— Além disso, continuou, pedimos ao seu tio John que fique aqui e cuidasse
do Ayre, até que, chegado o momento, voltemos aqui para visitar suas posses. Ele
aceitou, portanto será ele quem enfrentará a ira do Rei.
Dito cuidador que não estava nada feliz com esse dever, mas Rhys lhe tinha prometido voltar e fazê-lo cavalheiro antes do ano novo. John era, sobretudo
pragmático nesses assuntos.
Claro que ele teria que arrastar-se bastante no futuro, mas cabia a esperança
de que finalmente o Rei visse a sabedoria do que tinha feito. Ele estaria ali para vigiar
as fronteiras do norte. Com sorte, João não se enfureceria tanto que se reapropiaria das
terras de Gwen para o prazer da coroa. Nem em seus sonhos mais loucos imaginoununca que seria o senhor de tantas terras. Chatearia-lhe muito ter que renunciar a
alguma.
Embora se ocorresse isso, agarraria a Gwen e aos meninos e partiria a toda
pressa com eles a França. Também poderiam viver ali muito bem.
Mas tudo isso viria depois. A primeira era uma rápida viagem ao norte e logo
os preparativos para construir. Com o ouro que restava poderia pelo menos começar aconstrução do castelo; de algum jeito se arrumaria para terminá-lo. Só sabia com
certeza era que não estaria terminado logo como desejava.
Já se imaginava seu estandarte ondeando alegremente à brisa.
E que formosa vista era tudo.
A menina estava a um lado do caminho vendo passar ao séquito junto a ela.
Teria que ir ao norte com eles, até aí sabia. Mas a dor de sua perda ainda pesava muito
sobre ela, e isso fazia difícil reunir a coragem para deter algum desses ferozes
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para as cinco empregadas que descuidavam do seu trabalho na cozinha. Estava sentada
em um tamborete perto da banheira, dirigindo olhadas iracundas às filhas do
cozinheiro do Fenwyck, que não lhe faziam nem o mínimo caso. As empregadas
tinham deixado de cortar, cortar, mesclar e remover para admirar ao homem que
nesses momentos se encharcava na banheira, totalmente inconsciente da comoção que
causava.
Por desgraça, Rhys era muito grande para caber inteiro na banheira, de modo
que os braços e as pernas lhe penduravam fora, de ambos os lados. Isso era muito
corpo exposto para a tranqüilidade de Gwen.
Dirigindo outro olhar de advertência a esse punhado de babonas, da que elasfizeram caso omisso, pensou que talvez sua estadia no Fenwyck a entusiasmava
muitíssimo menos que a da vez anterior.
Embora tivesse que reconhecer isso sim, que pular na cama com seu amor
era muito mais agradável com um colchão de penugem debaixo. Geoffrey lhes tinha
cedido generosamente o dito colchão depois que Rhys o convidou a decidir o assunto
no campo de batalha. A solidez dos laços que uniam ao senhor do Fenwyck ao seucolchão de penugem se viu muito claramente em sua boa disposição a pôr seus pés no
campo de batalha; infelizmente para ele esses laços se cortaram com bastante rapidez.
Tragou saliva muito audivelmente quando viu o Rhys desembainhar duas espadas, e
logo resmungou uma maldição, procedente de seu orgulho ferido, quando Rhys deixou
a um lado uma espada, com fingida compaixão ante seu agitado estado.
Mas isso não melhorou muito as coisas para o Fenwyck.Gwen tinha visto o Rhys no campo de batalha com a freqüência suficiente
para saber quando estava brincando com seu competidor e quando não. Quase não
podia dar crédito a seus olhos ao ver que Rhys alargava o combate muito mais do que
o necessário, mas calculou que, posto que o que estava em jogo era dormir no melhor
colchão de Geoffrey por três ou quatro semanas, o menos que podia fazer Rhys era
salvar o pouco orgulho que restava ao Geoffrey.
— Por todos os Santos, neto, que pedaço de folgado é.
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— Tenho muito boas lembranças de seus elogios, respondeu Jean com
arrogância. E quem é você, cachorrinho, para duvidar de minha destreza?
— Você pôs em duvida a minha.
Sir Jean começou a acariciar o punho de sua espada.
— Acredito que devo planejar ver-te logo no campo de batalha, disse; é
muito descarado para meu gosto.
Gwen suspeitou, e teve a impressão de que não se equivocava, que sir Jean
teria aproveitado qualquer pretexto para enfrentar o seu neto com a espada. Não havia
uma só vez que cruzassem as espadas que o ancião não sorrise embevecido, como se pessoalmente lhe tivesse ensinado ao Rhys tudo o que sabia de esgrima. Isso seria
orgulho de avô, supôs.
— Depois, respondeu Rhys reclinando a cabeça na banheira e fechando os
olhos novamente. Talvez amanhã.
— Folgado, disse Jean fazendo estalar a língua e movendo a cabeça.
Preguiçoso e brando. Seu pai se horrorizaria se estivesse aqui para ver-te.— Só levo quatro semanas casado, alegou Rhys, sem sentir, a menor
inquietação por sua ociosidade.
— Deveria brandir a espada diariamente, o aconselhou seu avô, e não me
refiro, me perdoe, Gwen, por dizer isto, porque só um parvo preferiria estar no campo
de batalha a estar contigo, e não me refiro à espada que usa na cama.
Rhys abriu um olho e enviou um sinistro olhar ao seu avô.— A que horas devo aparecer no campo de batalha?
— À saída do sol.
— E deixá-la a que horas?
Jean o pensou um momento, logo franziu os lábios e respondeu:
— A última hora da tarde.
— E a que devo dedicar meu tempo então?
— A planejar e pensar na maneira de deixar a mesa logo, disse sir Jean em
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— Hoje é o primeiro dia de ócio que me tirei, e não me vais induzir a
lamentá-lo. Tenha a segurança de que quando sair desta banheira vou passar todo o dia
na cama.
Gwen se sobressaltou ante o olhar que lhe dirigiu sir Jean.
— Cachorrinho desobediente. Você lhe ensinou isso?
Ela levantou as mãos em sinal de rendição.
— Eu? Não, ele já estava bastante crescido quando me fiz a cargo dele.
