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Rev. cient. UEM: Sér. ciênc. soc. Vol. 1, No 1, pp 52-66, 2015 52 ISSN 2307-3918 Artigo original Aperfeiçoar a escrita em Português na Universidade em Moçambique i Conceição Siopa Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Moçambique RESUMO: O estudo que se apresenta neste artigo baseia-se em evidências que mostram que a estratégia de retorno correctivo escrito ii usada pelos professores pode ser significativamente benéfica para o desenvolvimento das competências de escrita dos seus estudantes (ELLIS, 1997; FERRIS, 2002). Esta pesquisa, conduzida em 2011, parte dos problemas linguísticos que os estudantes universitários moçambicanos evidenciam e procura demonstrar o potencial didáctico do tratamento do erro na solução de tais problemas e, portanto, no aperfeiçoamento das competências de escrita desta população. O estudo teve como ponto de partida a seguinte questão: De que forma é que o retorno correctivo escrito indirecto (RCEI) pode ajudar os estudantes universitários moçambicanos a melhorarem a sua correcção linguística? Os dados para análise são textos escritos produzidos por vinte estudantes do 2º ano da licenciatura em Ensino do Português, em contexto de sala de aula. As principais conclusões apontam para a eficácia da análise de erros e da estratégia de RCEI no aperfeiçoamento da produção escrita dos estudantes, embora algumas áreas de incidência dos erros respondam de forma diferente à estratégia utilizada. Palavras-chave: Retorno correctivo escrito indirecto; análise de erros; correcção de erros; competências de escrita Improving Portuguese language writing skills at the University in Mozambique ABSTRACT: This paper is grounded on evidence that teacher’s feedback strategies may be significantly beneficial to students’ development as writers (ELLIS, 1997; FERRIS, 2002). This study was conducted in 2011 and refers to university students’ language problems. It illustrates the potential for error treatment in solving those problems and improving advanced learners’ writing skills. The study considers the following research question: Can written corrective feedback (WCF) help Mozambican university students to improve their writing accuracy? The study is based on observational written data produced by 20 university students enrolled in a Portuguese teaching degree. Although some areas and types of errors respond differently to this strategy, this study illustrates the efficacy of error-analysis and teacher’s indirect written corrective feedback strategies in improving students’ writing. Keywords: Written corrective feedback, error analysis, error correction, writing skills _________________ Correspondência para: (correspondence to:) [email protected] INTRODUÇÃO Em Moçambique, a maioria dos estudantes universitários, falantes de uma língua bantu como língua materna (L1), adquirem a língua portuguesa como língua segunda (L2) em contexto natural e instrucional. Como outros estudantes em comunidades pós-coloniais, estes aprendentes de nível avançado têm a oportunidade de desenvolver múltiplas competências em português, na medida em que estão expostos a, pelo menos, duas variedades desta língua: o português de Moçambique (PM) em contexto natural e o português europeu (PE) em contexto instrucional (GONÇALVES, 2010). Ora, apesar desta situação privilegiada, a realidade tem demonstrado que, do ponto de vista pedagógico, se colocam muitos e diversos desafios a quem aprende e ensina a língua portuguesa em Moçambique. Na realidade, apesar dos 12 anos de instrução formal em português, os estudantes
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Aperfeiçoar a escrita em português na universidade em Moçambique

May 17, 2023

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ISSN 2307-3918

Artigo original

Aperfeiçoar a escrita em Português na Universidade em Moçambiquei

Conceição Siopa Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Moçambique

RESUMO: O estudo que se apresenta neste artigo baseia-se em evidências que mostram que a estratégia de retorno correctivo escritoii usada pelos professores pode ser significativamente benéfica para o desenvolvimento das competências de escrita dos seus estudantes (ELLIS, 1997; FERRIS, 2002). Esta pesquisa, conduzida em 2011, parte dos problemas linguísticos que os estudantes universitários moçambicanos evidenciam e procura demonstrar o potencial didáctico do tratamento do erro na solução de tais problemas e, portanto, no aperfeiçoamento das competências de escrita desta população. O estudo teve como ponto de partida a seguinte questão: De que forma é que o retorno correctivo escrito indirecto (RCEI) pode ajudar os estudantes universitários moçambicanos a melhorarem a sua correcção linguística? Os dados para análise são textos escritos produzidos por vinte estudantes do 2º ano da licenciatura em Ensino do Português, em contexto de sala de aula. As principais conclusões apontam para a eficácia da análise de erros e da estratégia de RCEI no aperfeiçoamento da produção escrita dos estudantes, embora algumas áreas de incidência dos erros respondam de forma diferente à estratégia utilizada.

