A PAIDEIA GREGA REVISITADA
A PAIDEIA GREGA REVISITADA
MARIA DE JESUS FONSECA *
comum considerar-se que h dois perodos na histria da educao
grega: o perodo antigo, que compreende a educao homrica e a educao
antiga de Esparta e Atenas, e o novo perodo, o da educao no "sculo
de Pricles", correspondendo este ao perodo ureo da cultura grega, o
qual se inicia com os Sofistas e se desenvolver com os
filsofos/educadores ou educadores/filsofos gregos Scrates, Plato e
Aristteles. Depois, seguir-se- o perodo helenstico, j de decadncia,
em que a Grcia conquistada, primeiro pelos macednios e depois pelos
romanos. Atenas perde, ento, a sua posio de centro cultural do
mundo em favor, sobretudo, de Alexandria. E, se certo que, apesar
de vencida, a Grcia triunfou pela sua cultura, que se difundiu e
universalizou - Graecia canta ferum victorem cepit et artes intulit
agresti Latio (Horcio) -, no menos verdade que o que ganhou em
universalizao o perdeu em originalidade e alento criador.
Somos herdeiros dos gregos e fiis depositrios do seu legado
cultural; na sua actividade racional e nos seus ideais se encontram
algumas das nossas razes culturais mais profundas. Enfim, a nossa
cultura europeia ocidental o produto do cruzamento de algumas
linhas de fora essenciais, a saber: a inteligncia grega, o direito
romano e a religio crist.
Ora, tambm a educao grega, sobretudo a educao ateniense no seu
apogeu, universalizada pelos romanos (Roma helenizou-se e depois
romanizou)1, patenteia ainda hoje as suas influncias tanto no modo
como continuamos a conceber o que seja educao, como nos seus ideais
educativos, como mesmo nalgumas das formas de realizar esses
ideais, nomeadamente atravs de contedos educativos privilegiados.
Em suma, em matria de educao, os gregos no s definem o modelo como
, simultaneamente, indicam a pedagogia a seguir. Ser por isso que,
ao manusearmos qualquer compndio de Histria da Educao, o lugar que
a reservado educao nos povos primitivos e nas civilizaes orientais
ou diminuto - algumas breves linhas - ou, pura e simplesmente, no
existe.2 Somos, ento, forosamente levados a concluir que uma
histria da educao, com sentido e significado para ns, na nossa
realidade educativa actual, comea na Grcia, porque com os gregos
que, autenticamente, o problema educativo se pe ou entre eles que a
educao se pe como problema.
E esta preocupao com o problema educativo a preocupao dominante
na Atenas do sculo V a. c. Os sinais disso so bem evidentes:
aparecimento dos Sofistas que se apresentam com novas propostas e
solues educativas, com um novo plano de estudos e como outros e
novos mestres, em nada semelhantes aos do passado; Scrates que se
diz impelido a realizar uma nica misso, uma "misso divina", que ele
entende como "misso educativa", e que questiona e problematiza: O
que educar? O que ensinar e aprender? O que a virtude e pode a
virtude ser ensinada? (Cf. PLATO, Protgoras 325c - 326e e Mnon);
Plato que na Repblica e em As Leis prope as suas respostas a estes
mesmos problemas; Aristteles cuja tica a Nicmano constitui tambm
uma viso do problema educativo, e que na Poltica versa ainda o
mesmo tema. Mas esses sinais encontram-se no s na filosofia como
tambm na literatura grega desta poca, nas suas diferentes formas,
seja na poesia (pica ou lrica), na tragdia ou na comdia (tambm elas
escritas sob a forma potica), cuja inteno ltima , afinal, uma
inteno educativa. Relembrem-se, por exemplo, as Odes de Pndaro, o
Prometeu Agrilhoado ou a Oresteia de squilo, a Antgona, o Rei dipo
e a Electra de Sfocles, a Medeia e o Orestes de Eurpedes, As Nuvens
e As Rs de Aristfanes. Nestas duas comdias de Aristfanes o que est
em questo , visivelmente, a educao, mais precisamente, a educao do
seu tempo e no seu tempo: a educao dos sofistas (grupo no qual
Aristfanes inclui, erradamente, Scrates, porquanto o confunde com
os sofistas) em As Nuvens, e a educao proporcionada pelos poetas e
tragedigrafos, seus contemporneos, em As Rs. O que se pe em
confronto , portanto, a nova educao e a velha educao, a educao
tradicional. E este ltimo tipo de educao que o autor elogia - ela
formou os guerreiros de Maratona. Quanto nova educao, os seus
resultados so desastrosos: ela subverte todos os valores
tradicionais, corrompe os jovens, de modo que os mais novos j no
respeitam os mais velhos e, agora, at os filhos j batem nos pais.
(Cf. As Nuvens, sobretudo a discusso entre o raciocnio justo e o
raciocnio injusto.)
Mas os novos ideais educativos do sculo V a. c. aliceram-se, por
um lado, em ideais j anteriormente expressos e, por outro,
constituem um desenvolvimento, um alargamento e um enriquecimento
desses mesmos ideais. Como diz Jaeger, "a histria da formao grega
(...) conserva bem clara a marca da sua origem." (JAEGER: s.d.,
22)
Quais so, afinal esses ideais educativos que os gregos vo
laboriosamente construindo e de que modo vo evoluir at se
plasmarem, na sua forma ltima (aquela que to persistentemente
encontramos ao longo da cultura ocidental), na ideia de
Paideia?3
Contudo " ... no se pode utilizar a histria da palavra Paideia
como fio condutor para estudar a origem da educao grega, porque
esta palavra s aparece no sec. V." (JAEGER: s.d., 23) De facto, a
palavra Paideia encontra-se pela primeira vez em squilo, Os Sete
contra Tebas, e designa, to somente, a "criao dos meninos"(Pais,
Paidos = criana), significado "em nada semelhante ao elevado
sentido que mais tarde adquiriu" (JAEGER: s.d., 23)
E se queremos encontrar um fio condutor que nos guie ao longo da
histria da educao grega e lhe d unidade, encontramo-lo no conceito
de aret. De facto, "o tema essencial da histria da educao grega
(...) o conceito de aret que remonta aos tempos mais antigos"
(JAEGER: s.d., 23). este conceito que exprime a forma primeira,
original e originria, do ideal educativo grego. Mas se o ideal
educativo grego, na sua forma mais alta e acabada, se consubstancia
no conceito de Paideia, inegvel que este conceito "conserva bem a
marca da sua origem" (JAEGER: s.d., 22), j que Paideia, na densa
riqueza do seu sentido - no possvel traduzi-lo em portugus numa
nica palavra - inclui, tambm, o conceito de aret, para o qual
remete. No por acaso que, nas grandes discusses sobre educao que o
sec. V a.c. conhece, os dois conceitos - Paideia e aret - esto
sempre presentes, interpenetrando-se de modo to profundo que vai at
quase sinonmia. Assim, os sofistas reclamam-se professores de aret
poltica4 e a sua Paideia consistir em ensinar a techn politik, a
qual permitir o domnio da aret poltica. Tambm Scrates, cuja misso
ele prprio to bem esclarece nesta passagem do texto platnico: " nas
minhas idas e vindas pela cidade, no fao outra coisa seno
persuadir-vos, novos e velhos, a que vos preocupeis mais, nem
tanto, com o vosso corpo e as vossas riquezas do que com a vossa
alma, para a tornardes o melhor possvel, dizendo-vos 'A virtude
(aret) no vem da riqueza, mas sim a riqueza da virtude, bem como
tudo o que bom para o homem, na vida particular ou pblica." (PLATO:
1972, 85-86). Igualmente, para Plato, a questo central e decisiva
se resume, afinal, a saber o que a virtude (aret). O tema de todos
os dilogos platnicos bem a prova disso; verdade que se questiona e
se procura saber o que a coragem, a sabedoria, o amor, o belo, a
justia... e tantas outras virtudes! O problema que esses valores
so, ao fim e ao cabo, apenas exemplos de virtudes ou atributos do
homem virtuoso, mas no so a virtude. Leiamos o que se diz no
Mnon:
"Mnon - ...A justia virtude, meu caro Scrates!
Scrates - Como? Ela a virtude, ou uma virtude?"
Ora, o problema est no em saber quais so as virtudes, mas,
precisamente, em saber o que a virtude. Ouamos Scrates, ainda no
dilogo Mnon:
"Pois o mesmo se d com as virtudes. Por mais numerosas que
sejam, haver sempre um certo carcter geral que as abrange a todas e
por fora do qual elas so virtudes. este carcter geral que se deve
ter em vista, para se saber o que a virtude. Compreendes o que
digo?" (PLATO: 1969, 71)
Enfim, o tema da virtude - aret - como tema central e ncleo
fundamental volta do qual gira toda a discusso acerca da questo
educativa, da Paideia, - porque educar , em ltima anlise, tornar
melhor o homem, aperfeio-lo, torn-lo mais virtuoso - bem visvel
ainda em Aristteles5, j do sculo IV a. c., bem como em toda a
literatura da poca que chegou at ns: na poesia, na tragdia, na
comdia.
