Autor: Antnio Rogrio da Silva
Autor: Antnio Rogrio da SilvaUnidade 1: Mito e logos Mito e
logos entre os helenos
Talvez, as primeiras crticas feitas ao modo mtico de expor as
idias tenham partido do pensador pr-socrtico chamado Xenfanes, da
cidade de Clofon (na atual Turquia), no sculo VI a. C. No fragmento
11, registrado por Sexto Emprico, Xenfanes, que escrevia em versos,
critica Homero e Hesodo, personagens do sculo VII a. C., por
atriburem "aos deuses tudo quanto entre os homens vergonhoso e
censurvel: roubos, adultrios e mentiras recprocas". Essas restries
remontam poca da tomada de Clofon pelos Medos, cerca de 540 a. C.As
guerras Mdicas e a conseqente guerra do Peloponeso so uns dos
antecedentes histricos que contriburam para minarem a f que os
helenos tinham em seus deuses protetores, do campo e da cidade. A
corrupo dos costumes que ocorria, ento, levava contestao, por parte
dos primeiros pensadores ocidentais, daqueles que supostamente
deveriam defender a comunidade. A decadncia religiosa coincide com
a ascenso do raciocnio de tipo filosfico, enquanto abria espao para
o afloramento de um sentimento mstico em que cada um busca as
respostas que os antigos deuses coletivos j no podem mais fornecer.
Ao lado disso, o sarcasmo e o ceticismo transformam o Olimpo num
condomnio povoado por deuses risveis e cruis da mitologia helnica,
totalmente contrrios moral e concepo religiosa.Nesse contexto,
comea a se manifestar a oposio entre mythos e logos, inaugurada por
Xenfanes e seguida por Plato em seus diversos Dilogos. Uma terceira
posio tomada pelos sofistas que passam a ignorar o comportamento
divino, propondo uma interpretao do mundo calcada numa descrio
tipicamente humana. Por um lado, Plato recusa o relativismo e
agnosticismo sofistas, propostos por Protgoras e Grgia. Por outro,
acompanhando a crtica de Xenfanes, faz fortes objees morais aos
mitos narrados por Homero e Hesodo. Para Plato, o logos deveria
representar o discurso racional, inquiridor e verdadeiro, que a
forma da narrativa ficcional j no suportava mais.No obstante, os
dilogos platnicos esto repletos de mitos que ora servem para
ilustrar suas afirmaes, ora so pontos-de-partida para o
desenvolvimento de um discurso verdadeiro, ou ainda complementam as
limitaes do logos - como se quisesse demonstrar que uma forma
narrativa mais ampla, com a fora encantadora que o mito tem,
poderia ser utilizada na pesquisa da verdade. Exemplos disso so as
famosas passagens da alegoria da caverna, encontrada no livro VII
da Repblica, o destino das almas, no Fdon, e a parelha alada do
Fedro.Religio, mito e logosPara melhor entender a oposio entre mito
e logos, preciso considerar a funo dessas duas formas de narrar e a
distino do mito para com a religio. O mito, na tradio arcaica grega
se distingue da narrativa religiosa nos seguintes aspectos:
enquanto a religio propunha aos helenos um ordenamento do cosmos e
a hierarquizao da cidade, inspirando perfeio e autoridade, alm de
servios religiosos - como festivais, oferendas e oraes - que
ficavam a cargo de alguns membros de famlias nobres, mas sempre
dentro de uma tradio oral; a mitologia no se reduzia descrio da
vida dos deuses, integrando ao seu inventrio de histrias os feitos
extraordinrios de seus heris e fundadores de cidades, servindo, por
vezes, como registro histrico dos fatos mais importantes na vida
dos helenos. Isso fica evidente na Ilada de Homero. Durante sculos,
pensava-se que essa obra retratasse apenas fantasiosa exaltao do
imaginrio coletivo de um povo, sobre uma guerra ocorrida numa
cidade fictcia, at que escavaes arqueolgicas revelassem os
escombros de uma antiga cidade na sia menor, a qual se supe ter
sido a lion descrita naquela rapsdia.Outra caracterstica
diferencial do mito, em relao religio, a sua dinmica, mais sensvel
s mudanas sociais, fato que explica a sua fcil assimilao da escrita
e da alterao dos sentimentos coletivos. Alm disso, o mito tambm
desempenha a funo de fundamento de recomendaes morais, como no caso
do poema Trabalho e os Dias, de Hesodo, onde a decadncia humana
metaforizada pelo mito das cinco raas - raas de ouro, prata,
bronze, de heris e do ferro - e a influncia das mulheres nos
negcios dos homens, condenado no exemplo de Pandora. Tanto
pessimismo na obra de Hesodo no desprovido de uma forte motivao
materialista, a saber, a partilha da herana paterna com seu irmo
Perses, na qual os interesses do autor foram lesados graas deciso
de juzes corruptos em favor de seu irmo. Outra caracterstica
fundamental o fato de nem Homero, nem Hesodo, serem propriamente
sacerdotes, ou encarregados dos servios religiosos. Homero, que por
si s constitui uma figura lendria, costuma ser representado como um
rapsodo cego, isto , um contador de histrias em verso que passava
de cidade em cidade narrando suas histrias. Hesodo, por seu turno,
era agricultor ou pastor de ovelhas que habitava a regio estril e
inspita ao p do monte Hlicon, onde ficava a cidade de Ascra. Ele
tinha de trabalhar de sol a sol para se manter.Por serem pessoas
que, supostamente, encontravam amide dificuldades de sobrevivncia,
o relato mtico que faziam misturava as paixes humanas, no que elas
tinham de bom e de ruim, ao sobrenatural,. Da, o fato de Xenfanes
atacar justamente essa impureza dos deuses nos mitos de Homero e
Hesodo. Isso permite que especulemos at que ponto as objees a essa
forma de narrativa atingiam menos o modo de expresso do que seu
contedo.Nesse sentido, a clssica oposio entre mito e logos,
entendida como uma oposio entre discursos falsos e verdadeiros,
tambm no est livre de distoro, uma vez que, nem mesmo Plato, um dos
maiores opositores da poesia de Homero, no tocante ao comportamento
dos deuses, dispensava o uso de fico em seus dilogos. Alis, sua
obra est cheia de mitos por ele mesmo criados. O tratamento dado ao
mito nessas ocasies demonstrava a preocupao de acompanhar essas
narrativas, a partir de uma interpretao que pudesse trazer tona a
verdade que eles procuravam transmitir.Logos, preciso que se diga,
entre seus diversos significados, tambm pode ser traduzido como
discurso ou relato - alm de razo, definio e proporo. Como o mito, o
logos tinha tambm sua estrutura narrativa, embora com um senso de
proporo e exatido que no eram encontrados no discurso mtico. Eis
porque, quando a forma do mito entra em desgaste, o logos se torna
o candidato mais apto a ocupar seu lugar, na tarefa de descrever o
mundo e dar sentido s relaes humanas, sob a perspectiva dos
pensadores e filsofos gregos.. Por sua vez, a religio, apesar de
ameaada pela desconfiana causada por sucessivos reveses sociais,
preocupava-se em manter a tradio, radicalizando no combate s
heresias. Devemos notar, ainda, que, mesmo sendo um oponente direto
da narrativa mtica, possvel encontrar quem apontasse as limitaes do
logos para assuntos religiosos, pois esses no podem ser definidos
como "verdadeiros" ou "falsos", por conta de sua obscuridade. Por
exemplo, vale a pena citar o sofista Protgoras, da cidade de
Abdera, que em seu fragmento de Sobre os Deuses afirmava:sobre os
deuses, sou incapaz de experimentar sua existncia ou no, nem qual
seja a sua essncia ou forma externa: muitos empecilhos o impede, a
obscuridade do assunto e a brevidade da vida humana (EUSBIO,
Preparao Evanglica, XIV 3, 7).Protgoras pagou caro por sua ousadia.
Seu agnosticismo foi considerado um crime de impiedade e, por conta
disso, condenado ao degredo. Em sua fuga, o sofista acabou por
morrer afogado, aps o naufrgio do barco que o transportava para
fora de Atenas. Isso um sinal de que, embora a narrativa mtica
estivesse em declnio, o discurso religioso ainda encontrava flego
para impor suas recomendaes. O mito caa em desgraa, como
falsificao, mas a religio permanecia como uma terceira via
discursiva fora da oposio mito-logos. De modo algum o logos,
entendido como histria "verdadeira", se opunha ao discurso
religioso, mas sim s histrias "falsas" que os mitos relatavam. O
discurso religioso, destacado do discurso mtico, no podia ser
encarado como "falso". Nem mesmo "verdadeiro", segundo os mais
cticos, como Protgoras.Portanto, se pode-se falar de uma oposio
entre mito e logos, enquanto uma tenso entre histrias "falsas"e
"verdadeiras", o mesmo j no pode ser afirmado da relao
religio-logos. A religio no pode ser facilmente caracterizada como
um discurso mtico ou uma histria "falsa", muito menos como um logos
ou discurso "verdadeiro". As crticas de cunho moral, lanadas por
Xenfanes, tinham alvos precisos, com nome e tudo. Esses alvos eram
Homero e Hesodo. Nos fragmentos 173 a 175, ele afirma a existncia
de um s deus, sem forma e pensamento humanos, imvel e onipotente,
mostrando que as desconfianas lanadas sobre o mito no visavam
extinguir o pensamento religioso, ou a forma mtica em si, mas to
somente a falta de propriedade desse tipo de narrativa em abordar
questes religiosas, morais ou, por extenso, tudo aquilo que fosse
passvel de ser contradito por um discurso "verdadeiro".O lugar do
mito e do logosEm suma, medida que fatores externos propiciavam o
descrdito da maneira mtica de contar uma histria e, ao mesmo tempo,
fomentavam a investigao de uma maneira mais precisa de tratar dos
assuntos humanos, o campo de ao do mito foi sendo limitado por
novos modos de pensar. O logos e a filosofia, por tabela, assumem a
tarefa da busca pela verdade, no instante em que o mito j no mais
satisfaz os anseios humanos, em sua relao com o mundo.Todavia, a
despeito dessa mudana de configurao mental, o discurso mtico
permanece ora explicitamente, nas formas literrias de fico, ora nos
discursos cientficos reducionistas. Saber identificar as
caractersticas desse modo de pensar, to arraigado em todas as
culturas, no to fcil quanto se imagina. Em todas as sociedades
humanas, as narrativas ficcionais esto presentes. Entretanto, nem
todas culturas alimentaram a pretenso de construir um sistema de
pensamento que fosse capaz de atingir a verdade. Esse um fenmeno
tpico das civilizaes ocidentais. A presena do cientificismo um
fator importante para a identificao de culturas marcadas pela
influncia grega, desde o advento da filosofia.Nessas sociedades, a
oposio manifesta entre o mytho e o logos pode ser resgatada na
problematizao do discurso literrio e cientfico. Um tema ainda muito
presente nas discusses filosficas contemporneas, a literatura e o
discurso terico sero o tema do prximo ponto.BibliografiaBORNHEIM,
G. A. (Org.). Os Filsofos Pr-Socrticos. - So Paulo: Cultrix,
1989.GUTHRIE, W.C.K. Los Filosofos Griegos; trad. Florentino M.
Torner. - Mxico D. F.: Fondo de Cultura Econmica, 1995.KIRK, G.S. e
RAVEN, J. E. (Org.). Os Filsofos Pr-Socrticos. - Lisboa: Fundao
Calouste Gulbenkian, 1982.HESODO. Os Trabalhos e os Dias; trad.
Mary de C. N. Lafer. - So Paulo: Iluminuras, 1991.HOMERO. Ilada;
trad. Odorico Mendes. - Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1964.PLATO.
"Fdon", in Dilogos; trad. Mrcio Pugliesi e Edson Bini. - So Paulo:
Hemus, s/d.________. "Fedro", in Dilogos vol. V; trad. Carlos
Alberto Nunes. - Belm: Universidade Federal do Par, 1975.________.
