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A n t n i o T e i x e i r a F e r n a n d e s * Anlise Social,
vol..xxviii (123-124), 1993 (4.-5.), 787-828
Conflitualidade e movimentos sociais
As sociedades humanas so constitudas por um tecido social
descontnuo.Factores de natureza individual e colectiva esto na base
desta descontinuidade.Diferentes so os projectos pessoais e
diversas as capacidades e possibilidadesda sua realizao. Nem todos
dispem de idnticas oportunidades e dos meiosadequados. A vida
humana feita de muitas contingncias, numa infinidade deacasos,
contingncias que originam formaes diversificadas.
No seu processo de produo, o tecido social resulta do grau de
realizaodaqueles projectos. A sociedade vai-se configurando sob a
forma de espaossociais justapostos, tendendo a limitar-se a sua
inter-relao. Mais ou menosfechados, no fazem mais depois do que
reproduzir-se na histria. Se, na suaformao, a realidade social
conta com a energia de alguns indivduos ou grupos,na sua reproduo
apoia-se sobretudo na lgica dos sistemas constitudos.A lgica desta
reproduo oferece as variveis contextuais condicionantes dosdiversos
projectos individuais e de grupo.
A coexistncia de projectos e de quadros condicionantes, que
apoiam oucontrariam os possveis trajectos, potenciadora de tenses e
de conflitos.A trama social desenvolve-se dentro destas
coordenadas. So elas que nosfornecem a explicao, quer da emergncia
da conflitualidade, quer do apare-cimento de eventuais movimentos
sociais. esta complexa questo que nospropomos, de seguida, analisar
e demonstrar.
1. Uma constante procura do equilbrio e da mudana, da ordem e
dadesordem, da coeso e do conflito, atravessa as diversas
sociedades. Por detrsda ordem existe sempre a violncia, assim como
ao consenso subjaz a represso.Aquela busca deriva da tenso
dialctica entre os desejos de liberdade e os desegurana. Situaes h
em que os indivduos lutam por um ou mais por outrodestes
objectivos. Eles correspondem a aspiraes sentidas em momentos
con-cretos da existncia. A vida social feita tambm de conflitos e
de atitudes demudana.
* Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 787
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Antnio Teixeira Fernandes
Nas sociedades democrticas ocidentais a tendncia geral tem sido
para aobteno das mesmas metas que a todos so propostas. As pessoas,
atravs doprocesso de socializao, interiorizam aspiraes comuns ao
xito. A vontadede performance anima a vida da maior parte da
populao. Estas sociedadesmeritocrticas colocam o sucesso ao alcance
de todos, ainda que limitem osmeios institucionais disponveis.
Os projectos que se realizam do origem a situaes sociais de
relativahomogeneidade. No interior destes campos estabelecem-se
relaes sociaispreferenciais. Constituem-se ou consolidam-se assim
as camadas sociais, separadasentre si por estilos de vida e habitus
prprios. Nomeadamente os estratos superioresretm na memria do grupo
o que consideram mais enobrecedor e lanam noolvido tudo o que
vergonhosa traio, fraude ou injustia. A meritocraciafunda-se no
valor desigual dos indivduos para justificar a diferenciaosocial.
Esta resulta de mritos de alguns poucos, mritos que significam
essen-cialmente a capacidade de apropriao de mais-valias materiais
e culturais. Taisso as boas famlias que detm o poder econmico,
social e poltico. Anobreza no lhes vem delas mesmas, mas da
submisso e da passividadede outros. A riqueza filha da iniquidade.
So as duas faces de uma mesmamoeda.
Nos sistemas sociais actuam, por isso, de forma constante,
mecanismos desocializao e de represso, capazes de assegurar a ordem
e a reproduo dasociedade. Nesta estrutura social, radicalmente
injusta, duas tendnciasfundamentais concorrem para o seu equilbrio:
o controle social e a produode sentido. A estrutura de controle e a
estrutura de sentido esto na base querda integrao, quer da orientao
para a mudana, apoiadas nas ideologias enos modelos culturais. Mas,
como a sociedade no pe disposio de cadaum os meios
institucionalizados necessrios realizao dos seus
projectos,despertam em algumas camadas da populao profundos
sentimentos de frustrao.No interior da sociedade global, os
indivduos pertencem a microssociedadesdiferentes, que lhes oferecem
ensejos de vida muito desiguais. O conceito deintegrao na sociedade
e sobretudo o seu contedo no tm a mesma significaoe alcance para
todos.
Mesmo nas camadas sociais superiores existem diferenciaes. H
categoriassociais que, embora usufruindo de um status semelhante,
no possuem idnticoestatuto. Tem sido ntida, por exemplo, a
discriminao das mulheres nos altoscargos da poltica e da
administrao empresarial. Esta discriminao aparecenos diversos
segmentos que constituem a classe superior, realidade em si
mesmabastante heterognea.
Mas a separao mais acentuada ainda nas camadas inferiores e
mdias,que constituem blocos talvez menos homogneos. Se estas
assimilam os mesmosideais da sociedade democrtica, que valoriza a
iniciativa pessoal, o empe-nhamento, o mrito e o sucesso, esbarram
com crescentes obstculos institu-cionais. Parafraseando Toms Morus,
dir-se-ia que a sociedade produz os
788 desviantes para depois ter o prazer de os condenar. As
separaes e discriminaes
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Conflitualidade e movimentos sociais
so aqui mais profundas, traduzidas s vezes por situaes de
marginalidade,de segregao e de estigmatizao l. As pessoas
interiorizam, nestes casos, statussociais desvalorizados, que, em
circunstncias determinadas, ocasionam o conflitoe podem dar origem
a lutas sociais.
O mundo moderno, porque meritocrtico, favorece a promoo
individual.Assente sobre o individualismo, apoia os trajectos
pessoalizados de mobilidadesocial. Este procedimento permite uma
auto-regulao do sistema, contribuindopara a sua reproduo. Ao mesmo
tempo que satifaz alguns projectos, legitimaas situaes constitudas,
refora-as e justifica as identidades negativas. Nessamedida,
redutor de conflitualidade. Mas, porque democrticas, as
sociedadestendem tambm a ser abertas. Os indivduos tm sua disposio
uma gamade possveis projectos que, de ordinrio, no conseguem
realizar. As frustraesda derivadas criam estados diferenciados de
conflitualidade social, potenciandomltiplas sadas, desde a aceitao
do status desvalorizado entrada na lutasocial.
2. Pela sua constituio e pelo seu funcionamento, as sociedades
vivem emestado de permanente conflitualidade, tanto mais acentuada
quanto mais complexasse apresentam. sociologia, que se afirma
relacional, compete a tarefa derepresentar a sociedade como um
sistema de relaes sociais conflituais e, dessemodo, no s lhe cumpre
colocar o conflito no centro da sua anlise, como aindaprocurar
(re)descobrir a sua presena nas mais diversas manifestaes
colectivas.
Conforme ensina a psicologia e a psicanlise, o conflito um
agente im-portante na afirmao da identidade. Outra no a perspectiva
da sociologia.Georg Simmel afirma que a relao conflitual delimita
os grupos, reforandoa sua conscincia e a sua autonomia. Na medida
em que causa ou modificacomunidades de interesses, unificaes,
organizaes, constitui uma das maisvivas aces recprocas. Os grupos
tendem a afirmar-se pela oposio, seg-mentando-se e unificando-se,
e, nesse processo, o conflito desempenha umafuno criadora e
integradora. por isso que perde com tanta frequncia asua unidade o
grupo que no tem inimigo 2. Da existncia deste nasce a coesointerna
daquele. O conflito dotado, de facto, de uma capacidade
fundadora.
Porque inerente sociedade e capaz de nela desempenhar um papel
reguladorda vida social e ser factor de equilbrio, a sociologia
clssica dedicou-lhe uma
1 Abandonais milhes de crianas aos pssimos efeitos de uma educao
viciosa e imoral. A
corrupo faz murchar sob os vossos olhos essas plantas jovens,
que podiam florescer para a virtude,e vs dais-lhes a morte, quando,
ao tornarem-se homens, praticam aqueles crimes que desde o berolhes
germinavam nas almas. Que fazeis deles ento? Ladres, para terdes o
prazer de os enforcardepois. (Toms Morus, A Utopia* Lisboa,
Guimares Editores, 1972, p. 30, e Antnio TeixeiraFernandes, Formas
e mecanismos de excluso social, in Sociologia, Revista da Faculdade
deLetras, Universidade do Porto, 1, 1991, pp. 9-66.)
2 Georg Simmel, La lucha, in Sociologia* 1, Madrid, Alianza
Editorial, 1986, pp. 265, 266,
279,282,334,337 e 338, e Sociologie et pistmologie* Paris, PUF,
1981, p. 204, e Michel Maffesoli,La violencefondatrice, Paris, Ed.
du Champ Urbain, 1978, e Ren Girard, La violence et le sacr,Paris,
Grasset, 1983. 789
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Antnio Teixeira Fernandes
particular importncia. Para alm de Karl Marx, que o considera
motor dahistria, e de Georg Simmel acima considerado, Max Weber faz
do conflito eda luta sociais conceitos fundamentais da sociologia.
E se V. Pareto concebea sociedade como um teatro de lutas, abertas
ou latentes, E. Durkheim afirmaque no necessrio, nem mesmo possvel,
que a vida social seja sem lutas,embora pense que o controle
normativo restabelece sempre a integrao 3. Acorrente que se reclama
de Max Weber atribui, no entanto, ao actor social acapacidade de
agir, maximizando os seus interesses (R. Boudon, M. Crozier,E.
Goffman, A. O. Hirschman, M. Olson), enquanto a outra perspectiva
apelamais para a estrutura da sociedade e para os actores
colectivos.
O conflito social , de facto, algo de inerente prpria vida das
sociedadese a sua existncia aparece, de ordinrio, como sinal de
vitalidade da actividadecolectiva. Quase sempre abre mudana social.
Apenas as sociedades cadasna estagnao vem erradicadas do seu seio
as lutas sociais. Importante se torna,por isso, localizar os focos
de conflitualidade, que tendem cada vez mais aestender-se.
No h actividade colectiva sem mudana, do mesmo modo que no
existevida social sem antagonismos. De forma espontnea e natural, o
conflito tendea gerar a mudana e esta pode produzir o conflito.
Estes so os termos de umarelao quase sempre dialctica, que anima
constantemente as sociedades noseu processo de produo e de
reproduo. Os conflitos so despoletados, porm,por mecanismos
diversos.
O conflito imputvel, antes de mais, nas sociedades ocidentais,
prpriaprtica democrtica. Deriva, desde logo, da afirmao do direito
diferena,como elemento constitutivo da democraticidade. A
democracia no se identificacom a homogeneizao e o igualitarismo.
Permite e fomenta, ao contrrio, asvozes e as prticas da diferena.
Ora este direito gerador de maior ou menorconflitualidade.
O conflito pode ter origem ainda na luta pela obteno dos mesmos
objectivos.A burguesia aparece na modernidade como o principal
actor da transformaoeconmico-social, apoiada na concorrncia. Mas
esta concorrncia dominanteno sistema produtivo generaliza-se
rapidamente s demais actividades sociais.Ela manifesta-se na vida
social, nos diversos processos de apropriao de nveisde posse que
conferem prestgio e consolidam a diferenciao. A busca dadistino,
atravs dos diferentes universos simblicos, gera sentimentos e
ati-tudes de distanciamento social, com maior ou menor
visibilidade. Esta situaode potencial conflito transfere-se
igualmente para a ordem poltica. A dis-tribuio desigual do poder,
na medida em que este propicia o utros objectivos,origina, com
frequncia, estados de conflitualidade. Isso ocorre tanto a nveldo
poder poltico, entre os actores polticos, que so essencialmente os
partidos,como a nvel do poder difuso na sociedade.
