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Apostila de Filosofia – Escola Juliano Neto Terceiro Ano do Ensino Médio - 2011 Wilson Fernandes “… é impossível negar que a Filosofia coxeia. Habita a história e a vida, mas quereria instalar-se no seu centro, naquele ponto em que são advento, sentido nascente. Sente-se mal no já feito. Sendo expressão, só se realiza renunciando a coincidir com aquilo que exprime e afastando-se dele para lhe captar o sentido. É a utopia de uma posse a distância”. Merleau-Ponty (1998) Períodos da História da Filosofia A História da Filosofia, como toda divisão cronológica, é uma escolha de quem estabelece os pontos de ruptura para justificar as separações entre um período e outro. É claro que esta “escolha arbitrária” está sustentada em algum critério que permite aproximações entre temas, características e proposições dos autores. Neste caso, as periodizações da História da Filosofia devem ser buscadas nos critérios de quem as fez, mais do que nas relações dos próprios filósofos, que ao escreverem e muitas vezes dialogando com textos de antepassados não estavam preocupados em pertencer a um período específico.
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Apostila de Filosofia

Dec 12, 2015

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BispoAlberto

Filosofia
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Page 1: Apostila de Filosofia

Apostila de Filosofia – Escola Juliano Neto

Terceiro Ano do Ensino Médio - 2011

Wilson Fernandes

 

 “… é impossível negar que a Filosofia coxeia. Habita a história e a vida,

mas quereria instalar-se no seu centro, naquele ponto em que são

advento, sentido nascente. Sente-se mal no já feito. Sendo expressão, só

se realiza renunciando a coincidir com aquilo que exprime e afastando-se

dele para lhe captar o sentido. É a utopia de uma posse a distância”.

Merleau-Ponty (1998)

 

Períodos da História da Filosofia

                A História da Filosofia, como toda divisão cronológica, é uma escolha

de quem estabelece os pontos de ruptura para justificar as separações entre

um período e outro. É claro que esta “escolha arbitrária” está sustentada em

algum critério que permite aproximações entre temas, características e

proposições dos autores. Neste caso, as periodizações da História da Filosofia

devem ser buscadas nos critérios de quem as fez, mais do que nas relações

dos próprios filósofos, que ao escreverem e muitas vezes dialogando com

textos de antepassados não estavam preocupados em pertencer a um período

específico.

                As caracterizações de um determinado período são úteis para uma

sistematização didática, mas como toda caracterização, ao mesmo tempo em

que dá identidade e especificidade ao período que está sendo caracterizado,

também serve para simplificar e reduzir um determinado pensamento ao

período em que ele surge.

Page 2: Apostila de Filosofia

Dialogando entre uma caracterização geral e as particularidades de cada

filósofo, a periodização que fazemos a seguir parte de algumas das principais

obras de História da Filosofia e se aproxima das divisões clássicas da própria

História: Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea. São breves exposições

e referências a alguns dos nomes que serão abordados nesse volume de

textos.

Filosofia Antiga

    A Filosofia Antiga refere-se a um grupo diversificado e que se localiza desde

o século VI a.C. na Jônia até os primeiros tempos da era cristã. Pela dimensão

temporal podemos localizar temáticas díspares que são sistematizadas neste

mesmo grupo. Entre estes grupos estão:

    - os pré-socráticos ou físicos: os filósofos, desde Tales de Mileto, que se

localizam antes de Sócrates e se interrogavam sobre a physis (natureza), daí o

nome físicos ou filósofos da natureza. A preocupação deles sobre o princípio

(a arché) da natureza, da ordem do mundo fez com que estabelecessem as

primeiras elaborações à procura de um princípio lógico ordenador e imanente

que explicasse a própria natureza.

    - Sócrates: é a figura central da Filosofia grega. Embora nunca tenha escrito

nada foi a partir dele que as questões humanas superaram as preocupações

sobre o princípio ordenador da natureza. Sócrates é uma figura emblemática

por ter legado à Filosofia a figura do homem questionador, que procura

conhecer, interrogando as pessoas que julgava sábias. Ele dialogava e

interrogava as pessoas à exaustão, através da ironia e da maiêutica, as partes

constitutivas do seu método dialético: inquiria para que as pessoas pudessem

“dar a luz às idéias”. Incorporou o lema de um Oráculo (“Conhece-te a ti

mesmo”) como parte de sua tarefa e foi condenado à morte.

    - A Filosofia sistemática. Platão e Aristóteles são os dois principais nomes

deste período:

    Platão dói discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles. Ele foi o primeiro a

sistematizar uma obra filosófica em que expressa uma determinada concepção

Page 3: Apostila de Filosofia

de mundo. Sua obra é marcada pela questão do conhecimento e a associação

com a atividade política. A Filosofia é filha da cidade (polis) e ao mesmo está a

sua margem, por isso, os diálogos platônicos expõem os temas de um debate

articulado, através da argumentação e do impulso que desperta o pensamento

e o conhecimento autêntico (epistéme) que ultrapasse as aparências (doxa).

    Aristóteles apresentou diferenças substantivas em relação a Platão. Sua

obra apresenta, em seu próprio modo de escrever e na escolha dos temas,

uma organização que expressa o objeto e os modelos de investigação que

propõe.

    Obras como “Metafísica”, “Física”, “Política”, “Organon”, “Poética”, “Ética”

identificam percursos e temas de um trabalho de demonstração argumentativa

em que o logos é sistematizado.

- Filosofias do helenismo: é o período de expansão da Filosofia a partir do

domínio exercido pelos macedônios e depois pelos romanos. A Filosofia deixa

de ser centrada no mundo grego e ultrapassa as antigas fronteiras da Ática.

Nesse período podemos identificar algumas correntes como o estoicismo,

o epicurismo, o cinismo, o ceticismo, o neoplatonismo.

- As primeiras elaborações da tradição cristã: embora haja um longo debate

sobre a existência de uma Filosofia Cristã, nos primeiros séculos da era cristã

há uma disputa entre as tradições do helenismo e o Cristianismo nascente.

Embora este não tenha um caráter especulativo como as Filosofias helenistas,

podemos identificar, sobretudo a partir dos apologistas do século II, a tentativa

de um diálogo entre a Fé e a Razão, para atrair os pagãos e a incorporação

de princípios da exposição filosófica. O aprofundamento dessas relações

marca a passagem final do período antigo para o início do período medieval.

 

 

Filosofia Medieval

Page 4: Apostila de Filosofia

    A figura de Agostinho de Hipona é apresentada como um dos últimos

representantes da Antiguidade e por outros como o primeiro representante da

tradição medieval. Longe de esgotar este debate, nos interessa identificar que

a obra de Santo Agostinho é o resultado de uma sistematização que foi muito

útil para a afirmação dos ensinamentos do Cristianismo, combatendo os

céticos, e retomando parte da elaboração platônica, sem, contudo ser ele

mesmo um platônico.

    O período da Filosofia medieval foi marcado pela instauração dos

debates, as disputas como o choque entre Nominalistas e Universalistas.

Houve uma separação dos saberes e dois campos de conhecimento:

a Teologia, que investigava sobre as questões relativas a Deus, vista como

superior; e a Filosofia, que abrangia todos os outros saberes, inclusive as

investigações sobre natureza, fazendo com que a Filosofia fosse um nome

dado a um grande número de saberes.

    Outro grande nome da Filosofia medieval foi o de Tomás de Aquino, um

dos responsáveis pela cristianização do pensamento aristotélico e pela

modernização das teorias do mundo cristão. A apropriação de conceitos como

“motor primeiro imóvel” e a clareza da demonstração tomista em que é exposta

uma tese, seguida dos argumentos favoráveis e contrários e a refutação

desses últimos, indicava a capacidade do mestre em organizar os argumentos

e realizar as sínteses de sua religião e também da obra de Aristóteles.

Filosofia Moderna

    A Filosofia do período moderno tem uma pulverização de temas e

abordagens. O humanismo, desde o século XIV, propunha a revalorização dos

textos da Antiguidade e a defesa de uma nova ordem política, na qual a ação

seria um elemento fundamental. Esta redescoberta dos textos da Antiguidade

representou uma nova perspectiva não apenas política, mas também

metodológica, que permitiu uma nova leitura do texto, superando os debates da

escolástica medieval.

Page 5: Apostila de Filosofia

    Com este despertar a teoria política e científica ganhou novos ares e as

transformações pelas quais passava o continente europeu entre os séculos XV

e XVIII foi marcada por um movimento de novas elaborações filosóficas:

Maquiavel, Montaigne, Erasmo, More, Galileu, Descartes, Thomas

Hobbes e Locke são alguns nomes que marcaram a História da Filosofia

Moderna.

    As perguntas sobre os fundamentos da realidade eram revestidas de

questionamentos sobre o que é conhecer e o papel do que se passou a chamar

de “sujeito moderno”. Do “cogito” cartesiano aos princípios da experiência,

passando pelas novas invenções, o renascimento cultural e artístico, temos um

panorama de algumas das questões do contexto daquele momento.

    Ao longo de todo o século XVIII desenvolveu-se a escola iluminista com suas

críticas ao mundo do Antigo Regime. Montesquieu, Voltaire, Rousseau,

Diderot e outros elaboraram propostas que, muitas vezes foram invocadas

pelos revolucionários das 13 colônias inglesas ou da França.

 

Filosofia Contemporânea

    Um filósofo do século XVIII (David Hume) e outro da transição do XVIII para

o XIX (Kant) estabeleceram a grande critica à metafísica que marca o início da

Filosofia Contemporânea. O idealismo kantiano marcaria muitas formas de

expressão da Filosofia Contemporânea.

    Porém, a partir do XIX é quase impossível estabelecer uma unidade efetiva

para o pensamento filosófico. Isto se deve em grande parte às transformações

sociais, econômicas e políticas ocorridas principalmente na Europa, que gerou

uma pluralidade de vozes, idéias e atitudes. O pensamento Hegeliano é

duramente atacado pela obra de Karl Marx e Friedrich Engels.  A idéia de

que a Filosofia deveria transformar o mundo e não apenas interpretá-lo

encontrará poderoso eco na obra da dupla Marx/Engels. Ao mesmo tempo, o

pensamento mais conservador de sistematização do conhecimento surgia dos

Page 6: Apostila de Filosofia

escritos de Augusto Comte e seu Positivismo, defendendo suas leis sociais e

necessidade da ordem para o progresso.

    No XIX estão as origens do pensamento Existencialista que teria muita

força no século seguinte. É impossível entender os fundamentos da obra

de Jean-Paul Sartre se não se levar em conta os escritos anteriores

deKierkegaard. A liberdade humana, o papel da angústia, a liberdade e uma

“existência que precede uma essência” estiveram presentes em pensamentos

existencialistas no século XX.

    Também no final do século XIX todo o sistema racional filosófico sofre duras

críticas de Nietzsche e sua forma original de escrever Filosofia.

    Além do já citado Existencialismo, o século XX é acompanhado pelo

desenvolvimento da Escola de Frankfurt, que a partir do período entre guerras

projetou os nomes de filósofos como Max Horkheimer, Theodor Adorno,

Herbert Marcuse e Walter Benjamin. Questões sobre estética, as funções da

linguagem uma teoria crítica da cultura marcaram a produção desta escola.

 

Lista de exercícios I – Questões:

1 – O que significa dizer que o recorte é arbitrário na História da Filosofia?

Qualquer recorte é válido?

2 – Quais são os temas centrais do pensamento antigo?

3 – Quais as características essenciais do pensamento medieval?

4 – O que caracteriza a Filosofia Moderna?

5 - Porque a partir do século XIX é quase impossível estabelecer uma unidade

efetiva para o pensamento filosófico?

