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AS CLUSULAS GERAIS, UMA PERSPECTIVA HISTRICO-CONSTRUTIVA DO
DIREITO PRIVADO CONTEMPORNEO
Ricardo Cavedon [email protected]
Resumo: O presente trabalho busca traar uma anlise histrica da
construo da cincia jurdica at alar vertente de sistema aberto,
incorporando conceitos vagos os quais dependem de colmatao
valorativa por parte do intr-prete aplicador da norma jurdica. Com
nfase na Teoria Geral do Direito, analisar-se- a histria do
pensamento jurdico e as primeiras previses de clusulas gerais nas
codificaes oitocentistas, para s ento traar um paralelo com o que a
doutrina contempornea vem entendendo por clusulas gerais e
conceitos indeterminados, cabendo posteriormente a anlise de como
estes conceitos jurdicos se expressam no atual direito
civil-constitucional.
Palavras-chave: Clusulas Gerais; Conceitos Jurdicos
Indeterminados; Colmatao Valorativa; Codificaes; Nova Hermenutica;
Neoconstitucionalismo; Neopositivismo; Interpretao Evolucionista;
Integrao Valorativa.
GENERAL CLAUSES: A HISTORIC-CONSTRUCTIVE OF THE PRIVATE
CONTEMPORANEAN LAW
Abstract: This paper searches to trace a historic analysis of
the building of the legal science till raising part of the open
system, incorporating vague concepts that depend on the clogging
evaluative by the interpreter applicator of the legal norm. With
emphasis on the General Theory of the Law, we will analyze the
history of the legal thought and the first forecasts of general
clauses in the eight-hundredist encodings, and only then draw a
parallel with what the contemporary doctrine is understood by
general clauses and undetermined concepts, fitting later analysis
of how these legal concepts are expressed in the current
civil-constitutional law.
Keywords: General Clauses; Undetermined Legal Concepts;
Clogging; Evaluative; Encodings; New Hermeneu-tics;
Neo-constitutionalism; Neo-positivism; Evolutionist; Evaluative
Integration.
1. Introduo
A experincia jurdica nos limiares da poca clssica foi muito mais
ligada prxis do que a uma preocupao de construo sistemtica. O ento
chamado direito das gentes, oriundo do ius civiles, direito
aplicado unicamente aos cidados romanos, com as invases brbaras, e
a notria influncia da
1 Mestrando em Direito pela Pontifcia Universidade Catlica do
Paran. Ps-Graduado em Direito Civil e Empresarial e Ba-charel pela
mesma Instituio. Especialista em Direito Aplicado pela Escola da
Magistratura do Paran. Assessor jurdico de Desembargador no TJPR
desde 2007.
REDES - REVISTA ELETRNICA DIREITO E SOCIEDADE
http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/redesCanoas, vol.
1, n. 1, nov. 2013
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filosofia estica, foi-se aos poucos se alargando durante quase
um milnio numa fuso entre usos e costu-mes dos povos germnicos,
constituindo a expresso do que hoje chamamos de direito natural, um
direito originrio da natureza do homem. O saber jurdico da poca, at
pela influncia aristotlica, resumia-se at
ento a uma atividade eminentemente prudencial, baseada na arte
da contradio.
Foi somente na Idade Mdia, principalmente com o movimento
renascentista, que o carter sistem-tico do direito comeou a se
aflorar. 2
Com o surgimento das universidades, e tendo em base o iderio
iluminista, o movimento jusracio-nalista (direito natural fundado
na autoridade da razo) erigiu campo na cincia jurdica, dando seus
pri-meiros passos em busca de uma sistematizao. Sua maior
contribuio foi exatamente a noo do carter de sistema. 3
Construdo ao longo de dois milnios, o direito oriundo da razo
tambm contribuiu para desvincu-lar a cincia jurdica dos dogmas
religiosos, abrindo caminho na linha da histria para o vindouro
movi-mento das codificaes cujo maior esplendor foi o monumento das
ordenaes civis francesas o cdigo
napolenico.
O jusracionalismo, ao mesmo tempo em que contribuiu para o
movimento das codificaes, con-cedeu ainda um fundamental alicerce
para o formalismo jurdico do sculo XIX. Foi notria a influncia
e repercusso do direito racional na cincia jurdica. Com os seus
ideais lanados em textos escritos, amplamente estruturados numa
perspectiva sistemtica, o jusracionalismo abriu campo para a
doutrina positivista.
O direito positivo, contudo, quando totalmente integrado em
textos escritos, passou a refutar por completo os princpios e
valores que detinha por origem, era a expresso do legalismo
jurdico. Liberto dos juzos de valores extra legem, sem poder lutar
contra o jugo da lei positiva, reflexo de sua prpria racionalidade,
a cincia jurdica baseada na razo, ao mesmo tempo em que teve seu
pice, conheceu tambm sua destruio. 4 O direito natural foi
relegado, ento, a mero fator ocasional da histria, com o
positivismo legalista do sculo XIX passando a resolver o problema
da justia na questo da validade da lei positiva.
A teoria da subsuno (cujo raciocnio bsico a extrao de uma
concluso lgica silogstica, uti-lizando-se a confrontao de uma
previso legal casustica com um caso concreto) passou a dominar
o
2 Pode-se citar no medievo a interpretao literal do corpus juris
civiles (compilao de textos e leis escritas realizada pelo
imperador romano Justiniano) realizada pelo movimento dos
glosadores e ps-glosadores (comentadores e humanistas), que viam os
textos do corpus como a nica fonte de interpretao do direito ento
existente. A tcnica que utilizavam era unica-mente gramatical,
literria, e exprimia dos textos escritos um sentido unvoco e
gramatical. As glosas, nesse sentido, eram os comentrios a estes
textos.3 Nesse sentido: WIECKER, Franz. Histria do Direito Privado
Moderno, 3 edio, Fundao Calouste Gui Benkian, Lisboa, Traduo de A.
M. Botelho Hespanha, p. 665.4 Nesse sentido, Luis Roberto Barroso:
O advento do Estado liberal, a consolidao dos ideais
constitucionais em textos escri-tos e o xito do movimento de
codificao simbolizam a vitria do direito natural, o seu apogeu.
Paradoxalmente, representam, tambm, a sua superao histrica. No
inicio do sculo XIX, os direito naturais, cultivados e
desenvolvidos ao longo de mais de dois milnios, haviam se
incorporado de forma generalizada aos ordenamentos positivos. J no
traziam a revoluo, mas a conservao. Considerado metafsico e
anticientfico, o direito natural empurrado para a margem da histria
pela onipotncia positivista do sculo XIX. (BARROSO, Lus Roberto.
Fundamentos tericos e Filosficos do Novo Direito Constitucional
Brasileiro (Ps-modernidade, teoria crtica e ps-positivismo), in: A
nova interpretao constitucional: ponderao, direitos fundamentais e
relaes privadas / Lus Roberto Barroso (organizador) 3 ed. Revista
Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 22/23.
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mtodo de interpretao e aplicao do direito. A ideia de que as
regras jurdicas eram extradas de uma norma superior da hierarquia e
dali deduzidas, no se podendo questionar a justia desta deduo em
razo de ser a lei vlida (e presumidamente justa) na hierarquia das
fontes, foi o cerne proficiente que necessi-tava a cincia jurdica
positivista para alcanar a centralidade e univocidade de aceitao
por parte dos estudiosos da poca. 5
Eis porque a cincia jurdica assumiu, definitivamente, o carter
de sistema fechado, tendo-se ex-pressado nesta poca por requintados
processos lgicos e em essncia hermticos.
Somente o final do sculo XIX e primeira metade do sculo XX
marcaram a ruptura metodolgica
caracterizada pela limitao do mtodo subsuntivo, diante de seu
inegvel reducionismo.
Com as mutaes sociais engendradas pela primeira grande guerra,
os Juzes se viram perante a r-dua tarefa de ajustar o direito legal
ao novo modelo social, emergindo da um direito praeter (quando em
confronto com suas prprias lacunas) ou mesmo contra legen (quando
em confronto com os novos valores e princpios que vinham surgindo).
6
Na expresso de Franz Wiecker, a teoria que se construiu a partir
de ento foi denominada de acha-mento da soluo jurdica
(Rechtsfindung), segundo a qual, a cada norma legal subjazeria um
acto de valorao de interesses e uma opo voluntarista entre vrias
valorizaes possveis dos interesses opostos das partes em conflito.
7 Foi a expresso do movimento ento denominado de jurisprudncia dos
interesses.
Larenz classificou o movimento como uma espcie de reao ao mtodo
exegtico de interpretao
da lei, predominante no sculo XIX, questionando o reducionismo
do mtodo subsuntivo e suas limita-es. 8
Paralelamente, foram verificados movimentos que buscavam a
desvinculao total do juiz de regras
predeterminadas de julgamento, como o naturalismo jurdico e a
jurisprudncia teleolgica.
Tambm a tcnica legislativa alterou-se substantivamente.
Ao legislador no mais era possvel antever todos os inmeros
conflitos, necessidades e interesses,
do multifacetado meio social. O casusmo legislativo, que
previamente define casos especficos para regu-lao legislativa,
prprio do legalismo jurdico, foi aos poucos se tornando
insuficiente.
Com a superao do mito de completude das codificaes, e a
supervenincia de um nmero cada vez maior de legislaes
extravagantes, destinadas a regular os novos institutos surgidos
com a evoluo 5 As lacunas (aparentes) deveriam sofrer uma correo no
ato interpretativo, no pela criao de nova lei especial, mas pela
reduo de um caso dado lei superior na hierarquia. Isto significava
que as leis de maior amplitude genrica continham, logi-camente, as
outras, na totalidade do sistema. Mediante o estabelecimento de uma
premissa maior, a qual conteria a diretiva legal genrica, e de uma
premissa menor, que expressaria o caso concreto, exsurgiria de um
raciocnio lgico subsuntivo a manifestao de um juzo concreto ou
deciso, sem haver valoraes e muito menos criao pelo intrprete. (cf.
FERRAZ JNIOR, Trcio Sampaio. A cincia do direito, 2 ed., So Paulo
Atlas, 2008, p. 33).6 Ver WIECKER, Franz, Histria do Direito
Privado Moderno, 3 edio, Fundao Calouste Gui Benkian, Lisboa,
Traduo de A. M. Botelho Hespanha, do original intitulado
Privatrechtsgeschichte Der Neuzeit Unter Besonderer Bercksichtigung
Der Deutschen Entwicklung, 2 edio, Revista Vandenhoeck &
Ruprecht, Gttingen, 1967, p. 665.7 WIECKER, Franz. Histria do
Direito Privado Moderno, op. cit., p. 666.8 Cf. LARENZ. Karl.
Metodologia da cincia do direito. 3 edio. Trad. Jos Lamego. Fundao
Calouste Gulbenkian. Lisboa. 1997, p. 63-82.
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econmica e social, 9 ia-se formando um direito especial,
paralelo ao direito comum estabelecido pelo Cdigo Civil, 10 e essas
novas previses nem sempre encontravam abrigo certo e definido em
textos pre-viamente antevistos pela tcnica da subsuno.
