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Alonso, Angela
As teorias dos movimentos sociais: um balano do debateLua Nova,
Nm. 76, 2009, pp. 49-86
Centro de Estudos de Cultura ContemporneaBrasil
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Lua Nova, So Paulo, 76: 49-86, 2009
AS TEORIAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS: UM BALANO DO DEBATE*
Angela Alonso
As lgrimas de Jesse Jackson no anncio da eleio de Barack Obama
parecem encerrar o ciclo das grandes mobilizaes urbanas da segunda
metade do sculo XX. Movimentos sociais, como o pelos direitos
civis, de que Jackson foi parte, o feminista e o ambientalista
lograram inscrever demandas suas na agenda contempornea; suas
organizaes civis se profissionalizaram e muitos de seus ativistas
se converteram em autoridades polticas. Essa rotinizao do ativismo
anda em par, nesse comeo de sculo, com novidades. As mobili-zaes
coletivas ganharam escala global, carter violento e se concentraram
em bandeiras identitrias, compelindo os tericos a rever suas
interpretaes.
que as teorias dos movimentos sociais se constituram diante de
um quadro bastante distinto, o do Ocidente dos anos 1960, quando o
prprio termo movimentos sociais foi cunhado para designar multides
bradando por mudan-as pacficas (faa amor, no faa guerra),
desinteressa-das do poder do Estado. At ento concentrados em
pensar
* Sou grata aos comentrios de Braslio Sallum Jr. verso
preliminar deste texto.
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revolues ou a ausncia delas , os socilogos produzi-ram trs
grandes famlias de explicao para os movimentos sociais. Este artigo
apresenta essas teorias, apontando, em seguida, as adaptaes a que
tiveram de se submeter para fazer face cena contempornea.
A era clssica das teorias dos movimentos sociaisDos anos 1930 a
1960, a sociologia lanou baldes de gua fria nas teorias da revoluo.
Autores muito heterogneos, como Riesman e Adorno, por exemplo,
confluram para teorias da desmobilizao poltica, cuja chave
explicativa estava na cultura, em correlaes entre estrutura da
perso-nalidade e estrutura da sociedade. O argumento dissemi-nado
era que o individualismo exacerbado da sociedade moderna teria
produzido personalidades narcsicas, volta-das para a autossatisfao
e de costas para a poltica. Dado o carter cmodo da dominao no
capitalismo tardio ou na sociedade de massa, operada via consumo e
afinada com o padro dominante de individuao, a mobilizao cole-tiva
eclodiria apenas como irracionalidade ou, conforme Smelser, como
exploso reativa de frustraes individu-ais, que as instituies
momentaneamente no lograriam canalizar. De uma maneira ou de outra,
a explicao tinha pilares psicossociais, amparando-se em emoes
coletivas, e tom sombrio, ressoando o contexto de avano dos regimes
totalitrios.
A tese da desmobilizao, contudo, foi posta prova pela mudana de
cenrio. Nos anos 1960, tanto na Euro-pa, sede do totalitarismo,
quanto nos Estados Unidos, afi-nal a ptria da sociedade de massas,
ressurgiram mobiliza-es. Alguns tericos da revoluo ainda as
saudaram como retorno do movimento operrio, mas, logo se viu, elas
eram bastante peculiares. No se baseavam em classe, mas sobre-tudo
em etnia (o movimento pelos direitos civis), gnero (o feminismo) e
estilo de vida (o pacificismo e o ambienta-
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lismo), para ficar nos mais proeminentes. Tampouco visa-vam a
revoluo poltica, no sentido da tomada do poder de Estado. No eram
reaes irracionais de indivduos iso-lados, mas movimentao
concatenada, solidria e ordeira de milhares de pessoas. Ento no
cabiam bem em nenhum dos dois grandes sistemas tericos do sculo XX,
o marxis-mo e o funcionalismo.
A ruptura est no prprio nome que o fenmeno ganhou. Tratava-se
seguramente de movimentos, no sen-tido de aes coordenadas de mesmo
sentido acontecen-do fora das instituies polticas, mas no eram, de
modo algum, protagonizadas por mobs, tampouco por prolet-rios. Eram
jovens, mulheres, estudantes, profissionais libe-rais, sobretudo de
classe mdia, empunhando bandeiras em princpio tambm novas: no mais
voltadas para as condies de vida, ou para a redistribuio de
recursos, mas para a qualidade de vida, e para afirmao da
diversidade de estilos de viv-la. Essas demandas ps-materiais, como
as chamou Inglehart (1971), se completavam com a opo por formas
diretas de ao poltica e pela demanda por mudanas pau-latinas na
sociabilidade e na cultura, a serem logradas pela persuaso, isto ,
lguas longe da ideia de tomada do poder de Estado por revoluo
armada. Ento eram, sim, movi-mentos, mas movimentos sociais.
Um novo fenmeno demandava nova explicao. Nos anos 1970, trs
famlias de teorias dos movimentos sociais se apresentaram.
McCarthy e Zald (1977) so os epgonos da Teoria de Mobilizao de
Recursos (TMR), que fizeram perante as explicaes das mobilizaes
coletivas em termos de emo-es coletivas, exacerbando o extremo
oposto: sua raciona-lidade. Contra o funcionalismo, defenderam que,
longe de expresso catica de insatisfaes individuais no canaliza-das
pelas instituies, movimentos, como o por direitos civis nos Estados
Unidos, tinham sentido e organizao. Contra
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as verses economicistas do marxismo, argumentaram que
descontentamentos e motivos para a mobilizao, sejam eles privaes
materiais ou interesses de classe, sempre exis-tem, o que os
tornariam incuos para explicar a formao de mobilizaes coletivas.
Assim, mais importante que iden-tificar as razes seria explicar o
processo de mobilizao.
Longe de emotiva, a deciso de agir seria ato de delibe-rao
individual, resultado de clculo racional entre bene-fcios e custos.
Isto a TMR herdou de Olson. Mas a ao coletiva s se viabilizaria na
presena de recursos mate-riais (financeiros e infraestrutura) e
humanos (ativistas e apoiadores) e de organizao, isto , da
coordenao entre indivduos doutro modo avulsos. A criao de associaes
ou, mais comumente, o uso de estruturas comunitrias preexistentes,
daria a base organizacional para os movimen-tos sociais.
A TMR aplicou a sociologia das organizaes ao seu obje-to,
definindo os movimentos sociais por analogia com uma firma. A
racionalizao plena da atividade poltica fica clara no argumento da
burocratizao dos movimentos sociais, que, gradualmente, criariam
normas, hierarquia interna e dividiriam o trabalho, especializando
os membros, com os lderes como gerentes, administrando recursos e
coordenan-do as aes (McCarthy e Zald, 1977). Quanto mais longevos,
mais burocratizados os movimentos se tornariam.
A longevidade, por sua vez, dependeria da capacidade de os
movimentos vencerem a concorrncia. Isto , vrios movimentos podem se
formar em torno de um mesmo tema, compondo uma indstria de
movimento social, na qual haver cooperao, mas tambm competio, em
tor-no de recursos materiais e de aderentes a serem garimpa-dos num
mercado de consumidores de bens polticos. Da a emergncia de
conflitos internos que gerariam faccionalis-mo, com dissoluo de
movimentos grandes e formao de subunidades em torno de uma mesma
causa.
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A TMR, portanto, avalia os movimentos sociais igualan-do-os a um
fenmeno social como outro qualquer, dotado das mesmas
caractersticas que os partidos polticos, por exemplo. A explicao
privilegia a racionalidade e a organi-zao e nega relevo a
ideologias e valores na conformao das mobilizaes coletivas.
A antipatia que gerou na esquerda, ao comparar movi-mentos com
empresas, talvez explique a pequena ressonn-cia da TMR na Europa e
sua inexpressiva entrada na Am-rica Latina. J em casa, teve impacto
grande e imediato. Cerca de 56% dos artigos publicados nas
principais revistas norte-americanas de sociologia e cincia
poltica, nos anos 1970, usavam o approach (Mueller, 1992, p.
3).
