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46 ARTIGO ORIGINAL
Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16,
n. 4, p. 46-59, out/dez 2019
RESUMOObjetivo: Uma quantidade crescente de evidências sugere
que alimentos hiper palatáveis, ou certos ingredientes desses
alimentos, podem desencadear processos aditivos. Assim, o objetivo
deste estudo foi traduzir a Escala de Dependência Alimentar de Yale
(YFAS-C) para o português, adaptá-la culturalmente para o Brasil e
determinar suas propriedades psicométricas, confiabilidade e
validade de dimensões para a avaliação de crianças de baixa renda e
com excesso de peso. Métodos: Um comitê científico realizou a
tradução transcultural e a validação para o português do YFAS-C e,
posteriormente, um nativo de língua inglesa retraduziu o
questionário para o inglês. As propriedades psicométricas, como a
confiabilidade e a validade do construto, foram determinadas pela
aplicação de YFAS-C e EAT-26 a 138 crianças com sobrepeso (escore Z
do IMC =1) de duas escolas públicas. Resultados: A confiabilidade
interna foi boa (alfa de Cronbach = 0,83). A validade do construto,
calculada pelo coeficiente de correlação de Spearman com o escore
de bulimia do EAT-26, apresentou um coeficiente de r = 0,212 (p =
0,013). As análises de Bartlett (x2 = 715,56, p=0,001) e
Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,79) mostraram a relevância dos itens do
questionário que foram incluídos no modelo fatorial. Conclusão: A
versão em português da YFAS-C para crianças de baixa renda e com
excesso de peso apresenta boa confiabilidade e validade de
constructo e parece sensível na detecção da dependência alimentar,
avaliada pelos critérios de dependência do DSM-IV.
Tradução, adaptação e validação preliminar da versão em
português do questionário Yale Food Addiction Scale para crianças
de baixa renda com excesso de pesoTranslation, adaptation and
preliminary validity of the Portuguese version of the Yale Food
Addiction Scale questionnaire for low income children with
overweight
Andrea Rocha Filgueiras1
Ricardo de Castro Cintra Sesso2
Viviane Bellucci Almeida3
Paulo Koch Nogueira4
Carlos Eduardo Silva5
Ana Lydia Sawaya6
Andrea Rocha Filgueiras ([email protected] ou
[email protected]) – Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP), Departamento de Fisiologia da Nutrição. Rua Botucatu,
862, Vila Clementino, São Paulo, SP, Brasil. CEP:
04023-062.Submetido em 16/02/2019 - Aprovado em 08/04/2019
1Doutorado em Nutrição pela Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP). Mestrado em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria
pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). São Paulo, SP,
Brasil.2Pós-Doutorado em Ciências da Saúde pela Johns Hopkins
University (JHU) e pela University of Pennsylvania (UPENN).
Doutorado e Mestrado em Medicina (Nefrologia) pela Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP). Mestrado em Epidemiologia pela
University of Pennsylvania (UPENN). Docente pela Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP). São Paulo, SP, Brasil.3Doutoranda
em Nutrição pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Mestrado em Ciências (Alimentos, Nutrição e Saúde) pela
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Docente pela
Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU SP). São Paulo, SP,
Brasil.4Pós-Doutorado em Pediatria pela Universidade Claude Bernard
Lyon (ULB). Doutorado e Mestrado em Pediatria e Ciências Aplicadas
à Pediatria pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Docente pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). São
Paulo, SP, Brasil.5Mestrando em Nutrição pela Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP). São Paulo, SP, Brasil.6Pós-Doutorado em
Ciências da Saúde pela Tufts University e Massachusetts Institute
of Technology (MIT). Doutorado e Mestrado em Nutrição pela
University of Cambridge (CAM). Mestrado em Fisiologia pela
Universidade de São Paulo (USP). Docente pela Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP). São Paulo, SP, Brasil.
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47Filgueiras et al. TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PRELIMINAR
DA VERSÃO EM PORTUGUÊS DO QUESTIONÁRIO YALE FOOD
ADDICTION SCALE PARA CRIANÇAS DE BAIXA RENDA COM EXCESSO DE
PESO
Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 46-59, out/dez
2019Adolescência & Saúde
alguns estudos sobre dependência alimentar são focados em
crianças7.
Atualmente, o único instrumento com vali-dade psicométrica
comprovada para dependência alimentar em crianças é o Yale Food
Addiction Scale for children (YFAS-C)2,8, que foi adaptado e
valida-do a partir da versão adulta em 20139. A YFAS-C avalia os
mesmos sintomas que o YFAS original, mas com terminologia de
leitura mais simples e perguntas reformuladas, para ser mais
facilmen-te compreendido por crianças e adolescentes, por exemplo,
contendo referências como escola, colegas e pais4.
