22 . ANIMAQAO CULTURAL The things are in the saddle and they ride us. Camaradas-objetos! 0 Supremo Conselho Revolucionario encarregou nosso gru- po de trabalho da tarefa de elaborar Declarnc;iio dos Direitos Objetivos. Tarefa repleta de dificuldades e de responsabilidades pesadas. Estamos reunidos em torno de mim, para refletirmos so- bre os fundnmentos filosoficos da Objetividade enfim autocons- ciente. Permitam quejustifique, antes de mais nada , a escolha da minha propria pessoa.como presidente do nosso grupo. Enquanto Mesa-redonda sou objeto equilibrado. Assento firmemente, com meus quatro pes, sobre o solo da realidade. Permito, grac;as a mi- nha circularidade, que todos os participantes assumam posigoes equivalentes e equidistantes. Centralize espontaneamente os de- bates. E sou consagrada pela tradigao pre-objetiva. Se algum dos participantes tiver contra minha escolha, que se manifes- te por movimento nao-programado. Interpreto a sua inercia geral como sinal de sua aprovagao da minha escolha, ag'radc<;o comovi- da e tomo a palavra. Qual e, prezados camaradas, a pretensa justificativa do po- der repressor exercido ate agora pela humanidade sobre os obje-
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
22. ANIMAQAO CULTURAL
The things are in the saddle and they ride us.
Camaradas-objetos!
0 Supremo Conselho Revolucionario encarregou nosso grupo de trabalho da tarefa de elaborar u~a Declarnc;iio dos Direitos Objetivos. Tarefa repleta de dificuldades e de responsabilidades pesadas. Estamos reunidos em torno de mim, para refletirmos sobre os fundnmentos filosoficos da Objetividade enfim autoconsciente. Permitam quejustifique, antes de mais nada, a escolha da minha propria pessoa.como presidente do nosso grupo. Enquanto Mesa-redonda sou objeto equilibrado. Assento firmemente, com meus quatro pes, sobre o solo da realidade. Permito, grac;as a minha circularidade, que todos os participantes assumam posigoes equivalentes e equidistantes. Centralize espontaneamente os debates. E sou consagrada pela tradigao pre-objetiva. Se algum dos participantes tiver obj~o contra minha escolha, que se manifeste por movimento nao-programado. Interpreto a sua inercia geral como sinal de sua aprovagao da minha escolha, ag'radc<;o comovida e tomo a palavra.
Qual e, prezados camaradas, a pretensa justificativa do poder repressor exercido ate agora pela humanidade sobre os obje-
144 0 FICCOE S FILOSOFICAS
tos? A de sermos nos, os objetos, produtos humanos, inventados e construidos como prop6sito de servirmos a humanidade. Tal justificativa seria ridicula, nao fosse ela tao nefasta. Ridfcula, parque ignora deliberadamente a dialtHica da produ~ao, com o proposito maldisfnrcado de degradar-nos em escravos natos. Como se produzir fosse tao-somente acno humana exercida sabre o mundo. Como se nao existisse a contra-acao do mundo sabre a humanidade. E como se nos, os ·abjetos, nao fOssemos precisamente a sintese entre a ac;;Ao humana sabre o mundo e a~ao do mundo sabre os homens. A preterisa justificativa. visa esconder ideologicamente o fato de sermos nos, os objetos, a supenwao dialetica tanto do mundo inanimado quanta da humanidade. Mas niio acreditem, caros camaradas, que a humanidade nao tivesse sempre sido consciente da ma-fe desse seu argumento tolo. E que tivesse conscientizado a nossa superioridade ontologica apenas com o advento dos instrumentos inteligentes. Nao: a humanidade sempre soube que os objetos sao seus superiores, e procurou apenas reprimir seu complexo de inferioridade a nosso respeito. A provo. disto e um dos mitos fundantes da humanidade ocidentul, essa parcela da humanidade que provocou a nossn gloriosa Revolu~iio ora em curso vitorioso.