Assim, ante fragmentariedade dos interesses sociais, o
legislador via-se cada vez mais obrigado a estabelecer legislaes
abertas, vagas, utilizando-se de clusulas gerais, as quais
necessitavam de colma-tao valorativa para preenchimento de suas
hipteses, e conseqncias do caso concreto.
Passou-se a exigir, cada vez mais, do intrprete/aplicador da lei
uma maior sensibilidade para fato-res sociais afetos concretude e
realidade muitas vezes vulnervel de determinadas camadas sociais,
no preenchimento do caso concreto.
A incorporao definitiva de princpios estruturantes, com forte
vis valorativo e fora normativa,
necessrios para manter a integridade lgica e construir um
sistema baseado em alicerces fortes capazes de permear as exigncias
agora de um sistema axiologicamente aberto, fizeram-se cada vez
mais presentes
na realidade jurdica do direito a partir da segunda metade do
sculo XX.
O ps-positivismo, o neoconstitucionalismo, e a principiologia so
expresses que procuram trans-mutar o sistema fechado do positivismo
em algo permevel, perene e mutvel s exigncias da complexi-dade
social.
A cincia jurdica passou a se estruturar em normativas
dependentes de valoraes. O intrprete no somente valora a hiptese,
como cria a conseqncia, ou cria a hiptese e valora a conseqncia,
pauta-do em situaes concretas e integraes axiolgicas, as quais nem
sempre se encontram abstratamente previstas. Da que surgem os
chamados conceitos vagos, abertos, discricionrios, e,
especificamente, as
clusulas gerais.
A proposta do presente trabalho delinear o paradigma das
clusulas gerais, que ora passam efeti-vamente a sobrelevar
importncia na estruturao do sistema, necessitando de premissas
axiolgicas que circunscrevam o denominado reenvio efetivado com o
intrprete11, para os quais os valores constitucionais
(solidariedade, dignidade, estado democrtico, etc.) e os direitos
fundamentais so invocados, juntamente com as teorias que concedem
eficcia horizontal a estes direitos.
Ao final, tentar-se- expor algumas situaes na atual codificao
civil que remetem o intrprete
valoraes outras (extra-sistemticas) e so vetorizadas pela fonte
da jurisprudncia e da doutrina.
2. Premissas metodolgicas A evoluo da cincia jurdica e a adoo de
seu carter de sistema.
certo que no perodo da prxis romana houve inmeras tentativas
para dar cientificidade ao direito.
9 Nesse sentido, Ricardo Luiz Lorenzetti aponta: A crise das
vises totalizadoras fez explodir todo o texto unificado. Os
interesses so individuais ou setoriais, perfeitamente diferenciados
uns dos outros. No plano individual, o legislador depara-se com
problemas. Se tivssemos que tomar uma deciso legislativa sobre
temas polmicos, seramos obrigados a fazer uma lei para cada um
desses indivduos. (...) O problema das denominadas leis
promocionais, que subsidiam algumas atividades especficas, produziu
uma fragmentao de direitos e privilgios, que, por sua vez, provoca
novas presses setoriais, para obter equiparao com o que foi
alcanado por outro grupo ou super-lo. (LORENZETTI. Ricardo Luiz.
Fundamentos do Direito Privado. So Paulo, Ed. Revista dos
Tribunais., 1998, p. 53-54).10 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito
civil. 4 edio. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 06.11 Cf.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito privado, op. cit., p.
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Entretanto, uma das peculiaridades da cincia jurdica clssica
encontrava-se justamente na sua ausncia de cientificidade, em razo
de seu carter essencialmente dialtico, cuja racionalidade a levava
tipicamen-te para um saber eminentemente prudencial. 12
Por certo, os romanos, a partir de suas conquistas, recolheram
muito da experincia de outros povos antigos. Demoraram, contudo,
sculos para realizar a compilao de todo o seu legado de modo
completo e penetrante. Desde o sculo IV, o imprio teria se dividido
definitivamente, ficando, de um lado, o imprio
do ocidente, com sede em Roma, e de outro, o imprio do oriente,
com sede em Constantinopla.
A queda de Roma, por volta do ano de 476, simbolizou o fim do
imprio ocidental (e o incio da Ida-de Mdia), perodo caracterizado
pela invaso e o estabelecimento de uma srie de reinos germnicos no
ocidente. 13 Durante muito tempo na Idade Mdia, com a derrocada das
velhas instituies da antiguidade, e a influncia crescente dos povos
germnicos, os quais conservavam seu prprio direito
consuetudinrio,
o direito romano manteve-se reduzido a um direito consuetudinrio
provinciano, o direito romano vul-gar. 14
O imprio romano do oriente, contudo, resistiu por muito tempo,
tendo seu termo somente com a queda de Constantinopla em 1453 (o
que marca o incio da Idade Moderna). E foi l que as compilaes de
Justiniano (565), materializadas pelo Corpus iuris civilis, segundo
Caenegem, expressaram um dos mais clebres projetos legislativos da
Histria (...) o resultado final de dez sculos de evoluo jurdica.
O
Corpus iuris civilis assumiria o papel de mensagem para os
juristas futuros, expressando a compilao de uma seleo substancial
das obras de juristas clssicos e da legislao imperial. 15
Na Alta Idade Mdia, o mundo romano, notadamente com as invases
brbaras, foi largamente alcanado por culturas diversas. Este perodo
caracterizou-se eminentemente por uma sociedade arcaica, feudal e
agrria. Importantes progressos ocorreram no curso dessa transformao
do Ocidente, marcados pelo desenvolvimento do mercado e do comrcio,
pela derrocada dos regimes individualistas e a diminui-o dos
poderes dos senhores feudais, com a paulatina centralizao do poder
pelas autoridades monrqui-cas, segundo lembra Caenegem:
O estado nacional soberano tornou-se a forma dominante de
organizao poltica (...) A emergncia de autoridades nacionais deu-se
custa do imprio e impediu as tentativas germnicas de restaurar o
poder universal do Imprio Romano. Esse mesmo desenvolvimento
significou tambm a dimi-nuio do poder dos senhores feudais enquanto
o governo central afirmava-se e fortalecia-se. A
organizao da Igreja seguiu uma tendncia centralizadora
semelhante. (...) A economia poltica fechada e essencialmente
senhoril foi substituda por uma economia de mercado. Isso foi
sustenta-do (...) pela renovao e transformao da atividade econmica
em geral, ajudada pelo surgimento de numerosas cidades. (...)
16
A evoluo social foi notria. Caenegem assevera que expanso
econmica correspondeu uma expanso urbana. Anota que o ... sucesso
comercial dos negcios urbanos passou a regular a marcha do
desenvolvimento econmico do pas. Houve um profundo desenvolvimento
intelectual. O nvel cultural geral elevou-se de maneira
considervel, o que se refletiu particularmente na alfabetizao e no
uso cres-
12 Cf. FERRAZ JNIOR, Trcio Sampaio. A cincia do direito, 2 ed.,
So Paulo Atlas, 2008, p. 21.13 ROBERTO, Giordano Bruno Soares.
Introduo Histria do Direito Privado: op. cit., p. 09-10.14
CAENEGEM, R. C. van. Uma introduo histrica ao direito privado. 2
edio. So Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 25-6.15 CAENEGEM, R. C.
van. Uma introduo histrica ao direito privado, op. cit., p. 25-6.16
CAENEGEM, R. C. van. Uma introduo histrica ao direito privado. 2
edio. So Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 43-4.
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cente da lngua vernculo. 17
O pensamento racional tambm continuou a ganhar terreno. Foi
tambm nesse perodo que as uni-versidades surgiram e espalharam-se
por toda a Europa, trazendo consigo uma disciplina intelectual
base-ada nas grandes obras filosficas e jurdicas da Antiguidade
greco-romana. O pensamento antigo passou a
ser objeto de estudos intensos, o que culminou com a Renascena.
Com o aparecimento do mtodo cient-fico moderno, que era
experimental, houve a libertao enfim dos dogmas e dos argumentos
baseados na
autoridade. 18
A ascenso do absolutismo com a centralizao paulatina do poder
fez com que a atividade legi-ferante se tornasse cada vez mais
intensa, constituindo-se em contrapartida uma espcie de burocracia
jurdica, cada vez mais regionalizada, dando um cunho muito
particular e especfico ordem jurdica de
ento.
Com o surgimento das universidades, e o iderio do iluminismo, o
movimento jusnaturalista moder-no propriamente dito, expressado na
Europa ocidental por volta do sculo XVII, ganhou fora, e a cincia
jurdica comeou a dar seus primeiros passos em busca de uma
sistematizao. 19
A era moderna sobressaia-se espelhando uma nova concepo para o
direito natural cuja origem no era a natureza, como na antiguidade,
nem o direito divino, como no medievo, mas um fundamento nico
constitudo e integrado exclusivamente pela razo humana. 20 O
jusracionalismo provocou uma revoluo cultural. 21
Foi principalmente com o iderio de Hugo Grotius e de Samuel
Pufendorf, caracterizando o jus-naturalismo como um direito
eminentemente racional, que a cincia jurdica e o pensamento
sistemtico realizaram uma integrao mais profunda, isso por volta do
sculo XVII, tendo-se as primeiras noes de um contedo sistemtico do
direito.
Pode-se dizer que a maior contribuio do jusnaturalismo moderno
para o direito privado europeu foi efetivamente o seu carter de
sistema. Segundo o testemunho de Franz Wiecker, a jurisprudncia
euro-peia fora at aqui uma cincia da exegese e de comentrios de
textos isolados, tendo permanecido assim depois do fracasso do
projeto sistemtico do humanismo (glosadores). 22
O direito natural, contudo, no jusracionalismo, aproximou-se de
uma demonstrao lgica de um sistema fechado, tornando-se, em
contrapartida, nas palavras de Wiecker, na pedra de toque da
plausibi-lidade dos seus axiomas metodolgicos. 23 dizer, a
jurisprudncia da poca, a partir de ento, passou a representar um
carter lgico-demonstrativo de um sistema fechado, cuja estrutura
dominou e domina at
17 Cf. CAENEGEM, R. C. van. Uma introduo histrica ao direito
privado. op. cit., 1999, p. 43-4.18 Cf. CAENEGEM, R. C. van. Uma
introduo histrica ao direito privado. op. cit., 1999, p. 43-4.19
(CAENEGEM, R. C. van. Uma introduo histrica ao direito privado. 2
edio. So Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 165).20 Por meio de um
estudo racional, seria possvel descobrir os princpios que deveriam
reger a vida em sociedade. A partir desses princpios axiomticos,
outros mais especficos poderiam ser deduzidos, construindo-se,
assim, um completo sistema de normas. (ROBERTO, Giordano Bruno
Soares. Introduo Histria do Direito Privado e da Codificao. Ob.
cit., p. 20).21 Cf. WIECKER, Franz, Histria do Direito Privado
Moderno, 3 edio, Fundao Calouste Gui Benkian, Lisboa, Traduo de A.
M. Botelho Hespanha, do original intitulado Privatrechtsgeschichte
Der Neuzeit Unter Besonderer Bercksichtigung Der Deutschen
Entwicklung, 2 edio, Revista Vandenhoeck & Ruprecht, Gttingen,
1967, p. 228-9.22 WIECKER, Franz, Histria do Direito Privado
Moderno, 3 edio, Fundao Calouste Gui Benkian, Lisboa, Trad. A. M.