Palavras-chave: Retorno correctivo escrito indirecto; análise de erros; correcção de erros; competências de escrita

Improving Portuguese language writing skills at the University in Mozambique

ABSTRACT: This paper is grounded on evidence that teacher’s feedback strategies may be significantly beneficial to students’ development as writers (ELLIS, 1997; FERRIS, 2002). This study was conducted in 2011 and refers to university students’ language problems. It illustrates the potential for error treatment in solving those problems and improving advanced learners’ writing skills. The study considers the following research question: Can written corrective feedback (WCF) help Mozambican university students to improve their writing accuracy? The study is based on observational written data produced by 20 university students enrolled in a Portuguese teaching degree. Although some areas and types of errors respond differently to this strategy, this study illustrates the efficacy of error-analysis and teacher’s indirect written corrective feedback strategies in improving students’ writing.

Keywords: Written corrective feedback, error analysis, error correction, writing skills

_________________ Correspondência para: (correspondence to:) [email protected]

INTRODUÇÃO Em Moçambique, a maioria dos estudantes universitários, falantes de uma língua bantu como língua materna (L1), adquirem a língua portuguesa como língua segunda (L2) em contexto natural e instrucional. Como outros estudantes em comunidades pós-coloniais, estes aprendentes de nível avançado têm a oportunidade de desenvolver múltiplas competências em português, na medida em que estão expostos a, pelo

menos, duas variedades desta língua: o português de Moçambique (PM) em contexto natural e o português europeu (PE) em contexto instrucional (GONÇALVES, 2010). Ora, apesar desta situação privilegiada, a realidade tem demonstrado que, do ponto de vista pedagógico, se colocam muitos e diversos desafios a quem aprende e ensina a língua portuguesa em Moçambique. Na realidade, apesar dos 12 anos de instrução formal em português, os estudantes

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universitários moçambicanos revelam ainda muitas dificuldades na escrita académica (GONÇALVES, 2010; GONÇALVES e SIOPA, 2005; SIOPA, 2010, 2011). Ou seja, quando ingressam na universidade, estes aprendentes avançados lidam ainda com diversos problemas, quer no que diz respeito ao conhecimento linguístico e ao uso de estruturas mais complexas desta língua, quer relativamente ao desenvolvimento da competência discursiva num nível de língua mais cuidado e formal, como o que é utilizado na academia.

Este artigo não pretende abarcar toda a complexidade que a escrita académica encerra, nem fazer uma descriçãoiii dos erros dos estudantes. Este estudo tem como grande finalidade descrever o potencial da análise e tratamento didáctico dos erros na solução dos problemas linguísticos e de desenvolvimento das habilidades de escrita de estudantes universitários moçambicanos. Em primeiro lugar, apresenta-se um breve enquadramento teórico sobre o tratamento do erro em situação de sala de aula, nomeadamente sobre a estratégia de retorno correctivo escrito (RCE), aplicada com o objectivo de proporcionar o desenvolvimento da correcção linguística ao nível da escrita. A seguir, apresenta-se a pesquisa conduzida com estudantes moçambicanos relativamente ao tratamento do erro através da estratégia de retorno correctivo escrito indirecto (RCEI). Finalmente, explicita-se, através da apresentação de alguns dados quantitativos, os efeitos desta estratégia na correcção linguística do grupo de estudantes universitários tomados como alvo. Apresentam-se, ainda, as conclusões do estudo desenvolvido e algumas perspectivas para futuras pesquisas.

ENQUADRAMENTO TEÓRICO No modelo tradicional de ensino da língua portuguesa, em que o ensino da língua tinha como base e modelo a língua literária (FONSECA, 2000), os erros eram considerados como obstáculos ao processo de aprendizagem. Relativamente aos estudantes de uma L2, pensava-se que a

principal fonte de erros era a L1 e, consequentemente, as estratégias dos professores e as respectivas actividades de sala de aula consistiam em prevenir, punindo, a ocorrência dos erros. Com o desenvolvimento dos estudos na área da aquisição e os seus respectivos contributos para a área da didáctica de línguas, o foco de investigação mudou das características da língua-alvo que os aprendentes deviam adquirir para a descrição da língua que na realidade estes aprendentes produziam. Esta alteração teve consequências nos estudos da linguística aplicada, mas também ao nível pedagógico e didáctico, nos novos modelos de ensino e nas perspectivas adoptadas relativamente ao erro.

De acordo com esta nova perspectiva, o foco centra-se no aluno e na sua capacidade de desenvolver competências, bem como no papel que o professor deve ter para promover e orientar o processo de construção de conhecimento dos seus estudantes. Neste contexto, o erro passou a ser encarado mais como um reflexo do estádio de aprendizagem e menos como um obstáculo à aprendizagem (BITCHENER e FERRIS, 2012). Os erros e as incorrecções dos estudantes a nível da escrita vieram integrar o processo de ensino-aprendizagem de forma sistemática, passando a ter um papel activo e fundamental nas estratégias de desenvolvimento das competências linguística e discursiva conduzidas pelo professor.