A importância de sua validação para a língua portuguesa decorre
do fato de estudos no Brasil terem relatado a crescente associação
entre fa-tores ambientais e comportamentais e aumento da
adiposidade.7,10 E entre os fatores ambientais mais característicos
relatados estão a ingestão de dietas ricas em gordura e açúcar e
pobres em fibras, vitaminas e minerais. Embora os alimentos
hiper-palatáveis possam ter um potencial viciante menor do que
outras substâncias, o consumo repetido desses alimentos no início
do desen-volvimento da criança pode aumentar o risco de
INTRODUÇÃO
A obesidade infantil tem sido o foco de muitos estudos em todo o
mundo nas últimas décadas. A epidemia global da obesidade fez com
que os pesquisadores se concentrassem em descobrir e entender as
consequências físicas e psicológi-cas, além de identificar os
fatores que levam ao ganho de peso e perturbar os comportamentos
alimentares1–3. Uma quantidade crescente de evi-dências sugere que
alimentos altamente palatáveis ou alguns ingredientes nesses
alimentos, podem desencadear um processo aditivo4. O termo
'de-pendência alimentar' é usado na comunidade científica há
décadas e refere-se a comportamentos alimentares que envolvem
consumo excessivo de alimentos específicos de maneira semelhante a
uma dependência3,4. A associação entre compor-tamentos de
dependência com alguns alimentos foi relatada em uma revista
científica em 1890, quando o chocolate foi apontado como alimento
com potencial para desencadear comportamentos de dependência5,6.
Desde então, os esforços para entender e verificar a existência de
dependência alimentar têm se concentrado nos adultos5, apenas
>
>
>
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PALAVRAS-CHAVEDependência Alimentar; Obesidade; Comportamento
Alimentar; Criança.
ABSTRACTObjective: A growing amount of evidence suggests that
hyper-palatable foods, or certain ingredients in these foods, may
trigger additive processes. Thus, the objective this study was to
translate the Yale Food Addiction Scale (YFAS-C) into Portuguese,
culturally adapt it to Brazil, and determine its psychometric
properties, reliability, and validity of dimensions for the
evaluation of low-income children overweight. Methods: A scientific
committee performed the cross-cultural translation and validation
of the YFAS-C and afterward an English-speaking native retranslated
the questionnaire to English. The psychometric properties, such as
the reliability and validity of the construct, were determined by
the application of YFAS-C and EAT-26 to 138 overweight children
(BMI Z score =1) from two public schools. Results: Internal
reliability was good (Cronbachs alpha = 0.83). The validity of the
construct, calculated by the Spearman correlation coefficient with
the bulimia score of the EAT-26, presented a coefficient of r =
0.212 (p=0.013). The Bartlett (x2=715.56, p=0.001) and
Kaiser-Meyer-Olkin (KMO=0.79) analyses showed the relevance of the
questionnaire items that were included in the factorial model.
Conclusion: The Portuguese version of the YFAS-C has good
reliability and construct validity and seems sensitive in detecting
food dependence, as assessed by the DSM-IV dependency criteria.
KEY WORDSFood Addiction; Obesity; Feeding Behavior; Child.
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48 Filgueiras et al.TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PRELIMINAR
DA VERSÃO EM PORTUGUÊS DO QUESTIONÁRIO YALE FOOD ADDICTION SCALE
PARA CRIANÇAS DE BAIXA RENDA COM EXCESSO DE PESO
Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16,
n. 4, p. 46-59, out/dez 2019
resultados deletérios, especialmente no que diz respeito às
vulnerabilidades neurais e psicológicas11. Portanto, é importante
investigar se há realmente dependência alimentar na infância e
adolescência e que tipos de alimentos têm maior probabilidade de
causar dependência.
Até o momento, não há estudos sobre de-pendência alimentar em
crianças no Brasil ou em outros países de língua portuguesa.
Portanto, o objetivo do presente estudo foi traduzir o YFAS-C para
o português, adaptá-lo culturalmente ao Brasil e determinar suas
propriedades psicométricas, confiabilidade e validade de dimensões
para a ava-liação de crianças com sobrepeso de baixa renda.
MATERIAL E MÉTODOS
Primeiramente foi obtida a permissão da autora principal do
estudo, Ashley N. Gearhardt, para traduzir o YFAS-C para o
português. O pe-dido de validação para o português surgiu como
parte do desenvolvimento de um protocolo de intervenção para o
tratamento de crianças obe-sas12, aprovado pelo Comitê de Ética e
Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CAAE:
34,304,714,40000,5505).
Participantes
O cálculo do tamanho mínimo da amostra foi realizado
considerando a recomendação de Hair et al. 201013 de pelo menos
cinco respondentes para cada variável manifestada do modelo final.
Considerando que 25 variáveis foram inseridas no modelo final, a
estimativa mínima era de 125 sujeitos.
Para testar a versão dessa escala em portu-guês, primeiro
testamos um grupo piloto com-posto por 10 crianças de uma escola
pública com idades entre 9 e 11 anos e com excesso de peso corporal
(Índice de Massa Corporal (IMC) / Altura ≥ 1 Z Ponto).
Após a adaptação transcultural do instru-mento, a escala foi
aplicada em 138 crianças em duas outras escolas públicas. A média
de idade da amostra foi de 9,57 anos e a média do escore Z
do IMC foi ≥1,94; 64 das crianças eram meninos e 74 meninas.
Todos estavam entre o quarto e o quinto ano do ensino fundamental e
possuíam uma renda familiar per capita mínima de 0,57 (≈ R$ 500,00
/ US $ 157,00).
As medidas antropométricas e a aplicação dos questionários foram
realizadas diretamente na escola (para mais detalhes sobre o
protocolo de intervenção e coleta de dados vide Patriota et al.
2017)12.