A Repblica; trad. M Helena da R. Pereira. - Lisboa: Fundao Calouste
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Abril Cultural, 1978.UNTERSTEINER, M. (org.). Sofisti, fasc. I. -
Firenze: La Nuova Italia, 1967.
Autor: Antnio Rogrio da SilvaUnidade 1: Mito e logos Literatura
e Discurso Terico;
Desde a antiguidade, o mito adquiriu o carter, por vezes
pejorativo, de uma narrativa fabulosa, ficcional ou mentirosa. Esse
aspecto desfavorvel no permitia mais que o mito fosse aceito como
uma forma vlida para abordar assuntos considerados superiores, tais
como os religiosos e filosficos. Entretanto, problemas em relao
falta de documentos histricos e argumentos definitivos no
favoreciam uma fundamentao ltima desses assuntos. Em muitos casos
foi preciso abandonar essa pretenso em favor de uma interpretao no
literal dos fenmenos no mundo. Eventualmente, para evitar as
dificuldades impostas pelas limitaes racionais e materiais, teve-se
de recorrer alegorias ou metforas que elucidassem essas questes.As
fracassadas tentativas do Cristianismo, por exemplo, de estabelecer
a verdade dos evangelhos como fatos histricos levaram os primeiros
exegetas cristos - como Orgenes (sc. II) - a tentarem mostrar que o
verdadeiro sentido da religio estava alm da histria, ou seja,
encontrava-se em seu sentido espiritual. A partir desse novo
enfoque, termos como "enigmas", "parbolas" e "dogmas", assumiram a
mesma funo que os rejeitados "mito", "fico" e "mistrios".Do lado
filosfico, a construo de um discurso terico verdadeiro no esteve -
e ainda no est - livre de embaraos mticos. A teoria, sendo
entendida enquanto um conjunto de sentenas que precisam ser
plenamente satisfeitas, de acordo com o filsofo norte-americano
Williard Quine, s pode ser considerada verdadeira de modo relativo.
Isso porque, ao se especificar as sentenas que comporo a teoria, o
terico emprega palavras cuja escolha depende de uma teoria domstica
geral que no foi exposta. Por conseguinte, as sentenas da teoria
seriam descritas por outra, a saber: aquela teoria domstica cujos
objetos tambm deveriam ser questionados. A construo de uma teoria
consistente - com todas sentenas verdadeiras -, portanto, nunca
pode ser executada em sua concepo absoluta, mas sempre relativa a
outra teoria que no posta prova(1).Existem alguns critrios para
averiguar a validade de uma teoria. Primeiro, o da no-contradio:
uma teoria no pode dizer de algo que esse algo seja verdadeiro e
falso, ao mesmo tempo. Segundo, ela no pode cair num regresso ao
infinito, recorrendo sempre a outras teorias sucessivamente.
Terceiro, no deve comete uma circularidade, isto , suas concluses
no devem ser pressupostas por suas premissas. Tais requisitos j
haviam sido exigidos pelos filsofos cticos, discpulos de Pirro (sc.
III a. C.). O ceticismo pirrnico propunha a suspenso do juzo sob a
alegao de que apesar de existirem critrios para demonstraes
tericas, no haveria nenhuma demonstrao que pudesse satisfazer esses
critrios(2).Sem poder satisfazer tantas exigncias de uma s vez, o
discurso terico, quando visa encontrar o fundamento ltimo de um
enunciado com pretenses de verdade, frequentemente tem de apelar
para uma construo imaginria ideal que sustente suas posies.A crtica
ao mito, realizada por filsofos e religiosos, no significa, nas
palavras de Mircea Eliade, que "esse pensamento tenha sido
definitivamente abolido"(3). Apesar de todo ataque sofrido, por
esses dois flancos, os mitos helnicos resistiram, como obra
literria, crena religiosa e muitas teorias lanadas contra eles
pelos pensadores e filsofos antigos. Nesse sentido, a escrita foi
uma aliada importante para isso, pois os cultos religiosos se
perderam no tempo, quando a oralidade da tradio abriu espao
cristianizao de suas prticas. Tudo que restou da religio helnica se
deve ao fato dela ter sido mencionada em obras-primas literrias e
artsticas(4). Quanto ao logos helnico, muito de seu significado foi
perdido, durante as inevitveis mudanas histricas, ocorridas atravs
do tempo, apesar dos fragmentos e testemunhos grafados, pois seu
contedo filosfico circusntanciado tambm foi esquecido.Eis uma
vantagem que o mito tem sobre outras formas de discurso: a
narrativa mtica consegue manter uma certa perenidade, enquanto a
religio e a filosofia perdem muito de sua fora original, com o
passar dos anos. A capacidade da narrativa mtica atender a diversas
perspectivas pessoais sobre o mundo, permite que novas geraes
possam reinterpret-los sem que eles percam coeso. Por no admitirem
mais de um significado em suas teses centrais, religiosos e
filsofos fazem com que suas doutrinas sejam refratrias s
transformaes interpretativas, tornando-se logo
obsoletas.LiteraturaA literatura, ento, pde absorver toda a herana
da riqueza de significados do mito, sem restries. Renegado pela
religio e filosofia, os escritores literrios no impuseram barreiras
narrativa mitolgica. Pelo contrrio, esses artistas perceberam que
os mitos poderiam fornecer a matria-prima que, depois de
reelaborada, expressariam novos significados, o que outras formas
de expresso proibiam.Eliade, que sempre se dedicou anlise dos
mitos, cr ser "possvel dissecar a estrutura 'mtica' de certos
romances modernos"(5). Temas como heri-salvador, vises mitolgicas
da mulher, riquezas e ritos de iniciao, encontrados nos livros
modernos revelariam o desejo por consumir o maior nmero possvel de
"histrias mitolgicas". Para Eliade, "alguns aspectos e funes do
pensamento mtico so constituintes do ser humano"(6). Apesar do
romance moderno ter um tempo prprio diferente de uma sociedade
tradicional - que ouvia, mais do que lia o mito -, do mesmo modo
que na narrativa mtica, o leitor atual convidado a sair do seu
tempo histrico e pessoal, mergulhando num "tempo fabuloso,
trans-histrico"(7). Nesse tempo imaginrio, o ritmo ditado segundo
uma concepo prpria e exclusiva de cada histria. Nesse sentido, o
ser humano conserva hoje, "resduos de um comportamento mitolgico
(...). Os traos de tal comportamento mitolgico revelam-se
igualmente no desejo de reencontrar a intensidade com que se viveu,
ou conheceu, uma coisa pela primeira vez; de recuperar o passado
longnquo, a poca beatfica do 'princpio'"(8).O paralelo traado aqui,
entre literatura e mito, discurso terico e logos, estende-se at o
valor de verdade pretendido por cada uma dessas formas de
pensamento cognitivo. Na antiguidade, como foi exposto, o mito era
tratado por fbulas sem teor de verdade, enquanto o logos tinha a
pretenso de revel-la. Modernamente, considera-se que os argumentos
empregados por uma teoria visam convencer algum de sua veracidade,
apelando para procedimentos que estabeleam provas formais e
empricas. As histrias literrias, por sua vez, procuram, de um modo
geral, sustentar semelhanas com a vida, sua verossimilhana, e no
verdade. A literatura, como uma inveno dos romancistas e
dramaturgos modernos, imagina um contexto feito de realidades
psquicas dos personagens, deixando o mundo "real" como pressuposto
ou implcito. Essa imaginao produz histrias envolventes e crveis,
mas sem compromisso com a verdade.O Discurso TericoO argumento
lgico, que caracteriza o discurso terico, tem uma funo diferente da
histria bem contada. De acordo com o psiclogo Jerome Bruner, autor
de Realidade Mental, Mundos Possveis, o modo de pensamento
lgico-cientfico "tenta preencher o ideal de um sistema formal e
matemtico de descrio e explicao"(9). Conceitos e categorias usados
so relacionados uns com os outros, de modo que encontrem seu exato
lugar num sistema formal. A intuio do terico, diferente da imaginao
potica, procura revelar as conexes formais, para depois prov-las de
uma maneira formal ou concreta, apresentando um exemplo emprico. Em
suma, o discurso terico trabalha com causas gerais e como elas so
constitudas. Nesta tarefa, utiliza-se de procedimentos que visam
garantir uma referncia comprovvel, que tambm possa ser testada
empiricamente.A linguagem do cientista est sempre preocupada em
atender s exigncias do critrio ctico apontado antes. Pode-se dizer
que a cincia tambm constri mundos possveis, imaginando fatos com os
quais a teoria tem que considerar. Enquanto a literatura no tem a
preocupao de comprovar suas concluses, a cincia vai mais alm,
predizendo algo que supostamente pode ser provado como certo,
apesar de toda especulao. Numa frase, o discurso terico ergue
pretenses de verdade que podem ser falsificadas por um exame
qualquer, enquanto as histrias erguem pretenses de verossimilhana
que no podem ser negadas, mas aceitas ou no pelos leitores.No
obstante, eventualmente, um escritor de romance pode vir a
ultrapassar essas limitaes e pretender, com suas histrias, passar
subsumidamente uma teoria sobre o mundo e as relaes humanas com
teor de verdade. Por outro lado, os cientistas, ao elaborarem suas
teorias, por vezes, so forados a tratarem de temas que no so
passveis de falsificao, quando, por exemplo, um historiador apela
para as intenes e sentimentos de um certo personagem histrico, a
fim de explicar uma das causas de certo acontecimento; ou quando um
fsico se vale de argumentos antrpicos, isto , quando ele afirma que
sua teoria no pode estar errada porque seno no seria possvel
perceber o mundo tal como o percebemos, segundo seu estgio atual e
a nossa capacidade de conhec-lo. Jerome Bruner conta queo
economista Robert Heilbroner observou certa vez que, quando as
previses baseadas em teoria econmica falham, ele e seus colegas
passam a contar histrias sobre administradores japoneses, sobre a
"cobra" de Zurich, sobre a "determinao" do Banco da Inglaterra de
impedir a queda da libra esterlina (...)(10)Isso mostra que "as
narrativas podem ser o ltimo recurso dos tericos econmicos"(11),
pois, afinal, elas constituem a vida das pessoas e seu
comportamento cotidiano, objetos do estudo de economistas. Assim,
tanto a literatura e discurso terico passam a entrelaarem-se
inevitavelmente.Recapitulando, tanto o discurso terico, como a
literatura, a despeito de todos os esforos de categorizao de suas
estruturas e caractersticas, continuam to envolvidos, um com o
outro, quanto estavam na origem da oposio entre mitos e logos, na
longnqua civilizao helnica clssica. Talvez como para provar o que
dizem Eliade e Bruner, de ponto de vistas diferentes, isto que a
necessidade do envolvimento humano pelas narrativas faa parte
inseparvel de sua prpria condio e que tudo que o ser humano faz ou
pensa est inserido irremediavelmente numa
histria.BibliografiaBARROW, J. D. Teorias de Tudo; trad. MLuza X.
De A. Borges. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.BRUNER, J.
Realidade Mental, Mundos Possveis; trad. Marcos A. G. Domingues. -
Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.DIGENES LARCIO. Vidas e Doutrinas
dos Filsofos Antigos; trad. - Braslia: Unb, 1987.ELIADE, M. Mito e
Realidade; trad. Pola Civelli. - So Paulo: Perspectiva, 1972.SMITH,
P. J. "Wittgenstein e o Pirronismo", in Analytica, vol. 1, n 1. -
Rio de Janeiro: UFRJ, 1993.QUINE, W. v. O. "Realidade Ontolgica",
in Ensaios; trad. Osvaldo Porchat. - So Paulo: Abril Cultural,
1985.Notas1. Veja QUINE, W. v. O. "Realidade Ontolgica", in
Ensaios, II, pp. 146/7. 2. Veja DIGENES LARCIO. "Pirro", in Vida
dos Antigos Filsofos, liv. IX. Tambm o artigo de SMITH, P. J.