3 Max Weber, Economia y Sociedade i, Mxico-Buenos Aires, Fondo
de Cultura Econmica,
1964, pp. 31-33; mile Durkheim, De Ia division du travail
social, Paris, PUF, 1967, pp. m e 357,790 e Vilfredo Pareto, Trait
de Sociologie gnrale, Genve-Paris, Droz, 1968.
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Conflitualidade e movimentos sociais
O conflito pode resultar, finalmente, de situaes mais ou menos
endmicasde frustrao. As sociedades esto longe de constiturem espaos
totalmenteintegrados. Esto constantemente em aco processos de
diferenciao quelevam ao afastamento de indivduos e de grupos. H
diferentes modalidades dedistanciamento, podendo conduzir, nas suas
expresses mais extremas, segregao e estigmatizao. Estas situaes, s
por si, no provocam aconflitualidade. Originam mesmo, de ordinrio,
a sensao de um certo conforto,de domnio de um espao prprio num
contexto que lhes mais ou menosadverso. A conflitualidade surge com
a conscincia despertada para a existnciada desigualdade ou para a
recusa do estigma. Existem graus diferenciados deconscincia de
conflito e de contradio. Nem sempre os estados de privaoe de
desintegrao geram, de facto, condutas de luta.
Para alm da conscincia de conflito ou de contradio, necessria
aidentificao da causa que a provoca. conscincia de identidade deve
asso-ciar-se a conscincia de oposio. Segundo Lewis A. Coser, o
conflito sempreuma rans-aco. Se desperta e faz crescer a identidade
dos grupos, implicaessencialmente uma aco social recproca e, por
isso, a determinao de umopositor. indispensvel a criao de atitudes
hostis ou antagnicas, quepermitam delimitar os grupos em contenda e
afirmar a sua coeso e a suaidentidade. A interdependncia prpria das
sociedades modernas, criada peladiviso do trabalho, ope-se exploso
do sistema. Os contributos que a seexprimem espontaneamente
contribuem para a sua manuteno. Nem sequer aausncia de conflitos
sinal e prova da estabilidade das relaes sociais. aconflitualidade
que promove a coeso e serve de base luta social. J.-P. Sartreprope
a noo de grupo em fuso para designar a solidariedade e a acoface a
uma ameaa. Perante um perigo exterior, produz-se uma totalidade
emfuso. A solidariedade e a aco fusionais tendem a degradar-se
quando oopositor no claramente definido. Aos grupos em fuso
contrapem-se, porisso, os grupos efmeros e de superfcie 4. O
conflito factor simultneo desolidariedade interna e de
fraccionamento em relao ao exterior. A fusocria-se por oposio. Nas
tradicionais situaes laborais, centradas na relaocapital/trabalho,
era fcil identificar o opositor. Tem sido esta imediata e
directaapreenso da fonte do conflito que confere ao movimento
sindical a sua capaci-dade de mobilizao e a sua fora. Nas demais
situaes sociais essa apreensono to evidente e, sobretudo, no assim
evidente. H frequentemente umamultiplicidade de causas e isso no
torna possvel a unanimidade em relao identificao do opositor.
Aparecem hoje, como campo propcio ao surgimentodos conflitos, as
reivindicaes, os antagonismos e as tenses. E estes sofenmenos que
surgem em todas as actividades humanas.
4 Lewis A. Coser, Les fonctions du conflit social, Paris, PUF,
1982, pp. 22, 23, 56 e 57;
J.-P. Sartre, Critique de Ia raison dialectique, Paris,
Gallimard, 1960, pp. 384, 391, 393 e 395;Julien Freund, Sociologie
du conflit, Paris, PUF, 1983, e J. Beauchard, La dynamique
conflituelle,Paris, ditions Rseaux, 1981. 797
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Antnio Teixeira Fernandes
Mesmo que se atinja alguma conscincia da conflitualidade, nestas
circuns-tncias, pela no identificao directa da relao do conflito, a
tendncia serpara uma relativa apatia. As manifestaes de
descontentamento mantm-sedentro de certos limites. Junta-se a isto
a inrcia social que promove espon-taneamente a reproduo das
situaes, num estado de menor custo de empe-nhamento. Somente quando
esto em causa objectivos essenciais da vida e secria um esprito
colectivo de luta, as pessoas abandonam o estado de apatia evencem
a inrcia social.
3. As instituies sociais desempenham, neste particular, uma funo
de-terminante. Criadas para satisfazer necessidades fundamentais da
existncia,rapidamente se transformam em vlvula de escape do sistema
constitudo.
A sua funo consiste, na realidade, em retirar do sistema aqueles
queimpedem o seu bom funcionamento e a sua manuteno. Todas as
formas depatologia social encontram habitualmente a sua conveniente
resoluo por viainstitucional 5. Quando o sistema no consegue
resolver os problemas peloprocesso de auto-regulao, entram em aco
as instituies criadas para o efeito.Assim se liberta a vida social
das perturbaes que a incomodam e se restabelecea necessria
ordem.
A forma normal de impedir o desenvolvimento da conflitualidade
socialconsiste em diminuir a visibilidade das suas causas. As
diversas diferenciaessociais tendem a assumir adequadas expresses
simblicas que lhes conferemformas de distino. Mas tambm os
agrupamentos procuram controlar amanifestao dessa diferenciao. H
simbologias que passam totalmentedespercebidas a estranhos, porque
apenas so exibidas no in-group. As ritua-lizaes especficas so, em
grande medida, desta natureza. Os sinais de distino,quando usados
no quotidiano pblico, nem sempre so tambm apreendidoscomo tais
pelos out-groups. Existem manifestaes simblicas que se apre-sentam
em ambientes pblicos, que, em princpio, so apenas acessveis aos
deidntica categoria social. Quer as simbologias, quer as
ritualizaes prpriasde cada camada social tornam-se somente visveis
na medida e no tempo emque essas camadas sociais consideram
conveniente. Situaes h em que sosuprimidas totalmente, como ocorre
normalmente em tempos de revoluo,convulso social ou de conflito
aberto. Saber como as classes sociais constreme reconstroem os seus
universos de distino e a forma como os tornam ocultosou
transparentes conhecer o modo como se relacionam, conservam a
distnciaou se aproximam. tanto mais elevado o carcter explosivo da
visibilidade dasdistines sociais quanto mais reveladoras se mostram
das distncias psicolgica,social e cultural entre os
agrupamentos.
A diminuio da visibilidade das diferenciaes sociais, geradoras
deconflitualidade, pode ser produzida tambm por aco das ideologias.
As so-
5 Michel Foucault, Surveiller et punir, Paris, Gallimard, 1984,
e Erving Goffman, Asiles, Paris,
792 Minuit, 1979.
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Conflitualidade e movimentos sociais
ciedades elaboram, atravs do seu prprio funcionamento, sistemas
legitima-dores de situaes e de modos de operar. Mas os grupos
dominantes, igualmentedetentores do poder poltico, procuram
transformar a sua ideologia em ideologiadominante da sociedade
global. Consolidam, deste modo, e perpetuam os seusnveis de posse.
A ideologia passa, desde ento, a recobrir as diversas re-presentaes
e vises do mundo existentes no interior da sociedade. Ao
torna-rem-se dominantes, distorcem, de certo modo, as representaes
espontneasprprias das diversas situaes de classe.
A ideologia opera, por isso, nas sociedades como mecanismo de
ocultao.Permite ver apenas o que serve a dominao e esconde tudo
aquilo que lhe possatirar credibilidade e legitimidade. Constitui,
assim, uma superstrutura ou umacontra-sociedade, onde os conflitos
se resolvem mediante a iluso. Ocultandoos verdadeiros interesses de
classe e a posio privilegiada dos grupos do-minantes, faz crer na
harmonia das partes, de que todos tirariam proveito, comose uma mo
invisvel, providncia secularizada, ordenasse e protegesse
osdestinos de todos.
Esta ideologia dominante, ocultadora dos conflitos e contradies
sociais,tende a ser operante nomeadamente nas sociedades fechadas.
Neste contexto,encontra ambiente propcio ao seu desenvolvimento e
sua eficcia. Nassociedades abertas entram em aco diversos factores
de desocultao, queaumentam a manifestao das situaes, tornando
necessrio o recurso a outrosfactores.
Os mecanismos que acabmos de individuar actuam sobretudo antes
daecloso dos conflitos. Trata-se de procedimentos que procuram
impedir a suadirecta expresso. Quando as situaes adquirem demasiada
visibilidade e surgemfortes antagonismos, a sociedade procede sua
institucionalizao.
A vida em sociedade obedece a normas tcitas ou expressamente
codificadasde funcionamento. No seria possvel a actividade
colectiva sem precisas regrasde jogo, quer essas regras se
apresentem sob a forma de padres de conduta,quer sob a forma de
ordenamento jurdico. Nem todas as sociedades toleramo mesmo grau de
tenso. Elas encontram meios formais e informais de
ins-titucionalizao dos conflitos. Mesmo com a existncia de um
ordenamentojurdico e de tribunais, aparecem outras modalidades de
soluo de antagonismos,dando origem a um direito informal. O costume
no oferece, porm, nem apreciso nem a segurana da norma jurdica. ao
direito que compete dizerat onde pode ir o conflito. Estas so
modalidades diversas de conteno dosactores sociais dentro de
quadros bem delimitados. Tais padres, sociais, ticosou jurdicos, so
interiorizados pelos indivduos durante o processo de socia-lizao.
As sociedades associam uma certa represso auto-represso.
Alcanadoeste objectivo, o sistema encontra em si mesmo os
procedimentos de auto--regulao.
Quando as reivindicaes no so impedidas na sua formao, nem no
seudesenvolvimento so desviadas pelos mecanismos que acabmos de
referir, osistema poltico pode fazer actuar outros processos atravs
dos quais selecciona 793
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Antnio Teixeira Fernandes
as que considera legtimas. Alarga, neste caso, as bases
necessrias ao consensoe, assim, aumenta a sua capacidade de absoro
ou de resoluo dos conflitos.Diferenciando e socializando, num
movimento que se implica de forma antit-tica, o sistema poltico pe
em aco os processos de integrao social, realou aparente.
Uma vez que esses procedimentos se revelam inoperantes, entram
em acoos mecanismos de institucionalizao. Os sindicatos so formas
instituciona-lizadas de regulao dos conflitos de trabalho, do mesmo
modo que os partidospolticos so formas institucionalizadas de
regulao dos conflitos de poder nasociedade. Os sindicatos so
redutores dos conflitos laborais; os partidos soredutores dos
conflitos polticos. Os primeiros enquadram as condutas de
trabalho;os segundos enquadram as condutas polticas. A
institucionalizao opera comofactor amortecedor da conflitualidade,
segundo modalidades diversas. Antes demais, confere alguma
legitimidade aos actores em contenda. Porque os grupossociais
procuram o que lhes traz vantagens, so conflituais, embora no
ne-cessariamente antagnicos. Tendendo a harmonizar-se, no evitam os
conflitose as contradies. Os indivduos e os grupos so
permanentemente confrontadoscom situaes deste gnero.
Ora, o reconhecimento da legitimidade dos sujeitos colectivos e
dos seusinteresses especficos retira, desde logo, grande parte da
agressividade ao conflitoou, ao menos, adia a expresso da
agressividade, nas suas modalidades maisextremadas. Quer a
intensidade, quer a violncia do conflito so atenuadas.Quando, de
facto, a sua legitimidade reconhecida, a violncia diminui e
re-duz-se a intensidade. A institucionalizao desempenha esta funo
essencialde reconhecimento dos actores e de legitimao da sua aco,
provocando, destemodo, a desmobilizao.