As crticas recebidas tambm foram volumosas. Insur-gindo-se
contra teorias excessivamente culturalistas, a TMR foi parar no
extremo oposto: inflou a faceta racional e estra-tgica da ao
coletiva. cultura restou lugar residual. No h conceito para
descrev-la. Supe-se a presena de cren-as e processos cognitivos na
formao da ao coletiva termos como lealdades e conscincia o denotam
, mas no se sabe nada sobre seu modus operandi. Alm do mais,
pressupe um ator individual, sem levar em conta o proble-ma da
formao de uma identidade coletiva (Piven e Clo-ward, 1995). Doutra
parte, a teoria prima por uma anlise conjuntural, sem vincular os
movimentos a macroestruturas ou situ-los em processos de mais longo
alcance.
O enquadramento macro-histrico do fenmeno apa-rece nas duas
outras teorias sobre os movimentos sociais. A Teoria do Processo
Poltico (TPP) e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS)
nasceram dos debates sobre a revoluo, ou melhor, da exausto dos
debates marxistas sobre as possibilidades da revoluo. Ambas se
insurgiram contra explicaes deterministas e economicistas da ao
coletiva e contra a ideia de um sujeito histrico universal. As duas
constroem explicaes macro-histricas que repelem
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a economia como chave explicativa e combinam poltica e cultura
na explicao dos movimentos sociais. Contudo, a TPP investe numa
teoria da mobilizao poltica enquanto a TNMS se alicera numa teoria
da mudana cultural.
Embora constituda nos Estados Unidos, como a TMR, a TPP engloba
casos europeus em suas anlises. Char-les Tilly (1975) estudou em
profundidade o movimento revolucionrio na Frana e os movimentos por
reformas na Inglaterra, nos sculos XVIII e XIX. J Sidney Tarrow
(1993) se deteve no movimento de redemocratizao da It-lia da
segunda metade do sculo XX e Doug McAdam no movimento pelos
direitos civis nos Estados Unidos (1982)1. Tilly, o grande nome
dessa linha, construiu uma sociologia poltica histrica, que combina
tradies e cuja ambio identificar os mecanismos que organizam os
macroproces-sos polticos no Ocidente, por meio da comparao entre
casos. O elo entre esse projeto e o debate marxista est em seu
clssico From mobilization to revolution (1978). Rigorosa-mente, o
ttulo devia ser invertido, uma vez que Tilly sai do debate sobre
revolues, afinal episdios histricos raros, para estabelecer as
bases da discusso sobre fenmeno mais abundante: as mobilizaes
coletivas.
Tilly critica a tradio sociolgica por ter segregado o estudo das
disputas entre elites da anlise dos movimentos populares. Argumenta
alternativamente que ambos so per-feitamente racionais e dotados da
mesma lgica, pertencendo a uma nica classe de fenmenos. A distino
entre eles de grau de organizao e de uso da violncia, no de
natureza. A prevalncia de uma dessas formas depende de dois gneros
de parmetros: um, poltico; outro, histrico-cultural.
O conceito de estrutura de oportunidades polti-cas (EOP) d o
parmetro poltico. Tarrow (1998, p. 20)
1 William Gamson tambm frequentemente includo nesta corrente,
com seus Power and discontent (1968) e The strategy of social
protest (1975).
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argumenta que, quando h mudanas nas EOPs, isto , nas dimenses
formais e informais do ambiente poltico, se abrem ou se criam novos
canais para expresso de rei-vindicaes para grupos sociais de fora
da polity. Isso pode ocorrer pelo aumento de permeabilidade das
instituies polticas e administrativas s reivindicaes da sociedade
civil, provocadas por crises na coalizo poltica no poder; por
mudanas na interao poltica entre o Estado e a socie-dade,
especialmente a reduo da represso a protestos; e pela presena de
aliados potenciais (Kriesi, 1995).
Em EOP favorveis, grupos insatisfeitos organizam-se para
expressar suas reivindicaes na arena pblica2. Como a TMR, a TPP
supe que a coordenao dentre os potenciais ativistas crucial para
produzir um ator coleti-vo, mas os agentes coletivos no so
preexistentes; eles se formam por contraste durante o prprio
processo conten-cioso. A TPP adiciona um elemento cultural
explicao. A coordenao depende de solidariedade, produto de cat-net,
isto , da combinao entre o pertencimento a uma categoria (catness)
e a densidade das redes interpessoais vinculando os membros do
grupo entre si (netness) (Tilly, 1978, p. 74).
Contudo, a solidariedade no gera ao, se no puder contar com
estruturas de mobilizao: recursos formais, como organizaes civis, e
informais, como redes sociais, que favorecem a organizao. A
mobilizao , ento, o processo pelo qual um grupo cria solidariedade
e adqui-re controle coletivo sobre os recursos necessrios para sua
ao. Mas tudo isso, e essa uma das diferenas em rela-o TMR, s
configura um movimento social diante de oportunidades polticas
favorveis. Enquanto a TMR enfati-za recursos materiais disponveis
para ativistas individuais, a
2 Nas situaes em que vrios grupos se organizam sequencialmente,
um ciclo de protestos se forma (Tarrow, 1983 p. 36).
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TPP prioriza uma estrutura de incentivos e/ou constrangi-mentos
polticos, que delimita as possibilidades de escolha dos agentes
entre cursos de ao.
Esta perspectiva afeta a compreenso das instituies polticas. A
mobilizao baseia-se num conflito entre partes, uma delas
momentaneamente ocupando o Estado, enquan-to a outra fala em nome
da sociedade. Essas posies so variveis, os atores migram entre
elas. Por isso, a anlise tem de suplantar as barreiras
convencionais que definem Esta-do e sociedade como duas entidades
coesas e monolti-cas. Assim, em vez de definir a equao como
movimentos sociais versus Estado, a TPP ope detentores do poder (os
membros da polity), que tm controle ou acesso ao governo que rege
uma populao (includos os meios de represso), e desafiantes, que
visam obter influncia sobre o governo e acesso aos recursos
controlados pela polity. Um movimen-to social definido, ento, como
uma interao conten-ciosa, que envolve demandas mtuas entre
desafiantes e detentores do poder, em nome de uma populao sob
lit-gio (Tilly, 1993).
Estado nacional e movimentos sociais no so, ento, atores, mas
formas de ao coletiva. Formas para as quais Tilly prov uma explicao
histrico-estrutural, vinculando-as a uma teoria da formao do Estado
nacional. Os movi-mentos sociais seriam uma inveno Ocidental, o
produto ltimo de uma srie de mudanas estruturais, que culmi-naram
na centralizao de poder poltico na Inglaterra do sculo XVIII3: o
fortalecimento do parlamento, vis--vis poder local e coroa,
nacionalizou as decises polticas; a competio eleitoral pelos postos
nacionais aumentou, fomentando a congregao de faces locais em um
sistema partidrio. Essa nacionalizao da poltica enfraqueceu as
3 Simplificadamente, o argumento, baseado no caso ingls, que
campanhas mili-tares levaram expanso do Estado, com burocratizao e
crescente interveno na sociedade (por meio de taxao), o que causou
o fortalecimento do parlamento.
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formas locais de expressar demandas e abriu oportunida-des para
o surgimento de aes para-parlamentares, como peties e comcios,
visando influenciar a tomada de deci-ses no parlamento.
Os movimentos sociais seriam, ento, uma forma his-trica de
expresso de reivindicaes, que no existiu sem-pre, nem em toda a
parte. Aqui aparece a outra perna da explicao, a histrico-cultural,
sintetizada no conceito de repertrio. Tilly (1978, pp. 150 e ss.)
argumenta que bastante exguo o conjunto de formas de ao poltica
dis-ponveis para os agentes em determinada sociedade. Na ver-dade,
distingue apenas dois repertrios de aes coletivas no Ocidente4, um
que antecede, outro que sucede a centra-lizao do poder poltico.