Sendo uma estratégia com foco-na-forma, o RCE do professor sobre os trabalhos escritos produzidos pelos estudantes orienta a atenção dos aprendentes para aspectos específicos da sua competência linguística e discursiva, facilitando-lhes, assim, o desenvolvimento da escrita no uso da língua-alvo (ELLIS, 1994). Múltiplas pesquisas neste campo têm constatado que os aprendentes que tinham recebido RCE obtinham melhores resultados a nível da correcção linguística do que os estudantes que não tinham sido alvo desta estratégia (BITCHENER e FERRIS, 2012; BITCHENER e

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KNOCH, 2008; CHANDLER, 2003; EVANS, HARTSHORN e STRONG-KRAUSE, 2010; FERRIS, 2002).

Embora o sucesso da aplicação do RCE no desenvolvimento das competências de produção escrita já tenha sido demonstrado, a verdade é que é possível ainda ter em conta algumas especificidades linguísticas e pedagógicas. Assim, por exemplo, as incorrecções detectadas nas produções dos estudantes não incidem todas sobre a mesma área, nem podem ser consideradas todas da mesma forma. FERRIS (2002, p. 23) introduziu, como distinção para fins pedagógica, a dicotomia entre erros que os estudantes podem ser levados a corrigir, através da consulta e trabalho sistemático com as regras gramaticais – erros tratáveis (treatable errors) – e erros que não podem ser tratados em situação de sala de aula – erros não tratáveis (untreatable errors) – já que a língua tem determinadas características que apenas se adquirem ao longo do tempo. Na caracterização desta estratégia de retorno de informação sobre produções erróneas ou desadequadas dos aprendentes, a mesma autora refere que há que fazer a distinção entre RCE directo e indirecto. O retorno correctivo escrito directo (RCED) ocorre quando o professor dá informações escritas explícitas sobre o erro e providencia a forma correcta. Pelas suas características, este tipo de retorno tem sido apontado como uma estratégia mais adequada para estudantes mais jovens ou num estádio inicial de aprendizagem da língua. O retorno correctivo escrito indirecto (RCEI), mais apropriado para populações estudantis mais adultas, concretiza-se de forma indirecta, ou seja, quando o professor dá indicações de que o erro ocorreu, mas não fornece a sua correcção. Esta informação indirecta sobre o erro pode ser disponibilizada da seguinte forma: (i) usando um código que mostra qual o tipo de erro e o local da frase onde ocorreu; (ii) assinalando o erro com um sublinhado ou um círculo; ou (iii) escrevendo na margem da folha o número de erros dados em determinada linha do

texto do estudante.

Relativamente à utilização do RCEI, há já múltiplas evidências que atestam a eficácia deste instrumento de ajuda à capacidade de produção escrita. De facto, esta estratégia é ser mais benéfica para o desenvolvimento desta competência, na medida em que pode desempenhar um papel importante na consciencialização do processo de aprendizagem e desenvolvimento de aspectos específicos e problemáticos da língua. A curto prazo, esta estratégia, ao ser aplicada para desenvolver tarefas de treino da escrita e actividades de revisão de texto, pode ter um efeito positivo na correcção linguística. A longo prazo, o RCEI mostrou-se ainda mais eficaz, ao centrar a atenção dos estudantes nos seus problemas linguísticos, requerendo que estes encontrem soluções de correcção, de forma sistemática e estendida no tempo. (BITCHENER e FERRIS, 2012; BITCHENER e KNOCH, 2008; EVANS, HARTSHORN e STRONG-KRAUSE, 2010; FERRIS, 2002; 2003).

Bitchener, Young e Cameron (2005), por exemplo, investigaram o efeito do RCE em três categorias de erro: artigo, tempo verbal e preposições. Neste estudo, descobriram que este tipo de tratamento do erro é mais eficaz se utilizado em categorias linguísticas regidas por regras gramaticais claras, como o artigo e o tempo verbal (erros tratáveis), mas revela-se pouco eficaz em categorias mais idiossincráticas e complexas como a selecção categorial (erros não tratáveis).

Apesar das evidências de que o RCEI pode ajudar a correcção linguística a longo prazo, alguns dos primeiros estudos não mostraram diferenças substanciais entre grupos de aprendentes em que a correcção do erro tinha sido aplicada e grupos que não tinham sido sujeitos a esta estratégia. Baseados nesta falta de evidência positiva dos resultados, que pudesse diferenciar os grupos, os autores destes estudos argumentaram contra a eficiência da aplicação da estratégia de correcção dos erros nas aulas de L2 (KEPNER, 1991;

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SHEPPARD, 1992; TRUSCOTT, 1996). Porém, em pesquisas mais recentes, veio-se a descobrir que alguns procedimentos metodológicos, na concepção e execução daqueles primeiros estudos, não tinham sido seguidos. A título de exemplo, refira-se que: (i) não havia sido pedido aos estudantes a revisão e reescrita dos seus trabalhos, tendo em conta o retorno do professor; (ii) tinha havido diferenças substanciais no número de actividades que os grupos realizaram; e (iii) a correcção linguística não tinha sido analisada em novos textos, como resultado de novas tarefas de escrita. Assim sendo, a ausência destes procedimentos, considerados fundamentais para atestar a correcção linguística e a eficácia da estratégia seguida pelo professor, conduziu os aprendentes a resultados diferentes e os investigadores a conclusões deturpadas. Deste modo, estes estudos não foram considerados fiáveis para atestar a eficácia do RCEI, no processo de aquisição e desenvolvimento da L2 (BITCHENER e FERRIS, 2012; CHANDLER, 2003).