 

Textos de Filosofia Antiga

Page 7: Apostila de Filosofia

 

I - Epicuro (341 – 270 aC)

    Epicuro foi criado em Samos. Decidiu abrir em Atenas uma escola ao redor

de um jardim. Disto decorreu o nome de sua escola: o Jardim. Sua defesa do

prazer fez com que fosse associado ao simples hedonismo, o que não

corresponde aos pensamentos de Epicuro. O filósofo defende um prazer

mediado pela Filosofia e pela reflexão e não o sentimento que ele considera

vulgar de buscar prazer imediato pelo prazer imediato. A busca do equilíbrio da

alma, o distanciamento das paixões (ataraxia), decorre da identificação dos

verdadeiros desejos separados dos desejos supérfluos ou vãos. Todas as

pessoas, homens ou mulheres, podem atingir a ataraxia, pois a Filosofia pode

ser aprendida por todos e todos, por sua vez, podem libertar-se através dela.

    Baseado na crença material dos átomos que tudo constituem, pregava uma

atitude de não temermos diante da morte, pois ela é inevitável e nada mais

existe depois dela.  Também os homens não devem ter medo dos deuses, pois

os seres divinos não interferem na nossa existência. Apesar de ter escrito

muito, dele pouco chegou até nossos dias, geralmente por via indireta, como

na obra de Lucrécio ou na biografia de Diógenes Laércio. Em parte por ter sido

erradamente associado ao hedonismo sensualista e a um certo tipo de

ateísmo, o epicurismo sofreu ataques posteriores, especialmente da tradição

cristã.

Fragmentos

    Todo desejo incômodo e inquieto se dissolve no amor da verdadeira filosofia.

                                                               ¯

    Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem canse o fazê-lo quando

se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro

para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não

chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já

passou a hora de ser feliz.

Page 8: Apostila de Filosofia

                                                               ¯

    Assim como realmente a medicina em nada beneficia, se não liberta dos

males do corpo, assim também sucede com a filosofia, se não liberta das

paixões da alma.

                                                               ¯

    Habitua-te a pensar que a morte nada é para nós, visto que todo mal e todo

o bem se encontram na sensibilidade: e a morte é a privação da sensibilidade.

                                                               ¯

    É insensato aquele que diz temer a morte, não porque ela o aflija quando

sobrevier, mas por que o aflige o prevê-la: o que não nos perturba quando está

presente inutilmente nos perturba também enquanto o esperamos.

                                                                ¯

    Tem de saber-se extrair pelo raciocínio conclusões concordantes com os

fenômenos.

                                                                ¯

    A sensação deve servir-nos para proceder, raciocinando, à indução de

verdades que não são acessíveis aos sentidos.

                                                                ¯

    É verdadeiro tanto o que vemos com os olhos como aquilo que

apreendemos mediante a intuição mental.

                                                                ¯   

    Quando te angustias com as tuas angústias, te esqueces da natureza: a ti

mesmo te impões infinitos desejos e temores.

                                                                ¯

Page 9: Apostila de Filosofia

    Então quem obedece à natureza e não às vãs opiniões a si próprio se basta

em todos os casos. Com efeito, para o que é suficiente por natureza, toda a

aquisição é riqueza, mas, por comparação com o infinito dos desejos, até a

maior riqueza é pobreza.

                                                                 ¯

    Chamamos ao prazer princípio e fim da vida feliz. Com efeito, sabemos que

é o primeiro bem, o bem inato, e que dele derivamos toda a escolha ou recusa

e chegamos a ele valorizando todo bem com um critério do efeito que nos

produz.

                                                                 ¯

    Nem a posse das riquezas nem a abundância das coisas nem a obtenção de

cargos ou poder produzem a felicidade e a bem-aventurança; produzem-na a

ausência de dores, a moderação nos afetos e a disposição de espírito que se

mantenha nos limites impostos pela natureza.

                                                                 ¯ 

    A ausência de perturbação e de dor são prazeres estáveis; por seu turno, o

gozo e a alegria são prazeres de movimento, pela sua vivacidade.

                                                                 ¯

    Quando dizemos, então, que o prazer é fim, não queremos referir-nos aos

prazeres dos intemperantes ou aos produzidos pela sensualidade, como crêem

certos ignorantes, que se encontram em desacordo conosco ou não nos

compreendem, mas ao prazer de nos acharmos livres de sofrimentos do corpo

e de perturbações da alma.

                                                                 ¯

    E como o prazer é o primeiro e inato bem, é igualmente por este motivo que

não escolhemos qualquer prazer; antes, pomos de lado muitos prazeres

quando, como resultado deles, sofremos maiores pesares; e igualmente

Page 10: Apostila de Filosofia

preferimos muitas dores aos prazeres quando, depois de longamente

havermos suportado as dores, gozamos de prazeres maiores. Por conseguinte,

cada um dos prazeres possui por natureza um bem próprio, mas não deve

escolher-se cada um deles; do mesmo modo, cada dor é um mal, mas nem

sempre se deve evitá-las. Convém, então, valorizar todas as coisas de acordo

com a medida e o critério dos benefícios e dos prejuízos, pois que, segundo as

ocasiões, o bem nos produz o mal e, em troca, o mal, o bem.

                                                                ¯  

    Alguns dos desejos são naturais e necessários; outros são naturais e não

necessários; outros nem naturais nem necessários, mas nascidos apenas de

uma vã opinião.

                                                                ¯

    Aqueles desejos que não trazem dor se não são satisfeitos não são

necessários; o seu impulso pode ser facilmente posto de parte, quando é difícil

obter a sua satisfação ou parecem trazer consigo algum prejuízo.

                                                                ¯

    E consideramos um grande bem o bastar-se a si próprio, não com o fim de

possuir sempre pouco, mas para nos contentarmos com pouco no caso em que

não possuamos muito, legitimamente persuadidos de que desfrutam da

abundância do modo mais agradável aqueles que menos necessidades têm, e

que é fácil tudo o que a natureza quer e difícil o que é vaidade.

                                                               ¯

    Se queres enriquecer (...) não lhe acrescentes riquezas: diminui-lhe os

desejos.

                                                               ¯

    A quem não basta pouco, nada basta.

Page 11: Apostila de Filosofia

                                                               ¯

    A vida do insensato é ingrata, encontra-se em constante agitação e está

sempre dirigida para o futuro.

                                                               ¯

    Recordemos que o futuro não é nosso nem de todo não nosso, para não

termos de esperá-lo como se estivesse para chegar, nem nos desesperarmos

como se em absoluto não estivesse para vir.

                                                               ¯

    Se recusas todas as sensações, não terás mais possibilidade de recorrer a

nenhum critério para julgar as que, entre elas, consideras falsas.

                                                               ¯

    De todas as coisas que nos oferece a sabedoria para a felicidade de toda a

vida, a maior é a aquisição da amizade.

                                                               ¯

    Toda amizade é desejável por si própria, mas inicia-se pela necessidade do

que é útil.

                                                               ¯

    Não temos tanta necessidade da ajuda dos amigos como de confiança na

sua ajuda.

                                                               ¯

    Não é amigo quem sempre busca a utilidade, nem quem jamais a relaciona

com a amizade, porque um trafica para conseguir a recompensa pelo benefício

e o outro destrói a confiada esperança para o futuro.

                                                               ¯

Page 12: Apostila de Filosofia

    O sábio que se pôs à prova nas necessidades da vida, melhor sabe dar

generosamente que receber: tão grande é o tesouro de íntima segurança e

independência dos desejos que em si possui.

(EPICURO: antologia de textos. In: Epicuro, Lucrécio, Cícero, Sêneca, Marco

Aurélio

 Abril Cultural, 1973. Col. “ Os Pensadores”. P. 21-28)

 

II - Estoicismo

    A filosofia estóica, que recebeu este nome por ser uma escola que se

localizava num Pórtico (“Stoa” em grego), assim como o epicurismo, é uma

filosofia que propunha um modo de viver. No entanto, em sua origem, não se

restringia a esta “arte de viver”: havia uma concepção da natureza, de seus

princípios incorpóreos e uma sistematização lógica. O estoicismo foi fundado

por Zenão de Cício, por volta do final do século III a.C. e perdurou até Marco

Aurélio, no século II da era cristã. Dos primeiros estóicos gregos temos apenas

comentários e pequenos fragmentos. Dos estóicos romanos temos obras

integrais. Embora não existia uma composição homogênea nos quase

quinhentos anos de estoicismo, os principais historiadores da Filosofia

incorporaram os ensinamentos dos estóicos romanos, como a busca da

ataraxia, a supressão das paixões, a austeridade.

    Em meio às riquezas do mundo romano, os estóicos ficaram associados às

noções de virtude da alma: uma aparência que o filósofo estóico deveria

ostentar como forma de ensinamento e um rigor que deveria ser perseguido

para se obter equilíbrio e bem viver.

 

 

Sêneca (4 aC – 65 dC)

Page 13: Apostila de Filosofia

    Nascido na península Ibérica romanizada, Lucis Annaeus Sêneca era de

família tradicional e cedo a política o trouxe ao centro do poder romano. Com

Cícero e Marco Aurélio, tornou-se um dos grandes representantes do

estoicismo em Roma. Para atingir a indiferença (apathea), base da realização

nesta vida, o filósofo deveria evitar os excessos, viver de modo frugal e

enfrentar com serenidade os reveses naturais da existência. A proximidade de

seus ensinamentos morais com alguns aspectos do Cristianismo deu a Sêneca

grande destaque nos estudos humanistas na Idade Média e na constituição do

modelo da tragédia do Renascimento. Suas ligações com a política o levaram

ao exílio durante uma perseguição do imperador Cláudio de quem se vingou

escrevendo uma sátira (Apocolocyntosis) e à morte por seu ex-aluno, Nero,

que desconfiava que o filósofo tivesse participado de uma conspiração. Foi

obrigado ao suicídio, juntamente com sua esposa.

 

Fragmentos

Como se portar na infelicidade

    X – 1. Todavia, eis que tombaste em qualquer situação difícil, sem que hajas

feito nada para isso: a adversidade pública ou particular passou-te um laço pelo

pescoço, laço que não podes mais nem arrebentar. Lembra-te de que os

desventurados que são peados começam por se revoltar contra os pesos e as

cadeias de suas pernas; e que, desde que eles começam a se resignar, em

lugar de se revoltar, a necessidade lhes ensina a suportar sua sorte com

coragem e o hábito torna-a suportável. Encontrarás em qualquer situação

divertimentos, descansos e prazeres, se te esforçares para julgar teus males

leves, antes de considerá-los intoleráveis.

    2. O melhor título da natureza ao nosso reconhecimento é que, conhecendo

todos os sofrimentos para os quais estávamos destinados na vida, para

abrandar nossos padecimentos ela criou o hábito que nos familiariza em pouco

tempo com os mais rudes tormentos. Pessoa alguma resistiria, se, ao

Page 14: Apostila de Filosofia

continuar, a adversidade conservasse a mesma violência que tem na primeira

desgraça.

    3. Estamos todos ligados à fortuna: para uns a cadeia é de ouro e frouxa,

para outros é apertada e grosseira; mas que importa? Todos os homens

participam do mesmo cativeiro, e aqueles que encadeiam os outros não são

menos algemados; pois tu não afirmarás, suponho eu, que os ferros são menos

pesados quando levados no braço esquerdo. As honras prendem este, a

riqueza aquele outro; este leva o peso de sua nobreza, aquele o de sua

obscuridade; um curva a cabeça sob a tirania de outrem, outro sobre a própria

tirania; a este sua permanência num lugar é imposta pelo exílio, àquele outro

pelo sacerdócio. Toda vida é uma escravidão.

    4. É preciso, pois, acostumar-se a sua condição, queixando-se o menos

possível e não deixando escapar nenhuma das vantagens que ela possa

oferecer: nenhum destino é tão insuportável que uma alma razoável não

encontre qualquer coisa para consolo. Vê-se freqüentemente um terreno

diminuto prestar-se, graças ao talento do arquiteto, às mais diversas e incríveis

aplicações, e um arranjo hábil torna habitável o menos canto. Para vencer os

obstáculos, apela à razão: verás abrandar-se o que resistia, alargar-se o que

era apertado e os fardos tornarem-se mais leves aos ombros que saberão

suportá-los.