Para o cálculo do estado nutricional, o peso da criança foi
avaliado em balança digital portátil (marca Plenna® MEA 07400, São
Paulo, Brasil) e a estatura em estadiômetro portátil para pesquisa
de campo com precisão de 1 mm (Altura Exata®, São Paulo, Brasil). O
escore z do IMC foi calculado pelo anthroPlus (versão 1.0.4, 2009).
Todos os par-ticipantes assinaram os termos de consentimento e
consentimento.
Yale Food Addiction Scale for Children (YFAS-C)
A YFAS-C scale contém 25 itens baseados no Manual de Diagnóstico
de Doenças Psiquiátricas - IV (DSM-IV)14 para investigar sete
critérios diagnós-ticos que identificam a presença de dependência e
comprometimento ou perda clínica relacionada à um comportamento
alimentar específico. De acordo com Ashley et al.15, foram
consideradas várias opções de pontuação, incluindo opções
dicotômicas, de frequência e da escala Likert. Os autores afirmaram
que uma combinação de pontuação dicotômica e de frequência foi a
mais apropriada para capturar os critérios diagnósticos. A
pontuação de frequência foi usada para avaliar comportamentos que
poderiam ocorrer de manei-ra plausível ocasionalmente em pessoas
que não comiam problemas (ou seja, critérios associados ao consumo
excessivo, alimentação emocional ou dieta). A pontuação dicotômica
foi usada para perguntas consideradas mais graves e, portanto,
provavelmente indicariam problemas alimentares (ou seja, continuar
consumindo alimentos de uma certa maneira diante de problemas
emocionais ou físicos). A escala contém instruções para concluir a
medida que se refere especificamente ao con-sumo de alimentos com
alto teor de gordura e
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49Filgueiras et al. TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PRELIMINAR
DA VERSÃO EM PORTUGUÊS DO QUESTIONÁRIO YALE FOOD
ADDICTION SCALE PARA CRIANÇAS DE BAIXA RENDA COM EXCESSO DE
PESO
Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 46-59, out/dez
2019Adolescência & Saúde
Teste de atitudes alimentares – EAT - 26
Este questionário foi desenvolvido original-mente para medir
comportamentos alimentares desordenados que eram comumente
observados em pacientes com anorexia nervosa. O instru-mento gera
uma pontuação entre 0 e 78 e possui três dimensões: dieta (0 - 39);
bulimia (0-18) e preocupação com alimentos e controle oral (0-21).
O comportamento alimentar é considerado alterado, ou seja, existe
uma tendência a desen-volver distúrbios alimentares,
especificamente anorexia, quando a pontuação atinge ou excede 20
pontos16. O Teste de atitudes alimentares em crianças foi aplicado
exatamente da mesma forma que a YFAS-C.
Tradução, adaptação e retrotradução da YFAS-C
As recomendações de Beaton et al.17 foram seguidas para
estabelecer a equivalência cultural da versão original em inglês do
questionário YFAS-C (Figura 1). Dois profissionais de saúde com
profi-ciência na língua inglesa trabalharam inicialmente
independentes entre si na primeira tradução do questionário para a
língua portuguesa (Figura 1). Um dos profissionais era ingênuo ao
propósito da tradução e o outro estava ciente do objetivo do
instrumento e aplicação. Isso resultou em duas versões diferentes,
que foram comparadas poste-riormente para produzir a versão
consensual final no idioma português do Brasil (VP1). Essa versão
foi submetida a um comitê de especialistas cujos membros eram todos
fluentes em inglês, com-postos por dois médicos (nefrologista e
pediatra), dois nutricionistas (mestrado em nutrição) e o
pesquisador que liderou a intervenção do estudo (o primeiro autor).
Uma nova versão (VP2) foi construída após a análise e consenso do
comitê.
A VP2 versão foi testada (pelo mesmo pesqui-sador) em um grupo
piloto de 10 estudantes. O objetivo dessa etapa de validação do
instrumento foi verificar o entendimento geral das questões. Os
alunos apresentaram dificuldades nas seguintes perguntas: # 7, #
12, # 13 e # 23. Um exemplo foi adicionado à pergunta # 7 para
melhor com-preensão. A opção de compra de alimentos em
açúcar. Para a opção de pontuação de contagem de sintomas, o
número de sintomas endossados foi somado (intervalo de 0 a 7). Para
a medida dicotômica, os participantes que relataram três ou mais
sintomas e comprometimento ou angústia clinicamente significativos
(que é análogo aos re-quisitos de diagnóstico de dependência de
subs-tâncias no DSM-IV)14 foram considerados como tendo cumprido os
critérios de diagnóstico de dependência alimentar.
Os sintomas que caracterizam os critérios para o diagnóstico de
dependência são: (A) tole-rância, conforme definido por: 1)
necessidade de quantidades marcadamente aumentadas da subs-tância
para obter intoxicação ou efeito desejado, ou 2) efeito
acentuadamente reduzido com o uso continuado da mesma quantidade da
substância; (B) abstinência, manifestada por: 1) síndrome
ca-racterística de abstinência da substância, ou 2) quando a mesma
substância (ou intimamente relacionada) é tomada para aliviar ou
evitar os sintomas de abstinência; ou (C) tomar a subs-tância
frequentemente em quantidades maiores ou por um período maior do
que o pretendido; (D) desejo persistente ou esforço mal sucedido de
reduzir ou controlar o uso de substâncias; (E) dedicar muito tempo
às atividades necessárias para obter ou usar a substância ou
recuperar-se de seus efeitos; (F) desistir de atividades sociais,
ocupacionais ou recreativas por causa do uso de substâncias; e (G)
continuar usando a substância com o conhecimento de que está
causando ou agravando um problema físico ou psicológico persistente
ou recorrente.