Tendo em consideração tudo o que foi referido, é importante salientar que, antes de testar a eficácia do RCE (directo ou indirecto), é necessário que os investigadores incluam alguns procedimentos no desenho e execução das suas pesquisas: (1) caracterizar o nível de desempenho dos estudantes-alvo por meio de um texto escrito utilizado como pré-teste; (2) analisar a versão revista pelos estudantes, bem como novos textos escritos elaborados imediatamente após a aplicação do RCE; (3) analisar um novo texto, escrito posteriormente à aplicação da estratégia, aplicado como pós-teste; e (4) ter um grupo de controlo, isto é, um grupo de estudantes a quem não foi aplicada a estratégia de RCE Para além destes requisitos de investigação, há ainda outros aspectos a ter em conta e que se prendem com as condições de recolha e análise dos dados, a saber: (i) os aprendentes devem ter um nível de proficiência semelhante; (ii) devem ser expostos às mesmas

actividades de ensino e aprendizagem em situação de sala de aula; (iii) o retorno fornecido pelo professor deve ser sistemático; e (iv) deverá haver consistência nos procedimentos de recolha e análise dos dados (BITCHENER e FERRIS, 2012; BRUTON, 2009; EVANS, HARTSHORN e STRONG-KRAUSE, 2010).

Apesar das controvérsias e dos resultados nem sempre conclusivos sobre estratégias de aprendizagem e desenvolvimento da escrita numa L2 (FERRIS, 1999; TRUSCOTT, 1996), a correcção de erros não pode deixar de ser uma realidade no contexto escolar e académico. Tal como afirma LEE (2004, p. 286), por muito desnecessário e fora de moda que a correcção de erros possa ser para alguns linguistas e investigadores na área da escrita, o retorno e correcção dos erros em sala de aula é uma questão real e urgente que exige a atenção do professor.

No que ao contexto universitário moçambicano diz respeito, tal preocupação relativamente aos problemas linguísticos e discursivos que afectam a escrita dos estudantes não tem deixado de existir, quer ao nível da investigação, quer ao nível da prática lectiva. De facto, a nossa principal preocupação tem-se centrado, compreensivelmente, nas áreas de formação de professores e de tradutores para a língua portuguesa visando, essencialmente, compreender e colmatar as suas principais dificuldades na produção escrita de textos académicos.

Actualmente existem já vários estudos sobre o perfil linguístico da população universitária moçambicana em que se identificam e caracterizam os seus principais problemas no uso do português, em contexto académico, ao nível da escrita (GONÇALVES, 2007; 2010; GONÇALVES e VICENTE, 2010; SIOPA, 2006; 2010; 2011; 2013; SIOPA, ERNESTO e COMPANHIA, 2003; ERNESTO, 2006; NHONGO, 2005)iv. Estes estudos foram baseados em dados escritos recolhidos em diferentes universidades e regiões do país. Os resultados

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permitiram, por um lado, caracterizar o perfil linguístico desta população e, por outro, definir uma taxinomia dos erros mais comuns presentes na escrita de aprendentes avançados de português L2 (GONÇALVES, 2010, p. 25). Estes estudos, como facilmente se deduz, proporcionaram um conhecimento fundamental para a acção em contexto pedagógico. Com efeito, a identificação dos principais erros e incorrecções produzidos por esta população estudantil não só facilita a preparação e aplicação de estratégias específicas por parte do professor, mas também ajuda os estudantes a compreenderem o sentido do retorno correctivo do professor. Em consequência de todo este conhecimento, poder-se-á, mais facilmente, promover a consciência dos estudantes relativamente aos padrões de erro que se revelaram mais resistentes e, desta forma, ajudá-los a desenvolver estratégias que podem aplicar na correcção linguística e discursiva dos seus escritos (SIOPA, 2010; 2011).

METODOLOGIA O Estudo de RCEI O estudo que vai ser apresentado parte do pressuposto de que a estratégia de RCE pode ser benéfica para o desenvolvimento das competências de escrita dos estudantes e que o retorno indirecto traz mais vantagens a este desenvolvimento do que o retorno directo. De modo a confirmar evidências já encontradas em estudos desenvolvidos com estudantes de inglês L2, parte-se da seguinte pergunta: De que forma é que o RCEI pode ajudar os estudantes universitários moçambicanos a melhorarem a sua correcção linguística?

Ao desenvolver esta pesquisa com estudantes universitários moçambicanos, ao longo do primeiro e segundo semestre de 2011, pretendeu-se verificar, antes de mais, os resultados da aplicação da estratégia de RCEI ao nível da correcção linguística, distinguindo, nestes resultados, os efeitos a curto e a longo prazo. Para

além destes resultados, pretendeu-se ainda verificar se esta estratégia seria a mais indicada para levar os estudantes a corrigirem todos os tipos de erro.

