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A Etica DaVida-Leonardo Boff

Jul 12, 2015

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    ,nardoBOFF

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    Leonardo Boff

    ,ETICA D A V IDAA Nova Centralidade

    !EDITORA RECORDRIO DE JANEIRO SAO PAULO

    2009

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    CIP-BRASIL. CATALOGA

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    INTRODU~AoOuestocs de ecologia, etica e espiritualidade sao recorrentes nosdebates dos ultimos tempos. Todas elas refletem a crise de civili-zacao pela qual estamos passando. Todas elas tambem visam aoferecer elementos para urn novo paradigma civllizatorlo queesta emergindo e que pode dar sentido a nova fase da hurnanida-de, a fase planetaria.

    Apresentamos aqui uma serie de textos nascidos de debates ede foruns realizados noBrasil e no exterior. Urnfio condutor lhesconfere unidade: a esperanca de que nao vamos de encontro aurn desastre, mas ao encontro de urn novo renascimento. As cri-ses sao purificadoras e 0 caos momentaneo prepara a irrupcao deuma ordem mais alta e integradora.

    Todos os saberes, instituicoes e caminhos espirituais sao con-vocados a oferecer sua contribuicao e a produzir luz. Tambem 0cristianismo. Em razao disso, abordamos aqui os temas tratadosde forma interdisciplinar e a mais aberta possivel,

    Preocupa-nos de forma singular a espiritualidade, E no inte-rior dela que trazemos de volta aquele elo esquecido ou perdidoque liga e re-liga todas as coisas a urn Centro de sentido e de ir-radiacao que toma sagrada a vida e leve nossa trajetoria por estemundo conturbado.

    Se estes textos ajudarem 0 leitor a mudar seu estado de cons-ciencia para que se afine com mais sutileza ao novo que vira,terao cumprido sua modesta missao.

    Importa sempre esperar, porque se nao esperarmos, dizia urnsabio antigo, nao captaremos 0 inesperado quando ele passar,

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    D E S A F IO S E T IC O - S O C I A ISD A E C O L O G IA

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    1 . Para onde vai a ecologia?

    Te nd en cie s d a d ls cu ss ao e co l6 gic a a tu al

    Ernst Haeckel, biologo alemao (1834-1919), criou em 1866 apalavra ecologia e definiu-lhe 0 significado: 0 estudo do inter-retrorrelacionamento de todos os sistemas vivos e nao vivos en-tre si com seu meio ambiente, entendido como uma casa, dondederiva a palavra ecologia (oikos, ern grego = casal. Deurn discur-so regional como subcapitulo da biologia, passou a ser atualmen-te urn discurso universal, quica 0 de rnaior forca mobilizadora dofuturo milenio. Na abundancia de propostas, queremos apresen-tar, como numa leitura de cegos, as tendencias mais relevantesda discussao atual.

    Ela se da ern quatro formas de realizacao da ecologia:a e co lo gia a mb ie nta l, a e co lo gia so cia l, a e eo lo gia m en ta l e aeco log ia in teg ra l .

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    Eco lo g ia amb i en t alEssaprimeira vertente preocupa-se com0meio ambiente, p.ara

    que nao sofra excessiva desflguracao, visando a qualidade deVl~a,a preservacao das especies em extincao e a permanente renovacaodo equilibrio dinamico, urdido em milhoes e milhoes de anos deevolucao, Ela ve, entretanto, a natureza fora do ser humano.e.dasociedade. Procura tecnologias novas, menos poluentes, privile-giando solucoes tecnicas. E importante essa postura, porque b~cacorrigir excesses da voracidade do projeto industrialista mundial,que implica sempre custos eco16gicosaltos.

    Se nao cuidarmos do planeta como um todo, podemos sub-mete-In a graves riscos de destruicao departes da biosfera e, noseu termo inviabilizar a pr6pria vida no planeta. Basta que se, .utilizem as armas nucleates, quimicas e biologicas dos arsenaisexistentes e se continue irresponsavelmente poluindo as aguas,envenenando os solos, contaminando a atmosfera e agravandoas injusticas sociais entre a Norte e a SuI para se provocar umquadro apocaliptico.

    Eco lo g ia so c ia lA segunda - a ecolog ia so cial - nao quer apenas 0 meio

    ambiente. Quer 0 ambiente inteiro. Insere a ser hurnano e a so-ciedade dentro da natureza como partes diferenciadas dela,Preocupa-se nao apenas com 0 embelezamento da cidade, commelhores avenidas, com pracas ou praias mais atrativas, mastambem prioriza saneamento basico, uma boa rede escolar e urnservice de saude decente. A injustica social significa violenciacontra 0 ser mais complexo e singular da criacao, que e a serhumano, homem e mulher. Ele e parte e parcela da natureza.