Mas a fora da institucionalizao vai mais alm. A sociedade
institucionalizaos conflitos para os controlar e controla-os,
estabelecendo regras de jogo da suasoluo 6. As instituies,
amortecedoras dos conflitos e reguladoras da con-flitualidade,
desempenham na vida social a funo de vlvula de segurana,levando os
actores sociais a deslocarem os seus objectivos ou a diminurem
aintensidade da aco. Mas a sociedade que sufoca toda a
agressividade, re-primindo as suas expresses legtimas, no satisfaz
necessidades ou destriaspiraes, cria antes situaes de fcil exploso
e ruptura. Nem sempre oconflito perturbador das relaes sociais.
Libertando, por vezes, tenses,mantm essas relaes. Atravs das suas
instituies, o sistema social permite,dentro de certos limites, a
manifestao de sentimentos hostis, evitando os efeitosmais
explosivos. H que ter em conta os conflitos que se dirigem obtenode
um fim e os que se destinam libertao de uma tenso. Mas h que
atendersobretudo situao social e s normas culturais. O que aqui nos
interessa
6 Ralf Dahrendorf, Las Classes Sociales y Su Conflito en Ia
Sociedad Industrial, Madrid, Ediciones
Rialp, 1962, e Sociologia deli'industria e dell'aziendat Milo,
Edizioni Jaca Book, 1967.
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Conflitualidade e movimentos sociais
o que se produz na interaco, em que esto em causa interesses
antagnicose se acumulam e se intensificam sentimentos de
hostilidade. A instituciona-lizao introduz, de facto, mecanismos de
regulao, como as formas de ne-gociao, de mediao e de arbitragem.
Quem negoceia disponibiliza-se paraceder. Esta cedncia favorece
sempre o sistema constitudo. As mudanas sofacilmente absorvidas
mediante algumas readaptaes. Envolvidos na reivin-dicao, atravs de
uma participao dependente em sede negociai, os actoresficam com a
sensao de terem alcanado os seus objectivos, enquanto o sistemase
auto-adapta para se conservar. Os ganhos daqueles so bem menores do
queo sucesso deste. De qualquer maneira, a ecloso do conflito no
deixa de provocarquase sempre uma certa deslocao do sistema. Assim,
a sociedade aumentao controle sobre si mesma e obtm o
equilbrio.
A regulao dos conflitos, cujos mecanismos o Estado social tende
a desen-volver, permite intervir na sua expresso. Reduz a violncia
e talvez a intensidade,mas no os resolve totalmente nem os suprime.
Existe uma relao entre a rigidezdo sistema e a violncia do
conflito. Aquela rigidez gera clivagens radicaispotenciadoras de
forte agressividade. A regulao confere apenas uma estruturas
manifestaes conflituais, organizando os grupos de forma a
possibilitar asua aco. Dando espao participao, a institucionalizao
uma forma deregulao. Estabelece o consenso sobre as regras que
devem presidir ao seudesenvolvimento e produz a desmobilizao. Os
conflitos institucionalizadospodem ser mais facilmente
regulados.
4. Nem todas as situaes de conflitualidade do origem a conflitos
reais,assim como nem toda a ecloso de conflitos encontra formas
institucionalizadasde sua resoluo. Em muitos casos, os conflitos
surgem em reas que esto forados quadros de institucionalizao ou
emergem em pontos intersticiais. Sempreque isso acontece, deixam de
ter um desfecho previsvel.
Os conflitos saem fora das regras normais de funcionamento das
sociedadesquando se manifestam com intensidade e alcance
inusitados. Situaes postassob controle durante muito tempo,
criadoras de frustraes e de recalcamentossucessivos, podem
desencadear uma aco colectiva que o sistema no temcapacidade de
regular. Isso ocorre nomeadamente quando, atravs das
organizaesexistentes, no possvel dar expresso aos interesses e
aspiraes emergentes.Os conflitos informais e desviantes, que antes
existiam de forma larvada, tor-nam-se ento abertos e manifestos,
podendo dar origem a violentas lutas sociais.As regras de jogo
institudas no so suficientes para conter a energia despertada.Neste
caso abrem-se outras possibilidades aco. O conflito pode ser
geradorde mudanas.
Pode acontecer ainda que os conflitos apaream em domnios sociais
novos,no havendo experincia de conteno e controle de tais
conflitos. Sendo asociedade um complexo sistema de relaes sociais e
sendo estas focos poten-ciais da emergncia de conflitos, provvel
que surjam situaes em que osantagonismos sejam de difcil
institucionalizao. H que ter em conta as reas 795
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Antnio Teixeira Fernandes
em que eles se manifestam e os agrupamentos envolvidos. Sempre
que os actoressociais em causa controlam uma prestao de servios
sociedade de particularrelevncia, grande a probabilidade de que o
conflito se agudize e se desenvolvaa energia suficiente e necessria
ao desencadear da luta social aberta.
Todos os domnios da vida social so pontilhados por relaes de
confli-tualidade. Todos eles potenciam assim a ecloso de lutas
sociais. Mas nem todosprovocam a emergncia de movimentos sociais.
sobretudo quando os conflitosatingem uma energia que no pode ser
contida pelas agncias de institucionalizaoexistentes ou ocorre em
reas no facilmente institucionalizveis que osmovimentos sociais
podem aparecer e adquirir especial importncia.
O aparecimento e o desenvolvimento dos movimentos sociais so,
por isso,antes de mais, uma funo do grau de democraticidade da
sociedade. O poderpoltico altamente concentrado e autocrtico cria
apertadas redes burocrticasque impedem, partida, os conflitos ou
logo os resolve apenas surjam. Nestessistemas, dotados de grande
rigidez, os sentimentos de hostilidade so canalizadospara
actividades em que se consubstancia a luta contra um inimigo real
oupotencial. aqui apertado o espao para a tolerncia e para a
institucionalizaodemocrtica dos conflitos. Apenas surjam, so logo
desviados, no podendo terlivre curso. Fraca a possibilidade de
adquirirem grande visibilidade face aosfortes aparelhos ideolgicos
e repressivos do sistema poltico. Se os con-flitos so autocontidos
e ocultados, tambm as relaes sociais so des-virtuadas.
Diferente a situao das sociedades livres e abertas. Nas
sociedades pluralistasos conflitos actuam como mecanismos de
equilibrao. Os sistemas sociaisabertos podem eliminar continuamente
os motivos de dissenso. A democra-tizao leva ao reconhecimento dos
direitos e estes legitimao da luta. Asrelaes sociais tendem a
estabelecer-se com certa naturalidade num espao derelativa
abertura. As microssociedades aumentam o grau de visibilidade
entresi e a comparao entre as sociedades globais mais fcil. Neste
caso, osmovimentos sociais podem surgir com maior espontaneidade e
no encontramtanta oposio por parte do aparelho de Estado.
No quer dizer que os movimentos sociais no possam aparecer em
sociedadesditatoriais. Certamente que ser ainda mais difcil que
ocorram nos regimestotalitrios, pela prpria natureza destes
regimes. Neste tipo de sociedades seropossveis desde que se reunam
duas condies: uma diminuio do controle porparte do aparelho de
Estado e uma decisiva influncia vinda do exterior.
Taiscircunstncias surgiram recentemente em vrios pases de Leste,
especialmentedesde 1989. Todas as lutas sociais em regimes
ditatoriais e totalitrios tendema ser reprimidas, mas as sociedades
desenvolvem igualmente a energia in-dispensvel para quebrar as
grilhetas que as enleam na servido e na opresso.
Os movimentos sociais por ns considerados desenvolvem-se em
sociedadeslivres e abertas, isto , em espaos de relativa
democraticidade. Os sistemas derelao social adquirem alguma
visibilidade, as diferenas tornam-se aparentes,
796 os conflitos intensificam-se e as lutas sociais tm
possibilidade de se desen-
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Conflitualidade e movimentos sociais
volverem. Esta a situao prpria das sociedades ocidentais
consideradasdemocrticas.
A mudana social no mundo contemporneo tende a operar-se, ora
atravsde reformas e, por isso, de institucionalizao dos conflitos,
ora mediante aruptura com os campos societais e culturais
existentes. Mas, se os conflitos sopromessa de mudana, nem todos a
provocam. So particularmente os Estadosgestionrios e integradores
que mais absorvem os conflitos e os movimentossociais e assim
potenciam tambm a manifestao de agudas lutas e at mesmoo
aparecimento de processos revolucionrios. So, por sua vez, os
Estadosdemocrticos que permitem que os conflitos dem origem mudana.
Estaaparece como o restabelecimento do equilbrio e tanto pode ser a
causa comoa consequncia do conflito.
5. No contexto das sociedades democrticas do mundo ocidental,
osmovimentos sociais inscrevem-se no espao das relaes entre o
Estado, maisou menos centralizado, e a sociedade civil, a que foram
retiradas certasresponsabilidades, tornando, consequentemente,
desnecessrias algumas prticassociais. Foi corrente nos anos de 1970
considerar-se como um facto adquiridoa fuso das esferas poltica e
no poltica da vida social, pondo-se em causa,em face das
transformaes operadas no sistema do poder, a utilidade dadistino
entre Estado e sociedade global. No mundo ocidental pareciam
obser-var-se processos de converso de um e outro domnio a nvel
tanto dos actorespolticos como sociais. Claus Offe aventa a hiptese
de que a expansosubstantiva, temporal e social, da aco
administrativa v-se necessariamenteacompanhada por uma
irracionalizao interna da estrutura organizativa daadministrao
estatal. Nesta situao, o sistema poltico torna-se incapaz
deconciliar as exigncias da relao capitalista dominante com as
exigncias daprpria regulao estatal. Das contradies estruturais do
capitalismo actualresultaro ento os movimentos sociais. A razo
principal parece estar emque as sociedades capitalistas, sob a
presso de crises sociais e econmicas,vem-se foradas a abandonar a
sua prpria distino fundamental de Estadoe sociedade civil 7. De
acordo com a distino proposta por D. Lockwood,existir um
distanciamento crescente entre a integrao social e a
integraosistmica, transgredindo-se com as normas prprias as
regularidades que soimpostas. Esta discrepncia entre as actuaes dos
sujeitos e o funcionamentodo sistema resulta do facto de as
sociedades capitalistas tenderem a resolvero problema da sua
reproduo por vias opostas, a da privatizao e a dasocializao,
caminhos que mutuamente se excluem. Estas estratgias parali-sam-se
uma outra. Afirma, de facto, Claus Offe que as sociedades
industriaiscapitalistas desenvolvidas carecem de todo o mecanismo
por meio do qual podem
7 Claus Offe, Contradicciones en el Estado dei Bienestar,
Madrid, Alianza Editorial, 1990,
pp. 69,71,107,113,115,121 e255,e Partidos Polticos y Nuevos
Movimentos Sociales, Madrid,Editorial Sistema, 1992, pp. 163 e 164.
797
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Antnio Teixeira Fernandes
fazer concordar as normas e os valores dos seus membros com as
condiessistmicas de funcionamento a que esto submetidas 8. Trata-se
de racionalidadesdiferentes, a racionalidade da actuao, baseada em
estratgias individuais, ea racionalidade do sistema, orientada para
a sua manuteno. Com a expressoregresso do actor, A. Touraine quer
significar tambm que se est a operarhoje uma afirmao da sociedade
civil face aos excessos do Estado. Esta questodas relaes entre o
Estado e a sociedade civil tem sido, alis, questo prpriada
modernidade.