"Wittgenstein e o Pirronismo", in Analytica, vol. 1, n 1, 1993. 3.
ELIADE, M. Mito e Realidade, VIII, p. 138. 4. ELIADE, M. Op. Cit.,
idem, p. 139. 5. ELIADE, M. Idem, ibdem, p.163. 6. ELIADE, M.
Ibdem, ibdem, pp. 156/7. 7. ELIADE, M. Ibdem, Ibdem, p. 164. 8.
ELIADE, M. Ibdem, ibdem, p. 165. 9. BRUNER, J. "Dois Modos de
Pensamento", in Realidade Mental, Mundos Possveis, p. 13. 10.
BRUNER, J. Op. Cit., Idem, p. 45. 11. BRUNER, J. Idem, ibdem,
p.45Autor: Antnio Rogrio da SilvaUnidade 2: Relao Homem-Mundo O
lugar do ser humano no mundo;
Quando se pede para localizar a origem histrica da filosofia
ocidental, a resposta unnime aponta para uma regio do mapa da
Europa, enquanto se afirma que num determinado perodo da
antiguidade, nesse territrio especfico, alguns habitantes de ento
passaram a levantar questes sobre tudo que os cercava. Tais
perguntas exigiam uma explicao que no podia ser plenamente
satisfeita por argumentos religiosos ou mticos. Os homens que
faziam esse tipo de questionamento, perceberam que as respostas
tradicionalmente dadas, amide, enfrentavam dificuldades de
comprovao, diante das limitaes da condio humana e do desenrolar dos
acontecimentos.Os deuses, que deviam constituir a imagem da
perfeio, j no garantiam a felicidade das cidades que deveriam
proteger, assolados que eram por guerras, epidemias e ameaas
naturais constantes - terremotos, erupes vulcnicas etc. Tanto a
religio, como as histrias dos antepassados caam em descrdito. Se
alguma resposta houvesse para tanta perplexidade, elas no deveriam
ser buscadas fora deste mundo, ou num passado mtico, mas sim dentro
do prprio ser humano, naquilo que ele tivesse de mais
caracterstico. A capacidade de raciocnio, destacada dos outros
animais, comeava a se impor e a elaborar argumentos que exigissem
uma investigao mais atenta do mundo por parte dos pensadores. O
objetivo, depois desse espanto inicial, era produzir teorias que
desvelassem os mistrios que havia em tudo e encarar o mundo tal
como ele .A nova postura adotada pelos pensadores helnicos propunha
o esforo de apresentao de hipteses que fossem adequadas compreenso
do lugar do ser humano e sua ao no mundo. Um mundo que sobre muitos
aspectos lhe era estranho e desafiador. As questes que surgiam,
desde aquela poca originria, demandavam um conhecimento mais
preciso sobre aquilo que , ou seja, a existncia dos seres, sua
relao com os outros entes e consigo mesmo. Surgia, assim, o que,
segundo o filsofo alemo Martin Heidegger (1889-1976), se chama
filosofia, ou metafsica, propriamente dita(1). Por metafsica,
entende-se o estudo do ser enquanto ser e as implicaes acarretadas
por uma progressiva abstrao dos conceitos em relao matria de um
mundo fsico.MetafsicaPara saber o lugar do ser humano no mundo, a
pesquisa filosfica teve de ir alm das observaes dos fatos. A direo
tomada conduzia ao prprio ser que subjaz a tudo e o modo como este
ser se apresenta no mundo, perante os homens. Isso necessariamente
levou a indagaes de como seria possvel o conhecimento do mundo
atravs de um entendimento humano, por vezes to superficial. Sempre
ficava a dvida se aquele conhecimento obtido pelo pesquisador
poderia ser vlido objetivamente, isto , independente do prprio
observador, ou se todo conhecimento seria limitado condio finita da
razo humana.Essas dvidas exigiam que, em certo sentido, a
investigao se voltasse para aquele que investiga. O prprio
inquiridor teria de ser alvo de exame, pois a viso mais apurada e
precisa dependia da capacidade dele distinguir suas afeces das
informaes apresentadas pelos entes. Assim, para saber seu lugar no
mundo, foi preciso que o ser humano passasse a se conhecer em
primeiro lugar. O ponto de partida da investigao deveria estar na
condio humana. A metafsica caminha, portanto, nesse paulatino
afastamento dos fenmenos naturais, nos temas filosficos. pondo o
mundo em suspenso - entre parnteses como se costuma dizer na
matemtica - que o filsofo poder pretender, a partir de si mesmo,
descobrir a verdade. Metafsica o nome que foi dado a uma das mais
famosas obras do filsofo macednio, da cidade de Estagira,
Aristteles (384-322 a. C.). Nela, procura-se compreender o "ser",
as maneiras pelas quais esta palavra pode ser entendida, e as
causas primeiras de tudo que existe ou acontece. Para o fundador do
Liceu, a filosofia mostraria que o conhecimento terico participaria
da natureza da sabedoria e por ela se conheceria os princpios e
causas, tendo por objetivo a verdade(2). Existiria um primeiro
princpio - associado ao motor imvel, ou Deus (livro XII da
Metafsica) - e as quatro causas das coisas: 1. Material; 2. Formal;
3. Motor; 4. Final."Causa" [material] significa (1) aquilo que,
como material imanente, provm o ser de uma coisa; p.ex., o bronze a
causa da esttua e a prata, da taa, e do mesmo modo todas as classes
que incluem estas. (2) A forma ou modelo, isto , a definio da
essncia, e as classes que incluem esta (...); bem como as partes
includas na definio. (3) Aquilo de que origina a mutao ou a
quietao; p.ex., o conselheiro causa da ao e o pai causa do filho;
e, de modo geral, o autor causa da coisa realizada e o agente
modificador, causa da alterao. (4) O fim, isto , aquilo que a
existncia de uma coisa tem em mira; p.ex., a sade causa do passeio
(ARISTTELES, Metafsica, V, 2, 1013a, 24-33).Princpios e causas esto
relacionados com as trs substncias: duas fsicas (matria e forma) e
uma imvel. Enquanto a matria e a forma esto sujeitas mudana e o
movimento, a substncia imvel existiria independente das outras, mas
que seria capaz de mov-las sem se mover.O primeiro princpio ou ser
primeiro no suscetvel de ser movido, quer em si mesmo, quer
acidentalmente, mas diga-se antes que ele que produz o movimento
primeiro, movimento eterno e nico. Ora, o que movido o
necessariamente por alguma coisa; por outro lado, o primeiro motor
deve ser imvel em si mesmo; o movimento eterno deve ser produzido
por algo eterno, e o movimento simples por algo de simples; (...)
cada um destes ltimos movimentos deve tambm ser causado por uma
substncia imvel em si mesma e eterna (...) (ARISTTELES. Op. Cit.,
XII, 8, 1073a, 24-35).Curiosamente, o batismo dessa obra deu-se
apenas por motivos bibliogrficos e no filosficos. Atribui-se a
Andrnico, editor do perodo helenista dos textos aristotlicos, o
fato de ter reunido os diversos tratados que compem a Metafsica e
catalogado-os na posio imediatamente seguinte aos estudos de fsica.
Logo, metafsica se referia simplesmente queles estudos que vinham
depois da Fsica aristotlica - em grego, a expresso meta ta phisika
quer dizer "depois da fsica". Essa histria interessante, porque de
um acontecimento casual, o emprego da palavra metafsica terminou
por gerar um tipo de investigao que, em geral, visava o afastamento
dos temas da natureza material. Um caso exemplar de como a palavra
pode gerar a coisa. Por conta desse esforo especulativo, na busca
das verdadeiras causas dos seres e do mundo, da essncia de tudo, a
metafsica passou a ser considerada como a forma de conhecimento
mais digno de chamar-se sabedoria. Contudo, no se deve pensar que
Aristteles tenha sido o primeiro a tratar desse assunto. A
tentativa de alcanar o princpio de tudo, partindo do conhecimento
particular, para o mais geral, uma caracterstica do pensamento
helnico, desde Tales de Mileto (c. 625-558 a. C.). Plato, em
dilogos como Teeteto, Crtilo e Sofista, tentou encontrar argumentos
que fundamentasse um conhecimento slido sobre o mundo, contra a
concepo relativista dos sofistas. Mas com Herclito de feso (c.
540-470 a. C.), considerado um pensador obscuro, que o tema do
conhecimento humano atinge o ponto mais profundo. Herclito propunha
uma concepo de saber radicalmente centrado na condio humana e nem
por isso relativa a um determinado sujeito. Em seus fragmentos,
pode-se perceber a tentativa de aproximar a capacidade humana de
compreenso ao conhecimento que est em tudo. Por vezes, essa
tentativa frustrada pela superficialidade do tratamento dado pelo
homem a essas questes, por outra, s uma profunda reflexo sobre o
prprio conhecimento humano seria capaz de alcanar a devida
sabedoria que estaria escondida em tudo(3).Duas linhas de
investigao podem ser traadas, a grosso modo, a partir do que foi
dito sobre Herclito e Aristteles. Enquanto o primeiro sugeria a
compreenso do princpio ordenador que h no mundo, desde a
profundidade do conhecimento no prprio homem, entendido como aquele
que, fazendo parte do mundo, tambm atravessado pelo princpio
ordenador - logos, na concepo de Herclito. Aristteles, na sua
Metafsica, ao iniciar a busca pelo conhecimento particular,
empreende uma abstrao gradativa at chegar a um princpio motor
imvel, fora do ser humano. Tal princpio motor, foi interpretado
pelos filsofos cristos - por exemplo, Sto. Toms de Aquino
(1227-1274) - como Deus. Ou seja, duas tendncias metafsicas podem
ser distinguidas, aqui, uma, a vertente heracltica, onde o homem
pode encontrar em si mesmo a essncia do ser, e outra, a
aristotlica, que permite fundar uma teologia, como o conhecimento
mais alto dos princpios que regem tudo, a partir da reflexo
filosfica.Repercusses modernas e contemporneasA tendncia de fundar
o conhecimento humano, ora em si mesmo, ora numa entidade superior
- Deus -, pode ser reconhecida em filsofos modernos da magnitude do
francs Ren Descartes (1596-1650) e o prussiano oriental Immanuel
Kant (1724-1804). Descartes, em suas Meditaes, tenta provar a
existncia de Deus como fonte mantenedora e garantidora da verdade
de todo conhecimento humano. Kant, por seu turno, ao invs de
valer-se da hiptese divina, procura mostrar que o prprio homem,
como participante dos mundos inteligvel e sensvel, poderia perceber
por intermdio da razo pura os limites de seu conhecimento e,
conseqentemente, a incapacidade de conhecer a coisa em si, mas
apenas os fenmenos sensveis. Kant propunha uma crtica da razo pura
que determinasse os limites do conhecimento e, destarte, inaugurou
uma nova metafsica em torno de um suposto mundo inteligvel,
acessvel parte racional do ser humano.Todavia, no incio do sculo XX
que as influncias da metafsica helnica so mais marcantes,
sobretudo, na obra de Heidegger. Contra a corrente aristotlica que
busca um princpio para o ser fora do prprio ser, Heidegger
estabelece uma concepo de metafsica to radical quanto a de
Herclito. Nesse sentido, ele prope em Introduo Metafsica, uma
recuperao do sentido originrio do ser, esquecido ao longo da
histria ocidental. Heidegger, assim, visa encontrar, nos moldes dos
pensadores helnicos, as causas pelas quais o sentido do ser fora
originalmente ocultado(4).A questo fundamental da metafsica, no
sentido heideggeriano, saber "porque h simplesmente o ente e no o
Nada?"(5). A resposta passa necessariamente pelo entendimento do
ser como algo que vem a ser, isto , aquilo que se apresenta no
tempo como realizao. A inspirao para essa concepo peculiar de ser,
decorre da interpretao dada, por Heidegger, palavra grega physis.
