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AS FEIRAS EM CIDADES MDIAS DA AMAZNIA: AS
RELAES DESENHADAS A PARTIR DAS EXPERINCIAS DAS
CIDADES DE MARAB (PA) E MACAP (AP)1.
Mrcio Douglas
Universidade Federal do Par (UFPA)
RESUMO
O texto tem como objetivo central analisar a insero das feiras
de Marab (PA)
e Macap (AP) no circuito espacial de produo. De um lado, procura
mostrar que as
feiras nestas cidades funcionam como alternativa de
abastecimento para parcela
significativa da populao, ao mesmo tempo em que acompanham a
lgica de
organizao espacial das mesmas; de outro lado, mostra que as
feiras produzem uma
densa rede de relaes entre a cidade e a regio, no apenas com sua
rede de
proximidade territorial, mas tambm com uma rede de proximidade
relativa. A hiptese
levantada a de que no se deve desprezar nas anlises geogrficas,
o papel do circuito
inferior da economia urbana na estruturao da cidade e de sua
rede de relaes, bem
como no se deve abrir mo de um olhar para as
horizontalidades.
Palavras-Chave: Circuito espacial de produo, feiras e cidades
mdias da Amaznia.
Grupo de Trabalho n 3
Reestruturao urbana, cidades mdias e pequenas. Processos
espaciais, agentes
econmicos e escalas urbano-regionais
1 Este trabalho faz parte do projeto de pesquisa Metropolizao e
Cidades Mdias na Amaznia: as relaes estabelecidas entre Belm e
Castanhal, que recebe apoio do Programa de Apoio ao Doutor
Pesquisado (PRODOUTOR-212), da Pr-Reitoria de Pesquisa e
Ps-Graduao (PROPESP) da
Universidade Federal do Par (UFPA).
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Introduo
Um elemento importante para se pensar as cidades na Amaznia e
que tem sido
subvalorizado ou mesmo negligenciado na grande maioria das
pesquisas referentes
temtica, o mercado informal de trabalho, que aqui ser entendido
de forma mais
complexa e ampla por meio da discusso do circuito inferior da
economia urbana
(SANTOS, 2003)2.
Trabalhar nessa perspectiva do circuito inferior da economia
urbana significa
acreditar que a cidade e o territrio usado no se explicam
somente por uma diviso
territorial do trabalho hegemnica, marcado tambm pela presena de
um sistema
tcnico hegemnico que domina os fluxos do circuito superior sob o
discurso do
crescimento e da segurana. Trata-se de apontar que no h uma nica
diviso do
trabalho na cidade, mas sim que existem sobreposies de capital,
tecnologia e
organizao. Do mesmo modo, busca-se fazer uma interpretao que
valorize a cidade
da perspectiva do espao banal, no somente como condio de produo
e reproduo
econmica, mas tambm como condio de existncia (SILVEIRA, 2012;
SANTOS,
2003).
Machado (1999), ao abordar em seu texto as tendncias da
urbanizao e do
mercado de trabalho na Amaznia, mostra que, ao contrrio do que
se imagina, a
proporo de empregos informais maior nas pequenas cidades do que
nas maiores, o
que est relacionado, na sua interpretao, ao fato de que uma das
caractersticas
principais daquilo que defini como sendo capitalismo de fundo de
quintal, a fuga
das obrigaes trabalhistas, o que tem diminudo nas maiores
cidades em funo do
maior controle na aplicao da legislao trabalhista, da maior
competio por
trabalhadores qualificados e da maior participao do emprego
pblico. Tambm Castro
(2008) chama a ateno para esse aspecto das cidades da Amaznia
apresentarem
precariedade quanto ao mercado de trabalho, afirmando que nas
metrpoles e nas cidade
mdias o trabalho assalariado vem obtendo maior crescimento, porm
nas pequenas
ainda se verifica um mercado de trabalho assalariado em formao.
Deve-se ressaltar,
2 A preocupao em trabalhar o tema dessa perspectiva dos
circuitos espaciais a de no cair numa
abordagem dualista da questo, desconsiderando a verdadeira
totalidade explicativa que o territrio
nacional e sua forma de uso, bem como suas mediaes, a formao
socioespacial e a incorporao
desigual das variveis do perodo nos territrios e nas cidades
(SILVEIRA, 2008).
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3
porm, que diferente da explicao dada por Machado (1999) para a
presena desse
mercado informal de trabalho, Castro (2008) afirma que:
Uma boa parte da populao que vive nas cidades da Amaznia mantm
processos de trabalho que decorrem de usos da floresta com
expressivo nmero de produtos transformados pelo trabalho com a
madeira, frutas, ervas e sementes. Outras formas de trabalho ocupam
pessoas na pesca marinha e fluvial, ou ainda em artesanato que
serve ao comrcio nas cidades uso talvez mais generalizado mas
tambm aos rituais e festas, as trocas simblicas entre
comunidades, cidades e parentela distante (...) Muitos
trabalhadores que associam sistemas agroflorestais extrativismo e
agricultura dependem tambm da biodiversidade da floresta na
realizao do trabalho e na continuidade de sistemas tradicionais de
uso da terra (CASTRO, 2008, p. 35).
Mesmo o trabalho de Trindade Jr. e Pereira (2007), que em
determinado
momento faz aluso ao fato de que as cidades mdias da Amaznia
tendem a
acompanhar a baixa qualidade de vida e a pobreza urbana
presentes nas metrpoles
brasileiras, diferenciando-se, portanto, da realidade das
cidades mdias do Centro-Sul
do pas que demandam trabalho qualificado e abriga populao de
classe mdia, no
consegue avanar no entendimento do papel do circuito inferior na
estruturao das
dinmicas urbano-regionais da regio.