— As coisas vão como devem, assegurou Rhys ao seu avô. Enviei
mensagem a minha mãe para que me mande o ouro, e sabe muito bem que é um deseus homens o que levou a mensagem. Montgomery está preparando os homens para
empreender a viagem ao Artane amanhã. Os meninos estão destroçando a sala do
Fenwyck ao seu gosto, sem necessidade o que eu os vigiasse e lady Joanna...
— Ah, lady Joanna — disse sir Jean acariciando o queixo, que mulher mais
formosa. Olhou ao Gwen. Crê que me desejaria?
— Bom...Rhys jogou um punhado de água a seu avô.
— Não lhe interessa um amante de sua idade.
— Tem que saber que minha espada está tão boa como...
— Não o duvido, interrompeu Rhys, sarcástico.
— E ainda tenho um semblante agradável.
— Nunca te disse que não...Sir Jean ficou de pé de um salto e desembainhou a espada com energia,
fazendo fugir a todas as moças e empregadas da cozinha em busca de refúgio.
— Ao campo de batalha comigo, cachorrinho insolente! — gritou. Não te
vou permitir que me insulte assim! Agarrou a Gwen do braço e a conduziu fora da
cozinha. Virá comigo a ver quem é o ganhador. E traga sua mãe.
Gwen olhou para trás por cima do ombro. Rhys estava saindo da banheira
com um suspiro de resignação. Seis mulheres correram a ajudá-lo a secar-se, e isso
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— Mary fugiu com o Etienne e foi com ele a França.
— E o que ocorreu depois?
— Etienne não era só um curandeiro errante e um menestrel ocasional;
também era um cavalheiro muito destro, com o dom para adotar os costumes de
muitas vocações. Como pode imaginar, tinha muitos inimigos, na maioria poderosos.
Um deles pagou à Igreja para que o acusassem de heresia. Encolheu os ombros. Ou
talvez fosse certo que tinha um pacto com o diabo. Certas façanhas suas poderiam ter sido antinaturais.
Rollan observou a reação de Patrick. Este tirou a mão da espada e esfregou
distraidamente o joelho. Alguma velha ferida de batalha supôs Rollan; sinal seguro de
algum tipo de doença.
Interessante.
— Conforme reza a história, a Etienne o mataram.— E seu filho? Como vou saber quem é?
Rollan reprimiu a vontade de olhar ao céu com os olhos em branco. Será que
estava condenado a estar rodeado de imbecis?
— Conhece Piaget? Rhys de Piaget?
— Ah, modulou a boca do Patrick, mas não saiu nenhum som.
A expressão muito próxima à consternação que apareceu na cara do velhoindicou a Rollan que acabava de perceber quem tinha o direito de reclamar Sedgwick
para si, e de tudo o que isso entranhava. Patrick só tinha Sedgwick graças à morte de
seu irmão por causas desconhecidas. Que a filha de seu irmão tivesse tido um filho, e
que filho, por certo... Era evidente que Patrick acabava de adivinhar quem poderia
dever chamar a sua porta para exigir sua herança.
— Agora compreende a necessidade de lhe fazer uma breve visita.
— Sim.
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— Curiosamente, ele não sabe nada sobre sua linhagem, mas quem sabe
quanto tempo poderia seguir na ignorância?
Patrick não teve nenhuma dificuldade para entender exatamente o que quis
dizer Rollan com isso.
— Não tem sentido correr o risco de que o descubra, continuou Rollan.
Patrick assentiu.
— Sua mãe, em troca, não tem nenhuma importância.
Patrick voltou a assentir e Rollan emitiu um silencioso suspiro de alívio. A
verdade é que era pouco o que podia fazer Mary de Piaget para tirar o controle do
Sedgwick do seu tio, mas lhe chateava tremendamente não ter sido capaz de averiguar seu paradeiro. Por muitos que fossem suas tentativas, não tinha conseguido saber de
seu pai em seu leito de morte; embora disso só ele tivesse a culpa. Nesse tempo não
era muito perito com os venenos; como ia saber que doses muito elevadas e muito
freqüentes deixariam a um homem agonizante, mas incapaz de falar?
— Nestes momentos vai a caminho do norte, continuou. Viaja com uma
mulher e um moço. Eu me encarregarei desses dois.— E eu me encarregarei dele, disse Patrick, levantando-se impetuosamente.
Poremos-nos em marcha tão logo tenha reunido homens suficientes para a guerra.
— Não provocada? — disse Rollan, pensativo. Duvido da prudência disso.
— Já dito que ele é o responsável pela morte de seu irmão. Isso é motivo
mais que suficiente para fazê-lo pagar.
Rollan esboçou um sorriso. Ele só tinha comprometido um pouquinho aoRhys no assunto, de modo que não podia considerar-se totalmente responsável pela
incorreta hipótese de Patrick. Além disso, alguém devia pagar pela inoportuna morte
do Alain.
Por que não Rhys?
Capítulo 42
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saber o que passava realmente por aquela cabecinha. Não tinha nenhum sentido não
inteirar-se do que ocorria. Fosse qual fosse à travessura que planejasse Robin, seguro
que arrastaria ao Nicholas. Nicholas tinha resultado ser muito amante da paz para
opor-se aos desejos de Robin. Pobre moço. Teria que adquirir firmeza se não queria
meter-se em confusões que sem dúvida preferiria evitar.
— Eu seria um bom mercenário, disse Nicholas timidamente. Muito melhor
que um cavalheiro.
— Não pode ser um mercenário, insistiu Robin. Nós dois temos que ser
cavalheiros, bons cavalheiros. Ele espera isso.
Nicholas esteve calado um tanto momento que Rhys esteve tentado aaparecer para ver o que acontecia.
— De mim ele não espera, disse Nicholas finalmente. Em realidade eu não
sou...
— Pois sim que é, interrompeu Robin.
— Ele só é amável com...
— Qualidade própria de cavalheiro, se apressou a dizer Robin.— Mas é que em realidade ele não queria...
— Um cavalheiro nunca mente. Disse que te desejava por filho e não ia
mentir nisso.
— Mas meu sangue não é nobre.