O questionário foi aplicado simultaneamente em duas crianças por
um único entrevistador. As crianças foram separadas para que não
pudessem se ver e foram instruídas a não ler suas respostas em voz
alta. As crianças receberam os questionários e uma caneta para
marcar suas respostas. As linhas foram alternadas com fundo branco
e cinza para facilitar o acompanhamento das crianças e não marcar a
resposta na pergunta errada. O entre-vistador leu cada pergunta
enquanto as crianças acompanhavam a leitura em seus próprios
ques-tionários. A aplicação durou cerca de 15 minutos.
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50 Filgueiras et al.TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PRELIMINAR
DA VERSÃO EM PORTUGUÊS DO QUESTIONÁRIO YALE FOOD ADDICTION SCALE
PARA CRIANÇAS DE BAIXA RENDA COM EXCESSO DE PESO
Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16,
n. 4, p. 46-59, out/dez 2019
máquinas automáticas foi retirada, uma vez que não é comum no
Brasil e nem é acessível nessa faixa socioeconômica (Tabela 1). As
perguntas 12 e 13 usam o termo "doente", que em português significa
presença de uma doença. Por esse moti-
vo, a palavra “doente” foi substituída pela palavra “ruim”
(Tabela 1). Por fim, a pergunta nº 23 não foi compreendida por
nenhum dos dez alunos e, portanto, foi necessário introduzir um
exemplo para melhorar a compreensão (Tabela 1).
Figura 1. Descrição do processo de tradução transcultural do
YFAS-C.
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51Filgueiras et al. TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PRELIMINAR
DA VERSÃO EM PORTUGUÊS DO QUESTIONÁRIO YALE FOOD
ADDICTION SCALE PARA CRIANÇAS DE BAIXA RENDA COM EXCESSO DE
PESO
Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 46-59, out/dez
2019Adolescência & Saúde
Item Versão original Versão traduzida Versão retrotraduzida
1When I start eating, I find it hard
to stop.
Quando começo a come, eu acho difícil parar
de comer.When I start eating, I find it hard to stop.
2I eat food even when I am not
hungry.Eu como mesmo quando não estou com fome. I eat even when
I’m not hungry.
3I eat until my stomach hurts or
I feel sick.
Eu como até meu estômago doer ou me sentir
mal.I eat until my stomach hurts or I feel sick.
4I worry about eating too much
food.Eu me preocupo quando como demais. I worry about eating too
much food.
5 I feel tired a lot because I eat
too much.Eu me sinto cansada(o) por comer demais. I feel tired
for eating too much.
6 I eat food all day long. Eu como o dia inteiro. I eat all
day.
7
If I can not find a food I w ant,
I will try hard to get it (ex. ask
a friend to get it for me, find a
vending machine, sneak food
when people aren’t looking).
Se eu não consigo encontrar uma comida que
eu quero, vou fazer de tudo para conseguir
(por exemplo, peço a um amigo, mãe, vizinho
pegar para mim ou saio para comprar ou pego
enquanto ninguém está vendo).
If I can’t find a food I want, I’ll do whatever it
takes to get it (for example, I ask a friend, mom,
neighboor to go get it for me or I go out to buy it or
I get it when no one is watching).
8
I eat food rather than do other
things I like (ex. play, hang out
with friends).
Eu fico comendo ao invés de fazer outras coisas
que eu gosto (por exemplo, jogar, sair com os
amigos).
I eat instead of doing other things I like (for example
play, go out with friends).
9
I eat so much that I feel bad
afterwards. I feel so bad that I
do not do things I like (ex. play,
hang out with friends).
Eu como tanto que me sinto mal depois. Sinto-
me tão mal que não faço coisas que eu gosto
(por exemplo, brincar, sair com amigos).
I eat so much that I feel sick afterwards. I feel so sick
that I don’t do things I enjoy (for example play or go
out with friends).
10
I avoid places that have a lot of
food, because I might eat too
much.
Eu evito lugares que têm muita comida, porque
eu posso comer demais.
I avoid places with too much food because I might
eat too much.
11I avoid places where I cannot eat
the food I want.
Evito lugares onde não consigo comer a comida
que eu quero.I avoid places where I can’t eat what I want.
12When I do not eat certain foods, I
feel upset or sick.
Quando eu não como certos alimentos, sinto-
me chateado ou mal.When I don’t eat certain foods I get upset or
bad.
13I eat certain foods to stop from
feeling upset or sick.
Eu como certos alimentos para parar de me
sentir chateado ou mal.I eat certain foods to stop feeling upset
or bad.
14
When I cut down or stop eating
certain foods I crave them a lot
more.
Quando diminuo ou paro de comer certos
alimentos, passo a querer muito mais ele.
When I restrict or stop eating certain foods, I start
wanting them even more.
15The way I eat makes me really
unhappy.A maneira como eu como me deixa infeliz. The way I eat
makes me unhappy.
16
The way I eat causes me
problems. (ex. problems at
school, with my parents, with my
friends).