Na realidade estudada, esse circuito inferior da economia muito
intenso tanto
na organizao da relao da cidade com a regio, quanto no
suprimento de demandas
da populao mais carente da cidade e da estruturao interna das
mesmas. Ressalte-se
ainda que o entendimento do papel do circuito inferior permite
explicar,
alternativamente, a permanncia de redes urbanas mesmo em condies
adversas de
carncia de infraestrutura no setor de transporte e a grande
proporo de pessoas
desprovida de recursos materiais e educacionais, como destacam
Sathler, Monte-Mr e
Carvalho (2009) ser a condio da Amaznia.
1. Distribuio espacial das feiras nas cidades de Marab (PA) e
Macap (AP).
Um primeiro aspecto a ser discutido no texto refere-se
distribuio espacial das
feiras no contexto das cidades mdias analisadas. A inteno
mostrar a importncia
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4
desta atividade para cidade a partir da sua localizao em relao
organizao da
cidade como um todo.
Ao se observar a cidade de Marab verificou-se que as feiras esto
distribudas
quase que equitativamente em todos os ncleos principais da
cidade, embora na Marab
Pioneira essa densidade seja um pouco mais expressiva, com a
presena de quatro, dos
nove empreendimentos identificados (quadro 01). Essa localizao
das feiras refora a
importncia que este tipo de atividade ainda desempenha no
abastecimento da
populao da cidade, bem como reproduz o mesmo padro encontrado
para as
atividades mais gerais de comrcio e servios (AMARAL, 2011).
IDENTIFICAO LOCALIZAO NCLEO TIPO SITUAO ORGANIZAES
FEIRA DA VELHA
MARAB
Rua Getlio
Vargas
Marab
Pioneira
Feira livre
+ camels Regular
Associao dos
Ambulantes de Marab
FEIRA DA 28 Folha 28 Nova Marab Feira Regular
Associao da Folha 28
Sindicato da Folha 28
COMRCIO DE RUA DA
CAIXA ECONMICA Rua 5 de Abril
Marab
Pioneira Camels Irregular -
COMRCIO DE RUA
DA PRAA SO
FRANCISCO
Praa So
Francisco Cidade Nova Camels
Parcialmente
Regular -
FEIRA COBERTA DA
LARANJEIRA Cidade Nova Feira Regular
Associao da Feira da
Laranjeira
COMRCIO DE RUA DO
BANCO DO BRASIL
Folha 32, Quadra 06
Nova Marab Camels Parcialmente
Regular -
ORLA SEBASTIO
MIRANDA
Av. Sebastio Miranda
Marab Pioneira
Camels Irregular -
FEIRA DO AGRICULTOR Rua 7 de Junho Marab
Pioneira Feira Regular -
FEIRA MIGUEL
PERNAMBUCO
PA 150 com
Transamaznica
(Km 6)
Nova Marab Feira Regular -
Fonte: Trindade Jr et ali (2010).
Em Macap a distribuio das feiras no interior da cidade (mapa 1)
apresenta um
padro bem semelhante ao encontrado em Marab, embora a primeira
cidade tenha uma
organizao espacial marcada pelo forte peso de uma rea principal
de comercio e
servios (monocentralidade). De modo genrico, pode-se dizer que a
distribuio
espacial das feiras acompanha a estruturao dos ncleos da cidade,
destacando-se uma
maior densidade de feiras na poro mais central da cidade e, de
modo menos denso,
nas chamadas zonas norte e sul da cidade.
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Concretamente, pode-se dizer que a feira do Jardim Felicidade e
a do Pacoval
atendem em grande medida, a populao mais da zona norte da
cidade; a feira do
Perptuo Socorro junto com a feira do Buritizal (numa ponta e
noutra) parte do arco que
contorna o centro da cidade, atendendo a populao tanto do bairro
central quanto desse
arco e da zona sul; a feira de Santana, conhecida pela populao
local como feira do
mete a mo, atende mais a populao desse municpio. Como disse o
coordenador da
feira do Jardim Felicidade, existe uma preocupao em se
distribuir, equitativamente, s
feiras no interior da cidade.
(...) tem, como eu te falei, antigamente a gente tinha a feira
do produtor do Pacoval, de abastecimento, e a cidade cresceu,
tnhamos que fazer outra feira aqui, pra atender os moradores aqui
do bairro do Jardim, Jardim I, Jardim II, o Infraero e tambm o Novo
Horizonte, por causa da distancia que os consumidores iam comprar
os produtos
l na feira do Pacoval, como a feira do Buritizal estava bastante
longe, pra que eles fossem comprar l, foi feito aqui, e o ponto
estratgico, por que tinha um terreno, o governo conseguiu pra
Secretaria de Agricultura (Benedito Barbosa Cruz, Coordenador da
Feira do
Mapa 01: Circuito inferior da economia urbana de Macap
Fonte: Trabalho de campo, 2010.
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Produtor Rural do Jardim Felicidade, entrevista realizada em 17
de maro de 2010).
Nas cidades mdias analisadas as feiras e sua distribuio no
interior da cidade,
ajudam a entender mais de perto a economia poltica da cidade,
isto , a forma como a
cidade se organiza em face da produo e como os diversos atores
da vida urbana
encontram seu lugar dentro da cidade (SANTOS, 2009). A diferena,
porm, que se
quer destacar, neste texto, refere-se ao fato de que essa
materialidade que se organiza
em face da produo, no definida e/ou determinada apenas pelo
circuito superior,
mas tambm pelo circuito inferior da economia. Deste modo,
deve-se considerar no
somente os agentes hegemnicos no meio construdo, bem como a
diviso do trabalho
hegemnica por eles produzida. preciso ressaltar que os agentes
do circuito inferior,
em geral, utilizando mo-de-obra intensiva, tendo forte escassez
de capital e baixo nvel
de organizao da produo, tambm contribuem para a produo da cidade
e de suas
relaes socioespaciais.