Rhys pensou se o suspiro do Robin que seguiu a seguir não teria derrubado
ao Nicholas. Sorriu em face de um pouquinho de consternação. Acaso não tinhareclamado para si os dois meninos ante o enviado do Rei João quando veio visitá-los?
Por todos os Santos, não tinha feito outra coisa que felicitar-se por seu descaramento
toda a semana seguinte. O enviado do Rei lhe tinha expressado em poucas, embora
inequívocas, palavras o desagrado do Rei. Ele tinha respondido com tranqüilidade e
clareza, afirmando sua posição e explicando ao enviado porque o Rei devia deixá-lo
em paz, com a Gwen e seus filhos. Nesse momento não mencionou ao Nicholas, mas
depois sim, graças a uma cotovelada de Gwen, quando pôs por escrito seus desejos:
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seus dotes de curadora. Alegrava-o tê-la em sua casa enquanto ela estivesse contente
de estar com eles.
Rhys viu movimento a sua esquerda e compreendeu que se aproximava sua
lady. E como sempre, surpreendeu-se dando um suspiro do puro alívio de sabê-la sua.
Apoiou com cuidado os cotovelos na superfície irregular da muralha e
esperou sua chegada. Por todos os Santos, não merecia esse prêmio, mas certamente
não o ia rechaçar.
— Vagabundeando outra vez? — perguntou-lhe ela quando chegou ao outro
lado da muralha.
— Como sabe?— Seu avô foi te buscar no campo de batalha.
— Acredito. Qualquer um diria que jamais levantei uma espada, a julgar pela
maneira como me chateia por isso.
Ela sorriu e se inclinou a beijá-lo firmemente na boca.
— Quer ressarcir-se de todos os anos em que não pôde ver-te trabalhar.
Rhys se limitou a emitir um bufo zombador.- É certo, insistiu. Surrupiei-lhe a verdade.
— Recorreu à tortura?
— Não, estive me exercitando com ele no campo de batalha.
Rhys a olhou boquiaberto.
— Sim? Quando?
— Quando você estava fora com o Montgomery, explorando as fronteiras.Seu avô pretendia me induzir a revelar todos meus segredos, de modo que eu o distraí
com um pouco de esgrima.
— Deixou-lhe alguma cicatriz?
— Não, disse ela lhe dando um puxão de orelha; que pouca fé tem em minha
destreza. Talvez mereça que não me tenha devotado nunca para te servir como
mercenária.
— Isso teria acabado comigo, disse ele com veemência e alcançou a lhe
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agarrar a manga antes que ela se afastasse totalmente, irritada. E não por nenhuma tua
falta, claro.
— Não? — disse ela e esperou.
— Não teria conseguido me concentrar em nada além de ti.
— Bom, disse ela, um pouco apaziguada. Isso joga uma luz totalmente
diferente sobre o assunto.
Ele sorriu e lhe estendeu a mão.
— Acompanha-me?
— Está observando seus domínios?
Ele negou com a cabeça e voltou a sorrir.— Estou contemplando o mar e sonhando com coisas gloriosas no futuro.
— Seu castelo?
— Você nua para passar à tarde? — sugeriu ele.
Ela se pôs a rir e não se opôs quando ele a convidou a passar por cima da
muralha para acompanhá-lo. Ele retomou sua posição com sua dama sentada ao seu
lado. Rodeou-a com o braço e a atraiu mais perto.— É um sonho ou é realmente minha? — perguntou-lhe.
Ela se aconchegou mais perto.
— Quase eu não posso acreditar.
Ele fechou os olhos e recostou a cabeça na muralha. Tinha pensado que
quando a fizesse sua não poderia estar mais contente nem mais satisfeito com sua vida.
Quando chegaram ao Fenwyck sem que o Rei os seguisse, imaginou que sua vida não podia ser melhor. Quando começaram as obras de construção de seu castelo e viu os
primeiros esboços em pedra das muralhas, teve a segurança de que era impossível ser
mais feliz.
Mas enquanto estava sentado ali junto a sua amada, desfrutando da brisa fria
e o calor do sol, começou a compreender que era inútil pensar que sua vida tinha
chegado ao momento supremo. Suspeitava que as coisas só pudessem melhorar.
Caso é obvio, que o Rei não decidisse viajar ao Artane, lhe separar a cabeça
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incapacidade do velho de reservar um pensamento além da duração de uma comida,
não eram muitas as esperanças que tinha de conservar seu anonimato.
Endireitou os ombros. Bom, que soubessem que ele estava perto. Isso
poderia fazer mais interessante o jogo. Sedgwick trazia para muitos homens com ele e
cabia a possibilidade de que derrotassem a Piaget e seus mercenários, embora
certamente isso não ocorresse antes que caísse a noite. Se ocorresse isso, ele
seqüestraria a Gwen antes que Patrick tivesse a oportunidade de pousar seus olhos
nela.
Isso se as coisas não ocorressem de maneira muito diferente. Ele conhecia
muito bem a destreza do Piaget, de uma distância prudente, claro. E tinha observado bem aos mercenários. Não era inconcebível que Rhys resultasse vitorioso, embora
suspeitasse que, também nesse caso, isso não ocorreria antes que caísse a noite. E
enquanto Rhys se encarregava do desagradável assunto de ver, à luz de tochas, quais
eram os mortos, ele raptaria a Gwen antes que Rhys tivesse a oportunidade de voltar a
posar seus olhos nela.
Em qualquer dos dois casos, ele teria Gwen antes que amanhecesse o diaseguinte. Tinha perdido Ayre, certo, mas teria o verdadeiro prêmio. Poderia ganhar o
sustento bastante bem com seu engenho, senão com sua espada; ela não passaria fome,
e lhe daria outros filhos. Suspeitava, e isso o tinha preocupado ao princípio, que igual
poderia ser muito feliz com ela ao seu lado.
Se havia um pensamento inquietante era esse, mas já quase se acostumou à
idéia.Viu o Patrick afiando sua espada e pôs os olhos em branco, de desgosto.
Imbecil! Um velho tolo levando jovens parvos a morte, sem dúvida.
Amassou mais a capa e deu meia volta, sabendo que estava condenado a
passar outro dia esperando.
Mas quando caísse a noite...