At o sculo XVIII, teramos movimentos paroquiais, defensivos de
direitos e recursos de grupos prejudicados com a paulatina
centralizao poltica. Giravam em torno de mesmos temas (alimentos,
impostos, resistncia ao alis-tamento militar) e tinham mesmo locus
(mercados, igrejas, festivais), mas eram particulares, comunitrios:
sua forma variava de lugar, de ator e de situao. O repertrio de ao
coletiva seria, ento, bifurcado, envolvendo ao direta, com farto
uso de violncia, no plano local, mas operando por representao
quando questes nacionais estavam envol-vidas (Tilly, 1978, p. 271).
Tendo j analisado um sculo de episdios de mobilizao na Inglaterra,
Frana e Alemanha, por meio de notcias de jornal, Tilly et al.
(1975) apresenta 1830 como momento de inflexo. Desde a se pode
falar de movimentos nacionais e autnomos, que prescindem de mediaes
entre demandantes e autoridades. Baseados em novas solidariedades,
compondo associaes e sindicatos,
4 Em um dado momento do tempo, o repertrio de aes coletivas
disponvel para uma populao surpreendentemente limitado.
Surpreendente, dados os meios inumerveis pelos quais as pessoas
podem, em princpio, desdobrar seus recursos ao perseguirem fins,
finalidades comuns (Tilly, 1978, p. 151).
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eles seriam menos violentos, mas mais ofensivos, clamando pela
expanso de direitos e por maior acesso a recursos. Os temas tambm
teriam mudado (eleies, comportamento do governo, economia,
trabalho, impostos, escravido), assim como os locais em que
ocorriam (pubs, cafs nas cidades). O repertrio seria desde ento
modular: as mes-mas formas (comcios, greves, assembleias,
passeatas) ser-vindo a diferentes tipos de atores, lugares e
temas.
Repertrio , pois, um conceito referido a um longo perodo de
tempo e a um conjunto relativamente amplo de atores em litgio, o
que ressaltado pela adio de of conten-tion5. Tilly apoiou-se numa
perspectiva pragmtica, definin-do repertrio como um conjunto
limitado de rotinas que so aprendidas, compartilhadas e postas em
ao por meio de um processo relativamente deliberado de escolha
(Tilly, 1995, p. 26). Os agentes, em meio ao processo de luta,
esco-lheriam dentre as maneiras convencionalizadas de interao
presentes no repertrio aquelas mais adequadas expresso de seus
propsitos. Isto , os agentes atriburam o sentido s formas, que pode
ser tanto de contestao quanto de reitera-o da ordem. o carter
vazado, sem semntica, do reper-trio que permite sua partilha entre
atores opostos. Isto , o repertrio de ao coletiva no peculiar a um
grupo, mas a uma estrutura de conflito.
A TPP abre, portanto, mais espao para a cultura na explicao da
ao coletiva do que a TMR pero no mucho. O conceito de repertrio
descreve bem caractersticas cul-turais de longa durao, mas serve
pouco para lidar com variaes no interior de uma mesma conjuntura. J
solida-riedade e catnet tm peso explicativo bem reduzido e no
competem na armao da teoria com os outros dois concei-tos
carros-chefe, EOP e repertrio.
5 [...] repertrios de conteno [of contention] so os meios
estabelecidos por meio dos quais pares de atores fazem e recebem
reivindicaes relativas aos interesses uns dos outros (Tilly, 1993,
pp. 264-265).
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Nos Estados Unidos, a TPP teve de inicialmente com-petir com a
TMR, mas logo a suplantou. L, como na Euro-pa, a teoria encontrou
legio de adeptos, que a aplicaram a inmeros pases e perodos. Na
Amrica Latina seu sucesso foi bem mais modesto. No Brasil, o
trabalho pioneiro nessa direo o de Boschi (1987), que utiliza uma
verso estili-zada da TPP para tratar das mobilizaes durante o
proces-so de redemocratizao.
Embora no constituam uma escola coesa, como a TPP e a TMR, h um
ar de famlia dentre os principais teri-cos dos Novos Movimentos
Sociais: Alain Touraine, Jrgen Habermas, Alberto Melucci6. So todos
crticos da ortodoxia marxista, mas mantm o enquadramento
macro-histrico e a associao entre mudana social e formas de
conflitos. Nisso no diferem da TPP. A especificidade est em
produ-zir uma interpretao efetivamente cultural para os MS.
Embora cada qual tenha sua prpria teoria da moder-nidade,
compartilham mais ou menos o mesmo argumento central. Ao longo do
sculo XX, uma mudana macroes-trutural teria alterado a natureza do
capitalismo, cujo cen-tro teria deixado de ser a produo industrial
e o trabalho. Uma nova sociedade se vislumbraria, dando lugar tambm
a novos temas e agentes para as mobilizaes coletivas.
Em La voix et le regard (1978) e, com mais preciso, em O retorno
do ator (1983), Alain Touraine distingue dois padres de sociedade,
aos quais corresponderiam dois tipos de movi-mento. A sociedade
industrial teria por fulcro a indstria e o trabalho industrial e
nela vigeria a diviso entre o plano da produo, regido pela tcnica,
e o da reproduo, o rei-no da cultura. Os conflitos produtivos
predominariam e os atores das mobilizaes seriam os trabalhadores
industriais. Isto , o movimento operrio teria sido a forma tpica
de
6 Apresentaes mais detidas da TNMS podem ser encontradas em
Pichardo (1997), Hannigan (1985), Alexander (1998), entre
outros.
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conflito da sociedade industrial, correspondente ao proces-so de
industrializao europeia.
Aps os anos 1960 teria se configurado um novo padro de
sociedade, que Touraine, inicialmente, chama de socie-dade
programada e depois de sociedade ps-industrial, na qual a indstria
e o trabalho teriam perdido centralida-de. Os conflitos do trabalho
teriam se diludo, processados pelas instituies democrticas, como
expanso de direitos, e pelas instituies capitalistas, como aumento
de salrios. A dominao teria se tornado eminentemente cultural,
feita por meio do controle da informao por uma tecnocracia. Tcnica
e cultura passariam a interpenetrar-se, as distines entre mundo
pblico e privado teriam se nublado, fazendo com que os conflitos,
antes restritos ao plano econmico, avanassem para a vida privada
(famlia, educao, sexo) e ganhassem dimenses simblicas:
o conflito no est mais associado a um setor considerado
fundamental da atividade social, infraestrutura da sociedade, ao
trabalho em particular; ele est em toda a parte (Touraine, 1989b,
p.13).
As novas mobilizaes no teriam uma base social demarcada. Seus
atores no se definiriam mais por uma atividade, o trabalho, mas por
formas de vida. Os novos sujeitos no seriam, ento, classes, mas
grupos marginais em relao aos padres de normalidade sociocultural.
Isto , poderiam vir de todas as minorias excludas (Touraine lista
negros, hispnicos, ndios, homossexuais, mulheres, jovens, velhos,
intelectuais) e teriam em comum uma atitu-de de oposio. Seus
exemplos principais so os movimen-tos feminista e
ambientalista.
Esses novos movimentos sociais no se organizariam em combate ao
Estado, nem com a finalidade de conquis-t-lo. Recorrendo a formas
de ao direta, no nvel dos
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prprios problemas sociais, seriam agentes de presso social,
voltados para persuadir a sociedade civil. A est a grande
contribuio de Touraine para esse debate (veja-se em Cohen, 1985):
retomar o conceito at ento um tanto esquecido de sociedade civil,
como reino apartado do Estado e do mercado, e no qual a inovao
social poderia se configurar. Os movimentos sociais nasceriam na
sociedade civil e, portadores de uma nova imagem da sociedade,
ten-tariam mudar suas orientaes valorativas. Os movimentos sociais
aparecem, ento, como o novo ator coletivo, porta-dor de um projeto
cultural. Em vez de demandar democra-tizao poltica ao Estado,
demandariam uma democratiza-o social, a ser construda no no plano
das leis, mas dos costumes; uma mudana cultural de longa durao
gerida e sediada no mbito da sociedade civil.