Participantes Os estudantes que integram este estudo estavam todos inscritos no segundo ano da licenciatura em Ensino de Português de uma universidade moçambicana e pertenciam à turma em que a investigadora era também a docente da disciplina de Português. O programa desta disciplina, neste nível académico, é essencialmente um programa prático de aperfeiçoamento da escrita, em que os estudantes produzem regularmente diversos tipos de textos escritos. Inicialmente, o estudo envolveu todos os estudantes da turma (31). No entanto, na análise dos resultados consideraram-se apenas os textos dos 20 estudantes que produziram todos os trabalhos ao longo dos dois semestres em que durou a experimentação.

A idade dos elementos da turma variava entre os 21 e os 31 anos e todos os estudantes deste curso tinham tido, pelo menos, 12 anos de instrução formal em português. Todos os estudantes concordaram em participar neste estudo, tendo a sua identidade sido protegida através da codificação dos seus nomes. Estes estudantes forneceram ainda informação adicional acerca das suas línguas maternas, tendo-se verificado que 11 tinham uma língua bantu como L1 e 9 o português como L1.

Materiais As categorias e codificação de erros usadas neste estudo basearam-se na taxinomia de erros mais comuns, verificados em trabalhos de estudantes universitários em Moçambique, referida por GONÇALVES (2010, p. 25) e nos tipos de erros de escrita, referidos por FERRIS (2002:113), aplicados na correcção de textos de estudantes de inglês como L2. De modo a simplificar a tarefa de identificação dos erros, quer por parte da professora-investigadora, quer por parte

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dos estudantes, construiu-se uma grelha de erros, com referência aos códigos a adoptar e dividida em três categorias: gramática, ortografia e discurso (ver Tabela 1).

Nos erros de gramática, foram inseridos os erros de selecção categorial (adição, omissão ou selecção das preposições requeridas pelos verbos), pronome pessoal (colocação), concordância verbal e nominal, artigo e ordem de palavras. Na ortografia, estão incluídos os erros de ortografia e de acentuação que, neste trabalho, é separada da ortografia apenas por razões didácticas relacionadas com o tratamento destes erros. A nível do

discurso, os erros analisados incluíram a pontuação (uso da vírgula e do ponto), excesso de palavras, selecção de palavras, falta de palavras e expressões fixas (GONÇALVES, 2010; GONÇALVES e VICENTE, 2010; SIOPA, 2011). Os códigos usados para assinalar os erros nos trabalhos dos estudantes foram construídos com base nas iniciais dos tipos de erro (por exemplo, pontuação (pt), acentuação (ac), pronome pessoal (pp)). Estes códigos foram inicialmente trabalhados com os estudantes, garantindo a familiarização necessária para que o estudo pudesse ser desenvolvido com êxito.

TABELA 1: Grelha de identificação de erros e respectivos códigos.

Área

Tipo de Erro Total de Erros por Tipo

Gramática

Concordância nominal (CN)

Concordância verbal (CV)

Selecção categorial (preposição) (PRP)

Pronome pessoal colocação (PP)

Artigo (ART)

Ordem de palavras (OP)

Ortografia Acentuação (AC)

Ortografia (OT)

Discurso

Excesso de palavras (EP)

Selecção de palavras (SP)

Falta de palavras (FP)

Expressões fixas (EF)

Pontuação (PT)

Procedimentos Durante a realização desta pesquisa, o RCEI incidiu sobre todos os textos produzidos pelos estudantes, em situação de sala de aula ou em trabalhos realizados

em casa. A análise destes trabalhos incidiu sobre aspectos gramaticais e discursivos e sobre a ortografia, como foi referido. Todos os textos receberam RCEI por parte da professora. O método utilizado consistiu em sublinhar os erros e atribuir-lhes um código de acordo com a taxinomia de erros

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referida anteriormente. Depois da codificação, os estudantes foram conduzidos a corrigir os erros assinalados e a integrar essas correcções numa segunda versão melhorada dos textos. Estas correcções foram realizadas quer em trabalho de casa, quer em trabalho de pares, no âmbito das actividades desenvolvidas em sala de aula.

Para lá dos procedimentos já referidos, tivemos em conta as recomendações de Bruton (2009). Como vimos anteriormente,

estas orientações implicam a adopção de determinados requisitos que garantam a qualidade da investigação relativamente ao retorno correctivo escrito. Todas as recomendações foram seguidas com excepção de uma, a da constituição de um grupo de controlo, já que não havia outro grupo de estudantes disponível para tal. A Tabela 2 apresenta os procedimentos adoptados.

TABELA 2: Comparação entre a metodologia proposta por Bruton (2009) e o presente estudo.

