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Posso compreender o sentido das coisas? Esta uma grande
pergunta, e muito crtica tambm. A resposta de Husserl que o
ser humano pode compreender o sentido das coisas. At a nossa
experincia quotidiana nos diz que, para nos orientarmos,
deve-
mos saber qual o sentido das coisas. Porm, aqui o discurso
fica
um pouco mais complicado, porque Husserl mostra que em rela-
o a algumas coisas ns temos a capacidade de identificar o
sen-
tido imediatamente, enquanto em outras, temos mais
dificuldade.
Ns intumos o sentido das coisas e para tratar desse tema,
usa-
mos a palavra, de origem latina, essncia, portanto captamos
a
essncia pelo sentido. Husserl usa tambm a palavra grega
eitJos
(de onde vem a nossa palavra idia, que, neste caso, no
significa
tanto um produto da mente, mas sentido), aquilo que se
capta,
que se intui.
ISBN 5-71bO-32t-S
1 1 1 1 1 ( 1 1 1 9 l?88574''603292
FILOSOFIA POLTICA
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Introduo Fenomenologia
Angela Ales Bello
Traduo Ir. Jacinta Turolo Garcia
Miguel Mahfoud
Texto editado ti partir de Palestras da Prof'! Angela Ales Bello
editadas por
Miguel Mahfoud Silvio Motta Maximino
EDUSC
-
SUMRIO
APRESENTAO
9 Experincia vivida e reflexo sistemtica
1 3 I N T R O D U O
C A P T U L O 1
17 O que f e n m e n o e Fenomenologia?
C A P T U L O 2
21 A Fenomenologia c o m o m t o d o
22 Pr imeira e tapa A busca do sentido dos fenmenos: a reduo
eidtica
26 Segunda etapa Como o sujeito que busca sentido: a reduo
transcendental
-
Sumrio
C A P I T U L O 3
45 A conscincia e as es t ru tu ras universais
C A P T U L O 4
57 A sntese passiva: tase an te r ior percepo
C A P I T U L O 5
61 O Eu, o o u t r o e o ns: a ent ropat ia
C A P T U L O 6
69 A intersubjet ividade: as moda l idades de associao e a
pessoa
70 Massa: predominncia corpreo-psquica -impulsos utilizados por
projetos alheios
73 Comunidade: vnculos corporais, psquicos e espirituais
75 Comunidade e sociedade
76 Povo, nao, estado e comunidade
C A P T U L O 7
85 A anlise das vivncias para um f u n d a m e n t o das
cincias
88 A criao evolui: a histria da natureza indica uma
teleologia
-
Sumrio
C A P T U L O 8
93 O mtodo f e n o m e n o l g i c o husserliano
e o existencialismo
C A P I T U L O 9
97 Os a tos especf icos da busca religiosa
1 0 3 R E F E R N C I A S BIBLIOGRFICAS
-
APRESENTAO EXPERINCIA VVIDA E
R E F L E X O S ISTEMT ICA
Temos mo uma verdadeira Introduo Feno-menologia. Fiel ao rigor
metodolgico, tpico da fenome-nologia, a Prof Angela Ales Bello nos
convida a percorrer o inteiro percurso husserliano. Magistralmente,
somos pro-vocados, na contemporaneidade, a atentar ao que nos est
volta e prpria experincia interna. E, com surpresa, advertimos que,
aqui, experincia vvida e reflexo sis-temtica podem efetivamente no
estarem cindidas.
A novidade que no se apresenta apenas discur-sivamente uma tal
possibilidade de unidade, mas somos conduzidos a reconhecer a
vivncia - atravs do mtodo interrogativo husserliano com
surpreendente simplici-dade de forma que a introduo ao campo
fenome-nolgico, to sofisticado, comea a nos parecer familiar,
comeamos a nos sentir em casa, porque comeamos a atentar ao m u n d
o mais conscientes dos prprios recursos e do prprio eu.
-
Apresentao
O percurso introdutrio, aqui, apresentado f ruto do curso que a
professora da Pontifcia Universidade La-teranense de Roma ministrou
no Brasil, na Universidade do Sagrado Corao, em Bauru (SP), em
2004. A lin-guagem foi propositalmente mantida em tom coloquial
para que se possa ter contato com a vitalidade da mestra e com suas
elaboraes que emergem da relao peda-gogia cheia de ideal.
Essa postura de Ales Bello faz com que suas obras tenham grande
receptividade em nosso pas, havendo j vrias publicaes brasileiras
que se tornaram referncia. Talvez a fora criativa e geradora de sua
posio intelectu-al se documente, mais intensamente, na articulao
entre os diversos grupos de pesquisa e as diversas universidades
brasileiras que vm frutificando a partir de suas visitas acadmicas
ao Brasil. Este livro foi gerado nesse ambiente de tecitura de
relaes, na convivncia preciosa entre pro-fessores e alunos. A
Universidade do Sagrado Corao com a Prof Ir. Jacinta Turolo Garcia,
a Universidade Federal de Minas Gerais com o Prof. Miguel Mahfoud,
a Universidade de So Paulo com a Prof.' Marina Massimi, a
Universidade Catlica de Salvador com o Prof. )oo Carlos Petrini se
descobrem assumindo desafios da pesquisa e do ensino da
Fenomenologia, e se surpreendem com horizontes cada vez mais
abertos a partir de uma clara e vitalizada rede de relaes
intelectuais.
Por tudo isso, agradecemos Profi Angela Ales Bello, e a todos os
que tm se dedicado, com deciso
10
-
Experincia vviila e reflexo sistemtica
operativa, para que a sua presena no Brasil continue a
frutificar em cultura real.
Um especial agradecimento aos pesquisadores do Programa de
Iniciao Cientfica do LAPS - Laboratrio de Anlise de Processos em
Subjetividade, da Faculdade de Psicologia da UFMG, que trabalharam
com cuidado evidente na transcrio e textualizao das gravaes do
curso original, possibilitando que o presente volume seja uma
realidade fecunda para muitos. Destacamos os seguintes nomes: Alyne
Rachid Ali Scofield, Ana Paula Martins Lara, Amanda Carvalho
Padilha, Camila Freitas Canielo, Cludia Coscarelli Salum, Liz
Hellen Vitor, Paulo Roberto da Silva Jnior, Roberta Vasconcelos
Leite e Yuri Elias Gaspar.
Miguel Mahfoud Belo Horizonte, 15 de agosto de 2006.
11
-
INTRODUO
Uma dificuldade para estudar a Fenomenologia de
Edmundo Husserl que ele nunca chegou a escrever uma
obra apresentando todo o seu percurso investigativo. A
cada obra sublinha certo aspecto do percurso integral,
n u m caminho analtico, part indo de um esquema geral.
Passo a passo, ele vai chegando a uma conscincia comple-
ta das diversas vivncias, e continuamente se pergunta:
"Qual o significado do ato que estou operando?", e ao
mesmo tempo: "Qual a formao que permite tais atos?".
Seus livros so resultado de compilaes de esbo-
os de aulas ou de suas anotaes pessoais. Muito de sua
vasta obra, at hoje, no chegou publicao. Como sua
anlise muito detalhada, atentando com rigor para cada
aspecto, ele nunca chegou a formular uma sntese geral e
isso dificulta conhecer o pensamento husserliano.
O presente volume quer contribuir com a apresen-
tao do processo investigativo, em todo o arco do pro-
13
-
Introduo
cesso metodolgico, empreendido pelo fundador da Fenomenologia,
de tal modo que as anlises tpicas de cada passo sejam examinadas
com rigor, sem se perder o horizonte de totalidade.
Husserl escreve livros de temas especficos. Os pri-meiros so de
Antropologia Filosfica, comeando a dis-cutir o que entropatia, para
chegar a discutir o que o ser humano. Esse um caminho mais didtico,
mais orga-nizado. Edilli Stein que transcrevia os manuscritos de
Husserl fez o trabalho de transcrio e edio da segunda parte da obra
"Idias para unia Fenomenologia Pina e unia Filosofia
Fenomenolgica", que um livr muito impor-tante do ponto de vista
metodolgico.
O percurso que o leitor encontra aqui est baseado principalmente
no primeiro1 e segundo2 volumes de Id-ias para unia Fenomenologia
Pura e unia Filosofia Fcnome-nolgica, e busca-se indicar a conexo
com outras obras fundamentais de Husserl e de sua discpula Editli
Stein.
Edith Stein, ao escrever Psicologia e cincias do esprito\ foi
elaborando a distino husserliana entre psi-
1 HUSSERL, E. Ideas relativas a una fenomenologia pura y una
filosofia fenomenolgica. 2. ed. Traduccin de ). Gaos. Mxico: Eondo
de Cultura Econmica, 1992. Libro I.
2 HUSSERL, E. Ideeper una fenomenologia pura e una filoso-fia
fenomawlogica. Organizzazione di V. Costa, traduzione di E.
Filippini. Torino: Einaudi, 1965. v. II (libri II e III).
3 STEIN, E. Psicologia e scienze dello spirito: contribui i per
una fondazione filosofica. 2. ed. Presentazione di A. Ales Bello,
traduzione di A. M. Pezella. Roma: Citt Nuova, 1999.
14
-
Introduo
que e esprito e dedicou-se a explicitar a direo de todo o
percurso da pesquisa fenomenolgica. De bom grado propomos, nesta
Introduo Fetwmenologia, as refern-cias indispensveis de Stein.
Faz-se, aqui, o percurso das anlises das vivncias, identificando
a dimenso do esprito, cont inuamente se interrogando "o que
significa?", para chegar a identificar -as conseqncias importantes
que os resultados alcana-dos indicam no campo de toda experincia
humana e no campo cientfico em particular.
A Sociologia, a Histria, o Direito so cincias do esprito, mas em
geral no se sabe o que a sociedade, o que significa "direito", o
que o aspecto intersubjetivo e o tico, o que so as relaes humanas .
As cincias hu-manas no podem se constituir efetivamente sem a
apreenso adequada do que vem a ser a dimenso espiri-tual em sua
relao com a psique e com a corporeidade. Assim, tambm a Psicologia
no poder, adequadamen-te, se constituir como psicologia humana sem
considerar a dimenso psicolgica em suas conexes com a dimen-so
espiritual.
15
-
Captulo I
O QUE FENMENO E FENOMENOLOGIA
Quando e como a Fenomenologia comeou? A Fenomenologia uma escola
filosfica cujo pai e mestre Edmund Husserl. Comeou na Alemanha em
fins do sculo 19 e na primeira metade do sculo 20'.
Por que se chama Fenomenologia? Esta palavra formada de duas
partes, ambas originadas de palavras gregas, como sabemos.
"Fenmeno" significa aquilo que se mostra; no somente aquilo que
aparece ou parece. Na
1 E. Husserl (1859-1938) publicou sua obra fundante da
fenomenologia, intitulada Investigaes lgicas, em 1901. Em portugus
pode ser consultado em HUSSERL, *E. Investigaes lgicas: sexta
investigao: elementos de uma elucidao fenomenolgica do
conhecimento. Traduo de Z. Loparic e A. M. A. C. Loparic. So Paulo:
Nova Cultural, 1991. (Coleo Os Pensadores).
Traduo da obra na ntegra pode ser encontrada em espa-nhol:
HUSSERL, E. Investigationes lgicas. Traduccin de J. Gaos. Madrid:
Alianza, 1985. 2 v.
17
-
Capitulo 9
linguagem religiosa, utilizamos tambm o termo epifania para
falar de algo que se manifesta, que se mostra. "Logia" deriva da
palavra logos, que para os gregos tinha muitos significados:
palavra, pensamento. Vamos tomar logos co-mo pensamento, como
capacidade de refletir'. Tomemos, ento, fenomenologia como reflexo
sobre um fenmeno ou sobre aquilo que se mostra.O nosso problema : o
que que se mostra e como se mostra.