    5. Não descortinemos, de outro lado, um campo vasto demais aos nossos

desejos: limitemos o vôo aos objetos mais próximos, visto que não podemos

pensar em reprimi-los inteiramente. Renunciando ao que é impossível ou difícil

demais para realizar, apeguemo-nos ao que, estando mais próximo, anima

nossa esperança; mas sem esquecer que todas as coisas são igualmente

frívolas e que, se as aparências diferem, é sempre no interior a mesma

futilidade. Não invejemos as situações elevadas: pois o que julgamos ser o

cume não é mais do que a beira de um abismo.

    6. Em compensação, aqueles que a sorte pérfida colocou sobre estes

perigosos picos diminuirão os riscos que correm, se despojarem do orgulho

Page 15: Apostila de Filosofia

natural e reduzirem sua fortuna na medida do possível, e a um nível mais

modesto.

    Há, sem dúvida, muitos homens que não tem o direito de abandonar o cimo

onde então colocados e de onde não podem descer a não ser ao preço de uma

queda: homens que consideram sua mais pesada obrigação, precisamente, o

serem obrigados a pesar sobre os outros, sobre os quais não estão elevados,

mas sim, amarrados. Que por sua justiça, sua doçura, sua clemência e sua

generosa bondade, eles preparem forças para a sorte que os espera e cuja

esperança lhes suavize os perigos da inconstância.

    7. Todavia, nada nos preservará melhor das inquietudes deste gênero do

que fizermos sempre um limite para nossas ambições, sem esperar que a

fortuna nos interrompa, como é seu costume; e suspendermos nosso

progresso muito tempo antes do instante fatal. Do destino ainda sentiremos a

picada de muitos desejos; mas estes serão desejos acanhados, que não nos

poderão lançar em intermináveis aventuras.

(SÊNECA. Da tranqüilidade da alma. In: Epicuro, Lucrécio, Cícero, Sêneca,

Marco Aurélio.

Abril Cultural, 1973. Col. “Os Pensadores”. P. 216)

 

III – Cinismo

Antístenes (444 – 365 aC)

Filósofo grego que foi discípulo de Sócrates e mestre de Diógenes. Fundou a

escola Cínica ou o Cinismo defendendo uma doutrina filosófica que pregava o

abandono das convenções sociais e das leis existentes, a negação de posses

materiais e a busca da auto-suficiência. Ensinava seu modo de vida num

mausoléu. Considerava a si mesmo o cão e vivia como tal.

Diógenes, o cínico, foi seu seguidor mais popular que viveu também na

cidade de Atenas. Sua casa era um tonel, um barril, e ele costumava caminhar

Page 16: Apostila de Filosofia

com uma lanterna acesa em plena luz do dia à procura de um homem virtuoso.

Também se considerava o cão e desprezava as opiniões públicas, as

convenções sociais, a hipocrisia moral, ironizando todos que a elas se

submetiam. Diógenes defendia um retorno à vida simples e uma existência

conforme a natureza.

 

IV – Ceticismo

Pirro de Élida (365 – 275 aC)

Pirro fundou o Ceticismo propriamente dito. Sua doutrina eminentemente

prática defendia a suspensão do juízo (epoché) sobre as coisas do mundo,

uma vez que nada podemos saber com certeza, tudo que se apresenta como

verdadeiro não passa de hábito e convenção. Suspensão do juízo, pois ainda

que existisse a verdade, para o cético, ela seria impossível de ser atingida, pois

o conhecimento do real é incomunicável à razão humana. Pirro, entretanto

acredita que mesmo com essa impossibilidade devemos continuar buscando a

certeza e a verdade. Outro pensador que sistematizou as idéias do ceticismo

chamado Sexto Empírico diverge de Pirro, pois para ele devemos suspender o

juízo e renunciar à crença na possibilidade de se atingir um conhecimento

verdadeiro. A indiferença torna-se, portanto, para Sexto Empírico, o segredo da

felicidade.

 

Lista III – Questões:

1 – No final da Antiguidade Clássica, a filosofia deixa de ser centrada no

mundo grego e ultrapassa as antigas fronteiras da Ática. Quais são as

principais correntes do Helenismo?

2 – Mostre quais são as idéias centrais do Epicurismo.

3 – Aponte o que caracteriza o Estoicismo de Zenão e Sêneca.

Page 17: Apostila de Filosofia

4 – Como podemos compreender o Cinismo de Antístenes e Diógenes?

5 – Qual é a tese central do Ceticismo de Pirro?

6 – Aponte a diferença existente entre o Ceticismo de Pirro e o de Sexto

Empírico.

7 - Escreva nos espaços entre parêntesis qual a escola do helenismo que

defende a idéia apresentada (Estóicos, Epicuristas, Cínicos ou Céticos).

a)                  Estamos todos ligados à fortuna: para uns a cadeia é de ouro e

frouxa, para outros é apertada e grosseira; mas que importa? Todos os

homens participam do mesmo cativeiro, e aqueles que encadeiam os outros

não são menos algemados; pois tu não afirmarás, suponho eu, que os ferros

são menos pesados quando levados no braço esquerdo. As honras prendem

este, a riqueza aquele outro; este leva o peso de sua nobreza, aquele o de sua

obscuridade; um curva a cabeça sob a tirania de outrem, outro sobre a própria

tirania; a este sua permanência num lugar é imposta pelo exílio, àquele outro

pelo sacerdócio. Toda vida é uma escravidão. (______________________)

b)                  Habitua-te a pensar que a morte nada é para nós, visto que todo

mal e todo o bem se encontram na sensibilidade: e a morte é a privação da

sensibilidade. (______________________)

c)                   Nem a posse das riquezas nem a abundância das coisas nem a

obtenção de cargos ou poder produzem a felicidade e a bem-aventurança;

produzem-na a ausência de dores, a moderação nos afetos e a disposição de

espírito que se mantenha nos limites impostos pela natureza.

(______________________)

d)                  Quando dizemos, então, que o prazer é fim, não queremos refirir-

nos aos prazeres dos intemperantes ou aos produzidos pela sensualidade,

como crêem certos ignorantes, que se encontram em desacordo conosco ou

não nos compreendem, mas ao prazer de nos acharmos livres de sofrimentos

do corpo e de perturbações da alma. (___________________)

Page 18: Apostila de Filosofia

e)                   Não descortinemos, de outro lado, um campo vasto demais aos

nossos desejos: limitemos o vôo aos objetos mais próximos, visto que não

podemos pensar em reprimi-los inteiramente. Renunciando ao que é

impossível ou difícil demais para realizar, apeguemo-nos ao que, estando mais

próximo, anima nossa esperança; mas sem esquecer que todas as coisas são

igualmente frívolas e que, se as aparências diferem, é sempre no interior a

mesma futilidade. Não invejemos as situações elevadas: pois o que julgamos

ser o cume não é mais do que a beira de um abismo.

(______________________)

f)                    Ainda que a verdade existisse, eu não teria condições de atingi-

la. (_______________________)

g)                  Doutrina que desprezava as riquezas e todas as convenções

sociais. (_______________________)

h)                  E como o prazer é o primeiro e inato bem, é igualmente por este

motivo que não escolhemos qualquer prazer; antes, pomos de lado muitos

prazeres quando, como resultado deles, sofremos maiores pesares; e

igualmente preferimos muitas dores aos prazeres quando, depois de

longamente havermos suportado as dores, gozamos de prazeres maiores. Por

conseguinte, cada um dos prazeres possui por natureza um bem próprio, mas

não deve escolher-se cada um deles; do mesmo modo, cada dor é um mal,

mas nem sempre se deve evitá-las. Convém, então, valorizar todas as coisas

de acordo com a medida e o critério dos benefícios e dos prejuízos, pois que,

segundo as ocasiões, o bem nos produz o mal e, em troca, o mal, o bem.

(_____________________)

i)                    Alguns dos desejos são naturais e necessários; outros são

naturais e não necessários; outros nem naturais nem necessários, mas

nascidos apenas de uma vã opinião. (_____________________)

j)                    A mais anticultural das filosofias, pregava a virtude de viver

segundo a natureza e tinha nos cães um paradigma de existência.

(________________)

Page 19: Apostila de Filosofia

k)                  Recordemos que o futuro não é nosso nem de todo não nosso,

para não termos de esperá-lo como se estivesse para chegar, nem nos

desesperarmos como se em absoluto não estivesse para vir.

(____________________)

l)                    Doutrina que inspira a dúvida, a suspensão do juízo sobre o

mundo. (_____________________)

m)                De todas as coisas que nos oferece a sabedoria para a felicidade

de toda a vida, a maior é a aquisição da amizade. (_________________)

n)                  O sábio que se pôs à prova nas necessidades da vida, melhor

sabe dar generosamente que receber: tão grande é o tesouro de íntima

segurança e independência desejos que em si possui.

(_____________________)

o)                  Todavia, eis que tombaste em qualquer situação difícil, sem que

hajas feito nada para isso: a adversidade pública ou particular passou-te um

laço pelo pescoço, laço que não podes mais nem arrebentar. Lembra-te de que

os desventurados que são peados começam por se revoltar contra os pesos e

as cadeias de suas pernas; e que, desde que eles começam a se resignar, em

lugar de se revoltar, a necessidade lhes ensina a suportar sua sorte com

coragem e o hábito torna-a suportável. Encontrarás em qualquer situação

divertimentos, descansos e prazeres, se te esforçares para julgar teus males

leves, antes de considerá-los intoleráveis. (_____________________)

p)                  É preciso, pois, acostumar-se à sua condição, queixando-se o

menos possível e não deixando escapar nenhuma das vantagens que ela

possa oferecer: nenhum destino é tão insuportável que uma alma razoável não

encontre qualquer coisa para consolo. Vê-se freqüentemente um terreno

diminuto prestar-se, graças ao talento do arquiteto, às mais diversas e incríveis

aplicações, e um arranjo hábil torna habitável o menor canto. Para vencer os

obstáculos, apela à razão: verás abrandar-se o que resistia, alargar-se o que

era apertado e os fardos tornarem-se mais leves sobre os ombros que saberão

suportá-los. (_____________________)

Page 20: Apostila de Filosofia

q)                  Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem canse o

fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem

demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de

filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda

não chegou ou já passou a hora de ser feliz. (_________________)

 

 

SOCIOLOGIA

Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895)

    Os dois filósofos alemães constituíram uma das mais influentes teorias

filosóficas da idade Contemporânea. Karl Marx nasceu numa família de judeus

convertidos ao luteranismo. Engels pertencia a uma sólida família de industriais

alemães. A formação filosófica de Marx ocorreu num ambiente universitário

bastante influenciado pelas idéias de Hegel. Em 1848, Marx eEngels lançaram

um texto chamado Manifesto do Partido Comunista estabelecendo grande

parte das idéias que desenvolveriam de forma mais aprofundada ao longo da

vida: leitura da História a partir de condições materiais concretas, materialismo

dialético, luta de classes como elemento dinâmico das sociedades, luta de

classes como motor da História, união proletária para constituir um Estado sem

classes e releitura da dialética hegeliana. A proximidade do movimento da

primavera dos povos de 1848 deu ainda mais visibilidade ao documento.

Movendo-se como exilados ou perseguidos entre Paris, Bruxelas e Londres,

Marx e Engels produziram ainda obras como A Sagrada Família, A Ideologia

Alemã e O Capital, obra que foi completada por Engels após a morte de Marx.

Marx e Engels escreveram em conjunto ou separadamente: A Miséria da

Filosofia; O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte; A origem da família, da

propriedade privada e do Estado; O Anti-Dühring entre outras.

A alienação social

Page 21: Apostila de Filosofia

    Marx era filósofo, advogado e historiador, e interessou-se por um estudo

feito por outro filósofo, Feuerbach. Este investigara o modo como se formam as

religiões, isto é, o modo como os seres humanos sentem necessidade de

oferecer uma explicação para a origem e a finalidade do mundo.