Procedimentos recomendados Incluídos no presente estudo

1. Grupo de Controlo Não

2. Pré-teste com um texto inicial Sim

3. Pós-teste com um novo texto Sim

4. Pós-teste retardado (preferencial) Sim

5. Retorno correctivo suficiente para efeito potencialmente significativo Sim

6. Método para assegurar que o retorno correctivo foi seguido pelos estudantes Sim

7. Tomar em consideração outras variáveis importantes (p.ex. número e tipo de categorias gramaticais analisadas ou, tipo de instrução suplementar)

Sim

RECOLHA E ANÁLISE DOS DADOS Para medir a eficácia da estratégia utilizada na correcção linguística (dos?) estudantes foram considerados três textos: (i) o primeiro texto produzido no início do semestre, antes da aplicação da estratégia de RCEI, aqui considerado como um pré-teste; (ii) o texto resultado da revisão do primeiro texto; e (iii) o último texto produzido no final do segundo semestre, aqui considerado como pós-teste retardado. O texto em (ii), resultante da revisão ao primeiro texto, foi considerado para efeitos deste estudo, não só com o objectivo de se poder compreender a eficácia da estratégia a curto prazo, mas também para saber

quantos erros os estudantes conseguiam corrigir em sala de aula, somente com o auxílio do retorno do professor. O texto referido em (iii) foi o último texto produzido pelos estudantes depois de muitos e diversos textos de treino realizados ao longo dos dois semestres. Como já foi referido, a professora-investigadora analisou e codificou os erros e imprecisões nos textos dos estudantes, nas áreas da gramática, da ortografia e do discurso, usando, para tal, códigos de correcção dos erros que correspondem às iniciais do tipo de erro (ver Tabela 1).

Como a correcção linguística não é fácil de quantificar, foram usados dois tipos de

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medida: (i) a holística, que se obtém somando o número total de erros por categoria, e respectiva percentagem, face ao número total de erros; e (ii) o rácio de frases sem erro (FSE), através da contabilização das frases correctas, consideradas em relação ao número total de frases do texto.

A informação fornecida pela medida holística ajuda professores e estudantes no desenvolvimento do seu trabalho. Por um lado, esta avaliação permite ao professor detectar e compreender o percurso de cada tipo de erro, facilitando a avaliação do efeito do RCEI nos erros de gramática, de discurso e de ortografia. Por outro lado, o professor tem oportunidade de tratar erros específicos com instrução suplementar sobre a área que se revela mais resistente ou mais complexa. Relativamente aos estudantes, esta avaliação fornece não só uma noção sobre a sua produção escrita, mas também, e talvez ainda mais importante, a noção da melhoria que efectivamente conseguem atingir.

A medida das frases sem erro é considerada a medida mais precisa para aferir a correcção linguística, dado que incide realmente sobre a correcção. Para tal, é fundamental primeiro contabilizar o número total de frases em cada texto, sendo muitas vezes necessário estabelecer como frase, frases que o estudante não assinalou como tal, por falta da pontuação devida. Em seguida é necessário calcular a percentagem de frases sem erro, dividindo o número total de frases pelo número de frases sem erro (ELLIS, 2012; EVANS, HARTSHORN e STRONG-KRAUSE, 2010). Esta medida permite ao professor ter uma ideia mais global sobre o discurso produzido, adquirindo consciência sobre a distribuição pontual ou generalizada dos erros e imprecisões no texto dos estudantes.

Considerando o primeiro texto, a sua versão revista e melhorada e o último texto produzido pelos estudantes ao longo de dois semestres, obteve-se um total de 18750 palavras e um total de 526 erros, classificados e codificados

de acordo com a metodologia anteriormente referida.

RESULTADOS Resultados a Curto Prazo Os resultados a curto prazo foram obtidos pela comparação feita entre o primeiro texto produzido e a versão do texto corrigida pelo estudante, integrando o RCEI fornecido pelo professor, como mostra a Figura 1. Os dois textos foram analisados, tendo-se contabilizado o número total de cada tipo de erro, relativamente às áreas da gramática (preposição, pronome pessoal, concordância nominal, artigo, concordância verbal e ordem de palavras), da ortografia (ortografia e acentuação) e do discurso (pontuação, excesso de palavras, selecção de palavras, falta de palavras e expressões fixas).

Se observarmos a Figura 1 e a Tabela 3 (onde os números são mais claros), verificamos que, nestes resultados obtidos a curto prazo, as áreas com maior incidência de erro e com maior percentagem de sucesso na sua correcção são as áreas da acentuação, da pontuação e da ortografia. Podemos observar ainda algumas categorias de erros com uma percentagem muito elevada de sucesso na correcção, como é o caso da ordem de palavras, pronome pessoal, excesso de palavras e concordância verbal. Contudo, como são áreas em que se verificou um reduzido número de ocorrências, os resultados não são verdadeiramente significativos. Ao observarmos as categorias em que houve maior insucesso na correcção, ressaltam os casos de concordância nominal e selecção categorial (preposição), e o uso de expressões fixas.