Para ele, physis -comumente traduzida por natureza - deveria ser
"entendida, como sair e brotar," aquilo que pode ser experimentado
em toda parte(6). Atravs da physis o "ente se torna e permanece
observvel"(7). O significado de ser, nesse contexto, no surge de
uma casualidade, mas de uma presena constante. A aparente confuso
que a investigao ontolgica emerge por causa do esquecimento do ser
e de uma postura niilista perante essa complexidade, o que acaba
gerando uma essncia no Nada.Por conseguinte, para a metafsica poder
responder questo "porque h simplesmente o ente e no antes o Nada?",
Heidegger vai expor e fundar o Ser na origem grega, que
diferenciava o ente do pensar. poca em que o logos, como em
Herclito, guiava o pensamento para considerao do Ser. A perspectiva
originria dessa discusso revelaria a conseqente separao entre Ser e
Pensar, Percepo e Ser que passou a acompanhar a histria da
filosofia, desde ento. O retorno viso originria, para Heidegger,
revelaria a prpria determinao do ser do homem. questo sobre a
Essencializao do Ser se abotoa e vincula questo sobre quem o homem.
A determinao da essencializao do homem, que aqui carece, no ,
entretanto, tarefa de uma antropologia flutuante no ar, que, no
fundo, se representa o homem, como Zoologia se representa o animal.
Em sua perspectiva e em seu alcance a questo sobre o ser do homem
determinada exclusivamente pela questo do Ser. (HEIDEGGER, M.
Ibdem, p. 226).Crtica semelhante antropologia, como estudo do
homem, foi lanada pelo francs Michel Foucault (1926-1984), em As
Palavras e as Coisas, obra marcada pela influncia de Heidegger. No
entanto, Foucault praticava um mtodo "arqueolgico", muito pessoal -
diferente da ontologia heideggeriana - pelo qual tratava de fazer
um corte histrico transversal linha do tempo, a fim de expor as
camadas sob as quais a concepo de homem foi estratificada. A
interessante abordagem foucaultiana apontava para o sculo XIX, como
o perodo no qual a reflexo tentou fundar a possibilidade de saber
filosfico positivo. Isto , a formao de um sistema terico, onde
determinados critrios moldavam o campo especfico de conhecimento.
Nesse momento, o homem surge como objeto e sujeito de saber. O
saber assume o poder de transformar o ser humano como objeto de
estudo entre outros na natureza, decretando a finitude do ser sob a
tica de um conhecimento positivo que deixa de lado a tentativa de
busca das verdades primitivas. Nesse contexto, a antropologia, como
possibilidade de saber emprico sobre o homem, refutada em favor de
uma ontologia purificada ou um pensamento radical do ser: livre de
preconceitos antropolgicos e capaz de questionar os limites do
pensamento, renovando o projeto de uma crtica geral da razo que se
indaga se o verdadeiro ser humano existe, afinal(8).Seja neste
sculo, no passado ou na antiguidade, o tema do verdadeiro lugar do
ser humano no mundo ainda est por ser satisfeito. A despeito de um
retorno s origens tentar elucidar essa questo, pode-se dizer que a
metafsica surja toda vez que o ser humano passe a refletir, de modo
crtico, sobre sua condio perante um mundo que o espanta, ameaa e
desafia lanar novas respostas. Uma tarefa que faz parte da prpria
constituio daquilo que se chama filosofia.BibliografiaARISTTELES.
Metafsica; trad. Leonel Vallandro. - Porto Alegre: Globo,
1969.DESCARTES, R. Meditaes; trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. -
So Paulo: Abril Cultural, 1983.FOUCAULT, M. As Palavras e as
Coisas; trad. Antnio R. Rosa. - So Paulo: Martins Fonte,
1967.___________, _. Les Mots et les Choses. - Mayenne: Gallimard,
1989.HEIDEGGER, M. Introduo Metafsica; trad. Emmanuel C. Leo. - Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987.HERCLITO DE FESO. "Fragmentos",
in Os Pr-Socrticos; trad. Jos C. de Souza e outros. - So Paulo:
Abril Cultural, 1978.KANT, I. Crtica da Razo Pura; trad. Valrio
Rohden e Udo B. Moosburger. - So Paulo: Abril Cultural,
1980.Notas1. HEIDEGGER, M. Introduo Metafsica; p. 43 e ss.
2. Veja ARISTTELES. Metafsica, I, 1, 981b-982a.
3. Veja HERCLITO DE FESO. "Fragmentos", in Os pr-socrticos, pp.
79-91.
4. HEIDEGGER, M. Op. Cit., p. 45.
5. HEIDEGGER, M. Idem, p. 33.
6. HEIDEGGER, M. Ibdem, p. 44.
7. HEIDEGGER, M. Ibdem, p. 45.
8. FOUCAULT, M. As Palavras e as Coisas, p. 353 (ed.
francesa).
Autor: Antnio Rogrio da SilvaUnidade 2: Relao Homem-Mundo A ao
humana no mundo;
A despeito das objees de Heidegger quanto considerao do agir
humano como uma consumao do ser, a falta de um fundamento metafsico
seguro no impediu que diversos autores, ao longo da histria da
filosofia, tratassem de encontrar a maneira mais adequada de se
comportar entre os seres humanos e perante os objetos da natureza.
Certamente, a lacuna gerada pelo abandono de uma explicao
originria, em relao ao ser, levou a todos que estudaram o
comportamento humano a se enquadrarem na tradio filosfica ocidental
que, na perspectiva heideggeriana, separava o ser do pensar e do
agir. Filsofos - como Aristteles, Kant e mesmo aqueles que
trabalham sob a tica de uma tradio religiosa ou histrica -,
freqentemente, recorrem a princpios de ao ideais, fora do domnio
material e natural dos agentes humanos, a fim de estabelecerem uma
base firme para a criao de normas.Costuma-se dizer que a prtica
humana correta e vlida, seria aquela que estivesse de acordo com
uma concepo de vida; de um mundo superior ou uma tradio histrica j
formada. Sendo assim, os diversos pensadores que abordaram esse
assunto, quase sempre, recorriam a uma situao ideal imaginada que
serviria para se averiguar se uma determinada ao ou regra de ao
vlida ou no, correta ou ilegtima etc. Portanto, para saber se o ser
humano age corretamente, bastaria confrontar sua ao com uma norma
considerada vlida ou compar-la com outra ao semelhante desenvolvida
num contexto ideal. Isto , verifica-se se a ao adequada uma lei ou
se ela poderia ser aceita por um modelo padro que universalizasse
sua aplicao, inscrevendo a ao num princpio geral vlido para
todos.Nesse sentido, as doutrinas que apelam para essas construes
idealizantes pretendem avaliar a prtica conforme parmetros de
universalizao, ou seja, segundo uma prtica que todos pudessem
exercer toda vez que as condies necessrias se reproduzissem. Ou
ainda, que a prtica estivesse de acordo com um tipo de vida
considerada boa e a mais adequada para os seres humanos em geral.
Por exemplo, matar uma outra pessoa seria uma ao considerada
incorreta, pois acarretaria na extino da espcie caso todos pudessem
exercer essa ao, sem restries. Por outro lado, matar seria mau,
porque no seria pertinente a uma concepo de vida humana boa, na
qual todos fossem considerados iguais.Todavia, nem sempre os casos
apresentados ao juzo se acomodam numa norma ou padro ideais
pr-estabelecidos. Casos de legtima defesa, aborto ou eutansia so
exemplos de como uma norma do tipo "no matar" pode ser
problematizada e se abrir s excees. Por conta disso, existem
correntes filosficas que admitem uma concepo de tica que no esteja
vinculada a conceitos ideais absolutos, como critrio de verificao
das aes. O que se pretende que cada ao seja avaliada isoladamente
pelos interesses dos envolvidos, pelas conseqentes utilidade ou
gerao de prazer ou sofrimento. Alm disso, h aqueles que defendem
uma posio pragmtica diante das diversas opes oferecidas ao agir,
quer dizer, uma atitude seria considerada boa se no houvesse outra
alternativa melhor do que a praticada. Claro que, nessa tendncia,
todo um processo de deliberao deveria ser examinado de acordo com
as circunstncias que envolvem a ao.As Diversas ticasO termo "tica"
tem origem na palavra grega thos, geralmente traduzida por habitao,
morada ou costume. Moralis a traduo dada pelos romanos a thos que
originou a palavra moral. Na origem, ento moral e tica querem dizer
a mesma coisa. Isso, no entanto, no proibiu que diversas
interpretaes fossem prestadas ao conceito de conduta humana. Entre
as vrias correntes existentes, podem ser citadas as principais: A
teleolgica, que afirma haver um fim (tlos) pelo qual a ao moral
orientada, cujos principais representantes so Aristteles e Charles
Taylor;
A universalista, que defende a existncia de um princpio geral,
vlido para todos, Kant e Jrgen Habermas;
A contratualista, que prope que os princpios de ao sejam
validados por um contrato entre as partes interessadas, tendo em
Thomas Hobbes (1588-1679) e David Gauthier seus maiores defensores;
A utilitarista, que funda numa utilidade geral e nos sentimentos
morais a boa conduta humana, como Jeremy Bentham (1748-1832) e
Peter Singer;
E o pragmatismo, que avalia as aes segundo o processo de
deliberao e um modo de vida circunstanciado, veja John Dewey
(1859-1952) e Richard Rorty.
Cada uma dessas principais correntes possui variaes e subdivises
que geram novas teorias morais, como a comunitariana - derivada da
teleolgica -, a tica do discurso, baseada na universalista; a tica
da compaixo, fundada no utilitarismo; entre outras doutrinas
mistas, como a teologia da libertao, justia como eqidade, o direito
positivo etc.Monismo e Dualismo Aristteles foi o primeiro a
escrever uma obra exclusivamente dedicada a questes ticas. A ele,
so atribudos quatro tratados sobre o assunto: tica a Eudemo, tica a
Nicmaco, Magna Moralia e o duvidoso Tratado de Virtudes e Vcios. De
todos esses textos, o mais completo a tica a Nicmaco. Os demais, ou
esto includos neste, ou so um resumo de suas principais idias.
Composto por dez livros, a tica a Nicmaco parte de uma concepo de
bem como fim de todas as coisas. O conhecimento desse bem seria
manifesto pela ao poltica. A investigao tica, segundo Aristteles,
tenta mostrar o bem relativo cincia poltica, a saber: a felicidade
(eudaimonia). Para tanto, seria necessrio que os cidados fossem
educados nos bons hbitos e capazes de agir por meio de um princpio
racional e no por paixes.Tendo em mente que a honra era a
finalidade da vida poltica e sua busca se daria por causa da
virtude, Aristteles sups ser esta a razo pela qual os homens vivem
em sociedade. Depois de uma extensa anlise das virtudes, o filsofo
estagirita conclui que o homem virtuoso encontra o prazer em seus
prprios atos. Supondo ainda que a vida contemplativa de um filsofo
seria a mais prazerosa de todas - por permitir a contemplao da
verdade -, a tica aristotlica prope que a conduta humana, numa
comunidade, seja conduzida por leis que promovam a realizao desse
bem supremo que a felicidade de poder contemplar a verdade e
possuir a sabedoria(1).Embora a tica a Nicmaco aponte para um tipo
de vida considerado ideal, o prprio Aristteles no apelava, nesta
obra, para nenhum expediente que desse a entender um dualismo que
separasse as aes humanas, em sua prtica cotidiana, da concepo de
vida sugerida. De fato, para a vida contemplativa realizar-se era
preciso a sua execuo numa organizao poltica exercida por homens de
carne e osso, neste mundo. Sob esse aspecto, pode-se dizer que a
teoria tica aristotlica se mantinha dentro de uma perspectiva
monista, concebida e aplicada a uma nica noo de mundo. Em tica, por
outro lado, o dualismo uma caracterstica que s vem a ser
nitidamente traada por Immanuel Kant, a partir de sua obra
Fundamentao da Metafsica dos Costumes (1785). Antes dele, tambm
possvel atribuir um dualismo tico a Plato, mas este no deixou
nenhum dilogo do qual se pudesse extrair um sistema formal de tica.