Jrgen Habermas argumenta em direo similar, associan-do um novo
padro de mobilizao coletiva ao capitalismo tardio. O conflito
capital-trabalho, tpico do sculo XIX, teria sido mediado e
desinflado pelo Estado. O custo teria sido uma hipertrofia do
Estado, que cresceu para atender s suas novas tarefas de regulador
da produo e do mercado, ao passo que a efetivao das polticas
sociais requisitou a expanso da buro-cracia e da normatizao
jurdico-administrativa da vida priva-da da famlia, da educao, da
vida individual (Habermas, 1984). Esses processos teriam alimentado
a expanso da lgica sistmica, tpica da economia e da poltica
institucional, para o mundo cultural, gerando duas tendncias que se
reforam mutuamente: a expanso da monetarizao, prpria ao subsis-tema
econmico, para todas as relaes sociais, e a burocrati-zao, prpria
ao subsistema poltico, que minaria as formas tradicionais de
interao. A expanso da racionalidade ins-trumental, de mecanismos e
procedimentos tpicos da esfera sistmica, para os espaos destinados
interao e comuni-cao intersubjetiva, geraria um empobrecimento
cultural, uma colonizao do mundo da vida.
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De outra parte, o mundo do trabalho teria perdido centralidade
no capitalismo tardio, esvaindo a utopia oito-centista de
autogoverno dos trabalhadores, que inspirou a formao do movimento
operrio. Da o deslocamento das energias utpicas para uma nova zona
de conflito, aquela afetada pelo processo de colonizao do mundo da
vida (Habermas, 1987). A se configurariam novos movi-mentos
sociais, no mais motivados por questes redistri-butivas, mas
empenhados numa luta simblica em torno de definies da boa vida. Os
novos movimentos sociais seriam, ento, formas de resistncia
colonizao do mundo da vida, reaes padronizao e racionalizao das
inte-raes sociais e em favor da manuteno ou expanso de estruturas
comunicativas, demandando qualidade de vida, equidade, realizao
pessoal, participao, direitos huma-nos (Habermas, 1981, p. 33).
Os novos movimentos sociais seriam subculturas defen-sivas,
nascidas em reao a situaes-problema. Sua base social seriam grupos
cujo estilo de vida teria sido afetado por dois grandes tipos de
gneros. De uma parte, formar-se-iam em torno dos green problems,
isto , dos efeitos colate-rais do desenvolvimento capitalista:
poluio, urbanizao, experincias com animais para produo de remdio
etc. De outra parte, seriam reaes a problemas da over-complexi-ty
da sociedade contempornea: riscos potenciais de usinas nucleares,
poder militar, manipulao gentica, controle e uso de informaes
pessoais, isto , problemas que geram riscos invisveis (Habermas,
1981).
Habermas, contudo, distingue dois tipos. Os movimen-tos de
liberao, de carter emancipatrio, demandantes da universalizao de
direitos, na tradio burguesa-socialis-ta, teriam ainda carter
ofensivo, caso do movimento pelos direitos civis e do feminismo. J
os movimentos defensivos se bifurcariam em dois subtipos. Os
tradicionais, de defesa da propriedade, teriam por base social a
velha classe mdia,
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ameaada pelo dinamismo contemporneo. Seriam movi-mentos de
vizinhana; de pais de alunos; contra impostos. Os genuinamente
novos movimentos sociais seriam os insurgentes contra a colonizao
do mundo da vida, contra os papis institucionalizados de consumidor
da sociedade de mercado, de cliente dos servios pblicos do Welfare
State, e mesmo de cidado, fazendo a crtica das instituies
polti-cas. Seriam propositores de novas formas de cooperao e de
comunidade. Os exemplos: o movimento de jovens, o alterna-tivo, o
ambientalista e o pacifista. Em 1985, Habermas realo-cou o
feminismo dentre os novos movimentos sociais, j que tambm
demandaria a transformao das formas de vida.
Os novos movimentos sociais defenderiam formas auto-gestionrias,
novos modelos participatrios e a criao de contrainstituies,
protegidas da influncia dos parti-dos de massa, da indstria
cultural e da mdia, nas quais a comunicao livre fosse possvel.
Fariam, ento, uma polti-ca expressiva, desvinculada de qualquer
demanda por bens ou cargos polticos, e voltada para a afirmao de
identida-des e para a preservao da autonomia e de formas de vida
sob ameaa da racionalizao sistmica levada a cabo pelo Estado e pelo
mercado.
Melucci (1980) parte de teses similares s de Touraine e Habermas
sobre a sociedade contempornea, caracteri-zando-a como
ps-industrial, complexa e com uma inter-penetrao entre mundo pblico
e privado. Na sociedade industrial, o mecanismo de acumulao e de
controle social residiria na explorao da fora de trabalho. J na
socieda-de avanada ou de massas ou sociedade da informa-o (Melucci,
1996) , se configuraria um novo padro de dominao, baseado na produo
e controle de informao e na interveno nas relaes sociais, e
exercido por meio da cincia e da tecnocracia. A distino entre as
esferas pblica e privada teria se extinguido, transformando as
rela-es interpessoais (consumo, lazer, relao com a nature-
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za), sexuais e a identidade biolgica (nascimento, morte, doena,
envelhecimento) em novas zonas de conflito. Isto , o conflito teria
se deslocado do mundo do trabalho em direo a duas tpicas
principais. A primeira delas o cor-po, que, na sociedade avanada,
se tornou objeto cientfico, medicalizado; objeto da moda e do
consumo, padronizado. Em reao, emergiriam movimentos redefinindo-o
como parte da natureza; sede de desejos; nexo das relaes
inter-pessoais. Os exemplos so os movimentos de mulheres, gays,
jovens, o ambientalista e o de contracultura (Melucci, 1989). A
outra tpica a da utopia regressiva com forte compo-nente religioso
(Melucci, 1980). Seriam formas religiosas, orientadas por um mito
global de renascimento, de defe-sa contra um mundo racionalizado,
exprimindo desejos de integrao e negando hierarquias e diferenas da
sociedade avanada. Os exemplos so vrios tipos de integralismo:
comunitrio, poltico-religioso, mstico-asctico7.
Os novos movimentos sociais seriam, ento, formas
par-ticularistas de resistncia, reativas aos rumos do
desenvolvi-mento socioeconmico e em busca da reapropriao de tem-po,
espao e relaes cotidianas. Contestaes ps-materia-listas, com
motivaes de ordem simblica e voltadas para a construo ou o
reconhecimento de identidades coletivas.
Embora Habermas e Touraine tivessem j falado dos novos
movimentos sociais como portadores de identidades sociais tambm
novas, foi Melucci quem se dedicou a pro-duzir uma teoria da
identidade coletiva. Atento aos meca-nismos micro e
mesossociolgicos que vinculariam o novo padro de sociedade, as
experincias individuais da comple-
7 Para Melucci, os membros dos NMS seriam os grupos afetados
pela manipula-o do desenvolvimento socioeconmico e, portanto,
podendo envolver tanto os marginalizados quanto os integrados na
estrutura social. Melucci, portanto, inclui diferencial e
hierarquicamente estratos sociais, sem apresentar uma base
homog-nea para esses estratos. Mas a nova classe mdia, por ter
lugar central em redes e ser altamente dotada de recursos
cognitivos e relacionais, seria a iniciadora natu-ral das
mobilizaes.
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xificao e as novas formas de ao poltica, Melucci cons-truiu uma
nova teoria psicossocial da ao coletiva.
Melucci (1988) criticou tanto as explicaes psicolgi-cas para a
formao da ao coletiva, em termos de irracio-nalidade das massas,
quanto as macroexplicaes, nas quais condies sociais comuns
determinam o comportamento dos atores. Num caso haveria ao sem
atores, noutro, atores sem ao. Em ambos, faltariam mediaes entre
comportamentos individuais e o fenmeno coletivo movi-mento. Assim
se elidiria o problema principal, que Melucci pe na agenda: Como um
ator coletivo formado ou quais relaes e processos levam os
indivduos a se envolverem coletivamente numa ao poltica?
Para respond-la, Melucci recorre a uma argumentao
construcionista e processual. Os atores construiriam a ao coletiva,
medida que se comunicam, produzem e nego-ciam significados, avaliam
e reconhecem o que tm em comum, tomam decises. Assim:
A identidade coletiva uma definio interativa e compartilhada
produzida por numerosos indivduos e relativa s orientaes da ao e ao
campo de oportunidades e constrangimentos no qual a ao acontece
(Melucci, 1988, p. 342).