Botelho Hespanha, p. 309/310.23 WIECKER, Franz, Histria do Direito
Privado Moderno, 3 edio, Fundao Calouste Gui Benkian, Lisboa, Trad.
A. M. Botelho Hespanha, p. 309/310.
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hoje os cdigos e os compndios jurdicos.
A poca do jusracionalismo, que durou por dois sculos (sc.
XVII-XVIII), espelhou importante e direta influncia sobre a
legislao e a jurisprudncia da maior parte dos povos europeus. Seus
maiores
precursores, Hugo Grcio e Samuel Pufendorf, notadamente,
elaboraram as bases de um sistema meto-dolgico autnomo, puramente
racional, e por consequncia, completamente livre de dogmas
religiosos. Suas reflexes, nitidamente inspiradas em Galileu
Galilei (fundador da nova imagem fisicalista do mundo)
e Descartes (que formulou o conhecimento global do mundo
externo) 24, implementaram a fase lgico-sis-temtica do
jusnaturalismo (expressado como jusracionalismo, pela nfase na razo
humana).
Mais tarde, Christian Wolf desenvolveria ainda mais o pensamento
elaborado por Pufendorf, dando-lhe a conotao de que os princpios do
direito somente poderiam ser estabelecidos pelo mtodo
cientfi-co.25
Com o jusracionalismo a cincia jurdica adotou uma construo
conceitual, buscando fundamentar suas premissas atravs da exatido
matemtica da razo, tornando-se a poucas pocas uma expresso
sis-tematizada marcada pela pretenso de ordenao lgica de seus
prprios preceitos.
Segundo Franz Wiecker,
o jusracionalismo baseia-se, portanto, numa nova antropologia. O
homem aparece no mais como uma obra divina, eterna e desenhada
semelhana do prprio Deus, mas como um ser natural; a humanidade, no
mais (na primeira verso) como participante de um plano divino de
salvao ou (na ltima) como participante do mundo histrico, mas como
elemento de um mundo apreensvel atravs de leis naturais. 26
Por certo, o jusracionalismo pretendeu expurgar do ordenamento
positivo as normas que considera-va em desacordo com os princpios
superiores da razo, assim preparando caminho para uma construo
sistemtica autnoma. 27
Somente com a positivao dos ideais jusracionalistas, que o
Estado passou a representar uma es-truturao fundante nas novas
bases polticas assentadas na realizao do indivduo e na natureza
humana agora reconhecidamente livre e igual.28 O direito passa a no
mais inspirar-se em valores extra legen, e o
24 Descartes, em especial, consumou a matematizao da natureza
iniciada pela escolstica tardia, ao tornar sistematizvel, atravs da
reduo dimenso sujeito-objecto do Eu pensante e do mundo objectivo
extenso, a descrio da imagem do mun-do. Do ponto de vista
metodolgico, a construo sistemtica da experincia cientfica apenas
se consumou atravs do estrito raciocnio dedutivo que, progredindo a
partir dos axiomas, se justificou e orientou constantemente pela
observao emprica (da natureza externa, da sociedade humana, da alma
humana). (WIECKER, Franz, Histria do Direito Privado Moderno, op.
cit., p. 285).25 WIECKER, Franz, Histria do Direito Privado
Moderno, op. cit., p. 361.26 WIECKER, Franz, Histria do Direito
Privado Moderno, op. cit., p. 288.27 (...) porque o jusracionalismo
, ele prprio, um sistema fechado de verdades (isto , certezas) da
razo. Da o objetivo, poltico e ideolgico, que o levou a situar o
direito como um sistema que partisse de regras ou princpios gerais,
as quais, contra-postas ao direito vigente costumeiro e romanstico
-, apenas o validariam se evidenciada a concordncia entre esse e o
direito natural, cujos postulados assume como internos, conaturais
a uma essncia do prprio direito. (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no
direito privado: sistema e tpica no processo obrigacional. So
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 137-9).28 (...) no
final do sculo XVIII, conjugam-se vrios fatores que iriam
determinar o aparecimento das Constituies e infun-dir-lhes as
caractersticas fundamentais. Sob influncia do jusnaturalismo,
amplamente difundido pela obra dos contratualistas, afirma-se a
superioridade do indivduo, dotado de direitos naturais inalienveis
que deveriam receber a proteo do Estado. A par disso, desenvolve-se
a luta contra o absolutismo dos monarcas, ganhando grande fora os
movimentos que preconizavam a limitao dos poderes dos governantes.
Por ltimo, ocorre ainda a influncia considervel do Iluminismo, que
levaria ao extremo a crena na Razo, refletindo-se nas relaes
polticas atravs da exigncia de uma racionalizao do poder. A esto os
trs grandes objetivos, que, conjugados, iriam resultar no
constitucionalismo: a afirmao da supremacia do indivduo, a
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Estado, de um dia para o outro, passa de opressor a defensor do
esprito humano, em nome do livre merca-do. O Estado conteria em si
mesmo a liberdade, a igualdade e a propriedade, devendo garantir a
segurana e a ordem, e assegurar a participao calculada do cidado na
vida pblica.
Com o processo de transformao do Estado moderno para o Estado
liberal houve uma significativa
centralizao de suas fontes normativas, bem como da jurisdio, alm
do surgimento do constitucio-nalismo, tendo havido nessa medida uma
expanso latente no processo burocrtico, como salienta Jos Reinaldo
de Lima Lopes:
o Estado liberal e burgus que emergiu no sculo XIX teve a mesma
pretenso totalizante do mer-cado, da moeda e da mercadoria, e
obedeceu a uma expanso territorial e funcional contnuas. A
burocracia cresceu, o controle disciplinar cresceu, e a atividade
do jurista comeou a reduzir-se exegese da legislao. 29
Os juristas da poca passaram a findar-se num nico objeto - a lei
- cujas interpretaes se davam
atravs de requintados processos lgicos, eminentemente racionais
e intelectivos. O esplendor desse pero-do se deu com o advento da
conhecida Escola da exegese na Frana e dos pandectistas na
Alemanha.
O auge do positivismo legalista repercutiu no movimento das
codificaes. As aspiraes burguesas
cujo pice se deu nas revolues liberais, passaram a espelhar os
interesses predominantes da sociedade da poca. Os cdigos civilistas
foram relegados a constituies do direito privado, tudo exprimiam,
tudo previam, e de tudo cuidavam.
No incio do sculo XX, sobreveio o conhecido (sobretudo porque
inspirou o Cdigo Civil Brasilei-ro de 1916) Cdigo Civil alemo BGB
(Brgerliches Gesetzbuch), de inspirao na tcnica pandetstica de
Windscheid. Trouxe em seu bojo conceitos vagos e clusulas gerais,
as quais dependiam de preenchimento valorativo pelo
intrprete/aplicador.
Isto ocasionou na poca uma medida de instabilidade. que as
clusulas gerais serviam muitas ve-zes para premiar a parcialidade
judicial e os interesses ideolgicos, mas nem por isso no podem ser
vistas como um avano. Sua aplicabilidade esvaziava de sentido a
atividade subsuntiva, sem remeter a uma mo-ral bem definida, vez
que a codificao encontrava-se isolada como centro do direito
privado. No havia
princpio unificador. A codificao era o centro do direito
privado, e o preenchimento de seus conceitos
remetia a um subjetivismo judicial nem sempre desejvel. Segundo
Wiecker:
necessidade de limitao do poder dos governantes e a crena quase
religiosa nas virtudes da razo, apoiando a busca da racio-nalizao
do poder. (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do
Estado. 18. ed., atual. e ampl. So Paulo: Saraiva, 1994, p. 168).29
O ideal de uma cincia positiva, ou positivista, assenta-se na
tradio idealista da filosofia do fim do sculo XVIII. Em primeiro
lugar, define-se uma distino entre sujeito e objeto do conhecimento
e suas relaes recprocas. Em segundo lugar, prope uma objetividade
do conhecimento demonstrvel pela manipulao e pela experimentao.
Conhecer saber fazer, reproduzir e prever. A cincia ento destacada
da interpretao e da razo prtica, e associada razo instrumental e ao
clcu-lo. O universo tem uma linguagem matemtica, e possvel
conhec-la, prevendo os fenmenos. O empirismo associa-se, pois, ao
idealismo: a descoberta das leis e a formulao das hipteses
(elementos ideais) so verificadas, ou falsificadas, como diz
Popper, pela experimentao e pela observao. Claro que a observao
cientfica polmica por natureza, conhece-se contra o conhecimento
anterior. A discusso sobre o positivismo enorme e hoje em dia,
quando o positivismo d sinais de esgota-mento, esta discusso ainda
maior, pois a prpria tradio filosfica positivista apresenta
diversas correntes, e os que propem mtodos no positivistas tambm se
alinham em perspectivas diversas. No direito, o positivismo deu aos
juristas a sensao confortvel de que estavam ainda atualizados com o
desenvolvimento geral do pensamento. Se a cincia medieval se
confundia com a especulao gramaticada, e se a cincia moderna se
associava geometrizao do mundo, os juristas haviam, a seu tempo,
incorporado aquelas concepes de cincia. (...) elegeram um objeto e
o privilegiaram: a lei, o ordenamento positivo. (LOPES, Jos
Reinaldo de Lima. O direito na histria : op. cit., p. 203-4).
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DIREITO PRIVADO CONTEMPORNEO
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As clusulas gerais constituram uma notvel e muitas vezes
elogiada concesso pelo positivismo auto-responsabilidade dos juzes
e a uma tica social transpositiva, cujo padro propulsor para o
legislador foi constitudo pela organizao dada pelo praetor romano
ao judex para determinar o contedo da deciso de acordo com a bona
fides. O legislador transformou o seu trabalho atra-vs da referncia
boa-f, aos bons costumes, aos hbitos do trfego jurdico, justa
causa, ao carcter desproporcionado, etc. em algo de mais apto para
as mutaes e mais capaz de durar
do que aquilo que era de esperar. (...) O reverso das clusulas
gerais foi de h muito notado. Se a disciplina dogmtica do juiz se
torna mais rigorosa, d-se uma tentativa de fuga para as clusulas
gerais (Hedemann), para uma jurisprudncia voltada exclusivamente
para a justia e liberta da obedincia aos princpios; em pocas de
predomnio da injustia elas favorecem as presses polti-cas e
ideolgicas sobre a jurisprudncia e o oportunismo poltico. Mesmo
abstraindo destas pocas de degenerescncia, elas possibilitam ao
juiz fazer valer a parcialidade, as valoraes pessoais, o
arrebatamento jusnaturalista ou tendncias moralizantes do mesmo
gnero, contra a letra e contra o esprito da ordem jurdica. 30
Isso ocorreu exatamente pela ausncia de uma tendncia axiolgica
capaz de nortear a interpretao judicial na Alemanha do inicio do
sculo XX. No bastava o mero abandono de toda tcnica judicial at
ento construda, o que viria somente a agravar a insegurana e o
subjetivismo na deciso judicial. Havia a necessidade de uma
referncia axiolgica que, no Brasil, somente veio com a Constituio
Federal de 1988.