A maneira como eu me alimento me causa
problemas. (Ex. problemas na escola, com
meus pais, com meus amigos).
The way I feed myself cause me problems. (Example:
problems at school, with my parents, with my
friends).
Tabela 1. Avaliação da equivalência semântica e modificações
feitas na versão em português do YFAS-C após consolidação da versão
em português e após a retrotradução.
continua
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52 Filgueiras et al.TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PRELIMINAR
DA VERSÃO EM PORTUGUÊS DO QUESTIONÁRIO YALE FOOD ADDICTION SCALE
PARA CRIANÇAS DE BAIXA RENDA COM EXCESSO DE PESO
Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16,
n. 4, p. 46-59, out/dez 2019
continuação da tabela 1
17I want to cut down or stop eating
certain foods.
Eu quero reduzir ou parar de comer certos
alimentos.I want to restrict or stop eating certain foods.
18How often do you try to cut
down on certain foods?
Com que frequência você tentou reduzir certos
alimentos?
How often have you tried or do you try to restrict
certain foods?
19The way I eat has made me feel
sad, nervous, or guilty.
A maneira como eu como faz eu me sentir
triste, nervosa (o) ou culpada(o).The way I eat makes me feel
sad, nervous or guilty.
20The way I eat has made me
unhealthy.
A maneira como eu me alimento tem me
deixado doente. The way I eat has made me sick.
21I eat in the same way even
though it is causing problems.
Eu continuo comendo do mesmo jeito apesar
dos problemas que me causa.
I keep eating the same way despite the problems it
causes me.
22
I need to eat more to get the
good feelings I want. (ex. feel
happy, calm, relaxed)
Eu preciso comer mais para me sentir bem. (Ex
sente-se feliz, calma e relaxada).
I need to eat more to feel good. (Example: feel
happy, calm and relaxed).
23
When I eat the same amount of
food, I do not feel good the way
I used to. (ex. feel happy, calm,
relaxed)
23. Quando eu como a mesma quantidade
de comida que comia antes, eu não me sinto
bem do jeito que costumava sentir. (Ex um
alimento que você gosta muito, você comia
uma quantidade e já ficava bem, agora precisa
comer mais pra se sentir bem).
When I eat the same amount of food I used to
eat before, I don’t feel as good as I used to. (For
example a food you like a lot, you used to eat an
amount to feel good, now you need to eat it more
to feel good).
24I try to cut down or stop eating
certain foods.
Eu tento reduzir ou parar de comer certos
alimentos.I try to restrict or stop eating certain foods.
25I am able to cut down on certain
foods.
Eu sou capaz de reduzir ou parar de comer
certos alimentos.I managed to restrict or stop eating certain
foods.
O comitê científico e o pesquisador que apli-cou o questionário
VP2 com o objetivo de corrigir as dificuldades de compreensão
encontradas pelos alunos nas versões VP1 e VP2 elaboraram uma nova
versão (VP3). A versão VP3 foi então submetida a um tradutor nativo
da língua inglesa com pro-ficiência na língua portuguesa, que era
ingênuo em relação ao experimento, para obter a versão de retro
tradução (BT). Após a preparação do BT, o comitê científico fez a
comparação do BT e da versão original em inglês. Essa nova
avaliação per-mitiu confirmar que a adaptação transcultural do
instrumento era equivalente gramatical e seman-ticamente à versão
original em inglês (Tabela 1).
A versão original em inglês foi projetada para ser
autoaplicável, enquanto que para a versão em
português do Brasil foi decidido que a melhor opção seria ler o
questionário em voz alta para o aluno durante uma entrevista
pessoal, porque os estudantes de baixa renda dessa faixa etária
dificuldade em entender um texto escrito, apesar de ser considerado
alfabetizado. O questionário foi aplicado com a leitura oral das
questões e eventual esclarecimento do significado das mesmas. O
ques-tionário aplicado dessa maneira levou uma média de 10 minutos
para ser totalmente respondido.
Confiabilidade e validade convergentes
Para o estudo de confiabilidade e validade, o questionário
YFAS-C foi aplicado no mesmo dia do EAT-26. O coeficiente de
correlação de Spearman foi utilizado para avaliar a validade
convergente.
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53Filgueiras et al. TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PRELIMINAR
DA VERSÃO EM PORTUGUÊS DO QUESTIONÁRIO YALE FOOD
ADDICTION SCALE PARA CRIANÇAS DE BAIXA RENDA COM EXCESSO DE
PESO
Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 46-59, out/dez
2019Adolescência & Saúde
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> ANÁLISE ESTATÍSTICA
Uma análise descritiva e inferencial foi rea-lizada no programa
estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences),
versão 21.0. Para verificar a confiabilidade da consistência
inter-na para toda a escala e para os itens excluídos, foi
utilizado o coeficiente alfa de Cronbach e o critério de Nunnally18
foi adotado: ≥ 0,70 in-dica "aceitável" e ≥ 0,80 indica "bom". Para
a análise convergência do instrumento foi utilizado o coeficiente
de correlação de Spearman com o escore de bulimia da escala EAT-26.