Como a TPP, portanto, Melucci admite que h oportu-nidades e
constrangimentos objetivos ao coletiva, mas eles so mediados pelas
percepes dos agentes, por uma apreenso cognitiva das possibilidades
e limites, produzida no prprio curso da ao:
Indivduos agindo coletivamente constroem suas aes por meio de
investimentos organizados; isto , eles definem em termos cognitivos
o campo de possibilidades e limites que percebem, enquanto, ao
mesmo tempo, ativam
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suas relaes de modo a dar sentido ao seu estar junto e aos fins
que perseguem (Melucci, 1988, p. 332).
Esse senso de ns depende da permanente negocia-o e redefinio de
orientaes comuns acerca dos fins, dos meios e do ambiente da ao.
Liderana e organizao surgi-riam como formas de manter estveis essas
orientaes.
Como Tilly e diferena de Touraine e Habermas , Melucci define os
movimentos sociais no como um agen-te, mas como uma forma de ao
coletiva, que surge a par-tir de um campo de oportunidades e
constrangimentos e que possui organizao, lideranas e estratgias.
Melucci incorpora tambm a tese da TMR e da TPP de que rela-es ou
organizaes j existentes facilitam o engajamen-to. Mas em vez de
falar de estruturas de mobilizao, recorre noo mais compatvel com a
agency que quer enfatizar: as redes de relacionamento (Melucci,
1988, p. 340). Nelas se construiriam a motivao para a ao coleti-va
e a prpria interao.
Mas, diferena da TPP, parte substancial da atividade dos
movimentos consistiria no processo de construo de uma identidade
coletiva, que um fim em si mesmo; da a ideia de que os NMS seriam
expressivos. Sendo nego-ciada, a identidade coletiva no se
consubstancia, ela um processo, sujeita continuamente redefinio,
conforme as negociaes entre os agentes. Ela envolve uma operao
racional, mas a deciso do engajamento no se limita a um clculo
custo/benefcio, tambm produto de um reco-nhecimento emocional.
Essa teoria procura, ento, incluir trs dimenses da ao coletiva.
A identidade coletiva seria produzida a partir da definio de um
framework cognitivo acerca dos fins, meios e campo da ao; da ativao
prtica de relaes entre atores (interao, comunicao, influncia,
negociao, tomada de deciso); e do investimento emocional que os
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leva a se reconhecerem como membros de um grupo. Com Melucci, as
emoes retornam anlise da ao coletiva. Mas com sinal invertido: no
para explicar a desmobiliza-o, mas como motivao para o engajamento.
Temos aqui uma genuna teoria cultural para a formao dos movimen-tos
sociais, que explica a converso de cidados comuns em ativistas por
meio de um processo que envolve simultanea-mente racionalidade e
emoo.
Touraine, Habermas e Melucci tm teorias particula-res, mas
confluem para o mesmo postulado central, o da especificidade dos
movimentos sociais da segunda metade do sculo XX. Para todos, uma
mudana macrossocial teria gerado uma nova forma de dominao,
eminentemente cultural (por meio da tecnologia e da cincia) e
borrado as distines entre pblico e privado, acarretando mudanas nas
subjetividades e uma nova zona de conflito. As reivin-dicaes teriam
se deslocado dos itens redistributivos, do mundo do trabalho, para
a vida cotidiana, demandando a democratizao de suas estruturas e
afirmando novas iden-tidades e valores. Estaria em curso uma
politizao da vida privada. Os movimentos de classe dariam lugar,
assim, a novos movimentos expressivos, simblicos, identitrios, caso
do feminismo, do pacifismo, do ambientalismo, do movi-mento
estudantil. Isto , os movimentos mais em evidncia no momento em que
escreviam.
Os novos movimentos sociais seriam, ento, antes grupos ou
minorias que grandes coletivos. Suas deman-das seriam simblicas,
girando em torno do reconheci-mento de identidades ou de estilos de
vida. Recorreriam ao direta, pacfica, baseada numa organizao fluda,
no hierrquica, descentralizada, desburocratizada. No se dirigiriam
prioritariamente ao Estado, mas socieda-de civil, almejando mudanas
culturais no longo prazo. Esses analistas, portanto, entendem que a
nfase cultural uma caracterstica distintiva das novas mobilizaes,
razo
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pela qual usaram o advrbio novo para distingui-los dos velhos. A
sobrevalorizao da cultura na anlise dever-se-ia, ento, a um
imperativo do objeto, no a uma escolha do analista.
Avulsas ou em combinaes, as TNMS fizeram carrei-ra na Amrica
Latina. Foram de longe a perspectiva mais aplicada para a explicao
de casos nacionais, durante as dcadas de 1980 e 1990, como mostram
vrias revises bibliogrficas desse campo (Haber, 1996; Davis, 1999;
Shef ner, 2004), e orientaram a agenda para a produo de estudos de
casos, concentrados no processo de construo de identidades
coletivas8. Contudo, houve uma transio de autores de referncia. A
hegemonia foi primeiro de Touraine, nico dentre esses autores a ter
refletido direta-mente sobre a Amrica Latina como em Palavra e
sangue (1989). A transposio do esquema apresenta problemas.
Touraine reconhece que as demandas econmicas seguem relevantes na
Amrica Latina; no entanto, para englobar seus movimentos dentre os
novos, argumenta que have-ria aqui uma combinao sui generis de
demandas materiais e ps-materiais (Touraine, 1989b). Ao entrar em
dilogo direto com o caso e com analistas brasileiros , Touraine
ganhou enorme notoriedade no Brasil da redemocratiza-o. Em doses
variadas, sua teoria foi aplicada para expli-car o surgimento de
novos atores e novos movimentos sociais nas periferias dos grandes
centros urbanos ao lon-go dos anos 1980 caso, por exemplo, de Sader
(1988). No comeo dos anos 1990, Touraine perdeu o trono para
Habermas, que, mais para o fim da dcada de 1990, cedeu espao para
Melucci, como se v pela concentrao das investigaes em torno do tema
da identidade coletiva. Em conjunto, a TNMS orientou a predileo
latino-ame-
8 Para balanos da literatura brasileira desta hora, veja-se
Cardoso (1987) e Kowa-rick (1987).
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ricana pelo estudo da cultura poltica inovadora, como mostra
Roberts (1997), e pela construo de identidades, significados e
discursos, do que so exemplares os estudos compilados por Alvarez e
Escobar (1992). O forte influxo dessa teoria deu aos estudos de
movimentos sociais dentre ns um acento marcadamente
culturalista.
Em suma, as trs teorias agora clssicas sobre movi-mentos sociais
tm contornos bastante peculiares. A TMR focalizou a dimenso
micro-organizacional e estratgica da ao coletiva e praticamente
limou o simbolismo na explica-o. J a TPP privilegiou o ambiente
macropoltico e incor-porou a cultura na anlise por meio do conceito
de reper-trio, embora no tenha lhe dado lugar de honra. A TNMS,
inversamente, acentuou aspectos simblicos e cognitivos e mesmo
emoes coletivas , incluindo-os na prpria defini-o de movimentos
sociais. Em contrapartida, deu menor relevo ao ambiente poltico em
que a mobilizao transcor-re e aos interesses e recursos materiais
que ela envolve.
Polmica e conciliao A exposio das trs grandes teorias dos
movimentos sociais e a explicitao de seus pressupostos e limites
ocuparam o debate at o comeo dos anos 19809. Logo em seguida,
brigaram bem, no que se convencionou chamar a polmi-ca identidade
versus estratgia. Muitas crticas foram feitas de parte a parte, mas
dois autores, Craig Calhoun e Jean Cohen, so emblemticos do esprito
do debate.