Quando dizemos que alguma coisa se mostra, dizemos que ela se
mostra a ns, ao ser humano, pessoa humana. Isso tem grande
importncia. Em toda a hist-ria da filosofia sempre se deu muita
importncia ao ser humano, quele a quem o fenmeno se mostra. As
coisas se mostram a ns. Ns que buscamos o significado, o sentido
daquilo que se mostra.
Num primeiro momento , podemos pensar que aquilo que se mostra
esteja ligado ao m u n d o fsico diante de ns, mas do que dizer "as
coisas se mostram", precisa-mos dizer que "percebemos, estamos
voltados para elas", principalmente para aquilo que aparece no m u
n d o fsico.
Quando dizemos "coisas", normalmente indica-mos coisas fsicas,
por exemplo, a mesa, a cadeira. Sabe-mos, porm, que no tratamos
apenas do significado de coisas tsicas, mas tambm das abstratas.
Por exemplo, a
2 Essa utilizao do termo serve para qualquer palavra que tem o
sufixo "logia": psicologia se refere reflexo sobre o psquico,
sociologia se refere reflexo sobre o social, e assim por
diante.
18
-
O que fenmeno c fenomenologia
palavra latina repblica, que usamos para dizer coisa pblica no
se refere coisa fsica, mas a um conjunto de situaes. Significado
das coisas culturais, eventos, fatos, que no so de ordem
estritamente fsica.
Todas as coisas que se most ram a ns, tratamos como fenmenos,
que conseguimos compreender o sen-tido. Entretanto o fato de se
mostrarem no nos interessa tanto, mas, sim, compreender o que so,
isto , o seu sen-tido. O grande problema da filosofia buscar o
sentido das coisas, tanto de ordem fsica quanto de carter
cultu-ral, religioso etc, que se mostram a ns.
Ento, para compreender o sentido, ns devemos fazer uma srie de
operaes, pois nem sempre com-preendemos tudo imediatamente, que
consiste em iden-tificar o sentido, os fenmenos, de tudo aquilo que
se manifesta a ns.
19
-
Captulo 2
A FENOMENOLOGIA COMO MTODO
Husserl diz que para compreendermos esses fen-menos, devemos
fazer um caminho. A palavra grega para designar caminho mthodo.
Essa palavra tambm for-mada de duas partes: "odos", que significa
estrada e "meta'', que significa por meio de, atravs. Temos,
portan-to, necessidade de percorrer um caminho e essa uma
caracterstica da histria da filosofia ocidental, que sem-pre fez
esse caminho para se chegar compreenso do sentido das coisas'.
Segundo Husserl, o caminho forma-do de duas etapas:'
1 Sobre os pressupostos histrico-filosficos da fenomenolo-gia,
et. ALES BELLO, A. Fenomenologia e cincias humanas: psicologia,
histria e religio. Organizao e traduo de M. Mahfoud e M. Massimi.
Bauru: Edusp, 2004.
2 Uma discusso sobre as etapas do mtodo fenomenolgico pode ser
encontrada HUSSERL, E. Ideas relativas a tina fenomenologia pura y
una filosofia fenomenolgico. 2. ed.
-
Capitulo 9
PRIMEIRA ETAPA A BUSCA DO SENTIDO DOS FENMENOS: A REDUO
EIDTIGA
Posso compreender o sentido das coisas? Essa uma grande
pergunta, e muito crtica tambm. A respos-ta de Husserl que o ser h
u m a n o pode compreender o sentido das coisas. At a nossa
experincia quotidiana nos diz que, para nos orientarmos, devemos
saber qual o sentido das coisas. Porm, aqui o discurso fica um
pouco mais complicado, porque Husserl mostra que em relao a algumas
coisas ns temos a capacidade de identificar o sentido
imediatamente, quanto a outras, temos mais difi-culdade. Ns intumos
o sentido das coisas, e para tratar desse tema, usamos a palavra,
de origem latina, essncia, por tanto captamos a essncia pelo
sentido. Husserl usa tambm a palavra grega eidos (de onde vem a
nossa pala-vra idia, que neste caso no significa tanto um produto
da mente, mas sentido), aquilo que se capta, que se intui.
Faamos uma experincia semelhante s que Husserl prope: algum bate
a mo sobre a mesa, identifi-
Traduccin de J. Gaos. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1992.
Libro I. Cf. tambm em ALES BELLO, A. Culturas e religies: uma
leitura fenomenolgica. Traduo de A. Angonese. Bauru: Edusc, 1998 e
a introduo de ALES BELLO, A. A fenomenologia do ser humano: traos
de uma filosofia no feminino. Traduo de A. Angonese. Bauru: Edusc,
2000.
22
-
Fcnoiticnologia como mtodo
co logo que um som. Todos ns identificamos esse som. Como o
fazemos? Imediatamente, intuitivamente. Escu-tamos qualquer coisa e
dizemos " um som". Sempre o fazemos assim, se no pudermos fazer,
por algum proble-ma, mas no havendo problema, somos capazes de
intuir, isto , colocar em perspectiva a essncia, o sentido da
coisa.
Esse um exemplo de uma coisa fsica, porm al-gum poderia dizer
"sinto dio" ou "sinto dor" e ns sabe-mos do que se trata, podemos
at fazer uma anlise para explicar qual o sentido pois sabemos,
imediatamente, qual a experincia de dio ou de dor e at poderamos
nos de-dicar a fazer uma anlise para compreend-las melhor,
jus-tamente por j conseguirmos partir de um ponto essencial.
Husserl afirma que para o ser h u m a n o mui to importante
compreender o sentido das coisas, mas nem todas as coisas so
imediatamente compreensveis. De qualquer modo, compreender o
sentido das coisas uma possibilidade humana. Como o que nos
interessa o sen-tido das coisas, deixamos de lado tudo aquilo que
no o sentido do que queremos compreender e buscamos,
prin-cipalmente, o sentido. Husserl diz, por exemplo, que no
interessa o fato de existir, mas o sentido desse fato.
Este um ponto muito importante: existem os fatos? Certamente,
existem. Mas no nos interessa os fatos enquanto fatos,
interessamo-nos pelo sentido deles. Por isso posso tambm "colocar
entre parnteses" a existncia dos fatos para compreender sua
essncia. Esse um argu-mento para quem diz que importantes so os
fatos. Certo, importantes so os fatos, mas o que so fatos? este
o
23
-
Capitulo 9
ponto. E aqui est toda uma polmica com outra corren-te filosfica
contempornea a Husserl, o Positivismo".
O Positivismo considera mui to importante os fatos, sobretudo
assumidos como tais pelas cincias fsi-cas. No entanto, Husserl diz
que os fatos existem e so latos. Mas o que so? Por exemplo, a
cincia fsica olha a natureza, d-se conta dos fatos da natureza, mas
o que so esses fatos? Ou ainda, as cincias sociais olham a
socieda-de, mas o que a sociedade? Qual seu sentido? Fazemos tantas
anlises da sociedade sem saber do qu se trata. No basta dizer que
existem, e esta uma das polmicas de Husserl no confronto com o
Positivismo, mas tambm com todas as cincias da natureza e as
cincias humanas.
A mentalidade positivista est ainda muito presen-te em nossos
dias, ainda que no a chamemos de positi-vista. Assim,
compreende-se, cientificamente, um fato, mas se compreende tudo? s
vezes, no, mas nem todos podem ser filsofos, porm importante saber
que exis-tem outras dimenses de pesquisa. O que as cincias podem
responder diante da pergunta "o que verdade?". Faz-se tentativas
para se aproximar dela, mas a verdade, do ponto de vista humano,
reside no sentido, no no fato.
3 Para um aprofundamento da questo da fenomenologia contra o
positivismo, cf. o ltimo livro de Husserl enquan-to vivo: Crise das
cincias europias e a fenomenologia transcendental: HUSSFRL, F.. l.a
crisi delle scienze europee c la fenomenologia trasccndentalc: per
un sapere umanistico. Pretazione di E. Paci, introduzione di W.
Biemel, traduzio-ne di E. Filippini. Milano: Net, 2002.
24
-
I Fenomenologia como mtodo
At agora somente as cincias fsicas responderam o que a natureza.
No entanto, basta a cincia fsica para resol-ver essa questo? Bastam
as cincias humanas para dizer o que o ser humano? No bastam. Elas
descrevem alguns aspectos do ser humano, assim como as cincias da
natureza descrevem alguns outros. Mas a questo do sentido um
problema de fundo de toda a histria da filosofia ocidental, pois a
filosofia a busca do sentido, e % no dos aspectos do objeto. Estes
devem ser examinados, ningum diria que no, mas necessrio ir mais
fundo, escavar mais, em diferentes nveis, pois os nveis mais
superficiais so t ra tados na Idade Moderna e Contempornea, na
Antigidade a elaborao foi mui to mais complexa. Por essas razes,
Husserl, 110 seu tempo, polemiza contra o Positivismo.
A intuio do sentido o primeiro passo do cami-nho e revela ser
possvel captar o sentido.
25
-
Capitulo 9
SEGUNDA ETAPA COMO O SUJEITO QUE BUSGA O SENTIDO: A REDUO
TRANSCENDENTAL
A caracterstica da pesquisa de Husserl a pergun-ta "Por que o
ser humano procura sentido?" e tambm, "Quem este ser humano?""Como
feito este ser huma-no que busca sentido?" Aqui comea uma anlise do
ser h u m a n o ou, utilizando a linguagem filosfica, do
sujeito.
26
-
Fenonicnologia como mtodo
Na segunda etapa do mtodo fenomenolgico, , justa-mente, sobre o
sujeito que se faz uma reflexo. Refletimos dizendo quem somos ns. A
novidade de Husserl .la-mente essa anlise do sujeito humano, ponto
de partida de sua investigao.
Para realizar a anlise do sujeito faremos um exerc-cio,
comecemos por dizer que estamos diante de um copo d'gua. Vemos,
sobre a mesa, o copo que antes j estava l, podamos v-lo, mas no
tnhamos prestado ateno nele. Esta uma coisa interessante que
apresenta dois nveis. Antes vamos os copos mas no fazamos uma
reflexo, tal-vez porque no estivssemos com sede. Agora, tenho sede
e comeo a prestar ateno. Estamos refletindo um pouco sobre o tema
do "ver o copo". Antes estvamos cnscios, sabamos ter visto o copo
sem ter feito uma reflexo a res-peito. Todos ns t nhamos j uma
experincia perceptiva do
copo, que estava em ns, dentro de ns, mas o copo, fora. Porm,
110 momento em que tivemos uma experincia perceptiva do copo, ele
estava tambm dentro de ns. De que modo estava dentro? Ns sabamos
que o copo existia, portanto estar dentro significa saber que o
copo existe. Enquanto estvamos vivendo o ato perceptiva (o ato de
ver o copo), poderamos perguntar do que esse ato era forma-do.
Sabemos que esse ato perceptivo era formado pelo ver o copo e tambm
pelo copo, ali, diante dos olhos. Enquanto coisa fsica, enquanto
existente, onde estava o copo? Estava fora. Porm, enquanto visto,
onde estava? Dentro. Temos a, o ato de ver, e enquanto vivemos o
ato, estamos vivendo o copo-visto dentro de ns.
27
-
Captulo 2
Outro experimento, desta vez com a mo. Toco a caneta, a mesa
etc. Enquanto toco, h o ato de tocar, estou tocando, estou vivendo
a experincia de tocar. H uma coisa que tocada. Enquanto existente,
onde est? Fora. Mas enquanto coisa tocada onde est? Dentro.
Enquanto tocada, ela se torna minha.
Existe uma distino entre a coisa-tocada e ns que a estamos
tocando. Agora, estamos entrando no territrio do ser humano, no
territrio do conhecimento, da cons-cincia que um ser humano pode
ter das coisas - freqen-temente estudado pela Filosofia, e cont
inuando temos caminhos que tambm so estudados pela Psicologia.
O Ato perceptivo como acesso ao sujeito C o m o Husserl chegou a
se interessar pelo ato perceptivo?