Os testes de esfericidade de Bartlett e Kaiser-Meyer-Olkin (KMO)
foram realizados para avaliar a adequação da amostragem para a
análise fatorial das variá-veis. Posteriormente, a análise fatorial
exploratória foi realizada extraindo o componente principal com
rotação Varimax. Cargas fatoriais iguais ou superiores a 0,3 foram
consideradas satisfatórias19. Para todas as análises, valores de
p
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54 Filgueiras et al.TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PRELIMINAR
DA VERSÃO EM PORTUGUÊS DO QUESTIONÁRIO YALE FOOD ADDICTION SCALE
PARA CRIANÇAS DE BAIXA RENDA COM EXCESSO DE PESO
Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16,
n. 4, p. 46-59, out/dez 2019
O segundo fator foi composto por 4 itens dos sintomas A e D e
apresentou 7,45% da variância, um autovalor de 1,57 e um alfa de
Cronbach de
0,23, indicando baixo nível de consistência interna,
provavelmente devido ao baixo número de itens.
Figura 2. Scree plot da análise fatorial exploratória para cada
componente da extração.
Tabela 2. YFAS - Mediana das crianças (M) das respostas a itens
individuais, correlação item-total e consistência interna (alfa de
Cronbach) se o item for excluído.
Item M
Correlação
item-total
corrigida
Alfa de Cronbach
se o item for
excluído
1) When I start eating, I �ind it hard to stop. (Quando começo a
comer, eu acho di�ícil parar de comer.) 2 0,42 0,82
2) I eat food even when I am not hungry. (Eu como mesmo quando
não estou com fome.) 1 0,39 0,82
3) I eat until my stomach hurts or I feel sick. (Eu como até meu
estômago doer ou me sentir mal.) 0 0,34 0,82
4) I worry about eating too much food. (Eu me preocupo quando
como demais.) 1 0,36 0,82
5) I feel tired a lot because I eat too much. (Eu me sinto
cansada(o) por comer demais.) 1 0,42 0,82
6) I eat food all day long. (Eu como o dia inteiro.) 2 0,51
0,81
7) If I can not �ind a food I want, I will try hard to get it
(ex. ask a friend to get it for me, �ind a vending machine,
sneak food when people aren’t looking). (Se eu não consigo
encontrar uma comida que eu quero, vou fazer de
tudo para conseguir (por exemplo, peço a um amigo, mãe, vizinho
pegar para mim ou saio para comprar ou pego
enquanto ninguém está vendo).
2 0,52 0,81
8) I eat food rather than do other things I like (ex. play, hang
out with friends). (Eu �ico comendo ao invés de fazer
outras coisas que eu gosto (por exemplo, jogar, sair com os
amigos).)1 0,5 0,81
continua
-
55Filgueiras et al. TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PRELIMINAR
DA VERSÃO EM PORTUGUÊS DO QUESTIONÁRIO YALE FOOD
ADDICTION SCALE PARA CRIANÇAS DE BAIXA RENDA COM EXCESSO DE
PESO
Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 46-59, out/dez
2019Adolescência & Saúde
continuação da tabela 2
9) I eat so much that I feel bad afterwards. I feel so bad that
I do not do things I like (ex. play, hang out with
friends). (Eu como tanto que me sinto mal depois. Sinto-me tão
mal que não faço coisas que eu gosto (por
exemplo, brincar, sair com amigos).
1 0,57 0,81
10) I avoid places that have a lot of food, because I might eat
too much. (Eu evito lugares que têm muita comida,
porque eu posso comer demais.)1 0,46 0,82
11) I avoid places where I cannot eat the food I want. (Evito
lugares onde não consigo comer a comida que eu
quero.)0 0,5 0,81
12) When I do not eat certain foods, I feel upset or sick.
(Quando eu não como certos alimentos, sinto-me
chateado ou mal.)1 0,46 0,82
13) I eat certain foods to stop from feeling upset or sick. (Eu
como certos alimentos para parar de me sentir
chateado ou mal.)1 0,43 0,82
14) When I cut down or stop eating certain foods I crave them a
lot more. (Quando diminuo ou paro de comer
certos alimentos, passo a querer muito mais ele.)2 0,59 0,81
15) The way I eat makes me really unhappy. (A maneira como eu
como me deixa infeliz.) 0 0,55 0,81
16) The way I eat causes me problems. (ex. problems at school,
with my parents, with my friends). (A maneira
como eu me alimento me causa problemas. (Ex. problemas na
escola, com meus pais, com meus amigos).1 0,57 0,81
17) I want to cut down or stop eating certain foods. (Eu quero
reduzir ou parar de comer certos alimentos.) 1 0,08 0,83
18)How often do you try to cut down on certain foods? (Com que
frequência você tentou reduzir certos
alimentos?)2 -0,4 0,85
19) The way I eat has made me feel sad, nervous, or guilty. (A
maneira como eu como faz eu me sentir triste,
nervosa (o) ou culpada(o).- - -
20)The way I eat has made me unhealthy. (A maneira como eu me
alimento tem me deixado doente. ) - - -
21) I eat in the same way even though it is causing problems.
(Eu continuo comendo do mesmo jeito apesar dos
problemas que me causa.)0 0,21 0,83
22) I need to eat more to get the good feelings I want. (ex.
feel happy, calm, relaxed) (Eu preciso comer mais para
me sentir bem. (Ex sente-se feliz, calma e relaxada).0 0,28
0,82
23) When I eat the same amount of food, I do not feel good the
way I used to. (ex. feel happy, calm, relaxed)
(Quando eu como a mesma quantidade de comida que comia antes, eu
não me sinto bem do jeito que costumava
sentir. (Ex um alimento que você gosta muito, você comia uma
quantidade e já �icava bem, agora precisa comer
mais pra se sentir bem).