2. As feiras e a centralidade urbana das cidades de Marab (PA) e
Macap (AP)
As feiras de Marab (mapa 02) por condensarem tanto relaes da
cidade com o
campo (os assentamentos rurais), quanto da cidade com a dinmica
regional e extra-
regional, permitem que se anlise os relacionamentos por ela
construda. No que se
refere s relaes com o campo, por meio dos assentamentos rurais,
pode-se afirma que
as feiras no apenas abastecem a cidade com produtos agrcolas,
mas tambm que elas
ajudam a construir uma alternativa de sobrevivncia, fora da
lgica do mercado formal,
para um grande nmero de pessoas, cujos destinos passam a ser
auto-definidos
(autnomos), sem a mediao de uma empresa, sem aquele processo
tradicional
capitalista de subordinao formal ao mercado.
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Em entrevista realizada com os trabalhadores de rua das feiras
da Marab
Pioneira, da Folha 28 (Nova Marab) e da Laranjeira (Cidade
Nova), foi possvel
identificar as principais rotas por eles construdas para aquisio
de seus produtos e os
meios utilizados para faz-los chegar at Marab. Em geral, os
produtos, principalmente
roupas, calados e eletrnicos, so comprados nas cidades de
Fortaleza (CE), de Santa
Cruz do Capibaribe (PE), de Goinia (GO), de So Paulo (SP) e,
tambm, do Paraguai.
Essas viagens so realizadas, semanalmente, atravs do que eles
denominam de
excurses, que so organizadas tanto por empresas de turismo
locais, quanto por
particulares que no tm formalidade ou regularidade empresarial.
Para ter uma viso
dessa dinmica de aquisio dos produtos do circuito inferior, por
meio das excurses
peridicas, pode-se citar a descrio feita pelo feirante Daniel
Vilarense, que diz:
Goinia, Santa Cruz, e Pernambuco tambm a gente compra
bastante,
tem uma excurso que sai semanalmente pra l, a maioria compra l.
Faz uma escala, passa em Fortaleza, e vai at Santa Cruz em
Pernambuco. [M: A como , sai o nibus com as pessoas?] , a maioria
viaja de excurso, ele sai hoje a tarde, no sbado sai vrias excurses
aqui de Marab. Sai daqui no Sbado, chega amanh a noite
Mapa 02: Distribuio espacial das feiras em Marab (PA).
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em Fortaleza e dorme l. Na segunda a gente compra em Fortaleza,
a quando chega a tardinha a gente segue viagem pro Pernambuco. A
quando d tera-feira de manh a gente ta em Pernambuco, l em Santa
Cruz do Capibaribe, que a cidade das confeces no Brasil, n? A gente
compra na tera e na mesma noite j ta retornando (Daniel Vilarense,
proprietrio de barraca na Feira da Getlio Vargas,
entrevista realizada em 29/01/2010).
Segundo o informante essa dinmica muito comum no sudeste
paraense, pois
alm de Marab existem outras cidades que participam desse
circuito, podendo-se citar
Bom Jesus do Tocantins, Parauapebas, Rondon do Par e Abel
Figueiredo etc. Essa
informao da presena semanal de excurses para aquisio de produtos
para
comercializar nas feiras foi confirmada na entrevista realizada
com duas feirantes, que
preferem ser identificadas simplesmente como Dona Deusa e Dona
Santa, da Feira das
Laranjeiras.
O feirante Daniel Vilarense informou ainda que nessas viagens
que partem de
Marab tem a presena de feirantes de toda a cidade, mas tambm de
Itupiranga,
municpio vizinho. Ele conseguiu indicar trs excurses que
acontecem semanalmente,
a excurso da Dona Le, do Z Maria e da Mariazinha. Alm dessas, as
informantes da
Feira das Laranjeiras indicaram, ainda, a realizada por Irene e
por Jarletour [nenhum
dos informantes sabe precisar o nome completo dessas pessoas que
organizam as
excurses].
Ao ser questionado sobre quem so os principais consumidores de
seus
produtos, o informante indicou pessoas de todos os bairros da
cidade, mas tambm dos
municpios do entorno de Marab. Afirma que seus produtos tm a
mesma qualidade
daqueles que so comercializados em empreendimentos formais, mas
destaca como seu
diferencial o preo cobrado nas mercadorias. Como informou:
Aqui a gama muito grande, ela abrange muitos bairros da cidade,
n, e o municpios vizinhos. Itupiranga, Brejo do Meio, esses
municpios vizinhos aqui quase todos a gente t atendendo. Tambm
porque ns temos uma mercadoria hoje de qualidade. A nossa
mercadoria compatvel com a da loja. Inclusive talvez a nossa
mercadoria seja muito melhor do que muitas lojas. Hoje ns
trabalhamos com
mercadoria de Fortaleza, de Goinia. Se voc chegar aqui pra pegar
uma pecinha popular de um real voc no consegue, por qu? Porque se
trabalha com mercadoria de qualidade. Por exemplo, a gente trabalha
com material esportivo, as camisas que tu acha aqui comigo, tu acha
(...) na L calado, o mesminho. A diferena de preo. Eu
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trabalho com a margem de lucro pequena e eles trabalham com a
margem de lucro bem maior.
Na Feira das Laranjeiras os entrevistados acrescentaram como
consumidores
potenciais e reais de seus produtos, os agricultores que vm toda
semana cidade trazer
seus produtos para serem comercializados nas diferentes feiras
da cidade. A presena
desse tipo de consumidor na feira em questo est associada
presena de um terminal
rodovirio utilizado para o transporte alternativo cooperativas -
para os assentamentos
e povoados da zona rural da cidade e do entorno.
Como se nota nas entrevistas gravadas, nas observaes empricas e
nos
dilogos informais mantidos com feirantes e frequentadores desses
espaos, os produtos
agrcolas comercializados so em parte provenientes de reas rurais
do prprio
municpio, principalmente assentamentos rurais e vazantes3, e, em
parte, obtidos em
reas rurais de outros municpios da regio e de fora dela. muito
comum se encontrar
caminhes, os chamados caminhes verdureiros, nos arredores das
feiras, com
produtos de reas distantes (Gois, Rio Grande do Norte, Paran
etc.). Tambm
recorrente encontrar nas feiras, grupos de feirantes que se
organizam para comprar
produtos de reas mais distantes da cidade, conforme se pde
verificar na Feira da Folha
28, na Nova Marab, em que alguns feirantes se deslocam at o
Municpio de
Castanhal, no nordeste do Estado do Par, para comprar farinha
periodicamente.