Toda noo da tica platnica retirada de diversas passagens espalhadas
na Repblica, Leis, nas Cartas (sobretudo a Carta VII), Apologia de
Scrates, entre outros.Na Fundamentao, Kant criticou o conceito de
felicidade, entendido como um bem que fosse o fim da filosofia
moral. A felicidade, como ele entendia, era a soma de todas as
inclinaes humanas. Cada um teria a sua noo de felicidade e ningum
estaria de acordo sobre qual seria o bem supremo. Para Kant, o
contedo da ao moral estaria na prtica por dever e no por inclinao.
Isso porque o dever conteria a boa vontade, um tipo de querer com
valor absoluto, independente de qualquer outra influncia. O dever
caracteriza, na tica kantiana, a necessidade de uma ao por respeito
lei moral - uma lei universal das aes que manda agir de acordo com
a mxima que a vontade quer que se torne uma lei vlida para todos.
Em outras palavras, cada indivduo, portador de uma boa vontade,
saberia escolher, dentre suas regras particulares, aquela que
pudesse valer para todos os demais.A idia do imperativo categrico
surge em funo dessa concepo de lei moral. O imperativo categrico,
diferente de outros imperativos, no dependeria da matria da ao, nem
de seu objetivo (fim). Esse imperativo visa encontrar a lei que
valha necessariamente, sem qualquer condio e de um modo objetivo e
geral. Por causa dessas caractersticas, meramente formais, o
imperativo categrico poderia propor leis a priori, ou seja,
independente da experincia cotidiana e particular. A razo prtica
teria, nesse imperativo, o instrumento para obteno de um princpio
universal de validao da lei moral. A formulao definitiva dada por
Kant a esse imperativo :age de tal maneira que a humanidade em
qualquer pessoa seja usada como fim e nunca como meio (KANT, I.
Fundamentao da Metafsica dos Costumes, se. II, B 66/7).A humanidade
surge aqui como aquela comunidade que seria formada por seres
racionais, participantes de um mundo inteligvel. O homem seria o
nico ser capaz de participar desse mundo inteligvel e tambm de um
mundo sensvel. Por conseguinte, ao se tornar membro do mundo
inteligvel, como ser racional, o homem tomaria parte de um "reino
dos fins", onde cada um teria valor por si mesmo, graas faculdade
da razo que possui. Logo, todas as regras de um ser racional
valeriam para outro ser racional e por extenso a todos os que
pertencessem a esse reino.Kant termina sua Fundamentao, dizendo que
ao tomar parte desse mundo inteligvel, a vontade humana estaria em
liberdade, isto , livre de todas as influncias do mundo sensvel.
Destarte, a vontade poderia determinar as mximas do indivduo
racional que poderiam valer para todos os outros que tambm fariam
parte do "reino dos fins", ou mundo inteligvel, que agiriam de boa
vontade, segundo a lei moral.O dualismo na tica kantiana evidente.
H um mundo inteligvel e outro sensvel aos quais o homem seria
membro. Do primeiro, por ser racional. Do segundo, por ser um
animal sujeito s influncias materiais, numa palavra: inclinaes. A
existncia de um mundo inteligvel e de uma razo prtica que
garantiria a formulao de leis morais vlidas para todos seres
racionais. Ora, caso questione-se a capacidade do ser humano de
propor regras livres de qualquer inclinao sensvel, os kantianos no
tm como demonstrar que a suposta liberdade da vontade seja possvel
de ser implementada. Alm disso, no h como assegurar que as aes
pertinentes ao mundo sensvel - o nico real, de fato - possam ser
regidas de fora, por normas alheias s particularidades e
circunstncias de cada pessoa, seja ela racional ou no. A resposta
para uma ao no mundo inteligvel, imaginrio, Kant tem. Porm, as aes
no mundo sensvel escapam aos seres racionais por no corresponderem
s aes num "reino dos fins". As aes do mundo real sofrem influncias
das inclinaes, sentimentos, crenas, desejos e dos recursos
materiais disponveis para sua execuo. Uma lei moral, que no leve em
conta esses fatores decisivos, tende a se tornar inaplicvel e
estril.Aplicao da ticaA soluo dualista kantiana, portanto, embora
seja admirvel, no resolve os problemas concretos da ao humana. Por
outro lado, o monismo aristotlico, que prope um tipo de vida com o
qual nem todos seriam capazes de realizar, tambm no ajuda muito.
Para encontrar a melhor forma de agir, num mundo cheio de
complexidades, a tica tem que se voltar efetivamente para a prtica
humana cotidiana, tal como faz o filsofo australiano Peter Singer,
autor de tica Prtica (1993).Por tica prtica, Singer entende a
aplicao da teoria tica no tratamento de questes da ordem do
dia-a-dia, como a discriminao racial, sexual, os direitos dos
animais, a preservao da natureza, aborto, eutansia e a redistribuio
de renda. Mesmo sem conhecer em detalhes as especificaes tcnicas de
cada assunto, caberia ao filsofo dizer algo de til a respeito
desses assuntos. Ainda mais quando houver concepes ticas
divergentes. O papel do filsofo, ento, ser o de colocar as
diferentes posies s claras, a fim de que se possa tomar uma deciso
refletida sobre o conflito moral. Apesar de tais esclarecimentos no
implicarem necessariamente numa iniciativa moral por parte do
agente, o compromisso pela ao moral resultar da exposio precisa das
posies em conflito e das conseqncias que cada uma delas acarretam.
A adoo do ponto de vista tico depende, segundo Singer, de uma
compreenso de que conflitos de interesses sero solucionados de uma
maneira ou de outra. Seja pela ao ou omisso, algo moralmente
relevante acontecer(2).Singer sugere que qualquer que seja a deciso
adotada, ela dever levar em conta os interesses de todos seres
sencientes - que sentem dor - envolvidos, proporcionando maior
prazer e diminuio do sofrimento. Sob esse aspecto, a tica prtica
proposta por ele assume uma tendncia utilitarista que procura
maximizar a utilidade geral de uma ao em funo de um todo. til ser
tudo aquilo que minimize a dor e aumente o prazer. Sem recorrer a
uma construo de mundo ou vida ideais, Singer constri uma teoria
tica a partir de casos particulares, onde problemas ticos surgem da
falta de um padro que possa prever todas variveis: escassez de
recursos, a constituio fsica da pessoa moral e a preocupao com o
impacto ambiental do comrcio internacional, alm do cuidado para com
as geraes futuras e o uso dos animais como cobaias e fonte de
alimentos. Fatos que, afinal, devem ser levados a srio por filsofos
que lidem com a prtica humana.BibliografiaARISTTELES. tica a
Nicmaco; trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. - So Paulo: Abril
Cultural, 1973.KANT, I. Fundamentao da Metafsica dos Costumes;
trad. Paulo Quintela. - So Paulo: Abril Cultural, 1980.MACINTYRE,
A. Justia de Quem? Qual Racionalidade?; trad. Marcelo P. Marques. -
So Paulo: Loyola, 1991.SINGER, P. tica Prtica; trad. Jefferson L.
Camargo. - So Paulo: Martins Fontes, 1993.TUGENDHAT, E. Lies sobre
tica; trad. Alosio Ruedell e outros. - Petrpolis: Vozes,
1996.Notas1. Veja ARISTTELES. tica a Nicmaco, livro X, cap. 8,
1178a-1179a.
2. Veja SINGER, P. tica Prtica, captulos 1 e 12.
Autor: Antnio Rogrio da Silva Unidade 3: O Senso comum
A Rejeio do Senso Comum;
As questes de contedo filosfico no so exclusividades apenas de
uma forma de conhecimento chamado filosofia. De uma certa maneira,
seja atravs de mitos ou de teorias ingnuas, cada um desenvolve sua
prpria explicao sobre o mundo, os temas propostos pela metafsica e
pela tica tambm so abordados por um tipo de interpretao
caracterizada como senso comum. Por senso comum, entende-se aquelas
explicaes aceitas por um determinado grupo de pessoas, sem que elas
passem por um exame detalhado que as problematizem ou
questionem.Fatores como crenas, desejos, apego tradio histrica ou
influncias sociais fazem com que, mesmo depois do advento da
filosofia, ainda persista na maior parte dos seres humanos uma
aceitao das coisas tais como elas so, quando no se cai em
supersties. Longe de ser uma posio comodista, o apego ao senso
comum decorre da falta de motivos fortes para a fomentao de dvidas
sobre as noes dominantes que a maioria das pessoas tm como certas.
De fato, s quando ocorre uma sucesso de fenmenos contrrios as teses
da maioria que se passa a duvidar da eficcia de uma determinada
opinio generalizada. Neste instante, que se tenta encontrar outras
explicaes que acomodem aquilo que est fora da ordem ao conjunto de
crenas e desejos partilhados pelo grupo social.Jerome Bruner, em
"Castelos Possveis", chamou ateno para o fato de cada indivduo
possuir um modelo padro sobre o mundo. Por causa isso, o fator
surpresa exigiria um esforo, por parte das pessoas, de integrar
toda informao inesperada ao modelo constitudo em suas mentes(1).
Graas a esse esforo generalizado na espcie de interpretar os
fenmenos luz de uma teoria domstica prpria de cada um, que ao longo
da histria poucos foram aqueles que se atreveram a se afastar dessa
forma ingnua de encarar o mundo. Eis porque, so poucos os filsofos
e muitos aqueles que se detm numa forma de saber pr-filosfico: o
senso comum. Entretanto, por menor que fosse o nmero daqueles
preocupados em ir alm do entendimento vulgar, nada os impediu de
considerar o senso comum como uma espcie de "primo-pobre" da
filosofia. Isto uma forma de conhecimento bruto sobre as coisas que
precisava ser ajudada e aperfeioada pelo rigor e exatido do
pensamento filosfico, a fim de evitar a induo de falsas concluses,
a partir de observaes precipitadas, que poderiam engendrar
iniciativas desastrosas.A Crtica ao Senso ComumNo so raros os casos
em que as crenas do senso comum produziram comportamento
preconceituosos, com base numa postura dogmtica diante da
compreenso dos fenmenos. Durante muito tempo, acreditou-se que o
Sol girava em torno da Terra, que uma determinada raa fosse
superior a outra, na influncia dos astros nas vidas das pessoas
etc. No raro, o radicalismo em torno dessas crenas levou condenao
de pessoas que foram perseguidas pelo simples fato de critic-las ou
por se enquadrarem como hereges ou membros de uma etnia inferior.