Husserl, cuja formao pessoal era matemtico, se perguntava: Mas o
que a Matemtica? O que isso que estou estudando? Do ponto de vista
da Aritmtica, o que significa dizer que aqui existem seis copos?
Como posso chegar a esse seis? Ele comeou com reflexo sobre a
numerao - operao fundamental da Matemtica -fazendo uma tese4 e
posteriormente vrios estudos" para
4 Husserl doutorou-se com uma tese sobre clculo das varia-es
pela Universidade de Viena, em 1882.
5 HUSSERL, E. Philosophie de 1'arithmetiqtie: recherches,
psy-chologiques et logiques. Trad., notes, remarques et index J.
English. Paris: Presses Universitaires de France, 1972.
-
Fenomenologia como mtodo
responder a essas perguntas, sem nunca ter f reqentado estudos
de filosofia, par t indo de uma reflexo interior, filosfica, ainda
como matemtico.
Husserl procurou uma resposta para suas pergun-tas, antes de
chegar a lecionar nas universidades de duas importantes cidades de
lngua alem: Halle e Gttingen, na Morvia. Na primeira parte de sua
vida, permaneceu por muito tempo em Viena, capital da ustria, onde
hqvia um professor universitrio muito importante (alemo de ori-gem
italiana) chamado Franz Brentano, especialista em filosofia de
Aristteles, que interessava muito por uma nova cincia, a Psicologia
e j havia feito muitos estudos sobre os atos psquicos. As aulas de
Brentano eram freqen-tadas por Husserl, que no era um estudante
qualquer, mas formado e com tese em Matemtica. Freqentava essas
aulas tambm um mdico chamado Sigmund Freud.
Esse contexto importante para compreender o experimento do copo
que fazamos h pouco, participan-do das aulas de Brentano, Husserl
comea a ouvir falar de atos psquicos". Em um primeiro momento , ele
pensa que a numerao uma operao psquica, uma operao de formar
conjuntos, segundo a teoria dos conjuntos. Era um trabalho de
Matemtica, porm, utilizava uma perspecti-
6 Franz Brentano havia publicado eni 1874 sua importante obra
Psicologia do ponto de vista emprico e Husserl se liga a ele em
1884. Cf. BRENTANO, F. Psicologia dal punto di vista emprico.
Traduzione e edizione di L. Albertazzi. Bar: Laterza, 1997. 3
v.
29
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Captulo 2
va psicolgica, um estudo dos atos psquicos. Posterior-
mente, Husserl conclui que a numerao no pode estar
baseada nos atos psquicos, pois a operao indica um
pensar, e no, exatamente, um ato psquico .
Dissemos que Husserl foi s aulas de Brentano,
onde ouviu falar dos atos psquicos, e que, inicialmente,
pensara em utilizar a interpretao psicolgica para fun-
damenta r a Aritmtica. No entanto, percebe que a
Aritmtica no pode se fundamentar na psique. Uma ati-
vidade intelectual necessria tambm, mas Husserl vai
alm, abandonando o projeto sobre a Aritmtica, sobre a
Matemtica, ele se volta para o conhecimento humano e
recomea pela percepo, destacando que estamos em con-tato, atravs
das sensaes, com o m u n d o fsico o que
percebido por ns. A percepo uma porta, uma forma
de ingresso, uma passagem para entrar no sujeito, ou seja,
para compreender como que o ser humano feito.
7 Husserl tematiza suas ligaes e diferenas com Brentano j na
primeira obra propriamente fenomenolgica: Cf. HUSSERL, E.
Investigaes lgicas: sexta investigao: ele-mentos de uma elucidao
fenomenolgica do conheci-mento. Traduo de Z. Loparic e A. M. A. C.
Loparic. So Paulo: Nova Cultural, 1991. (Coleo Os Pensadores) Sobre
Franz Brentano e Husserl em relao Psicologia e a fundamentao do
conhecimento, cf. tambm GREUEL, M. V. O problema tia fundamentao
tio conhecimento: uma abordagem fenomenolgica. 1996. Disponvel em:
. Acesso em: 29 jun. 2006.
-
Fcnomcnologia conto mtodo
Na anlise que estvamos fazendo do copo, tala-mos da percepo como
um ato que estamos vivendo, porm, nem todo ato que estamos vivendo,
que podemos identificar, so de carter psicolgico, por isso a anlise
se torna mui to refinada e requer uma ateno especial.
Dos atos perceptivos conscincia Analisando cuidadosamente,
percebemos que as
duas sensaes, a da viso e a do lato, so parte de uma estrutura
especfica". Seja a sensao visvel, seja a sensa-o ttil, ambas, so
vividas por ns, mas o que quer dizer "vividas por ns"? Quer dizer
que ns registramos, atra-vs da nossa capacidade de dar-nos conta. A
percepo vai ser resultado do dar-nos conta. Esse "dar-se conta" a
conscincia de algo, por exemplo, a conscincia de tocar alguma
coisa. Ns conseguimos registrar os atos de ver e tocar, mas onde ns
registramos esses atos e como os registramos? Aqui est a novidade,
pois Husserl diz que o ser h u m a n o tem a capacidade de ter
conscincia de ter realizado esses atos, enquanto ele est vivendo
esses atos, sabe que os est realizando. Sabe que est realizando
esses atos na relao com algo que est vendo ou tocando.
8 Comenta-se essas duas por serem sensaes fundamentais. H outras
ligadas a outros sentidos, sensaes olfativas, por exemplo.
Entretanto, a viso e o tato so aquelas com as quais mais nos
colocamos em contato com o mundo fsico e conosco mesmos.
31
-
Capitulo 9
T o m e m o s o e x e m p l o da f o l h a de p a p e l u t i l
i z a d o
p o r Husse r l ", ela vis ta e t o c a d a e n q u a n t o e s
t a m o s v e n d o
e t o c a n d o a fo lha , o ver e o t o c a r so n o s s o s a
tos , a t o s q u e
n s e s t a m o s v ivendo 1 0 .
Ver e t oca r so vivncias, e se so vivncias , q u e r
d ize r q u e so reg i s t r adas p o r n s e de las t e m o s c
o n s c i n -
cia. Ter consc i nc i a d o s a tos q u e so p o r n s r eg i s
t r ados
so vivncias . C o n s c i n c i a , nes te caso, n o q u e r d
ize r q u e
a cada m o m e n t o n s t e m o s q u e d ize r "agora e s t a
m o s
v e n d o , agora e s t a m o s tocando" . Consc i nc i a s
ignif ica q u e ,
e n q u a n t o n s o l h a m o s , n o s d a m o s c o n t a d
e q u e e s t a m o s
9 Cf. HUSSERL, E. Ideas relativas a una fenomenologia pura y una
filosofia fenomenolgica. 2. ed. Traduccin de |. Caos. Mxico: Eondo
de Cultura Econmica, 1992. Libro I, p. 79, 35.
10 O termo ato est tambm em Husserl expresso pela palavra alem
de raiz latina, akt. Ele usa tambm uma outra palavra que s existe
em alemo, Erlebttis, formada de trs partes e cuja a raiz interna
leb se parece com a palavra life, que em ingls significa vida. O
ver e o tocar so atos, mas so cha-mados de Erlebnis, que um
substantivo, e que na nossa ln-gua pode sei traduzido por vivncia.
Vivncia quer dizer aquilo que ns estamos vivendo. Assim, ver e
tocar so atos que ns estamos realizando, chamados, na lngua alem,
Erlebins e, na lngua espanhola ou em portugus, vivncia. Na lngua
italiana, como na inglesa, esse termo no existe, ento, no podendo
traduzi-lo por uma s palavra, "atos por ns vividos" que se
transforma no substantivo "o vivi-do" (no caso do italiano) ou "a
experincia vivencial" (no caso do ingls). Em portugus e em
espanhol, a palavra vivncia atinge mais plenamente o seu
sentido.
32
-
Fctiomcnologui como mtodo
vendo, ou que, enquanto tocamos, nos damos conta de tocar.
Depois, podemos fazer uma reflexo sobre essa conscincia, como a que
estamos fazendo agora.
Devemos perguntar tambm que tipo de vivncia refletir. Estamos
refletindo sobre ver e tocar que so registrados por ns, esse
refletir um novo ato, uma nova vivncia, e dessa vivncia ns tambm
temos cons-cincia. Porm, o ato reflexivo uma conscincia de segundo
grau, uma ulterior conscincia de algo que, nos consente dizer,
estamos vendo e tocando.
Assim, temos o primeiro nvel de conscincia que o nvel dos atos
perceptivos, e um segundo nvel de cons-cincia que o nvel dos atos
reflexivos.
Faamos uma comparao com o co e o gato que se vem e se tocam.
Eles tm conscincia desses atos? Talvez a tenham no primeiro nvel,
mas no a tm, certa-mente, 110 segundo nvel, o da reflexo. A reflexo
uma vivncia humana porque corresponde capacidade que o ser humanos
tem de se dar conta do que est fazendo. Ele tem capacidade de
perceber e registrar aquilo que percebe, e de se dar conta de que
est vivendo o ato da percepo.
Dos atos perceptivos conscincia de ser corpo, psique e
esprito
Voltemos ao copo de nosso experimento. Ns o vemos, o sentimos, o
utilizamos, por qu? Porque temos sede. Que tipo de ato a sede? E um
impulso. Ns senti-
33
-
Capitulo 9
mos alguma coisa interiormente, que nos impulsiona a pegar o
copo e a beber. Esse impulso, no o ato de beber, 011 o ato de
tocar, e nem o ato de refletir, um outro ato. Em geral, o impulso
em direo a alguma coisa registra-do por ns, pois temos conscincia
do impulso e quere-mos viv-lo. E o que fazemos? Buscamos alcanar o
copo.
Pode ser que algum prximo do mesmo copo d'gua tenha o mesmo
impulso de beber, mas no chega a pegar o copo sobre a mesa. Por qu?
Existe um contro-le muito semelhante ao ato da reflexo ( justo no
poder beber?). Podemos dizer que existe uma regra social ligada a
um controle, trata-se de um ato que no o do ver ou o de tocar, nem
o do impulso que mais se assemelha ao ato de refletir.
Todos esses atos que identificamos tm caracters-ticas diversas,
qualidades diversas. Podemos pensar que existe uma d imenso do ter
conscincia (no uma dimenso fsica) sob a qual ns registramos: um
settiiig de registro dos atos. De quais atos? De todos os que ns
estamos realizando, atos que so ligados ao mundo exter-no e ao m u
n d o interno.
Retomemos toda a anlise feita 11a dimenso do ver e do tocar, o
objeto externo, mas o impulso de ir beber interno. Agora, onde ns
percebemos o ato inter-no, o impulso e o ato externo perceptivo?
Sempre nessa dimenso da conscincia. A conscincia a dimenso com a
qual ns registramos os atos. O registro um ter-reno novo, e ao
identificarmos nesse terreno os atos vivi-
34
-
Fcnoinaiologia como mtodo
dos por ns, percebemos que tudo aquilo que vivemos passa atravs
desse terreno.
Podemos t a m b m analisar ou t ros exemplos. Quantos atos ns
estamos realizando agora? Podemos escolher alguns como tocar e
ouvir que so atos de car-ter fsico ligados a uma organizao. Temos
uma srie de atos ligados sensao - no s as dos cinco sentidos -mas
tambm a outros que nos permitem dizer .muitas coisas que se referem
ao m u n d o tsico externo, a ns mes-mos e relao entre ns e o m u n
d o fsico. Por qu? Faamos uma experincia com o ato de tocar. Neste
momento , ns podemos tocar e o sentido de tocar um contato ligado a
mo. Se fecharmos os olhos e no tocar-mos nada, no tocarmos
voluntariamente com a mo coisa alguma, percebemos, ento, que no
tocamos ape-nas com a mo, mas que todo nosso corpo toca. Mais
ainda, percebemos que a delimitao fsica do nosso corpo no percebida
atravs da viso, mas atravs do tato. Podemos fazer a experincia
fechando os olhos. Temos a sensao corprea, e tambm a distino entre
o nosso corpo e aquilo sobre o que estamos sentados, ou sobre o
qual caminhamos.