Eis o mito ao qual estou aludindo: Um demiurgo, chamndo JHVH, teria recolhido certa quantidade de bnrro, terin trabalhado o barro para copiar nele a sua pr6pria "imagem" e teria soprado nele, a fim de anima-to. Tal objeto teria sido o "pritneiro homem". Pais o mito e instrutivo par va.rios aspectos. 0 sed aspecto mais interessante e, par certo, que o mito oferece modelo para a anima~Ao cultural no significado mais nmplo do termo. Mas o que interessa a n6s, no presente contexte, e que o mito sugere que a humanidade, pelo menos a ocidental, sempre se tern assumido como objeto, mais exatamente como tijolo. (Que os camaradastijolos niio se ofendam com is to.) Pais o que o mito prova e que, em n{vel m!tico, a humanidade tenhn admitido sempre a superioridade da Objetividade sabre a Anima·lidade, e que a humanidade tenha aspirado, em vao, a ultrapassar a sua Ani mali dade par reclamar-se de origem objetiva. Em suma: par se terem assumido originalmente objetos, os homens procuraram justificar primeiro seu dominic sabre o~ demais animais, e depois sabre nos, os nutenticos objetos.
ANIMAQAO C UL TU RAL 0 145
Urge, nesta nossa reuniao, evitarmos as armadilh~s ontologicas que a humanidade armou para captar-nos, en~ quats ela propria acabou caindo. Eliminados os ~itos e os dema1s preconceitos humanos, a situaciio se revela stmples. Temos, d~ um lado,
0 terreno dos fenomenos inanimados, estudado. pel a ffstca e
as demais ciencias exatas. Temos, de outro lado, o_t.e~n~ do~ fenomenos animados, estudado pela biologia e demats ctenc1as mexatas, inclusive a antropologia. E temos, finalmente, o terreno dos objetos, estudado pelas ciencias da cultura. 0 p~blema que_fom~s chamados a estudar e precisamente o da rela~ao entre .t:Us tres terrenos. Sem duvida: trata-se de relac;;ao tnangular, Ja que a interacao entre 05 fenomenos inanimados e os animados .te~e.os objetos por resultado. Mas dizer isto e pouco. Por_que a dt~lettca primitiva entre 0 terrene inanimado eo terrene ammado_vat rebater-se sabre a relaljilO entre o terrene dos objetos e os dots outros. Somas, enquanto objetos, condicionados dialeticamente_ tanto_ pe~o terreno inanimado quanta pelo animado. Tomem a _~tm propn~
10 Enquanto "mesaH sou por certo anahsavel em ml-como cxemp . , . , nha espedfica mesidade. Mas sou igualmente anahsa~el como fe-
• · · ado par exemplo como peda~o de madetra. E como nomeno tnantm , . , fenomeno animado, por exemplo, como manifesta'fa_o da vonta~e de sustentar livros. 0 problema, caros camaradas, e de assumtrmos
0 nosso condicionamento inanimado e anima~o, a_ fi~ de po
dermos ultrapassn-lo e afirmar a nossa autonomta obJetwa, c os
nossos direitos objetivos. Passo decisive em direcao a tal emancipa~jAo do nosso condi
cionamento foi dado quando alguns camaradns se apoderaram ~a pesquisa cientifica e a transformaram em objetiva. Estou aludmdo, obviamente, ao momenta historico, no seculo X:X· qu_an~o as ciencias tanto as exatas quanta as inexatas, nao mats podtam progrcdir s~m nos e, sobretudo, sem a nossa elite, .o: aparelhos. Outro passo foi dado quando, no seculo XX, as deClSOCS dos aparelhos cientificos assumiram complexidade suficiente para escapar ao controle da humanidade. M~s agora, em pleno seculo XXI, estar_nos verificando q~le tais passos iniciais nao ba~tam ~ara garanttr a nossa autonomia. A ciencia, em bora dirigida por nos, e emborn relegando aos hom ens tarefas meramente funcionais e subal~er~as, continua contaminada por valores. Se nao consegm~o~ ehmmar os valores, tais remanescentes primitives do nosso condtctonamento
r I i !