Sigamos, ento, a evoluo do conceito de aret (traduzido,
vulgarmente, por virtude, como j vimos, traduo esta que, de modo
nenhum, esgota o sentido mais profundo e mais amplo que aret tem em
grego) desde que, pela primeira vez, aparece formulado como
primeiro ideal educativo dos gregos.
em Homero e nos chamados poemas homricos, a Ilada e a Odisseia,6
que tal ideal educativo aparece originalmente formulado e
explicitado. E se, em ambos os poemas, o ideal homrico de homem - o
heri - se define pela aret, o modo de a conceber no , contudo,
igual nos dois poemas. Assim, na Ilada, entre todas as suas muitas
hericas personagens, (Agammnon, jax, Ptrocles, Diomedes, Menelau,
Nestor, Ulisses - do lado dos Aqueus - Heitor, Pris, Pramo, Hcuba e
Andrmaca - estes do lado dos troianos, constituindo as duas ltimas
as figuras femininas, em conjunto com Helena), todas com as suas
qualidades, destaca-se claramente a figura de Aquiles, o heri
modelo, nobre, valente e corajoso, o melhor - arists - entre todos.
Aquiles encarna, pois, a aret e na sua figura que se caracteriza
esse ideal. Para alm do guerreiro valoroso, valente, corajoso e
honrado, Aquiles o prottipo do perfeito cavaleiro da poca homrica,
arcaica, corts, cavalheiresco, de boas maneiras, fino e polido no
trato social. Mas se em Aquiles que melhor se realiza este ideal,
evidente que no se chega l espontaneamente, antes se pressupe uma
educao apropriada. dessa educao que Homero nos fala no canto IX,
quando pe na boca de Fnix, o velho preceptor e educador de Aquiles,
estas palavras: "Fui eu que te fiz o que s!", ou ainda quando Fnix
declara que foi a ele que Peleu, o pai de Aquiles, confiou o filho
aquando da partida para a guerra de Tria:
"Para isso me enviou, a fim de eu te ensinar tudo isto
a saber fazer discursos e praticar nobres feitos."
Estes versos, dos mais citados, definem com exactido a aret da
Ilada e consagram o ideal educativo nela presente. Mas ser aristos
(possuidor de aret), como superlativo que , ser, de entre todos, o
mais valente, o mais conceituado, e comportar-se como o primeiro,
conforme o significado do verbo aristein.7
Esta aret j, nos poemas homricos, algo que no dado mas sim
conquistado, algo conscientemente procurado, por isso mesmo um
ideal de cuja realizao nos queremos aproximar o mais possvel.
Contudo, aret no ainda aqui entendida como virtude, como em grego
clssico, mas sim como excelncia, superioridade8 , enfim, aret
designa um atributo prprio da nobreza, um conjunto de qualidades
fsicas, espirituais e morais tais como: a bravura, a coragem, a
fora e a destreza do guerreiro, a eloquncia e a persuaso, e, acima
de tudo, a heroicidade, entendida esta como a fuso da fora com o
sentido moral. A esta concepo de aret se juntou, no pela etimologia
mas pelo sentido, agaths. Ser agaths ser nobre, ter fora ou coragem
ou habilidade para qualquer fim superior. Enfim, aret, assim
entendida, caracteriza aquilo que Burckhardt, pela primeira vez,
designou por esprito agnico ou ideal agonstico grego e que to
lapidarmente aparece definido por Nestor na Ilada "ser sempre o
melhor e distinguir-se dentre os demais."
Este ideal de homem (o homem de aco - cujo modelo exemplar
Aquiles - e o homem de sabedoria, protagonizado por Ulisses) e este
esprito agonstico perduraro na Grcia, mesmo durante a poca clssica.
A realizao dos grandes festivais (as Panateneias e as Grandes
Dionsias, que incluam competies vrias, provas atlticas, recitao dos
Poemas Homricos) e dos Jogos Pan-helnicos (Olmpicos e Pticos, de 4
em 4 anos, Nemeus e stmicos, de 2 em 2 anos) so bem a prova disso.
A combatividade e a competitividade constituam o esprito do
concurso e se, como se sabe, o prmio, para o vencedor, no tinha
valor pecunirio, consistindo numa coroa de folhagem de rvores
simblicas dos vrios Deuses em honra dos quais se celebravam os
Jogos, ento lutava-se apenas pela honra e pela glria, pela
superioridade e pela heroicidade. De facto, o vencedor dos Jogos
cobria-se de glria pessoal e, sendo considerado um heri, isso
reflectia-se na sua polis. Em Atenas, por exemplo, ele era recebido
com pompa e circunstncia, entoando-se cnticos em sua honra,
compostos por grandes artistas, e tanto ele como os seus
descendentes eram alimentados no Pritaneu, a expensas da
cidade.
Se esta a aret da Ilada, a da Odisseia j mais alargada. A
Odisseia relata o regresso do heri - Ulisses - a casa, vindo da
guerra de Tria. Ora, Ulisses junta fora, coragem, bravura e
eloquncia, a astcia, a manha, o engenho e a inteligncia, que o
levam a desenvencilhar-se das situaes mais complicadas, nas
aventuras do regresso. Por isso, no poema, o seu epteto mais comum
"Ulisses dos mil artifcios". Mas, mais uma vez, estas qualidades
incutem-se e desenvolvem-se apenas atravs da educao. Assim, na
Odisseia, Telmaco, filho de Ulisses, o nico jovem em formao e a sua
educao, que lhe ministrada pela deusa Atena, disfarada de Mentes ou
Mentor, amigo e hspede de seu pai, que o poema descreve logo no
canto I, mais conhecido por Telemaquia. E graas a essa educao,
Telmaco transforma-se: do jovem dcil e passivo do comeo do poema,
torna-se o prncipe consciente dos seus deveres, o companheiro de
luta, valente e ousado que ajudar o pai, na sua vingana, a
enfrentar os pretendentes de Penlope, sua me e fidelssima esposa de
Ulisses.
Mas, quer na Ilada quer na Odisseia, a educao que se prope traz,
agarrada a si, uma pedagogia que lhe corresponde: a pedagogia
fundada no exemplo vivo ou no exemplo mtico, a pedagogia do
paradigma. O heri prototpico institui-se como modelo exemplar a
seguir; imitar os heris, o que desperta a emulao, para, como eles,
ser heri, possuidor da aret herica.
Homero , entre todos os poetas gregos, considerado o maior e, a
crer nos testemunhos, a opinio corrente ao tempo indica-o tambm
como o educador de toda a Grcia. De facto, a tradio homrica e o
ideal educativo que nela se prope so transmitidos oralmente, de
gerao em gerao, pelos aedos e rapsodos. Tambm s assim se pode
compreender a afirmao " Nele [em Homero], pela primeira vez, o
esprito pan-helnico atingiu a unidade da conscincia nacional e
imprimiu o seu selo sobre toda a cultura grega posterior".
(JAEGER,s.d.,77)
Na verdade, separados politicamente e organizados em
cidades-estado independentes, os gregos esto, contudo,
espiritualmente unidos. Antes de mais, pela unidade de lngua, mas
outros elementos presidem a essa unio: os jogos pan-helnicos, os
grandes santurios religiosos e, sobretudo, a mesma cultura. este
esprito, que se veio a designar de pan-helnico, que aparece j
claramente definido por Iscrates "...o nome de Gregos j no parece
ser usado para designar uma raa, mas uma mentalidade, e chamam-se
Helenos mais os que participam da nossa cultura (Paideusis) do que
os que ascendem a uma origem comum." (ISCRATES, Panegrico, 50 in:
PEREIRA,1971,303)
Para alm de Homero, inegavelmente o mais influente, tambm so
cantados e recitados outros poetas dos quais se deve, com justia,
destacar Hesodo, autor da Teogonia e dos Trabalhos e Dias. Nesta
ltima, introduz uma outra concepo de aret: o heri agora o homem que
trabalha duramente e o trabalho fonte de dignidade e conduz
superioridade,
"Trabalho no vileza, vileza no trabalhar." (verso 311)
Para alm do elogio do trabalho, h tambm o elogio da Justia9 e do
Direito, valores estes que constituem o tema fundamental do poema e
os ncleos centrais do mundo moral de Hesodo. pela justia que o
homem se distingue dos animais e ambos, trabalho e justia, conduzem
aret - ao mrito e glria do homem.
J acima o referimos, os primeiros educadores do mundo grego so
os poetas, que surgem no apenas como educadores da sua poca, mas,
porque a sua influncia perdurou muito para alm do seu tempo, como
educadores de toda a Grcia. E porque Homero , de todos, o mais
considerado e o mais influente, ele, fundamentalmente, o educador
da Grcia e mesmo de todo o mundo antigo. Ser culto ou homem
cultivado era, na Antiguidade, saber Homero de cor e ser capaz de o
citar em qualquer ocasio. o que pode constatar-se em fontes vrias,
as mais importantes das quais so Plato e Xenofonte. Assim, pode
ler-se na Repblica "Por conseguinte Glucon se algum dia encontrares
encomiastas de Homero, que te afirmem que esse poeta foi o educador
da Grcia e que, no que toca a administrao e educao (Paideia)
humana, digno de ser tomado como modelo para aprender com ele e
regular toda a vida segundo as normas deste poeta..." (PLATO,606 e
- 607 a)
Do mesmo teor so as declaraes de Xenofonte. Por exemplo, quando
no Banquete pe na boca de Nicrato estas palavras: "O meu pai, que
tinha a preocupao de fazer de mim um homem de bem (agaths),
obrigou-me a aprender os Poemas Homricos inteiros. E ainda agora,
eu seria capaz de dizer de cor a Ilada e a Odisseia." (XENOFONTE,
Banquete, III,5-6 in: PEREIRA,1971,370) Ou ainda quando afirma
"Podeis ouvir de mim como haveis de vos tornardes melhores (...)