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Gwen olhou ao sir Jean. Rhys também o olhou. Gwen viu a cara de seu
marido e comprovou que seu olhar era muito mais terrível que o dela. Teria que
trabalhar em melhorar sua expressão, porque certamente a necessitaria se os
acontecimentos do dia eram um indicador do que viria. Seria-lhe muito útil ter a
habilidade de causar o mesmo tipo de estremecimentos que causava Rhys nos outros.
Sentiu-se um forte golpe à direita de Gwen. Essa monja tão enorme acabava
de deixar um arca no chão. Então a mãe de Rhys, porque só podia ser ela, deu a volta à
arca e deu um beijo ao Rhys.
— Lamento que nos tenhamos atrasado um pouco querido, disse a monja
sorrindo-. Talvez pudesse ter usado seu ouro para financiar esta pequena guerra.— Mãe, disse Rhys em tom seco, não recordo te haver pedido que viesse.
Ela ficou nas pontas dos pés e lhe deu um tapinha na bochecha.
— Quando soube que tinha começado a construir seu castelo, compreendi
que necessitaria do resto de seus recursos. Vim com a maior pressa possível.
— Muito obrigado, grunhiu Rhys.
— Vamos querido, riu sua mãe, não tem por que se irritar tanto. Deu-lheoutro tapinha na bochecha e logo se voltou para sir Jean e se inclinou a lhe beijar a
enrugada bochecha. Pai.
— Filha, disse sir Jean lhe dando um forte abraço. Pelo que vejo sobreviveu
bastante bem à travessia.
— A curiosidade por ver minha nova filha, disse ela. Rhys me apresente a
sua esposa.— Mãe, Gwen. Gwen, minha mãe, Mary — disse Rhys, olhando-a
carrancudo. E agora não poderiam ir a um lugar mais seguro para que eu possa voltar
para assunto de planejar minha guerra?
Gwen se encontrou com suas mãos nas de Mary de Piaget.
— Que as bênçãos de Deus se derramem sobre ti filha, lhe disse Mary
aproximando-se de lhe roçar a bochecha com a sua. Oxalá tivesse chegado em um
momento mais auspicioso. Pelo visto, primeiro terá que arrumar algum mal-entendido,
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Gwen não pôde evitar sorrir. Rhys se parecia muito pouco a sua mãe, mas o
sorriso era igual.
— Com sorte, isso não levará muito tempo, lhe disse. E temo que tenha
pouco para te oferecer. Estamos um pouco escassos no que se refere à despensa...
— Oh, por todos os Santos, rugiu Rhys. Estamos em guerra!
— Sentarei-me na arca, disse Mary e se apressou a fazê-lo, e esperarei até
que tenha acabado com seus assuntos. Adiante, Rhys, querido. Esperarei.
Gwen viu que Rhys tentava armar-se de paciência, como se de uma capa se
tratasse; depois se voltou tranqüilamente para seu avô e esboçou algo um pouco parecido a um sorriso. Em realidade, mais parecia estar lhe mostrando os dentes, mas
sir Jean não dava sinais de intimidar-se.
— Avô, disse Rhys, pareceu-me que você tinha certa idéia sobre o que
pretende Sedgwick.
Mary se esticou; Rhys percebeu imediatamente e se voltou para ela.
— O quê há? — perguntou-lhe.A monja grande ficou atrás de Mary e lhe apoiou uma mão no ombro. Mary
olhou ao sir Jean.
— Não me disse que Sedgwick estaria aqui.
— Não sabia, respondeu ele encolhendo os ombros.
— O que...? — fez uma inspiração profunda e fez a pergunta com voz mais
calma: O que desejam?— Isso é o que quero averiguar, resmungou Rhys entre dentes, e por isso
estive tratando que alguém baixe a falar com eles.
Fez-se um silêncio profundo. Gwen olhou a todos os reunidos no círculo e
estranhou que ninguém parecesse inclinado a oferecer-se para ir. Montgomery
continuava ocupadíssimo olhando a sir Jean com a boca aberta, como analisando-o
para ver se tinha aspecto de espião. Sir Jean novamente estava balançando-se em um e
outro pé, desta vez mais inquieto e olhando a qualquer parte, menos ao Rhys. Mary
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seguia sentada na arca com a cabeça curvada. E a monja muito alta de pés enormes
seguia com a mão colocada no ombro da Mary.
Curiosamente, era uma mão muito peluda.
Gwen levantou a cara e olhou aos olhos à monja.
E ficou atônita ao ver um par de olhos cinza olhando-a de dentro de um
capuz, um par de olhos cinza que certamente tinha visto antes em alguma parte.
Ou mas bem, um par parecido.
— Olhou ao Rhys. Não, não podia ser.
Olhou à monja de cima abaixo e viu o que poderia confundir-se com o vulto
do punho de uma espada sob o hábito da mulher.Mulher? Gwen moveu a cabeça. Essa não era uma mulher. Estranhou que
fosse ela a única que tinha notado.
Olhou ao seu marido. Nesse momento ele estava olhando para o planalto,
com a cara contraída de preocupação. Depois olhou ao sir Jean e descobriu que ele a
estava olhando e voltava a trocar de pé.
— Não tenho homens suficientes, disse Rhys soltando outra maldição. Ecertamente não tenho ninguém que esteja disposto a baixar a averiguar que demônios
quer Sedgwick.
Gwen lhe deu voltas ao enigma na cabeça. Mary parecia um pouco aflita por
saber quem se dispunha a atacá-los; tinha sobre seu ombro a mão tranqüilizadora de
um homem que só podia ser o pai de Rhys, a quem inclusive Rhys supunha morto.
Mas o que tinha que ver isso com o que ocorria abaixo no planalto? Os que estavamabaixo não podiam saber que iam chegar Mary e seu marido.
Ou sim?
Não, nem sequer Rollan podia ser tão preparado, caso fosse Rollan quem
estava atrás da confusão.
Voltou a observar ao sir Jean. O mais provável era que, de todos os
presentes, fosse ele quem soubesse o que havia detrás dos acontecimentos do dia.
Estava muito claro que Rhys não ia obter nenhuma resposta dele. Suspeitou que talvez
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ela fosse a mais indicada para lhe surrupiar a verdade, posto que já o tivesse
intimidado um pouco no campo de batalha.