    Ao buscar essa explicação, explica Feuerbach, os humanos projetam para

fora de si um ser superior dotado das qualidades que julgam as melhores:

inteligência, vontade livre, bondade, justiça, beleza, mas as fazem existir nesse

ser supremo como superlativas, isto é, ele é onisciente e onipotente, sabe tudo,

faz tudo, pode tudo. Pouco a pouco, os humanos se esquecem de que foram

os criadores desse ser e passam a acreditar no inverso, ou seja, que esse ser

foi quem os criou e os governa. Passam a adorá-lo prestar-lhe culto, temê-lo.

Não se reconhecem, nesse outro que criaram. Em latim, “outro” se diz alienus.

Quando os homens não se reconhecem num outro que eles mesmos criaram,

eles se alienam. Feuerbach designou esse fato com o nome de alienação.

    A alienação é o fenômeno pelo qual os homens criam ou produzem alguma

coisa, dão independência a essa criatura como se ela existisse por si mesma e

em si mesma, deixam-se governar por ela como se ela tivesse poder em si e

por si mesma, não se reconhecem na obra que criaram, fazendo-a um ser-

outro, separado dos homens, superior a eles com poder sobre eles.

    Marx não se interessou apenas pela alienação religiosa, mas investigou,

sobretudo a alienação social.

Para Marx a essência humana é o trabalho.

 

Conceito de Trabalho para Marx: Transformação dos elementos da natureza

onde o ser, enquanto espécie, se humaniza. O ser humano modifica a natureza

através do seu trabalho. O subjetivo humano projetado na natureza se objetiva

na produção concreta de um artefato humano. Isto, para Marx, é Trabalho.

 

Page 22: Apostila de Filosofia

A ideologia alemã

    Marx e Engels nesta primeira parte da Ideologia Alemã analisam a influencia

do pensamento hegeliano na Alemanha e o falso embate entre os antigos e

novos hegelianos. Para Marx e Engels a ideologia é uma forma de mascarar a

realidade, recorrendo a uma forma de explicação absoluta e idealizada. A

superação deste jogo é a inversão da análise que Marx e Engels propõem.

    Para eles os homens são diferentes dos animais pelas próprias condições

materiais e a consciência que se estabelece a partir da busca pela

sobrevivência. Qualquer forma de consciência ou explicação só tem validade

se partir desse pressuposto. Os idealistas estariam equivocados em suas

explicações por não considerar a realidade material, fixando-se num jogo de

encobrimentos que é a própria ideologia.

 

A ideologia em geral e em particular a ideologia alemã

    Mesmo em seus mais recentes esforços, a critica alemã não deixou o

terreno da filosofia. Longe de examinar suas bases filosóficas gerais, todas as

questões, sem exceção, que ela formulou para si brotaram do solo de um

sistema filosófico determinado, o sistema hegeliano. Não só em suas

respostas, mas também nas próprias questões, havia uma mistificação. Essa

dependência de Hegel é a razão pela qual não encontramos um só crítico

moderno que tenha sequer tentado passado Hegel. A polêmica que travam

contra Hegel e entre si mesmo limitam-se ao seguinte: cada um isola um

aspecto do sistema hegeliano e o faz voltar-se ao mesmo tempo contra todo o

sistema e contra os aspectos isolados pelos outros. Começou-se por escolher

categorias hegelianas puras, não-falsificadas, tais como a Substância, a

Consciência de si, para mais tarde profanarem-se essas mesmas categorias,

com termos mais temporais, como o Gênero, o Único, o Homem etc.

   (...) Os velhos hegelianos tinham compreendido tudo desde que tinham

reduzido tudo a uma categoria de lógica hegeliana. Os jovens hegelianos

criticaram tudo, substituindo cada coisa por representações religiosas ou

Page 23: Apostila de Filosofia

proclamando-a como teológica. Jovens e velhos hegelianos estão de acordo

em acreditar que a religião, os conceitos e o Universal reinavam no mundo

existente. A única diferença é que uns combatem, como se fosse usurpação, o

domínio que os outros celebram como legítimo.

    Para os jovens hegelianos, as representações, idéias, conceitos, enfim, os

produtos da consciência aos quais eles próprios deram autonomia, eram

considerados como verdadeiros grilhões da humanidade, assim como os

velhos hegelianos proclamavam ser eles os vínculos verdadeiros da sociedade

humana. Torna-se assim evidente que os jovens hegelianos devem lutar

unicamente contra essas ilusões da consciência. Como, em sua imaginação

dos homens, todos os seus atos e gestos, suas cadeias e seus limites são

produtos da sua consciência, coerentes consigo próprios, os jovens hegelianos

propõem aos homens este postulado moral: trocar a sua consciência atual pela

consciência humana, crítica ou egoísta e, assim fazendo, abolir seus limites.

Exigir assim a transformação da consciência equivale a interpretar de modo

diferente o que existe, isto é, reconhecê-lo por meio de uma outra

interpretação. (...)

    Nenhum desses filósofos teve a idéia de se perguntar qual era a relação

entre a filosofia alemã e a realidade alemã, a ligação entre a sua crítica e o seu

próprio meio material.

    As premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são bases

reais que só podemos abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, sua

ação e suas condições materiais de existência, tanto as que eles já

encontraram prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação.

Essas bases são, pois verificáveis por via puramente empírica.

    A primeira condição de toda história humana é, naturalmente, a existência de

seres humanos vivos. A primeira situação a constatar é, portanto, a

constituição corporal desses indivíduos e as relações que ela gera entre eles e

o restante da natureza. Não podemos, naturalmente, fazer aqui um estudo

mais profundo da própria constituição física do homem, nem das condições

naturais, que os homens encontraram já prontas, condições geológicas,

Page 24: Apostila de Filosofia

orográficas, hidrográficas, climáticas e outras. Toda historiografia deve partir

dessas bases naturais e de sua transformação pela ação dos homens, no

curso da história.

    Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e

por tudo o que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos

animais logo que começam a produzir seus meios de existência, e esse

passo à frente é a própria consciência de sua organização corporal. Ao

produzirem seus meios de existência, os homens produzem indiretamente sua

própria vida material.

(...) Eis, portanto, os fatos; indivíduos determinados com atividade produtiva

segundo um modo determinado entram em relações sociais e políticas

determinadas. Em cada caso isolado, a observação empírica deve mostrar nos

fatos, e sem nenhuma especulação nem mistificação, a ligação entre a

estrutura social e política e a produção. A estrutura social e o Estado nascem

continuamente do processo vital de indivíduos determinados; mas desses

indivíduos não tais como aparecem nas representações que fazem de si

mesmos ou nas representações que os outros fazem deles, mas na sua

existência real, isto é, tais como trabalham e produzem materialmente;

portanto, do modo como atuam em bases, condições e limites materiais

determinados e independentes de sua vontade.

    A produção das idéias, das representações e da consciência está, a

princípio, direta e intimamente ligada à atividade material e ao comercio

material dos homens; ela é a linguagem da vida real. As representações, o

pensamento, o comércio intelectual dos homens aparecem aqui ainda como a

emanação direta de seu comportamento material. O mesmo acontece com a

produção intelectual tal como se apresenta na linguagem da política, na das

leis, da moral, da religião, da metafísica etc. de todo um povo. São os homens

que reproduzem suas representações, suas idéias etc., mas os homens reais,

atuantes, tais como são condicionados por um determinado desenvolvimento

de suas forças produtivas e das relações que a elas correspondem, inclusive

as mais amplas formas que estas podem tomar.

Page 25: Apostila de Filosofia

    A consciência nunca pode ser mais que o ser consciente; e o ser dos

homens é o seu processo vida real. E, se, em toda a ideologia, os homens e

suas relações nos aparecem de cabeça para baixo em uma câmera escura,

esse fenômeno decorre de seu processo de vida histórico, exatamente como a

inversão dos objetos na retina de seu processo de vida diretamente físico.

    Ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui é da

terra que se sobe ao céu. Em outras palavras, não partimos do que os homens

dizem, imaginam e representam, tampouco do que eles são nas palavras, no

pensamento, na imaginação e na representação dos outros, para depois se

chegar aos homens de carne e osso; mas partimos dos homens em sua

atividade real, é a partir de seu processo de vida real que representamos

também o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas desse

processo vital. E mesmo as fantasmagorias existentes no cérebro humano são

sublimações resultantes necessariamente do processo de sua vida material,

que podemos constatar empiricamente e que repousa em bases materiais.

Assim, a moral, a religião, a metafísica e todo o restante da ideologia, bem

como as formas de consciência a elas correspondentes perdem logo toda a

aparência de autonomia. Não têm historia, não têm desenvolvimento; ao

contrário, são os homens que, desenvolvendo sua produção material e suas

relações materiais, transformam, com a realidade que lhes é própria, seu

pensamento e também os produtos do seu pensamento. Não é a consciência

que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência. Na

primeira forma de considerar as coisas, partimos da consciência como sendo o

indivíduo vivo; na segunda, que corresponde à vida real, partimos dos próprios

indivíduos reais e vivos, e consideramos a consciência unicamente como a sua

consciência.

(MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins

Fontes, 1989. p. 10-13; 19-21)

 

Para Marx, é justamente na consciência de classe que a alienação desaparece

ou pode ser superada, é precisamente quando o indivíduo não morre na sua

Page 26: Apostila de Filosofia

subjetividade e nem é expropriado objetivamente em seu trabalho que ele

resgata sua essência humana.

É na luta coletiva, na práxis revolucionária que a consciência de classe percebe

sua força e entende por fim, que a subjetividade é indissociável da

intersubjetividade, ou seja, a luta é de todos os oprimidos e alienados da terra e

do trabalho pelo modo de produção capitalista, é contra esse modo de

produção opressor e alienante que devemos lutar.

Daí decorre a necessidade de uma sociedade sem classes,

a saber: A Sociedade Comunista.  

 

Lista VI – Questões:

1 – Explique o fenômeno da Alienação.

2 – Quais são as teses centrais do Manifesto do Partido Comunista e o que

Marx e Engels pretendiam com ele?

3 – O que é uma Ideologia?

4 – Porque podemos considerar Marx e Engels como sendo Materialistas

Dialéticos?

5 – Pesquise no Dicionário do Pensamento Marxista e explique os seguintes

conceitos: trabalho, proletariado, mais-valia, luta de classes, meios de

produção, estrutura material e superestrutura ideológica, burguesia, estado e

comunismo.

 

 

FILOSOFIA ALEMÃ

Aforismos do criador de valores

Page 27: Apostila de Filosofia

Friedrich Nietzsche

(1844–1900)

    Nascido numa tradicional família de pastores luteranos, o filósofo alemão

Friedrich Nietzsche foi encaminhado para uma formação religiosa. Seus

estudos acadêmicos o afastaram da tradição familiar e ele se dedicou à

Filosofia e à Filologia (estudo da genealogia, da origem etimológica), iniciando

numa precoce carreira universitária. Sua reflexão incidiu sobre questões como

a mortalidade religiosa, a razão, a origem da tragédia, a musica de Wagner, o

tema da morte de Deus. Durante uma visita à Itália teve uma crise nervosa e

nunca mais recuperou a sanidade. Seu estilo aforismático e suas idéias

ousadas tiveram grande influência na filosofia do século XX. Escreveu O

Nascimento da Tragédia, O Anticristo, A Gaia Ciência, Humano

Demasiado Humano, Assim Falava Zaratustra, Além do Bem e do Mal,

Ecce Homo entre outras obras.

 

O canto da dança

... “e quando conversei a sós com a minha selvagem sabedoria, disse-me

esta zangada: “Tu queres, desejas, amas; e somente por isso louvas a

vida”.

Quase lhe respondi mal e disse a verdade àquela zangada; e nunca

podemos responder pior do que quando dizemos a verdade à nossa

sabedoria.

Tais são, com efeito, as relações entre nós três. Do fundo do meu ser, amo

somente a vida – e, na verdade, nunca a amo tanto como quando a detesto.

Que, porém, eu seja condescendente com a sabedoria, e muitas vezes

condescendente demais: isto provém de que ela me lembra demasiado a

vida”.