Sabeis, sem dvida, que Homero, o mais sbio (sophs) de todos, poetou
sobre quase todas as actividades humanas. Portanto quem quiser
tornar-se um bom administrador da sua casa, orador pblico, ou
general, ou semelhante a Aquiles, jax, Nestor ou Ulisses, que fale
comigo, porque eu sei disso tudo." (XENOFONTE, Banquete, IV,6 in:
PEREIRA,1971,371)
E, diga-se de passagem, que estas duas fontes so tanto mais
fidedignas quanto sabemos que, quer Plato, quer Xenofonte, so
visceralmente contra este tipo de educao e a deploram. (Cf. PLATO,
A Repblica,607 a - 608 b)
Mas j muito antes de Plato e Xenofonte, esta hegemonia dos
poetas e a sua influncia na educao tinham sido postas em causa
pelos primeiros filsofos, Xenfanes e Heraclito.O primeiro,
Xenfanes, reconhecendo embora a omnipresena de Homero "uma vez que
desde o incio todos aprenderam por Homero" (Frg. 10 Diels),
considera nefasta essa influncia pois que
"Quanto h de vergonhoso e censurvel
Tudo isso atriburam aos deuses Homero
E Hesodo: roubos, adultrios, mentiras."
(Frg. 11 Diels in: PEREIRA,1971,121. Confronte-se tambm o frg. 2
Diels in: PEREIRA,1971, 119-120)
Igualmente Heraclito acusa " Homero merece ser expulso dos
concursos e ser aoitado bem como Arquloco" (Frg. 42 Diels in:
PEREIRA,1971,124) Mas estas crticas no conseguiram abalar o domnio
dos poetas, que mantiveram sempre a sua influncia.
At poca clssica, e mesmo durante a poca clssica, onde este tipo
de educao coexistiu com a nova educao, manteve-se esta educao
tradicional e este ideal educativo.
No entanto, pelos fins da poca arcaica, j este ideal tinha sido
alargado: no bastava cobrir-se de honra e glria, como nos tempos
homricos, mas pretendia-se alcanar a excelncia tanto no plano fsico
como no plano moral. Tal ideal exprime-se pela palavra
Kalokagathia: beleza e bondade so os atributos que o homem deve
procurar realizar. "O ideal de harmonia expressa-se (...) com a
aspirao kalokagathia, na qual se via a bondade indissoluvelmente
ligada beleza, bondade resultante de um firme e equilibrado domnio
de si e beleza que representa exteriormente a serena ordem interior
da alma. (...) Aristteles assinalou que o fim do homem 'viver feliz
e belamente'. Por isso a educao grega a busca de uma perfeita
euritmia." (MORANDO,1961,40-41) Assim, o homem forma-se segundo o
princpio da autarquia, de um crescente domnio de si, pela libertao
relativamente aos seus instintos, desejos e paixes, que devem ficar
submetidos razo. Eis como Plato o define: "- Que entendes tu por
governar-se a si prprio?
- (...) ser temperante, ter autodomnio, comandar em si prprio os
prazeres e as paixes." ( PLATO, Grgias, 491 e)
Para alcanar tal ideal propem-se a ginstica, para desenvolver o
corpo, e a msica, com a leitura e o canto das obras dos grandes
poetas, para o esprito. Tratava-se, com tal programa educativo, de
desenvolver uma das qualidades do homem, a sofrosune, que podemos
traduzir por temperana e que implicava um perfeito domnio de si,
aliando sabedoria e aco avisada, porque fundada nessa sabedoria.
Msica no tem, nesta altura, o sentido estrito que ainda hoje lhe
damos, mas inclua tudo o que estava relacionado com as actividades
presididas pelas Musas: poesia, drama, histria, oratria e tambm,
claro est, msica no sentido restrito. este ideal de kalokagathia
que os latinos plasmam na frmula "Mens sana in corpore sano." Este
estudo dos poetas, na msica, tinha fins essencialmente morais e
psicaggicos e, conjuntamente com a ginstica, eram considerados uma
formao completa, total e equilibrada. O ideal era, portanto, um
ideal de sabedoria, pelo domnio dos instintos, desejos e apetites
pela razo, um ideal de equilbrio e harmonia, um ideal de medida, de
justa medida. Desenvolver o corpo e o esprito de forma equilibrada
e harmnica, tanto um como o outro, no mais um que o outro. Este
ideal ainda hoje continua presente e vivo.
O programa completo de estudos era constitudo pela ginstica,
ensinada nos ginsios e nas palestras, sendo o pedotriba ou
paidotriba o mestre de educao fsica, e pela msica que ensina as
crianas a tocar ctara, para se acompanharem enquanto cantam as
obras dos grandes poetas, sendo o mestre o citarista. Nesta altura,
o citarista ensina ainda a ler e escrever, porque para cantar os
poetas preciso saber ler as suas obras. J no fim da poca arcaica, o
programa completava-se com a frequncia da escola do gramtico (este
depressa se passar a chamar didscalo), o mestre de ler e escrever,
que ensinava tambm rudimentos de clculo.10 Como parece que se
tratavam de escolas diferentes, aparece a figura do pedagogo, ou
seja, do escravo que acompanhava o menino escola e que, igualmente,
superintendia no seu aconselhamento, vigiando o seu comportamento
moral.
Sendo estas escolas pblicas, mas no do Estado, eram contudo
supervisionadas pelo Estado, atravs de um funcionrio, o sofronista,
em Atenas. Figura idntica aparece em Esparta, o pedonomo ou
paidonomo, com funes de vigilncia sobre as crianas e sobre o tipo
de educao que lhes era ministrado.11
No Protgoras, mais uma vez, Plato d-nos um retrato fiel desta
educao tradicional e, apesar de longo, cremos que vale a pena
transcrev-lo:
"- Logo que a criana comea a compreender o que lhe dizem, a ama,
a me, o pedagogo e at o prprio pai se esforam por que ela se torne
o mais perfeita possvel. A cada aco ou palavra lhe ensinam ou
apontam o que justo e o que no , que isto belo e aquilo vergonhoso,
que uma coisa piedosa, e outra mpia, e 'faz isto', 'no faas
aquilo'. E, ou ela obedece de boa mente, ou ento, corrigem-na com
ameaas e pancadas, como se fosse um pau torto e recurvo. Depois,
mandam-na escola, com a recomendao de se cuidar mais da educao das
crianas que do aprendizado das letras e da ctara. Os mestres, por
sua vez, empenham-se nisso, e, depois de elas aprenderem as letras
e serem capazes de compreender o que se escreve, (...) pem-nas a
ler nas bancadas as obras dos grandes poetas, e obrigam-nas a
decorar esses poemas, nos quais se encontram muitas exortaes e
tambm muitos (...) elogios e encmios da valentia dos antigos, a fim
de que a criana se encha de emulao, os imite e se esforce por ser
igual a eles.
Os mestres de ctara, por sua vez, fazem outro tanto, cuidando do
bom senso (sofrosune) e de evitar que os jovens procedam mal. Alm
disso, depois de saberem tocar, aprendem as obras dos grandes
poetas lricos, que executam na ctara. Assim, obrigam os ritmos e
harmonias a penetrar na alma das crianas, de molde a civiliz-las,
e, tornando-as mais sensveis ao ritmo e harmonia, adestram-nas na
palavra e na aco. Na verdade, toda a vida humana carece de ritmo e
de harmonia. Alm disso, ainda se mandam as crianas ao pedotriba, a
fim de possurem melhores condies fsicas, para poderem servir a um
esprito so, e no serem foradas cobardia, por fraqueza corprea, quer
na guerra, quer noutras actividades. Assim fazem os que tm mais
posses; e os de mais posses so os mais ricos. Os filhos desses
comeam a ir escola de mais tenra idade, e saem de l mais tarde.
Depois de estarem livres da escola, o Estado (polis), por sua
vez, obriga-os a aprender as leis e a viver de acordo com elas, a
fim de que no procedam ao acaso. Tal como o mestre-escola que, para
os que no sabem escrever, traa as letras com o estilete e lhes
entrega a tabuinha e os fora a desenhar o traado dos caracteres,
assim tambm a cidade, depois de ter delineado as leis, criadas
pelos bons e antigos legisladores, os fora a mandar e a serem
mandados de acordo com elas. (...) Perante tais cuidados com a
virtude (aret) particular e pblica, ainda te admiras, Scrates, e
pes objeces possibilidade de a virtude se ensinar?" (PLATO,
Protgoras, 325 c - 326 e in: PEREIRA, 1971,397)
Mas este era apenas o programa educativo escolar que, de modo
nenhum, esgotava a totalidade do programa educativo. Depois da
escola, "a cidade continuava educando nas reunies polticas,
administrativas e jurdicas, nos jogos, com o esplendor das artes
figurativas e arquitectnicas, e, sobretudo, com a magnificncia das
representaes dramticas. Nem em Atenas nem na Grcia o teatro era s
para os privilegiados: era a escola de todos os cidados."12
(MORANDO,1961,45)
que "a educao ateniense, posta em prtica na escola e na cidade,
tinha duas finalidades precisas: o desenvolvimento do cidado fiel
ao Estado e a formao do homem que adquiriu plena harmonia e domnio
de si" (MORANDO,1961,45), sendo, por isso mesmo, absolutamente
autrquico.
Se, at agora, todo o problema educativo girava, essencialmente,
volta da educao do homem como ser individual - por isso o objectivo
fundamental da educao era a formao do homem, tratando-se de saber
qual o caminho que o processo educativo devia seguir para que o
homem, cada homem, pudesse alcanar o ideal, a aret individual,
entendida neste momento como kalokagathia, a partir de agora, na
Atenas do sculo V a.c., isso j no o bastante. Para alm de formar o
homem, a educao deve, sobretudo, formar o cidado. A finalidade
cvica da educao passa, claramente, a primeiro plano.
originariamente grega a ideia, to actual, de que a educao preparao
para a cidadania. Habitante da Plis, o homem s o que porque vive na
cidade e sem ela no nada. E o que diz respeito cidade, comum, isto
, afecta a todos enquanto comunidade e afecta cada um enquanto
cidado ou membro dessa comunidade. Neste sentido, evidente que,
antes de mais, o homem um animal poltico (zoon politikon), como bem
o captou Aristteles, distinguindo-o, assim, do animal pela sua
qualidade de cidado, e o Bis politikos a forma prpria e sublime de
vida do homem como habitante da plis.