35
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Capitulo 9
36
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Fciwmcnologi como mtodo
O tato, segundo Husserl, o sentido mais impor-tante em absoluto,
porque atravs dele registramos os confins fsicos do nosso corpo,
que permite or ientarmo-nos no espao. O tato nos d, portanto, a
sensao do nosso corpo e do corpo externo ao mesmo tempo. No s a
distino, mas tambm a conexo; a conexo e a distin-o entre o nosso
corpo e o corpo diverso. A viso nos orienta, certamente, mas com a
viso no podemos per-ceber o confim do nosso corpo, uma vez que no
pode-mos v-lo todo. atravs do registro dos atos do tato, da viso,
da audio, do olfato que podemos dizer que temos um corpo.
Mas isso completamente diferente daquilo que se diz normalmente
sobre os sentidos. Ns part imos dos atos e, atravs deles, chegamos
concluso que existe um corpo em relao com o m u n d o externo. As
coisas fsicas so conhecidas atravs da corporeidade. Essa anlise da
corporeidade foi feita por Husserl" em todo o seu desen-volvimento.
Trata-se da mesma anlise que Merleau-Ponty faz em relao
corporeidade12. Husserl conclui que podemos dizer que temos um
corpo baseando-nos na anlise dos atos registrados por ns, isto ,
das sensa-es corpreas que registramos.
11 HUSSERL, F.. Uiec per una fenomenologia pura c una filoso-fia
fenornenologica. Organizzazione di V. Costa, traduzione di E.
Filippini. Torino: Einaudi, 1965. v. II (libri II e III)
12 MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia tia percepo. 2. ed. Traduo de
C. A. R. Moura. So Paulo: Martins Fontes, 1999. (Coleo Tpicos).
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Capitulo 9
Vejamos tambm o desenvolvimento infantil. Uma criana
gradativamente capta a sua corporeidade justa-mente pelo contato
com o fsico e com os limites. Se no fosse o tato, ningum poderia
perceber a delimitao da prpr ia corporeidade. Ns no refletimos a
todo o momento sobre os limites do nosso corpo, porm temos
conscincia deles. Ns levamos isso sempre conosco con-sensualmente.
Percebemos isso quando vamos andando pela estrada, vemos um
automvel e desviamos de sbito. Que quer dizer isso? Que ns estamos
cnscios das deli-mitaes corpreas e que queremos nos salvar. Querer
se salvar, nesse caso, um impulso que vem de uma outra fonte que
examinaremos mais adiante.
O momento preliminar o da corporeidade, proe-minal a tudo aquilo
que ns fazemos e , naturalmente, o que nos d a constituio do ser
que nos localiza. O que estar em 11111 lugar? Em primeiro lugar,
est o nosso corpo e da fazemos referncia ao objeto fsico e ao
espao. O espao vivido est na base de todos os conceitos de espao,
mas h tambm o espao que a Fsica considera geometri-zado,
idealizado. Porm, o primeiro o espao vivido, um espao que permite
que nos movamos, evitemos obstcu-los etc., e essa a formao da
corporeidade. Podemos darmo-nos conta dessa corporeidade porque
temos as vivncias relativas s sensaes corpreas. Esse o primei-ro
nvel, e o importante que registramos isso, portanto no existe
somente interioridade e exterioridade, mas inte-rioridade,
exterioridade e esse terceiro momento que o registro dos atos,
aquilo que nos possibilita ter conscincia.
38
-
Fcnomcnologia como mtodo
Entre esses atos, sabemos que existem os que so do impulso, dos
instintivos e das reaes. Ns os senti-mos, registramos o ato, o
sentir, e por isso mesmo temos uma reao. Por exemplo, quando
ouvimos um barulho no muito forte, podemos sentir apenas uma reao
de incmodo, porm, sendo muito forte, temos medo. E cie onde vem o
medo? Mesmo que de forma imediata, ns avaliamos a situao e notamos
que ela se apresenta com determinadas caractersticas...
Nesse ponto, identificamos outros atos que no so de carter
psquico, como o impulso de beber, nem de car-ter corpreo porque o
corpo nos manda a mensagem de beber mas no pegamos o copo.
Portanto, podemos contro-lar o nosso corpo e a nossa psique.
Estamos registrando o ato de controle, mas este no de ordem psquica
nem de ordem corprea, e nos faz entrar numa outra esfera a que os
fenomenlogos chamam de esfera do esprito.
Por que usam a palavra esprito? Porque o termo alma era usado
para indicar tudo aquilo que no era corpo. Normalmente se diz,
ento, corpo e alma. Husserl e seus discpulos analisam a alma em
duas partes: uma formada pelo impulso psquico (o termo impulso se
refere a uma srie de atos que so de carter psquico) que so atos no
queri-dos ou no controlados por ns. Alm disso, no somos ns a origem
deles, nem ns que os provocamos, mas os encon-tramos. Se sentirmos
um forte rumor, todos teremos medo, e o medo no vem querido por ns,
ele uma reao e acontece. Essa a parte psquica, a outra parte a que
refle-te, decide, avalia, e est ligada aos atos da compreenso, da
deciso, da reflexo, do pensar, chamada de esprito.
39
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Capitulo 9
40
-
Fenomenologia como mtodo
Colocamos entre parnteses a afirmao habitual de que o homem
corpo e alma, pois no part imos disso uma vez que comeamos a anlise
pelos atos. Examinando os atos, a comear pelo registro dos atos
podemos chegar estrutura do ser humano. Somos corpo-psique-esprito,
como dimenso. Pela anlise dos atos conclumos que a alma existe e
vista em dois momentos atravs das carac-tersticas diversas entre a
dimenso psquica e a dimenso espiritual. Certamente todas as
dimenses so estritamen-te conectadas. O esprito poderia viver
sozinho? No, o esprito habita a base psquica e corprea. O corpo
pode viver sozinho, sabemos de casos em que o elemento ps-quico e o
elemento espiritual no So ativados, porm, o ser humano
potencialmente tem essas trs caractersticas. Numa situao de coma,
pensamos que no existem impulsos de carter psquico ou espiritual
ativos, porm, nesses casos, procura-se fazer com que aquele ser
humano torne a ser o que .
Temos ainda outros problemas como o de saber se a alma tem
substncia. Isso um pouco mais complicado de responder", pois
existem diversos graus de atividades corpreas, psquicas e
espirituais. Graus diversos de pre-
13 Edith Stein deu uma contribuio relevante discusso so-bre a
substncia da alma. Cf. STEIN, E. La estruetura de Iti persona
humana. Madrid: BAC, 2003. Publicao original de 1913. E tambm
STEIN, E. Serfntoy Ser eterno: ensayo de una ascensin al sentido
dei ser. Traduccin de A. Prez Monroy. Mxico: Fondo de Cultura
Econmica, 1996.
41
-
Capitulo 9
sena e realizao, naturalmente. Algumas pessoas tm atividade
espiritual muito desenvolvida como refletir, avaliar, decidir, e
outras no o fazem da mesma forma, mas poderiam faz-lo: este o ncleo
da educao, fsica, psquica ou espiritual. A conexo entre as trs
dimenses o que estamos descrevendo atravs do ato. H uma estrutura,
que geral, universal. Cada ser humano, indi-vidualmente, tem todas
essas caractersticas que podem ser mais ou menos desenvolvidas.
Vimos exemplos que se referem avaliao, ati-vidade moral e tambm
ao compor tamento em relao aos outros. claro que nem todos os seres
humanos tm um desenvolvimento do compor tamento em uma certa direo
que ns consideramos vlida para a convivncia, mas isso no quer dizer
que no exista uma capacidade de avaliao, talvez ela no tenha sido
ativada ao longo da histria pessoal.
Esta uma descrio geral, depoiscada ser huma-no individual deve
ser examinada pelas suas caractersti-cas prprias. Portanto, no se
trata de uma universaliza-o que no leva em conta os elementos
concretos dife-renciados. Mas para compreender como os seres
huma-nos se apresentam, devemos compreender t ambm como a sua
estrutura geral.
42
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Fanomenologia como mtodo
Q rs t-i 3 00
43
-
Capitulo 9
Estamos considerando, aqui, a experincia de indi-vduos adultos
que tm as capacidades fsicas, espirituais e psquicas desenvolvidas
normalmente . A partir da, conseguimos delinear uma estrutura. No
se trata de demonstrar, forosamente, que existe u m a alma, pois a
anlise comea pelas coisas mais simples que fazemos a cada momento :
ver um copo, toc-lo, decidir se vou beber ou no. As experincias que
registramos, de que temos conscincia em um nvel mnimo, nos dizem
que existem atos diversos, isto , vivncias qualitativamente
diversas. As vivncias ligadas s sensaes no so da mesma qualidade
das psquicas, e estas no so da mesma qualidade daquelas que
chamamos espirituais. Em outros termos pode-se dizer que tocar, ter
impulso de beber, refletir e decidir no so vivncia do mesmo tipo e
isso indica a estrutura constitutiva do sujeito.
44
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Captulo 3
A CONSCINCIA E ESTRUTURAS UNIVERSAIS
Vimos que a novidade da abordagem fenomenol-gica de Husserl o
terreno da conscincia e essa a sua contribuio mais importante ,
embora a mais difcil1. A conscincia est no esprito? Est no psquico?
No pos-svel, porque as trs dimenses - corpo, psique e esprito - s
so conhecidas por ns porque temos conscincia. Portanto, a
conscincia no um lugar fsico, nem um lugar especfico, nem de carter
espiritual ou psquico. como 11111 ponto de convergncia das operaes
huma-nas, que nos permite dizer o que estamos dizendo ou fazer o
que fazemos como seres humanos . Somos cons-cientes de que temos a
realidade corprea, a atividade ps-
1 Para um aprofundamento da centralidade e radicalidade do
conceito de conscincia na fenomenologia de Husserl e discpulos, cf.
ALES BELLO, A. V universo nclhi cosrenza: introduzione alia
fenomenologia di EdmuntJ Husserl, Edith Stein, Hedwig
Conrad-Martius. Pisa: ETS, 2003.
45
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Capitulo 9
quica e uma atividade espiritual e temos conscincia de que
registramos os atos. Ou, dito de outro modo, se um ato psquico,
corpreo ou espiritual, de qualquer modo, ns o registramos em nossa
conscincia.
possvel examinar os atos e aquilo que eles signi-ficam, ou seja,
na sua pureza? O que quer dizer ato da percepo? O que quer dizer o
ato relativo ao impulso psquico? O que significa dizer ato da
avaliao? Atravs da vivncia e da reflexo podemos fazer anlises que
nos revelem a estrutura geral desses atos. E o que quer dizer que
existem atos universais? Qual o sentido desses atos? Como eles se
apresentam?
Tomemos um exemplo simples, ativando, neste momento , o ato de
ver. A sensao a viso, o ato a per-cepo. Estamos a tuando o ato
perceptivo, estamos tendo conscincia de ver, por exemplo, um livro.
Enquanto visto, o livro se encontra dentro e enquanto existente ele
se encontra fora. Se o livro retirado do nosso campo de viso, onde
ele est? Se ainda falamos do livro, porque estamos ativando a
recordao, um ato que permite tor-nar presente uma coisa que no est
mais presente. O livro no est mais presente perceptivamente, neste
m o m e n t o o ato da percepo no nos d o livro, porm podemos falar
no livro, esse um ato universal.
Percebo o livro e me recordo dele e, imediatamen-te, sei a
diferena, intuo de sbito o sentido do perceber e o do recordar.
Imaginar ainda diverso de recordar e de perceber, basta que se diga
imaginar e logo todos com-preendem que uni ato diferente de
perceber e de recor-
46
-
Conscincia e estruturas universais
dar. Analisar ainda outro ato que vivenciamos, no perceber, nem
recordar ou imaginar. Distinguimos todos esses imediatamente,
intuitivamente.