Sendo assim, se inicia a problematizao da melhor interpretao
para os conceitos vagos e a busca de um parmetro axiolgico para
circunscrever a aplicao das clusulas gerais, evitando-se assim o to
criticado subjetivismo judicial.
3. O incio da problematizao. Limitao do dogma da subsuno e
possvel interpretao evolucio-nista na colmatao de conceitos legais
indeterminados
O recuo do formalismo jurdico manifestou-se, assim, na libertao
do juiz da vinculao estrita das hipteses de fato previamente
definidas de modo estanque na lei. O estado social de direito
alterou a
funo da lei, e trouxe ao juiz a tarefa de ajustar o texto legal
a critrios de justia, cabendo ao intrprete incorporar as valoraes
incipientes da nova tica formada no mundo ps-guerra.
A percepo do reducionismo sofrido pela cincia jurdica com a
centralizao da teoria da subsun-o (e das interpretaes
subjetivista/objetivista31), e a profuso de ideias contrrias
exegese legalista, 32 30 WIECKER, Franz. Histria do Direito Privado
Moderno, 3 edio, Fundao Calouste Gui Benkian, Lisboa, Traduo de A.
M. Botelho Hespanha, do original intitulado Privatrechtsgeschichte
Der Neuzeit Unter Besonderer Bercksichtigung Der Deutschen
Entwicklung, 2 edio, Revista Vandenhoeck & Ruprecht, Gttingen,
1967, p. 546.31 Enquanto que o positivismo legalista propunha uma
interpretao da lei de acordo com as intenes do seu legislador
his-trico, o positivismo conceitualista prope o recurso fico de um
legislador razovel, de um legislador que vai integrando
(reescrevendo, reinterpretando) continuamente cada uma das normas
no seu contexto sistemtico, de modo a que o ordena-mento jurdico de
facto constitudo por uma mirade de normas contraditrias conserve
sempre a sua integridade e coerncia como sistema conceitual. O
sentido da norma decorre, assim, no de intenes subjectivas (do seu
legislador histrico), mas dos sentidos objectivos do seu contexto.
(HESPANHA, Antnio Manuel. Cultura Jurdica Europia: sntese de um
milnio; Fundao Boiteux, 2005, p. 400).32 As escolas
anticonceitualistas e antiformalistas, com o naturalismo jurdico, a
Escola do Direito Livre, a Escola Teleolgica de Jhering, alm da
Jurisprudncia dos Interesses, foram os movimentos que confrontaram
o mtodo subsuntivo de aplicao da lei, e travaram crticas ao mtodo
exegtico de aplicao do direito.
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fizeram com que houvesse releituras ao paradigma da codificao,
antes expresso de segurana jurdica
e estabilidade social. 33
A filosofia mudava, os interesses sociais se alteravam. A
conscincia era outra. A concepo vo-luntarista do direito, como
expresso da vontade individual, alterava-se. Os interesses
transcendentes ao individual eram dignos de proteo, sobretudo, os
interesses sociais objetivos (boa f contratual, dimenso social da
propriedade, finalidade da instituio familiar, etc.). A lgica,
agora, era utilitarista e transindi-vidual. 34
O conceitualismo e seus dogmas, herdados do formalismo kantiano,
que destacava a funo estrutu-rante do conhecimento jurdico, vinham
sendo superados. 35
A atividade judicante alcanava a possibilidade de criao do
direito, com medidas prprias de va-loraes pelo aplicador da lei,
lanando mo de valores transpessoais (coletivos) ou mesmo inerentes
ao sujeito-juiz (voluntarismo judicial).
O sculo XX foi marcado pela superao da dicotomia interpretao
objetivista/subjetivista (ou ligada ao reconstrutivismo da lei ou
ligada unicamente vontade do legislador). O mundo jurdico estava em
pautas de ver um novo processo de interpretao e aplicao do
direito.
Se o objetivismo redundou nos exageros formalistas do sculo XIX,
36 e o subjetivismo alcanou a vertente de debilitar as estruturas
clssicas do Estado de Direito37; a interpretao no Estado Social de
Direito via-se em meios de desvincular da vontade do legislador a
vontade da lei, lanando mos a um voluntarismo judicial regrado
pelos valores e princpios constitucionais38, com o intrprete
utilizando-se de valoraes transpessoais (coletiva) para proceder
colmatao dos conceitos vagos dispostos nos tex-tos escritos.
A teoria pura do direito de Kelsen, e seu tempo e a seu modo,
operou esta substituio, do volunta-rismo do legislador para o
voluntarismo do juiz, na medida em que para Kelsen, a interpretao
mais um ato de vontade que de cognio e quando o juiz se decide por
uma das possibilidades interpretativas, 33 Nesse sentido, Ricardo
Luiz Lorenzetti aponta: O direito civil codificado era
auto-suficiente, no necessitava de outros textos para solucionar
litgios. (...) Antes, se uma questo no podia ser resolvida segundo
as leis civis, recorria-se ao soberano. Agora, ao contrrio,
resolve-se mediante leis anlogas ou princpios gerais do direito.
Finalmente, o Cdigo foi expresso de uma ordem racional que propunha
transcender todos os tempos e latitudes. (LORENZETTI. Ricardo Luiz.
Teoria da Deciso Judicial. Fundamentos de Direito. Trad. Bruno
Miragem. Notas Cludia Lima Marques. So Paulo, Ed. Revista dos
Tribunais., 2009, p. 42-3).34 Nesse sentido: HESPANHA, Antnio
Manuel. Cultura Jurdica Europia: sntese de um milnio; Fundao
Boiteux, 2005, p. 405.35 Os dogmas conceitualistas (movimento
anterior do positivismo legalista jurisprudncia dos conceitos, ou
pandectstica) podem ser resumidos por Antonio Manuel Hespanha: (a)
a teoria da subsuno (Subsumtionslehre); (b) o dogma da plenitude
lgica do ordenamento jurdico; (c) a interpretao objetivista. (cf.
HESPANHA, Antnio Manuel. Cultura Jurdica Europia: sntese de um
milnio; Fundao Boiteux, 2005, p. 399-400).36 O objetivismo na
interpretao da lei e da Constituio exprimiu sempre a posio
predileta dos positivistas formais, da-queles que no sculo XIX,
confiantes em fatores reinantes de estabilidade, fizeram do
dogmatismo e do culto ou reverncia ao texto da lei o mais seguro
penhor das instituies produzidas pela estrutura poltica do Estado
de Direito. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22
ed., 2008, p. 455).37 A vontade do legislador, para essa clssica
concepo, baseada na vontade do povo, pessoa soberana, o que
redundou no voluntarismo judicial, e mais tarde serviu para
fundamentar, para a doutrina de Bonavides, os regimes nazistas e
fascistas.38 O voluntarismo o trao marcante da corrente
subjetivista. Ela se renova no sculo XX, com as modernas escolas de
in-terpretao, que substituem o voluntarismo do legislador pelo
voluntarismo do juiz. Assim, h sucedido, por exemplo, com os
juristas da livre investigao cientfica (Geny), do direito livre
(Kantorowicz) e da teoria pura do direito (Kelsen). (BONA-VIDES,
Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22 ed., 2008, p. 453).
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essa eleio ou preferncia se d fora da esfera terica, no mbito da
poltica do direito. 39
Karl Engish, comparando a interpretao jurdica objetivista
(adotada na poca do formalismo) com os limites do subjetivismo
judicial, em um primeiro momento exorta a hiptese de uma
interpretao his-trica do preceito, dizendo que quando a vontade do
legislador histrico no apreensvel, necessrio adotar-se a soluo mais
razovel, a qual, na dvida, deve ser considerada como aquela que o
legislador quis. 40
Aps, reconhecendo que nem sempre isto possvel (achar uma soluo
mais razovel e adot-la como a que o legislador quis), consente em
pressupor casos em que se teria de proceder a uma adaptao do
conceito legal com a poca do intrprete (desvinculando-o ento da
vontade do legislador histrico). Ter-se-ia, na lio de Engish, que
se verificar se no se ter porventura constitudo um Direito
consue-tudinrio que confere ao juiz legitimidade para,
despreendendo-se da vontade do legislador histrico, preencher o
texto da lei com um sentido ajustado ao momento actual, um sentido
razovel, adequado aos fins do Direito. 41
Ora, em hipteses como estas, ento, o texto teria vida autnoma,
porque se desvinculado do seu autor - o legislador histrico -
lanando efeitos e consequncias sobre a histria posterior que o
autor (o legislador) no poderia sequer imaginar. Aqui se diria,
seguindo as lies de Hans-George Gadamer, que seu autor (o
legislador) seria apenas um elemento ocasional, e a determinao do
verdadeiro sentido do texto somente se daria com a anlise dos
efeitos e consequncias que ele teria espelhado na histria
posterior. 42
Em outras palavras, para captar o verdadeiro sentido de um
texto, seria imprescindvel um ulterior juzo de adaptao com a
realidade social do momento em que ele interpretado, e no com o
contexto poltico e social da poca do legislador.
Se os textos legais no modelo de Estado atual so lanados cada
vez mais com conceitos vagos ou abertos, inafastvel a ideia de que
os ditos conceitos legais indeterminados tero de ser colmatados
mediante valoraes. E mais, dependendo da dimenso da indeterminao,
possvel sustentar uma total desvinculao do intrprete/aplicador da
lei ou mesmo da vontade do legislador histrico. Karl Engish, a este
respeito, alertou:
As leis, porm, so hoje, em todos os domnios jurdicos, elaboradas
por tal forma que os juzes e os funcionrios da administrao no
descobrem e fundamentam as suas decises to-somente atravs da
subsuno a conceitos jurdicos fixos, a conceitos cujo contedo seja
explicitado com
segurana atravs da interpretao, mas antes so chamados a valorar
autonomamente e, por vezes, a decidir e a agir de um modo
semelhante ao do legislador. E assim continuar a ser no futuro. Ser
sempre uma questo duma maior ou menor vinculao lei. 43 (grifos
nossos).
39 Hans Kelsen, Reine Rechtslehre, 1934, apud BONAVIDES, Paulo.
Curso de Direito Constitucional. 22 ed., 2008, p. 451-452.40
ENGISCH. Karl. Introduo ao Pensamento Jurdico. Fundao Calouste
Gulbenkian. Lisboa. Traduo J. Baptista Macha-do. 7 edio, 1996, p.
182.41 ENGISCH. Karl. Introduo ao Pensamento Jurdico. Ob. Cit., p.
183.42 Sobre a histria dos efeitos de Hans-George Gadamer ver:
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. Histria da filosofia. So Paulo:
Paulinas, 1990-1991. V. 3: Do romantismo at nossos dias, p. 632.43
ENGISCH. Karl. Introduo ao Pensamento Jurdico. Ob. Cit., p.
207.