Muitas guerras foram e ainda so travadas devido ao preconceito
religioso e cultural. As razes que fazem com que os filsofos
critiquem o senso comum esto, portanto, relacionadas com a falta de
tolerncia e critrios rigorosos para fundamentao de qualquer tipo de
conhecimento. O senso comum constri suas teses a partir de um mtodo
indutivo, pelo qual a regularidade da ocorrncia de certos fenmenos
na natureza geram um hbito de se acreditar que se determinadas
condies esto presentes, logo se seguir um evento a elas
relacionado. Por exemplo, se o cu fica coberto de nuvens cinzentas
sinal que vai chover; onde h fumaa, h fogo etc. A relao causal
gerada por esse hbito geralmente aceita pelo senso comum de modo
acrtico, como se fosse uma lei natural das coisas. O senso comum no
se preocupa em apresentar provas diretas que validem suas hipteses,
segundo um mtodo de verificao emprica, tais como a falsificao da
experincia, exigida pelas teorias cientficas contemporneas.Desse
modo, pela persistncia de um hbito e no pela validao de um
conhecimento seguro que o senso comum gera seus enunciados. Esse
hbito faz parte da constituio de cada um, assim como os sentidos
pelos quais as informaes do meio ambiente chegam ao sistema nervoso
central. Por conta disso, s vezes, as informaes que entram na mente
humana so to complexas que provocam um conflito de interpretaes por
parte do indivduo. No mbito do conhecimento dos objetos, a simples
observao de uma torre ao longe no permite dizer com certeza se ela
de base quadrada, triangular ou circular. Apenas uma experincia
mais apurada possibilitaria a confirmao da forma correta da
edificao. O senso comum no pretende que seu conhecimento seja
exaustivo e, nessa condio primria, aceita sem mais esforos as
primeiras explicaes que lhe ocorrem, segundo um modelo interno
pr-estabelecido. O questionamento desse modelo s pode ser feito por
uma mudana de atitude tpica da Filosofia.Cabe filosofia fazer a
crtica dos modelos padres do senso comum, permitindo que uma
investigao mais apropriada proporcione um conhecimento mais
fidedigno e que permita fazer previses mais precisas. Quanto ao
conhecimento da natureza, as experincias exaustivas e as
contraprovas so prticas que fornecem elementos para constatao da
verdade ou falsidade de uma proposio, ainda que provisria. Quanto
ao conhecimento da melhor forma de ao, a filosofia exige do senso
comum a sustentao da validade de suas normas, de acordo com
parmetros de universalizao de aplicao da norma. Nesse sentido, o
conhecimento deve avanar da simples aceitao de prticas
estabelecidas pela tradio, at a formulao de regras de conduta que
possam ser avaliadas a partir de um ponto de vista moral, do qual
os interesses de todos concernidos sejam levados em conta.Alm do
senso comumO descontentamento com relao orientao adotada, tendo por
base inclinaes, crenas desejos e hbitos, , ento, um dos principais
motivos para o desenvolvimento de uma crtica racional com
caractersticas filosficas. Muito embora, vrios pensadores tenham
procurado solucionar os impasses impostos ao senso comum de
maneiras diferentes. Os pr-socrticos tentavam encontrar na natureza
um princpio comum que ordenasse todas as coisas. Os platnicos
acreditavam que o conhecimento s se daria depois do verdadeiro
resgate das idias pr-existentes s coisas. Enquanto os aristotlicos
procuravam extrair do entendimento das causas e dos vrios
significados de "ser", aquele princpio primeiro de
tudo.Modernamente, Ren Descartes inaugurou um mtodo cientfico a
partir de uma dvida generalizada de todo conhecimento aceito pelo
senso comum e adquirido por meio dos sentidos. Em Discurso do Mtodo
(1637), Descartes parte da constatao de que a capacidade de julgar
uma coisa inerente e igual em todos os seres humanos. O fato dela
no ser bem aplicada que, ao seu ver, permitiria que surgissem as
divergncias e os vcios aos quais o ser humano est sujeito(2). Por
causa disso ele prope um mtodo de investigao que, na sua obra
seguinte (Meditaes,1641), parte de uma dvida metdica que questiona
toda forma de conhecimento adquirida a partir de informaes
intermediadas pelos sentidos e percepes. Com isso ele tenta
encontrar exclusivamente na prpria razo o nico conhecimento livre
das distores impostas pela experincia, sobre o qual todos os
conhecimentos verdadeiros sero fundados.Assim, todas aquelas
verdades assumidas pelo senso comum, que fossem contraditas pela
observao apurada da natureza e pelo entendimento, deveriam ser
postas de lado, em funo de uma verdade que pudesse ser revelada sem
a influncia dos sentidos ou de qualquer crena e desejo. O mtodo
proposto por Descartes considerado um marco do pensamento
ocidental, sendo a ele atribudo a inaugurao da Filosofia moderna,
fundada no racionalismo. Ao contrrio de toda tradio anterior,
Descartes voltou-se para aquela capacidade natural que cada um
possui e procurou descobrir, fazendo uso apenas da razo, o
fundamento da verdade, independente do senso comum.A influncia do
mtodo cartesiano s foi igualada, no pensamento moderno, pelo
ceticismo emprico exposto por David Hume (1711-1776) na sua
Investigao Sobre o Entendimento Humano (1748). Aqui, Hume fez uma
crtica da ligao necessria que a razo humana costuma produzir entre
os eventos na natureza sob um suposto princpio de causalidade. Para
ele, o hbito e no o raciocnio era o princpio que fazia com que se
esperasse a renovao de um ato, tendo em mente a repetio anterior do
mesmo ato. Assim, "toda crena numa questo de fato ou de existncia
real deriva de algum objeto presente memria ou aos sentidos, e de
uma conjuno habitual entre esse objeto e algum outro"(3). Isso
explicaria porque, por mais exatas que fossem as observaes - seja
do sensocomum, seja das cincias -, as especulaes estariam sempre
sujeitas duvida e incerteza. Pois no haveria algo no mundo que
determinasse o entendimento humano, alm de uma aparente
regularidade na natureza. Haveria to somente um hbito no racional
de relacionar uma coisa com a outra, sem qualquer explicao
plausvel, seno o fato de constituir a natureza humana.As ponderaes
de Hume tiveram grande impacto na filosofia de Kant. Este, numa
passagem dos Prolegmenos (1783), reconhece que tinha sido
despertado do sono dogmtico pelas palavras de Hume(4). Kant logo
percebeu que nem o senso comum, nem a metafsica mais apurada de sua
poca poderia satisfazer o verdadeiro conhecimento da coisa em si.
Isso porque, a razo teria limites insuperveis para atingir esse
grau de conhecimento, uma vez que a percepo das coisas se daria por
intermdio da sensibilidade, formada pelos sentidos do tempo e
espao. Dada essas limitaes, os objetos na natureza
manifestar-se-iam sempre como fenmenos, sujeitos a uma intuio
sensvel que por si s no pode atingir a essncia das coisas nelas
mesmas. Ao senso comum, ento, deveria se associar uma crtica da
razo pura que apontasse essas limitaes e o grau de conhecimento
possvel obtido pelo ser humano. Aspecto que o senso comum por si s
no capaz de demonstrar, j que ele possui uma tendncia a formular
enunciados dogmticos que no so postos prova e crtica racional.Em
suma, todo ataque da filosofia ao senso comum concentra-se nestes
trs fatores representados por esses filsofos. O primeiro a distoro
dos dados de entrada fornecidos pelo meio ambiente e que passam
pelos sentidos. O segundo diz respeito constituio do ser humano que
relaciona de modo necessrio um evento a uma causa. E o terceiro
aponta as limitaes da razo em formular juzos empricos que revelem a
coisa em si, na forma dogmtica. certo que sempre que o senso comum
esbarra com fenmenos contraditrios, segundo um modelo padro
pr-estabelecido, cada um procura encontrar uma explicao com o
intuito de acomodar as ocorrncias extraordinrias sob a sua
perspectiva. Quando isso no acontece, h uma forte tendncia criao de
supersties ou explicaes mticas sobre o mundo. Por outro lado uma
postura que tente investigar e propor uma nova teoria com base em
testes, argumentos e contraargumentos s pode ser exercida fora do
domnio do senso comum. O mbito adequado para essa investigao seria
prprio da filosofia e das cincias empricas.BibliografiaBRUNER, J.
Realidade Mental e Mundos Possveis; trad. Marcos A. G. Domingues. -
Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.DESCARTES, R. Discurso do Mtodo;
trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. - So Paulo: Abril Cultural,
1983.________, _. Meditaes; trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. -
So Paulo: Abril Cultural, 1983.HUME, D. Investigaes Sobre o
Entendimento Humano; trad. Leonel Vallandro. - So Paulo: Abril
Cultural, 1980.KANT, I. Textos Selecionados; trad. Paulo Quintela e
outros. - So Paulo: Abril Cultural, 1980.Notas1. Veja BRUNER, J.
"Castelos Possveis", in Realidade Mental e Mundos Possveis. 2. Veja
DESCARTES, R. Discurso do Mtodo, primeira parte. 3. HUME, D.
Investigao Sobre o Entendimento Humano, se V, 38. 4. Ver KANT, I.
Prolegmenos; in Textos Selecionados, p. 10.Autor: Antnio Rogrio da
Silva Unidade 3: O Senso comum
A Defesa do Senso Comum;
Dificilmente, o brilhante esforo de Descartes de provar a
existncia da alma e de Deus seria capaz de converter um infiel ou
um ateu. Por outro lado, a crtica ctica tambm no pode servir de
alternativa a um modo de vida. Ningum conseguiria viver duvidando
constantemente de tudo. Por conta disso, todos procuram, bem ou
mal, seguir a maioria de suas crenas comuns sobre o mundo, por
falta de um motivo mais forte para descart-las, ainda que elas
possam ser completamente falsas.No final do sculo XX e do segundo
milnio, apesar de todas tentativas, a filosofia e as cincias no
encontraram um fundamento seguro que permitisse o abandono da maior
parte das interpretaes do senso comum. Todos jornais sustentam
colunas de horscopos; enquanto, no dia a dia, costuma-se dizer que
o sol nascer a leste e morrer a oeste, como se a astronomia e a
fsica no tivessem provado que a Terra gira em torno do Sol e a
distante e fraca influncia dos astros na tomada de deciso de uma
pessoa. Essa deficincia explicativa para sugerir um argumento
definitivo e ltimo, que provasse as coisas no mundo, gerou uma nova
forma de abordagem dos temas filosficos, menos dogmtica e mais
afeita ao falibilismo. Ou seja, j reconhece-se que a razo pode
falhar, por diversos motivos, e que um certo pragmatismo ante estas
questes a melhor postura a ser adotada. O senso comum e seu modo de
vida, baseado em crenas e desejos, permanecem inabalveis, tal como
na origem helnica da filosofia ocidental.Dada a incapacidade da
filosofia fornecer respostas definitivas que fechassem qualquer uma
de suas questes, volta-se a discutir, hoje, os problemas cognitivos
a partir de um ponto de vista mais aproximado das caractersticas
intuitivas, intencionais e explicativas do senso comum. As crenas e
desejos dos indivduos passam a ser base do pensamento filosfico
contemporneo. O individualismo metodolgico, ento, passa a ser a
principal marca das investigaes feitas pelas cincias humanas, sem
que para isso tenha de se perder uma atitude crtica e inquiridora.