Tem vindo a crescer a vontade de impor limites ao poder
poltico,nomeadamente em reas em que se busca maior autonomia.
Segundo Claus Offe,os novos movimentos sociais partem do facto de
que no podem resolver-se,numa perspectiva prometedora e coerente,
os conflitos e as contradies dasociedade industrial avanada por
meio do estatismo, a regulao poltica. Elespretendem, ao contrrio,
reconstituir uma sociedade civil que j no dependede uma regulao,
controle e interveno cada vez maiores. Para poder emanci-par-se do
Estado h que politizar-se a mesma sociedade civil. Tais
movimentospolitizam questes que no podem ser facilmente codificadas
com o cdigobinrio do universo de aco social que subjaz teoria
poltica liberal. Narelao privado-pblico procuram encontrar uma
terceira categoria intermdia.Necessrio ser ter presente que o campo
de aco dos novos movimentossociais um espao de poltica no
institucional cuja existncia no est pre-vista nas doutrinas nem na
prtica da democracia liberal e do Estado de bem--estar 9. Nestas
zonas intersticiais tendem a ser desencadeados movimentosfortemente
politizados de aco que, por vezes, se querem no polticos.
Aemergncia, em diversos domnios da sociedade, de novos movimentos
sociaistem, por isso, a ver com a crise do Estado-providncia, ou
Estado social, e como facto de o movimento operrio ter deixado de
ser o principal actor colectivocom expresso poltica.
Na base do conflito que normalmente desencadeia os movimentos
sociaisesto as relaes de incluso/excluso, aberto/fechado e
humanizao/desu-manizao. O facto de que para mudar o mundo necessrio
mudar as maneirasde fazer o mundo, isto , a viso do mundo e as
operaes prticas pelas quaisos grupos so produzidos e reproduzidos,
parece ser algo bem reconhecido pelaconscincia colectiva10. Nem
todos os indivduos e grupos, mesmo nas sociedadeschamadas
democrticas, gozam de idntica integrao no tecido social. Numasituao
de incluso existem relaes complementares, ainda que conflituais,e a
complementaridade conduz a ajustamentos em termos de uma certa
divisodo trabalho social. O grau de integrao possibilita nveis
diferentes de participao
8 D. Lockwood, Social integration and system integration, in G.
K. Zollschan/W. Hirsch (eds.),
Exploration in Social Change, Boston, 1964; Claus Offe, Partidos
Polticos y Nuevos MovimientosSocialesy pp. 47, 48 e 49, e A
Touraine, Le retour de 1'acteur, Paris, Fayard, 1984.
9 Claus Offe, Partidos Polticos y Nuevos Movimientos Sociales,
pp. 166, 167 e 174.
yg 10 Pierre Bourdieu, Choses dites, Paris, Minuit, 1987, p.
163.
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Conflitualidade e movimentos sociais
e de vantagens que esta confere. Quando se d a excluso, no
possvel evitara oposio mais ou menos directa. As relaes de
complementaridade sosubstitudas pelo antagonismo. Tendem a
configurar-se sob esta forma omovimento operrio, as lutas urbanas e
as eventuais aces dos que se encontramem situao de privao relativa.
A conscincia de excluso produz normalmenteum status social
desvalorizado que, uma vez partilhado por uma mesma
categoriasocial, cria as condies favorveis luta. A participao
poltica est normalmentena base de movimentos que se situam na relao
aberto/fechado. Da extensodos direitos humanos resultam aces que
reclamam uma maior humanizaoda sociedade num ecossistema
equilibrado. Estas so as grandes coordenadasque oferecem o quadro
explicativo de movimentos sociais actuais.
Os movimentos sociais resultam da aco colectiva promovida no
sentidode dar expresso a algumas aspiraes/reivindicaes. Mobilizando
concretascamadas sociais ou colectividades, procuram dar corpo e
defender interessese valores. No esto, por isso, directamente
voltados para a actividade poltica.Nisso se distinguem dos
partidos. Promovem essencialmente a integrao sociale intervm na
orientao do futuro colectivo.
Inscritos no quadro daquelas relaes, os movimentos sociais
encon-tram-se numa situao de circularidade com os direitos civis e
sociais. Aafirmao destes direitos propicia a ecloso dos movimentos
sociais e odesenvolvimento dos movimentos refora o reconhecimento
daqueles direitos.Num espao em que so asseguradas as liberdades de
palavra e de aco osmovimentos sociais associam pessoas unidas por
uma conscincia comum oupor idnticos ideais em luta por objectivos
entre elas partilhados. As polticasde integrao desenvolvidas pelo
processo de democratizao geral da sociedadetornam cada vez mais
visveis os domnios de excluso, que se revelam comoprivao de
cidadania plena. O envolvimento e o apoio das pessoas aos
movimentossociais dependem, em sua medida prpria, do grau de
conscincia dessa exclusoe da vontade de alargar os espaos de
participao. A sua fora depois umafuno da capacidade
mobilizadora.
Na anlise dos movimentos sociais importa ter em conta ainda a
forma comose entendem os actores colectivos em causa. Duas concepes
fundamentais se afir-mam. Uma liga-os conflitualidade difusa na
sociedade; a outra relaciona-oscom os conflitos sociais centrais da
sociedade, isto , de classe e de dominao.
Os movimentos sociais podem ser considerados, antes de mais,
como condutascolectivas que mobilizam recursos, humanos e
materiais, em ordem defesade interesses concretos, tendendo, por
isso, a agir sobre as estruturas de controlee sobre as estruturas
de sentido. A distino entre o conflito que est na suabase e os
outros conflitos sociais reside no facto de que o conflito que
originao movimento social pretende introduzir alteraes
organizacionais no interiorda sociedade global, tendo,
consequentemente, um carcter estrutural n . A luta
11 T. Parsons, Politics and Social Structure, Nova Iorque, Free
Press, 1969; B. S. Turner,
Citizenship and Capitalism, Londres, Allen and Unwin, 1986;
Franois Chazel, Mouvementssociaux, in Raymond Boudon, Trait de
Sociologie, Paris, PUF, 1992, pp. 263-312. 799
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Antnio Teixeira Fernandes
que se trava por uma maior participao na sociedade global no
envolve, noentanto, necessariamente relaes de classe. Os movimentos
sociais visam darsatisfao a direitos de cidadania ou introduzir
reajustamentos no sistema social,uma vez alterados ou ameaados
alguns dos seus elementos.
De acordo com a concepo defendida por A. Touraine, os
movimentossociais so, ao contrrio, definidos como aco de classe. No
entender desteautor, um movimento social est constantemente ocupado
em pr em causaa definio social dos papis, o funcionamento do jogo
poltico, a ordem social.Entende ento por movimento social uma luta
colectiva conduzida por actoresde classe para o controle social das
orientaes culturais de uma colectividade.Porque as condutas de
classe so os movimentos sociais, a sua anlise tor-na-se um elemento
central, indispensvel, do conhecimento das classes sociais.Na
esteira do mesmo A. Touraine, tambm Guy Bajoit afirma que no
podefalar-se de movimento social, de facto, a no ser se a
finalidade da aco irredutvel a uma simples soma de reivindicaes
negociveis, a no ser se elacontm qualquer coisa de no negocivel, de
utpico, a no ser se ela reenviaa um princpio de totalidade 12. Os
conflitos que esto na base dos movimentossociais correspondem desde
ento a relaes de dominao. A perspectiva deA. Touraine a de que um
conflito no importante, no mesmo um realconflito social, a no ser
na medida em que os actores visam, cada um por seulado, gerir o
campo da sua interaco 13. Em harmonia com esta abordagem,os
conflitos de classe so os conflitos fundamentais da sociedade,
aqueles querevelam as suas relaes centrais. A sociedade , de facto,
concebida como umsistema de relaes que pe frente a frente actores
em situaes de desigualdade,em termos de diferentes nveis de posse e
de poder. A relao sequencial queda resulta ser ento a seguinte:
classes sociais lutas sociais movimentossociais.
A concepo dos movimentos sociais a partir das relaes de classe
implica,no entanto, uma redefinio do prprio conceito de classe
social. Os grupos emconflito podem ser entendidos como classes
sociais desde que estas sejamdefinidas como grupos que se opem um
ao outro num conflito central pelaapropriao de uma historicidade
para a qual esto orientados e que representao enjeu do seu
conflito. esta relao que confere ao conflito em causa a
suacentralidade. H aqui uma redefinio do conceito de classe social.
Esta no definida pela sua situao e pela orientao para valores, como
na sociologia
12 A. Touraine, Production de Ia socit, Paris, Seuil, 1973, pp.
166,169 e 366, Pour Ia Sociologie,
Paris, 1974, p. 195, e Lutte tudiante, Paris, Seuil, 1978, p.
359; Guy Bajoit, Pour une Sociologierelationnelle, Paris, 1992, p.
83; Alain Touraine, Critique de Ia modernit, Paris, Fayard,
1993,pp. 243, 244, 258, 273, 277, 287, 335, 374 e 425.
13 A. Touraine, Le retour de Vacteur, pp. 109, 111, 112, 113,
122, 124, 125, 126 e 154. Por
detrs da multiplicidade e da diversidade destas lutas A.
Touraine pretende fazer aparecer umlugar central de conflito e, por
conseguinte, uma figura nova do que se pode chamar a luta de
classes. um conflito de classes porque conflito social orientado
para a direco da sociedade
800 (A- Touraine, Le pays contre Vtat, Paris, Seuil, 1981, pp.
15 e 16).
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Conflitualidade e movimentos sociais
clssica, antes entendida como actor empenhado num conflito
social. Osmovimentos sociais referem-se s classes sociais quando
estas so assim percebidascomo actores num processo conflitual. Eles
so accionados por sujeitos colectivosque combatem entre si pelo
controle da historicidade, isto , dos modeloscognitivos, econmicos
e ticos. A historicidade traduz, de facto, a capacidadede uma
sociedade construir as suas prticas a partir de modelos culturais e
atravsde conflitos e movimentos sociais 14. A orientao dos modelos
culturais aparececomo o ncleo do conflito social central.
De harmonia com esta concepo de conflito e de classe, a
sociedade analisada como o afrontamento de projectos de classes que
lutam pela direcoda historicidade. O entendimento da sociedade impe
a prpria definio declasse. Se aquela considerada, no como um
sistema, mas como campo derelaes sociais conflituais, ento dever
voltar-se o olhar, no para a situao,mas para a aco, no para as
interaces, mas para as relaes sociais e oscampos de aco social. As
classes sociais so vistas como as principaispersonagens e como os
principais actores e a noo de movimento social tor-na-se
indissocivel da de classe social. No sendo embora as classes
directamenteactores histricos, os movimentos sociais so a expresso
da aco de classe.Consequentemente, o movimento social a aco, ao
mesmo tempo culturalmenteorientada e socialmente conflitual, de uma
classe social definida pela sua posiode dominao ou de dependncia no
modo de apropriao da historicidade, dosmodelos culturais de
investimento, de conhecimento e de moralidade, para osquais ele
mesmo est orientado 15. Definidas as classes sociais, no pela
situao,mas pela relao, os movimentos sociais no aparecem como o
resultado de umadada situao, mas como conduzindo a uma situao
social nova. No estovoltados para o passado, mas para o futuro.
Os movimentos sociais, como actores de mudana,
distinguem-se,consequentemente, quer das condutas colectivas, quer
das lutas sociais.