Calhoun (1995) escreveu artigo capciosamente intitula-do Novos
movimentos sociais do comeo do sculo XIX. A argumenta que as
caractersticas que a TNMS conside-ra novas e peculiares a
movimentos do sculo XX j esta-
9 Do que expressivo o nmero especial da Social Research (vol.
52, no 4), organiza-do por Jean Cohen, em 1985, e no qual Tilly,
Touraine e Melucci acompanhados por Claus Offe e Klaus Eder
apresentaram suas interpretaes sobre movimentos sociais.
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vam em seus similares do XIX: multidimensionalidade; demandas no
materiais; criao de identidades. A nfase economicista anterior que
teria impedido os analistas de atentarem para a diversidade de
atores (de diferentes extra-es sociais e dos dois gneros), e para
aspectos culturais e simblicos bastante salientes, sobretudo em
movimentos religiosos e de temperana. Assim, a tese da novidade de
agenda das mobilizaes nas sociedades ps-industriais, mais culturais
que econmicas, expressaria mais os culos dos analistas que as
motivaes dos agentes.
Vrios autores (por exemplo, Plotke, 1990) seguiram nessa trilha,
atacando a distino entre novos e velhos movimentos, argumentando
que, em qualquer tempo, movi-mentos sociais combinam demandas
materiais e simblicas. Tambm denunciaram a viso idealizada do
objeto, que teria levado a TNMS a buscar nos movimentos sociais um
novo sujeito revolucionrio, com a luta transposta do plano da
eco-nomia para o da cultura; e mesmo a encampar acriticamente suas
teses e categorizaes, sobretudo o adjetivo novo.
A TNMS foi acusada ainda de se restringir ao pla-no societrio,
negligenciando a relao dos movimentos sociais com a dinmica
poltico-institucional. Seu concei-to de identidade foi apontado
como vago, por ora pare-cer se referir a uma identidade social
concreta, ora a uma ideia filosfica; ora nomear identidades
individuais, ora de grupos (Pichardo, 1997). A TNMS teria tambm
demons-trao emprica limitada ou insuficiente e explicaria mal casos
no europeus, como os latino-americanos, em que as mudanas
estruturais de que falam no aconteceram ou seguiram outros padres;
e por negligenciar mobilizaes direita e em torno de demandas
religiosas e comunit-rias (Edelman, 2001).
O segundo artigo marcante nessa polmica de Jean Cohen (1985),
que acoplou TMR e TPP num nico pacote, o paradigma da mobilizao de
recursos, e o contraps ao
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paradigma orientado para a identidade, criando distino polmica,
mas de sucesso na literatura. Na primeira caixi-nha ficariam os
norte-americanos, a TMR e a TPP, objeti-vistas, de nfase
utilitarista e cuja explicao focalizaria interesses, condies
materiais e o carter estratgico da ao coletiva. Em contraponto, a
outra linhagem, europeia, seria subjetivista e atenta para
intencionalidade, valores e identidades dos agentes
mobilizados10.
Cohen (1985, pp. 678-679) simpatiza com o segundo bloco e
critica o primeiro, por inbil em lidar com subjeti-vidades e
valores envolvidos nas mobilizaes e, em conse-quncia, em explicar a
constituio de solidariedades e de identidades coletivas. Aponta
tambm o excessivo estrutu-ralismo e o determinismo poltico da TPP,
patente na pre-valncia da sociedade poltica sobre a sociedade civil
na anlise. Cohen (1985, p. 682) tentava assim estabelecer o
estatuto terico desse ltimo conceito, acusando os tericos do
Processo Poltico de incapacidade de distinguir entre sociedade
civil e sociedade em geral.
Outra crtica frequente TPP ao conceito central de estrutura de
oportunidades polticas, tido por demais abran-gente e, por
decorrncia, pouco explicativo (Polletta, 1999). E, a despeito de
seu declarado anti-durkheimianismo, Tilly acusado de parentesco com
o inimigo, por tomar a cultura como representaes compartilhadas e
atentar pouco para o carter dinmico e para a agency envolvida nos
processos simblicos (Piven e Cloward, 1995, p. 145).
Depois da guerra, o armistcio. Pelo lado da TNMS, Melucci (1996)
concedeu que as teorias adversrias eram hbeis em lidar com a
racionalidade e a lgica da ao dos movimentos sociais, assimilando
recursos, estratgias e oportunidades ao seu esquema. De seu lado, a
TPP admi-
10 A distino, em parte construda a partir de nfases analticas,
em parte numa distino geogrfica, tambm se difundiu entre ns, por
exemplo, Gohn, 1997. Veja-se tambm Toni, 2001.
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tiu suas insuficincias na abordagem da cultura (Tilly, Tar-row,
McAdam, 2001) e adotou o conceito da TNMS de identidade coletiva,
dando a ele uma definio relacional, como resultante de processos
contnuos de formao de fronteiras entre grupos sociais e de ativao
seletiva de per-tencimentos sociais anteriores11. Kurzman (1997)
deu ver-so algo construcionista ao conceito central, argumentando
que uma estrutura de oportunidades nunca a mesma para todos, pois
os agentes a percebem e interpretam diferencial-mente. J a TMR
perdeu fora e adeptos ao longo do deba-te. Zald (1992, p. 335)
reconheceu que ela explicava mal as microfundaes da mobilizao. Num
esforo coletivo (McAdam, McCarthy e Zald, 1996), autores nessa
perspecti-va adotaram categorias da TPP e deram passos em direo
TNMS, buscando incorporar mais centralmente a cultura. Mueller
(1992, p. 10) props um conceito adicional, o de contextos de
micromobilizao, para descrever as intera-es face a face nas quais
emergiriam os sentidos usados na interpretao das estruturas de
oportunidades, na constru-o de reivindicaes, lealdades e
identidades coletivas.
Uma convergncia mnima entre os enfoques obje-tivista e
subjetivista se estabeleceu em torno da tese de que movimentos
sociais no surgem pela simples presena de desigualdade, nem
resultam diretamente de clculos de interesses ou de valores. As
mobilizaes envolvem tanto a ao estratgica, crucial para o controle
sobre bens e recur-sos que sustentam a ao coletiva, quanto a formao
de solidariedades e identidades coletivas.
11 Na verdade, distinguem entre dois tipos de identidade: as
embedded orientariam a vida cotidiana, e seriam mltiplas, uma vez
que todo indivduo pertence a mlti-plas categorias sociais. J as
identidades detached, referidas apenas a um domnio estreito,
especializado de relaes sociais intermitentes (Tilly et al., 2001,
p. 135), seriam produzidas pela hiprbole de uma das facetas
embedded, no curso de um conflito especfico e em relao a um
interlocutor e a uma estrutura de oportu-nidades polticas. Seria
essa identidade contextual a que orientaria mobilizaes
polticas.
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Da se seguiram mtuas apropriaes conceituais e vrias novas
definies do fenmeno ao longo dos anos 1990. Na esteira das
sociologias relacionais, as teorias dos movimentos sociais
desviaram a ateno dos processos e estruturas macro, causadores da
mobilizao, para o nvel mesossociolgico, de constituio de teias de
interdepen-dncia social que lhe do forma. Em vez de pensado por
analogia a uma forma institucional as organizaes no governamentais
o ativismo passou a ser visto como fluxo contnuo de interao social.
Donde a adoo generalizada da noo de redes sociais para descrev-lo
(Diani, 2003). Movimentos sociais seriam uma estruturao
policntrica, frouxa, de contornos ambguos, englobando conexes
for-mais e informais entre ativistas e organizaes, pelas quais
circulariam recursos, valores, informao, poder.
Expressivo dessa dupla conciliao, terica e metodolgi-ca, que
ambiciona abarcar dimenses estratgicas e simbli-cas da ao coletiva,
a formao de identidades coletivas e os incentivos e
constrangimentos sociopoliticos mobilizao, sua estruturao e seu
carter fludo, o conceito proposto por Mario Diani, que define
movimentos sociais como:
[] redes de interaes informais entre uma pluralidade de
indivduos, grupos e/ou organizaes, engajadas em conflitos polticos
ou culturais, com base em identidades coletivas compartilhadas
(1992, p. 1).