O que significa perceber? O que significa perceber em relao a
recordar e imaginar? Quais so as condies para perceber? A percepo
aquele ato que se dirige a um objeto fsico, concreto, que est
diante de mim. Em geral, essa a estrutura universal da percepo. Se
anali-sarmos e observarmos a percepo na sua pureza, cada vez que
temos uma percepo acontece assim.
Portanto, pureza quer dizer captar a percepo e dizer o que ela
sempre, no somente n u m caso especfi-co, mas em todos os casos,
dizer o que, em geral, a percep-o ; dizer qual o sentido do ato
perceptivo. claro que pode-se compreender melhor esse sentido se
foi colocado em relao a outros atos.
Quais atos ns estamos ativando agora? Atos per-ceptivos, pois
olhamos aqui e l, ouvimos, temos uma srie de percepes complexas
atravs das quais podemos compreender o sentido das palavras e
eventualmente escrever a respeito delas. Aprendemos, e isso quer
dizer que nos lembramos pois, sem recordar no poderamos continuar
compreendendo ou escrevendo. Se chegasse aqui uma pessoa de cultura
completamente diversa, estra-nharia muito porque fazemos algo que
desconhece. Para ela no existe um ato para a recordao daquela
instruo especfica que ns tivemos, mas ela tem lembranas de outros
atos, ligados a seus costumes e aprendizados.
47
-
Capitulo 9
Ns estamos ativando tambm a ateno. E o que ateno? O que
significa ateno em geral? Estamos concentrados sobre alguma coisa,
e claro que essa con-centrao pode ser de dois tipos. Quando entra
algum pela porta, a nossa ateno se volta para ele, para esse
acontecimento, mesmo sem que tivssemos vontade, ele atraiu nossa
ateno. Esse um tipo de ato psquico; uma reao a uma percepo e a
seguimos sem deciso e auto-nomia. Se no quisermos seguir essa
percepo, teremos de ativar um ato de outro tipo, voluntrio, no nvel
do no querer ver. Dessa forma, a nossa ateno no altera-da retirada
chega a se tornar uma afronta, pois eqivale-ria afirmar que no
temos interesse por esse algum que entra. Isso acontece no nvel
psquico que pode ser uma atrao ou repulso. A aceitao ou rejeio da
presena de algum se d no nvel espiritual.
Mas qualquer um pode se distrair. O que significa distrair-se?
Quer dizer que eu dirijo os atos psquicos em uma outra direo.
Estudantes se distraem, isto , so atra-dos por algo externo ou
interno como sentimentos, uma preocupao ou uma fantasia que
afetariam a ateno. Mas durante a aula poderiam dizer: "no, no quero
seguir essa fantasia, quero escutar". No entanto, para decidir
escutar necessria uma motivao, enquanto que no caso da fanta-sia j
existe o motivo pelo qual houve a distrao'.
2 Sobre causalidade psquica, motivo e motivao, cf. STE1N, E.
Psicologia e scienze dello spirito: contributi per una fon-dazione
filosofica. 2. ed. Presentazione di A. Ales Bello, tra-duzione di
A. M. Pezella. Roma: Citt Nuova, 1999.
48
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Conscincia c estruturas universais
Os atos psquicos tm sempre motivos, mas o que compe os atos
psquicos o universo da motivao e a motivao implica numa atividade
espiritual1.
Ateno como ato involuntrio ato psquico
Ateno como ato voluntrio (dirigido pelo sujeito, no provocado
por fatores externos) ato espiritual
Se re tornarmos questo do beber, quando a pes-soa no pega o copo
ainda que tivesse sede, ativa uma capacidade espiritual, de inteno
e avaliao. Qual a motivao? Por exemplo, do ponto de vista social no
opor tuno, mas se fosse uma criana muito pequenina, veria a gua e
beberia. Por qu? Porque ainda no ativou os controles inculcados
pela me ao dizer que "no se pode fazer isso" em determinadas
situaes. Atravs do "no pode" ativa-se a motivao. A motivao humana
diz, que existe uma razo pela qual ho conveniente, naquela situao,
pegar o copo d'gua e beber. Existe um motivo que impele para beber,
mas a motivao diz "no neste momento". Pode-se compreender que essa
a base do controle individual e tambm social e acontece em todas as
culturas, ainda que de formas bem diferentes.
As diferenas so secundrias, pois as estruturas no mudam. Ainda
que o objeto percebido seja diverso ou que tenhamos percepes
diferentes, todos ativamos a percepo.
3 Cf. STFJN, E. La estruetura th' Ia persotia humana. Madrid:
BAC, 2003.
-
Capitulo 9
Todos tm e operam com a percepo, a recorda-o, a imaginao, a
fantasia e capacidade de refletir... Nem todos ativam esses atos em
um dado momento, porm, potencialmente, todos eles esto em cada um
dos seres humanos . Sabemos que isso acontece aos poucos, pois
alguns deles desenvolvem-se na infncia, como a ateno e a viso, e
outros, especialmente os atos de car-ter espiritual, requerem um
desenvolvimento j estabele-cido previamente, alm de apresentar
caractersticas diversas a cada idade.
Interessa ressaltar que a compreenso desses atos podem ser
examinados 11a sua estrutura universal, pois todos os seres h u m a
n o s tm a mesma estrutura, embo-ra no ativem da mesma maneira e no
tenham os mes-mos contedos, potencialmente, todos tm a mesma
estrutura, seja do pon to de vista psquico ou do pon to de vista
espiritual.
Assumida essa hiptese, podemos pensar nas difi-culdades que
ocorrem, porque existem os que podem ouvir e os que no, existem
aqueles que podem ver e os que no. Existem tambm casos extremos de
pessoas que no tm possibilidade de sensao (como o apresentado 110
filme "O Milagre de Anne Sullivan". Anne era profes-sora de uma
menina que no tinha capacidade de sensa-o alguma. A terapeuta
conseguiu, atravs da gua, ati-var a sua estrutura. Comeou com
algumas sensaes, um pouco por vez, porque sabia que essa menina
tinha uma vida psquica e espiritual. No entanto, ela no podia
ativ-las, uma vez que lhe faltavam os elementos corp-
50
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Conscincia e estruturas universais
reos, a primeira base corprea da sensao. Isso nos mos-tra que
podemos examinar o ser humano atravs dos atos, considerando uma
estrutura geral, universal.
Figura E
Objetivo de Husserl: fundamentar a anlise da ateno nos
diferentes nveis: 3 C
A mesma dimenso muito importante tambm na relao intercultural,
em que geralmente s vemos diferenas. Identificamos os diferentes
modos de viver, 110 entanto, no fundo, o ser humano tem sempre a
mesma
51
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Capitulo 9
estrutura. A situao interessante para que observemos as
tendncias especficas de cada cultura, seguindo um ponto de vista
antropolgico.
Sabemos como o ser humano constitudo, quais so as suas
estruturas e as suas caractersticas. A questo estudada
primeiramente por Husserl e desenvolvida tam-bm por Editli Stein,
sua discpula. Ela continuou a inves-tigar sobre o assunto e se
envolveu muito nos atos que se referem psique. Ela continuou a
desenvolver aquilo que Husserl havia evidenciado, fez o estudo dos
instintos, dos impulsos, das energias e das reaes espontneas que
exis-tem no ser humano e que independem de ns4.
Este o ponto de vista antropolgico das estrutu-ras gerais,
posteriormente se pode dedicar compreenso de cada pessoa
individualmente. A elucidao impor-tante para a Psicologia, pois
poder ter uma aplicao cl-nica para cada pessoa, tomada
singularmente, ou tam-bm se poder formular uma descrio tipolgica,
por exemplo, do introvertido e do extrovertido. Isso significa que
todos ns registramos atos psquicos, por exemplo, impulsos que nos
levam para fora ou para dentro e os psiclogos, sabendo disso, podem
compreender algo que uma pessoa especfica est vivendo.
Iniciando com Brentano o seu interesse pela vida psquica,
Husserl chega a explicitar, diferentemente de
4 STE1N, E. Psicologia e scicnze dello spirito: contributi per
una fondazione tilosofica. 2. ed. Presentazione di A. Ales Bello,
traduzione di A. M. Pezella. Roma: Citt Nuova, 1999.
52
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Conscincia e estruturas universais
Freud, que a caracterstica da vida humana ser uma vida
espiritual; reconhece uma dimenso espiritual, mbito das avaliaes e
decises, que se diferencia da dimenso psquica. Tratando-se de atos
diversos, no podemos con-siderar como Jung, que incluiu a dimenso
espiritual na dimenso psquica. Se so atos diferentes, no podem ser
de uma s dimenso. No se quer dizer que ns sempre decidimos e
avaliamos pois, muitas vezes, nos deixamos levar pela emoo, por
exemplo. nesse campo de pro-blema que se insere o trabalho de
Psicologia Clnica: essa pessoa capaz de decidir ou se deixa
levar?
Vimos que Husserl havia assistido s aulas de Brentano,
juntamente com Freud, e conhecia todo o desen-volvimento da
Psicanlise freudiana. Stein tambm conhe-cia, e se interessava muito
pela psicologia profunda de Jung. Husserl e Stein no negam que
exista uma dimenso psqui-ca inconsciente, no sentido de atos
psquicos que registra-mos, que podem ser precedidos de percepes das
quais ns no temos conscincia. O tema apenas indicado em alguns
pontos da sua obra, mas no desenvolvido. Stein toma o tema e o
coloca num relacionamento com Jung, sobretudo na obra intitulada A
estrutura da pessoa humana\
A diferena radical entre a abordagem psicanalti-ca e a abordagem
fenomenolgica a descrio da di-menso psquica pr-consciente e depois
inconsciente. A distino entre as dimenses psquica e a
espiritual
5 STEIN, E. La estruetura de Ia persona humana. Madrid: BAC,
2003.
53
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Capitulo 9
importante para compreender o compor tamento do ser humano. Mas
h uma diferena entre Freud e Jung, por-que na concepo freudiana a
dimenso inconsciente a que comanda, e tudo o que acontece no nvel
consciente , na verdade, um produto daquilo que acontece no nvel
inconsciente. Freud, verdadeiramente, deseja compreen-der o que o
inconsciente. Mas se ele consegue com-preender o que o inconsciente
- at onde consegue compreender porque opera com o consciente. Ento,
Husserl observa que a vivncia psquica, considerada como dimenso
propriamente psquica, dimenso do inconsciente importante, mas o ser
h u m a n o tem tam-bm uma dimenso espiritual. Ele no totalmente
comandado pela dimenso psquica, por isso pode e deve ativar tambm a
dimenso espiritual. E este tambm um fundamento da vida moral, que
implica em respon-sabilidade e liberdade. Ns sabemos que na concepo
freudiana esses elementos no so considerados autno-mos, mas
comandados pela dimenso inconsciente.
Para Husserl, ainda que nem sempre e nem todos ativem a dimenso
espiritual, todos tm condio de ativ-la. uma viso de h o m e m na
qual h uma dimen-so espiritual que pode intervir com controle e
sentido. Edith Stein aponta algo semelhante e diz que Jung se ocupa
de uma dimenso que como um subsolo (seguin-do a tradio russa com
Dostoievski"). necessrio con-
6 DOSTOIEVSKI, F. Memrias tio subsolo. Traduo de B.
Schnaiderman. So Paulo: Editora 34, 2003.
54
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Conscincia e estruturas universais
siderar que sobre a dimenso do subsolo, tambm se exerce uma
atividade de controle e direcionamento, assim, se d um grande espao
para a dimenso espiri-tual. A dimenso espiritual tambm est
contemplada na anlise de Jung, ainda que no a tenha chamado de
esp-rito, pois para ele a dimenso religiosa est sempre ligada
dimenso psquica. como se Jung atribusse psique aquilo que psquica e
espiritual ao mesmo tempo, no distinguisse os dois nveis, no
reconhecesse a autonomia do nvel espiritual.