As condutas colectivas so aces conflituais que visam controlar
as mudanas,defendendo, adaptando ou reconstruindo o sistema social
face a uma alterao,condutas que, quando estritamente polticas, se
assemelham em alguns casosa movimentos de libertao nacional. So
deste tipo as reivindicaes quetendem para a promoo de reformas,
podendo conduzir mesmo a revolues.Nas sociedades industriais as
condutas colectivas orientam-se sobretudo nosentido do controle da
mudana e da orientao do futuro, como acontecevulgarmente nas lutas
contra a instalao de centrais nucleares e de lixeiras oua favor da
criao de autarquias. Raramente apresentam um carcter defensivo,de
conservao do passado.
14 A. Touraine, Le retour de Vacteur, pp. 14, 35, 36, 66, 100,
101, 102, 112, 113, 136, 139
e 140.15
Id., ibid., pp. 127, 130, 151, 152 e 248, Lettres une tudiante,
Paris, Seuil, 1976, pp. 177,178 e 239-245, La conscience ouvrire,
Paris, Seuil, 1966, p. 313, Sociologie de Vaction, Paris,Seuil,
1965, pp. 14,40 e 119, Production de Ia socit, pp. 10,12,89 e 524,
La voa et le regard, Paris,Seuil, 1978, pp. 46, 47, 49, 81, 91 e
192-193, e La socit invisible, Paris, Seuil, 1977, p. 10. gOl
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Antnio Teixeira Fernandes
As lutas sociais so aces conflituais voltadas para a modificao
de decises.Como factores de mudana, tendem a assumir um carcter
poltico, em sentidolato. As lutas urbanas so normalmente deste
tipo, na medida em que se tratade aces limitadas que se dirigem
contra proprietrios e autoridadesadministrativas, em ordem obteno
de melhores condies de vida. Preten-de-se aceder, com elas, ao
poder de deciso, tomando em mos os problemascomuns da vida
residencial, como ocorre nas lutas urbanas, ou a melhor gestoda
terra, no caso das lutas camponesas.
Aos movimentos sociais cometido, ao contrrio, um papel central
deagente principal das transformaes histricas. Desde ento as
acesconflituais procuram transformar as relaes de dominao social
que se exercemsobre os principais recursos culturais a produo, o
conhecimento, as regrasticas 16. Enquanto as condutas colectivas
procuram responder a uma situaoentendida, com frequncia, em termos
de integrao/desintegrao, e as lutaspretendem aceder ao poder de
deciso, os movimentos sociais visam a construode um sistema social
novo, com a reorientao da sua historicidade.
Todas estas modalidades de mobilizao aparecem como fortes
catalisadoresda vida social. Mas configuram-se como fenmenos
distintos na sua expressoe no seu alcance. Nas condutas colectivas,
os conflitos tm uma expresso locale tendem a envolver todas as
camadas da populao, independentemente da suasituao de classe. Nas
lutas sociais, as mais conhecidas das quais so as lutasurbanas, o
conflito tambm local, mas desenvolvido apenas por algumascamadas da
populao, as que se encontram em estado de privao relativa.
Osmovimentos sociais, esses tendem a atravessar a sociedade global,
sem uma meradimenso local, apresentando ou no um carcter de classe.
Enquanto nascondutas colectivas e nas lutas sociais existe algo
negocivel, nos movimentossociais apela-se para qualquer coisa de
utpico e para um princpio de totalidade.
A conceptualizao dos movimentos sociais no feita, de facto,
correntementede forma unvoca. Em muitos autores aparecem
identificados, ora com ascondutas colectivas, ora com as lutas
sociais. Em A. Touraine estes fenmenosdistinguem-se claramente.
claro que neste autor os movimentos sociais envolvemtambm condutas
colectivas e lutas sociais, mas no se identificam com elasna
significao dada acima. Na concepo do movimento social de A.
Touraineexistem actores opostos em situao de dominao e de conflito.
Estes actorespossuem as mesmas orientaes culturais e lutam pelo
controle da historicidade.No se trata de qualquer fora de mudana ou
tipo de aco colectiva, mas deconflitos centrais da sociedade que
envolvem, como actores, as prprias classessociais. No movimento
social, os actores definem-se ao mesmo tempo pelassuas orientaes
culturais e pelos conflitos sociais em que esto empenhados 17.Esta
perspectiva conduz a anlise sociolgica para o estudo dos novos
conflitos
16 A. Touraine, Le retour de l'acteur> pp. 33, 34,
68,141,142,143, 144, 146 e 147, e La parole
et le sang, Paris, ditions Odile Jacob, 1988, pp. 161 e 162.802
17 A. Touraine, Le retour de Vacteur, pp. 69 e 71.
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Conflitualidade e movimentos sociais
e dos novos actores. Tal anlise propicia, por sua vez, o
conhecimento darecomposio das classes sociais no interior da
sociedade.
Trabalhar com uma concepo de movimento social que, como acontece
emA. Touraine, se reporta noo de classe poder torn-la de difcil
ope-racionalidade. Como descobrir classes por detrs dos movimentos?
A con-verso destes em instrumentos para a revelao daquelas conduz
facilmente auma reduo das modalidades da sua expresso. Entra-se na
busca de algo queacaba sempre por no aparecer, na medida em que os
movimentos sociais tendema ser conjunturais e possuem uma durao
limitada de vida. Entendemos, porisso, que ser mais operacional
inscrev-los tambm nas relaes de incluso/excluso,
autonomia/dependncia, aberto/fechado e
humanizao/desumanizao,ligando-os a conflitos e lutas pela aquisio,
defesa ou extenso da cidadaniaface a qualquer ameaa que paire sobre
o seu horizonte, desde a limitao dosdireitos humanos alterao do
ecossistema necessrio qualidade de vida.
So as modalidades de conflito que esto na base dos diferentes
tipos demovimentos sociais. Os conflitos centrais dizem respeito a
relaes de classee ocorrem a nvel estrutural da sociedade. So estes
que do origem aos movimentossociais considerados por A. Touraine.
Outros tipos de conflitos assumem umcarcter mais conjuntural e
situam-se em sectores que podero ser tidos comomais perifricos ao
sistema social. Tambm estes desenvolvem lutas e envolvemcamadas
sociais mais ou menos largas.
A relao entre classes e movimentos sociais no , pois, em nosso
entender,nem directa nem necessria. Haver que distinguir entre os
conflitos que estona base do antagonismo de classe e os que do
origem a movimentos sociais.Afirma Claus Offe que o esquema de
conflito social e poltico que se exprimecom os novos movimentos
sociais o plo oposto ao modelo de conflito declasse. Os movimentos
sociais apresentam uma complexa composio declasse. Verifica-se, de
facto, que o conflito no encenado por uma classe,mas por uma aliana
social composta por elementos que vm, em distintaspropores, de
diferentes classes e de 'no-classes'. No esto nele envolvidosos
principais actores econmicos, mas uma aliana que engloba
virtualmentequalquer elemento menos estas classes principais. O
tipo de antagonismo queest subjacente aos movimentos sociais difere
notavelmente de uma situaode conflito de classe bipolar que envolve
dois actores colectivos muitocompactos definidos pelos dois lados
do mercado de trabalho. As reivindicaesem causa tm tanto um carcter
universalista como particularista. Os actoresdos novos movimentos
sociais provm de segmentos importantes da nova classemdia, da velha
classe mdia e de grupos perifricos e desmercantilizados,com um alto
nvel de formao e uma relativa segurana econmica. Esteselementos da
base social que oferecem apoio ao novo paradigma poltico noesto
desenraizados social e economicamente, como os pobres ou
discriminados,nem se encontram margem da poltica cannica e
ortodoxa. Tambm noadvogam esquemas pr-modernos, pr-cientficos, de
organizao social, masa realizao de valores plenamente modernos. No
possuem uma viso romntica 803
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Antnio Teixeira Fernandes
e nostlgica do passado. Porque dotados de uma cultura elevada,
no podemconsiderar-se como irracionais. Os novos movimentos sociais
fazem a crticamoderna da modernizao, embora a sua aco se configure
sob uma formano convencional e informal. Ao contrrio do que
acontece tradicional lutade classes, a estratgia da nova classe
mdia tipicamente uma poltica declasse, porm no em nome ou a favor
de uma classe 18. Os seus temas eexigncias no so resolveis a curto
prazo. Enquanto a nova classe mdia atrada por ideias e valores
universalistas, a velha classe mdia e os gruposperifricos e
desmercantilizados tendem a lutar por valores particularistas.Estes
elementos de base social que so tpicos dos novos movimentos
sociaise que apoiam o novo paradigma poltico esto, alm disso, em
crescimento nasmodernas sociedades ps-industriais.
Convm ter presente, alm disso, que o conceito de classe, como
foi utilizadono sculo passado, baseado na clivagem
capital-trabalho, perdeu parte da suaoperacionalidade. Com a
transformao e diversificao do sistema produtivo,o trabalho no
possui o mesmo carcter homogneo e os trabalhadores tm vindoa deixar
progressivamente de estar associados produo material, alargan-do-se
o campo dos salariados. Com as crescentes autonomizaes da
resultantes,tendem a relativizar-se as modalidades de conscincia
colectiva. Ora, a mu-dana ocorrida na classe operria, s por si, se
outras razes no houvesse,levaria a uma recomposio do sistema de
classes na sociedade global. Masmudanas de alcance mais vasto esto
a afectar esta mesma sociedade no seutodo.
As sociedades actuais atravessam uma situao de crise e as crises
pemem perigo a identidade de um sistema, quebrando a lealdade de
massas, aomesmo tempo que se evapora a reserva de simbolismo
integrador. Estas crisesresultam das contradies estruturais que
afectam hoje em dia o capitalismo eque se revelam nos domnios
econmico, poltico e ideolgico. em relaoa esta situao que Claus Offe
fala de movimentos sociais no classistas. Nasua origem esto fortes
conflitos sociais, conflitos que no so menos gravesdo que os
representados sob a modalidade classista, mas diferem deles no
factode que o novo modelo se compe de uma pluralidade de grupos e
categoriasrelativamente pequenos que se deslocam rapidamente em
volume, influncia ecoerncia interna sem eixo dominante de conflito.
Contrariamente a A. Touraine,Claus Offe duvida de que seja
necessrio conceber os movimentos sociais comoentidades organizativa
e ideologicamente integradas e unificadas 1 9 . 0 opositorno
aparece claramente configurado numa situao de crise generalizada e
delarvada conflitualidade.
18 Claus Offe, Partidos Polticos y Nuevos Movimentos Sociales,
pp. 85, 194, 195, 196, 197,
198, 201, 202, 227 e 228; T. Bottomore, Sociology and Socialism,
Brghton, Wheatsheaf Brooks,1984; E. M. Wood, The Retreatfrom Class,
Londres, Verso, 1986, e Snia Laranjeira (org.), Classese Movimentos
Sociais na Amrica Latina, So Paulo, Hucitec, 1990.
19 Claus Offe, Contradicciones en el Estado dei Bienestar, pp.
43, 47, 69, 70, 73, 113, 183,
804 200 e 297.
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Conflitualidade e movimentos sociais
O conflito no pode, alis, confundir-se com a crise. Esta traduz
um processode rompimento com uma dada situao, com a perturbao do
equilbrio normalda sociedade, enquanto o conflito se exprime no
afrontamento de vontades ede poderios, procurando uns negar os
outros.
E o tipo de identidade que, de certo modo, configura quer o
conflito de classe,quer o de movimento social. O primeiro pode dar
origem a movimentos sociais,mas nem todos estes radicam em conflito
de classe. Tudo depende da formacomo os participantes se
auto-identificam e se definem. A associao entre aspessoas e a aco
que promovem podem fundar-se ou na lealdade de classe,ou em outras
ligaes, como as relaes tnicas, sexuais, religiosas ou deprivao.