Alm do que j foi apresentado, deseja-se enfatizar que algumas
feiras da cidade
de Marab apresentam-se como alternativa, de iniciativa dos
prprios trabalhadores,
para fazer com que a produo possa chegar cidade sem o controle
dos atravessadores
que, historicamente, dominaram a circulao dentro da regio. Nesse
processo de
circulao fundamental a ao do transporte alternativo,
especialmente, aqueles que
associam a circulao de pessoas de produtos agrcolas das
agrovilas e assentamentos
rurais at a cidade.
Para ter uma noo mais precisa desse tipo de fluxo,
principalmente de pessoas, e
de sua intensidade entre Marab e as diversas cidades da regio e
revelar a importncia
3 interessante notar que no perodo de menor incidncia de chuvas
na regio, principalmente quando as
guas do rio Tocantins e do Itacainas diminuem seu volume, uma
produo proveniente das chamadas
reas de vazantes comea a abastecer as feiras da cidade com
produtos como mandioca, milho e feijo,
plantados em reas que no perodo das cheias estavam cobertas
pelas guas dos rios.
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que a cidade cumpre na oferta de atividades de comrcio e de
servios, principalmente,
os mais especializados que no so encontrados nas pequenas
cidades, so 22 (vinte e
duas) cooperativas de micro-nibus e vans presentes nos terminais
da cidade,
principalmente no terminal do KM-064, que realiza viagens dirias
para as mais diversas
cidades do sul e do sudeste paraense.
Os dados obtidos junto a essas cooperativas e Agncia de Regulao
de Servio
Pblico do Estado do Par (ARCON-PA), em Marab, mostram que a
maior parte dos
trajetos tem como destino cidades que, em geral, localizam-se a
uma distncia mxima
de 300 km da cidade de partida5. Para ultrapassar esse limite,
como no caso de viagens
realizadas diariamente entre Marab e Imperatriz (MA), as
cooperativas estabelecem
parcerias com outras cooperativas que atuam nessa cidade mdia,
de modo que o
passageiro viaja at a cidade de Dom Eliseu (Km-0 da BR-222), e
desta, em outro
micro-nibus/van, chega at seu destino final, Imperatriz (MA) ou
outras cidades de sua
rea de influncia imediata.
Alm dessas viagens entre as cidades em que grande parte dos
passageiros so
de pessoas que vivem em reas rurais (assentamentos, fazendas,
vilas etc.) ao longo das
rodovias principais que convergem para Marab6, existem ainda
aquelas cooperativas
que fazem viagens diretamente para essas reas rurais (Ex.
Terminal das Laranjeiras
Cidade Nova), como o caso da COOPERVAMI, que tem como destinos
vilas e/ou
assentamentos, definindo duas rotas principais: rota 1 (Santa F,
Trs Poderes,
4 Esse terminal surgiu no final da dcada de 1970 a partir dos
fluxos existentes no entroncamento da PA-
150 com a Transamaznica (Km. 6) devido forte relao da cidade de
Marab com os municpios e
localidades do entorno. Com o tempo, notadamente com a alta
produo de ouro em Serra Pelada (dcada
de 1980), o Km-06 foi-se consolidando como ponto de comrcio
informal e como terminal de transportes
improvisado que, em alguns momentos, chegou a ser mais dinmico
que o terminal rodovirio oficial.
Essa intensidade de fluxos, induziu desde o seu incio formao de
uma feira no entorno e de uma
espcie de sub-centro de atividades, principalmente no
regularizadas, que davam apoio a esse intenso
fluxo, como dormitrios, pequenos hotis, restaurantes,
mercearias, barracas de feira, que vendiam os mais diversos
produtos, dentre outras. A precariedade da feira e das instalaes
comerciais e de servios
ligadas ao terminal rodovirio improvisado, levaram o poder
pblico municipal a conceber, em 1998, uma
interveno urbanstica na rea, inaugurando, mais tarde (no ano
2000), o Terminal e Feira Miguel
Pernambuco, que permanece at hoje como o segundo terminal
rodovirio urbano de Marab, tornando-
se, igualmente, uma das mais importantes feiras da cidade
(ALMEIDA, 2002).
5 Os mesmos dados mostram que so mais de 35 (trinta e cinco)
cidades e vilas que so conectadas a
Marab por esse tipo de servio.
6 importante relembrar que Marab se encontra no entroncamento
das rodovias Br-222, que liga essa
cidade Br-010 (Belm-Braslia), e da PA-150, que, partindo de
Belm, chega at os limites com o
Estado de Tocantins, e da Transamaznica, que articula a cidade
com o Nordeste, de um lado, e com o
sudoeste do Estado do Par, de outro.
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Panelinha, Capistrano de Abreu, Cruzeiro do Sul, Cupu,
Bandeirante, Plano Dourado,
Vila Seca); rota 2 (Unio, Piarreira, Capota, Brejo do Meio,
Bode, Surubim, Alto
Bonito, Barro vermelho, So Joo, Cinzeiro, Conquista). De acordo
com informaes
obtidas junto a essa empresa, possvel afirmar que nessas viagens
existe, ao mesmo
tempo, o transporte de pessoas (realizado em vans e micronibus,
em geral, bem mais
precrios do que aqueles que fazem viagens com destino s cidades
da regio), e o
transporte dos produtos agrcolas (realizado em caminhes e nibus
antigos e precrios).
Em Macap as feiras tambm, a exemplo de Marab (PA), mantm
relaes
tanto com o campo dentro do prprio estado do Amap, quanto em
reas da Ilha do
Maraj e do Baixo Amazonas quanto com a regio e outras pores do
territrio
nacional, em que Belm, via sua central de abastecimento (Ceasa),
se destaca no papel
de intermediador de fluxos.