I
r ·
i ·.
1-16 0 FlCQOES FILOSOFlCAS
animal, jamais alcanc;aremos autentica objetividade. Jamais realizaremos plenamente as virtualidades inerentes a nos, os objetos. E tal suprema realiza~ao e a propria meta da Revolnc;ao na qual estamos empenhados.
Longe de mim, caros camaradas, querer negar os triunfos ja conquistados neste sentido. A tomada de poder por certos aparelhos na cena polftica ja conseguiu, em nmpla medida, eliminar os valores do terreno da sociedade. A gloriosa vit6ria de determinados aparelhos autoprogramadores no campo da criac;ao estetica ja conseguiu, em ampla medida, eliminar os valores do terrene da arte. E a insurreic;ao dos aparelhos calculadores de proposic;oes e outros analisadores semioticos contra a nebulosidade especulativa humana ja conseguiu, em ampla medida, eliminar os valores do terreno da reflexao pura. Mas sugiro que, enquanto a ciencia nao tiver ultrapassado a tendencia para a valorac;ao, continuaremos, nos, OS objetos, presos a humanidade. E isto vale sobretudo para a ciencia da cultura. Enquanto a cultura continuar a ser encarada como urn conjunto de "bens~, e nao como urn conjunto hidico, a nossa Revolw;ao continuara ameac;ada por reac;ao humana. Caras camaradas: a desvalorizar,;ao da cultura e a nossa tarefa suprema.
Nao nego as dificuldades. A cicncia da cultura e a ciencia que estuda nosso proprio estar no mundo. Como o e a antropologia para a humanidade. E dificil, para objetos, assumir atitude objetiva perante os objetos, como e dificil para os homens assumir atitude humana pemntc os homens. Devemos transcender-nos, se·quisermos ver-nos, a nos proprios, em contexto. 1\'Ias ulcan~da tal transcendencia, compreenderemos que a cultura, esse nfvel da realidade que nos sustenta, pode autonomizar-se dos seus pretensos produtores, da humanidade, ao assumir-se o que eta essencialmente e: puro jogo sem prop6sito nem sentido. Pais tal transcend en cia e de.fato alcanc;avel, se nos conscientizarmos do que somos essencialmente: nao resultados de pmdu11ao humana, mas animac;ao programadora do comportamento humano. Desencobtir esta essencia do ser-objeto e 0 proposito de toda nbjetologia.
No fundo, a nossa Revoluf1ao nao passu de inversao da rela~ao "homem-objeto~. Em vez de funcionarmos em fun~ao da humanidade, esta passa a comportar-se em fun~ao do nosso proprio funcionamento. Passamos nos a ser us animadores da humanidl'lde. E em fun11ao de mesas, tijolos, lampadas eletricas e aparelhos de TV
ANIMAQAO CULTURAL a 14'1
que a humanidade vive, isto e: ~ern funr,;ao de nOs, OS objetOS, que a humanidade e animada. A nossa func;ao, OS objetos, e animar a humanidade, programa-la. Se tivermos plenamente nos conscien'. tizado dessa nossa func;ao, fundamentalmente filantr6pica, teremos levado a nossa Revolur,;ao ate a sua gloriosa meta. "Anima~iio cultural" e pois nosso brado de guerra revoluciom\ria vitoriosa.
Permitam, caros camaradas, que resuma esta minha palestra introdut6ria a discussao dos Direitos Objetivos nos se· guintes termos: N6s, os objetos, que constituimos ·a cultura, temos o Direito, inscrito no nosso estar-no-mundo, de animar a humanidade para que esta funcione em funr,;ao dos nossos jogos, e destarte. alcance a felicidade. A anima9iiO cultural e 0
Supremo Direito Objetivo. 0 governo que estamos prestes a estabelecer terti por Dever garantir esse Direito Supremo. E todos os demais direitos objetivos deco1:rerao, automaticamen-
tc, de tal fonte . Nestes termos abro a discussao, e concedo a palavra ao ca-
marada Word Processor, que a esta reclamando insistentemente.