Somente em situaes muito especficas as classes sociais se
transformamem actores colectivos.
6. Situar os movimentos sociais num campo de relaes conflituais
referi-dos tambm a uma srie de antinomias, uma das quais a da
dependncia--passividade/autonomia-participao. Entre os termos desta
antinomia podeexistir uma circularidade. A defesa da autonomia
feita para se promover aparticipao, assim como esta se reivindica
para se obter a autonomia, e queruma, quer outra, significam uma
recusa da dependncia e da passividade. claroque este tipo de aco
colectiva apresenta sempre um carcter de classe. Mesmoque viesse
algum dia a conseguir-se um grau elevado de participao social,no se
destruiria necessariamente a base de diferenciao em classes. O quea
participao social parece obter , nuns casos, a atenuao do
ressentimentoe da frustrao, atravs da diminuio do sentimento de
excluso e da visibilidadedessa excluso e, noutros, o reconhecimento
de direitos e de identidades. Adesigualdade de classe, na estrutura
social, no provoca, por si s, movimentossociais, nem estes tm
sempre origem naquela diferenciao. necessrio que desigualdade
esteja associada a privao relativa e esta aparea rodeada
deressentimento e de frustrao ou que o no reconhecimento de
direitos e deidentidades se sinta como excluso no suportvel nem
consentida. Ainda quese d uma aproximao dos nveis de posse e a
generalizao da participaona sociedade ocidental, no se poder
afirmar que se tenham destrudo ouvenham a destruir-se os conflitos
de classe. Mas a estrutura social potnciatambm outros antagonismos
que podero ocasionar especficos movimentossociais.
6.1. Os sindicatos, principais actores dos movimentos sociais na
sociedadeindustrial, associam directamente o conflito de classe e a
luta pela participaoe pela maioi integrao. A prevalncia quase
sempre desta segunda valnciafaz com que a luta se oriente para a
defesa de interesses imediatos. Quanto maisintegrada a sociedade e
maior a participao nos diversos nveis de posse,mais tambm os
sindicatos se confinam actividade laborai e menor a suatendncia
para desenvolverem uma aco poltica. Nem sempre existe, porm,uma
perfeita consonncia entre os diferentes nveis de integrao. Poder
haver 805
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Antnio Teixeira Fernandes
integrao econmica sem que da resulte uma verdadeira participao
sociale cultural. Jacques Julliard sustenta que existe na classe
operria francesaintegrao poltica e excluso social. A este
antagonismo entre os dois tiposde integrao responde o operariado
com o anarco-sindicalismo, ou sindicalismorevolucionrio, que a
expresso de uma contradio permanente 20. EmboraA. Touraine reconhea
que a subordinao da aco social aco poltica tenhasido uma
caracterstica do movimento operrio, as lutas por este
desencadeadasno revelam, uma e outra, idntico sentido. Quando se
travam nos domniossocial e cultural, tendem a ser defensivas,
enquanto adquirem um carcterofensivo quando se tornam econmicas ou
polticas. A emergncia do conflitode classe manifesta-se com a
separao entre as categorias sociais e com oaumento da visibilidade
dessa separao. Poder, no entanto, aderir-se a umsindicato pelas
maiores possibilidades de luta que oferece e pela energia
ecapacidade de mobilizao que revela, independentemente dos campos
ideolgico--polticos em que organizao e aderentes se situam. A
associao sindicalpossui, neste caso, uma funo acentuadamente
instrumental.
O mundo ocidental vem assistindo a uma crescente fragmentao
doproletariado, contempornea da difuso do processo de trabalho e da
fluidezdos salrios, factos que lhe roubam energia como fora social.
Tendem adefender-se, nesta situao, as posies adquiridas, em
detrimento da unidadede classe, com perda para a sua identidade. A
individuao resultante daflexibilizao dos salrios tem como resultado
a diminuio da sua importnciaem sede de negociao colectiva. O
operariado-massa criado pelas relaescapitalistas de produo, com
total homogeneizao de status, hoje cada vezmais substitudo pela sua
crescente heterogeneizao, desfazendo-se amassificao conhecida no
passado, adequando-se assim a fora do trabalho snovas exigncias do
sistema produtivo.
Estas transformaes levantam ao movimento operrio, que deseja
mantera sua antiga energia, alguns desafios que pem em causa a sua
tradicionalestrutura vertical. Adaptando-se desmassificao do
proletariado, as suasorganizaes tm necessidade de assumir a defesa
de todas as condies deexistncia, no trabalho e fora dele, buscando
uma outra base para a sua identidadesocial. Se anteriormente o
movimento operrio se identifica com a libertaodos trabalhadores das
relaes de explorao, hoje no poder confinar-se a essaesfera. Ter de
abrir-se a outras dimenses da vida social e cultural. A
acentuadafeminizao de vrias actividades refora tal tendncia. Os
valores estruturantesda mentalidade operria enfraqueceram-se e
diluram-se e esta fragmentaoafecta tanto a sua representatividade
como a sua legitimidade enquanto eficcia(na negociao colectiva e na
greve). A conflitualidade no interior das empresasno desapareceu.
Poder mesmo ter-se agravado. Mas, em razo dos factores
20 Jacques Julliard, Intgration politique et non-intgration
sociale de Ia classe ouvrire franaise,
inMouvements sociaux d'aujourd'hui y Paris, ditions Ouvrires,
1982, pp. 167 e 168, e A. Touraine,
806 Mouvements sociaux daujourd hui, p. 187.
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Conflitualidade e movimentos sociais
apontados, perdeu a capacidade de alimentar a fora e o dinamismo
da acosindical. A crise parece ser estrutural, atingindo o sentido
da identidade einserindo-se na mudana social global.
A classe operria perdeu, de facto, nos ltimos tempos a unidade
que pareciater no passado. Claus Offe pensa que errneo sociolgica
e, por isso,politicamente conceber o proletariado como uma fora
unitria e homognea.Em face das mudanas ocorridas, o problema
crucial para o movimento ope-rrio consiste em como converter-se em
algo mais do que um movimento oper-rio 21. Apesar disso, o
movimento social que constitui o prottipo dos novosmovimentos
sociais continua a ser ainda o sindicalismo. Nascido no contextoda
sociedade industrial, poca em que eram profundamente antagnicas
asrelaes entre a burguesia e o proletariado, este movimento
inscreve-seessencialmente no quadro laborai. a situao de alienao e
de exploraoque, na sua origem, o desencadeia. Sendo ento proibido
pelo ordenamentojurdico das sociedades ocidentais, a luta
orienta-se no sentido quer da defesadas condies de vida e de
remunerao dos trabalhadores, quer do seureconhecimento legal. Com a
adeso quase macia do operariado, tem umaimportncia capital na
promoo dos direitos de cidadania para largas camadasda populao e na
luta pela integrao na sociedade global.
Com a diferenciao criada no interior da classe operria, mesmo
assimcontinua a ser, na sociedade actual, o principal movimento
social. No obstantea heterogeneizao do status do proletariado e a
sua crescente apatia, ligadas especializao e subida dos nveis de
posse, o sindicalismo mantm umaenergia considervel no mundo
ocidental. Consciente da sua importncia, oEstado procura
institucionaliz-lo depois de, no passado, o haver
reconhecidolegalmente. o nico movimento social que aparece como
parceiro social e integrado, como tal, nos conselhos de concertao
social. Os governos actuaisprocuram, deste modo, diminuir a
intensidade da sua fora e o alcance da suaaco. Conseguem-no,
sobretudo, quando sabem explorar tanto a participaodependente como
a diviso entre as eventuais centrais sindicais.
6.2. No entender de A. Touraine, o movimento operrio um actor
centralda sociedade industrial, porque o conflito dos industriais e
dos operrios est,assim, no centro da sociedade industrial 22. Tambm
prprias das sociedadesindustriais so indubitavelmente as lutas
urbanas. Aps o 25 de Abril de 1974surgiram em Portugal algumas
mobilizaes de carcter reivindicativo em meios
21 Claus Offe, Contradicciones en el Estado dei Bienestar, pp.
277, 286 e 288; A. Touraine,
Le mouvement ouvrier, Paris, Fayard, 1984; Antnio Teixeira
Fernandes, Formas e Mecanismosde Excluso Social; Jean-Pierre
Terrail, Destins ouvriers. Lafin d'une classe?, Paris, PUF,
1990;Snia Dayan-Herzbrun, UInvention du parti ouvrier. Aux origines
de Ia social-dmocratie(1848-1864), Paris, L'Harmattan, 1990; Michel
Noblecourt, Les syndicats en question, Paris, ditionsOuvrires,
1990, e Marino Regini (ed.), The Future of Labour Movements,
Londres, Sage Studiesin International Sociology, 1992.
22 A. Touraine, Le retour de Vacteur, pp. 33 e 37. om
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Antnio Teixeira Fernandes
urbanos. As populaes de bairros degradados ou de zonas privadas
de serviossociais de apoio promoveram, em muitos casos, uma luta em
prol da satisfaode necessidades fundamentais. Estas comunidades de
base territorial constitu-ram-se sob a forma de associaes de
moradores, aps terem assumido, deincio, caractersticas de movimento
social. Tais associaes orientaram, namaioria dos casos, a sua aco
para a construo de novas habitaes. Situaeshouve tambm, em meios
rurais, em que se voltaram para a criao de infra--estruturas
consideradas essenciais, como a construo de redes virias e
deescolas, e a distribuio de gua e electricidade. Estes objectivos
aproximaramas pessoas e envolveram-nas em actividades comuns.
Trata-se, nomeadamente,das aces das associaes de moradores, de
verdadeiras lutas sociais, com umelevado grau de mobilizao,
associadas directamente ao perodo revolucionrioe efervescncia
social ento vivida. medida que a democracia se
foiinstitucionalizando e consolidando, tenderam a desaparecer ou a
reorientar asua actividade, transformando-se em meras
associaes.
Estas reivindicaes urbanas tinham como objectivo, concreto e
limitado,a resoluo de alguns problemas situacionais relacionados
com a melhoria dascondies de vida. Manuel Castells considera tais
fenmenos como lutas sociais,em resultado da articulao de dois
processos sociais, as reivindicaes urbanase a represso poltica.
nesta perspectiva que so tambm entendidas comoagentes de
transformao social, produzindo valores e formas de
organizao.Sublinha-se particularmente a ligao entre luta urbana e
luta poltica 23. Aocontrrio dos movimentos sociais, no percorrem
transversalmente a sociedade.As suas reivindicaes centram-se sobre
uma categoria estrita de conflitos e asua aco dirige-se contra
proprietrios e contra o poder autrquico. A mobilizao directamente
proporcional presso da necessidade sentida. A. Touraineafirma que
os movimentos urbanos so de tipo pr-industrial e no
interclassistas,enquanto movimento de petites gens contra os
comerciantes do solo, osespeculadores 24. Embora Claus Offe se
refira a estas lutas em termos demovimentos de vizinhos, no cabem,
por isso, em sentido prprio, na categoriados movimentos sociais ou,
ao menos, nada tm a ver com os novos movimentossociais. Se assumem
frequentemente um carcter poltico, isso vem-lhes daautonomia que
reclamam. As reivindicaes urbanas tm uma funo reguladoradas relaes
entre as colectividades e o poder poltico, local ou central, e
sopromovidas a favor da autonomia, apresentando sinais de contestao
e de
2 3 Manuel Castells, Mouvements sociaux urbains et changement
politique, in Mouvements
sociaux d'aujourd'huiy pp. 201, 202, 206 e 207, La question
urbaine, Paris, Maspero, 1981, p. 441,e Lutas Urbanas e Poder
Poltico, Porto, Afrontamento, 1976; Manuel Castells, E. Cherki, F.