— Sir Jean, disse com voz clara.
Ele a olhou, e parecer ver refletida sua intenção em seus olhos e tragou saliva
com dificuldade.
— Sim? — perguntou ele olhando ao seu redor como em busca de uma via
de escape.
Gwen pôs a mão no punho de sua espada e dirigiu a sir Jean um olhar
carregado de promessas.
— Onde está enterrado seu filho? — perguntou sem preâmbulos.— Eeh...
— O lugar, bom senhor. Em que lugar exatamente está sua tumba?
— Eeh...
— E está ele dentro?
Ao ouvir isso Rhys se voltou para eles. Olhou primeiro ao Gwen e logo ao
seu avô. Sir Jean dava a impressão de sentir-se tremendamente incômodo. Gwendesejou de coração que fizesse melhor seu papel de espião quando se encontrasse
diante de pessoas que não fossem seus familiares.
Inclusive a monja alta de mão peluda trocou o peso de seu corpo ao outro pé.
Gwen decidiu que antes de continuar planejando sua guerra era necessário saber pelo
menos quais eram os atores que se encontravam no topo da colina. Ficou nas pontas
dos pés e jogou para trás o capuz da irmã alta, deixando a descoberto a cabeça morenade o que não foi nenhuma surpresa para ela, Etienne de Piaget.
Teve que reconhecer que era um homem ainda muito belo. Não era de
estranhar que Rhys fosse tão agradável à vista. Olhou ao seu marido e viu que lhe
tinham desencaixado as mandíbulas.
— Pai? — sussurrou Rhys.
Gwen afastou Montgomery de um empurrão e foi rodear com seus braços a
cintura do Rhys, que parecia que ia desmaiar.
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pai estava vivo; sua mãe sabia; seu avô sabia. E tinham deixado que sofresse.
— Era melhor assim, disse Etienne com firmeza. Você estava a salvo, e isso
valia qualquer preço. Além disso, sorriu, durante todos estes anos te observei, sempre
que me era possível.
— Isso me consola muitíssimo, ladrou Rhys. Poderia ter tido o consolo de
observar a ti.
— E o fazia, com bastante freqüência.
— Com saias!
— A gente faz o que deve, respondeu Etienne com um encolhimento de
ombros.Rhys conseguiu sentar-se direito. Viu que Gwen estava perto, atraiu-a de um
puxão, sentou-a em seus joelhos e a rodeou com seus braços.
— Perdoe-me meu amor, lhe disse que não te haja dito com que tipo de
família te se aliou. Permita-me que te faça as devidas apresentações. Esse é meu avô, o
espião; essa é minha mãe, a abadessa e espiã esporádica e este é meu pai, a monja.
Etienne agarrou a mão de Gwen, fez uma profunda inclinação sobre ela e a beijou muito cortesmente.
— Que afortunado é meu filho ao ter-se casado com uma mulher formosa e
ao mesmo tempo letal. Tenho entendido que é muito perigosa com a espada.
Rhys não tinha idéia de onde tinha tirado essa tolice seu pai, mas certamente
foi muito útil, porque Gwen pareceu abrandar-se com ele imediatamente.
E ele descobriu que desejava fazer o mesmo; mas, por todos os Santos, se sóera um menino de sete anos a última vez que viu seu pai. Como podia sentir-se feliz
quando estava tão furioso?
Etienne levantou a mão e lhe revolveu o cabelo como se fosse esse menino
de tão tenra idade.
— Já falaremos meu filho. Vou fazer tudo o que esteja em minha mão para
compensar os anos que perdemos. Mas agora temos que decidir o que vais fazer a
respeito de seu tio.
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— Hoje adquiri toda uma família nova, disse Rhys, vexado e ainda tenho que
decidir se isso me agrada ou não. Tinha que ter ficado na cama esta manhã.
— Pelo menos, Patrick deseja conversar — disse Jean, em tom tranqüilo.
Poderia ter desejado simplesmente te matar.
— E você crê que não é isso o que quer? — riu Etienne. Pai, eu vejo que
levou uma vida muito cômoda este mês e isso te abrandou os miolos. Claro que deseja
matar ao Rhys. Patrick não tem nenhum desejo de perder seu castelo.
— E para que o menino o vai querer? — replicou Jean. É um lugar
lastimoso.
— Queira Rhys ou não, importa muito pouco — disse Etienne firmemente.— Já sei que Rhys poderia decidir tira-lo, grunhiu Jean. Não sou tão velho
para não adivinhar isso, acrescentou dirigindo um olhar furioso ao seu filho.
Rhys olhou a Gwen. Pelo menos, ela já não estava zangada com ele nem
preocupada com ele. Em realidade, acreditou detectar um pouquinho de suavidade em
sua expressão.
— Que formosa está hoje meu amor, lhe disse colocando o cabelo detrás dasorelhas. Tinha as orelhas feitas para isso, mas preferiu não dizer. Vamos dar um
passeio à praia mais tarde?
Ela sorriu e lhe rodeou o pescoço com os braços.
— Te amo.
— E eu a ti, respondeu ele. Beijou-a e logo a pôs brandamente de pé. Bom,
agora nos ponhamos a trabalhar em nosso assunto para acabar com ele de uma vez.Depois talvez possamos devolver um pouco de normalidade a nossas vidas.
Então olhou ao seu redor e soltou um suspiro.
Sua esposa estava vestida de mercenária, seu pai usava saias e sua mãe
estava sentada sobre a enorme arca de ouro como se fosse uma galinha resolvida a
defender seus ovos até a morte.
Voltou a suspirar e rodeou com o braço a Gwen.
— Você fica aqui.
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Ela aceitou com muita facilidade, mas não havia nada que ele pudesse fazer a
respeito. Olhou ao seu avô.
— Você vem comigo.
— É obvio.
Olhou ao seu pai, abriu a boca para falar, voltou a fechá-la e moveu a cabeça.
— Você faz o que te dê a vontade.
— Isso eu faço sempre.
— Isso me dói. Bom — acrescentou, posto que não vejo ninguém disposto a
ir ver o que é o que quer Sedgwick, suponho que terei que ir eu.