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Nesse aspecto, os conceitos dos textos legais, para Engish,
muito raramente so absolutamente de-terminados (o autor considera
como tais os conceitos numricos, de medida ou os referentes a
valores monetrios - muito comuns no direito de Trnsito ou no
estabelecimento de valores pecunirios). Em sua maior parte, nos
fala o autor, os conceitos legais so predominantemente
indeterminados, pelo menos em parte. 44
A indeterminao, contudo, pode se dar em relao pluralidade de
sentidos (e nestes casos, deve-se interpretar a partir do contexto
do caso), ou em relao impreciso mesma dos limites do conceito
(indeterminao em sentido estrito). 45 A, diga-se, h de se falar em
indeterminao quando a subsuno, em virtude da pluralidade e
complexidade das consideraes a fazer, pode pr em causa a
univocidade do resultado, 46 e no to simplesmente quando a
interpretao do conceito levante dvidas, caso em que caberia
atividade judicial a tarefa de eliminar esta dvida (nesse sentido,
inclusive, j tratava Kelsen).47
A indeterminao em sentido estrito, portanto, ser aferida quando
houver pluralidade de sentidos de uma palavra que exprime o
conceito (quando bastar utilizar-se de uma interpretao progressista
ou evolucionista48), ou quando houver uma impreciso dos limites do
conceito (o que Phillip Heck denomina de halo do conceito49), mas
devendo esta ltima impreciso levar a dificuldade (ou
impossibilidade) de se encontrar um nico resultado com a utilizao
da subsuno, e no meramente levantar dvidas que podero ser dirimidas
pelo rgos judicial. 50
Assim, estes conceitos que possuem seus limites imprecisos51
podem ser conceitos descritivos, ou normativos. Os conceitos
descritivos so facilmente determinveis pela observncia da
realidade, pois diz Engisch que designam descritivamente objetos
reais ou objetos que de certa forma participam da rea-lidade, isto
, objetos que so fundamentalmente perceptveis pelos sentidos ou de
qualquer outra forma percepcionveis. 52 Os conceitos normativos,
contudo, operam aquilo que o autor denominou de refe-rncia a
valores, a saber, a referncia do contedo e da extenso de todo o
conceito jurdico s especificas
idias valorativas do Direito. 53
Desse modo, os conceitos indeterminados normativos (de limites
imprecisos) que fazem/levam o intrprete a uma referncia valorativa,
acabam por se remeter a institutos do direito. Ou seja, a valorao
que os permeia so valoraes encampadas pelo direito. Contudo, estas
valoraes encampadas pelo di-reito, podem ocorrem de maneira direta
ou indireta. Direta quando o sentido normativo preenchido pelo
prprio significado do conceito, como por exemplo: Casamento,
funcionrio pblico, menor, etc.
Indireta quando o conceito, apesar de descrever um fato ou ato
do mundo tangvel, necessita se referir 44 ENGISCH. Karl. Introduo
ao Pensamento Jurdico. Ob. Cit., p. 209.45 Nesse sentido: ENGISCH.
Karl. Introduo ao Pensamento Jurdico. Ob. Cit., nota n. 03, p.
259.46 Nesse sentido BACHOF, citado por ENGISCH. Karl. Introduo ao
Pensamento Jurdico. Ob. Cit., nota n. 03, p. 260.47 Assim, mesmo,
sustentava a teoria pura de Kelsen, na medida em que para ele
caberia ao julgador a escolha de um dos sen-tidos, para dirimir a
dvida, e realizar a subsuno, mediante a discricionariedade prpria
do julgador. 48 Como aquela em que o intrprete faz um juzo
posterior de adaptao da norma ao contexto social em que
interpretada (hoje se diria em relao ao contexto axiolgico
constitucional).49 Com Phillip Heck, podemos distinguir nos
conceitos jurdicos indeterminados um ncleo conceitual e um halo
conceitual. Sempre que temos uma noo clara do contedo e da extenso
dum conceito, estamos no domnio do ncleo conceitual. Onde as dvidas
comeam, comea o halo conceitual. (ENGISCH. Karl. Introduo ao
Pensamento Jurdico. Ob. Cit., p. 209).50 Tudo conforme ENGISCH.
Karl. Introduo ao Pensamento Jurdico. Ob. Cit., p. 209.51 Chamados
pelo autor de conceitos relativamente determinados (quando ao halo
conceitual de Heck). E que deferem-se dos absolutamente
determinados, quanto ao ncleo conceitual.52 Tudo conforme ENGISCH.
Karl. Introduo ao Pensamento Jurdico. Ob. Cit., p. 210.53 Tudo
conforme ENGISCH. Karl. Introduo ao Pensamento Jurdico. Ob. Cit.,
p. 210.
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normatividade do direito para dar sentido ao conceito (por
exemplo, coisa alheia, significa que pertence
a outrem, ou seja, necessrio pressupor o regime jurdico da
propriedade). 54
Agora, h os conceitos indeterminados normativos que efetivamente
necessitam de uma valorao advinda ou do subjetivismo do intrprete
(conceitos discricionrios), ou de uma valorao preexistente no seio
da coletividade. 55 Estes conceitos, sim, necessitam de
preenchimento valorativo, e somente a se estar a referir limitao
teoria da subsuno.
Abre-se, assim, o questionamento de qual mtodo de interpretao
caracterstico a ser usado para se aferir o preenchimento
valorativo, e qual a pauta de valores utilizada para o balizamento
deste preenchi-mento.
A doutrina moderna vem, aos poucos, respondendo estes
questionamentos de modo a remeter o intrprete a princpios jurdicos
e valoraes advindas da Constituio, mediante uma interpretao que
opera reenvios. Partiremos, ento, primeiramente, para a definio da
metdica interpretativa, para somen-te aps tentar conceituar as
clusulas gerais e diferenci-las dos ento conceitos legais
indeterminados.
4. A ruptura das codificaes. O declnio das aspiraes burguesas, e
a ascenso das pautas axiolgicas constitucionais.
Neoconstitucionalismo e neopositivismo. A nova hermenutica e as
clusulas gerais.
As codificaes oitocentistas eram tidas como constituies do
direito privado, pois pautavam
seus valores fundamentais no indivduo e na sua relao com o
patrimnio, 56 assumindo o papel de es-tatuto nico e monopolizador
das relaes privadas. Almejavam a completude, destinando-se a
regular atravs de situaes-tipo, todos os possveis centros de
interesse jurdico de que o sujeito privado viesse a ser titular, de
modo que o direito pblico no viria de nenhuma forma interferir na
esfera privada. 57 Este mundo da segurana, retratado pelas grandes
codificaes privadas, entra em declnio na Europa j do final
do sculo XIX, conforme preleciona Gustavo Tepedino:
Os movimentos sociais e o processo de industrializao crescentes
do sculo XIX, aliado s vi-cissitudes do fornecimento de mercadorias
e agitao popular, intensificadas pela ecloso da
Primeira Grande Guerra, atingiriam profundamente o direito civil
europeu, e tambm, na sua es-teira, o ordenamento brasileiro, quando
de tornou inevitvel a necessidade de interveno estatal cada vez
mais acentuada na economia. O Estado legislador movimentava-se ento
mediante leis
54 Cf. ENGISCH. Karl. Introduo ao Pensamento Jurdico. Ob. Cit.,
p. 212.55 ENGISCH. Karl. Introduo ao Pensamento Jurdico. Ob. Cit.,
p. 213.56 O direito privado clssico, nas palavras de Gustavo
Tepedino, se ocupava em regular a atuao dos sujeitos de direito,
nota-damente o contratante e o proprietrio, os quais, por sua vez,
a nada inspiravam seno ao aniquilamento de todos os privilgios
feudais: poder contratar, fazer circular as riquezas, adquirir bens
como expanso da prpria inteligncia e personalidade, sem restries ou
entraves legais. (...) Ao direito civil cumpriria garantir
atividade privada, e em particular ao sujeito de direito, a
estabilidade proporcionada por regras quase imutveis nas suas
relaes econmicas. Os chamados riscos do negcio, advindos do sucesso
ou do insucesso das transaes, expressariam a maior ou menor
inteligncia, a maior ou menor capacidade de cada indivduo.
(TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4 edio. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. p. 02-03)57 O Cdigo Civil de 1916, bem se sabe,
fruto da doutrina individualista e voluntarista que, consagrada
pelo Cdigo de Napoleo e incorporada pelas codificaes posteriores,
inspiraram o legislador brasileiro quando, na virada do sculo,
redigiu o nosso primeiro Cdigo Civil. quela altura, o valor
fundamental era o indivduo. (...) o Cdigo Civil Brasileiro, como os
outros cdigos de sua poca, era a Constituio do direito privado. De
fato, cuidava-se da garantia legal mais elevada quanto disciplina
das relaes patrimoniais, resguardando-as contra a ingerncia do
Poder Pblico ou de particulares que dificultassem a circulao de
riquezas. O direito pblico, por sua vez, no interferiria na esfera
privada, assumindo o Cdigo Civil, portanto, o papel de estatuto
nico e monopolizador das relaes privadas. (TEPEDINO, Gustavo. Temas
de direito civil. 4 edio. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.
02-03)
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extracodificadas, atendendo s demandas contingentes e
conjunturais, no intuito de reequilibrar o
quadro social delineado pela consolidao de novas castas
econmicas, que se formavam na ordem liberal e que reproduziam, em
certa medida, as situaes de iniqidade que, justamente, o iderio da
Revoluo Francesa visava a debelar. 58
Pautada pela efervescncia social e cultural, num mundo onde a
industrializao latente desestrutu-rou a estabilidade formada pela
unio dos interesses anteriormente priorizada, a sociedade como um
todo passa a no mais reger-se por uma nica e exclusiva classe
hegemnica, desaparecendo o sujeito social nico a ser ouvido, o
sujeito comum, aquele desenhado na esteira da Revoluo Francesa pelo
princpio da igualdade, abstrata, frente lei. 59 A sociedade
torna-se, a poucas pocas, um mundo massificado, complexo;
massificao social corresponder o desenvolvimento irreversvel de um
novo pluralismo social. 60
Isso corresponde a dizer que a sociedade passou a deter
peculiaridades que transpassaram a unidade concreta das relaes
sociais 61, na medida em que a lei no mais representa uma nica e
cristalina classe hegemnica.
No mais se puderam acomodar num nico e exclusivo cdigo todos os
interesses em que converge o multifacetado meio social. Custou-se a
perceber, nas palavras de Martins-Costa, que no teria mais sentido,
nem funo, o cdigo total, totalizador e totalitrio, aquele que, pela
interligao sistemtica de regras casusticas, teve a pretenso de
cobrir a plenitude dos atos possveis e dos comportamentos devidos
na esfera privada, prevendo solues s variadas questes da vida civil
em um mesmo e nico corpus legislativo, harmnico e perfeito em sua
abstrata arquitetura. 62 Por certo o dogma da identidade entre o
direito e a lei foi definitivamente superado.