Godarde D. Mehl, Crise du logement et mouvements sociaux urbains,
Paris, Mouton, 1978; Victor MatiasFerreira, Movimentos Sociais
Urbanos e Interveno Poltica, Porto, Afrontamento, 1975, e
JacquesRetel, Les revendications urbaines et les lieux de
rinnovation sociale, in Vie quotidienne en milieuurbain, Paris,
Centre de Recherche d'Urbanisme, 1980, pp. 345-355.
24 A. Touraine, Mouvements sociaux d'aujourd'huiy p. 22, e Claus
Offe, Partidos Polticos y
808 Nuevos Movimientos Sociales, pp. 224, 225 e 226.
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Conflitualidade e movimentos sociais
politizao, com caractersticas de movimento tendencialmente de
classe ope-rria.
As associaes ligadas reforma agrria tiveram tambm, logo aps o
25de Abril, o carcter de lutas sociais comandadas por via poltica e
ideolgica.Dirigem-se contra a propriedade fundiria concentrada e
revelam caractersticasde antagonismo de classe, ora de forma
espontnea, ora de forma induzida. Aideologizao parece ter-se aqui
sobreposto real conscincia de conflito eactuado como factor de
forte mobilizao. Ela , de facto, assumida em sedepartidria.
7. Vem-se ultimamente assistindo ao aparecimento de novos
conflitos emoutros tipos de relaes, num campo cultural em constante
mudana. nesteespao que se multiplicam e se generalizam os conflitos
sociais. O processode democratizao nas sociedades ocidentais parece
estar na base do refluxodas lutas sociais, em resultado do retorno
do actor ou, por outras palavras,do retorno do sujeito. Estas lutas
so, de ordinrio, mais defensivas do queofensivas. No entender de A.
Touraine, no exigimos mais dirigir o curso dascoisas, mas
reclamamos simplesmente a nossa liberdade, o direito de sermosns
mesmos, sem sermos esmagados pelos aparelhos de poder, de violncia
ede propaganda. Por isso, de todos os lados surgem movimentos
colectivosque recusam ao Estado toda a interveno na vida social.
Daquele refluxodas lutas sociais deriva o refluxo dos movimentos
sociais. Neste particular,a anlise de A. Touraine concorda com a de
Claus Offe, que igualmente sustentaque o carcter moderno dos novos
movimentos sociais se manifesta no factode assumirem como convico
evidente que o curso da histria e da sociedade contingente, isto ,
que pode ser criado e mudado pelas pessoas. Esta sera razo por que
a sua mobilizao se dirige contra medidas e insti-tuies iniciadas ou
sustentadas estatalmente 25. Por toda a parte e a partirde diversos
fenmenos e actividades surgem hoje os novos movimentossociais.
Estes movimentos no so novos porque ocorrem hoje em dia, mas
porquese apresentam sob uma outra configurao. Estes movimentos so
consideradosnovos porque no se geram no domnio da economia, como
acontecia no passadocom o sindicalismo. Tem ocorrido um
enfraquecimento das antigas lutas sociaise das ideologias
correspondentes 26. Os novos movimentos sociais pem emcausa a
sociedade e a cultura. Houve uma mudana do campo conflitual e
25 A. Touraine, Le retour de Vacteur, pp. 15, 38,43, 51, 54, 67,
82, 83, 84, 93, 226, 241, 251,
271 e 290; Claus Offe, Partidos Polticos y Nuevos Movimientos
Sociales, p. 219, Contradiccionesen el Estado dei Bienestar, p.
253, e Christian de Montlibert, Crise conomique et conflits
sociaux.Paris, L'Harmattan, 1989.
2 6 A. Touraine, Le retour de Vactewr, pp. 62, 291 e 337; Alan
Scott, Ideology and the New
Social MovementSy Londres, Unwin Hyman, 1990, e Russel Dalton e
M. Kuechler (orgs.), Challengingthe Political Order: New Social and
Political Movements in Western Democracies, Oxford, PolityPress,
1990.
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Antnio Teixeira Fernandes
paralelamente deu-se uma pulverizao dos movimentos sociais,
emcorrespondncia com a pulverizao dos prprios conflitos no interior
dasociedade.
Entrou, antes de mais, em crise a tradicional concepo da
sociedade. JulienFreund afirma que a novidade dos tempos modernos
consiste em que se rejeitaa prpria ideia de sociedade 27. Uma dupla
razo concorre para tal recusa. Hquem rejeite tal noo por motivos
estritamente epistemolgicos. SegundoA. Touraine, a sociedade uma
palavra vazia para o socilogo, como a vidapode ser uma palavra
vazia para o bilogo 28. No parece ser mais da ideiade sociedade que
deriva a unidade da vida social. A sociedade tende a no sermais
concebida como um sistema social coerente e harmonioso, mas como
umsistema de relaes sociais conflituais.
Para alm da necessidade de decomposio do prprio conceito de
sociedade,para se obter a indispensvel operacionalidade na anlise
dos fenmenos sociais,aquela rejeio parece ser ainda imposta pela
configurao que a vida socialvem assumindo. Para Julien Freund, a
situao conflitual invadiu todas asactividades, sem alguma excepo,
donde onde resulta uma lenta erosoconflitual de toda a sociedade,
dando origem a uma espcie de guerra civillarvada. Pensar ento a
sociedade como sistema, na perspectiva de A. Touraine,seria aceitar
sem discusso a dominao dos aparelhos e dos Estados. H queconceb-la,
ao contrrio, como rede de aces conflituais. Entende-se, porisso,
que, para ele, o estudo dos movimentos sociais muito mais do que
umcaptulo da sociologia, uma outra maneira de fazer sociologia, de
falar da vidasocial 29. A sociedade aqui considerada como um
conjunto de camposrelacionais, ora em estado de relativo consenso,
ora em tenso conflitual. Osactores sociais definem as suas
estratgias no interior desses campos, e asestratgias de uns
condicionam as estratgias de outros. Tais campos relacionaisesto
sujeitos a foras de atraco e de repulsa que se ajustam na
harmoniaconflitual de um todo que se chama sociedade. Nesta relao
de atraco erepulsa opera-se aquilo que Suzie Guth designa por
morfognese dos grupos.Estes nascem e desenvolvem-se, como mostrmos
acima, numarelao antinmicade busca de semelhana e de oposio.
De acordo com um tal entendimento da sociedade se configuram os
conflitosque esto na origem dos novos movimentos sociais. Geram-se
novas lutas, ondeaparecem novos direitos, onde se afirmam novos
interesses, onde surgem novosprojectos.
27 Julien Freund, Sociologie du conflito p. 9.
28 A. Tourainne, Pour Ia Sociologie, p. 30, e Le retour de
Vacteur, pp. 22, 96, 97, 107, 108
e 116.2 9
Julien Freund, Sociologie du conflit, pp. 8, 9 e 11; A.
Touraine, Mouvements sociauxd'aujourdhui, p. 250, e Le retour de
Yacteur, pp. 139 e 248, e Suzie Guth, Le conflit et Iamorphogense
des groupes, in Georg Simmel, La Sociologie et Vexprience du monde
moderne,
810 Paris, Mridiens Klincksieck, 1986, p. 207.
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Conflitualidade e movimentos sociais
Os conflitos tm-se transferido progressivamente para o campo da
cultura,porque domnio prprio das identidades e do direito diferena.
Est a ocorrer,de facto, nas sociedades ocidentais uma mudana
profunda derivada do processode ps-industrializao em curso, dando
origem a outros sistemas de valoresestruturantes das conscincias e
das identidades dos indivduos e dos grupos.A era dos movimentos
laborais parece ter chegado ao seu fim. Os movimentossociais
actuais, criados sobretudo a partir da dcada de 60, so novos, antes
demais, porque abandonaram os processos operrios na sua luta pela
mudana dasociedade. Traduzem a passagem da sociedade industrial
sociedade ps--industrial e a passagem das lutas laborais s lutas
sociais e culturais. Deixaram,por outro lado, de ser movimentos de
uma classe para se tornarem movimentosde classes. Sendo isso
verdade, os novos movimentos sociais so essencialmentelutas pela
afirmao da identidade ou da qualidade de vida. A transferncia
dofoco conflitual da esfera laborai para a rea da cultura, da gesto
da sociedadepara a sua produo, do controle do presente para a
orientao da sua acohistrica, lugares onde se constituem os
principais ncleos de antagonismo,origina ou potncia, na verdade,
novas modalidades de movimentos sociais. Estaconflitualidade tende
a despoletar-se e a desenvolver-se com a descontinuidadedos tempos
e dos ritmos de mudana nas diversas instituies sociais. A mudana
hoje mais acelerada nas instituies produtoras de conhecimento e
detentorasdo poder poltico. Nas zonas intersticiais criadas pela
desigualdade de tempose de ritmos de mudana abrem-se normalmente
crises que exigem, emconsequncia, contnuos reajustamentos.
Assiste-se, de facto, actualmente aoruir.de algumas estruturas e ao
esboar de novos sistemas com diferentes regrasde jogo, e todo este
movimento pe em aco um processo de desestruturaoe de reestruturao
da sociedade.
A luz destas mudanas ter-se-o de conceber os movimentos sociais,
perspec-tiva em que so analisados por Claus Offe. No entender deste
autor, uma impor-tante mudana consiste no aparecimento de
movimentos no activados por inte-resses e exigncias relacionados
com status nem por orientaes ideolgicas,mas por valores
morais,polticos e culturais. Estes movimentos definiram
novosconceitos de autonomia e identidade colectiva que no tm
correspondncia nemcom as categorias do mercado nem com as do
conflito poltico institucionalizado.Os novos movimentos sociais, de
facto, no baseiam os seus projectos e reivin-dicaes numa posio
colectiva contratual com respeito a bens ou a mercadosde trabalho,
como foi o caso, por exemplo, dos tradicionais partidos e
movimentosde classe. O denominador comum da sua aco e organizao ,
em vez disso,um certo sentido de identidade colectiva. Procura-se
neles conceptualizar umns unificante como ponto de cristalizao de
identidade colectiva e de cons-cincia poltica. A busca da autonomia
e da identidade ento a sua principalcaracterstica. A representao
poltica considerada no s desnecessria, comoainda perigosa, j que
existe a suspeita de que o Estado trata de desmobilizar
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Antnio Teixeira Fernandes
e de desorganizar o movimento30. Os novos movimentos sociais
actuam, assim,no quadro de uma outra orientao poltica e inspiram-se
em valores que noso directamente materialistas.