A conscincia da cidadania cedo faz sentir a necessidade de uma
nova educao, pois que a antiga educao, com o seu receiturio bsico,
simples e elementar de ginstica e msica, no servia j para a formao
do cidado, nem correspondia s novas necessidades individuais nem s
novas exigncias sociais e polticas. Politicamente, a forma
democrtica de organizao do Estado foi a forma de governo escolhida
pela Cidade-Estado de Atenas. Ora, no estado democrtico ateniense,
a exigncia de todos os indivduos enquanto homens livres, ou seja,
cidados, participarem activamente no Estado e na vida pblica so
deveres cvicos inalienveis e aos quais ningum se pode eximir, e a
participao nas assembleias torna indispensveis os dotes de
eloquncia e apela para uma formao oratria. Neste contexto se
compreende que tenha surgido uma nova estirpe de "educadores" - com
o estrondoso sucesso que se lhes conhece - que se apresentam como
professores no sentido actual do termo, (os primeiros professores
da histria) e que oferecem, a troco de dinheiro, o ensino da
"virtude", o ensino da aret poltica ou, como tambm lhe chamam os
sofistas, a techn poltica. Mais uma vez a fonte platnica
esclarecedora:
"O meu ensino tem por objecto a prudncia no que respeita aos
assuntos prprios, de modo que a administrao da casa seja o melhor
possvel, e, no que respeita aos da cidade, de maneira a dirigi-los
na perfeio em actos e palavras.
Ento - disse eu - estarei a seguir bem as tuas palavras? Segundo
me parece, referes-te arte de governar (aret politik)13 e prometes
formar bons cidados?
- isso mesmo, Scrates - disse ele [Protgoras] - isso o que eu me
proponho fazer." (PLATO, Protgoras,319 a in: PEREIRA,1971,394)
Os sofistas convertem, pois, a educao numa tcnica ou numa arte,
na qual eles so mestres e, por isso, capazes de a transmitirem e a
ensinarem, e os jovens, seus alunos, que vierem a dominar a techn
poltica alcanaro, por isso mesmo, a aret poltica.14
Mas esta aret poltica, ou melhor, techn poltica, to em conexo
com as finalidades prticas que se prope - formao de homens de
Estado e de dirigentes da vida pblica - vai conduzir,
necessariamente, valorizao do homem, cidado individualmente
considerado, e vai, igualmente, orientar-se num sentido amoral ou
mesmo imoral. Os seus contemporneos vo acusar os sofistas de
imoralidade.
Indubitavelmente que o centro da vida poltica o homem (da
falar-se em humanismo, ou no giro antropocntrico que a sofstica
implica), mas o homem individual (de onde o individualismo
sofstico) e, ento, o humanismo sofista no seno um individualismo ou
um relativismo total. bem conhecida, e muito citada a este
propsito, a paradigmtica frase de Protgoras "O homem a medida de
todas as coisas".
Indubitavelmente, tambm, que o homem, assim situado no corao da
plis, quer vencer na vida poltica, quer fazer valer os seus
interesses ou as suas convices, quer ganhar um lugar de destaque,
quer ser eleito para cargos pblicos, quer ser governante e aceder
ao poder. Para isso, para ter xito poltico, precisa de saber falar
bem, de encantar o auditrio, de construir discursos persuasivos, de
formular os argumentos que justifiquem e validem as suas posies,
fazendo-as prevalecer como as melhores. Precisa, pois, da arte
sofstica da oratria, da retrica e da dialctica. Mas porque o que
necessrio ter sucesso na vida pblica e poltica, vencer a todo o
custo e a qualquer preo, e isso s possvel convencendo os outros das
minhas razes, retrica e dialctica tornam-se armas potentssimas que
preciso saber esgrimir com percia; tcnicas cujo domnio permite
utiliz-las segundo as nossas convenincias, mas tcnicas que se podem
aplicar a qualquer contedo. "...seja qual for o profissional com
quem entre em competio, o orador conseguir que o prefiram a
qualquer outro, porque no h matria sobre a qual um orador no fale,
diante da multido, de maneira mais persuasiva do que qualquer outro
profissional. Tal a qualidade e a fora desta arte que a retrica."
(PLATO, Grgias, 456 e) Sendo assim, esse contedo esvaziado de
sentido, pelo menos de sentido tico, e o discurso reduz-se, por
isso mesmo, a um mero exerccio tecnicista, a uma mestria ou a um
virtuosismo tcnicos. O domnio dessa tcnica permite construir os
argumentos necessrios a fazer valer este ou aquele ponto de vista,
conforme os meus interesses do momento e independentemente da
contradio que possa existir entre esses pontos de vista. Entram
assim em crise os sacrossantos valores da tradio: verdade, justia,
virtude, rectido... Eles no importam, porque o que importa vencer!
Quando muito o que importa o que bom para mim. Em todo o caso, no
valem como valores absolutos, mas so relativizados. So o que o
homem quer e decide que sejam a cada momento. A dialctica aplicada
poltica vira, portanto, as costas tica. este o tema central do
Grgias. De facto, trata-se de saber o que a retrica ou oratria,
estabelece-se que no cincia mas tcnica e, em todo o caso, tcnica
maldita, pois, como o prova Scrates, s precisa dela quem quer
enganar e ludibriar os outros, quem quer praticar o mal e a
injustia " para isto, Polo, que a retrica me parece ter utilidade,
uma vez que, para quem no pensa em praticar a injustia, reduzido o
seu prstimo, para no dizer que no tem nenhum..." (PLATO, Grgias,
481 b) Ora, os artfices desta tcnica so os sofistas, ("Sofistas e
oradores so a mesma coisa" PLATO, Grgias, 520b), pelo que o Grgias,
condenando a retrica porquanto conduz imoralidade, condena
simultaneamente toda a sofstica, e de forma bem custica e veemente.
No admira que os sofistas venham a ser acusados de imoralidade, de
administrar uma educao perversa e pervertida, de corromper a
juventude e de sublevar os valores tradicionais, minando as bases
da ordem social e poltica estabelecida. esta situao, a que a nova
educao conduziu, que Aristfanes ridiculariza, caricaturizando-a em
As Nuvens. Ser esta tendncia degenerescente em que desabou a
sofstica que Scrates quer inverter, reconstruindo a conexo da
cultura do esprito, da cultura intelectual com a cultura moral e
poltica e voltando a situar o ethos no corao do homem, no centro da
actividade poltica e no centro da aret.
Ao longo dos dilogos platnicos so muitas as vezes que Scrates se
escandaliza e considera um paradoxo o facto de para todos os ofcios
se exigir uma competncia especfica e o mesmo no se verificar para
os governantes e polticos. Por exemplo, um sapateiro, um alfaiate,
um carpinteiro precisam de um certo saber para realizarem o seu
trabalho, "ao passo que ao poltico bastava uma educao genrica,
(...) muito embora o seu 'ofcio' tratasse de coisas muito mais
importantes." (JAEGER, s.d.:136) Enfim, os sofistas apresentam-se
como mestres de aret poltica, mas esto bem longe de corresponderem
a tal presuno. verdade que ensinam os homens a discursar
elegantemente nas assembleias, indo mesmo ao ponto de os instrurem
a servirem-se despudoradamente de todos os meios para realizarem as
suas ambies. Mas, afinal, aos olhos de Scrates e de Plato, os
sofistas so, to s, demagogos e a especialidade de que se dizem
mestres no outra coisa seno a demagogia. Por isso, ao que ensinam,
"dou-lhe o nome geral de 'adulao' e partes da mesma adulao so para
mim tambm a retrica (...) e a sofstica", como afirma Scrates.
(PLATO, Grgias, 463 b)
Mas se comum a todos os sofistas o considerarem-se mestres da
aret poltica, a sua opinio diverge no que respeita ao modo de a
conceber e de a realizar. Assim, para uns, a educao que levar ao
domnio da arte poltica consistir na transmisso de um saber
enciclopdico, de uma polimatia da qual se gabam e dizem mestres - o
representante mais significativo desta tendncia Hpias (Cf. PLATO,
Hpias Menor, 368 b - 368 e in: PEREIRA, 1971:399-400), o qual,
contrariamente maior parte dos outros sofistas, atribui um alto
valor formativo s matemticas, incluindo ele prprio, no ensino que
ministra, "o clculo, a astronomia, a geometria e a msica" (PLATO,
Protgoras, 318 e in: PEREIRA,1971:394), disciplinas estas que, mais
tarde, vieram a constituir o quadrivium; para outros, dos quais o
principal representante Protgoras, a educao , essencialmente,
formao, formao do esprito e formao do cidado, e o modo privilegiado
de a conseguir pelo ensino da gramtica, da oratria e retrica e da
dialctica, disciplinas estas que, na Idade Mdia, formaram o chamado
trivium e que, conjuntamente com o quadrivium, constituram as sete
artes liberais.15
A respeito da educao proporcionada por Protgoras, Plato , uma
vez mais, uma fonte preciosa: "Mas talvez no tenhas na mesma conta,
Hipcrates, o ensino de Protgoras e o que recebeste junto do mestre
de gramtica, de ctara e de ginstica? Pois estudaste cada uma destas
artes, no para as exercitares como um profissional, mas para
receberes aquela cultura (Paideia) que convm a um leigo e a um
homem livre.