Leibniz afirma que cada ser h u m a n o uma mna-da, ou seja, um
elemento individual. Porm, Husserl" demonstra que o ser uma mnada
aberta e a entropatia so as janelas. A atividade do esprito aquela
que ns podemos chamar de atividade da alma, ainda que no haja uma
dimenso intra-instancial da alma. Emerge, ento, outra questo, isto
, saber em que consiste a subs-tncia autnoma da alma.
7 Cf. HUSSERI , E. Meditaes cartesianas: introduo fenomenologia.
Traduo de F. Oliveira. So Paulo: Madras, 2001.
55
-
Captulo 4
A SNTESE PASSIVA: FASE ANTERIOR A PERCEPO
Tomamos o sentido dos atos, falamos da percep-
o, de atos que j temos conscincia. So atos dos quais
ns somos cnscios ainda que no tenhamos feito uma
reflexo sobre eles. Entretanto, Husserl diz que existe um
caminho anterior percepo, que ele chama de sntese passiva. Ou
seja, ns reunimos elementos sem nos darmos conta de que o estamos
fazendo. Podemos dizer, por
exemplo, que t nhamos a percepo do copo, mas para
isso tivemos de exercitar algumas operaes anteriormen-
te (a distino entre um objeto e outro, entre o copo e a
toalha...). Trata-se de operaes que estabelecem conti-
nuidade e descontnuidade, homogeneidade e heteroge-
neidade. Para apreender o objeto em sua unidade deve-
mos estabelecer relaes de continuidade e de descont-
nuidade, de homogeneidade consigo mesmo e de hetero-
geneidade para com outros objetos. No nos damos conta
-
Capitulo 9
de operar tudo isso precedentemente percepo, pois so operaes que
cumprimos num nvel passivo, somos afe-tados por elas antes que
faamos qualquer coisa.
H um artigo significativo de Husserl sobre a sn-tese passiva' em
que ele fala sobre a existncia de nveis mais profundos, e que
conscincia aparece somente a percepo do j constitudo, ela registra
os nveis mais altos desses processos.
Quando Husserl trata dos nveis passivos, no est dizendo que os
vivemos passivamente. Analiticamente compreendemos que j demos
aqueles passos, tornaram-se nossos, no pudemos deixar de faz-los, e
a essa passivi-dade a que Husserl se refere. Quando conseguimos
descre-ver o processo, sabemos o que operamos no nvel passivo. Esse
um ponto sutil no trabalho de anlise de Husserl.
Considerando todo o arco do processo reflexivo husserliano,
podemos dizer que entramos no nvel da conscincia atravs da percepo,
mas existe tambm um nvel passivo, que pode ser objeto de uma
"escavao"2. Vamos descendo, aprofundando a escavao para com-
1 Cf. HUSSERL, E. Lezioni sitlln sintcsi passiva. Traduzione di
V. Costa. Milano: Guerini, 1993. (Originais de 1418-1926 publicados
em 1966). Cf. tambm GH1GI, N. A hiltica na fenomenologia: a
propsito de alguns escritos de Angela Ales Bello. Memoramium, 4, p.
48-60,2003. Disponvel em:
-
Sntese passiva: fase anterior percepo
preender o que existe no nvel passivo. No alto esto todas as
operaes no nvel reflexivo (o da lgica, por exemplo). Comeando pela
lgica, com o problema da Matemtica, Husserl lidar com a Aritmtica
como operaes psqui-cas, e depois perguntar "O que significa dizer
que se somos capazes de realizar essas operaes lgicas? Quais so os
atos que nos possibilitam exercer a atividade lgi-ca?". Busca,
portanto, examinar os atos da conscincia nos ltimos aspectos. Por
um lado, vai em direo lgica, por outro, vai em direo aos aspectos
constitutivos das ope-raes. E, assim, chega ao aspecto passivo.
fenomenolgica. Traduo de A. Angonese. Bauru: Edusc, 1998; Cf.
tambm ALES BELLO, A. Fciiotnenologia e cincias humanas: psicologia,
historia e religio. Organizao e tra-duo de M. Mahfoud e M. Massimi.
Bauru: Edusp, 2004.
59
-
Captulo 5
O Eu, O OUTRO E O Ns: A ENTROPATIA
O estudo dos atos importante, primeiramente,
do ponto de vista antropolgico-filosfico, porque atinge
os aspectos individuais e os universais. Ns vivemos de
forma individual, mas ligados estrutura universal. Por
isso, quando falamos dessa estrutura universal, podemos
dizer "ns".
Podemos perguntar como chegamos a dizer "ns"
ou como se passa do eu ao ns. Todos os seres humanos esto
centrados em 11111 eu, com capacidade de ter cons-
cincia de si, e com base neste eu - do ponto de vista da
antropologia filosfica - pode-se chegar a dizer ns.
Husserl, aps identificar os diversos atos e as diver-
sas dimenses, se pergunta: "Seria tudo isso uma mera
inveno pessoal? O11 posso tambm demonstrar que
todos temos a mesma estrutura?" Para demonstrar isso,
Husserl precisou responder a seguinte pergunta: "Qual
-
Capitulo 9
a origem de todos os nossos conhecimentos conscientes?" Para
tanto foi preciso comear pela anlise da percepo.
Coloquemos ateno nossa volta e faamos uma anlise perceptiva das
coisas e das pessoas. Podemos, ime-diatamente, distinguir as
cadeiras das pessoas. Se a percep-o vale tanto para a cadeira
quanto para a pessoa, como chego a saber que aquilo uma cadeira e o
que uma cadei-ra? algo que no tem vida. Mas como chegamos a
distin-guir cadeira, cachorro e pessoa? Se continuarmos a obser-var
e perguntar como se chega a distinguir algo, vamos nos dirigindo a
um terreno fundamental, isto , o terreno dos atos de conscincia,
distinto dos atos perceptivos.
Entramos no terreno dos atos de conscincia atra-vs da percepo,
distinguindo os vrios atos, os atos de qualidades diversas. Se
apreendo imediatamente que pes-soa diferente de cadeira, ento h um
ato que me per-mite isso. Esse importantssimo ato foi evidenciado
pelos fenomenlogos Edmund Husserl1 e Edith Steiir. Para designar o
ato falamos em enipatia ou entropatia. Husserl utilizava a palavra
Einfuhlung, ento, entre os nossos diversos atos, h um que podemos
chamar de Einfhlung,
1 HUSSERL, E. Coitferenze di Amsterdam: psicologia
fenome-nologica e fenomenologia trascendentale. Traduzione e
edi-zione di R Polizzi. Palermo: Ila-Palma, 1988. Cf. tambm
HUSSERL, E. Meditaes cartesianas: introduo fenome-nologia. Traduo
de F. Oliveira. So Paulo: Madras, 2001.
2 STEIN, E. II problema delFempatia. Introduzione e note di E.
Costantini, presentazione di P. Valori, traduzione di E. Costantini
e E. S. Costantini. Roma: Studium, 1985.
62
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Eu, o outro, ns: a entropatia
e sua peculiaridade a de sentirmos imediatamente que estamos em
contato com out ro ser humano , de modo tal que podemos falar
"ns".
Quando entramos numa sala, imediatamente dis-t inguimos as
pessoas das cadeiras, nem precisamos racio-cinar, porque existe um
ato que anterior. Certamente, existem as percepes, precisamos ver
cadeiras e pessoas para percebemos a diferena. Podemos afirmar que
os atos nunca se do isoladamente, pois junto com o ato perceptivo
est esse ato especifico da entropatia que um apreender o outro, e
essa apreenso imediata.
Ainda que no vejamos, ao ouvirmos uma voz entre os diversos
sons, intumos que se trata da manifesta-o de um ser humano,
imediatamente identificamos que uma voz humana como a nossa prpria.
Se ao telefone ouvimos um latido, apreendemos uma diferena
instanta-neamente. A percepo auditiva acompanhada desse sentir,
desse captar que o outro algum, um outro que um eu, como tambm eu
sou um eu, um outro eu, um alter ego. O ato Einflihing, entropatia,
quer dizer que sinto a existncia de um outro ser humano, como eu, ,
portanto, uma apreenso de semelhana imediata. Note que se trata de
semelhana e no de identidade, pois eu percebo que somos dois, que o
outro no idntico, mas semelhante a mim.
Todos os seres humanos realizam o mesmo ato quando encontram
outros seres humanos. Esse ato se dis-tingue da percepo, da
recordao, da imaginao, da fantasia, da intuio, por isso um ato sni
generis. Apre-
63
-
Capitulo 9
sentemos ainda um outro exemplo que consiste em abrir um livro e
encontrar escrito: "Husserl disse que...". Sei que se trata de uma
pessoa, ativo a entropatia, reconheo-o um ser h u m a n o ainda que
ele no esteja diante de mim. Nesse caso, o ato da percepo se ativa
quando leio no livro a palavra "Husserl" e d-se o
sentir-reconhecimento de que um ser h u m a n o e tambm d-se o ato
da recor-dao (recordo-me de quem Husserl, de algum que me falou
sobre ele). Isso quer dizer que a cada momen to temos vivncias
perceptivas, rememorativas e imaginati-vas. Podemos imaginar uma
pessoa, formular uma ima-gem, talvez o imaginemos como uma pessoa
velha ou um professor, mas a imaginao pode ser tambm ativada.
Algumas vezes temos uma fotografia e, ento, pode-mos ver como a
pessoa . Neste caso pode-se perguntar qual a vivncia que se ativa.
Sabemos que a percepo e algo semelhante recordao. O que a
fotografia? uma imagem, mas ns podemos fazer uma anlise da imagem.
O que a imagem? O que a imagem em relao ao origi-nal? H uma forma
de anlise da imagem do ponto de vista fenomenolgico, muito
importante at para a arte, pois o exerccio da arte pode ser
desenvolvido a partir da, mas atravs da imagem tambm podemos chegar
a perceber o outro como humano.
A palavra alem utilizada por Husserl (Einfhluiig) composta por
trs partes, o ncleo fhl significa "sen-tir". H na lngua grega uma
palavra que poderia corres-ponder a fhl (e a fecling, derivada da
lngua latina): pnt-hos, que significa "sofrer" e "estar perto". A
palavra empti-
64
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Eu, o outro, ns: a entropatia
tia uma tentativa de traduo desse sentir em termos lingsticos
espontneos do ser humano, para sentir o outro. Uma outra traduo
poderia ser entropatia. O te rmo empatia freqentemente utilizado,
principal-mente na Psicologia, como "sentir o outro" no sentido de
simpatia, mas no assim. Eu posso encontrar uma pes-soa, e ter um
reconhecimento sbito de que um ser humano, imediatamente o vejo
como indivduo e identi-ficado como algum semelhante a mim. Assim,
enquanto eu o vejo, tenho, ao mesmo tempo, percepo e entropa-tia,
ou seja, percepo e apreenso de que um ser huma-no. Porm, o que me
acontece no nvel psquico? Existe uma reao de atrao ou repulso, a
simpatia ou a anti-patia. verdade que sempre ativamos a antipatia
ou a simpatia, porm, o primeiro movimento no nem de antipatia e nem
de simpatia, mas de captar que se trata de um ser humano. A
entropatia um ato especfico, no pode ser confundido com a reao
psquica da simpatia. Usamos entropatia para dizer que,
imediatamente, capta-mos que estamos diante de seres viventes como
ns.