As feiras que mais promovem essa interao de Macap com a rede
de
proximidade territorial so aquelas voltadas ao comrcio de
produtos agrcolas
produzidos no prprio Estado do Amap, tais como, as feiras do
Jardim Felicidade e do
Buritizal; bem como aquelas devotadas comercializao de madeira,
em geral
proveniente da Ilha do Maraj, a exemplo das feiras das margens
de igaraps (Canal do
Jandi, Pedrinhas e Boieiro), e pescado, principalmente
provenientes da costa do
prprio Amap e/ou do Par, tais como, as feiras do Igarap das
Mulheres e da Rampa
da Santa Ins.
Conforme dito, anteriormente, as atividades comerciais
desenvolvidas nas
margens de igaraps, como por exemplo, o comrcio de madeira, o
comrcio de pescado
e de produtos agrcolas desenvolvidos nas ilhas, cidades e
povoados ribeirinhos, ajudam
a desenhar a rede de proximidade territorial de Macap. O comrcio
de madeira
realizado em trs reas (o Canal do Jandi, o igarap das Pedrinhas
e o Igarap do
Boieiro). No trabalho de campo, as trs reas foram registradas,
sendo possvel realizar
diversas entrevistas nas mesmas. Pde-se constatar que a madeira
que comercializada
nessas reas, ou seja, nas aproximadamente 120 instncias7 a
existentes, provm das
cidades da mesorregio da Ilha do Maraj (Breves, Afu, Chaves e
Gurup). De acordo
7 Instncias so pequenos comrcios em que se vende madeira, mas
tambm tijolo, telha, areia, seixo etc.
uma rea que comercializa material para construo.
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com os entrevistados, a madeira chega at eles por meio de
atravessadores, que possuem
embarcaes e viajam por essas cidades do interior em busca dessa
mercadoria. Como
disse Odair Jos Moraes Costa, Conselheiro Fiscal da Cooperativa
do Canal do Jandi e
proprietrio de instncia:
Essa madeira produzida no municpio de Breves, tem madeira que
produzida no municpio de Afu, no municpio de Gurup. Como daqui, tm
muitas daqui que vo comprar, uns tem serraria que trazem de l,
chega aqui a gente j negocia com esse pessoal, muito difcil quem
tenha propriedade e serraria no interior.
(...) a gente tem o fornecedor da gente que compra daqui pr l,
tem um pessoal que vai daqui e negocia l e renegocia com a gente
aqui. A
gente no tem tempo de ir La comprar. (Entrevista realizada em 20
de maro de 2010).
Conforme fica evidente na fala de Odair Jos Moraes Costa e da
maior parte dos
entrevistados, em sua atividade a presena do atravessador uma
constante. Para eles a
ao desse agente ajuda no desenvolvimento de sua atividade, pois
o mesmo traz e
entrega a madeira na porta de sua instncia, o que torna
estratgico sua localizao s
margens de igaraps, pois assim no tem custos com transporte do
porto at o seu
estabelecimento. A esse respeito o senhor Raimundo Leo Pereira,
proprietrio de
instncia no Igarap das Pedrinhas (entrevista realizada em 20 de
maro de 2010),
informou que muito comum os ribeirinhos trazerem a madeira pela
manh, entregarem
em sua porta, deixarem a canoa ou barcos estacionado e, logo em
seguida, irem comprar
mantimentos que sero levados para suas paragens , seus locais de
moradia.
importante ressaltar que essas dinmicas apesar de no aparecerem
nas
estatsticas produzidas pelos rgos de pesquisa
institucionalizados, tm papel
fundamental na vida de muitas famlias e se relaciona diretamente
com a produo da
cidade e com as atividades econmicas ditas formais, uma vez que
essa produo toda
comercializada com lojas de materiais de construo, com
construtoras de imveis e
com pessoas que individualmente estejam construindo sua moradia.
Segundo os
informantes, a comercializao comea desde as sete da manh e vai
at as dezenove,
vinte horas sem fechar para almoo. Por mais que as lojas de
materiais de construo e
as construtoras de imveis comprem parte de sua produo, no resta
dvida de que
seus principais consumidores so a prpria populao que est
construindo
individualmente, o que no pouco considerando que, em 2000, 19%
de toda a
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populao de Macap vivia em reas de ressacas, reas cujas
residncias so
totalmente de madeira, inclusive, o piso e as pontes que lhes do
acesso, que com a ao
das enchentes e o regime de chuvas que atingem essas residncias,
precisam
constantemente de manuteno.
Ainda discutindo o comrcio realizado nas margens de igaraps
pode-se destacar
quatro reas importantes de comercializao de pescado: o Igarap
das Mulheres, a
Rampa do Santa Ins, o Igarap das Pedrinhas e o Igarap da
Fortaleza, embora este no
esteja plotado no mapa 01.
De acordo com o senhor Raimundo Mota, o Daia, comerciante do
Igarap das
Mulheres e durante muitos anos Presidente da Associao dessa rea
(entrevistado em
21 de maro de 2010), esses espaos, principalmente o que
trabalha, funcionam como
um segundo Ver-o-Peso. Das ilhas do entorno da cidade de Macap
vem o peixe e o
aa que so entregues ao atravessador que realiza a sua
comercializao diretamente
nas barracas da feira; da Ilha do Maraj e de Belm vm
principalmente farinha, mas
tambm verduras e frutas, que abastecem as redes de
supermercados, os mini-box e
feiras do interior da cidade de Macap.
Para finalizar a discusso das feiras que desenham redes de
proximidade
territorial, resta falar das feiras dos produtores rurais do
Amap. Neste sentido, foi
possvel identificar cinco dessas reas, a Feira Livre do Pacoval,
a Feira do bairro
Perptuo Socorro, a Feira do Buritizal, a Feira do Produtor Rural
do bairro Jardim
Felicidade e a Feira do Mete a Mo, em Santana. No que se refere
s feiras em questo,
pode-se afirmar que suas relaes so horizontais, servem para
reforar o papel de
centralidade exercido por Macap em seu Estado, mas tambm permite
desmistificar a
ideia de que no se produz absolutamente nada no estado, como
graa em vrios
discursos do senso comum da cidade.