A partir dos anos 1990, as teorias dos movimentos sociais
investiram, pois, em snteses conceituais e abordagens inte-gradas,
ambicionando conjugar o estudo das prticas de mobilizao e dos
cdigos culturais que as orientam e focali-zando experincias
peculiares de produo de sentidos e de identidades coletivas. Assim,
nos termos de Giugni (1998, p. 365), o pndulo explicativo que, nos
anos 1980, ainda repou-sava sobre a estrutura, deslocou-se de vez
para a cultura.
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Reelaboraes tericasDepois da bonana terica, veio o rebote
emprico. A vira-da para o sculo XXI trouxe problemas novos. Houve
uma mudana de escala do ativismo, de nacional a global. Os
protestos contemporneos envolvem ativistas e temas que atravessam
fronteiras e se dirigem, muitas vezes, a institui-es multilaterais
ou a uma opinio pblica transnacional. O Estado nacional deixa,
assim, de ser o antagonista prio-ritrio, desafiando todas as
teorias dos movimentos sociais, que definiam o fenmeno em escala
nacional. Alm disso, o ativismo se profissionalizou. Em vrios pases
do Ocidente, movimentos sociais se burocratizaram, se converteram
em partido, se empresariaram ou assumiram a prestao de ser-vios
estatais (Rootes, 2003). Assim se esmaeceu a au rola de inovao
poltica que traziam desde os anos 1970. A associao entre novos
movimentos e pautas ps-materiais tambm se esgarou com a leva de
mobilizaes tnicas, religiosas, comunitrias e conservadoras. Nelas,
a cultura, sobretudo a questo da identidade, ganhou salincia, mas
amalgamada a outras pautas, dando aos movimentos uma feio
multi-issue (Tarrow, 2005). Por fim, o 11 de setembro fechou a era
do protesto pacfico, abrindo a temporada das mobilizaes
policntricas e violentas, com o terrorismo se candidatando forma
rotineira de mobilizao coletiva do novo sculo.
Essas transformaes obrigaram a remodelagem das teo-rias dos
movimentos sociais, sobretudo de modo que lhes desse capacidade de
explicar mais persuasivamente o carter simblico e a dimenso global
do ativismo contemporneo.
A TNMS sofreu mudanas de monta para tratar da glo-balizao. As
teses de Melucci (1996) sobre a sociedade da informao facilitaram a
expanso da teoria do mbito do Estado nacional para abranger uma
sociedade global. A mobilizao agora visaria no mais o Estado, mas a
pro-duo e circulao de conhecimento, tendo por bandeira
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sua democratizao. Nessa linha, Castells (1996) argumen-ta que,
na sociedade de rede, as identidades coletivas e a prpria
globalizao se tornariam os principais focos de mobilizao, levada a
cabo por meio de redes de comunica-o baseadas na mdia e em novas
tecnologias.
De outro lado, a TNMS foi se convertendo paulatina-mente de
teoria dos movimentos sociais em teoria da socie-dade civil. As
crticas recebidas mais as evidncias empricas de burocratizao do
ativismo aprofundaram a crise da dis-tino entre novos e velhos
movimentos. A TNMS deixou, ento, de associar a inovao a um ator, os
movimentos, para atrel-la a um locus, a sociedade civil. Definida
em larga medida em negativo a sociedade civil no nem Estado, nem
mercado, nem a esfera privada/ntima , dela nasce-riam demandas por
autonomia no referidas nem ao poder poltico-institucional, nem a
benefcios materiais, nem ao autointeresse. A conjuno entre a teoria
do espao pblico, que j estava em Habermas, com a de sociedade
civil, recupe-rada por Touraine, foi cristalizada no livro de Cohen
e Arato (1992), que virou referncia na dcada de 1990. Esse novo
espao tornou-se o tema precpuo dos herdeiros da TNMS, que se
deslocaram massivamente do estudo de movimentos sociais especficos
para o das arenas pblicas, nas quais se debatem as definies da boa
vida. Da a profuso de traba-lhos empricos no mais sobre o ativismo,
mas sobre partici-pao social, democracia deliberativa e seus
correlatos.
A expanso do approach da sociedade civil para o ativis-mo
transnacional foi automtica. Fala-se de uma globalizing civil
society, inovadora em temas e formas de ao (por exem-plo, Clark,
2003). Essa viso positiva incide particularmente sobre a
globalization-from-below, oriunda do Sul, em desafio
globalization-from-above, carreada por empresas e estados do Norte
(Falk, 1999).
J a TPP refinou-se para abranger o terrorismo facil-mente, pois
a violncia j estava no corao da teoria ,
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a burocratizao e a globalizao do ativismo e dar mais peso
cultura. Tilly, Tarrow e McAdam (2001) redefiniram mes-mo o fenmeno
sob estudo: movimentos sociais pertence-riam a um gradiente de
formas de ao contenciosa, donde se incluem partidos, nacionalismo,
guerrilhas, terrorismo, guerras civis, revolues. Os atores
elegeriam dentre formas mais ou menos violentas, menos ou mais
organizadas, confor-me sua apreenso das estruturas de
oportunidades. Esse con-tentious politics approach tem por agenda a
busca de mecanis-mos comuns12 que, em diferentes sequncias e
combinaes, estruturariam toda a variedade de episdios contenciosos.
A teoria se torna eminentemente comparativa, e os movimen-tos
sociais viram apenas uma das formas de ao investigadas. McAdam
(1999) adaptou sua pesquisa sobre o movimento dos direitos civis a
esse approach e Tarrow (2005) o aggiornou para tratar da
transnacionalizao do ativismo.
Assim, essas redefinies ampliaram o espectro emp-rico recoberto
pelas teorias, encampando conflitos polti-cos em geral (a
contentious politics) e espaos polticos no institucionalizados (a
teoria da sociedade civil), em arenas nacionais e globais.
Esse debate no encaminhou nova sntese; antes, atua-lizou a
celeuma antiga. Os tericos da sociedade civil global acusam a
contentious politics de simplesmente transpor velhas categorias
para nova escala, mantendo o sobrepeso das facetas materiais e
organizacionais do ativismo e a subesti-mao da cultura. E seus
mecanismos explicativos seriam to numerosos, e com tantas combinaes
possveis, que a explicao redundaria particular.
De seu lado, a contentious politics segue criticando a teoria da
sociedade civil por subdimensionar interesses e organizao e por
recorrer a um conceito o de socieda-
12 A saber: atribuio de oportunidade e ameaa, apropriao social,
brokerage; for-mao de categorias e de identidades; mudana de
objeto; certificao; difuso; mudana de escala; radicalizao e
convergncia.
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de civil global vago e que superestima a estabilidade das
articulaes entre ativistas (Tarrow, 2005). O vis normativo
igualmente permaneceria, com a predileo pelo estudo de movimentos
emancipatrios e a negligncia do terroris-mo e das hierarquias entre
as sociedades civis do norte e do sul presentes nas coalizes
globais (Keane, 2003).
Em seu novo formato, as teorias ressoam diferencial-mente na
Amrica Latina. A contentious politics comea a ser aplicada por aqui
(por exemplo, Auyero, 2003), mas ainda em pequena escala. J a
teoria da sociedade civil herdou a hegemonia da TNMS na Amrica
Latina, orientando estu-dos acerca da autonomia dos atores da
sociedade civil em relao s instituies polticas tradicionais
(Foweraker, 2001) e de inovaes polticas na participao deles em
arenas decisrias e em experincias de democracia delibe-rativa
(Costa, 1994; Avritzer, 1994; Alvarez, Escobar e Dag-nino, 2000).
Consequentemente, os estudos especificamen-te sobre movimentos
sociais caram significativamente na Amrica Latina nesta virada de
sculo13.
Ao mesmo tempo em que o debate abriu a angular do nacional para
o global, focalizou a maneira como a cultu-ra comparece nos
processos de mobilizao poltica. Abor-dagens do campo da sociologia
da cultura, seja em chave ps-estruturalista, seja bourdiesiana,
adentraram a conver-sa sobre o vnculo entre cultura e ao poltica. O
efeito foi atrair a polmica sobre o prprio conceito de cultura para
o corao dos embates entre as teorias da mobiliza-o coletiva. Alm de
retornos a velhos conceitos, caso de cultura poltica, possvel
distinguir, grosso modo, cinco novas definies de cultura em uso no
debate, que j no correspondem mais com preciso s trs escolas
tericas sobre movimentos sociais dos anos 1970.