Assim, embora os erros que os estudantes produziram na versão corrigida fosse menor para todos os tipos de erros, houve, como vimos, alguns erros com maior percentagem de sucesso na correcção do que outros. Tendo em conta os dois textos, pode-se afirmar que, a curto prazo, depois de aplicado o RCEI, os estudantes

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conseguiram corrigir 60.3% dos erros dados no primeiro texto.

FIGURA 1: Percentagem de sucesso na correcção dos erros a curto prazo

TABELA 3: Categorias de erro com maior sucesso de correcção. Retorno Correctivo Escrito Indirecto (curto prazo)

Tipo de erros 1º Texto Erros Corrigidos

Revisão Percentagem

Ordem de Palavras 9 7 77.7

Pontuação 58 43 74.2

Acentuação 72 47 65

Ortografia 45 20 44

Pronome Pessoal 7 5 71.4

Resultados a Longo Prazo Depois de aplicado o RCEI a todos os textos produzidos ao longo de dois semestres, o mesmo grupo de estudantes produziu um último texto. Comparou-se o tipo e a percentagem de erros que os estudantes produziram neste pós-teste com os erros dados no primeiro texto produzido. A Figura 2 mostra os resultados obtidos e a Tabela 4 clarifica os resultados com maior

índice de sucesso.

Analisando a Figura 2, é notório que as categorias que, a longo prazo (no final dos dois semestres), melhor reagiram ao RCEI, tendo também em conta o elevado número de ocorrências, foram as seguintes: acentuação, ortografia, pontuação, artigo e ordem de palavras. Nos resultados a longo prazo, podemos ainda observar que os erros dados em categorias como preposições, expressões fixas e falta de palavras

0%

20%

40%

60%

80%

100%

0.

20.

40.

60.

80.

100.1º Texto Revisão % sucess

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mostram muito poucas melhorias e, na categoria dos pronomes pessoais, nenhuns benefícios, visto que se registou um aumento dos erros. No entanto, relativamente a esta última categoria de erro, dada a pouca expressão numérica da diferença entre os erros dados no primeiro texto (7) e no último texto (9), este resultado não permite tirar conclusões significativas.

Em síntese, e depois de aplicada a estratégia de RCEI ao longo de dois semestres, estes resultados indicam que, duma forma geral,

os estudantes reduziram o número de erros no último texto produzido, em todas as categorias, com excepção de algumas, nomeadamente a da colocação do pronome pessoal, já referida. A acentuação, a ortografia e a pontuação são as áreas que apresentaram uma melhoria mais significativa e também as que mostraram uma maior diferença em número de erros em relação ao primeiro texto. A Tabela 4 sintetiza estes resultados.

FIGURA 2: Percentagem de sucesso na correcção dos erros a longo prazo

TABELA 4: Categorias de erro com maior sucesso de correcção Retorno Correctivo Escrito Indirecto (longo prazo)

Tipo de Erros 1º Texto Melhoria

Último Texto Percentagem

Ordem de Palavras 9 1 89

Acentuação 72 12 83

Ortografia 45 9 80

Artigo 19 5 74

Pontuação 58 21 64

-40%

-12%

16%

44%

72%

100%

-40.

-20.

0.

20.

40.

60.

80.

100. 1º Texto Último texto

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Rácio de Frases sem Erros Ao analisar as frases sem erros, no primeiro e último texto produzidos, verificamos que, no final do segundo semestre, os estudantes produziram mais frases correctas, sem erros, quando comparadas com as produzidas no início do primeiro semestre. A Tabela 5 mostra os resultados da análise efectuada. Explicando melhor, no primeiro texto produzido, antes da aplicação do RCEI, 60% das frases produzidas pelos estudantes eram frases correctas, sem erros portanto. Depois da aplicação da estratégia em estudo, os

estudantes aumentaram em 7% o número de frases correctas.

Assim, na análise destes resultados, encontrou-se um padrão semelhante ao anteriormente referido. Em ambos os casos, quer a nível da percentagem de erros, quer a nível da percentagem de correcção, medida pelas frases sem erros, os resultados mostram uma melhoria significativa na correcção linguística dos textos analisados, depois da experiência conduzida com o RCEI.

TABELA 5: Rácio de frases sem erros. Frases sem erro (FSE)

Grupo Número de estudantes

1º Texto Rácio FSE

Último texto Rácio FSE Melhoria

2011 20 60% 67% 7%

CONSIDERAÇÕES FINAIS Como se pode verificar, ao compararmos o primeiro texto, a versão melhorada do primeiro texto e o último texto produzido pelos estudantes ao longo de dois semestres, o RCEI é uma estratégia produtiva do ponto de vista do desenvolvimento das competências da escrita. Este instrumento didáctico pode conduzir os estudantes a darem menos erros e, por isso, a escreverem com maior correcção linguística.