Com exceo das feiras do Pacoval e do Perptuo Socorro, que so
consideradas
feiras livres, todas as demais funcionam sob a gerncia do
governo do Estado do
Amap, que colocou em cada uma delas um representante, que
trabalha na funo de
coordenador das atividades nelas desenvolvidas. De acordo com um
desses
coordenadores, o senhor Adelson Carlos Corra, da feira do
Buritizal, existem 324
-
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comunidades atuando nas quatro feiras indicadas, por mais que a
do Pacoval seja
considerada livre, o governo tem nela o seu espao.
A feira tem a funo de comercializao desses produtos que os
agricultores, de produo familiar, no pra suportar produo de grande
porte, uma agricultura familiar, hoje ns temos um entrave entre
agricultura familiar e o pessoal que j tem uma produo maior, hoje
ns trabalhamos com 324 comunidades, dentro das feiras, onde essas
comunidades trabalham em carter de rodzio, ns trabalhamos
com a feira do Jardim, do Pacoval, de Santana e feira do
Buritizal, quatro feiras, s que hoje a feira do Pacoval uma feira
livre, onde os prprios empreendedores que so chamados de
atravessado (Adelson Carlos Corra, Coordenador da Feira do
Buritizal, entrevista realizada em 16 de Maro de 2010).
A produo dessas feiras so em sua maior parte frutas, verduras
e,
principalmente, farinha, que o produto mais comercializado em
todas as feiras do
produtor. Para que essa produo possa chegar cidade,
disponibilizado um caminho
que transporta a produo em dias especficos da semana e, junto
com ele, um nibus
para o transporte das pessoas8, como informou o senhor Benedito
Barbosa Cruz:
No, a prefeitura no tem um nibus deles, como eu falei o
transporte da mercadoria, o governo tem uns caminhes que so
alugados pra secretaria de agricultura, e que faz o transporte da
mercadoria, ele vai, na segunda, pras comunidades pro interiores, e
na tera feira eles retornam j com a produo dos agricultores, isso
no tem nenhum custo pro agricultor, j na tera feira quando eles
vem, la dos
interiores pra c pra cidade, ele vem num nibus, que um nibus
destacado pra trazer eles, mas ai eles pagam a passagem no nibus,
um nibus de pessoas particulares que fazem esse servio de
transporte pra eles (Benedito Barbosa Cruz, Coordenador da Feira do
Produtor Rural do Jardim Felicidade, entrevista realizada em 17 de
maro de 2010).
importante ressaltar que existem agricultores familiares que
conseguiram um
nvel de produo alta, considerando os padres desse tipo de
agricultura, inclusive,
passando a comercializar mais regularmente com proprietrios de
supermercados e
mercearias da cidade. A dificuldade, contudo, que eles tm que
enfrentar o transporte,
pois no h como trazer toda essa produo no caminho da comunidade,
como se pode
verificar em diversas feiras da cidade. Como disse Adelson
Carlos Corra, existem
casos em que outros produtores no tm muita mercadoria para
trazer, o que torna
8 No trabalho de campo procurou-se constatar com feirantes e com
os motoristas de nibus e caminho
que fazem esse translado a veracidade da informao fornecida
pelos coordenadores das feiras.
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15
possvel que aqueles que produziram mais tenham o direito de
colocar sua produo no
caminho, do contrrio eles tem que direcionar parte dos recursos
da produo para o
pagamento de transporte particular, o que acaba onerando os
custos de produo do
produto.
Um ltimo tipo de feira existente em Macap so aquelas localizadas
nas ruas do
seu bairro central. A coleta de dados desta pesquisa junto ao
comrcio de rua (camels),
foi realizada na rea do entorno do mercado municipal da cidade,
devido a importncia
que tem em termos de quantidade e concentrao desse tipo de
atividade. Nessa rea se
comercializa principalmente confeces e calados, cuja origem
pde-se identificar:
Fortaleza, Caruaru, Pernambuco, So Paulo, Santa Catarina,
Goinia. A presena desses
fornecedores apareceu em diferentes entrevistas gravadas e em
dilogos mais pontuais.
Sobre isto assim se posicionou um proprietrio de barraca:
Nordeste, sul do pas, sudeste, centro-oeste. [P: Sabe dizer,
assim, quais so as cidades que so comprados?] R: Fortaleza,
Caruaru, Pernambuco, So Paulo, Santa Catarina, Goinia. [P: Desses a
qual o melhor?] R: Eu particularmente trabalho mais com so Paulo,
Fortaleza e Santa Catarina, que material esportivo, So Paulo,
confeces em geral, Fortaleza tambm, eu trabalho mais Fortaleza
(Proprietrio de barraca da feira do mercado municipal, entrevista
realizada em 21 de maro de 2010).
O caminho seguido pelas mercadorias por eles comercializadas, em
geral, o
mesmo de todas as outras, vem de caminho da transportadora at
Belm, depois
embarcada na balsa e/ou no barco, para poder descarregar em
Macap. Alm dessa
forma, foi possvel identificar o uso do transporte areo, para o
transporte de pequena
quantidade de mercadoria, e o uso do carro prprio caminhonete,
pick-ups para
compras realizadas em diferentes lugares, principalmente quando
se est falando do
nordeste.
s que demora de oito a dez dias, vindo de Fortaleza, porque eles
vm parando at encher a carreta. Para em So Lus, para em Belm, at
despachar, ir pra balsa, da balsa pra c de dois e meio a trs dias,
ela vem carregada, muito lenta, vem bem devagar, vem cheia de
carreta dentro, ba fechado, ela vem muito lenta, vem quase
encostando na gua, vem mais ou menos um palmo da maresia, ela
vem bem devagar, vem dois dias e meio de Belm pra c. de 7, 8 a 10
dias no mximo, se tiver imprevisto 10 dias, a chega a tem a
fiscalizao, passa mais um dia pra liberar, igual exportao, uma
exportadora dessa, vamos dizer, faz um pedido da Premier, de 30 a
40 dia (sic), e pagamento a vista, transportam num container
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fechado de l, passa pela Alfndega, para aqui na receita federal
(Proprietrio de barraca da feira do mercado municipal, entrevista
realizada em 21 de maro de 2010).