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    Segundo essa cornpreensiio, a injustica social se mostra, por-tanto, como injustica ecologies contra 0 todo natural-culturalhumano. A ecologia socialluta por urn desenvolvirnento susten-tavel. E aquele que atende as carencias basicas dos seres huma-nos de hoje sem sacriflcar 0 capital natural daTerra,tornando emconslderacao tambem as necessidades das geracoes de amanha,pois elas tern direito a sua satisfacao e a herdar uma Terra habi-tavel, com relacoes humanas minirnamente decentes,

    Mas a tipo de sociedade construida nos ultimos 400 anosimpede de realizar um desenvolvimento sustentavel. Ela e "ener-gfvora", montou um modelo de desenvolvimento que pratica sis-tematicamente a pilhagem dos recursos daTerra e explora a forcade trabalho. As forcas produtivas e as relacoes de producao saovistas atualmente como forcas destrutivas e relacoes deproducaode desequilibrios ecol6gicos desproporcionais. Nos quadros atu-ais, 0 desenvolvimento sustentavel permanece urn desiderata erepresenta uma negacao do atual modelo social de producao.

    No imaginarlo dos fundadores da sociedade modema, 0 de-senvolvimento movia-se dentro de dois infinitos: 0 infinito dosrecursos naturais e 0 infinito do desenvolvimento rumo ao futu-ro. Essa pressuposicao se revelou ilusoria. Os recursos nao saoinfinitos. A maioria esta se exaurindo, principalmente a aguapotavel e os combustiveis fossels, E 0 tipo de desenvolvimentolinear e crescente rumo ao futuro nao e universalizavel, Portanto,nao e infinito. Se as familias chinesas quisessem ter 0 nivel deconsumo perdulario norte-americano, isso implicaria a exclusaoe a morte de milhoes e milhoes de pessoas.

    Precisamos, pois, de mais do que urn desenvolvimento sus-tentavel, que encontre para si 0 desenvolvimento viavel para asnecessidades de todos. 0 bem-estar nao pode ser apenas social,mas tem de ser tambem sociocosmico. Ele tern de atender aosdemais seres da natureza, como as aguas, asplantas, as animais,

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    os mlcro-organismos, pois todos juntos constituem a comunida-de planetaria em que estamos inseridos, e, sem eles, nos mesmosnao viveriamos.

    E c ol og ia m e n ta l

    A terceira - a ec olo qia m en ta l -, chamada tambern de ecolo-g i a p ro fu nda , sustenta que as causas do deficit da Terra nao seencontram apenas no tipo de sociedade que atualmente temos,mas tarnbem no tipo de mentalidade que vigora, cujas raizes re-montam a epocas anteriores a nossa hist6ria modema, incluindoa profundidade da vida psiquica humana consciente e incons-ciente, pessoal e arquetiplca.

    Ha em n6s instintos de violencia, vontade de dominacao, ar-quetipos sombrios que nos afastam da benevolencia em relacao avida e a natureza. Ai dentro da mente humana seiniciam os me-canismos que nos levam a uma guerra contra a Terra. Eles seexpressam par uma categoria: 0 antropocentrismo.o antropocentrismo considera 0 ser humano rei/rainha do uni-verso. Considera que as demais seres so tern sentido quando orde-nados ao ser humano; eles estao ai disponiveis ao seu bel-prazer,Bssa compreensao quebra com a lei mais universal: a solidariedadecosmica. Todos os seres sao interdependentes e vivem dentro deuma teia intrincadissima de relacoes. Todos sao importantes.

    Nao existe isso de alguem ser rei/rainha e considerar-se Inde-pendente, sem precisar dos demais. A modema cosmologia nosensina que tudo tern a ver com tudo em todos os momentos e emtodas as circunstancias, 0 ser humano esquece essa intrincadarede de relacoes. Afasta-se dela e poe-se sobre as coisas, em vezde sentir-se junto e com elas, numa imensa comunidade planeta-ria e c6smica.

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    Eis algumas tarefas importantes a que se propoe a ecologiamental: trabalhar numa politica da sinergia e numa pedagogia dabenevolencia, a vigorar em todas as relacoes socials, comunitariase pessoais; favorecer a recuperacao do respeito para com todos osseres, especialmente as vivos, pois sao muito mais velhos do quen6s; e, par fim, propiciar uma visao nao materialista e espiritualda natureza quepropicie 0 re-encantamento em face da sua COID-plexidade e a veneracao diante do misterio do universo.

    Isso somente se consegue se antes for resgatada a dimensaoda anima, do feminino no homem e na mulher, Pelo feminino 0ser humano se abre ao cuidado, se sensibiliza pela profundidademisteriosa da vida e recupera sua capacidade de maravilhamento.o feminino ajuda a resgatar a dimensao do sagrado. 0 sagradoimpoe sempre limites a manipulacao do mundo, pais ele da ori-gem a veneracao e ao respeito, fundamentais para a salvaguardada Terra. Cria a capacidade de re-ligar todas as coisas a sua Fontecriadora e ordenadora, Dessa capacidade re-Iigadora nascem to-das as religioes. Importa hoje ver revitalizadas as religioes, paraque cumpram sua funcao re-ligadora e encontrem expressoes re-ligiosas adequadas a nova experiencia ecol6gica, que e ecumeni-ca, holistica e mistica. A crise ecologica, para ser superada, exigeurn outro perfil de cidadaos, com outra mentalidade, mais sensi-vel, mais cooperativa e mais espiritual. Eis as boas razces de umaecologia mental.