- Ora esse o gnero de ensino (Paideia) de Protgoras, segundo me
parece - disse ele." (PLATO, Protgoras, 312 a-b in: PEREIRA,
1971:391)
A verdadeira Paideia, conscientemente procurada, , portanto,
para Protgoras, uma cultura geral de carcter superior, entendida
como alimento para o esprito, ou melhor, como alimento que forma o
esprito.
Plato que, tanto quanto se sabe, foi o primeiro a chamar-lhe
formao, definir a educao como formao geral, insistindo, contudo, no
facto de essa formao valer por si mesma e em si mesma, porque
desinteressadamente procurada e no em vista de qualquer finalidade
prtico-utilitria. Por isso se esfora tanto em a distinguir do saber
especializado e tcnico dos profissionais, no s porque esse saber no
um saber pelo saber, antes um saber-como, um saber-fazer, portanto
um saber meramente tcnico, mas tambm porque, em consequncia, um
saber utilitrio, isto , um saber que meio para um fim e no um fim
em si mesmo.
De entre as novidades introduzidas pelos sofistas destacar-se- o
facto de terem sido os primeiros a ministrar um tipo de educao
superior e, sobretudo, a convico de que "a educao no acaba com a
sada da escola. Em certo sentido, poderia dizer-se que precisamente
nessa altura que principia." (JAEGER, s.d.:335) De facto, a sua
educao dirige-se ao jovem que concluiu j o currculo escolar
tradicional e quer iniciar a sua vida poltica. Esta mesma ideia ser
alargada com Scrates,16 para quem a educao no consiste na
transmisso de conhecimentos, mas sim na formao do homem como homem.
Assim, "a verdadeira essncia da educao dar ao homem condies para
alcanar o fim autntico da sua vida. Identifica-se com a aspirao
socrtica ao conhecimento do bem, com a phronesis. E esta aspirao no
se pode restringir aos poucos anos duma chamada cultura superior. S
pode alcanar o seu objectivo ao longo de toda a vida do Homem; de
outro modo no o alcana." Enfim, para Scrates, "a suma e o compndio
do 'tudo o que eu tenho' a paideia." (JAEGER, s.d.:532) Plato17
retomar esta ideia socrtica, considerando que o processo educativo
completo - o do filsofo governante - ter o seu termo aos 50 anos de
idade. Assim, a formao dialctica realiza-se dos 20 aos 35 anos e
dos 35 aos 50 consolida-se, pela prtica dessa mesma formao. Toda a
educao anterior considerada como propaideia, como propedutica
verdadeira Paideia. A longa durao da formao dialctica (15 anos na
sua totalidade) , e, nem sequer, ao fim desse perodo, se pode
considerar completada, pelo que, afirma Plato, s aos 50 anos (cf,
PLATO, Repblica,540 a) se pode dar por concludo o processo
educativo, isto no seno uma maneira metafrica, to ao gosto
platnico, de dizer que a educao nunca acaba e que dura tanto quanto
durar a vida do homem. O prprio do homem , portanto, encontrar-se
permanentemente em processo de formao. Convenhamos que esta ideia,
to valorizada nos nossos dias e, tantas vezes (!), apresentada como
uma inveno e uma exigncia exclusivas do nosso tempo, no nada
nova!
Mas o que Plato, no sec. IV a.c., assim plasma desta maneira to
exemplar, duradoira e hodierna, algo que se encontra presente na
cultura grega, desde as suas origens. Diz Jaeger a propsito do
homem grego "... medida que avanava no seu caminho, ia-se-lhe
gravando na conscincia, com crescente claridade, a finalidade
sempre presente, em que a sua vida assentava: a formao dum elevado
tipo de homem. A ideia de educao representava para ele o sentido de
todo o esforo humano." (JAEGER, s.d., 6) O homem s homem pela
educao, s vale pela educao - os gregos bem o perceberam. Da que a
educao constitua para eles um interesse vital, de tal modo que o
problema educativo se lhes impe como o problema fundamental do
homem e como o problema decisivo para o destino do homem. Homem e
educao encontram-se inelutavelmente vinculados, de tal modo que um
s existe pelo outro.18 Por isso, Jaeger acrescenta mais frente "os
gregos viram pela primeira vez que a educao tem de ser um processo
de construo consciente" (JAEGER, s.d.: 12), caso contrrio, ela no
forma o homem como homem e, muito menos, o elevado tipo de homem
que se pretende.
O mesmo afirma Luzuriaga, traando simultaneamente uma sntese da
evoluo do ideal grego de educao: "O ideal grego de educao o
primeiro que aparece na histria de maneira consciente e
caracteriza-se, em geral, pela formao do homem poltico, o homem da
plis (...), do cidado, tanto no aspecto civil como no aspecto
blico. Esse ideal sofre uma evoluo, a partir dos tempos hericos de
Homero, onde predomina o guerreiro, at poca (...) de Pricles, em
que sobressai o poltico." (LUZURIAGA, 1977: 106) Dentro deste
desenvolvimento, a educao grega tem como aspirao a excelncia - aret
- , mais tarde esse ideal completado pelo de kalokagathia, o ideal
da perfeio do corpo e da alma em beleza, bondade, sabedoria e
justia do indivduo na comunidade pblica. Mas todo o ideal grego
aparece, finalmente, como Paideia. (Cf. LUZURIAGA, 1977, 106)
Mas, afinal, o que pode entender-se por Paideia, palavra esta
que consubstancia o ideal grego de educao? Plato, define-a desta
forma "...toda a verdadeira educao ou Paideia, a que educao na
aret, que enche o homem do desejo e da nsia de se tornar um cidado
perfeito, e o ensina a mandar e a obedecer, sobre o fundamento da
justia " (PLATO, Leis, 643 e in: JAEGER, s.d.: 136); ou ainda desta
outra " A formao (Paideia) que, desde a infncia, inspira o desejo
apaixonado de se tornar um cidado completo e realizado", como diz o
personagem, o Ateniense, num dos dilogos platnicos. (Cf. MIALARET e
al., 1981:150) A Paideia , ento, entendida como formao, como uma
formao geral que dar ao homem a forma humana, ou seja, que o
construir como homem e como cidado.19 E este ideal aparece
claramente como o ideal de Paideia no sec. IV a. c. e encontra-se
bem presente, desde logo, com os sofistas, mas este tambm o ideal
que encontramos em Scrates, em Plato, em Aristteles ou em Iscrates.
A Paideia, assim concebida, torna inteligvel a afirmao "O princpio
espiritual dos gregos no o individualismo mas o 'humanismo', para
usar a palavra no seu sentido clssico e originrio. Humanismo vem de
humanitas. (...) Significou a educao do Homem de acordo com a
verdadeira forma humana, com o seu autntico ser. Tal a genuna
Paideia grega (...). No brota do individual, mas da ideia. Acima do
homem como ser gregrio ou suposto eu autnomo, ergue-se o Homem como
ideia. A ela aspiraram os educadores gregos, bem como os poetas,
artistas e filsofos. Ora, o Homem, considerado na sua ideia,
significa a imagem de Homem genrico na sua validade universal e
normativa." (JAEGER, s.d.:13) De facto, parece ser precisamente
isto que constitui o cerne do ideal educativo grego, desde os seus
primrdios. assim que o vemos nos poemas homricos, onde se desenha
claramente um ideal de homem que todo e qualquer homem, para o ser,
deve encarnar. tambm isso mesmo que, mais clara e nitidamente que
em qualquer outro 'autor', encontramos em Scrates.
De facto, a inscrio do frontispcio do templo de Delfos, que
Scrates tomou como lema da sua filosofia e do seu projecto
educativo, o "conhece-te a ti mesmo", considerou-a ele a frase que
constitua a pedra de toque do seu destino e da sua misso, bem como
nela se resumia, de forma prototpica, todo o sentido da vida humana
- no apenas o sentido da sua vida, mas o sentido da vida. que, no
modo socrtico de ver, o "conhece-te a ti mesmo" no se pode
interpretar como um conhecimento individual e subjectivo, como
apelo a um conhecimento de si mesmo como homem individual, como
conhecimento do "eu", do seu eu, de forma mais ou menos
introspectiva. Pelo contrrio, o "conhece-te a ti mesmo" s tem
verdadeiro significado se entendido como procura do conhecimento do
universal e do essencial, como busca do que comum a todos os
homens, como pesquisa do que nos faz, a todos e a cada um, ser
homens; a divisa socrtica reclama que, para l do que diferencia os
homens se busque o que os une, para l do indivduo ou do eu se
encontre o Homem. A questo originria, a questo primeira e
fundamental, , pois, a questo sobre o Homem. O que o Homem?20 O que
ser Homem? Esta a principal de todas as questes, seno mesmo e
afinal a nica questo! O que Scrates exige e procura incansavelmente
o conhecimento, no deste, daquele ou daqueloutro homem, mas do
Homem. O que ele busca a essncia do Homem, a ideia de Homem, e se o
homem isso que a ideia define, ento a ideia converte-se em ideal,
porque todo e qualquer homem, para o ser, deve ser isso. Busca-se,
portanto, o que h de humano no homem ou a humanidade do homem.