Notadamente, a multiplicidade de textos legais, nas palavras de
Judith Martins-Costa, abalou fundamentalmente a estrutura
codificada, 63 uma vez que a cada interesse presente na sociedade,
frente a cada sujeito social dissonante, forte e ao mesmo tempo
independente, correspondeu um micro-sistema legislativo
multidisciplinar, o que mais tarde, na lio da autora, viria,
juntamente com outros fatores, a impossibilitar a integridade lgica
do sistema, esboando-se ento um mundo marcado pela inseguran-a,
onde a imprevisibilidade das decises judiciais no raro afronta a
estabilidade social. 64
58 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4 edio. Rio de
Janeiro: Renovar, 2008. p. 04.59 ... no h apenas um nico sujeito
social a ser ouvido, no h mais um sujeito comum, como aquele
desenhado na esteira da Revoluo Francesa pelo princpio da
igualdade, abstrata, frente lei. (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no
direito privado: sistema e tpica no processo obrigacional, op.
cit., p. 281)60 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito privado,
op. cit., p. 280.61 As expresses usadas por Judith Martins Costa,
de unidade formal do Estado e unidade concreta das relaes sociais
refletem a sociedade oitocentista, assentada na propriedade
fundiria e no liberalismo econmico, com uma unssona classe
hegemnica, dotada de um sistema jurdico completo, pleno, total,
harmnico e autorreferente das leis civis. O cdigo era tido como a
Constituio da vida privada, e, portanto, a unidade das relaes
sociais representada pela unidade da classe hege-mnica se refletia
na unidade legislativa que o cdigo continha. (cf. MARTINS-COSTA,
Judith. A boa-f no direito privado, op. cit., p. 277).62
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito privado, op. cit., p.
282.63 As leis se multiplicam no s em nmero, mas na modalidade
expressiva e sinttica. A sua linguagem mltipla e discordan-te,
prolixa e ambgua, declamatria e programtica est, enfim,
completamente esquecida do desejo voltariano da lei claire,
uniforme et prcise. Afasta-se para longe o mito de uma linguagem
unitria, matematizante, desenvolvida segundo regras de interpretao
precisas que atuem, para o intrprete, como critrios constantes e
unvocos de leitura. (MARTINS-COSTA, Ju-dith. A boa-f no direito
privado, op. cit., p. 282).64 Hoje vive-se, diversamente, no mundo
da insegurana. Esta no reside apenas na circunstncia da
multiplicidade de textos legais que abalaram a estrutura
codificada, mas, fundamentalmente, na impossibilidade de manter-se,
no universo em que vive-mos, a integridade lgica do sistema.
(MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito privado: sistema e tpica
no processo
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Neste mundo da imprevisibilidade, a complexidade das demandas
exige do legislador e do intrprete maior sensibilidade para fatores
sociais afetos concretude e realidade muitas vezes vulnervel de
de-terminadas camadas sociais, de sorte que a tcnica legislativa e
a fundamentao do sistema alteraram-se substancialmente, com a
incorporao de princpios estruturantes, com forte vis valorativo e
fora nor-mativa, tratando-se agora de um sistema aberto, permevel,
perene e mutvel de acordo com as exigncias da complexidade
social.
O direito do novo sculo um sistema aberto a valores. Canaris
observa que essa abertura vale tanto para o sistema cientfico
quanto para o sistema da ordem jurdica, a propsito do primeiro, a
abertura significa a incompletude (e a provisoriedade) do
conhecimento cientifico, e a propsito do ltimo, a muta-bilidade dos
valores jurdicos fundamentais. 65
Essa ideia de abertura traduz a permeabilidade do ordenamento
jurdico a elementos externos, a valoraes principiolgicas, e
intersubjetivas. A autoconteno do judicirio representou reflexo dos
hor-rores do mundo ps-guerra, e a preocupao com os valores fez com
que fosse alado a dignidade da pes-soa humana a principio
unificador do sistema, a se irradiar em todas as relaes sociais,
seja entre poder
pblico e individuo, seja entre particulares (eficacia horizontal
dos direitos fundamentais).
A tcnica legislativa at ento eminentemente casustica66, abriu
lugar discusso acerca de valores e princpios normativos atuantes no
universo jurdico.
Trazidos ao ordenamento mediante conceitos vagos, programticos,
elsticos, etc., e interpretaes evolucionistas, os valores
integrativos das normas, em conformao com o arcabouo
constitucional, for-mam o novo paradigma da cincia do direito.
O neoconstitucionalismo, embasado na nova concepo trazida pelo
ps-positivismo67, promoveu uma nova releitura da constituio,
alando-a como pauta axiolgica, como tbua de valores capaz de
nor-tear a aplicao de textos legais infraconstitucionais. dizer, as
legislaes infraconstitucionais passaram a somente deter validade
material se constitucionalmente recepcionadas, ou seja, se em
harmonia com as valoraes subjacentes ordem constitucional. E a
Constituio passou a regular toda a interveno estatal na economia,
inclusive lanando princpios e diretrizes que alcanariam o direito
privado, maculando ou ao menos relativizando a separao entre as
esferas do direito pblico e privado.
Hoje, se observa, segundo Martins-Costa, uma crescente atuao da
rbita estatal na regulao do
obrigacional. Op. cit., p. 276).65 CANARIS, Claus-Wilhelm.
Pensamento sistemtico e conceito de sistema na cincia do direito.
Fundao Calouste Gul-benkian, 3 edio, Lisboa, 2002, p. 281.66 O
casusmo legislativo a que se refere quando o legislador antev
determinados casos especficos (hipteses ou preceito primrio) e
previamente define abstramente suas conseqncias fticas (preceito
secundrio).67 O ps-positivismo o marco filosfico do
neoconstitucionalismo. Segundo Luis Roberto Barroso: A superao
histrica do jusnaturalismo e o fracasso poltico do positivismo
abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de
reflexes acerca do Direito, sua funo social e sua interpretao. O
ps-positivismo busca ir alm da legalidade estrita, mas no despreza
o direito posto. Procura empreender uma leitura moral do Direito,
mas sem recorrer a categorias metafsicas. A interpretao e aplicao
do ordenamento jurdico ho de ser inspiradas por uma teoria de
justia, mas no podem comportar voluntarismos ou personalismos,
sobretudo os judiciais. No conjunto de ideias ricas e heterogneas
que procuram abrigo neste paradigma em construo incluem-se a
atribuio de normatividade aos princpios e a definio de suas relaes
com valores e regras; a reabi-litao da razo prtica e da argumentao
jurdica; a formao de uma nova hermenutica constitucional; e o
desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada
sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se
uma reaproximao entre o Direito e a filosofia. BARROSO, Lus
Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalizao do Di-reito. O
triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi,
Teresina, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponvel em: . Acesso em: 21
fev. 2010.
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mundo dos privados mediante, inclusive, o estabelecimento de
polticas pblicas e a elaborao de nor-mas diretivas e a aceitao
efetiva da fora normativa da Constituio sobre o direito privado,
inclusive
para o efeito da aplicao direta de seus princpios na legislao
ordinria. 68
Assim, ainda seguindo a doutrina de Martins-Costa, as codificaes
no mais espelham, em suas
palavras, a estrutura que, geometricamente desenhada como um
modelo fechado pelos iluministas, en-controu a mais completa traduo
na codificao oitocentista. Hoje a sua inspirao, mesmo do ponto
de
vista da tcnica legislativa, vem da Constituio, farta em modelos
jurdicos abertos. Sua linguagem, di-ferena do que ocorre com os
cdigos penais, no est cingida rgida descrio de fattispecies
cerradas, tcnica da casustica. Um cdigo no-totalitrio tem janelas
abertas para a mobilidade da vida, pontes que ligam a outros corpos
normativos mesmo os extrajurdicos e avenidas, bem trilhadas, que o
vinculam,
dialeticamente, aos princpios e regras constitucionais. 69
Por certo, alguns valores j se inscreviam no sistema desde longa
data, mas sofreram releituras, e ou-tros passaram a ter uma nova
dimenso, sendo incorporados recentemente, mediante a praxis da
aplicao das clusulas gerais e dos conceitos jurdicos
indeterminados. 70
Assim, o Cdigo Civil Brasileiro de 2002 incorporou inmeros
conceitos jurdicos indetermina-dos e clusulas gerais, tornando-se
imprescindvel, conforme a lio de Tepedino, que se realize uma
inter-referncia interpretativa entre a codificao e a Constituio, in
verbis:
O novo Cdigo Civil brasileiro, inspirado nas codificaes
anteriores aos anos 70, introduz inme-ras clusulas gerais e
conceitos jurdicos indeterminados, sem qualquer outro ponto de
referncia valorativo. Torna-se imprescindvel, por isso mesmo, que o
intrprete promova a conexo axiol-gica entre o corpo codificado e a
Constituio da Repblica, que define os valores e os princpios
fundantes da ordem pblica. Desta forma, d-se um sentido uniforme
s clusulas gerais, luz da principiologia constitucional, que
assumiu o papel de reunificao do direito privado, diante da
pluralidade de fontes normativas e da progressiva perda de
centralidade interpretativa do Cdigo Civil de 1916. Dito
diversamente, as clusulas gerais do novo Cdigo Civil podero
representar uma alterao relevante no panorama do direito privado
brasileiro desde que lidas e aplicadas se-gundo a lgica da
solidariedade constitucional e da tcnica interpretativa
contempornea. 71
68 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito privado: sistema e
tpica no processo obrigacional, op. cit., p. 282).69 MARTINS-COSTA,
Judith. A boa-f no direito privado, op. cit., p. 285.70 BARROSO,
Luis Roberto, op. cit., Revista Acadmica Brasileira de Direito
Constitucional, p. 42. Cita-se, por relevante, trecho de sua
entusiasta doutrina: As denominadas clusulas gerais ou conceitos
jurdicos indeterminados contm termos ou expresses de textura
aberta, dotados de plasticidade, que fornecem um incio de
significao a ser complementado pelo intrprete, levando em conta as
circunstncias do caso concreto. A norma em abstrato no contm
integralmente os elementos de sua aplicao. Ao lidar com locues como
ordem pblica, interesse social e boa f, dentre outras, o intrprete
precisa fazer a valorao de fatores objetivos e subjetivos presentes
na realidade ftica, de modo a definir o sentido e o alcance da
norma. Como a soluo no se encontra integralmente no enunciado
normativo, sua funo no poder limitar-se revelao do que l se contm;
ele ter de ir alm, integrando o comando normativo com a sua prpria
avaliao. As clusulas gerais no so uma categoria nova no Direito de
longa data elas integram a tcnica legislativa nem so privativas do
direito constitucional po-dem ser encontradas no direito civil, no
direito administrativo e em outros domnios. No obstante, elas so um
bom exemplo de como o intrprete co-participante do processo de
criao do Direito. Um exemplo real, amplamente divulgado pela
imprensa: quando da morte da cantora Cssia Eller, disputaram a
posse e guarda do seu filho, poca com cinco anos, o av materno e a
companheira da artista. O critrio fornecido pela Constituio e pela
legislao ao juiz era o de atender ao melhor interesse do menor. Sem
o exame dos elementos do caso concreto e sua adequada valorao, no
era possvel sequer iniciar a soluo do problema. (BARROSO, Lus
Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalizao do Direito. O
triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi,
Teresina, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005. Disponvel em: . Acesso em: 21
fev. 2010).71 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Tomo II.
Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 07-8.
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Hoje, o ordenamento como um todo sustentado por princpios e
valores fundantes que agasalhados pela Constituio contm fora
normativa genrica e status de normas jurdicas.
As normas-princpio, ademais, so tidas como um sustentculo, uma
base inquebrantvel, os prin-cpios so ordenaes que se irradiam e
imantam nos sistemas de normas, so - como observam Gomes Canotilho
e Vital Moreira - ncleos de condensao nos quais confluem valores e
bens constitucionais 72.