 

Page 28: Apostila de Filosofia

“Sobre leves esteios [a Filosofia] salta para diante: a esperança e o

pressentimento põem asas em seus pés. Pesadamente o entendimento

calculador arqueja em seu encalço e busca esteios melhores para também

alcançar aquele alvo sedutor ao qual sua companheira mais divina já

chegou. Dir-se-ia ver dois andarilhos diante de um regato selvagem, que

corre rodopiando pedras: o primeiro com pés ligeiros, salta sobre ele usando

pedras e apoiando-se nelas para lançar-se mais adiante, ainda que atrás

dele, afundem bruscamente nas profundezas. O outro, a todo instante,

detém-se desamparado, precisa antes construir fundamentos que

sustentem seu passo pesado e cauteloso...”.

Vida e Obra

Filósofo alemão, nascido em 15 de outubro de 1844, filho de um pastor

protestante, foi educado muito rigidamente. Excelente aluno estudou

filosofia clássica grega e entusiasmou-se com a obra O Mundo como

Vontade e Representação, de Schopenhauer, outro filósofo alemão.

Lecionou filosofia grega na Universidade da Basiléa, e tornou-se admirador

da música de Richard Wagner. Tempestuoso e com problemas de saúde,

alimentou polêmicas com outros estudiosos e escreveu obras com grande

estilo, conhecimento e poder de destroçar as bases da lógica e da moral

tradicional. Seus escritos têm alimentado controvérsias e várias

interpretações. Segundo a imagem que tinha dele mesmo, não era um

homem, mas dinamite, um extemporâneo que escrevia "para todos e para

ninguém".Dizia que a filosofia se fazia "às marteladas". Suas obras

principais são: O Nascimento da Tragédia no Espírito da

Música (1872) Humano Demasiado Humano (1878) A Gaia

Ciência (1882), Assim Falou Zaratustra (1883), A Genealogia da

Moral (1887), Crepúsculo dos Ídolos (1888).

Em 1896, Freud utiliza, pela primeira vez, o termo psicanálise.

Em 1898, nasce Bertold Brecht.

Em 1899, Freud termina a Interpretação dos Sonhos.

Page 29: Apostila de Filosofia

Nietzsche faleceu a 25 de agosto de 1900, em Weimar.

O pequeno gigante

O pensamento de Nietzsche, diz o livro Filosofando, "se orienta no sentido

de recuperar as forças inconscientes, vitais, instintivas subjugadas pela

razão durante séculos. Para tanto, critica Sócrates, por ter encaminhado

pela primeira vez a reflexão moral em direção ao controle racional das

paixões. Segundo Nietzsche, nasce ai o homem desconfiado de seus

instintos, tendo essa tendência culminado com o cristianismo, que acelerou

a "domesticação" do homem.

Em diversas obras, como Sobre a Genealogia da Moral, Para Além do

Bem e de Mal e Crepúsculo dos Ídolos, em estilo apaixonado e mordaz,

Nietzsche faz a análise histórica da moral e denuncia a incompatibilidade

entre esta e a vida. Em outras palavras, o homem sob o domínio da moral,

se enfraquece, tornando-se doentio e culpado.

Nietzsche relembra a Grécia homérica do tempo das epopéias e das

tragédias, considerando-a como momento em que predominam os

verdadeiros valores aristocráticos, quando a virtude reside na força e na

potência, sendo atributo do guerreiro belo e bom, amado dos deuses.

Nessa perspectiva, o inimigo não é mau: "Em Homero, tanto o grego quanto

o troiano são bons. Não passa por mau aquele que nos inflige algum dano,

mas aquele que é desprezível".

Ao fazer a crítica da moral tradicional, Nietzsche preconiza a

"transvaloração de todos os valores". Denuncia as falsas morais,

decadentes, de rebanho, "de escravos", cujos valores seriam a bondade, a

humildade, a piedade e o amor ao próximo. Contrapõe a ela a moral "de

senhores", uma moral positiva que visa à conservação da vida e dos seus

instintos fundamentais. A moral dos senhores é positiva, porque baseada no

sim à vida, e se configura sob o signo da plenitude, do acréscimo. Por isso

se funda na capacidade de criação, de invenção, cujo resultado é a alegria,

conseqüência da afirmação da potência.

Page 30: Apostila de Filosofia

O homem que consegue superar-se é o super homem (Übermensch,

expressão alemã que significa "além-do-homem", "sobre-humano", "que

transpõe os limites do humano").

A moral dos escravos nega os valores vitais e resulta na passividade, na

procura de paz e do repouso. O homem se torna enfraquecido e diminuído

em sua potência. A alegria é transformada em ódio à vida, o ódio dos

impotentes. A conduta humana, orientada pelo ideal ascético, torna-se

marcada pelo ressentimento e pela má consciência. O ressentimento nasce

e é nocivo ao fraco. O homem ressentido, incapaz de esquecer, é como o

dispéptico: fica "envenenado" pela inveja e impotência de vingança. Ao

contrário, o homem nobre sabe "digerir" suas experiências, e esquecer é

uma das condições de manter-se saudável. A má consciência ou sentimento

de culpa é o ressentimento voltado contra si mesmo, daí fazendo nascer a

noção de pecado, que inibe a ação. O ideal ascético nega a alegria da vida

e coloca a mortificação como meio para alcançar a outra vida num mundo

superior, do além. Assim, as práticas de altruísmo destroem o amor de si,

domesticando os instintos e produzindo gerações de fracos.

Durante o período que Nietzsche foi influenciado por Schopenauer, e seu

niilismo radical, ou seja, a ausência de crença em qualquer verdade moral

ou hierarquia de valores, com a morte de Deus, parecia ser insuperável do

ponto de vista existencial. Entretanto, Nietzsche fará a travessia do Niilismo

ao formular sua Doutrina do Eterno Retorno, onde apresenta a possibilidade

de "triunfar da tristeza pelo riso, triunfar do niilismo mais radical pelo lirismo

mais louco, esta “magia do extremo” e essa transmutação da negação em

afirmação, constituindo seu paradoxo”.

“Aquele a quem o esforço proporciona o mais alto sentimento, que se

esforce; aquele a quem o repouso proporciona o mais alto sentimento, que

repouse; aquele a quem se integrar, seguir, obedecer proporciona o mais

alto sentimento, que obedeça. Possa ele tornar-se consciente do que lhe

proporciona o mais alto sentimento e não recuar diante de nenhum meio! A

eternidade está em jogo”.

Page 31: Apostila de Filosofia

 

“Perder-se a si mesmo. Uma vez que se tenha encontrado a si mesmo, é

preciso saber, de tempo em tempo, perder-se – e depois reencontrar-se:

pressuposto que seja um pensador”.

Scarlett Marton (Professora da FFLCH-USP)

 

Estilo Aforismático

"Mais do que problema psicológico ou questão existencial, em Nietzsche, o

experimentalismo é opção filosófica. Ao colocar um problema em seus

múltiplos aspectos, abordar uma questão a partir de vários ângulos, tratar

de um tema adotando diversos pontos de vista, o filósofo está a fazer

experimentos com o pensar. Não é por acaso, aliás, que privilegia o estilo

aforismático; se perseguir uma idéia é abandonar várias outras pelo

caminho, o que é o aforismo senão a possibilidade de perseguir uma idéia

partindo de diferentes pontos de vista? Adequado ao perspectivismo, o

estilo aforismático que ele adota põe-se assim a serviço do

experimentalismo”.

 

Assim Falou Zaratustra - um livro para todos e ninguém

Das três transmutações

Três transmutações vos cito do espírito: como o espírito se torna em

camelo, e em leão o camelo, e em criança, por fim, o leão.

Muito de pesado há para o espírito, para o espírito forte, que suporta carga,

em que reside o respeito: pelo pesado e pelo pesadíssimo reclama sua

força.

Page 32: Apostila de Filosofia

O que é pesado? Assim pergunta o espírito de carga, assim ele se ajoelha,

igual ao camelo, e quer ser bem carregado.

O que é o pesadíssimo, o heróis? Assim pergunta o espírito de carga, para

que eu o tome sobre mim e me alegre de minha força.

Não é isto: abaixar-se, para fazer mal a sua altivez? Deixar brilhar sua

tolice, para zombar de sua sabedoria?

Ou é isto: apartar-nos de nossa causa, quando ela festeja sua vitória?

Galgar altas montanhas, para tentar o tentador?

Ou é isto: nutrir-se de bolotas e grama do conhecimento e por amor à

verdade sofrer fome na alma?

Ou é isto: estar doente e mandar embora os consoladores e fazer amizade

com surdos, que nunca ouvem o que tu queres?

Ou é isto: entrar em água suja, se for a água da verdade, e não afastar de si

frias rãs e sapos que queimam?

Ou é isto: amar aqueles que nos desprezam e estender a mão ao espectro

quando ele nos quer fazer medo?

Todo esse pesadíssimo o espírito de carga toma sobre si: igual ao camelo,

que carregado corre para o deserto, assim ele corre para seu deserto.

Mas no mais solitário deserto ocorre a segunda transmutação: em leão se

torna aqui o espírito, liberdade quer ele conquistar, e ser senhor do seu

próprio deserto.

Seu último senhor ele procura aqui: quer tornar-se inimigo dele e de seu

último deus, pela vitória quer lutar com o grande dragão.

Qual é o grande dragão, a que o espírito não quer mais chamar de  senhor

e deus? "Tu deves" se chama o grande dragão. Mas o espírito do leão diz

"eu quero".

Page 33: Apostila de Filosofia

"Tu deves" está em seu caminho, cintilante de ouro, um animal de escamas,

e em cada escama resplandece em dourado: "Tu deves!"

Valores milenares resplandecem nessas escamas, e assim fala o mais

poderoso de todos os dragões: "todo o valor das coisas - resplandece em

mim".

"Todo o valor já foi criado e todo valor criado - sou eu. Em verdade, não

deve haver mais nenhum 'Eu quero'! " Assim fala o dragão.

Meus irmãos, para que é preciso o leão no espírito? Em que não basta o

animal de carga, que renuncia e é respeitoso?

Criar novos valores - disso nem o leão ainda é capaz: mas criar liberdade

para nova criação - disso é capaz a potência do leão.

Criar liberdade e um sagrado Não, mesmo diante do dever: para isso, meus

irmãos, é preciso o leão.

Tomar para si o direito a novos valores - eis o mais terrível tomar, para um

espírito de carga e respeitoso. Em verdade para ele é uma rapina, e coisa

de animal de rapina.

Como seu mais sagrado amava ele outrora o "Tu deves": agora tem de

encontrar ilusão e arbítrio até mesmo no mais sagrado, para conquistar sua

liberdade desse amor: é preciso o leão para essa rapina.

Mas dizei, meus irmãos, de que ainda é capaz a criança, de que nem

mesmo o leão foi capaz? Em que o leão rapidamente tem ainda de se tornar

em criança? Inocência é a criança, e esquecimento, um começar-de-novo,

um jogo, uma roda rodando sobre si mesma, um primeiro movimento, um

sagrado dizer-sim.

Sim, para o jogo do criar, meus irmãos, é preciso um sagrado dizer-sim: sua

vontade quer agora o espírito, seu mundo ganha para si o perdido do

mundo.

Page 34: Apostila de Filosofia

Três transmutações vos citei do espírito: como o espírito se tornou em

camelo, e em leão o camelo, e o leão, por fim, em criança.-

Assim falou Zaratustra. E naquele tempo ele se demorava na cidade, que é

chamada: A vaca colorida”.

 

Vontade de Potência (wille zur macht)

Elo de ligação entre a ciência da natureza e a ciência do espírito.

Vida é Vontade de Potência.

VP não só do ser humano, mas de todo ser vivo, também em seus órgãos,

tecidos e células.