1 0,27 0,82
24) I try to cut down or stop eating certain foods. (Eu tento
reduzir ou parar de comer certos alimentos.) - - -
25) I am able to cut down on certain foods. (Eu sou capaz de
reduzir ou parar de comer certos alimentos.) 1 -0,4 0,83
Tabela 3. Análise fatorial com rotação varimax com fator 1 e 2
da versão em português da YFAS-C.
Estrutura de 1 fator Estrutura de 2 fatores
Sintomas e itens Carga de 1 fator Carga de 1 fator Carga de 2
fatores
Sintoma A: Tolerância
Item 22 0,39 0,38ᵃ -0,40
Item 23 0,29 0,29 0,48ᵇ
continua
-
56 Filgueiras et al.TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PRELIMINAR
DA VERSÃO EM PORTUGUÊS DO QUESTIONÁRIO YALE FOOD ADDICTION SCALE
PARA CRIANÇAS DE BAIXA RENDA COM EXCESSO DE PESO
Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16,
n. 4, p. 46-59, out/dez 2019
Sintoma B: Abstinência
Item 12 0,53 0,54ᵃ 0,30
Item 13 0,54 0,54ᵃ 0,22
Item 14 0,69 0,68ᵃ -0,19
Sintoma C: Tomar a substância frequentemente em
quantidades maiores ou durante um período mais longo do
que o pretendido.
Item 1 0,51 0,50ᵃ -0,18
Item 2 0,45 0,45ᵃ -0,12
Item 3 0,41 0,40ᵃ -0,23
Sintoma D: Desejo persistente ou esforço mal sucedido de
reduzir ou controlar o uso de substâncias.
Item 4 0,46 0,46ᵃ -0,28
Item 17 0,02 0,02 0,36ᵇ
Item 18 -0,07 - 0,06 0,59ᵇ
Item 25 -0,11 - 0,10 0,59ᵇ
Sintoma E: Passa muito tempo nas atividades necessárias
para obter ou usar a substância ou recuperar-se de seus
efeitos
Item 5 0,52 0,52ᵃ -0,10
Item 6 0,58 0,58ᵃ -0,73
Item 7 0,62 0,61ᵃ -0,20
Sintoma F: Desistir de atividades sociais, ocupacionais ou
recreativas por causa do uso de substâncias.
Item 8 0,57 0,57ᵃ 0,12
Item 9 0,67 0,67ᵃ 0,15
Item 10 0,52 0,53ᵃ 0,18
Item 11 0,60 0,60ᵃ 0,01
Sintoma G: A continuação do uso da substância com o
conhecimento de que está causando ou exacerbando um
problema físico ou psicológico persistente ou recorrente.
Item 21 0,26 0,26ᵃ -0,03
Prejuízo clínico
Item 15 0,65 0,65ᵃ -0,01
Item 16 0,65 0,65ᵃ 0,22
ᵃ Itens associados ao fator 1 da estrutura de dois fatores
ᵇ Itens associados ao fator 2 da estrutura de dois fatores
continuação da tabela 3
-
57Filgueiras et al. TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PRELIMINAR
DA VERSÃO EM PORTUGUÊS DO QUESTIONÁRIO YALE FOOD
ADDICTION SCALE PARA CRIANÇAS DE BAIXA RENDA COM EXCESSO DE
PESO
Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 46-59, out/dez
2019Adolescência & Saúde
VALIDADE DO CONSTRUTO
O coeficiente de correlação de Spearman entre o escore
dicotômico de dependência ali-mentar do questionário YFAS-C e a
bulimia obtido pela escala EAT-26 foi de r = 0,212 p = 0,013. A
correlação entre dependência alimentar e escore de anorexia foi r =
0,131 (p = 0,129) e alimento (anormalidade normal x) variou de r =
0,162 (p = 0,059).
DISCUSSÃO
Este estudo é o primeiro a validar a versão brasileira do YFAS
para crianças e estabelecer sua confiabilidade e validade de
constructo em uma amostra de crianças de baixa renda. Para isso,
foi realizada validação transcultural, análise de con-fiabilidade
interna e análise fatorial exploratória.
Um dos componentes centrais da teoria da dependência alimentar é
o potencial viciante de certos alimentos20,21, principalmente de
alimentos altamente processados que apresentam altas taxas de
adição de açúcar e gordura22 que propiciam consumo descontrolado.
Como consequência, os indivíduos dependentes teriam dificuldade em
re-gular as emoções, a impulsividade, a disfunção da recompensa e a
sinalização alterada da dopamina, semelhante a pessoas com
transtornos por uso de substâncias8. YFAS-C mapeia os sintomas de
de-pendência em comida como desejo e abstinência e não apenas
compulsão alimentar periódica, como ocorre em outros instrumentos
validados para o idioma português. Portanto, a possibilidade de
usar esse instrumento entre crianças de língua portuguesa
representa uma ferramenta importante para identificar alimentos
viciantes em locais onde a obesidade está aumentando bastante.