Por todos os Santos, as coisas não podiam piorar mais. Estava seguro.
***
Gwen cobriu tanto como pôde a cara com o capuz de sua capa e agradeceu a
escuridão do céu e a chegada de um tempo mais inclemente. Também agradeciamuitíssimo o capuz, porque assim evitava por fuligem na cara para completar seu
disfarce. Assim teria menos explicações a dar se Rhys a surpreendesse. Ele a
acreditava muito segura no topo, protegida junto com seus filhos, sua mãe e a arca de
ouro.
Quando já tinham descido as sombras da noite, chegou o convite para um
encontro cara a cara com o Patrick do Sedgwick. Ela não o considerou prudente, masRhys aceitou. Fez-se acompanhar por seu pai, seu avô, Montgomery e os irmãos
Fitzgerald. Estava claro que ele os considerava amparo suficiente.
Pois ela não.
Daí sua intenção, nesses momentos, de tomar posição fora da tenda em que
se encontrava seu marido com seu tio.
Com a mão no punho de sua espada e com um andar jactancioso, dirigiu-se
para a tenda. Sem dúvida tinha melhorado seu aspecto de mercenário, porque ninguém
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— Nenhuma, lhe assegurou Rhys, e em particular, nenhuma intenção de
voltar para Sedgwick.
— E você? — perguntou Patrick.
— Bom, disse Rhys com voz arrastada, suponho que isso depende.
— Do quê?
— De retirar ou não os seus homens de minha terra antes da próxima saída
do sol.
— E se os retirar?
— Então pode continuar em minha propriedade, respondeu Rhys
amavelmente.— O que é isso! — exclamou Patrick ofendido, sujeito insolente...!
— Insolente e muito capaz de te cortar a cabeça aí onde está sentado, lhe
assegurou Rhys. E se pensar que não sou capaz, volte a pensar.
— E vou continuar ali graças a sua boa vontade?
A julgar pelo tom, Patrick não estava nada feliz com a idéia.
— Deveria agradecer que lhe permita isso, posto que não é minha obrigaçãofazê-lo, replicou Rhys. Você e seus herdeiros podem ter a custódia de Sedgwick, mas
a terão como meus vassalos. Se isto não for aceitável para ti, é livre para procurar
outro castelo onde viver.
Gwen teria dado tudo para ver a cara de Patrick. Ouviu muitos resmungos,
bramidos, imprecações e juramentos, como se Patrick estivesse se esforçando para
reconciliar-se com seu destino. Ao final se ouviu uma sincera maldição.— Maldito seja. Eu não gosto de fazer isto...
— Mas tampouco deseja mudar sua cama, terminou Rhys com sarcasmo.
Aceitou sua vassalagem.
Ouviram-se outras maldições por parte do Patrick, mas não mais ameaças.
Gwen teria jurado que o ouviu dizer algo sobre Rollan e suas estúpidas idéias, mas
igualmente podia ter imaginado. Soltou o tecido da tenda e se levantou com certa
sensação de alívio.
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Não estavam rindo; mas tampouco estavam ladrando. Então viu que Rhys
estendia a mão, não em gesto amistoso, simplesmente em atitude de selar um pacto e
Patrick a estreitou.
Então ele soube o que tinha que fazer.
Pôs a flecha no arco e a levantou. Olhou ao longo da flecha, dando-se tempo
para desfrutar da idéia de acabar com a vida do homem que tinha odiado do momento
em que pousou seus olhos nele e compreendeu que Rhys de Piaget era tudo o que não
ele não seria jamais.
Rhys e Patrick se afastaram da tenda. Rollan o permitiu, porque seria era
muito mais interessante o desafio de atravessar o coração do Rhys sem a vantagem daluz das tochas.
Nesse momento, Montgomery de Wyeth e os irmãos Fitzgerald se colocaram
atrás para segui-los. Depois avançou o avô do Rhys e se colocou a um lado deste, e
logo apareceu uma monja e se colocou do outro lado.
Uma monja?
Esse mistério quase bastou para detê-lo, porque pensou se essa poderia ser amãe de Rhys. Mas tão alta? Impossível.
O mistério teria que ficar sem resolver. Então viu aparecer outro seguidor,
que se colocou justamente atrás de Rhys. Rollan soltou uma maldição para seus
botões. Como ele tinha obtido tantos seguidores? É que não se davam conta de que
Rhys provinha de uma comprida linhagem de espiões? É que não se davam conta de
que Rhys não tinha tido a coragem para seguir os passos de seu pai na espionagem?Porque tinha que ter sido por falta de coragem; isso e esse fastidioso desejo de
cavalheirismo.
Era melhor liberar o mundo desse estúpido. O Rei João lhe agradeceria o
serviço. Rollan sorriu; agarraria a Gwen e a levaria a Londres. Ao Rei agradaria vê-la
livre das lascivas mãos do Piaget; era possível que ele se visse amo e senhor de todas
suas terras. Isso seria uma justa recompensa pela perda do Ayre.
E depois se veria amo e senhor de Gwen também.
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olhos do Rollan, horror que só podia supor que foi causado ao ver quem tinha ferido.
Rhys pôs de lado as lembranças daquela noite. O único bem que tinha
resultado de todo o encontro era que Rollan só feriu a Gwen, não a matou. Mas nem
sequer esse pouco de boa sorte tinha feito abrir os olhos de Gwen. E ele só podia rogar
que os abrisse em algum momento.
Jean limpou a garganta.
— Se por acaso tem curiosidade, a família está instalada.
Rhys assentiu sem dizer uma palavra.
— Provisionamo-nos com umas quantas tendas de Sedgwick, continuou
Jean, como se isso o tivesse divertido muitíssimo em outra ocasião. Sua mãe e seu paiestão a salvo com seu ouro e os meninos. Os homens patrulham as muralhas.
Montgomery e seus guardas passeiam por toda parte com expressões de profunda
preocupação em suas caras.
— Os meninos? Como estão?
— Havemo-lhes dito que Gwen está simplesmente descansando. Vê-la
adormecida os tranqüilizou o bastante, embora suspeite que Robin e Nicholas temam o pior. Amanda só sabe que não pode ter a sua mãe junto a ela e me parece que não acha
em Mary uma boa substituta.