De forma geral, pode-se dizer que a experincia das feiras de
Marab (PA) e
Macap (AP), contribui para ampliar ainda mais o debate tanto do
circuito inferior da
economia urbana, quanto da abordagem das horizontalidades de
Santos (1999; 2003). A
respeito deste ltimo, Santos (1999, p. 225) ressalta que o espao
composto tambm
por (...) extenses formadas de pontos que se agregam sem
descontinuidade, como na
definio tradicional de regio. Por mais que na atualidade os
espaos da
racionalidade nos afastem das solidariedades orgnicas, prprias
da definio clssica
do fenmeno regional, e nos imponham arranjos organizacionais,
baseadas em lgicas,
tambm, organizacionais e definidas distncia, no se pode negar o
peso da
diversidade socioespacial presente nas cidades e nas regies,
como aquelas aqui
estudadas.
3. A feira como expresso da diversidade socioespacial das
cidades mdias da Amaznia
Ao tratar dos espaos da racionalidade, Santos (1999) afirma que
a caminhada
do processo de racionalizao, depois de ter alcanado a economia,
a cultura, a poltica,
as relaes interpessoais e os comportamentos individuais, atinge
no fim do sculo XX,
os meios de vida dos homens (o meio geogrfico). Neste sentido,
aponta que uma nova
relao entre regies, mediada pelo novo contedo da racionalidade,
cuja centralidade
depende da cincia, da tecnologia e da informao, mas que tambm
encontra limites a
sua realizao na medida em que esse processo no se d de forma
homognea e total,
existindo zonas onde ela menor ou mesmo inexistente, o que
permite outras formas de
expresso com uma lgica peculiar. Como assegura o autor:
Ante a racionalidade dominante, desejosa de tudo conquistar,
pode-se,
de um ponto de vista dos atores no beneficiados, falar da
irracionalidade, isto , de produo deliberada de situaes
no-razoveis. Objetivamente, pode-se dizer tambm que, a partir dessa
racionalidade hegemnica, instalam-se paralelamente
contra-racionalidades.
Essas contra-racionalidades se localizam, de um ponto de vista
social, entre os pobres, os migrantes, os excludos, as minorias; de
um ponto
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de vista econmico, entre as atividades marginais, tradicional ou
recentemente marginalizadas; e, de um ponto de vista geogrfico, nas
reas menos modernas e mais opacas, tornadas irracionais para usos
hegemnicos (SANTOS, 1999, p. 246).
Pensar as feiras como espaos contra-racionais no quer dizer
apenas que elas
esto localizadas em espaos pouco modernos do territrio, mas
tambm que elas
representam a diversidade socioespacial, sugerida por Santos
(1999). Deve-se deixar
claro que no se trata aqui da diversidade territorial proposta
por Haesbaert (1999), que
envolve diferenas de grau/intensidade (desigualdade) e diferenas
de natureza
(diferena), e que em certo sentido permitiu a Trindade Jr.
(2011) pensar numa
urbanodiversidade para a Amaznia, mas simplesmente de um olhar
que busca capturar
as feiras como espaos alternativos a lgica racional, como espaos
de contra -
racionalidades.
Seguindo essa linha de raciocnio, foi possvel encontrar em Marab
uma feira
que tem como objetivo central estabelecer um projeto poltico do
campesinato, a Feira
do Agricultor da rua 7 de Junho. Trata-se de um espao concebido
pelos prprios
produtores rurais como uma forma de driblar as tradicionais
teias estabelecidas pelo
mercado e, assim, poder se inserir por meio de um circuito
alternativo e
insubordinado nas relaes comerciais, como se pode notar
explicitamente na fala de
uma das idealizadoras desse projeto:
A nossa batalha que antes a gente estragava muito as coisas no
nosso projeto de assentamento e hoje, com muita dificuldade, ainda,
porque mora longe, tem que pedir ajuda aos prefeitos [...], ns
consegue vender nossos produtos. Antigamente a gente vivia mais
humilhado, e aqui no, ns faz do jeito que ns quer e d pra tirar o
nosso sustento.
A gente no vende pro atravessador s se sobrar. Se a gente vende
ao atravessador a gente no tinha nada pra vender aqui. O transporte
pra chegar aqui kombi, micronibus, vans e carros de frete. E a,
aqui voc v o cara, traz a verdura, a fruta, traz a galinha, traz o
porco, traz o bode, traz o leite no balde (Marilda Alves da Costa,
organizadora da Feira do Agricultor, entrevista realizada em
30/01/2010).
interessante destacar, ainda, da fala da agricultora a referncia
que faz a
presena do atravessador nas relaes. Apesar das feiras serem uma
tentativa de romper
com o controle exercido por esse agente, uma vez que a produo
articula-se
diretamente ao mercado local sem a necessidade de
intermediadores, pode-se afirmar
que essa conquista no tem se dado em todos os assentamentos e
com todos os produtos
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18
que so produzidos no campo, como se pode notar na fala do
Presidente do Sindicado
dos Trabalhadores Rurais de Marab:
Hoje o trabalhador no tem condies de juntar vinte bezerros e
engordar. E a ele vai e vende os dois primeiros bezerros que
aparecer para o atravessador e a o atravessador quem pode comprar
os bezerros e a vende pro grande produtor, que o fazendeiro. E a o
vnculo da agricultura familiar com a produo do gado ou do laticnio
esse. Nos laticnios mais direto porque ele vai e pega 10, 20, 30,
50
litros de leite toda semana e leva, mas, no caso do gado, existe
o atravessador no meio e ele que ganha. E esse atravessador o
grande fazendeiro. Eles vem e saem comprando bezerro: dois, trs,
pra formar uma boiada... A eles colocam pra engordar. esse
fazendeiro que tem o elo direto com o mercado, porque eles tm
condies de colocar 200 bezerros pra se formar e a abastecer o
frigorfico (Antnio Gomes, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Marab, entrevista realizada em 29/01/2010).