Explicitamente formulado e conscientemente procurado, este o
Humanismo socrtico. Constitui, tambm, a primeira formulao do que,
essencialmente, se entende por humanismo. "Todo o futuro humanismo
deve estar essencialmente orientado para o facto fundamental de
toda a educao grega, a saber: que a humanidade, o 'ser do homem' se
encontra essencialmente vinculado s caractersticas do Homem como
ser poltico." (JAEGER, s.d.:15-16) tambm para isto que Scrates
chama a ateno quando adverte que a procura do ser homem ou a
resposta questo 'o que ser Homem?', s pode encontrar-se se for uma
procura comum, um esforo partilhado por todos os homens. No
esqueamos, por outro lado, que ser homem, para os gregos, era
indissocivel do facto de o homem s ser plenamente homem enquanto
habitante da plis.
Ora, toda a educao grega parece convergir na realizao deste
ideal: construir o homem como homem, ajudar o homem a descobrir a
sua humanidade, permitir a cada homem Ser Homem. A Paideia grega
impe-se como um humanismo. E no continua a ser este, hoje como
ontem, o esforo gigantesco e herico de toda a educao? A enorme e
duradoura influncia do que os gregos entenderam por Paideia no pode
tornar-se mais patente.
"O termo grego Paideia evoca tanto o prprio contedo da cultura
como o esforo para constituir, na criana (Pais, Paidos) um
patrimnio de valores intelectuais e morais que a integram na
comunidade humana. Finalmente, Paideia implica tudo o que distingue
o grego, o homem civilizado, do bruto e do brbaro ou ainda o que
permite ao indgena aceder, pela educao, a um novo estatuto
cultural, social, poltico. A educao impe-se como uma obrigao da
qual a cidade no pode fugir e qual no pode escapar."21 ( MIALARET e
VIAL,1981:165) Ontem como hoje, a educao impe-se como uma obrigao e
um destino ao qual as sociedades e os poderes polticos22 no podem
fugir e do qual no podem escapar.
Mas o termo Paideia no tem uma traduo to simples (ou
aparentemente to simples): ele no significa, como vulgarmente se
traduz, apenas educao. Significa muito mais que isso, aglutinando
termos tais como cultura, instruo, formao... Alis, entre os Gregos,
como j vimos, desde o seu surgimento, a palavra Paideia foi
cobrindo um campo cada vez mais vasto de significados. O termo
comea a ser utilizado no sec. IV a. c. e, nessa altura, to somente,
comea por significar a criao dos meninos. Mas o seu significado
depressa se alarga passando a designar no s o processo educativo,
mas tambm o contedo e o produto desse processo. "O conceito
[Paideia] que originariamente designava apenas o processo de educao
como tal, alargou (...) a esfera do seu significado, exactamente
como a palavra alem Bildung (formao) ou a equivalente latina
cultura, do processo da formao passaram a designar o ser formado e
o prprio contedo da cultura (...). Torna-se assim claro e natural o
facto de os gregos, a partir do sec. IV, em que este conceito achou
a sua cristalizao definitiva, terem dado o nome de paideia a todas
as formas e criaes espirituais e ao tesouro completo da sua tradio,
tal como ns o designamos por Buildung ou, com a palavra latina,
cultura." (JAEGER, s.d.:328) Tal como ainda diz Jaeger "No se pode
evitar o emprego de expresses modernas como civilizao, tradio,
literatura, ou educao; nenhuma delas, porm, coincide realmente com
o que os Gregos entendiam por Paideia. Cada um daqueles termos se
limita a exprimir um aspecto daquele conceito global e, para
abranger o campo total do conceito grego, teramos de empreg-los
todos de uma s vez." (JAEGER, s.d.:1)
POST-SCRIPTUM
Algumas reflexes se nos oferecem a propsito da designao de
Politcnico, usada para denominar um conjunto de escolas e
instituies onde se ministra um ensino chamado, precisamente,
politcnico. A palavra , toda ela, como se sabe, de origem grega:
Poli = muito; techn = tcnica. Na expresso, o poli pode ser
interpretado em duplo sentido: no sentido de que, neste tipo de
instituies, se ministra um ensino apenas tcnico, muito tcnico,
exclusivamente ou especializadamente tcnico e no sentido em que,
nessas escolas, se ensinam e aprendem muitas e vrias tcnicas
diversificadas. De qualquer modo, os dois sentidos encontram-se,
evidentemente, inter-relacionados.23 Nesta acepo, a do sentido
etimolgico e literal da palavra, nada nos parece mais afastado do
ideal grego de Paideia do que uma educao politcnica. O ideal de
Paideia era uma educao total do homem como homem, uma educao humana
e humanista, no uma educao especializada e marcadamente tcnica.
Total porquanto se almejava a formao do homem como homem e como
cidado, formando-se o carcter e valorizando-se, deste modo, a
educao moral e cvica e no apenas a educao intelectual. Por outro
lado, Paideia era entendida como cultura geral, formao geral, a
nica que convm ao homem como homem e como cidado livre. Assim
concebida, nada nos parece mais alheio ao ideal educativo grego do
que, precisamente, uma educao dita politcnica.
Techn, em grego, significa tcnica, ofcio, habilidade, arte,
cincia aplicada. Usava-se para "descrever qualquer habilidade no
fazer, mais especificamente, uma espcie de competncia
profissional". (PETERS,1977:224) Os artfices ou artistas eram
aqueles que dominavam uma determinada tcnica, que possuam um
saber-fazer, isto , um conhecimento que lhes proporcionava como
saber fazer determinada coisa.
No que os gregos desprezassem a tcnica, mas distinguiam bem
diversas classes de saberes. A este propsito, Aristteles o filsofo
paradigmtico, definindo claramente tipos de conhecimento distintos:
o conhecimento emprico (empeiria), o conhecimento tcnico (techn), o
conhecimento prtico (prxis) e o conhecimento terico ou teortico
(theoria). Todos eles so saber (sophia): a empeiria um saber de
experincias feito; a techn um saber como, um saber fazer24; a prxis
um saber agir ou actuar e, por consequncia um saber prtico ou
tico-moral; a theoria saber pelo saber, saber pelo desejo de saber
ou saber pelo amor ao prprio saber. Por isso, de todos, a theoria o
saber mais autntico, constituindo a verdadeira sophia ou o
verdadeiro conhecimento (episteme), porquanto um saber que se busca
por si mesmo, pelo prprio amor de saber, e no tendo em vista
qualquer fim alheio a si mesmo, como o caso dos outros tipos de
saber, cujo fim alheio ao prprio saber, instituindo-se, portanto,
no como fins em si mesmos, mas fins para outra coisa; so saberes
que se procuram pela sua utilidade, so, pois, meios para outros
fins. Por isso tambm que a verdadeira sophia, a theoria,
conhecimento verdadeiro, episteme s a filosofia - philo-sophia.
Aristteles "distingue entre poiein, no sentido de 'produzir' (da
poietike episteme, cincia produtiva) e pratein (actuar), da
praktike episteme, cincia prtica." (PETERS,1977:193-194) Ora, "o
termo prprio que Aristteles usou para a cincia produtiva ou
aplicada techn" e, para ele, "a poietike techn por excelncia a
potica, qual (...) dedicou todo um tratado" (PETERS,1977:194)
A tcnica distingue-se, portanto, da prtica, a primeira estando
ligada ao fazer, no sentido de produzir (poiein) e a segunda ao
actuar (pratein).25
E "tal como foi definida por Aristteles (...) a techn uma
caracterstica (...) mais dirigida produo (poietike) do que aco
(praktike). Emerge da experincia (empeiria) de casos individuais e
passa da experincia techn quando as experincias individuais so
generalizadas (...): o homem experimentado sabe como mas no sabe
porqu (...). Assim, um tipo de conhecimento e pode ser ensinado."
(PETERS,1977:225-226) Se a tcnica um saber, um saber como se faz,
como se produz, um saber aplicado ou cincia aplicada, mas porque se
trata de um saber pode ser transmitido e ensinado. O sofista ,
precisamente, algum que possui uma tcnica, um saber tcnico: sabe
como fazer belos discursos, sabe como manejar a palavra, sabe como
convencer, sabe como argumentar. Dominando estes saberes ou estas
tcnicas, pode ensin-las. Os sofistas aparecem, por isso, como
tcnicos, porque dominam um saber tcnico especializado que
transmitem. So, neste sentido, os primeiros politcnicos da
histria.
Mas o saber por excelncia, o mais valorizado de todos a theoria,
o saber contemplativo e especulativo, que se busca a si mesmo, por
si mesmo e em si mesmo. Ela constitui o tipo superior da actividade
humana. Por isso, ela o saber que mais convm ao homem como
homem.
O sentido da paideia grega enquanto formao do homem como homem,
enquanto formao geral de todo e qualquer homem, parece, pois,
opor-se a uma formao especializada e meramente tcnica. Ou, se
preferirmos, uma educao tcnica especfica no dispensa, como seu
suporte e fundamento, uma formao geral do homem enquanto homem,
isto , uma verdadeira paideia. Uma formao humanista como alicerce
de uma formao tcnica: eis o que exige a paideia grega. No podemos
deixar de considerar a pertinncia e actualidade desta posio.
No deixa de ser curioso que, no caso portugus, os Institutos
Politcnicos tenham comeado por integrar e abrir Escolas Superiores
de Educao e s posteriormente Escolas Superiores de Tecnologia - que
hoje, alis, vo sendo cada vez mais procuradas, mais desenvolvidas e
mais diversificadas e alargadas pela criao de mais cursos tcnicos;
exactamente o contrrio do que se passa com as Escolas Superiores de
Educao, diga-se de passagem. Ser que, porque as Escolas Superiores
de Educao aparecem integradas dentro do Ensino Politcnico, e dado o
sentido etimolgico e usual da palavra, no corremos o risco de
encarar a educao apenas como uma tcnica? No haver o perigo de
considerar que a educao possa ser reduzida meramente a uma tcnica?