Mais um vez, Luis Roberto Barroso explicita:Os princpios do
unidade e harmonia ao sistema; integrando suas diferentes partes e
atenuando tenses normativas. De parte isto, servem de guia para o
intrprete, cuja atuao deve pautar-se pela identificao do princpio
maior que rege o tema apreciado, descendo do mais genrico ao
mais especfico, at chegar formulao da regra concreta que vai
reger a espcie. Estes os papis
desempenhados pelos princpios: a) condensar valores; b) dar
unidade ao sistema; c) condicionar a atividade do intrprete. 73
Com efeito, os princpios foram acobertados pelo ordenamento
jurdico como bases estruturais que sustentariam a partir de ento a
convivncia humana. Incorporados nas legislaes dos Estados mundiais
e nas Constituies, os princpios jurdicos abriram campo de pesquisa
para uma nova concepo legislativa e de prxis jurdica. Sua fora
normativa exsurgiu de seu enquadramento hierrquico-normativo como
espcies de normas, gerais ou constitucionais, assim como o so as
regras. 74
72 SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional
positivo. 23 ed. So Paulo: ed. Malheiros, 2004, p.92.73 BARROSO,
Luis Roberto, ob. cit., Revista Acadmica Brasileira de Direito
Constitucional, n. 1, 2001, p. 43. 74 As regras se aplicam mediante
subsuno. So proposies normativas que contm um comando objetivo na
forma de tudo ou nada, ou so aplicadas na sua plenitude ou so
violadas. Conforme assevera Barroso, se os fatos nela previstos
ocorrerem, a regra deve incidir de modo direto e automtico,
produzindo seus efeitos. No incidir, no entanto, se for invlida, se
houver outra mais especfica ou se no estiver em vigor (BARROSO,
Luis Roberto, ob. cit., Revista Acadmica Brasileira de Direito
Constitucional, n. 1, 2001, p. 44). Quando h conflito entre as
regras, se aplica uma em detrimento da outra, que violada. Assim
sendo, quando a situao no pode ser regida simultaneamente por duas
disposies legais que se contraponham, h trs tradicionais critrios
que devem ser aplicados, conforme ensina Norberto Bobbio: o da
hierarquia pelo qual a lei superior prevalece sobre a inferior; o
cronolgico onde a lei posterior prevalece sobre a anterior; e o da
especializao em que a lei especifica prevalece sobre a lei geral
(BOBBIO, Norberto, Teoria do ordenamento jurdico, 1990, p. 81 e
ss). Os princpios, entretanto, segundo Robert Alexy, devem se
aplicar de forma mais ou menos intensa e de acordo com as
possibilidades jurdicas existentes, sem nunca excluirem-se
mutuamente, no comprometendo jamais a validade que detm no
ordenamento jurdico. (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos
fundamentales, Madrid: Centro de Estdios Constitucionales, 1997, p.
81 ss). Quando ocorre coliso entre os princpios, em funo de seu
maior grau de abstrao e amplitude, os critrios anteriormente
narrados no so plenamente satisfatrios. No se pode simplesmente
aplicar um em detrimento do outro. Por esse motivo, entra em cena a
tcnica denominada ponderao de valores ou ponderao de interesses,
pela qual se busca estabelecer o peso relativo de cada um dos
princpios contrapostos, devendo-se aplicar no caso concreto cada
qual na medida de suas possibilidades e valores condizentes e
harmonizveis com a situao especfica. Dessa forma, no h que se falar
em excluso mas sim em ponderao entre princpios. Devendo-se levar em
conta sempre a importncia que os bens jurdicos cotejados tm no caso
concreto bem como as peculiaridades de cada situao em especfico.
Isso pode ser percebido no julgamento do HC n. 82.424/RS. O STF
identificou um conflito envolvendo os princpios da dignidade da
pessoa humana e da liberdade de expresso. No houve nesse caso, em
momento algum, diga-se, excluso de um princpio em detrimento de
outro, ou, sequer que existe hierarquia entre ambos. Houve que
foram ponderados por meio de uma aplicao gradual. Como bem
reconheceu o Ministro Marco Aurlio em seu voto, as colises entre
princpio (sob essa tica) somente podem ser superadas se algum tipo
de restrio ou de sacrifcio forem impostas a um ou aos dois lados.
Enquanto o conflito entre regras resolve-se na dimenso da validade,
(...) o choque de princpios encontra soluo na dimenso do valor, a
partir do critrio da ponderao, que possibilita um meio-termo entre
a vinculao e a flexibilidade dos direitos. (SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. HC n. 82.424/RS). Sem embargo, tal desenvoltura deve por
certo, sempre e inelutavelmente, balizar-se pelos mais rgidos
critrios outorgados pelos postulados da razoabilidade,
proporcionalidade e proibio dos excessos (normas de segundo grau),
esses que servem de parmetros para a aplicabilidade das normas (de
primeiro grau) no sistema jurdico. Assim, seguindo a doutrina de
Humberto vila, possvel distinguir os postulados (de maneira
simplria) da seguinte forma: a) razoabilidade se caracteriza pelo
exame concreto-indivi-dual dos bens jurdicos envolvidos em razo da
particularidade ou excepcionalidade do caso individual; b)
proporcionalidade se refere a um exame abstrato da relao meio-fim,
e a c) proibio dos excessos diz respeito a que uma norma ao ser
aplicada no pode invadir o ncleo essencial de um principio de ordem
fundamental do cidado. (ver VILA, Humberto. A teoria dos princpios
e o direito tributrio. Revista Dialtica de Direito Tributrio, So
Paulo, v. 125, p. 33-49, fev. 2006).
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E, por sua vez, os conceitos vagos (entre os quais estariam as
clusulas gerais e os conceitos legais indeterminados), da mesma
forma, so pontes que, legislativamente incorporadas, permeiam
valores im-plcitos ou mesmo expressos em princpios
constitucionalmente recepcionados para o interior do sistema. Se
aplicam por intermdio deles - princpios, mediante um processo de
reenvio a uma valorao tipici-zante (Martins-Costa)75 ou mesmo a um
valor constitucional76, e trazem linguagem legislativa uma nova
concepo de lei, mais aberta, mais perene e atual, e muito mais
ligada equidade, por ser moldvel e adaptvel ao caso concreto, na
forma da mensurao equitativa do intrprete. Na pertinente ponderao
de Martins-Costa:
Notadamente na segunda metade deste sculo, a tcnica legislativa
foi radicalmente transformada, assumindo a lei caracteristicas de
concreo e individualidade que eram prprias dos negcios pri-vados:
no mais a lei como kanon abstrato e geral de certas aes, mas como
resposta a especficos e determinados problemas. Irrompem na
linguagem legislativa indicaes de valores, de progra-mas e de
resultados desejveis para o bem comum e a utilidade social,
terminologias cientficas,
econmicas, sociais, compatveis com os problemas da idade
contempornea. Tem sido observada a formulao, nos cdigos civis mais
recentes e nas leis especiais, de certos tipos de normas que fo-gem
ao padro tradicional, enucleado na definio, o mais perfeita
possvel, de certos pressupostos
e na correlata indicao punctual e pormenorizada de suas
consequncias. Estas normas buscam a formulao da hiptese legal
mediante o emprego de conceitos cujos termos tm significados
in-tencionalmente imprecisos e abertos, os chamados conceitos
jurdicos indeterminados. Em outros casos verifica-se a ocorrncia de
normas cujo enunciado, ao invs de traar punctualmente a hip-tese e
as suas consequncias, intencionalmente desenhada como uma vaga
moldura, permitindo, pela abrangncia de sua formulao, a incorporao
de valores, princpios, diretrizes e mximas de conduta originalmente
estrangeiros ao corpus codificado, bem como a constante formulao de
novas normas: so as chamadas clusulas gerais.77
A interpretao, portanto, ganhou nova perspectiva. A atividade
hermenutica, que no mundo oi-tocentista estava fortemente ancorada
a um modelo esttico, baseado na letra posta da lei, alou rumo
progressivo. O texto legal, antes ampliado condio de objeto
exclusivo da interpretao jurdica, hoje mero caminho para o
intrprete percorrer: Se quiser chegar a uma concluso eqitativa,
dever permear o texto legal, pela abrangncia de suas formulaes, com
valores e princpios constitucionais, ou mximas de conduta orindos
de elementos valorativos tipicizados78.
Isso corresponde a dizer que o intrprete agora no mais se apega
unicamente ao literal e objetivo (oriundo da lei ou da vontade do
legislador), mas se subjaz da principiologia e das valoraes
adjacentes ao ordenamento, para colmatar os conceitos jurdicos
abertos ou indeterminados e as clusulas gerais ope-
75 Por valorao tipicizante podemos entender seguindo a doutrina
de Martins-Costa a regra social que detendo relevo e re-calcitrncia
no seio da sociedade, so objetivamente vigentes no ambiente social,
formando um arqutipo devidamente operado pela fonte
jurisprudencial. (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito
privado, op. cit., p. 334-7)76 Apresentam-se os valores
constitucionais da solidariedade, da dignidade, da funo social, do
Estado Democratico de Direito.77 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no
direito privado, op. cit., p. 285-6.78 Expresso que enfatiza uma
aspirao social relevante para o direito, porque constitui um modelo
jurdico, ou estrutura normativa que ordena fatos segundo valores,
numa qualificao tipolgica de comportamentos futuros, a que se ligam
de-terminadas conseqncias, em funo de valores imanentes ao prprio
processo social. Os modelos so gerados por quatro fontes a legal, a
consuetudinria, a jurisdicional e a negocial -, as quais resultam
das quatro diversas formas de manifestao do poder de decidir
atributo fundamental do conceitos de fonte no direito -, a saber:
a) o poder estatal de legislar; b) o poder social, inerente vida
coletiva, o qual se revela, na fonte consuetudinria, atravs de
sucessivas e constantes formas de com-portamento; c) o poder
(estatal) que se revela atravs do Judicirio; d) o poder negocial,
que se expressa mediante o poder tem a vontade humana de instaurar
vnculos reguladores do pactuado com outrem. As fontes de produo
jurdica seja a lei, a jurisdio, o costume ou o negcio jurdico,
geram modelos jurdicos. (cf. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no
direito privado, op. cit., p. 332-3).
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rativamente dispostas nas legislaes.
As prescries legais agora podem no mais se reduzir a uma
simplria subsuno operada atravs de dedues silogsticas, pois a
complexidade social ostenta valores nem sempre facilmente
observveis. H por certo srias limitaes na tcnica casustica, ante o
infindvel nmero de diplomas legislativos
especificadores que abarcam uma complexa rede de interesses nem
sempre convergentes.
Em outras palavras, a tcnica de regulao casustica (em que h uma
perfeita especificao ou
determinao dos elementos que compe o fattispecie) 79, por si s,
insuficiente para uma satisfatria regulamentao social, o que vem
exigindo por parte dos legisladores cada vez mais o uso de tcnicas
legislativas permeadas de conceitos vagos, programticos, em branco,
os quais demandam muito mais do intrprete na funo de criao do
direito, do que a mera subsuno do preceito legal especfico ao
caso
concreto. 80
A nova hermenutica, portanto, repercute no novo paradigma do
direito civil, trazido pelas expres-ses do direito
civil-constitucional.