A precedência da VP não se confunde com supremacia e o combate, a luta

não visa o extermínio. A luta não pode levar à destruição dos elementos (em

alemão, Wilhelm Roux, quer dizer, concorrência vital, conflito interno, Rolph

significa desejo de sobrepor-se e Wirklichkeit representa a efetividade, a

realidade efetiva) e a força é desprovida de qualquer caráter teleológico

(telos = finalidade, objetivo), não almeja um fim, uma meta. VP como caráter

intrínseco dos elementos visando efetivar-se da força, sem permitir

dicotomia entre efeito e a obra de um sujeito. Não vemos a força, vemos

apenas o efetivar-se da força, pois há em Nietzsche uma impossibilidade de

distinguir a força de suas manifestações. A vida se expressaria por

diferenciação, não se tratando de uma realidade fixada, mas sim de

um processo dinâmico do vir-a-ser. Combate inútil do orgânico com o

inorgânico, pois o orgânico necessariamente se deteriora. "o vivente é

somente uma espécie de morto". Tudo o que existe é o vir-a-ser. VP como

desejo de prevalecer que leva a suprimir culpa e aceitar a natureza

agonística da força, gerando a idéia de que a força estaria presente em todo

ser vivente, variando seu grau e sua intensidade a partir das configurações

estabelecidas. Nietzsche diz: "Naquele que serve encontrei o desejo de se

tornar senhor". Sempre existe uma pluralidade de forças, o mundo é

Page 35: Apostila de Filosofia

constituído por forças agindo e resistindo uma em relação às outras, sendo

que todas querem se expandir, o que leva à disputa e ao combate

incessante, sem finalidade, apenas combater pelo caráter intrínseco da

VP."O caráter essencialmente dinâmico da força impede que ela não se

exerça; seu querer-vir-a-ser-mais-forte impede que cesse o combate. A

vontade de potência, impulso de apropriar e dominar, leva a força a querer

prevalecer na relação com os demais; atuando em todas elas, desencadeia

uma luta geral e permanente. Em suma, se o mundo tivesse algum objetivo,

já o teria atingido; se tivesse alguma finalidade, já a teria realizado."

(Scarlett Marton)

 

No conceito de Vontade de Potência se acham subsumidas duas outras

idéias: Apolo e Dionísio

Apolo representa o domínio de si, a forma contida, o equilíbrio racional,

simétrico, a contenção, a regra, a ordem e a medida, a forma, a escultura, a

visão íntima, a beleza, representa as potências formadoras, os limites,

existindo como princípio de individuação dos seres e das coisas.

Dionísio incorpora as forças irracionais, o desregramento, a liberdade dos

instintos sem barreiras nem entraves, o princípio de indiferenciação, a

insubmissão, a desmedida, indiferenciação, é o deus pagão do vinho e do

teatro, o desejo de embriaguez, a desordem, a incontinência, a crueldade, a

volúpia, a unidade indiferenciada com a natureza, o dissolver-se no coletivo,

enfim, representa a torrente caudalosa e indomável desse fundo comum de

todos nós.

Ambos são indispensáveis, como luz e sombra, são pulsões cósmicas, dois

princípios: o apolíneo representa o delineamento, a distinção, a forma

contida na individuação. Já o dionisíaco é pura indiferenciação, expansão

das forças.

Duas divindades da arte grega que coexistem num antagonismo profundo

de instintos e impulsos quase sempre em franca discórdia, incitando-se

Page 36: Apostila de Filosofia

mutuamente para novas e vigorosas criações, perpetuando o duelo deste

contraste.

 

A Doutrina do Eterno Retorno do Mesmo

"o mais pesado dos pesos"

"E se um dia ou uma noite", escreve Nietzsche na Gaia Ciência, "um

demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: 'Esta

vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda

uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor

e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de

indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na

mesma ordem e seqüência - e do mesmo modo esta aranha e este luar

entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna

ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela,

poeirinha da poeira!' - Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e

amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um

instante descomunal, em que lhe responderias: 'Tu és um deus, e nunca

ouvi nada mais divino!' Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti,

assim como tu és" continua o filósofo “ele ti transformaria e talvez te

triturasse”; a pergunta diante de tudo e de cada coisa: 'Quero isto ainda

uma vez e ainda inúmeras vezes ?'Pesaria como o mais pesado dos

pesos sobre teu agir! Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo

e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna

confirmação e chancela?"

 

Contradições e Ambigüidades:

1 - O tipo decadente é o pessimista, o ressentido.

Page 37: Apostila de Filosofia

2 - O tipo medíocre ou gregário é o otimista, buscando a felicidade

e o progresso, quer o bem estar e a segurança do rebanho,

igualitário e pacífico.

3 - O tipo aristocrático é o solitário, aquele que busca elevar-se num

além do homem, é potência criadora.

A respeito da Justiça, Nietzsche nos ensina a olhar nos olhos e superar a

vingança, o juízo e o carrasco: “Não me agrada vossa justiça fria; e de

dentro dos olhos de vossos juízes olham-me sempre o carrasco e seu ferro

frio”.

Para Nietzsche, a civilização tende a arrebatar da vida tudo o que a torna

perigosa, aventurosa, problemática, e, sobretudo, a nivelar os privilégios e

as desigualdades intoleráveis. "O nivelamento, é, pois para qualquer

sociedade superior o começo do fim" O Judaísmo, O Platonismo (Sócrates

e Platão) e o Cristianismo universalizantes operaram uma "inversão total

das hierarquias naturais", transformaram o sentimento trágico da vida que

havia entre os gregos pré-socráticos e também entre os "bárbaros" em uma

moral do rebanho, submissa, servil, idealista e transcendental.

 

“Uma luz se acendeu para mim: é de companheiros de viagem que eu

preciso, e vivos - não de companheiros mortos e cadáveres, que carrego

comigo para onde eu quero ir”.

Mas é de companheiros vivos que eu preciso, que me sigam porque querem

seguir a si próprios - e para onde eu quero ir.

Uma luz se acendeu para mim: não é ao povo que deve falar Zaratustra,

mas a companheiros! Não deve Zaratustra tornar-se pastor e cão de um

rebanho.

Desgarrar muitos do rebanho - foi para isso que eu vim. Devem vociferar

contra mim povo e rebanho: rapinante quer chamar-se Zaratustra para os

pastores.

Page 38: Apostila de Filosofia

Pastores digo eu, mas eles se denominam os bons e os justos. Pastores

digo eu: mas eles se denominam os crentes da verdadeira crença.

Vede os bons e os justos! Quem eles odeiam mais? Aquele que quebra sua

tábua de valores, o quebrador, o infrator: - mas este é o criador.

Vede os crentes de toda crença! Quem eles odeiam mais? Aquele que

quebra suas tábuas de valores, o quebrador, o infrator: - Mas este é o

criador".

 

"Se a ruína do cristianismo trouxe como conseqüência a sensação de que

nada tem sentido e que tudo é em vão, trata-se agora de mostrar que a

visão cristã não é a única interpretação do mundo - é só mais uma.

Perniciosa, ela inventou a vida depois da morte para justificar a existência;

nefasta, fabricou o reino de Deus para legitimar avaliações humanas. Na

tentativa de negar este mundo em que nos achamos, procurou estabelecer

a existência de outro, essencial, imutável, eterno; durante séculos, fez dele

a sede e a origem dos valores. É urgente, pois, suprimir o além e voltar-se

para a terra; é premente entender que eterna é esta vida tal qual a vivemos

aqui e agora. Ao revelar a intenção de pôr "no lugar da metafísica e da

religião, aDoutrina do Eterno Retorno", o filósofo deixa claro que a

travessia do niilismo deve levar a uma superação. Ela tem de desembocar

num gesto afirmativo, num "dionisíaco-dizer-sim ao mundo", diz ele - e

completa: "ao mundo, tal como é". Nietzsche representa assim a suprema

afirmação do real, de uma realidade cujo recomeçar é querido

integralmente, exatamente tal qual ele é, com todas sua dores e todas suas

alegrias, sem somar nem diminuir, sem modificação nem correção – em

resumo: é a suprema prova em que se reconhece um destino que venceu

seu pessimismo”.

"É inevitável que a existência tal como é, sem sentido ou finalidade, se

repita; é imprescindível que o homem, não possuindo outra vida além desta,

a afirme. Não temos escapatória: estamos condenados a viver inúmeras

Page 39: Apostila de Filosofia

vezes e, todas elas, sem razão ou objetivo; tudo o que nos resta é aprender

a amar o nosso destino.

"Corações ao alto, meus irmãos, vamos, mais alto ainda! E não esqueçais

as pernas! Pernas ao alto, admiráveis dançarinos, e melhor ainda - de

cabeça para baixo!"

 

A Gaia Ciência e Assim Falou Zaratustra

    O anúncio da morte de Deus neste fragmento da Gaia Ciência, segundo os

estudiosos, o anúncio do fim do modelo metafísico do pensar. A idéia de Deus,

que se encontra morto, é a ilustração da insuficiência da idéia de verdade

incontestável que a metafísica tradicional expressava e da qual religião era um

dos suportes. Não existem, com o fim desta metafísica, valores fixos e

incontentáveis: não há uma essência que todos deveriam atingir. A crítica

de Nietzsche é ao mundo permanente e à tradição de um conhecimento

aprisionado. A morte de Deus expressa o surgimento de homens de “espíritos

livres”. Para se chegar a este espírito a ousadia é um dos requisitos como

podemos ler em outro fragmento que está em Assim falou Zaratustra: um

livro para todos e para ninguém. A virtude está com os que desafiam e se

arriscam: é a proposta do além-do-homem. Um novo homem que não pode

ser nivelado pelos códigos vigentes, mas um homem que se recria e

arrisca.         

 

 

A Gaia Ciência

   Aforismo 125 -O homem louco – Não ouviram falar daquele homem louco

que em plena manha acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a

gritar incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!?” – E como lá

encontrassem muitos daqueles que não criam em Deus, ele despertou com

Page 40: Apostila de Filosofia

isso uma grande gargalhada . Então ele está perdido? Perguntou um deles. Ele

se perdeu como uma criança? Disse um outro. Está se escondendo? Ele tem

medo de nós? Embarcou num navio? Emigrou? – gritavam e riam uns para os

outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com o

seu olhar: “Para onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes direi! Nós o matamos –

vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como

conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar

o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu sol? Para onde se

move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis?

Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, em todas

as direções? Existem ainda ‘em cima’? Não vagamos como que através de um

nada infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele mais

frio? Não anoiteceu eternamente? Não temos que acender lanternas de

manhã? Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o

cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está

morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar; a nós,

assassinos entre os assassinos? O mais forte e mais sagrado que o mundo

então possuíra sangrou inteiro sob os nossos punhais – quem nos limpará este

sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos expiatórios, que

jogos sagrados teremos de inventar? A grandeza desse ato não é demasiada

para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos

parecer dignos dele? Nunca houve um ato maior – e quem vier depois nós

pertencerá, por causa desse ato, a uma história mais elevada que toda a

história até então!” Nesse momento silenciou o homem louco, e novamente

olhou para seus ouvintes: também ele ficaram em silêncio, olhando espantados

para ele. “Eu venho cedo demais”, disse então, “ não é ainda meu tempo. Esse

acontecimento enorme está a caminho, ainda anda: não chegou aos ouvidos

dos homens. O corisco e o trovão precisam de tempo, a luz das estrelas

precisa de tempo, os atos, mesmo depois de feitos, precisam de tempo para

ser vistos e ouvidos. Esse ato ainda lhes é mais distante que a mais longínqua

constelação – e, no entanto eles o cometeram!”– Conta-se também que no

mesmo dia o homem louco irrompeu em várias igrejas, e em cada uma entoou

o seu Réquiem alternam deo. Levado para fora e interrogado, limitava-se a

responder: ”O que são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos de

Page 41: Apostila de Filosofia

Deus?”.  (NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia ciência. S.Paulo: Companhia das

letras, 2001. p. 147-148)

 

Lista VII – Questões:

1 - Qual é a ligação que Nietzsche propõe entre Apolo e Dionísio? Que

forças cada uma dessas pulsões cósmicas representam?

2 - Analise e comente a noção de Vontade de Potência.

3 - Quais são as transmutações pelas quais passa o espírito e o que cada

uma delas representa?

4 - Estabeleça a noção nietzscheana do "Eterno Retorno do Mesmo" e

comente a frase "quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes"?