Estudos sobre dependência alimentar me-didos pela YFAS,
sugeriram que este instrumento pode detectar um subtipo mais grave
de compul-são periódica22,23. Portanto, a análise de validade de
construto do YFAS-C foi realizada com as medidas de compulsão
alimentar (bulimia score) do EAT-26 para essa faixa etária e
apresentou altos valores
de correlação, cujo resultado é consistente com o artigo
original4. Além disso, para reforçar a vali-dade do construto, não
houve correlação positiva com os escores alimentares e atitudes de
controle oral do EAT-26, o que era esperado, uma vez que o
principal resultado dessas duas dimensões é a tendência do
indivíduo em desenvolver anorexia.
A versão brasileira do YFAS-C apresentou um alto valor de
confiabilidade interna, próximo ao valor encontrado na versão
original4. Dessa for-ma, pode-se afirmar que o instrumento
brasileiro preservou a coerência e a integração dos itens que o
compunham.
Na versão original da escala YFAS-C, os au-tores realizaram a
análise fatorial com um único fator. No entanto, ao realizar a
análise fatorial ex-ploratória por meio da extração do componente
principal com rotação varimax, fomos confronta-dos com a indicação
pelo screeplot de que o melhor modelo para explicar a versão em
português seria um modelo de dois fatores. Portanto, decidimos
comparar os dois modelos para investigar qual se encaixaria melhor
na nova versão em português.
No modelo de fator único, cinco itens (17, 18, 21, 23 e 25)
apresentaram baixo coeficiente de correlação, de acordo com o ponto
de corte suge-rido por Kline19. Os itens 17, 18 e 25, juntamente
com o item 4, compõem o sintoma D ("Existe um desejo persistente ou
um esforço malsucedido de reduzir ou controlar o uso de
substâncias"). Se os três itens que apresentavam baixos
coeficientes de correlação fossem excluídos, conforme suge-rido
pela análise, o item 4 poderia representar o sintoma D sem perder a
validade do instrumento, por apresentar um bom coeficiente de
correlação.
O item 21, que por si só representa o sin-toma G ("Continuar o
uso da substância com o conhecimento de que está causando ou
agravar o problema físico ou psicológico persistente ou
recorrente"), apresentou uma correlação de baixo coeficiente, o que
significa que o sintoma pode não estar bem representado pelo item.
De acor-do com o modelo de fator único, a solução ideal seria a
retirada desse sintoma. A remoção de um sintoma do instrumento o
tornaria diferente do proposto na versão original em inglês e
perderia
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58 Filgueiras et al.TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PRELIMINAR
DA VERSÃO EM PORTUGUÊS DO QUESTIONÁRIO YALE FOOD ADDICTION SCALE
PARA CRIANÇAS DE BAIXA RENDA COM EXCESSO DE PESO
Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16,
n. 4, p. 46-59, out/dez 2019
a validade do diagnóstico, uma vez que os sinto-mas representam
os critérios de diagnóstico para dependência de acordo com o
DSM-IV.
A análise fatorial com a solução de dois fatores apresentou-se
como uma estrutura bastante ade-quada para explicar os resultados.
Nesse modelo, o item 21 apresentou baixo coeficiente de correlação,
mas com uma carga fatorial melhor do que quando utilizado o modelo
de fator único e mais próximo do valor de referência de 0,30. Esse
baixo valor não foi atribuído a problemas de tradução, pois foi
feito estritamente para garantir a equivalência entre os idiomas e,
portanto, pode ser possível que houvesse dificuldade de
entendimento para essa faixa etária e classe socioeconômica.
Por fim, os dois modelos de análise fatorial apontam para o
mesmo resultado e sugerem a exclusão de alguns itens com baixo
coeficiente de correlação. No entanto, optamos por não excluir
nenhum item. A análise fatorial indica quanto um item explica a
variável ou dimensão e busca reduzir os itens do instrumento,
portanto, itens com o menor coeficiente de correlação de 0,30 são
sugestivos de exclusão. No entanto, o objetivo do nosso estudo não
foi reconstruir o instrumento, mas validá-lo para uso no Brasil e
nos oito países de língua portuguesa (250 milhões de pessoas).
Os altos fatores de carga evidenciados na aná-
lise fatorial para os critérios dicotômicos sustentam o uso dos
critérios do DSM-IV para dependência de substâncias nas áreas de
comportamento ali-mentar e dependência alimentar. Nossos resultados
suportam a confiabilidade adequada do conceito de dependência
alimentar, conforme avaliado pelos critérios de dependência do
DSM-IV. Em nosso estudo, encontramos uma taxa de prevalência de
dependência alimentar menor do que um es-tudo americano, com uma
prevalência de 38%, realizado em uma amostra clínica com crianças e
adolescentes com excesso de peso7.
Embora o presente estudo apresente uma ferramenta importante
para a prevenção e trata-mento da obesidade infantil, existem
limitações a serem consideradas. Primeiramente, o estudo foi
realizado com uma amostra composta apenas por estudantes de baixa
renda e, portanto, de escolas públicas onde o ensino é mais
precário e a compreensão dos itens mais difícil. Outra limitação
foi a falta de outros instrumentos para detectar distúrbios de
desejo ou abstinência, permitindo uma comparação mais ampla do que
o EAT-26.
Esperamos que a atual validação da escala YFAS-C permita mais
pesquisas entre a população mundial de língua portuguesa, além de
aumentar o conhecimento sobre dependência alimentar.
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