Encerrada a poca das codificaes, com as Constituies assumindo o
papel de centro do sistema,
assumindo tambm o papel de referncia axiolgica ao preenchimento
de conceitos vagos e das clusulas gerais, pode-se chegar a um
delineamento pelo menos tangencial da fundamentao do sistema, e das
re-ferncias utilizadas para o preenchimento dos conceitos
vagos.
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que finda o problema da
referncia para a vagueza conceitual,
comea uma infinidade de teses que ainda no se encontram passveis
sequer se sistematizao. Discus-ses como a do dilogo das fontes, em
que aproxima o Cdigo Civil da principiologia ligada ao Cdigo de
Defesa do Consumidor, notadamente na rea contratual; como a que
perscruta uma clusula de abertura dos direitos fundamentais para
alm das constituies, alcanando inclusive legislaes
infraconstitucio-nais81, ou seja, no campo do direito
civil-constitucional, pelo menos, se abre uma infinidade de
discusses que ainda no se encontram sequer parametrizadas, o que
faz com que aquele ideal de sistematizao da cincia jurdica, a
partir deste novo paradigma do direito, comece a tecer veios de
insegurana jurdica, caso no houvesse um postulado unificador, como
a dignidade da pessoa humana, 82 para centralizar a 79 O legislador
fixa, de modo o mais possvel completo, os critrios para aplicar uma
certa qualificao aos fatos, de modo que, em face da tipificao de
condutas que promovem, pouca hesitao haver do intrprete para
determinar o seu sentido e alcan-ce. Este poder aplicar a norma
mediante o processo mental conhecido como subsuno. H uma espcie de
pr-figurao, pelo legislador, do comportamento marcante, a ser
levado em conta pelo intrprete, uma vez que o legislador optou por
descrever a factualidade. (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no
direito privado, op. cit., p. 297).80 (...) o carter de determinao
ou tipicidade que caracteriza a casustica (...) vem sendo apontado
como um dos principais, seno o principal, fator de rigidez e, por
conseqncia, de envelhecimento dos cdigos civis. A razo est,
conforme Natali-no Irti, em que o legislador cria um repertrio de
figuras e disciplinas tpicas (...) ao qual o juiz pouco ou nada
pode aduzir para o disciplinamento do fato concreto. As disposies
definitrias, tais como as da casustica, conduzem o intrprete a uma
sub-suno quase automtica do fato sob o paradigma abstrato. Tem,
portanto, esta tcnica um carter de rigidez ou imutabilidade, o qual
acompanha a pretenso de completude a ambio de dar resposta a todos
os problemas da realidade. Em contrapartida, s clusulas gerais
assinalada a vantagem da mobilidade proporcionada pela intencional
impreciso dos termos da fattispecie que contm, do que o risco do
imobilismo afastado por esta tcnica porque aqui utilizado em grau
mnimo o princpio da tipicidade. (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no
direito privado, op. cit., p. 298).81 Ver nesse sentido: MENDES,
Gilmar Ferreira. COELHO, Inocencio Mrtires. BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso de Direito Constitucional - 5 Ed. 2010, no que se
refere ao captulo que trata dos direitos fundamentais, das clusulas
ptreas e da reserva legal.82 possvel sustentar, embasado na
perspectiva civil-constitucional do direito privado, a existncia de
uma clusula geral fun-dante ou que estrutura o ordenamento jurdico
contemporneo, a clusula geral de tutela da pessoa humana , prevista
no texto constitucional nos artigos 1, inciso III, (a dignidade
humana como valor fundamental da Repblica), 3, inciso III e 5,
caput (igualdade substancial e formal). Sua funo seria a
salvaguarda de um espao privado que proporcione condies ao
pleno
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interpretao do direito.
5. As clusulas gerais e os conceitos jurdicos indeterminados.
Uma conceitualizao possvel. Limita-o ou insuficincia
Por certo, os conceitos vagos ou indeterminados e,
especificamente, as clusulas gerais, so dotados
de grande mobilidade83, possuindo uma abertura semntica, o que
possibilita atividade jurisprudencial, com base em princpios e
valores hoje incorporados nas legislaes fundantes dos Estados
contemporne-os, construir progressivamente as respostas para os
problemas que a realidade apresenta. 84
Poder-se-ia estabelecer uma distino, para efeitos deste estudo,
acerca de conceitos jurdicos inde-terminados e das clusulas gerais,
85 entretanto, bom recordar que no h uma unanimidade na doutrina
contempornea acerca da correta nomenclatura destes conceitos, os
quais, pela vagueza semntica de seus termos, os denomino
simplesmente de conceitos vagos. 86
desenvolvimento da pessoa, um mnimo vital , que permita a cada
ser humano o pleno desenvolvimento de sua personalidade. Referida
clusula geral de tutela da personalidade representa uma referncia
interpretativa para todas as situaes nas quais os aspectos ou
desdobramentos da personalidade estejam em jogo, uma vez que
estabelece a prioridade da pessoa humana no cotejamento de valores
em conflito, at por ser a pessoa, conforme Perlingieri, o valor
fundamental do ordenamento, que est na base de uma srie (aberta) de
situaes existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente
mutvel exigncia de tutela. (PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito
civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 155). Dessa forma, o
respeito pela pessoa humana polariza as tendncias jurdicas e
interpretativas na contemporaneidade, e suas caractersticas e
atributos constituem a personalidade. Nesse sentido, leciona
Gustavo Tepedino: Personalidade como valor, j se disse,
caracterstico da pessoa humana, atraindo, por isso mesmo,
disciplina jurdica tpica e diferenciada, prpria das relaes jurdicas
existenciais. J a qualidade para ser sujeito de direito o
ordenamento confere indistintamente a todas as pessoas e, segundo
opes de poltica legislativa, pode faz-lo em favor de entes
despersonalizados. Por isso mesmo, deve-se preferir designar este
ltimo sentido de personalidade como subjetividade, expresso que, de
resto, no incomum em doutrina (por todos, Francisco Amaral, Direito
Civil, p. 220, para quem a personalidade ou subjetividade,
significa, ento, a possibilidade de algum ser titular de relaes
jurdicas). Em outras palavras, a personalidade, ao contrrio da
subjetividade, expresso da dignidade da pessoa humana e objeto de
tutela privilegiada pela ordem jurdica constitucional (...)
(TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MO-RAES, Maria Celina
Bodin de. Cdigo Civil interpretado conforme a Constituio da
Repblica, ob. cit., p. 04-5).83 As clusulas gerais tm a funo de
permitir a abertura e a mobilidade do sistema jurdico. Esta
mobilidade deve ser en-tendida em dupla perspectiva, como
mobilidade externa, isto , a que abre o sistema jurdico para a
insero de elementos extrajurdicos, viabilizando a adequao
valorativa, e como mobilidade interna, vale dizer, a que promove o
retorno, dialeti-camente considerado, para outras disposies
interiores ao sistema. (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito
privado, op. cit., p. 341).84 ... as clusulas gerais (...)
legitimam o juiz a produzir normas que valem para alm do caso onde
ser promanada concreta-mente a deciso. (MARTINS-COSTA, Judith. A
boa-f no direito privado, op. cit., p. 341).85 Os conceitos
jurdicos indeterminados, para Judith Martins-Costa, integram sempre
a descrio do fato, ou seja, em suas nas palavras, a liberdade do
aplicador se exaure no estabelecimento da premissa, de modo que uma
vez estabelecida, in concreto, a coincidncia ou a no-coincidncia
entre os acontecimentos real e o modelo normativo, a soluo estar,
por assim dizer, pre-determinada. O caso seria, pois, de subsuno.
No haveria, a, para a autora criao do direito por parte do juiz,
mas apenas interpretao. (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-f no direito
privado, op. cit., p. 326). No essa, contudo, a concluso de Karl
Engisch quando delineia os denominado conceitos discricionrios
(acerca disto ver o capitulo 03 deste trabalho).86 A expresso
conceitos gerais no tecnicamente mais adequado, pois no se pode
adjetivar generalidade s clusulas ge-rais, na medida em que o termo
vagueza semntica mais adequado, porque no constitui uma impreciso
qualquer, uma impreciso genericamente considerada. uma impreciso de
significado, (...) o conceito de vaguesa um conceito relativo s
acepes do termo significado (...) na linguagem jurdica (...) a
vagueza ser intencional, ou programtica, sendo utilizada na
perseguio de certas finalidades. (...) Diz-se vaga uma norma ou
preceito quando no seu enunciado se apresentam ou podem se
apresentar casos-limite. (...) O fato de conter expresses ou termos
vagos no significa seja a mesma despida das qualidades essenciais s
normas jurdicas, como a coercibilidade e a obrigatoriedade. Para
que isso ocorra, contudo, preciso que sejam encontrados os critrios
de aplicao. Cludio Luzzatti cunhou a expresso vagueza socialmente
tpica para indicar os casos de emprego legislativo de expresses
programaticamente vagas, verificveis quando algum termo, segundo
uma certa inter-pretao, exprime um conceito valorativo cujos
critrios aplicativos no so sequer determinveis seno atravs da
referncia aos variveis parmetros de juzo e s mutveis tipologias da
moral social e do costume. O critrio para a aplicao das normas
-
AS CLUSULAS GERAIS, UMA PERSPECTIVA HISTRICO-CONSTRUTIVA DO
DIREITO PRIVADO CONTEMPORNEO
Redes: R. Eletr. Dir. Soc., Canoas, v. 1, n. 1, p. 143-176, nov.
2013
163
Assim, nos conceitos vagos, ou h o simples preenchimento de um
significado (dotado pela carac-terstica da vagueza comum ou
socialmente tpica87) pelo intrprete, devendo para tanto o aplicador
da lei interpretar evolutivamente o texto, procedendo a uma
interpretao, em um primeiro momento que se exaure na significao
histrica de um instituto, mas que posteriormente procede a uma
adaptao social
da significao normativa; ou tal como haveria de ocorrer nas
clusulas gerais, pode haver uma efetiva criao judicial do direito
pelo intrprete/aplicador, e a, detendo uma dimenso de
operabilidade, neces-sitando estar expressas, escritas, deslocam o
intrprete mediante o que Judith Martins-Costa rotula de
reenvio a um valor ou princpio que pode estar expresso ou ainda
inexpresso (mas que necessariamente existe na rbita
constitucional), e que necessariamente possui um carter de
sustentculo do ordenamento, uma valorao fundante, de origem, que
detm caracterstica estrutural do sistema.
As clusulas gerais, nesse sentido, teriam a sua fattispecie
necessariamente concretizada por valores constitucionais.
E estes valores, standards ou mesmo princpios, aos quais o
intrprete reenviado, possuem fontes oriundas da construo do sistema
agora aberto 88, sendo ainda que em um primeiro momento encontrados
fora do sistema, mas com a reiterao de casos semelhantes,
paulatinamente vetorizados pela jurisprudn-cia para dentro do
sistema, operando o que Martins-Costa denomina de ressistematizao
de um elemento originalmente extra-sistemtico. Da que na clusula
geral h a efetiva criao judicial do direito com nfase no caso
concreto. Para a autora,