O elemento vivente muito importante. Dentro dele existe uma
vida, que no s percepo, uma per-cepo acompanhada da conscincia,
portanto, estamos diante de algo que vive, que vive como eu. Por
que temos de dizer "como eu"? Porque podemos estar diante de um
cachorro que vive tambm, mas no vive como eu. Isso ns percebemos
imediatamente, no entanto, podemos es-tabelecer com o gato ou com o
cachorro uma relao tam-bm entroptica. Sabemos que ele vive em nvel
psquico,
65
-
Capitulo 9
que ns tambm temos. Se o gato mia, percebemos que ele esta
pedindo alguma coisa, que tem fome ou sente alguma dor. Este captar
entropatia, pois tambm possumos o nvel psquico, mais do que isso,
fazemos um grande esfor-o com os animais domsticos, falando e
tentando inter-pret-los. O mesmo esforo fazemos com a criana
peque-nina que ainda no pode falar, tentamos captar o que possa
estar sentindo, o que est acontecendo com ela.
Analisar a diferena entre o ser h u m a n o e o animal muito
importante, ' pois em relao ao ser humano, cap-tamos imediatamente
que ele vive, tem vida corprea, ps-quica e espiritual. Isso ocorre
imediatamente e ao mesmo tempo que percebemos tratar-se de algum
igual, portan-to: "assim como eu". No caso do mundo animal,
percebe-mos que ele est vivendo o corpreo e o psquico, mas no
possvel no estabelecer uma relao espiritual, pois no se manifesta o
" como eu". Existe uma entropatia com o m u n d o animal, porm,
limitada. Com uma criana pequenina ns no podemos nos relacionar em
nvel espi-ritual, porm, esse nvel do esprito amadurecer com o seu
desenvolvimento, j o percebemos potencialmente.
Atravs da entropatia, entramos em um m u n d o intersubjetivo,
cuja vivncia ajuda o nosso desenvolvi-mento pessoal, do ponto de
vista fundamentalmente espiritual, cultural.
3 C STE1N, E. L.n estructura de Ia persona humana. Madrid: BAC,
2003. Cf. tambm ALES BELLO, A. Human world-ani-mal world: an
interpretation of instict in some late husserlian manuscrips.
Anakcta husserliana, LXVIII, p. 249-253, 2000.
66
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Eu, o outro, ns: ti cntropatia
Parte dos fenomenlogos falava em cincia da cul-tura, cincia do
esprito, por lidar com o esprito, com o logos, e com a elaborao
cultural. O psquico o lugar das pulses, dos impulsos, que sero
organizados pela dimen-so espiritual em processos levados adiante
por grupos humanos. Os agrupamentos humanos vo se construindo
atravs do enfrentamento da diversidade, do dilogo, dos direitos,
das leis, portanto, com as atividades espirituais.
Podemos, agora, nos dedicar a compreender quais so as estruturas
dos grupos humanos, qual sua configu-rao, suas modalidades
culturais, suas organizaes espi-rituais. Existia uma tendncia, no m
u n d o alemo contem-porneo a Husserl, de falar em cincias da
cultura. Porm, Husserl se pergunta: "Qual a raiz da cultura?" A
raiz da cultura a atividade espiritual, so os atos do esprito que
formam a base das cincias e da cultura em geral.'
4 Cf. HUSSERL, E. La crisi dclle scienze europee e Ia
fenotne-nologia trascendentale: per un sapere umanistico.
Prefazione di E. Paci, introduzione di VV. Biemel, traduzio-11 e di
E. Eilippini. Milano: Net, 2002. Cf. tambm ALES BELLO, A. Culturas
e religies: uma leitura fenomenolgi-ca. Traduo de A. Angonese.
Bauru: Edusc, 1998.
-
Captulo 2
-
Captulo 6
A INTERSUBJETIVIDADE: AS MODALIDADES DE
ASSOCIAO E A PES'SOA
Na experincia da entropatia, temos a possibilida-de de contato
com o outro, embora, na realidade, do ponto de vista experiencial,
antes da anlise que podemos fazer, ns sempre vivemos junto com
outros, num con-texto humano.
Como chegamos a reconhecer que um contexto humano? Que no um
contexto animal, que no um contexto de coisas? Como chegamos a
distinguir? Com o ato da entropatia, imediatamente, compreendemos
que estamos junto a outros como ns, esta a dimenso intersubjetiva
constitutiva da pessoa1.
Ns nascemos em um contexto interpessoal, porm existem muitas
formas de organizao de associa-
1 Como o sei humano tambm um ser espiritual, do ponto de vista
filosfico fala-se em pessoa. De fato, tanto Husserl quanto Stein
usam o termo "pessoa", acentuando o reco-nhecimento da sua dimenso
espiritual constitutiva.
69
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Capitulo 9
o humana , essas formas so muito importantes para compreender o
papel de cada pessoa no seu contexto associativo. Ento, pode-se
perguntar quais formas asso-ciativas favorecem o posicionamento de
cada pessoa e que tipo de associao promove o movimento de cada um.
A dimenso interpessoal to importante que toda a nossa educao
depende da interpessoalidade em que estamos inseridos.
Podemos tambm identificar quais so os seus limites, esse ,
efetivamente, um grande tema que os feno-menlogos vem enfrentando.
Pode-se, primeiramente, pensar sobre as diferentes formas da
organizao humana e se perguntar quais so as possibilidades do ser
humano realiz-las. Como o ser h u m a n o constitudo pelas dimenses
corpo, psique e esprito, as associaes huma-nas, ou seja, as
modalidades de agrupamento do maior ou menor importncia a cada uma
dessas dimenses.
MASSA: PREDOMINNCIA CORPREO-PSQUICA -IMPULSOS UTILIZADOS POR
PROJETOS ALHEIOS
Corporeidade e psique so nveis interligados, por
isso falamos de corpo vivo\ ou seja, corpo animado pela
2 Cf. HUSSERL, E. Icie per una fenomenologiu pura c una
filosofia fenomenologica. Organizzazione di V. Costa, tradu-
70
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Inte rs11bjetividade: as modalidades dc associao c a pessoa
psique. E falamos tambm de reaes a todas as coisas que chegam a
ns atravs da corporeidade. Examinando uma associao humana , que se
detm nesse nvel corpreo-psquico, percebemos que nelas somos
arrastados por impulsos psquicos coletivos.
Stein faz uma consistente anlise desse fenmeno1 , dizendo que h
uma espcie de contgio psquico, que corresponde, em seu
funcionamento, ao contgio de doenas do corpo. Tomemos um exemplo j
utilizado. Se acontecesse um grande barulho numa sala, a reao
cole-tiva instintiva seria todos sairem. Nesse caso, poderamos ser
arrastados pelo pnico. Porm, como comum nessas situaes, algum
falaria: "no entrem em pnico, pre-ciso se controlar para podermos
sair". A pessoa estaria se l idando com um controle que de natureza
espiritual, racional. Ns nos organizaramos para ver por onde sair
mais rapidamente, antes que todos se jogassem no mesmo ponto e
ningum conseguisse sair. Esse exemplo mui to simples, mas existem
situaes humanas em que o m o m e n t o impulsivo, instintivo, mais
profundo. H tambm tendncias e impulsos que passam a ser utiliza-dos
por algum de fora do grupo, como nas publicidades.
zione di E. Filippini. Torino: Einaudi, 1965. v. 11. Cf. tam-bm
STEIN, E. Introduzione alia filosofia. Prefazione di A. Ales Bello,
traduzione di A. M. Pezzella. Roma: Citt Nuova, 2001.
\ 3 STEIN, E. Psicologia e scienze dello spirito: contributi per
una
fondazione filosofica. 2. ed. Presentazione di A. Ales Bello,
traduzione di A. M. Pezella. Roma: Citt Nuova, 1999.
71
-
Captulo 2
A ideologia uma idia que pode ser apresentada como boa, til,
mas, na verdade, faz com que certa organi-zao siga os interesses de
quem a prope. Neste caso, Edith Stein diz que est se formando a
massa. Massa signi-fica, ento, pessoas juntas sem uma forma
especificamente prpria. Sua forma dada por quem consegue se ocupar
dela e utiliz-la segundo um projeto1. O projeto no ps-quico, mas
intelectual, sendo assim, pode ser bom ou mau, mas de partida j
viciado quanto questo da moral. Algum que utiliza a massa para um
fim moral, faz algo negativo, pois no respeita a liberdade do ser
humano.
Pode-se avaliar esses encontros para verificar se so vlidos ou
no. No se pode dizer simplesmente que os encontros baseados em
elementos emocionais sero nega-tivos, pois preciso verificar se
esses elementos so vlidos para um projeto, assim, pode-se passar do
nvel do motivo para o nvel da motivao. Motivao ura passo a mais,
porque se insere em um projeto, que tem certa organiza-o e uma
finalidade. Ento pode-se perguntar qual tipo de organizao respeita
o projeto individual.
4 Cf. STEIN, E. Una ricerca sullo Sinto. 2. ed. Traduzione di A.
Ales Bello. Roma: Citt Nuova, 1999.
-
Inte rs11bjetividade: as modalidades dc associao c a pessoa
C O M U N I D A D E : V N C U L O S CORPORAIS, PSQUICOS E
ESPIRITUAIS
Husserl e Steih acreditam que a organizao que respeita a pessoa
se chama comunidade\ A comunidade caracterizada pelo fato de os
seus membros assumirem responsabilidades recprocas. Cada membro
considera sua liberdade, assim como tambm quer a liberdade do outro
e, a partir da, verificam qual o projeto conjunto. O projeto pode
ser til para a comunidade, mas deve ser til tambm para cada
membro.
Na comunidade a pessoa considerada singular-mente, cada um deve
encontrar dentro dela a sua realiza-o, j que sozinho o ser h u m a
n o no consegue se reali-zar plenamente. Eis porque indivduo no um
bom termo, pois indica a pessoa considerada fora do seu grupo e,
segundo essa interpretao, a comunidade no se constituir apenas com
a proximidade de vrios indiv-duos. De fato, a comunidade uma unio
de pessoas con-sideradas singularmente, de modo que o contexto
rela-cionai possibilita sua realizao, assim, a singularidade e a
comunidade so dois momentos co-relatos.
5 Cf. HUSSERL, E. Meditaes cartcsitinas: introduo n
fenomenologia. Traduo de Oliveira. So Paulo: Madras, 2001; STEIN,
E. La estruetura de In persona humana. Madrid: BAC, 2003; STEIN, E.
Psicologia e scienze dello spi-
73
-
Capitulo 9
A comunidade se forma quando cada membro aceita a comunidade
como lugar de seu movimento indi-vidual e, assim, se forma uma nova
personalidade que a comunidade. Os seres humanos deveriam viver em
comu-nidade, pois isto corresponde a um grande apelo tico.
Concebendo a comunidade dessa maneira, cada um po-deria participar
de diversas formas de comunidade.
Uma famlia, por exemplo, poderia ou deveria ser uma comunidade.
Mas nem sempre o , entretanto se realiza como comunidade quando o
vnculo entre os membros da comunidade positivo, comeando pelos
sentimento. No caso da famlia, o sentimento fundamen-tal o amor e
sua reciprocidade, pois existe um desejo solidrio de realizao, mas
se isso no acontecer, no h comunidade familiar. Na famlia h
benefcios tambm no nvel corporal, pois o corpo inteiro do ser h u m
a n o faz par te daquela famlia, j un t amen te com o esprito.
Quando se diz que acreditamos em um vnculo de san-gue, significa,
no caso da famlia, que estamos ligados por um elo corporal. Porm o
vnculo de sangue no faz com que a famlia seja uma comunidade,
preciso que haja uma disponibilidade psquica e espiritual.
A comunidade familiar antes de tudo um proces-so, no acontece
espontaneamente, esse um problema mui to presente atualmente nas
famlias. A espontaneida-
rito: contributi per una fondazione filosofica. 2. ed.
Presentazione di A. Ales Bello, traduzione di A. M. Pezella. Roma:
Citta Nuova, 1999.