Embora a base de dados seja relativamente pequena e não tenha sido possível integrar um grupo de controlo, este estudo permite também concluir que, para determinados tipos de erros, nomeadamente de ortografia (onde se inclui a acentuação) e de pontuação, a resposta dos estudantes à estratégia utilizada de RCEI é positiva. Na realidade, nestas áreas e em geral, como vimos, os estudantes produzem menos erros, tanto a curto como a longo prazo. Melhoram, assim, não só a correcção linguística, mas também a competência discursiva dado que escrevem também mais frases correctas. Um resultado semelhante é referido por Ferris (2002) relativamente a estudantes de Inglês

L2 a quem foi aplicada esta mesma estratégia. Esta autora conclui que os estudantes alvo do RCEI mostram uma vantagem clara na correcção linguística relativamente a outros estudantes que não foram submetidos desta estratégia.

No entanto, e apesar dos efeitos positivos já apresentados, é importante ressaltar que há alguns erros que, embora ocorrendo de forma menos expressiva, são resistentes a este tipo de tratamento didáctico, como é o caso dos pronomes pessoais, preposições, expressões fixas e falta de palavras. Estas conclusões parecem apontar para o facto de a estratégia de RCEI não ser suficiente para o tratamento deste tipo de erros. Na verdade, tal como já foi referido no enquadramento teórico, resultados de outros estudos conduzidos na área do tratamento dos erros em contexto pedagógico acentuam isto mesmo. Ou seja, há áreas regidas por regras claras, que beneficiam com a aplicação do RCEI e há outras áreas da língua, mais complexas, que levam mais tempo a adquirir e que, possivelmente, requerem a aplicação de outras estratégias. A título de exemplo, refira-se o dispositivo

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didáctico das oficinas gramaticais v ou a aplicação de sequências de ensino com base no contacto com textos mentores (Pereira e Cardoso, 2013) vi , em que o ensino da gramática ou a exploração de modelos de escrita permitem também o contacto com estruturas morfossintácticas mais complexas, facilitando a sua aprendizagem. Quer uma, quer outra estratégia poderão contribuir para aumentar o contacto com a língua escrita em uso (input) e despoletar a reestruturação e a reaquisição de aspectos gramaticais ou discursivos deficientemente aprendidos, como sugerido por Ellis (1994: 57-58). Ou seja, seria importante comprovar se a estratégia RCEI em estudo, associada a outras estratégias, poderá aumentar a qualidade da escrita dos estudantes e diminuir a incidência de todos os tipos de erro.

Os resultados obtidos também parecem reiterar as conclusões a que se tinha chegado sobre o facto de a resistência de alguns erros a este tratamento pedagógico se dever, talvez, à complexidade e idiossincrasia de algumas estruturas, como foi sugerido por Bitchener, J., Young, S. e Cameron, D. (2005). Relativamente à sistematicidade e ocorrência generalizada de determinados erros, também Gonçalves (2010) se refere a este assunto, afirmando que esse facto poderá ser indício da existência de desvios à norma e, como tal, estes poderem vir a fazer parte da norma descritiva do PM.

Assim, em resposta à pergunta de investigação colocada inicialmente - Será que o Retorno Correctivo Escrito Indirecto pode ajudar os estudantes universitários moçambicanos a melhorarem a sua correcção linguística? -, e em face do estudo realizado, poder-se-á responder que este demonstrou que o RCEI ajudou os estudantes a ultrapassarem algumas das incorrecções e dificuldades inicialmente reveladas. Embora algumas áreas e tipos de erro sejam mais facilmente resolvidos através desta estratégia do que outros, este estudo sugere que o RCEI pode realmente ajudar os estudantes a melhorarem a correcção linguística, nas

áreas da ortografia e da pontuação, e a escreverem mais frases correctas nos seus textos.

No entanto, e apesar destes resultados serem positivos em relação à aplicação da estratégia em estudo, será necessário haver alguma precaução na interpretação e, sobretudo, na generalização destes resultados. Esta precaução justifica-se porque a base de dados é relativamente pequena e não foi utilizado um grupo de controlo, como já foi referido. É necessário, ainda, salientar as implicações das conclusões deste estudo para futuras pesquisas. Por um lado, será pertinente verificar se os resultados obtidos neste estudo se mantêm quando a estratégia de RCEI for aplicada a uma população mais numerosa. Por outro lado, parece ser importante e necessário descobrir se a estratégia de RCEI, combinada com outras estratégias, como sugerido anteriormente, poderá vir a melhorar a correcção linguística e discursiva nas áreas em que o RCEI não se mostrou tão eficaz.

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Notas iVersão melhorada e actualizada do artigo: SIOPA (2013) ii Tradução do termo writen corrective feedback. iii Para uma visão aprofundada da descrição dos erros e sua caracterização, veja-se GONÇALVES (2010) iv Veja-se também Caderno de Pesquisa 1 - Didáctica do Português L2, no prelo à data da produção deste artigo. v Para uma visão mais aprofundada do desenvolvimento de uma oficina gramatical, veja-se SIOPA (2006; 2010) e JUSTINO (2011). vi Para uma visão mais aprofundada desta estratégia de desenvolvimento da escrita a partir de modelos, veja-se Pereira e Cardoso (2013).