13 Essa a concluso de um survey dos peridicos latino-americanos
disponveis eletronicamente, entre 2000 e 2006 (Alonso, Maciel,
Salgado, 2007).
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A primeira e mais influente definio toma a cultura de uma
perspectiva cognitiva. Vrios autores se inspiraram na psicologia
cognitiva para falar de esquematas, isto , mode-los mentais
compartilhados, usados para perceber, proces-sar e armazenar
informaes (DiMaggio, 1997, p. 5), que dariam as bases culturais
para a mobilizao. Nessa linha, Snow e Benford (1986, 1992, 2000)
redefiniram o conceito de frame de Erving Goffman como quadros
interpretativos que simplificam e condensam o mundo exterior,
desta-cando, codificando e selecionando objetos, situaes,
acon-tecimentos, experincias e sequncias de aes. Recorren-do produo
de frames, os movimentos sociais reduziriam a complexidade social a
nveis manejveis pelo indivduo comum, sinalizando a injustia de uma
dada situao, vin-culando-a a smbolos e apresentado-a como um
problema que requer mobilizao (Snow e Benford, 2000, p. 614). O
conflito social passa aqui para o plano da definio da realidade,
isto , disputas polticas so apresentadas como eminentemente
simblicas.
O conceito de frame enfatiza prticas interpretativas e o carter
construdo e contingente dos significados que orientam mobilizaes,
aos quais faltaria, portanto, a orga-nicidade de sistema suposta
nos conceitos de ideologia e cultura poltica. Talvez por seu carter
alusivo, os frames foram acolhidos por todas as correntes,
incorporados por Melucci (1996) e por Tarrow (1992), que os
alargaram para masterframe, a fim de recobrir um ciclo inteiro de
ativismo, e os usaram para tratar do ativismo internacional
(Tarrow, 2005). Na mesma direo, Eyerman e Jamison (2003) usa-ram
hinos e msicas de protesto como objeto emprico para explicitar a
prxis cognitiva dos movimentos sociais.
Outra abordagem trabalha com uma noo performati-va,
privilegiando as prticas e a agency. A cultura vista como terreno
de litgio, perpassado por relaes de poder. A nfase est na
intencionalidade dos agentes e em sua capacidade de
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recorrer seletivamente a repositrios passados de significados
(os repertrios) para moldar estratgias de ao. Embora argumentos
nessa direo se apresentem em Tilly, foi Ann Swidler (1986, 1995),
inspirada em Bourdieu, quem trouxe a questo para o debate sobre
movimentos sociais, ao formular a noo de estratgias de ao. A
cultura seria uma caixa de ferramentas, composta por smbolos,
rituais e vises de mundo, que s adquiririam sentido pelo uso, isto
, quan-do mobilizados para orientar aes. A cultura se relaciona com
a ao poltica em chave pragmtica: como estruturado-ra dos processos
de seleo, interpretao, reinveno e uso intencional de significados
por agentes uns contra outros, a partir de um repertrio comum. O
prprio Tilly (2008) aca-bou compelido a redefinir seu conceito de
repertrio. Inspi-rado em Goffman, adotou a metfora teatral para
descrever a relao entre agentes e repertrios, pondo a tnica na
perfor-mance, isto , no improviso e na interpretao a que os atores
submetem um repertrio quando agem14. Assim incorporou a agency,
abrindo espao para escolhas, interpretaes e per-formances no
interior de seu estruturalismo histrico.
Uma terceira embocadura privilegia a retrica dos ati-vistas e
suas narrativas. Essa pegada ps-estruturalista che-gou s teorias
dos movimentos sociais em verso mitigada, como anlise semntica de
textos de militantes. A constru-o e disseminao de histrias seria
condio para a emer-gncia de movimentos sociais. Nelas, diz Poletta
(2006), a realidade social arrumada em enredos persuasivos, que do
aos ativistas um contexto de sentido e explicitam esque-mas
culturais e modelos de ao e interao, que possibi-
14 A metfora teatral chama a ateno para o carter agrupado,
aprendido, ain-da que improvisado das interaes das pessoas quando
elas fazem e recebem as reivindicaes umas das outras. Reivindicar
usualmente se assemelha ao jazz e commedia dellarte mais do que
leitura ritual de textos sagrados. [...] Dentro desse ordenamento
limitado, os atores escolhem quais peas vo encenar aqui e agora, e
em qual ordem (Tilly, 2008, p. 14).
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litam sua mobilizao conjunta. Poletta advoga a concilia-o dessa
perspectiva com a TTP, defendendo a incluso de memrias coletivas e
normas culturais como elementos da estrutura de oportunidades
polticas.
Um quarto ngulo, neodurkheimiano, trouxe para o debate sobre
movimentos sociais a noo da cultura como moralidade e rituais de ao
coletiva. Jeffrey Alexander (2006) e seu grupo de pesquisa
investigam a formao de consensos simblicos e sua expresso em
revolues, con-flitos e eventos polticos, por meio do comportamento
expressivo motivado. As mobilizaes polticas seriam assim rituais de
encenao e atualizao de significados socialmente compartilhados. A
se abre nova porta para o retorno das emoes coletivas ao debate
sobre movimentos sociais, desta vez do ngulo da performance e do
drama.
Noutra chave, os afetos voltaram explicao das mobi-lizaes
coletivas. Atacando as tradies de estudos dos movi-mentos sociais
como excessivamente racionalistas, Jasper (1997, 2007) abriu o
campo para as emoes do protesto, os sentimentos associados ao
processo de converso de indiv-duos comuns em ativistas e aqueles
suscitados durante os atos de protesto. As emoes seriam formas
culturalmente cons-trudas de compreender o mundo e exprimir posies.
Sendo parte natural de todos os processos interpretativos,
afetariam a compreenso da estrutura de oportunidades, de recursos e
de frames. Processos emotivos, como o choque moral, seriam
detonadores da mobilizao coletiva. Essas teses vm sendo
amplificadas (Emirbayer e Goldberg, 2005) e aplicadas a vrios
movimentos (Goodwin, Jasper e Polletta, 2001).
Como se v, o conceito de cultura multiplicou seus sen-tidos no
debate contemporneo sobre movimentos sociais. Sem convergncia
vista. Como Jasper (2007, p. 100) apon-ta em balano da rea, seguem
abertas questes cruciais acerca da origem, da difuso, da mudana e
das escolhas culturais e do modo pelo qual tudo isso se relaciona
com a
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ao coletiva. H vrias propostas de conciliaes tericas, rumo a
anlises da ao coletiva que conjuguem cognio; agency; narrativas;
rituais e emoes coletivas caso do pr-prio Jasper , mas, por ora,
nenhuma delas parece persuasi-va o bastante a ponto de ganhar o
centro da cena.
O mesmo pode se dizer sobre a globalizao do ativis-mo. Com
tantas definies disponveis e rarssimos estudos empricos de escala
efetivamente planetria, as teorias dos movimentos sociais esto
tambm longe do consenso quan-do tratam de mobilizaes globais.
Seguem ainda inde-monstradas as fronteiras entre movimentos
nacionais e glo-bais. E promete dar pano para manga a conversa
sobre a novidade do ativismo global, como deu a celeuma sobre
velhos e novos movimentos sociais. Disso exemplar o pro-vocador
livro de Benedict Anderson (2007) sobre o carter global do
anarquismo do sculo XIX.
Por sua importncia emprica mais ou menos autoevi-dente na cena
contempornea e pela oferta to generosa de teorias e definies,
cultura e globalizao so candidatas a permanecerem como as duas
tpicas de maior relevo nas discusses sobre movimentos sociais nos
prximos anos seguidas de perto pelo tema da violncia. Mas da a
surgirem acordos tericos acerca do seu significado outra
histria.
Angela Alonso professora de sociologia da Universidade de So
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