Conforme se observa na fala do presidente do sindicato, alm da
produo
agrcola, nos assentamentos se produz tambm o leite e o gado, de
modo que, se na
circulao da produo de alimentos os trabalhadores tem conseguido
acessar
diretamente o mercado, o que implica em melhorias em termos de
ganhos, como
destacou a agricultora Marilda Alves da Costa, na produo de
leite e de gado no se
pode dizer o mesmo, uma vez que aparecem como intermedirios
entre o produtor e o
consumidor, a indstria leiteira e os fazendeiros que
comercializam com os frigorficos
que atuam na regio.
Por mais que em Macap no se possa falar das feiras como um
projeto poltico
explcito para a cidade, no se pode negar sua importncia para
pensar a diversidade
socioespacial da mesma. Primeiro, porque as feiras tm funcionado
como uma
alternativa de abastecimento para cidade: produtos agrcolas
provenientes do campo
(feira do produtor rural), produtos provenientes dos rios, ilhas
e cidades ribeirinhas
(feiras das margens de igaraps) e produtos vindos de outras
regies (comercio de rua).
Segundo, porque as feiras tm acompanhado, embora de forma
marginal, a estruturao
da cidade, como uma relativa centralidade dentro da tradicional
rea central e uma
expanso em direo as zonas de expanso da cidade (zona norte, zona
sul e Duque de
Caxias). Terceiro, porque as feiras tm contribudo para
estabelecer a produo de uma
rede de relaes, via circuito inferior, da cidade de Macap tanto
com diferentes cidades
do nordeste brasileiro, em funo do abastecimento, quanto com as
cidades da Ilha do
Maraj e do baixo Amazonas.
-
19
Consideraes Finais
Para finalizar a anlise considera-se importante apontar alguns
elementos
comparativos entre as feiras de Marab (PA) e de Macap (AP), a
fim de busca
encontrar possveis semelhanas e diferenas entre as mesmas. A
ideia propor, ainda
que preliminarmente, uma tipologia das feiras em cidades mdias
da Amaznia, por
mais que considere os limites dessa proposio, particularmente, o
fato de se trabalhar
com apenas duas realidades geogrficas. De todo modo, no quadro
02, est expresso
alguns elementos que consideramos importantes para pensar essa
tipologia.
-
20
ELEMENTOS
ANALTICOS
MARAB MACAP
Localizao - Esto localizadas em todos os
ncleos principais da cidade,
com destaque para Marab
pioneira, rea historicamente
utilizada para o comercio e os
servios.
- Esto distribudas no interior
da cidade de modo a atender a
populao de modo geral,
destacando-se, porm a antiga
rea central da cidade, mas
havendo uma expanso em
direo as reas de expanso
(zonas norte e sul e av. Duque de
Caxias etc.).
Tipos de Feiras - Forte presena de feiras livres,
feiras formalizadas/legalizadas,
comrcio de rua (camelos) e
feira como projeto poltico do
campesinato.
- Presena de feiras livres, Feiras
dos produtores rurais, comrcio
de rua (camelos) e feira e
comrcio das margens de
igaraps.
Importncia na estruturao da
cidade
- Acompanha a estruturao dos
diferentes ncleos da cidade,
reforando seu carter
polinucleado e/ou policntrico.
- Acompanham a estruturao da
cidade, com uma forte
centralidade dentro da
tradicional rea central, porm
com tendncia a distribuio ao
longo das zonas de expanso da
cidade zona norte, zona sul e
Duque de Caxias.
Importncia para pensar a
relao cidade e regio
- As feiras funcionam para o
abastecimento interno da cidade;
- Fazem a conexo da cidade
com o campo, particularmente
na feira do produtor rural;
- Fazem a conexo da cidade
com outras regies do pas -
abastecimento da
produo/mercadorias.
- Funcionam como um espao de
abastecimento alternativo dentro
da cidade, uma vez que a rede de
abastecimento do circuito
superior no consegue suprir
demanda local/regional.
- As feiras conectam a cidade de
Macap com a Ilha do Maraj e
com o Baixo Amazonas.
- Fazem a conexo da cidade
com o campo, principalmente
atravs das feiras dos produtores
rurais.
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21
- Conectam a cidade com outras
regies do pas, no sentido de
abastecimento, destacando-se
Belm como intermediador
regional.
Dimenso Poltica - Algumas feiras fazem parte de
um projeto poltico, no sentido
de que os produtores as utilizam
como forma de quebrar o
controle dos atravessadores no
abastecimento da cidade.
- No se encontrou uma
preocupao em pensar a feira
como uma alternativa poltica,
embora no se deva desprezar
sua importncia para demarcar a
diversidade socioespacial no
interior da cidade.
Quadro 02: Elementos para uma tipologia das feiras em cidades
mdias da Amaznia
A apresentao desse quadro 02 no deixa dvidas a respeito da
importncia das
feiras para as cidades mdias da Amaznia, tanto para sua
organizao interna, quanto
para a rede de relaes que produz. De todo modo, antes de
finalizar, deseja-se ressaltar
que o objetivo mostrar que possvel pensar a insero das feiras na
lgica da diviso
do trabalho sem cair no tradicional debate dualista entre
setores econmicos (formais e
informais). De outro lado, quer se deixar claro que a cidade no
apenas o territrio de
uma diviso territorial do trabalho hegemnica e de um circuito
superior da econmica
urbana determinada pelo plano das verticalidades. A inteno
mostrar que a cidade o
reino da prxis (SILVEIRA, 2012), o que impe a necessidade de
pensar o espao no
somente como condio de produo, mas tambm, como condio de
existncia. Da o
necessrio dilogo com as categorias geogrficas propostas por
Santos (1999; 2003),
tais como, homem lento, horizontalidades, circuito inferior da
economia urbana,
solidariedades orgnicas etc.
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