Que a formao de professores se reduza e se esgote numa mera formao
tcnica, esbatendo ou subalternizando a formao cientfica em que ela
se deve fundar e esquecendo ou desvalorizando a formao humanstica
que constitui o seu horizonte e lhe confere todo o sentido e
significado? Como se os professores e educadores fossem meramente
tcnicos e, portanto, pudessem ser apenas reduzidos ao estatuto de
funcionrios, como outros quaisquer funcionrios! que se a educao uma
cincia tambm uma arte e uma arte no no mero sentido de tcnica, mas
no sentido de criatividade, de originalidade, de predisposio e de
vocao, que lhe esto associados. Convm, por isso, relembrar o ideal
grego e voltar ao genuno sentido da paideia grega.
BIBLIOGRAFIA
ABBAGNANO, N. e VISALBERGHI, (1981), Histria da pedagogia I,
Lisboa, Livros Horizonte (col. Horizonte Pedaggico).
DEBESSE, M. e MIALARET, G. (1971), Trait des sciences
pdagogiques, 2 vol., Paris, PUF.
GOMES, Joaquim Ferreira (1967), Histria da educao, Coimbra
(Sebenta para uso dos alunos).
GUIMARES, Maria Alice (1974), Histria da educao, Aveiro,
Editorial Vouga.
JAEGER, Werner (s.d.), Paideia. A formao do homem grego, Lisboa,
Editorial Aster.
JANEIRA, Ana Lusa, (1987), Sistemas Epistmicos e Cincias. Do
Noviciado da Cotovia Faculdade de Cincias de Lisboa, Lisboa,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda. (Cf. o captulo intitulado A Escola
Politcnica para Aplicao no Exrcito e na Marinha (1837-1911),
pp.77-110.
LUZURIAGA, Lorenzo (1970), Pedagogia, 7 ed., S. Paulo, Editora
Nacional (col. Actualidades Pedaggicas,56)
LUZURIAGA, L. (1977), Histria da educao e da pedagogia, 9 ed.,
S. Paulo, Editora Nacional (col. Actualidades Pedaggicas,59).
LEI 46/86 de 14 de Outubro, Lei de Bases do Sistema Educativo
(L.B.S.E.) in: Dirio da Repblica, I Srie, n. 237, p. 3067-3081.
MIALARET, G. e VIAL, J. (1981), Histoire mondiale de l'ducation,
1 vol., Paris, PUF.
MONROE, Paul (1978), Histria da educao, 13 ed., S. Paulo,
Editora Nacional (col. Actualidades Pedaggicas).
MORANDO, Dante (1961), Pedagoga. Historia crtica del problema
educativo, 2 ed., Barcelona, Editorial Lus Miracle, S.A.
PEREIRA, Maria Helena Rocha (1970), Estudos de histria da
cultura grega, 1 vol., 3 ed., Lisboa, fundao Calouste
Gulbenkian.
PEREIRA, M. Helena Rocha (1971), Hlade. Antologia da cultura
clssica, 3 ed., Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, Instituto de Estudos Clssicos.
PETERS, F. E. (1977), Termos filosficos gregos. Um lxico
histrico, Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian.
PLATO (1972), Apologia de Scrates. Eutfron. Crton, Lisboa, Verbo
(col. Biblioteca Bsica Verbo,64, Livros RTP)
PLATO (1973), Grgias. O Banquete. Fedro, Lisboa, Verbo.
PLATO (1990) A Repblica, 6 ed., Lisboa, Fundao Calouste
Gulbenkian.
PLATO (1969), Dilogos: Mnon, Banquete, Fedro, Rio de Janeiro,
Edies de Ouro.
SANTOS, Boaventura de Sousa, (1989) Da Ideia de Universidade
Universidade das Ideias, in: Revista Crtica de Cincias Sociais,
Coimbra, Centro de Estudos Sociais, n. 27/28, p. 11-62.
SARRAMONA, Jaume (1989), Fundamentos de educacion, Barcelona,
CEAC,(cap. XI).
TORGAL; Lus Reis, (1990) Da(s) Crise(s) e do(s) mito(s) da(s)
Universidade(s), in: Revista de Histria das Ideias, vol. 12,
7-17.
* Professora-Adjunta da ESEV
Notas:
1 A romanizao o processo de aculturao ou enculturao dos povos
conquistados, segundo o qual a cultura romana difundida, estendida
e inculcada em todos os territrios pertencentes ao imprio; mas se a
cultura romana, que vai alastrar e se vai levar a todos os pontos
do imprio, j o resultado da fuso entre a cultura romana original e
a cultura grega, segue-se que a romanizao tambm, embora
indirectamente, uma forma de helenizao. assim e por esta via que,
fundamentalmente, a cultura grega comea por exercer a sua influncia
na Europa.
Especificamente, em matria de educao "O mesmo ideal triunfa em
Roma (...) e tudo isso que Roma e atravs dela o Ocidente romanizado
herdam do helenismo. Bem entendido, esta transferncia no acontece
sem os retoques e as inflexes que lhe impem o gnio e a fora prprios
da tradio romana. A interpretao romana da Paideia (...) constitui
na histria humana uma etapa insubstituvel, pois que ela serve de
mediao, transmitindo Europa moderna o sistema e a Pedagogia da
Paideia grega." (MIALARET e VIAL: 1981, 187).
2 E as justificaes que se do para tal facto so do mesmo teor.
Assim, o estudo da educao nos povos primitivos "... de pouca
utilidade para a formao do pedagogo actual (...)
A mesma considerao nos leva a pr de lado o estudo da educao nos
povos orientais, quer os do Extremo Oriente (chineses e hinds) quer
os do Mdio Oriente (egpcios, caldeus, persas e judeus)." (GOMES:
1967,9) E conclui o mesmo autor "...o estudo da educao nas
civilizaes orientais tem escasso interesse para a prtica pedaggica
actual. Iniciaremos, por isso, o nosso Curso com o estudo da educao
na Grcia, e principalmente em Atenas..." (GOMES: 1967,10)
No mesmo sentido vo as afirmaes seguintes: "Alguns autores
consideram desnecessrio o estudo da educao nos povos primitivos e
nos povos da Antiguidade Oriental, por o seu valor educativo, hoje,
sob o ponto de vista educativo, ser escasso (...)" E acrescenta o
autor, "Seguindo um critrio histrico, comearemos por dizer alguma
coisa sobre tais sociedades, no esquecendo, no entanto, que a
verdadeira educao nasceu na Grcia." (GUIMARES: 1974, 15)
3 Paideia e filosofia so, talvez, entre todas, as maiores e mais
originais criaes culturais do gnio e do esprito gregos. A isso no
alheia, com certeza, a sua eterna presena e a sua tenaz influncia,
ao longo da histria e at aos nossos dias, na cultura ocidental. A
este propsito diz Werner Jaeger no Prlogo da obra que dedica
Paideia "o conhecimento essencial da educao (Paideia) grega
constitui um fundamento indispensvel para todo o conhecimento ou
intento de educao actual." Mais frente, afirma que "aprendemos
muito dos gregos", e que "Isto aplica-se criao mais bela do esprito
grego, ao mais eloquente testemunho da sua estrutura mpar: a
filosofia." (JAEGER:,s.d., 11) Esta ltima posio extremada em dois
outros especialistas na cultura grega: "A menos que queiramos usar
o termo em sentido to lato que o esvaziemos de todo o sentido
especfico, no h provas de que a Filosofia jamais se tenha originado
em qualquer parte, excepto sob a influncia grega." (Burnet, The
Legacy of Greece, cit. por PEREIRA: 1970. 201)
"No quereramos impedir ningum de, por convico ou por outros
motivos polticos, elevar s alturas que lhe aprouver os clssicos
hindus e chineses. Mas esses nada tm que ver com aquilo que, depois
de Plato e Aristteles, somos historicamente obrigados a chamar
filosofia." (Gigon, Grundprobleme der antikem Philosophie cit. por
PEREIRA: 1970, 201)
Parecem ser estes os legados mais substantivos que herdmos dos
gregos: a ideia de Paideia e a inveno da filosofia.
4 "E esses sofistas, que so os nicos a apresentarem-se como
professores de virtude (aret) - crs que de facto o sejam?" (Plato,
Mnon, 104)
5 Cf. Aristteles, tica a Nicmaco, obra que Aristteles dedica a
seu filho Nicmaco, querendo seu pai que ele seja educado como um
homem de bem, um homem bom, um homem virtuoso, isto , um homem
feliz. Na realidade, para o Estagirita, o valor fundamental da tica
o Bem e o maior de todos os bens, o Supremo Bem, a Felicidade. E a
felicidade no outra coisa seno ser-se aquilo que se , ou seja, a
suprema felicidade do homem consiste em tornar-se e em ser aquilo
que o homem na sua essncia: animal racional, animal possuidor de
logos. S o que s, comporta-te racionalmente como quem s, faz uso da
tua razo - assim realizars o supremo bem e sers feliz, eis o que
Aristteles ensina a seu filho e metaforicamente a todos os
homens.
6 No nos deteremos aqui na chamada Questo Homrica, que consiste
no problema, at agora no resolvido, da autoria da Ilada e da
Odisseia, tratando-se de saber se ambos os poemas podem ser
atribudos a um mesmo autor ou se, pelo contrrio, a autores
vrios.