Contribuiu para isso, um certo descrdito nas promessas da tendncia
positivista das cincias. J no se pensa, hoje, como se pensava, no
final do sculo passado, que o desenvolvimento das cincias e da
investigao filosfica iria proporcionar maior progresso e bem-estar
da maioria da populao. As aes desastrosas cometidas em nome do
desenvolvimento cientfico e da soberania da razo, ao longo deste
sculo, foram suficientes para abalar essas pretenses.A Filosofia do
Senso ComumPorm, antes disso tudo acontecer, o senso comum j
encontrava um defensor contundente entre um daqueles filsofos que
seguem a tradio analtica de abordar um tema filosfico, isto , tendo
como ponto de partida a compreenso precisa do significado das
expresses da linguagem. Este filsofo foi o ingls George Edward
Moore (1873-1958), que escreveu um ensaio intitulado Uma Defesa do
Senso Comum (1925). Neste ensaio, ele sustenta que certos trusmos
derivados do senso comum podem ser tidos como verdadeiros. Por
exemplo, saber que um corpo humano presente e vivo meu ou no; que
em tempos diferentes, muitas diversas coisas aconteceram e que eu
nasci num determinado tempo no passado, etc(1). Para Moore, cada
indivduo, na maioria das vezes, sabe sobre si mesmo todas aquelas
afirmaes de sua histria pessoal que ele afirma saber, no que diz
respeito a seu pensamento e corpo. A confuso criada pelos filsofos
em torno desse tipo de conhecimento dar-se-ia pelo fato deles
tomarem essas questes do ponto de vista de uma terceira pessoa,
fora daquele que afirma saber o que diz. Em outras palavras, outros
seres humanos poderiam ter outros corpos sem que o sujeito soubesse
que eram corpos humanos, j que da posio subjetiva no h como saber o
que aconteceu no passado com outros seres humanos, alm do prprio
sujeito. Ora, da perspectiva externa, ningum pode assegurar a
verdade das proposies do senso comum. S do ponto de vista interno e
pessoal que algum pode dizer que sabe algumas sentenas triviais do
senso comum, pertinentes ao seu prprio saber. O que Moore quer
garantir esse conhecimento mnimo de que cada um sabe que sabe a
verdade das proposies do senso comum.(...) Falar com desprezo
daquelas "crenas do senso comum" que mencionei certamente o mximo
dos absurdos. E h, obviamente, grande nmero de outras
caractersticas na "viso do mundo do Senso Comum" que, se aquelas
[crenas] so verdades, so certamente verdade tambm: por exemplo, que
viveram sobre a superfcie da terra no apenas seres humanos, mas
tambm muitas espcies diferentes de plantas e de animais etc etc
(MOORE, G. Op. Cit., in Escritos Filosficos, p. 253).Com isso,
Moore quer dizer que se uma pessoa sabe que uma proposio do senso
comum verdadeira, no h motivos para se duvidar que ela saiba, de
fato, essa verdade. Isso no impede que outros acontecimentos venham
a negar tal verdade. Entretanto, preciso que alguma pessoa saiba
que essa nova informao seja verdadeira, para que ela possa ser
sustentada. O senso comum no precisa de mais nada, para provar a
sua verdade, a no ser do conhecimento interno de algum que sustenta
uma dada afirmao como verdadeira. Alm disso, uma vez posto esse
conhecimento bsico, a verdade do mundo exterior tambm poderia ser
sustentada, do mesmo modo que as sentenas triviais, a partir da
certeza de quem sabe.Fora essa defesa de aspecto analtico, outras
formas de encarar o comportamento humano tiveram de recorrer s
expresses do senso comum, a fim de explicarem a ao do agente
humano. Para se conhecer as verdadeiras causas do ato de um agente,
seria preciso apelar, ento, ao uso de termos como crenas e desejos
que interagiriam na mente produzindo uma determinada conduta. O
vocabulrio de uma psicologia popular - para autores como Donald
Davidson e Daniel Dennett, por exemplo - no poderia ser reduzido
aos enunciados de uma cincia da natureza, como a fsica e a
neurologia.Os defensores da psicologia popular afirmam que a
complexidade dos mecanismos de deciso para uma ao no permite que se
abandone as crenas e desejos do senso comum, em favor de uma
simples explicao fisiolgica, sem levar em considerao as
caractersticas intencionais de um evento mental. Se uma srie de
neurnios afetada pela presena de determinado neuro-transmissor,
esse fato por si s no explica porque uma pessoa prefere ir para o
trabalho a p, de nibus, metr ou txi. As escolhas de um agente
humano, entendida em termos de preferncia, no se deixam reduzir a
sua base fsica e material.Embora nenhum evento na natureza possa
ocorrer sem o suporte material, isso no quer dizer que a melhor
interpretao desse evento deva se dar no mbito das cincias naturais.
Sobretudo quando se trata da ao humana, palavras como livre
arbtrio, desejos, crenas e hbitos so indispensveis para o
entendimento adequado das causas que esto "por detrs" do ato. A
representao da informao na mente e o processo de deliberao feitos
pelos indivduos precisam ainda da esfera da psicologia popular,
tpica do senso comum, para que uma explicao do fenmeno mental seja
bem sucedida.Nesse sentido, a intencionalidade est alm da descrio
neuro-fisiolgica do comportamento humano. Apesar de no conseguir,
ainda, propor leis sobre esse comportamento, a psicologia popular
no pode ser dispensada e o senso comum tem aqui um papel a
desempenhar.O Falibilismo e o Bom sensoAs cincias humanas tm como
acrscimo a dificuldade de explicar as circunstncias em que a razo
falha, sem que isso seja causado por um distrbio mecnico funcional
do organismo. Se acaso algum resolve seguir seus instintos, a
despeito de todas as razes contrrias, o mximo que se pode dizer que
essa pessoa age de modo irracional. Mas no h uma lei natural que
possa descrever com preciso quando a razo falhar ou no. Outros
fatores como a falta de informaes suficientes, desejos, influncias
diversas e observaes distorcidas podem ter uma participao efetiva
nas tomadas de deciso. Por vezes, a sorte dever tambm ser
considerada, sob a rubrica de uma margem de segurana das
previses.Nesse contexto, com a intuio que se conta. Alternativas
contra-intuitivas, geralmente, tendem a ser desastrosas, mas mesmo
assim isso no constitui uma regra. Dada a imponderabilidade dos
fatores envolvidos num fenmeno qualquer, a razo deve apoiar-se em
ltima instncia no bom senso do senso comum, onde as chances de algo
vir a ocorrer como o previsto se baseiam num hbito consolidado por
sucessivas observaes empricas registradas pela tradio.O
reconhecimento das limitaes da razo e uma postura crtica diante de
normas dogmticas podem ser a sada mais recomendvel nos dias de
hoje. A filosofia do senso comum deve, ento, estar atenta a esses
dois guias que s o amadurecimento da investigao emprica pode gerar.
J no cabe mais apelos a doutrinas idealizantes que tenham respostas
para tudo, como tambm no se aceita mais o recurso a supersties e
lendas fantasiosas. Entre o rigorismo das cincias do passado e a
impreciso do senso comum, a filosofia contempornea encontra seu
caminho. O senso comum deixa de ser, portanto, o "primo-pobre" que
precisa de ajuda, mas se transforma numa fonte rica de informaes
brutas a serem trabalhadas por uma pesquisa criteriosa, todavia no
conclusiva. O desdobramento dos eventos dos ltimos cem anos serviu
para reabilitar o conhecimento pr-filosfico da tradio, ao mesmo
tempo em que refreou os impulsos fundamentalistas dos filsofos e
cientistas reducionistas. Em nenhum campo do conhecimento humano, a
filosofia conseguiu sozinha melhores resultados do que o senso
comum. Os problemas ticos e cognitivos da civilizao helnica
permanecem sem soluo at hoje. No h uma concluso sobre a melhor
forma de agir ou validar uma ao. Assim como no se sabe com certeza
como os eventos do mundo fsico iro se comportar no futuro, graas
imponderabilidade gerada pelas complexas interaes entre todos
elementos na natureza.A indeterminao na natureza, reconhecida pelas
cincias naturais no incio desse sculo foi outro fator a tornar o
conhecimento cada vez mais relativo ao ponto de vista do
observador. Estendida filosofia, o indeterminismo alimenta o
relativismo e outras tendncias falibilistas, tais como o
pragmatismo que se apiam numa investigao do mundo desde a tica
assumida de um modo de vida estabelecido. Nesse caso, a melhor
alternativa perante as circunstncias que deve ser considerada
apropriada a uma ocasio, o que constitui um conhecimento provisrio,
mas plausvel, tendo em vista todos elementos envolvidos.Agora,
livre dos preconceitos, a filosofia pode trabalhar com os dados do
senso comum, a fim de encontrar os esclarecimentos crticos
necessrios que proporcionem ao homem contemporneo tomadas de
decises adequadas e uma melhor compreenso da complexidade dos fatos
do mundo. A despeito de tentativas reducionistas anacrnicas, a
filosofia e o senso comum seguem lado a lado permitindo a abertura
de novas linhas de pesquisa como a recente abordagem sobre o
conhecimento humano sugerida pela teoria da mente - que discute o
processo mental, a partir da perspectiva da psicologia popular e do
desenvolvimento da cincia computacional - e pela teoria da justia
como imparcialidade - que tem em John Rawls seu principal defensor
e pretende estabelecer princpios de poltica justos sem apelar para
concepes metafsicas, utopias irrealizveis e fundamentos ltimos,
supondo um equilbrio reflexivo de uma sociedade j formada.Junto ao
senso comum, a filosofia contempornea pe, finalmente, os ps no cho
e comea a caminhar, tendo como objetivo atender as exigncias
explicativas de seres humanos de carne e osso, portadores de
crenas, desejos, sofrimentos e histrias
particulares.BibliografiaDAVIDSON, D. Essays on Action and Events.
- Oxford: Claredon Press, 1980.ELSTER, J. Peas e Engrenagens das
Cincias Sociais; trad. Antnio Trnsito. - Rio de Janeiro:
Relume-Dumar, 1994.GARDNER, H. A Nova Cincia da Mente; trad. Cludia
M. Caon. - So Paulo: Edusp, 1995.DENNETT, D. C. "Mechanism and
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Action. - Londres: Routledge & Kegan Paul, 1973.MOORE, G.
Escritos Filosficos; trad. Paulo R. Mariconda. - So Paulo: Nova
Cultural, 1989.NAGEL, Th. Qu Significa Todo Esto?; trad. Alfonso
Montelongo. - Mxico, D. F.: Fondo de Cultura Econmica, 1987.RAWLS,
J. Uma Teoria da Justia; trad. Carlos P. Correia. - Lisboa:
Presena, 1993._______, _. "Justia como Equidade", in Lua Nova, n
25; trad. Regis de C. Andrade. - So Paulo: 1992.SEARLE, J. Mente,
Crebro e Cincia; trad. Artur Moro. - Lisboa: Edies 70, 1987.Notas1.
Veja MOORE, G. Uma Defesa do Senso Comum, in Escritos Filosficos,
p.243 e ss.Autor: Antnio Rogrio da SilvaUnidade 4: Cincia Fsica e
Conhecimento Humano;
Desde o incio, cincia e filosofia caminharam juntas e, pelo
menos at o sculo XIX, no fazia muito sentido separar as teorias
cientficas das teorias filosficas. O que hoje consideramos cincias
era antes chamado, de um modo geral, de "filosofia da natureza"(1).
Esses estudos procuravam fornecer uma explicao sobre o mundo que
permitisse apontar as leis determinantes de todos eventos naturais,
incluindo o movimento dos corpos celestes, as reaes dos elementos
qumicos e a origem dos seres vivos. medida que essas teorias
obtinham xito na descrio dos fenmenos da natureza, crescia a iluso
de se construir uma teoria pura e completa, capaz de prever com
exatido todos os acontecimentos, muito antes que eles viessem a
ocorrer. A concepo do "demnio de Laplace" - uma entidade, que ao
observar, ao mesmo tempo, a velocidade e posio de cada elemento na
natureza, seria, a partir disso, capaz de deduzir toda evoluo do
Universo, tanto no passado como no futuro - representa o tipo de
mentalidade confiante que foi constituda graas ao sucesso das leis
propostas por filsofos, como Isaac Newton e Antoine L. Lavoisier
(1743-1794), tanto na fsica como na qumica. Essa entidade imaginria
- sugerida pelo astrnomo e matemtico Pierre Simon Laplace
(1749-1827) - revela o quanto a perspectiva determinista da
natureza estava arraigada na pretenso das cincias clssicas. Bastava
que se conhecesse a posio e a velocidade iniciais dos objetos, para
que uma lei natural pudesse prever todos eventos a eles
relacionados, sua origem e seu destino.Tamanha pretenso acabou por
gerar uma tendncia a separar os rumos das pesquisas cientficas, da
investigao filosfica dos fundamentos e princpios que explicariam
porque um certo fenmeno acontece de um modo e no de outro. s
cincias seria suficiente encontrar uma teoria que descrevesse o
comportamento da natureza e pudesse prescrever seus desdobramentos,
enquanto caberia filosofia a justificativa racional do porque disso
ser assim e no de outro modo. Como conseqncia dessa diviso de
tarefas, o positivismo, desenvolvido por Auguste Comte (1798-1857)
na sua forma mais radical vem propor a reduo da filosofia
especulativa - sobretudo a metafsica - aos resultados da cincia,
cujo mtodo deveria ser aplicado a todas as outras formas de
conhecimento. Surgem, ento, as cincias sociais - a antropologia e a
sociologia - como disciplinas voltadas exclusivamente para o exame
dos mecanismos e relaes que geram os fatos sociais e a interao
humana, de um perspectiva neutra, deixando de lado as motivaes e
interesses que esto na origem do conhecimento
cientfico.Determinismo e IndeterminaoAs cincias clssicas,
destacadas da filosofia, assumem, portanto, essas caractersticas
deterministas e de pretenso de neutralidade que permitiram o
desenvolvimento de uma tecnologia como produto de um conhecimento
positivo da natureza. Entretanto, enquanto essa vertente
cientificista ia tomando corpo, outras pesquisas, que produziam
resultados divergentes dos paradigmas dominantes, comearam a abalar
as certezas em torno das leis clssicas da fsica. Durante os dois
sculos que se seguiram inaugurao do sistema newtoniano, as trs leis
fundamentais da mecnica e a noo determinista imanente permaneceram
inabalveis. As principais dificuldades para a viso mecanicista do
universo surgiram a partir da segunda metade do sculo XIX em
diante. Principalmente depois que o fsico alemo Rudolf J. E.