5 - Qual é "o mais pesado dos pesos"? O que representa ele?

6 - Qual é o sentido da crítica que Nietzsche dirige ao Platonismo, ao

Judaísmo e ao Cristianismo? O que o filósofo entende por "espírito de

rebanho”?

7 - Analise e comente a vida e a obra de Friedrich Nietzsche.

8 - Compare a "moral dos escravos" com a "moral dos senhores" e

estabeleça suas semelhanças e diferenças.

9 - O que pode ser compreendido como niilismo e qual é a maneira que

Nietzsche aponta para superá-lo?

10 - Analise e comente o primeiro aforismo que trata das relações entre

sabedoria, o eu do filósofo e a vida. Que concessões a vida deve fazer à

sabedoria?

11 - Analise e comente o aforismo O Canto da dança:

Page 42: Apostila de Filosofia

“...e quando conversei a sós com a minha selvagem sabedoria, disse-me

esta zangada: Tu queres, desejas, amas; e somente por isso louvas a

vida.

Quase lhe respondi mal e disse a verdade àquela zangada; e nunca

podemos responder pior do que quando dizemos a verdade à nossa

sabedoria.

Tais são, com efeito, as relações entre nós três. Do fundo do meu ser, amo

somente a vida – e, na verdade, nunca a amo tanto como quando a detesto.

Que, porém, eu seja condescendente com a sabedoria, e muitas vezes

condescendente demais: isto provém de que ela me lembra demasiado a

vida”.

12 –  A respeito das idéias de Nietzsche assinale (V) para as verdadeiras e

(F) para as falsas:

(  ) A moral dos escravos nega os valores vitais e resulta na passividade, na

procura de paz e do repouso. O homem se torna enfraquecido e diminuído

em sua potência. A alegria é transformada em ódio à vida, o ódio dos

impotentes. As condutas humanas, orientadas pelo ideal ascético, tornam-

se marcadas pelo ressentimento e pela má consciência. O ressentimento

nasce e é nocivo ao fraco. O homem ressentido, incapaz de esquecer, é

como o dispéptico: fica "envenenado" pela inveja e impotência de vingança.

Ao contrário, o homem nobre sabe "digerir" suas experiências, e esquecer é

uma das condições de manter-se saudável.

(  ) Mais do que problema psicológico ou questão existencial, em Nietzsche,

o experimentalismo é opção filosófica. Ao colocar um problema em seus

múltiplos aspectos, abordar uma questão a partir de vários ângulos, tratar

de um tema adotando diversos pontos de vista, o filósofo está a fazer

experimentos com o pensar. Não é por acaso, aliás, que privilegia o estilo

aforismático, adequado ao perspectivismo, o estilo aforismático que ele

adota põe-se assim a serviço do experimentalismo.

Page 43: Apostila de Filosofia

(  ) Dionísio representa o domínio de si, a forma contida, o equilíbrio

racional, simétrico, a contenção, a regra, a ordem e a medida, a forma, a

escultura, a visão íntima, a beleza, representa as potências formadoras, os

limites, existindo como princípio de individuação dos seres e das coisas.

Apolo incorpora as forças irracionais, o desregramento, a liberdade dos

instintos sem barreiras nem entraves, o princípio de indiferenciação, a

insubmissão, a desmedida, indiferenciação, é o deus pagão do vinho e do

teatro, o desejo de embriaguez, a desordem, a incontinência, a crueldade, a

volúpia, a unidade indiferenciada com a natureza, o dissolver-se no coletivo,

enfim, representa a torrente caudalosa e indomável desse fundo comum de

todos nós.

Ambos são indispensáveis, como luz e sombra, são pulsões cósmicas, dois

princípios: o dionisíaco representa o delineamento, a distinção, a forma

contida na individuação. Já o apolíneo é pura indiferenciação, expansão das

forças.Duas divindades da arte grega que coexistem num antagonismo

profundo de instintos e impulsos quase sempre em franca discórdia,

incitando-se mutuamente para novas e vigorosas criações, perpetuando o

duelo deste contraste.

(  ) A respeito da justiça, Nietzsche nos ensina a olhar nos olhos e superar a

vingança, o juízo e o carrasco: “Não me agrada vossa justiça fria; e de

dentro dos olhos de vossos juízes olham-me sempre o carrasco e seu ferro

frio”.

(  ) Para Nietzsche, a civilização tende a arrebatar da vida tudo o que a

torna perigosa, aventurosa, problemática, e, sobretudo, a nivelar os

privilégios e as desigualdades intoleráveis. "O nivelamento, é, pois para

qualquer sociedade superior o começo do fim" O Judaísmo, O Platonismo

(Sócrates e Platão) e o Cristianismo universalizantes operaram uma

"inversão total das hierarquias naturais", transformaram o sentimento trágico

da vida que havia entre os gregos pré-socráticos e também entre os

"bárbaros" em uma moral do rebanho, submissa, servil, idealista e

transcendental".

Page 44: Apostila de Filosofia

(  ) Ao revelar a intenção de pôr "no lugar da metafísica e da religião, a

Doutrina do Eterno Retorno", Nietzsche deixa claro que a travessia do niilismo

deve levar a uma superação. Ela tem de desembocar num gesto afirmativo,

num "dionisíaco-dizer-sim ao mundo", diz ele - e completa: "ao mundo, tal

como é". Representa assim a suprema afirmação do real, de uma realidade

cujo recomeçar é querido integralmente, exatamente tal qual ele é, com todas

sua dores e todas suas alegrias, sem somar nem diminuir, sem modificação

nem correção – em resumo: é a suprema prova em que se reconhece um

destino que venceu seu pessimismo. É inevitável que a existência tal como é,

sem sentido ou finalidade, se repita; é imprescindível que o homem, não

possuindo outra vida além desta, a afirme. Não temos escapatória: estamos

condenados a viver inúmeras vezes e, todas elas, sem razão ou objetivo; tudo

o que nos resta é aprender a amar o nosso destino.

Sigmund Freud

(1856 – 1939)

Na obra Cinco ensaios sobre a psicanálise, Freud escreve:

A psicanálise propõe mostrar que o Eu (ego) somente não é senhor na sua

própria casa, mas também esta reduzido a contentar-se com informações raras

e fragmentadas daquilo que se passa fora da consciência, no restante da vida

psíquica(...) A divisão do psíquico num psíquico consciente e num psíquico

inconsciente, constitui a premissa fundamental da psicanálise, sem a qual ela

seria incapaz de compreender os processos patológicos, tão freqüentes quanto

graves, da vida psíquica e fazê-los entrar no quadro da ciência (...). A

psicanálise se recusa a considerar a consciência como constituindo a essência

da vida psíquica, mas nela vê apenas uma qualidade desta, podendo coexistir

com outras qualidades e até mesmo faltar.

A psicanálise

Certa vez, o médico neurologista Freud recebeu uma paciente, Anna O., que

apresentava sintomas de histeria, isto é, apresentava distúrbios físicos

(paralisia, enxaquecas, dores de estômagos) sem que houvesse causas físicas

Page 45: Apostila de Filosofia

para eles, pois eram manifestações corporais de problemas psíquicos. Em

lugar de usar a hipnose e a sugestão, Freud usou um procedimento novo: fazia

com que Anna relaxasse num divã e falasse. Dizia a ela palavras soltas e

pedia-lhe que dissesse a primeira palavra que lhe viesse à cabeça ao ouvir o

que ele dissera – posteriormente, Freud denominaria esse procedimento de

“técnica de associação livre”.

Freud percebeu que, em certos momentos, Anna reagia a certas palavras e

não pronunciara aquela que lhe viera à cabeça, censurando-a por algum

motivo ignorado por ela e por ele. Notou também que, em outras ocasiões,

depois de fazer a associação livre de palavras, Anna ficava muito agitada e

falava muito. Observou que, certas vezes, algumas palavras a faziam chorar

sem motivo aparente e, outras vezes a faziam lembrar de fatos da infância, ou

a levavam a narrar um sonho que tivera na noite anterior.

Pela conversa, pelas relações da paciente, pelos sonhos narrados e pelas

lembranças infantis, Freud descobriu que a vida consciente de Anna era

determinada por uma vida inconsciente, que tanto ela como ele, desconheciam.

Compreendeu também que somente interpretando as palavras, os sonhos, as

lembranças e os gestos de Anna chegaria a essa vida inconsciente.

Freud descobriu, finalmente, que os sintomas histéricos tinham três finalidades:

1 - contar indiretamente aos outros e a si mesma os sentimentos inconscientes;

2 - punir-se por tais sentimentos;

3 - realizar, pela doença e pelo sofrimento, um desejo inconsciente que sua

consciência julgara intolerável.

Ao tratar de outros pacientes, Freud descobriu que, embora, conscientemente,

quisessem a cura, algo neles criava uma barreira, uma resistência inconsciente

à cura. Por quê? Porque os pacientes sentiam-se interiormente ameaçados por

alguma coisa dolorosa e temida, algo que haviam penosamente esquecido e

não suportavam lembrar. Freud descobriu, assim, que o esquecimento

consciente operava simultaneamente de duas maneiras: 1 - como resistência à

Page 46: Apostila de Filosofia

terapia; 2 - sob a forma da doença psíquica, pois o inconsciente não esquece e

obriga o esquecido reaparecer sob a forma de sintomas que se manifestam

com maior intensidade nas doenças psíquicas.

Desenvolvendo em outros pacientes e em si mesmo os estudos dos sintomas,

dos esquecimentos, dos sonhos, das lembranças, aplicando nesses estudos a

técnica da associação livre e procedimentos para a interpretação desses

acontecimentos psíquicos, Freud foi criando o que chamou de análise da vida

psíquica ou psicanálise, cujo objeto central é o estudo do inconsciente e cuja

finalidade era a cura das perturbações e doenças mentais, tendo como método

a interpretação e como instrumento a linguagem (tanto a linguagem verbal

como a linguagem física corporal, representada pelos sintomas e pelos gestos).

A vida psíquica

Durante toda sua vida, Freud não cessou de reformular a teoria psicanalítica,

abandonando alguns conceitos, criando outros, abandonando algumas técnicas

terapêuticas e criando outras. Não vamos aqui, acompanhar a história da

formação da psicanálise, mas apresentar algumas de suas principais idéias e

inovações.

A vida psíquica é constituída por três instâncias, duas delas inconscientes e

apenas uma consciente. Para indicá-las, Freud usou os

termos isso (Id), eu (Ego) e super-eu (Superego), que costumam aparecer em

termos vindos do latim – o id, o ego e o superego. O id é a instância

inteiramente inconsciente; o ego, a instância consciente; o superego possui

aspectos inconscientes e conscientes.

O id é formado por instintos, impulsos orgânicos e desejos inconscientes, ou

seja, pelo que Freud designa como pulsões. Estas são regidas pelo princípio

do prazer que exige satisfação imediata. O id é a energia dos instintos e dos

desejos em busca de realização desse princípio do prazer. Freud descobriu

que instintos, impulsos e desejos inconscientes, em suma, as pulsões, são de

natureza sexual e por isso empregou um termo também vindo do latim para

referir-se a elas: libido (que, em latim, significa “lascívia, luxúria, desejo sexual

Page 47: Apostila de Filosofia

violento). O id é o reservatório primitivo da energia psíquica ou o reservatório

da libido. Freud descobriu também que a sexualidade não se reduz ao ato

sexual genital, mas envolve todos os desejos que pedem satisfação e que

podem ser satisfeitos em qualquer parte do nosso corpo ou na totalidade dele.