— É uma lástima que não tenhamos a Joanna conosco, disse Rhys distraído.
Amanda a quer muito. Olhou ao seu avô-. Poderíamos lhe enviar uma mensagem,
suponho.
— Que mensagem? — sussurrou Jean em tom seco. Que sua filha está serecuperando muito bem?
Rhys não pôde responder; não se atreveu. Tinha muito medo de que quando
Gwen despertasse por fim, não despertasse sendo ela mesma. Em que pese a todos os
esforços, a febre tinha sido muito elevada. E se não soubesse que não era assim,
poderia ter suspeitado que a flecha estivesse envenenada. Conhecendo Rollan...
— Não há nenhuma necessidade de dizer isso a Joanna, e não é que eu não
gostaria de vê-la outra vez. Deixemos que venha a nos visitar dentro de umas semanas.
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Rhys assentiu, simplesmente porque não podia fazer outra coisa. «Por favor,
que desperte sã. “Passamos tão pouco tempo juntos.»
Jean se levantou.
— Necessita algo?
Rhys negou com a cabeça.
— Não.
— Eu poderia ficar...
— Não, interrompeu Rhys. Ficarei eu.
— Pouco é o bem que lhe faz nesse estado...— Ficarei, repetiu Rhys. Olhou ao seu avô e tentou sorrir; tinha a cara muito
rígida de preocupação para ter êxito. Obrigado de todas as maneiras.
Jean assentiu, acariciou-lhe brevemente a cabeça e saiu da tenda.
Rhys voltou a ficar só com sua amada, sem outra coisa que seu amor e suas
orações para curá-la. Só podia esperar que isso fosse suficiente.
Sem dar-se conta do que fazia, começou a lhe falar. Recordou-lhe todos osmotivos que tinha para continuar ao seu lado. Falou-lhe de suas visões de um
magnífico castelo para protegê-los, a ela e aos seus filhos, dos elementos e dos
inimigos por igual. Recordou-lhe os sons do mar e das aves marinhas, o aroma do ar e
o frio do vento. Falou-lhe de seus pais e de como estavam orando por sua recuperação.
Falou e falou sem parar, sem poder fazer outra coisa que continuar lhe recordando
cada arranhão e cada ferida sofrida pelo Nicholas quando se encontrava apanhado nastravessuras do Robin; cada lágrima e cada chilique da Amanda por causa dos vermes e
cobras que se encontrava em seus vestidos.
E quando esgotou essa lista, que era longuíssima, falou-lhe de seu amor por
ela, de todas as horas que tinha passado ao longo de sua vida sonhando com ela,
desejando-a, esperando que chegasse o dia em que fosse dele. Quando isso não
provocou nenhuma reação, recordou-lhe que em mais de uma ocasião lhe havia dito
que teriam uma vida longa e feliz juntos.
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Mas ela continuou sem dizer uma palavra, sem dar nenhum sinal de que
tinha ouvido algo do que seu coração lhe havia dito com tanto amor.
Voltou a inclinar a cabeça sobre seus joelhos e a pendurar os braços aos
lados. Talvez tivesse confiado muito de que lhe extrair a flecha e lhe enfaixar a ferida
com um emplastro seria suficiente para curá-la.
Talvez passasse o resto de sua vida com seus filhos para recordar-lhe tudo o
que amava, essa só idéia era capaz de lhe destroçar o coração.
Tantos, tantos sonhos para converter em realidade. Rhys teria chorado se
tivesse tido a energia para fazê-lo. Esses sonhos que tinham sonhado juntos não
podiam acabar assim. Não podiam acabar sobre uma rocha estéril da costa norte emque uivava o vento e as ondas açoitavam o litoral. Simplesmente não podia decidir-se
a acreditar que já tinha passado a oportunidade e que sua vida se estendia ante ele sem
Gwen nela.
Não, não podia permitir-se nem sequer pensá-lo. Gwen despertaria. Tinha
que despertar.
Sabia que ele não sobreviveria se ela não despertasse.Algo lhe passou roçando o pé e soltou uma maldição. O único que lhe
faltava, que viessem ratos a incomodá-lo.
O rato era ousado e tentou de novo; Rhys a agarrou pela cauda.
Mas resultou que não era uma penetra o que agarrou, era um dedo.
Levantou bruscamente a cabeça. O movimento quase o fez cair em cima de
Gwen. E poderia tê-lo jogado sobre ela, se ela não tivesse aumentado a pressão sobresua mão.
— Rhys, sussurrou ela. Tentou se estirar e teve que reter o fôlego pela dor. É
a flecha?
Ele quase se pôs a tremer de alívio. Gwen estava falando; recordava o que
lhe tinha ocorrido.
— A flecha nós tiramos, meu amor — lhe disse sentindo como lhe corriam
as lágrimas pelas bochechas.
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Ela sorriu e ver seu sorriso lhe rompeu o que ficava de coração.
— Estava... Dormindo a sesta? Bocejou como se só tivesse estado dando
uma cabeçada. Olhou-o e franziu o cenho. Te faz falta... Uma sesta.
— Um descanso? Sim querida, suponho que iria bem.
Ela trocou de posição, mas se encolheu ao mover o ombro ferido.
— Dói-me.
Rhys se estirou e com todo cuidado lhe colocou o braço em cima.
— Descansa, então, meu amor. Eu não sairei de seu lado.
— Sonhos agradáveis, sussurrou ela.
— Se você soubesse... — disse ele com sentimento.Tinham outra oportunidade para sonhar; esse não era um presente que se
tomaria à ligeira.
Esperou até que ela voltou a dormir e então se deu permissão para relaxar-se.
Ela seguia agarrada a sua mão e sua pressão era forte e segura. Sabia que logo teria
que levantar-se para ir informar aos que estavam fora que Gwen tinha despertado, e
parecia sã de mente e corpo, mas no momento só era capaz de fazer de continuar aoseu lado e quase afogar-se na quebra de onda de gratidão que o alagava.
Gwen despertou, sussurrou seu nome e voltou a dormir.
Rhys fechou os olhos e lançou um suspiro de alívio.