Clausius estabeleceu, em 1850, a segunda lei da termodinmica -
tambm conhecida como princpio de degradao de energia (ou entropia)
-, pela qual o calor no passa espontaneamente de um corpo para
outro de temperatura mais alta, mas sim do corpo mais quente para o
mais frio. Ao longo do tempo, seria impossvel que o calor dissipado
por um corpo fosse reconstitudo depois dele ter esfriado. Isso no
permitiria a reversibilidade do tempo, como queria Newton,
dificultando a localizao de um ponto no passado, desde os dados do
presente, uma vez que a energia fora dissipada por um objeto em
movimento, no poderia ser totalmente resgatada. Isso no forneceria
condies para o clculo absolutamente preciso de sua trajetria num
tempo passado, pois o tempo teria uma direo irreversvel que
privilegiaria o deslocamento para o futuro.Por outro lado, o
matemtico francs Jules-Henri Poincar, em 1905, observava que mesmo
a lei da gravitao - por ele considerada a "menos imperfeita de
todas as leis conhecidas"(2) - quando prev o movimento entre dois
corpos no espao, deve negligenciar a interferncia de outros objetos
envolvidos nessa relao, a fim de poder calcular com "preciso" as
suas trajetrias. A rbita da Lua em torno da Terra, por exemplo,
teria de omitir a influncia do Sol e outros astros do sistema
solar. O deslocamento da Lua s poderia se dar com uma
quase-certeza, aqum da pretenso suposta pela fsica clssica: "embora
essa probabilidade seja praticamente equivalente certeza, no mais
que uma probabilidade", disse Poincar em O Valor da
Cincia(3).Poincar foi o primeiro a mostrar, matematicamente, a
complexidade existente na interao gravitacional de um sistema com
mais de dois corpos e que a fsica clssica no poderia encontrar uma
soluo geral, para esse tipo de problema, na trilogia Les Mthodes
Nouvelles de la Mcanique Cleste (Os Novos Mtodos da Mecnica
Celeste,1892-1899). Mas com o surgimento da fsica quntica que o
determinismo das leis naturais se torna problemtico nas experincias
que tentam fazer uma medio das partculas subatmicas. A dificuldade
de medio decorre do fato de que o prprio ato de observao de uma
partcula altera a posio e a velocidade do objeto examinado. Os
eventos da fsica atmica apresentam a impossibilidade de se prever a
trajetria de um eltron, por exemplo, no intervalo entre os momentos
inicial e final da experincia, por mais preciso que seja o
instrumento.Em conseqncia disso, o fsico dinamarqus Niels Bohr
(1883-1962) propunha que, apesar dos fenmenos transcenderem "o
mbito da explicao da fsica clssica, a descrio de todos os dados
deve ser expressa em termos clssicos"(4). Dessa forma, ele
procurava descrever os novos fenmenos atravs de uma linguagem
"complementar" que utilizasse os termos consagrados pela tradio, ao
lado de um rigoroso clculo matemtico que fosse alm da perspectiva
determinista ou reducionista das imagens clssicas. Ou seja, os
"dados obtidos em diferentes condies experimentais no podem ser
compreendidos dentro de um quadro nico, mas devem ser considerados
complementares, no sentido de que s a totalidade dos fenmenos
esgota as informaes possveis sobre os objetos"(5). Assim, onde a
descrio da fsica clssica falhasse, uma nova interpretao do fenmeno,
sob a tica da matemtica formal da mecnica quntica, ampliaria o
quadro explicativo, proporcionando maior preciso na explicao do
evento fsico.Conhecimento e InteresseAs conseqncias dessa nova
postura da fsica contempornea podem ser estendidas para as cincias
humanas, em geral. A impossibilidade de reduzir-se o comportamento
humano a uma explicao meramente mecnica, mantm como vlida as
descries que levam em conta o livre arbtrio, as crenas e os
desejos. Pois as cincias da natureza no poderiam se valer de
conceitos como liberdade e vontade, tradicionais na atribuio de
intenes aos agentes humanos, j que da perspectiva externa dos
observadores das cincias da natureza, a explicao s poderia se d
utilizando termos como posio dos corpos, acelerao, massa, fora,
entre outros, sem apelar para fatores intencionais de cada indivduo
envolvido.A impossibilidade de uma construo terica objetivista e
reducionista, por parte das cincias empricas, atinge tambm a
pretenso de neutralidade, que outrora se imaginava quanto aos
interesses subjetivos dos prprios cientistas. Uma vez que - tanto
na fsica, como na sociologia - a posio do pesquisador-observador
interfere decisivamente nos resultados da experincia, sua postura
neutral fica comprometida. Neste instante, os interesses de cada um
devem ser considerados. Cabe, ento, epistemologia, como crtica
filosfica do conhecimento cientfico, questionar os mtodos da cincia
em sua pretenso de formular uma cincia pura da natureza, sem levar
em conta os interesses de quem observa e observado, ao se fazer uma
escolha por um determinado encaminhamento da investigao.A aplicao
do mtodo das cincias empricas s cincias humanas no pode mais
aspirar ao reducionismo ou eliminao de uma explicao que considere
os interesses especficos de cada disciplina. A crtica
epistemolgica, do conhecimento cientfico, pode agora chamar ateno
para o fato de que o suposto objetivismo das cincias esconde uma
tentativa de fornecer instrues dogmticas para a ao, sem qualquer
reflexo quanto aos interesses incorporados na busca de
conhecimento. A crtica filosfica das cincias pode afirmar, tendo em
vista os desdobramentos das revolues cientficas, que tal
neutralidade no impede os cientistas de intervirem na prtica
social, segundo os interesses sugeridos nas leis deterministas ou
no de suas teorias(6). A manuteno de um paradigma cientificista
imparcial e reducionista revela o tipo de interesse e a estrutura
comunitria de um grupo de cientista que opta por uma concepo
determinista da natureza e que pensa ter a cincia o poder de
predizer os fenmenos, permitindo maior controle sobre eles. Apesar
de todos problemas cognitivos impostos pela fsica contempornea e a
pela crtica filosfica quanto motivao dos cientistas, ainda h fsicos
como o ingls Stephen Hawking e o bilogos como E. O. Wilson que
pensam o universo e o comportamento humano enquanto geridos por
leis deterministas que o esforo da cincia tenta descobrir(7).Tal
tipo de comportamento demonstra que, por mais isenta que seja uma
pesquisa cientfica, a sua orientao feita tendo em mente os
interesses e a tradio de um certo grupo de cientista que elaboram
suas teorias e executam suas experincias, de acordo com os
pressupostos aceitos pela comunidade a qual cada um esteja
vinculado. Pois como sugere Thomas Kuhn, em A Estrutura das
Revolues Cientficas (1970), o paradigma dominante que eleger os
membros a serem aceitos pela comunidade cientfica, o processo a ser
adotado, os objetivos a serem investigados, alm das variantes
aceitveis, segundo o padro cientfico(8).A cincia, como toda
atividade humana, est sujeita a esses fatores de socializao que
visam a sobrevivncia do grupo ou comunidade. As experincias que
fogem dos padres adotados, como aquelas que demonstraram as
caractersticas aleatrias, no deterministas, na natureza, serviram
para apontar as limitaes das pretenses reducionistas e
deterministas do conhecimento cientfico que predominou nas cincias
clssicas. Por outro lado, elas serviram tambm como uma contra-prova
que revelou as tendncias dogmtica e positivista dos cientistas que
tentavam propor leis inquestionveis para a ao humana, diante da
natureza. Nestas circunstncias, a implementao desse novo paradigma
indeterminista da fsica contempornea contribuiu para que a
epistemologia criticasse a neutralidade dos cientistas quanto aos
interesses sociais e sua incorporao numa tradio histrica, que nem
sempre assumida pelos prprios pesquisadores, seja nas cincias da
natureza, nas exatas ou humanas. O que prova a existncia de limites
para o conhecimento cientfico neutro e absoluto.BibliografiaASIMOV,
I. Gnios da Humanidade. - Rio de Janeiro: Bloch, 1974.BOHR, N.
Fsica Atmica e Conhecimento Humano; trad. Vera Ribeiro. - Rio de
Janeiro: Contraponto, 1995.HABERMAS, J. Tcnica e Cincia como
"Ideologia"; trad. Artur Moro. - Lisboa: Edies 70, 1987.KUHN, Th. A
Estrutura das Revolues Cientficas; trad. Beatriz V. Boeira e Nelson
Boeira. - So Paulo: Perspectiva, 1997.NEWTON, I. Princpios
Matemticos; trad. Carlos L. Mattos. - So Paulo: Abril Cultural,
1983.PENROSE, R. O Grande, O Pequeno e a Mente Humana; trad.
Roberto L. Ferreira. - So Paulo: UNESP/Cambridge, 1998.POINCAR,
J-H. O Valor da Cincia; trad. M Helena F. Martins. - Rio de
Janeiro: Contraponto, 1995.PRIGOGINE, I. e STENGERS, I. A Nova
Aliana; trad. Miguel Faria e M Joaquina M. Trincheira. - Braslia:
Unb, 1991.Notas1. Isaac Newton (1642-1727) batizara sua obra
principal de Philosophie Naturalis Principia Mathematica (Princpios
Matemticos da Filosofia Natural, 1687), enquanto o naturalista Jean
B. Lamarck (1744-1829) publicara sua teoria evolucionria no livro
Philosophie Zoologique (Filosofia Zoolgica, 1809), que muito
influenciou Charles Darwin. 2. POINCAR, J-H. O Valor da Cincia,
cap. XI, 5, p. 158. 3. POINCAR, J-H. Op. Cit, idem. 4. BOHR, N. "O
Debate com Einstein Sobre Os Problemas Epistemolgicos Da Fsica
Atmica", in Fsica Atmica e Conhecimento Humano, p. 50. 5. BOHR, N.
Op. Cit., p. 51. 6. Veja HABERMAS, J. "Conhecimento e Interesse",
in Tcnica e Cincia como "Ideologia", cap. VII, p. 145/147. 7. Veja
HAWKING, St. Buracos Negros, Universos-Bebs e WILSON, E. O.
Sociobiology. - Cambridge: Havard University Press, 1975. 8. Veja
KUHN, Th. A Estrutura das Revolues Cientficas, posfcio p.
217-257.
Autor: Antnio Rogrio da SilvaUnidade 4:Cincia A Reforma da
Natureza;
A Terra levou cerca de 3 bilhes de anos para criar as condies
necessrias para que a vida em sua superfcie pudesse se desenvolver
a ponto de gerar a enorme diversidade que habita o planeta
atualmente. Em seu livro Diversidade da Vida (1992), o bilogo
Edward O. Wilson afirma que um quinto das 100 milhes de espcies que
se supe existir, no presente, poderiam desaparecer ou entrar em
processo de extino por causa da interferncia humana, destruindo
florestas, poluindo e introduzindo espcies exticas em meio
ambientes frgeis(1). Ao lado disso, a biologia vem desenvolvendo um
projeto que tem por finalidade mapear todo cdigo gentico humano, at
2010. Por trs dessa