Para escândalo da sociedade européia do final do século XIX e início do XX,

Freud introduziu a idéia da sexualidade infantil e assinalou três fases dessa

sexualidade, que se diferenciam pelos órgãos que sentem prazer e pelos

objetos ou seres que dão prazer. Essas fases se desenvolvem entre os

primeiros meses de idade e os 5 ou 6 anos, ligadas ao desenvolvimento do id:

a fase oral, quando o desejo e o prazer localizam-se primordialmente na boca

e na ingestão de alimentos, e o seio materno é o objeto de prazer (ou seus

substitutos, como a mamadeira, a chupeta e os dedos); a fase anal, quando o

desejo e o prazer localizam-se primordialmente nas excreções e nas fezes, e

os objetos de prazer são brincar com massas e com tintas, amassar barro ou

argila, comer coisas cremosas, sujar-se; e a fase fálica, quando o desejo e o

prazer localizam-se primordialmente no órgão genital masculino, o falo ou

pênis, pois a criança, menino ou menina, nessa fase só reconhece esse órgão

sexual. Nessa fase, para os meninos a mãe é o objeto do desejo e do prazer;

para as meninas, o pai.

É nessa terceira fase que surge, no centro do id, determinando toda a vida

psíquica, o que Freud denominou de complexo nuclear das

neuroses ou complexo de Édipo.

O termo “complexo” é empregado por Freud para indicar que se trata de um

conjunto de várias pulsões nas quais se exprime o mesmo desejo, isto é, o

desejo incestuoso pela mãe e pelo pai. É esse desejo fundamental que

organiza a totalidade da vida psíquica e determina o sentido de nossa vida,

pois tudo dependerá de como a criança conseguirá ou não superar esse

complexo. É esse complexo que determina também o sentimento da ameaça

da castração ou o surgimento de um outro complexo, conhecido como

complexo de castração, no qual a criança teme perder o falo (pois as meninas

também imaginam que o possuem) como punição de seu desejo incestuoso.

Page 48: Apostila de Filosofia

O superego é a censura das pulsões que a sociedade e a cultura impõe ao id,

impedindo-o de satisfazer plenamente seus instintos e desejos. É a repressão,

particularmente a repressão sexual. Manifesta-se à consciência indiretamente,

sob forma da moral, como um conjunto de interdições e de deveres, e por meio

da educação, pela produção da imagem do “eu ideal”, isto é, da pessoa moral,

boa e virtuosa. Como consciência moral, o superego apresenta aspectos

conscientes; como atividade de repressão, suas operações são inconscientes.

Ele se desenvolve num período que Freud designa como período de latência,

situado entre os seis ou sete anos e o início da puberdade ou adolescência.

Nesse período, forma-se nossa personalidade moral e social, de maneira que,

quando a sexualidade genital, propriamente dita surge, é obrigada a seguir o

caminho traçado pelo superego.

O ego ou o eu é a consciência, pequena parte da vida psíquica, submetida

aos desejos do id e à observação, censura e repressão do superego. Obedece

ao princípio da realidade, ou seja, à necessidade de encontrar objetos que

possam satisfazer ao id sem transgredir as exigências do superego.

Num ensaio intitulado “O ego e o id”, Freud escreve que o ego é um “pobre

coitado”, espremido entre três escravidões ou por três senhores: os desejos

insaciáveis do id, a severidade repressiva do superego e os perigos do mundo

exterior. Por esse motivo a forma fundamental da existência para o ego é

a angústia. Se submeter-se ao id, torna-se imoral e destrutivo; se submeter ao

superego, enlouquece de desespero, pois vivera numa insatisfação

insuportável; se não se submeter à realidade do mundo, será destruído por ele.

Cabe ao ego encontrar caminhos para a angústia existencial. Estamos

divididos entre o princípio do prazer (que não conhece limites) e o princípio da

realidade (que nos impõe limites internos e externos).

Ao ego-eu, ou seja, à consciência, é dada uma função dupla: ao mesmo tempo

recalcar o id, satisfazendo o superego, e satisfazer o id, limitando o poderio do

superego. A vida consciente normal é o equilíbrio encontrado pela consciência

para realizar sua dupla função. As neuroses indicam as dificuldades de

realização desse equilíbrio e as psicoses (ou a loucura) exprimem a

incapacidade do ego para realizar sua dupla função, seja porque o id ou o

Page 49: Apostila de Filosofia

superego são excessivamente fortes, seja porque o ego é excessivamente

fraco.

O inconsciente está impedido de manifestar-se diretamente à consciência, mas

consegue fazê-lo indiretamente. A maneira mais eficaz para a manifestação é a

substituição, isto é, o inconsciente oferece à consciência um substituto

aceitável por ela e por meio do qual ela pode satisfazer o id ou o superego. Os

substitutos são imagens (isto é, representações analógicas dos objetos de

desejos) e formam o imaginário psíquico, que, ao ocultar e dissimular o

verdadeiro desejo, o satisfaz indiretamente por meio de objetos substituídos (a

chupeta e o dedo, para o seio materno; tintas, pintura ou argila e escultura para

as fezes; uma pessoa amada no lugar do pai ou da mãe). Além substitutos

reais (chupeta, argila, pessoa amada), o imaginário inconsciente também

oferece outros substitutos – os mais freqüentes são os sonhos, os lapsos e os

atos falhos. Neles, realizamos desejos inconscientes, de natureza sexual. São

as satisfações imaginárias do desejo.

Alguém sonha, por exemplo, que sobe uma escada, ou que esta mergulhando

na água num naufrágio, ou que esta no meio do fogo num incêndio. Na

realidade, sonhou com uma relação sexual proibida, expressa por meio de

imagens substitutivas, no caso, a escada (a ereção do pênis ou do clitóris), a

água (o esperma ou os líquidos vaginais) ou o fogo (a ardência do orgasmo).

Alguém quer dizer uma palavra, esqueceu-a ou se engana, comete um lapso e

diz uma outra, que nos surpreende pois nada tem a ver com aquela que se

queria dizer. Realizou um desejo proibido. Alguém vai andando por uma rua e,

sem querer, torce o pé e quebra o objeto que estava carregando. Com esse ato

falho realizou um desejo proibido. Ou seja, tanto o sonho como o lapso de

linguagem ou de memória e o ato falho indicam que nossa existência não

transcorre ao acaso, nem desejamos, pensamos, sentimos ou fazemos coisas

ao acaso, mas estamos determinados pelas operações necessárias da libido.

A vida psíquica dá sentido e coloração afetivo-sexual a todos os objetos e a

todas as pessoas que nos rodeiam e entre os quais vivemos. Por isso, sem que

saibamos por que, desejamos e amamos certas pessoas, odiamos e tememos

outras. As coisas e os outros são investidos por nossa libido com cargas

Page 50: Apostila de Filosofia

afetivas inconscientes. É por esse motivo que certas coisas, certos sons, certas

cores, certos animais, certas situações nos enchem de pavor, enquanto outras

nos enchem de bem-estar, sem que o possamos explicar. A origem das

afinidades e antipatias, amores e ódios, medos e prazeres, está em nossa mais

tenra infância, em geral nos primeiros meses e anos de nossa vida, quando se

formam as relações afetivas fundamentais e o complexo de Édipo.

Essa dimensão imaginária de nossa vida psíquica – substituições, sonhos,

lapsos de linguagem e de memória, atos falhos, prazer e desprazer com

objetos e pessoas – indica que os recursos inconscientes para surgir

indiretamente à consciência possuem dois níveis: o nível do conteúdo

manifesto (escada, mar e incêndio, no sonho: a palavra esquecida e a

pronunciada, no lapso: pé torcido ou objeto partido, no ato falho; afetos

contrários por coisas e pessoas) e o nível do conteúdo latente que é o

conteúdo inconsciente real e oculto (os desejos de fundo sexuais).

Nossa vida normal se passa no plano dos conteúdos manifestos, e, portanto,

imaginário. Somente uma análise psíquica e psicológica desses conteúdos, por

meio de técnicas especiais (trazidas pela psicanálise), nos permite decifrar o

conteúdo latente que se dissimula sob o conteúdo manifesto.

Além dos recursos individuais cotidianos que nosso inconsciente usa para

manifestar-se, e além dos recursos usados nas neuroses e psicoses (esses

recursos são os sintomas), existe um outro recurso, de enorme importância

para a vida cultural e social, isto é, para a existência coletiva. Trata-se do que

Freud designa com o nome de sublimação. Na sublimação os desejos

inconscientes são satisfeitos indiretamente porque são transformados em uma

outra coisa, exprimem-se pela criação de alguma coisa estimada, valorizada

positivamente: as obras de arte, as ciências, a religião, a filosofia, as técnicas,

as ações éticas e políticas. Artistas, místicos, pensadores, escritores,

cientistas, líderes políticos satisfazem seus desejos pela sublimação e,

portanto, pela realização de obras e pela criação de instituições culturais,

religiosas, sociais, políticas, etc.

Page 51: Apostila de Filosofia

Não devemos confundir o inconsciente descoberto pela psicanálise com a

noção, existente na psicologia, de subconsciente. O subconsciente é aquele

grau de consciência que opera como consciência passiva e consciência vivida

não-reflexiva, podendo tornar-se plenamente consciente. O inconsciente de

que fala a psicanálise, ao contrário, jamais será consciente diretamente

podendo ser captado apenas indiretamente e por meio de técnicas especiais

de interpretação, desenvolvidas pela psicanálise.

A psicanálise descobriu, assim uma poderosa limitação às pretensões da

consciência para dominar e controlar a realidade e o conhecimento.

Paradoxalmente, porém, nos revelou a capacidade fantástica da razão e do

pensamento para ousar atravessar proibições e repressões e buscar a

verdade, mesmo que para isso seja preciso desmontar a bela imagem que os

seres humanos têm de si mesmos.

Longe de desvalorizar a teoria de conhecimento, a psicanálise exige do

pensamento que não faça concessões às idéias estabelecidas, à moral vigente,

aos preconceitos e às opiniões da sociedade, mas que os enfrente em nome

da própria razão e do pensamento. A consciência é frágil, mas é ela que decide

e aceita correr o risco da angústia e o risco de desvendar e decifrar o

inconsciente.

 

Lista VIII – Questões:

1 – De que trata a Psicanálise de Freud? Qual é o seu objeto central? Qual é

a sua finalidade?

2 – Em que consiste o método de associação livre?

3 – Explique o Id, o Ego e o Superego.

4 – Quais são as três fases da sexualidade infantil apontadas por Freud?

Explique as características de cada uma delas.

5 – Como podemos compreender o Complexo de Édipo?

Page 52: Apostila de Filosofia

6 – Porque Freud escreveu que o ego é um pobre coitado pressionado entre

três senhores?

7 – O que representam os sonhos para Freud? Diferencie conteúdo

manifesto de conteúdo latente.

8 – O que é sublimação? Qual a diferença entre sublimação e recalque?

9 – O que são as pulsões (libido) e qual é sua natureza?

10 – Faça uma pesquisa extra-classe e procure definir os seguintes conceitos

utilizados por Freud: libido, inconsciente, paranóia, neurose, histeria,

perversão, masoquismo, sadismo, castração, recalque e sublimação.

 

Um pouco de poesia...

"Se eu pudesse - se os Deuses permitissem - teria assistido hoje ao teu

despertar.

E então, teria feito uma festa de luz, de cor, de aroma. Eu transportaria para

tua alcova toda vibração musical da aurora, todo o estremecimento solar. E

teria enfeitado os teus cabelos com o mais lúcido e macio dos raios de luz; e

teria espargido sobre os teus ombros o perfume mais suave da manhã; e teria

prendido no teu riso a pétala mais diáfana. E, quando te levantasses, eu faria

com que pisasses rosas frescas e voluptuosas; e assim teus pés teriam como

que sandálias de perfume."

Nelson Rodrigues in O Anjo Pornográfico, p.145.

 

“Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda.

Sabendo bem que eras nuvem depus a minha vida em ti.

Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,

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fiquei sem poder chorar, quando caí”.

                                                               Cecília Meireles

 

Referências bibliográficas:

Os Pensadores

Volumes sobre Nietzsche, Marx e Freud.

Editora Nova Cultural

1999 - São Paulo

Filosofando

Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins

Editora Moderna

Segunda edição, 1993 - São Paulo

Convite à Filosofia

Marilena Chaui

Editora Ática

Nona edição, 1997 - São Paulo

Nietzsche – das forças cósmicas aos valores humanos

Scarlett Marton

Primeira edição, 1990

Editora Brasiliense

Para mais informações: [email protected]