74
-
Inte rs11bjetividade: as modalidades dc associao c a pessoa
de est no primeiro momento , em que h grande poten-cializaro de
todos os elementos, pois quando as pessoas se encontram acontece
uma atrao, um sentido de no-repulso. Esse encontro de atrao, que
existe em nveis tpicos muito profundos , elaborado no nvel do
senti-mento, ou seja, t omamos como sentimento de atrao. A atrao
deve passar para um grau mais alto, um senti-mento do mais alto
nvel, isto , o amor. Esse termo tem muitos significados e existem
vrias propostas de amor. Note que um nvel mais alto no exclui os
nveis anterio-res, pois no se age de forma egosta, pelo contrrio,
acen-tua-se o aspecto de colocar em comum.
COMUNIDADE E SOCIEDADE Fazemos parte de organizaes que
aparentemente
no so, mas poderiam se tornar comunidades, por exem-plo, um
grupo de alunos de uma mesma sala de aula. Na associao existe um
vnculo fsico, corporal, mas aquelas pessoas formaram esse vnculo
por acaso. O termo socie-dade descreve esse tipo de grupo, uma vez
que os mem-bros esto ali por uma finalidade comum. No entanto, se
eles forem capazes de estabelecer vnculos psquicos e espirituais,
podero tornar-se uma comunidade. Se todos trabalharem em unio e no
quiserem sempre afirmar a si mesmos, causando mal ao outro, se
trabalharem para o grupo, a sociedade pode se tornar tambm
comunidade.
75
-
Capitulo 9
Existem comunidades de amizade, por exemplo, e a verdadeira
amizade deseja que o outro se torne si mesmo, uma atitude
psquico-espiritual importantssima, pr-pria da amizade.
Existem ainda outros tipos, como a comunidade religiosa, sobre a
qual se poderia perguntar que tipo de relao liga seus membros,
sabemos que um projeto comum, com respeito recproco. Cada
comunidade tem seu lugar e realiza a si mesma naquele lugar. Existe
tam-bm uma finalidade, que pode ser chamada de finalidade humana e
outra mais profunda que a da realizao espi-ritual. Cada membro da
comunidade faz parte de uma comunidade familiar, a famlia de origem
e, pode tam-bm fazer parte de uma comunidade escolar, assim como de
uma comunidade de voluntariado, e ainda de uma comunidade
religiosa.
POVO, NAO, ESTADO E COMUNIDADE
Se os grupos humanos se organizam dessa forma, possvel fazer um
estudo para compreender o que signi-ficam as comunidades rotuladas
como povo, como nao ou como Estado.
As formas comunitrias so as que poderiam, e deveriam, mais
contribuir para o desenvolvimento de cada membro. Considerando-se
que nas condies comu-
76
-
Intcrsiibjctiviihulc: as modaliilatlcs ilc associao c a
pessoa
nitrias nunca cada membro pode fazer tudo o que quiser,
pertinente refletir sobre o sentido do desenvolvimento de cada
membro. claro que no se poderia desenvolver somente os interesses
particulares, os objetivos pessoais, mas para alcanar o
desenvolvimento pessoal, cada mem-bro precisa conviver, isto ,
viver com os outros.
Estas estruturas sociais poderiam atenuar a depen-dncia que ns,
inevitavelmente, temos dos outros, sem idealizar que essas
associaes possam ser perfeitas, ou que cheguem a resolver o
problema definitivamente. Muitos problemas so resolvidos
radicalmente, mas sempre tere-mos o momento negativo, o momento do
limite, o momen-to da dificuldade. Realisticamente, sempre foi
assim, mas devemos trabalhar para evitar esse tipo de
experincia.
A comunidade de povo e a comunidade que est na base do Estado so
duas possibilidades interessantes, pois mostram que - como no caso
da famlia - em gran-des organizaes sociais pode haver comunidade,
vncu-los espirituais entre seus membros, alm dos vnculos corporais,
tnicos.
Assim, existe a possibilidade de pertena simult-nea a vrias
comunidade muito diferentes entre si. Lembremos que Edith Stein era
judia, se converteu ao cristianismo na forma cio catolicismo, dizia
que conti-nuava a pertencer ao povo judeu, pertencendo,
contem-poraneamente, comunidade crist.
Ao examinarmos a histria, verificamos que h grupos que tm um
vinculo tnico-corporal menor que outros. Porm, se o povo se
fundamentasse somente no
77
-
Ciiptufo 6
vnculo tnico, alguns povos no poderiam existir, por exemplo, o
povo brasileiro. Isto significa que o povo pos-sui um fundamento
tambm espiritual, isto , um reco-nhecimento e aceitao da
alteridade, do diferente dentro do mesmo territrio. No se pode
afirmar que o elemen-to vinculante seja o aspecto corporal-tnico ou
o aspecto espacial e o territorial.
Consideremos, por exemplo, o povo judeu, que se constitui como
povo sem que seus membros vivam em um mesmo territrio. um problema
mui to importante para o m u n d o atual, pois o povo judeu saiu de
um terri-trio, desceu em direo Palestina em busca de uma terra
prpria para se estabelecer. Encontrando-a, ali per-maneceu por
longo tempo. Quando o Imprio Romano se expandiu pelo Mediterrneo,
setenta anos depois de Cristo, como sabemos, o templo foi destrudo
e muitos judeus se distanciaram daquele territrio, o templo era um
ponto de referncia espacial e espiritual daquela comunidade. Assim,
ocorreu a disperso dos judeus por toda bacia do Mediterrneo, Itlia,
Espanha e, depois pelo norte europeu. Mesmo sem uni territrio comum
onde viver, os judeus consideravam-se um mesmo povo. Che-garam a
formular uma teoria, que continua a ser conside-rada vlida para
alguns at hoje, segundo a qual nem seria necessrio possuir um
territrio fsico, j que a terra pro-metida uma terra ideal do
encontro de todo 11111 povo. Porm, depois das duas grandes guerras
mundiais do sculo 20, o movimento sionista se formou para retomar o
antigo territrio, h muito ocupado por outros povos.
78
-
Intcrsiibjctiviilaiic: as modalidades 'de associao e a
pessoa
O exemplo mostra que o fundamental sentir-se uma comunidade de
povo caracterizada, sobretudo, por uma atitude espiritual.
Os povos sempre deram a si mesmos uma organi-zao poltica, formas
de associaes e estruturas para viverem juntos atravs das leis e da
formulao de costu-mes. Podemos notar, do ponto de vista histrico,
que no incio a humanidade deu a si mesma formas de organiza-o muito
ligadas comunidade familiar. Por exemplo, as estruturas tribais, at
as que existem atualmente, seriam grupos de famlias ligadas por um
vnculo de sangue muito forte. Cada tribo tem suas leis, costumes e
seu ter-ritrio. Na Europa, no incio, haviam muitas tribos e uma
estrutura tribal que deu origem estrutura europia. Houve muitos
conflitos, contrastes, choques entre as tri-bos e no perodo
greco-romano organizaram-se em uma forma diferente, com leis que
previam vnculos alm daqueles familiares, que valeriam igualmente
para todos, para todos os habitantes de uma cidade, por exemplo.
Ento, ao longo dos sculos, a forma de organizao se ex-pandiu,
inicialmente pela Europa e depois para todo o m u n d o e, atravs
da colonizao, chega tambm s Am-ricas e Austrlia. Deste modo,
apareceram formas de or-ganizao polticas que chamamos de
Estado.
O Estado6 prev uma impessoalidade das leis, o que quer dizer que
elas valem para todos os membros,
6 Cf. STEIN, E. Una ricerca sullo Stato. 2. ed. Traduzione di A.
Ales Bello. Roma: Citt Nuova, 1999. Cf. tambm ALES
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Capitulo 9
independentemente do grupo tnico ou da comunidade a que
pertenam. As leis garantem a igualdade entre todos os cidados e,
claro, isso se deu devido a lutas polticas muito fortes. Como se v,
o Estado pode estar ligado a um povo, mas pode ser tambm uma
organizao que vale para povos distintos que vivem juntos. por isso
que dizemos que o Estado vai alm do povo, est acima dos vrios povos
e cumpre zelar por todos.
Mas podemos perguntar de que forma o Estado realmente se mantm.
O importante que se constitua uma comunidade estatal. Mas o que
quer dizer comunidade esta-tal? Quer dizer que todos aqueles que
pertencem ao Estado se do conta da comunidade que eles querem
sustentar e o fazem com a participao moral, espiritual. Quando essa
vontade falta, o Estado deixa de existir.
Consideremos os Estados modernos. Eles nasce-ram quando uma
comunidade de um povo ou de vrios povos se tornou uma comunidade
estatal, uma organiza-o poltica e jurdica comum a todos. Quando a
comu-nidade estatal deixa de existir, pode acontecer, ento, que
venha a faltar o prprio Estado. Por exemplo, desde o sculo 18, a
Chechnia no quer fazer parte de um Estado que lhe foi imposto,
antes o Imprio Russo e depois a Unio Sovitica. Est ocorrendo, por
tanto a fragmenta-o de um Estado unitrio, e a dificuldade de manter
uni-
BELLO, A. A fenomenologiii do ser humano: traos de uma tilosotia
110 feminino. Traduo de A. Angonese. Bauru: Edusc, 2000.
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Interstibjctividadc: as modalidades de associao c i pessoa
dos aqueles vrios Estados. No caso da Chechnia, os habitantes
dizem "Nosso povo no quer fazer parte da comunidade estatal russa,
queremos ser independentes". Eles querem ter suas leis, seu
territrio, constituir um Estado separado. Nesse caso, a comunidade
de povo que pertenceu Rssia ou Unio Sovitica no existe mais e
aconteceu uma ruptura. Notamos que possvel criar e destruir um
Estado, e, ao longo da histria, isso aconte-ceu muitas vezes.
Pensemos no Imprio Romano que o primeiro exemplo forte do que
Estado, ele acabou quando a comunidade de povo que o constitua se
frag-mentou, no queria mais aceitar aquela unidade poltica.
Ns encontramos o conceito de comunidade em muitos nveis, j que o
elemento que a caracteriza sem-pre o da unidade espiritual,
cultural e da vontade coleti-va. Comunidade no o mesmo que vrios
indivduos que se colocam juntos, como na idia de "contrato" que
aparece no sculo 18, pois, assim, no se pode formar o Estado.
necessria uma comunidade que se associe de determinada maneira e
alargue-se a outras comunidades, fo rmando um Estado de diversos
povos.
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Captulo 2
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lntcrsubjeti\'idadc: as modalidades de associao e a pessoa '
I
Assim, a partir da comunidade como centro de refe-rncia para
todas as associaes humanas, do ponto de vista da antropologia
filosfica e atravs da anlise das vivncias, ns chegamos ao ser
humano singularmente considerado, ns identificamos sua estrutura
como uma estrutura uni-versal, no somente como estrutura pessoal. H
uma aber-tura ao outro, a muito outros, aos grupos humanos e h
tambm possibilidades de associaes desses grupos huma-nos que so a
massa, a comunidade e a sociedade.
A sociedade um grupo que se associa ocasional-mente para um fim,
e preciso colocar-se junto, com uma finalidade, para se constituir
uma sociedade. H, pois, uma racionalidade, uma afinidade
espiritual, porm para um fim especfico, de forma que, se a
finalidade ter-minar, pode-se formar uma outra sociedade ou acabar
ali. Por outro lado, a comunidade um fator de toda sociedade,
fundamental para o cidado, considerado aquele que constri a polis,
no sentido grego. As co-munidades do a base comunidade estatal,
podem ser inclusive tribos, uma vez que tambm elas constituem
diversos vnculos entre seus membros. Nas tribos existem costumes
que servem somente para aquele grupo espec-fico, mas quando se fala
nos membros do Estado sempre h leis, pois os costumes devem valer
para todos. Nisto est o problema da constituio do Estado, o
problema das cidades modernas e da realidade contempornea em
conseguir estabelecer uma legislao que v alm da con-siderao das
diferenas dos vrios grupos tnicos. Por exemplo, na Europa se busca,
atualmente, uma constitui-
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Capitulo 9
o que valha para todos os pases da Unidade Europia, que tenha
validade alm da constituio de cada pas. Ser possvel se cada um
do