7 Tambm a palavra aristeia, da mesma famlia etimolgica, passou a
designar a descrio dos combates valorosos entre dois guerreiros,
narrao essa que termina com o triunfo de um heri sobre o seu feroz
adversrio. Assim, por exemplo, a aristeia de Diomedes (canto V), a
aristeia de Agammnon (canto XI), a aristeia de Menelau (canto
XVII), o duelo entre jax e Heitor (canto VII), a aristeia de
Ptroclo, tambm chamada Patrocleia, (canto XVI), terminando com a
morte deste s mos de Heitor.
8 O termo aristocracia guarda ainda este sentido, enquanto o seu
significado literal "governo dos melhores".
9 Mas a justia , agora, concebida como a lei dos homens. Thmis
era o termo utilizado nos Poemas Homricos para justia. Mas thmis a
justia divina, a justia estabelecida e distribuda pelos Deuses ou
pelo Destino (moira). Como diz Heitor "Garanto-te que nunca homem
algum, bom ou mau, escapou ao seu destino, desde que nasceu." Na
poca clssica, Dyk ser o termo que designa justia, a justia que
devida a cada um, e a justia que funda a eunomia, a boa ordem, a
ordem estabelecida pela prpria justia, e a isonomia, a igualdade de
direitos entre todos os cidados, ou seja, a mesma justia para
todos.
10 Evidentemente que esta educao era exclusivamente dirigida a
crianas livres do sexo masculino. A educao feminina domstica e a
cargo da me, no gineceu. Ser preciso esperar por Plato para vermos,
pela primeira vez, defendida a educao para as mulheres.
11 Porque a educao em Esparta possui, como se sabe,
caractersticas muito especficas, as quais so, como cremos, mais ou
menos conhecidas, e porque, dada a sua peculiaridade, um caso parte
que no tem repercusses nem influncia significativa no ideal global
da educao grega, no a trataremos aqui.
12 De facto, s representaes trgicas assistia, em peso, toda a
cidade e at os mais pobres podiam levantar gratuitamente os seus
bilhetes.
13 Em passos seguintes, a expresso utilizada por Protgoras j
techn politiks (cf. Plato, Protgoras, 322 b in: PEREIRA,
1971,394-395.
Mas, como se sabe, ainda hoje est por resolver a questo de saber
se a pedagogia uma cincia ou uma arte. Ora, no foi como cincia, mas
sim como arte (techn) que os sofistas encararam a educao.
14 Cf. PLATO, Protgoras, 349 a, onde se afirma que os sofistas
pretendem "ensinar a virtude" (Paideusis kai arets didaskalos), ou
que afirmam "educar homens" (Paideuein antropous), como aparece na
Apologia de Scrates (19 e), ou ainda que se reclamam "possuir
conhecimentos de aret humana e poltica" (PLATO, Apologia de
Scrates, 20 b. Na traduo portuguesa consultada ver pp. 69-70.
15 Neste sentido, pode talvez dizer-se que, com os sofistas, se
realizou, pela primeira vez, o princpio da liberdade de ensinar e
de aprender. De facto, eles ensinam aquilo em que, por opo sua, se
tornaram especialistas (sophos) e s aceita os seus ensinamentos
quem os deseja. Cf. PLATO, Protgoras, 318 e, onde o prprio
Protgoras tece estas consideraes: "- Os outros sobrecarregam os
jovens. Quando estes procuram fugir de um tecnicismo excessivo, os
sofistas foram-nos a atirar-se sobre ele, ensinando-lhes o clculo,
a astronomia, a geometria e a msica - e, ao mesmo tempo que dizia
isto, lanava um olhar a Hpias - ao passo que quem vier ter comigo
no estudar mais nada seno o assunto que o trouxe c."
16 Porque a concepo e o modo de educao socrtica j foi objecto de
um outro artigo, abstemo-nos de o tratar aqui com mais detalhe. Cf.
FONSECA, Maria de Jesus, Scrates..., in: MILLENIUM,1996,4,
38-55.
17 Tambm j nos referimos a Plato num outro artigo, para o qual
remetemos o leitor, e embora a o tema no fosse exactamente a educao
tal como Plato a concebe, para no alongar mais este texto,
guardamos para uma outra oportunidade o retorno a Plato. Cf.
FONSECA, Maria de Jesus, Cincias da Educao e Filosofia da Educao,
in: MILLENIUM, 1997, 2, 119-126. (Ver, especificamente, p. 120)
18 A indissolubilidade destes conceitos, homem e educao, j foi
realada noutro texto: Cf. FONSECA, Maria de Jesus, Conceitos
fundamentais subjacentes ao tema proposto, in: MILLENIUM, 1997, 6,
133-138.
19 Por isso que o contedo desta formao geral se foi
sucessivamente alargando: "no incio era apenas a ginstica e a msica
mas o currculo estendeu-se leitura e escrita, depois arte da
palavra ou retrica e finalmente arte de pensar ou filosofia." De
qualquer modo, "o ponto de partida - ele vai deixar um trao
profundo na prpria concepo de ensino - a formao desinteressada no
visando a preparao para uma profisso mas simplesmente formar o
carcter e o cidado." (MIALARET e VIAL, 1981:29)
20 S assim se compreende que Scrates possa ser considerado o
fundador da antropologia filosfica.
21 O sublinhado nosso.
22 Parece oportuno relembrar aos poderes polticos que a educao
se lhes impe "como uma obrigao e um destino", como uma tarefa da
qual no podem demitir-se, sob pena de fugirem sua misso social que
a sua prpria razo de ser. verdade que, entre ns e na actual situao
portuguesa, o poder poltico assegura a sua misso social e
educativa, mas apenas e essencialmente no que respeita Educao
Bsica, ao Ensino Bsico que, por ser bsico, , necessariamente,
universal e, corolariamente sua universalidade, obrigatrio e
gratuito. Mas o que dizer relativamente ao cumprimento dessas funes
no que respeita aos outros nveis de ensino? Temos em vista,
evidentemente, o caso mais flagrante, mais na ordem do dia, o mais
discutido e aquele onde a guerra se instalou h j longo tempo - o
caso do Ensino Superior. Com efeito, relativamente ao Ensino
Superior, o Estado quer delegar-se e desresponsabilizar-se da sua
funo, considerando que a ele, ensino superior, que compete
fundamentalmente encontrar as suas prprias fontes de financiamento
e, portanto, assegurar a sua subsistncia ou mesmo a sua
sobrevivncia. "O Estado, liberto da sua misso social, que deveria
ser a razo das suas funes, deixa Universidade a 'liberdade' e o
dever de angariar os seus prprios fundos, merc de convnios
realizados com as empresas e at do elevado pagamento de propinas.
Da que a autonomia universitria acabe por ser uma arma utilizada
pelo Estado, no s para responsabilizar a Universidade pelos 'seus
erros', mas tambm para justificar os baixos oramentos que lhe so
por ele atribudos." (TORGAL, 1990:13) Ora, entender do mesmo autor
quanto nosso que "A Universidade tem de manter uma finalidade
social (...). E o Estado no pode descomprometer-se da construo
dessa finalidade, luz dos princpios constitucionais que o regem"
(TORGAL, 1990:14) e, sendo assim, evidente que "A Autonomia da
Universidade uma conquista a preservar. Mas Autonomia no significa
independncia, nem desresponsabilidade do Estado." (TORGAL,
1990:16)
Retorquir-nos-o que h que fazer escolhas e definir prioridades e
que, por isso, h que assegurar o Ensino Bsico porque s ele bsico,
isto , essencial e, tambm por isso, comum a todos. Responderemos
que tudo depende do que se entende por bsico. Ser suprfluo, isto ,
no ser bsico, para uma sociedade, assegurar uma formao integral, de
nvel superior, se no a todos pelo menos maior parte dos seus
membros, aqueles que o desejarem? Ser excedentrio e, portanto,
muito para alm do que bsico, formar cidados "com uma slida preparao
cientfica e cultural" (ponto 3 do art. 11 da L.B.S.E.) ou com "uma
slida formao cultural e tcnica de nvel superior"? (ponto 4 do art.
11 da L.B.S.E.) Ser que isso no se repercutir na prpria sociedade,
no seu desenvolvimento e no seu progresso? Ser que, com isso, no
promoveremos uma sociedade melhor?
23 Esta intercepo entre os dois sentidos referidos, constata-se
na nossa LBSE onde, no ponto 2 do art14, se l "O ensino politcnico
realiza-se em escolas superiores especializadas nos domnios da
tecnologia, das artes e da educao, entre outros." (O sublinhado
nosso.) Sendo assim, cada escola superior politcnica especializada
num determinado domnio e todas, no seu conjunto, ensinam, ento,
muitas e diversas tcnicas.
24 De facto, o possuidor do saber tcnico, sabe fazer, sabe como
fazer, mas no sabe porque faz, isto , no fundamenta o como no
porqu, incapaz de enquadrar o que faz e como o faz na razo de ser
que lhe daria sentido e significado. Este desconhecimento do porqu,
que suporta, legitima, ilumina, esclarece e funda o como se faz,
implica que o saber tcnico, assim concebido, seja um saber fundado
apenas na experincia, no hbito, na rotina, na repetio mecnica dos
mesmos gestos. S a theoria permitiria explicar e compreender o como
se faz, esclarecendo as razes do porque se faz assim e no de outro
modo e, desta forma, s ela daria inteligibilidade ao como se
faz.
25 "Segundo Aristteles, quando as aces se seguem a uma escolha
deliberada (proairesis) podem considerar-se morais ou imorais
(...), e da ciarem dentro do campo das cincias prticas" (episteme
praktikai), isto , tica e poltica, que tm como objecto o bem que
visado pela aco." (PETERS,1977:195) Cf. Aristteles, tica a
Nicmaco.
SUMRIO