Capítulo 48
Seis meses depois...
Gwen trabalhou sem interrupção no pergaminho, copiando com supremo
cuidado os ingredientes e as doses que tinha recebido. E quando terminou, tornou-se
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para trás na cadeira e sorriu à menina que estava ao seu lado.
— Já está pronto, um bom uso do manuscrito de seu avô, disse satisfeita.
Sorriu à menina e acrescentou: Esta poção é teu invento, não é?
— Sim, milady.
— Tem muito bom sabor, disse Gwen com outro sorriso. E eu tenho que
sabê-lo porque tomei bastante todas estas semanas.
A menina se ruborizou. Gwen voltou a sorrir; a menina nunca alardeava sua
habilidade, mas ela sabia por própria experiência, que esta era grande. Era uma bênção
ter a uma curandeira assim com eles. E, mais importante ainda, a menina era capaz de
preparar poções que não continham pedacinhos de substâncias asquerosas, ou pelomenos nenhum que ela pudesse ver. Isso era suficiente para convencê-la de que era
uma curadora e que tomara estivesse com eles o maior tempo possível.
— Temos que pôr seu nome filha, lhe disse.
Nesse momento percebeu, surpreendida, de que nunca lhe tinha perguntado o
nome. Sempre se referia a ela como «a neta do Sócrates», e a chamava «curadora
maravilhosa».— Como se chama?
A menina baixou a cabeça.
— Berengaria, respondeu em voz baixa.
— Berengaria, repetiu Gwen e lhe acariciou a cabeça. É um nome precioso.
Berengaria de Artane. Vai bem esse nome no momento?
— Sim, milady.Gwen suspeitava que a menina não ficasse ali para sempre, mas esse nome
iria bem para o futuro previsível. Escreveu o nome e depois ordenou as páginas que
tinha escrito esse dia e as passou a Berengaria.
— Não jantará conosco esta noite?
Berengaria negou com a cabeça.
— Quando estiver construída a sala grande, talvez, se isso agradar a milady.
— Porque então não vão se fixar muito em ti? — perguntou-lhe Gwen
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sorridente. Sim, minha filha, se isso for melhor. Encarregarei-me de que lhe levem
algo de bom à tenda.
— Sempre o faz, milady.
Dito isso, a menina beijou a mão de Gwen como se fosse à rainha e saiu
correndo da pequena construção que servia de sala grande no momento.
Gwen se levantou e pôs a capa. Embora já fosse quase primavera, ainda fazia
frio nesse lugar tão perto do mar. A dor do ombro a fez fazer uma careta; tinham
transcorrido seis meses desde que caiu derrubada pela flecha do Rollan, e ainda sentia
dor quando usava roupa. Mas estava viva; isso era algo que agradecia cada manhã ao
despertar. Conforme lhe contou Montgomery, Rollan ficou quase aniquilado ante aidéia de que podia tê-la matado, mas já ninguém saberia a verdade. Desejava acreditar
que tinha sido um engano, mas se era assim, queria dizer que Rollan tinha tentado
matar ao Rhys.
Esse era um enigma no qual não queria pensar muito.
Saiu ao pátio e estremeceu. O inverno era muito cru, mas as obras
continuavam. O ouro de Rhys estava custeando um castelo impressionante. Nãotinham vindo nada mal às contribuições feitas pelo pai e o avô do Rhys.
Provavelmente levaria um par de anos a mais terminá-lo totalmente, mas estava segura
de que a espera e o custo valeriam a pena. Rhys estava resolvido a construir algo que
nem sequer João pudesse tomar pela força.
As mensagens tinham ido e vindo entre o Artane e Londres, e em cada uma o
Rei se mostrava menos irritado que na anterior. Finalmente João informou ao Rhys, pronta e sinceramente, que sempre tinha sido sua intenção que tomasse por esposa à
viúva do Ayre. Gwen sorriu ao recordar a reação de Rhys quando leu essa carta;
entretanto, apressou-se a responder ao Rei que graças a sua sabedoria e clarividência
superiores ele tinha agora uma excelente esposa.
Uma esposa e filhos, claro. Robin, Nicholas e Amanda tinham sido
reconhecidos oficialmente e devidamente registrados para satisfação dela. Robin
parecia resolvido a ser digno do sobrenome e título de seu novo pai. Nicholas ainda
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— Ai, minha doce Gwen, o prêmio bem valeu a pena. Estreitou-a mais
contra ele. Esse sim foi um muito afortunado gesto de cavalheirismo.
Gwen fechou os olhos e suspirou. Em realidade não podia fazer outra coisa
que estar de acordo com ele e maravilhar-se de que um gesto tão simples como meter-
se entre o esterco de porcos para tirar uma menina da sua prisão pudesse ter levado a
tanta felicidade. De vez em quando Rhys desfrutava da companhia de seu pai, quando
Etienne, Mary e Jean viajavam ao norte. Seus filhos gozavam da sorte de ter um pai
que os queria e cuidava deles. Sua mãe tinha todo o controle de Segrave, semnecessidade de preocupar-se de que poderia perder sua casa pelo capricho de alguém.
E ela estava ali, com as muralhas de um magnífico castelo aos seus pés, seus
filhos seguros dentro dessas muralhas e o amor de seu coração ao seu lado, rodeando-a
com seus braços. Quantas vezes havia imaginado como poderia ser, mas a realidade a
fazia compreender que pouca imaginação tinha.
— Amo-te, sussurrou levantando a cara para olhá-lo.— O que te moveu a dizer isso? — perguntou-lhe ele sorrindo.
— Simplesmente sua proximidade, respondeu ela também sorrindo. Nunca
esquecerei quão afortunada sou.
— Você? — riu ele. Vamos senhora, sou eu o afortunado. Obtive o sonho de
minha juventude.
Igual a ela, pensou, mas não o disse; dizê-lo teria sido interromper um dos beijos mais avassaladores de sua vida e se orgulhava de saber quando falar e quando
calar.
Assim, fechou os olhos, não disse nada e se entregou à magia da boca de seu
marido sobre a dela. Um beijo doce, cheio de amor, paixão e promessas.
Sua vida se converteu na matéria de que são feitos os sonhos.
Era feliz.
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