Contraposto ao velho paradigma poltico, J. Raschke considera,
comefeito, a emergncia, na actualidade, de um novo paradigma
poltico,denominado paradigma do modo de vida. O velho paradigma
poltico centra-va-se em critrios de crescimento e distribuio dos
rendimentos e de segurana.Neste contexto, os movimentos sociais
orientam-se essencialmente para aproteco econmica. Ora, os novos
movimentos sociais actuam no quadro deum novo paradigma poltico e
inspiram-se no que R. Inglehart chama valoresps-materialistas. So,
de facto, constitutivos do novo paradigma outroscontedos, como a
manuteno da paz e a defesa do meio-ambiente, outrosvalores, como a
autonomia e a identidade, e um diferente modo de actuao,informal,
igualitrio e espontneo. Os novos movimentos sociais aparecem,
noentender de Claus Offe, como protagonistas potenciais de um novo
paradigmae afirmam-se enquanto crtica moderna da modernizao em
marcha. Neles,a exigncia de autonomia no se centra em liberdades
econmicas, mas naproteco e preservao de valores, identidades e
formas de vida frente imposio poltica e burocrtica de um certo tipo
de ordem racional. De facto,todos os problemas de reforma e de
orientao polticas que tocam a esferado estilo de vida, isto , a
forma de consumo, o enfoque educativo, as situaesde discriminao, os
conflitos entre sexos, as actividades associativas, amanuteno de
tradies culturais, etc, encontram-se, por definio, fora doalcance
dos recursos jurdicos, dos estmulos materiais e das verdades
cien-tficas de que dispe a poltica como meios de coordenao de
actividades.Trata-se normalmente de movimentos que recorrem a meios
no institucionaisde aco e que recrutam os seus actores em meios
sociais diversos. Pem emprtica formas no convencionais de
participao poltica e reivindicam umaesfera de aco no interior da
sociedade civil como espao prprio, fora dosistema poltico. Para que
se tornem polticos preciso, como exigncia mnima,que sejam
reconhecidos como legtimos os seus meios de aco e que os
objectivosda aco sejam assumidos pela comunidade global. O seu
carcter universalistapossibilita uma intercambiabilidade sistmica
dos cenrios de conflito, fazendocom que, em certas circunstncias,
os actores de um movimento apoiem osobjectivos de um outro, no
obstante a sua orientao prpria de movimento smonotemticos 31. Aqui
reside o seu potencial de emancipao. A diferena,
30 Claus Offe, Contradicciones en el Estado dei Bienestar, p.
253, e Partidos Polticos y Nuevos
Movimientos Sociales, pp. 67, 68 e 101. Segundo Gilles
Lipovetsky, Maio de 1968 aparece comoum movimento moderno pelo seu
imaginrio da revoluo, ps-moderno pelo seu imaginrio dodesejo e da
comunicao, modelo provvel das violncias sociais do futuro (Gilles
Lipovetsky,Vre du vide, Paris, Gallimard, 1983, p. 246).
31 J. Raschke, Politik uns wertwandel in den westlichen
demokratien, in Politik und Zeit-
geschichte, 36,1980, pp. 23-45; R. Inglehart, The Silent
Revolution, Princeton, Princeton UniversityPress, 1977'; Claus
Offe, Partidos Polticos y Nuevos Movimientos Sociales ,pp.
173,175,177,178,179, 180, 181, 186, 188, 189, 197, 198, 202, 203,
205, 207, 209, 227, 228, 234 e 265; SeymourMartin Lipset, Consenso
e Conflito, Lisboa, Gradiva, 1992, pp. 368-371 e 404-491, e
Jiirgen
812 Habermas, Thorie de Vagir communicationnel, Paris, Fayard,
1987.
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Conflitualidade e movimentos sociais
neste aspecto, em relao a A. Touraine consiste no facto de que,
para este autor,os novos movimentos sociais tendem a perseguir
sempre valores universalistasem funo do seu carcter superfuncional
de classe, enquanto para Claus Offe,os seus valores tanto podem ser
universalistas como particularistas, dada a suanatureza
interclassista.
Os movimentos sociais inspiram-se, assim, mais em valores e em
grandescausas do que em interesses e em ideologias, e os seus
actores colectivos soos protagonistas de um novo paradigma poltico,
enquanto constelao deactores, assuntos, valores e modos de aco
colectivos. No se geram, por isso,no domnio da economia, nem as
suas buscas so directamente econmicas. a qualidade das condies
naturais e sociais da existncia que est na sua origem.Por outro
lado, no adoptam normalmente os mesmos procedimentos do
passado.Tendem a ser espontneos e desorganizados na aco. A razo
fundamentalestar, na ptica de Claus Offe, no facto de no ocuparem
uma posio marginalno interior da estrutura social. No so as camadas
perifricas ou subprivilegiadasque lhes do apoio, mas os grupos que
jogam um papel central na direcoe gesto da sociedade ps-industrial
32. Envolvem e empenham pessoas comgrandes capacidades cognitivas e
elevada educao das novas classes mdias.
Estes movimentos sociais prprios da sociedade ps-industrial no
conservama nostalgia do passado nem tendem a idealizar as suas
formas de vida. No tma ver, por isso, nem com a cultura pr-moderna,
nem sequer com uma culturaps-moderna. Os seus valores fazem parte
do reportrio da cultura modernadominante, dentro da qual ocupam uma
parcela. No se trata propriamente defenmenos de desvio, embora
exista sempre alguma dissonncia entre os actoresque a professam e
proclamam e o seu comportamento prtico. menos nosseus valores que
se encontra a novidade. No que se refere, na verdade, aos
seusvalores e normas, no so nem pr-modernos, assumindo resduos de
umpassado romantizado pr-racional, nem ps-modernos, enfatizando
valoresainda no assumidos pela sociedade global 33. Neste aspecto,
a tese de ClausOffe contraria a de A. Giddens, que os associa
corrente ps-moderna. Osactores dos novos movimentos sociais
inserem-se bem na sociedade em quevivem e actuam e os seus valores
so partilhados por todos. No esto, alis,em jogo os prprios valores,
mas a forma como se realizam, e sobretudo aconscincia de possveis
incompatibilidades no interior desse mesmo universode valores. A
radicalizao, e no a recusa global, que actua como motor
demobilizao.
No so, consequentemente, defensivos, porque nada deste protesto
aderea um passado romantizado. Se so ofensivos, porque a aco mais
a
32 Claus Offe, Contradicciones en el Estado dei Bienestar, pp.
163, 167, 294 e 295.
33 Claus Offe, Partidos Polticos y Nuevos Movimientos Sociales,
pp. 212, 213, 214 e 218;
Anthony Giddens, The Consequences ofModernity, Cambridge, Polity
Press, 1992, pp. 151-173;P. Ingrao, Tradizione e Progetto, Bari, De
Donato, 1982; R. Bahro, Cambio de Sentido, Madrid,Ed. Hoac, 1986, e
M. Melucci, UInvenzione dei presente, Bolonha, II Mulino, 1992.
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Antnio Teixeira Fernandes
resposta a um futuro visto como ameaador ou potencialmente
ameaador,embora, em contraste com os velhos movimentos sociais, no
pretendam sabercomo ser o futuro 34. No s houve uma mudana nas reas
de conflitualidade,como ainda se deu uma alterao nos objectivos a
atingir e nos procedimentosde aco.
Para distinguir, por isso, os novos dos velhos movimentos
sociais h queconsiderar um conjunto de elementos, como os actores
que entram em aco,os objectivos e seus contedos e as estratgias
utilizadas. O novo tem semprealgo de velho, e vice-versa, se se
atende unicamente a elementos isolados.Apenas se apercebe o carcter
de novo se se tem em conta a totalidade doscritrios.
Na explicao do aparecimento dos novos movimentos sociais
fazem-seentrar factores tanto individuais como situacionais, com
incidncia consequentequer sobre os actores individuais, quer sobre
as variveis sistmicas 3 5 . 0 enfoquetem sido, por vezes, mais
psicologizante do que estrutural. Ora uma teoria sobreos novos
movimentos sociais tem de integrar as duas dimenses. A
explicaopsicologizante acentua a extenso da mudana dos valores,
chamando a atenopara as condies de socializao e para a cultura
dominante. A explicao queapela para a estrutura social, mais do que
para a sensibilidade particular dosactores e os valores, acentua as
mudanas profundas que ocorreram na sociedadeglobal. Na situao mais
corrente nas sociedades ocidentais, os novos movimentossociais,
como se mostrou acima, aparecem associados afirmao de novosdireitos
de cidadania, luta contra a excluso e orientao do futuro.
Parecemter como caracterstica principal o serem puramente sociais,
sem mistura comaces polticas que visam directamente a tomada do
poder do Estado.Distanciam-se dos partidos polticos e aproximam-se
mais dos grupos de presso.O alargamento da cidadania, em que se
consubstanciam aqueles direitos, dorigem a novas lutas. Segundo A.
Touraine, a dominao social torna-se hojeao mesmo tempo mais
extensiva e mais difusa. As lutas sociais aparecemsimultaneamente
como mais generalizadas e mais dispersas, mais fragmentriasdo que
na poca precedente. A sociedade apresenta-se por toda a parte
pontilhadade conflitos. Tambm Claus Offe sustenta que temos muitas
razes para esperarque haja um aumento de conflitos sociais e
polticos sem mediao institucio-nal 36.Quando estes conflitos
adquirem alguma intensidade, provocam a lutasocial. Mas, se um
conflito no d necessariamente origem a uma luta, tambmesta no
promove, s por si, o desencadear de um movimento.
Algumas condies so necessrias para o aparecimento e o
desenvolvimentodos movimentos sociais. A. Touraine apela
coexistncia e interdependncia
3 4 CLaus Offe, Contradicciones en el Estado dei Bienestar, pp.
295 e 296.
3 5 Claus Offe, Partidos Polticos y Nuevos Movimientos Sociales,
pp. 205 e 207.
3 6 A. Touraine, Le retour de Vacteur, pp. 281, 285, 286, 287,
288, 322, 323 e 326, e Pour Ia
Sociologie, pp. 187, 189 e 190, e Claus Offe, Partidos Polticos
y Nuevos Movimientos Sociales,814
p. 85.
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Conflitualidade e movimentos sociais
de trs princpios fundamentais. Os movimentos sociais resultam da
combinaode um princpio de identidade, de um princpio de oposio e de
um princpiode totalidade. na busca da identidade que radicam os
movimentos sociais,assim como no conflito que se funda a
identidade. Mas, se a identidade nose afirma sem a existncia de um
conflito, este no se desencadeia sem avisibilidade de um adversrio.
No se poder esquecer que o principal elementode conflito uma
definio clara do adversrio social 37. Embora, por isso,a sociedade
aparea hoje atravessada por conflitos, os novos movimentos
sociais,que a eles esto ligados, no se desenvolvem pela dificuldade
que existe naindividuao clara de um opositor. indispensvel ainda
que a luta tenha sentidopara o conjunto da sociedade global, ainda
que conduzida a partir de um sectorespecfico.
8. Os movimentos sociais em Portugal tm-se apresentado mais
comomovimentos de aquisio e de extenso da cidadania do que como
luta pelocontrole da historicidade. Nessa medida, inscrevem-se mais
na relao incluso/excluso do que na relao de classe, embora esta
aparea, de ordinrio, comoquadro geral da sua compreenso. De
qualquer maneira, desenvolvem-se voltade alguns conflitos centrais.
O grau de centralidade nem sempre tem a ver, noentanto, pelo menos
de forma directa, com a relao de classe. H conflitos maisefmeros e
talvez menos violentos que promovem igualmente
movimentossociais.
8.1.0 movimento estudantil teve, na dcada de 60, um importante
incremento.A juventude um sector da populao extremamente sensvel s
situaesde crise e de conflito que se anunciam ou emergem na
sociedade, nomeadamentea juventude escolar. Mantm-se, durante longo
tempo, desintegrada dasociedade, numa situao de relativa
dependncia. Sentindo a sua situao comosubalterna, adquire, atravs
da aprendizagem, uma cuidada preparao paradiversas actividades
sociais. Em muitos casos, vive por antecipao os papisque um dia
prximo ir assumir e desempenhar. A condio juvenil, que tendea ser
hoje pensada mais como processo do que como categoria, , por
isso,normalmente vivida em conflito. Faltam, por outro lado, aos
jovens ritos depassagem que lhes confiram um estatuto reconhecido
perante a sociedade. O