    E c ol og ia in t eg ra l

    Por fim, a quarta - a ecoloqia i nt eg ra l - parte de uma novavisao da Terra, inaugurada pelos astronautas a partir dos anos1960, quando se Iancararn os primeiros foguetes tripulados. Elesveem a Terra fora da Terra. La de sua nave espacial ou da Lua,

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    como testemunharam varies deles, a Terra aparece como urn res-plandecente planeta azul-branco que cabe na palma da mao e quepode ser escondido detras do polegar humano. Daquela distanciaborram-se as diferencas entre ricos e pobres, ocidentais e orien-tais, neoliberais e socialistas. Todos sao igualmente humanos.

    Mais ainda. Daquela perspectiva, Terra e seres humanos emer-gem como uma unica entidade. 0 ser humano e a propria Terraenquanto sente, pensa, ama, chora e venera. A Terra emerge, sim,como 0 terceiro planeta de urn Sol que e apenas urn entre 100bilhoes de outros de nossa galaxia, que, por sua vez, e uma entrerna i s de 100 bilhoes de outras do universo; universo que, possi-velmente, e apenas urn entre outros paralelos e diversos do nos-so. E nos, seres humanos, evoluimos a tal ponto de podermosestar aqui para falar disso tudo, sentindo-nos l igados e re-ligadosa todas essas realidades. E tudo caminhou com talcalibragemque permitiu a nossa existencia aqui e agora. Caso contra rio, naoestariamos aqui.

    Os cosmologos, vindos da astrofisica, da fisica quantica, danova biologia, numa palavra, das ciencias da Terra, nos advertemque 0 inteiro universo se encontra em cosmogenese. Isso signif i-ca: ele esta ainda em genese, constituindo-se e nascendo, for-mando um sistema aberto, sempre capaz de novas aquisicoes enovas expressoes. Portanto, nada esta pronto e ninguem acaboude nascer, Por isso, temos de ter paciencia com 0processo global,uns com os outros e tambem conosco, pois nos, humanos, esta-mos Igualmente em processo de antropogenese, de const ituicao ede nascimento.

    Tres grandes emergencias ocorrem na cosmogenese e na an-tropogenese: a complexidade/diferenciacao [1), a auto-organiza-\ao/consciencia (2) e a re-l igal.;ao/relal .;ao de tudo com tudo (3) .A partir de seu primeiro momenta apos 0 Big-Bang, a evolucaoesta criando mais e mais seres diferentes e complexos (1). Quanto

    mais complexos, mais se auto-organizam, mas mostram interio-ridade e possuem mais e mais niveis de consciencia (2), ate che-garem a consciencia reflexa no ser humano. 0 universo, pois,como urn todo, possui uma profundidade espiri tual . Para estar noser humano, 0 espirito estava antes no universe. Agora emergeem nos na forma da consciencia reflexa e da "amorizacao" Equanta mais complexo e consciente, mais se relaciona e se re-ligacom todas as coisas (3), fazendo com que 0 universo seja real-mente universo, uma totalidade organica, dinamica, diversa, ten-sa e harmonica - cosmos e nao caos .

    As quatro interacoes existentes - a gravitacional, a ele-tromagnetica e a nuclear fraca e forte - constituem os princl-pios diretores do universo, de todos os seres, tam bern dos sereshumanos. A galaxia mais distante se encontra sob a al.;ao des-sas quatro energias primordiais, bern como a formiga que ca-minha sobre minha mesa e as neur6nios do cerebro humanocom os quais fa I.; 0 estas reflexoes. Tudo se mantem ligado ere-ligado num equilibrio dinarnico, aberto, passando pelo caosque e sempre generativo, pois propicia urn novo equilibriomais alto e complexo, desembocando numa outra ordem, ricade novas potencialidades.

    Conc l u sao : u m a v is a o h olls tic a e l ib e rt ad o ra d a e co lo g iaA ecologia integral procura acostumar 0 ser humano com

    essa visao global e holistica. 0 holismo nao significa a soma daspartes, mas a captacao da totalidade organica, una e diversa emsuas partes, sempre articuladas entre si dentro da totalidade econstituindo essa totalidade.

    Essa cosrnovisao desperta no ser humano a consciencia desua funcao dentro dessa imensa totalidade, Ele e urn ser que pode

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    18 L eon ar do B o ffcaptar todas essas dimensoes, alegrar-se com elas, louvar e agra-decer aquela Inteligencia que tudo ordena e aquele Amor quetudo move, sentir-se urn ser etico, responsavel pela parte do uni-verso que lhe cabe habitar - a Terra.

    Ela, a Terra, e , segundo notaveis cientistas, urn superorganis-mo vivo, denominado Gaia, com calibragens refinadissimas deelementos fisico-quimicos e auto-organizaclonals que somenteurn ser vivo pode ter, Nos, seres humanos, podemos ser 0 sata daTerra, como podemos ser seu anjo da guarda born. Somos cor-responsaveis pelo destine de nosso planeta, de nossa biosfera, denosso equilibrio social e planetario,

    Essa visao exige uma nova civilizacao e urn novo tipo dereligiao, capaz de re-ligar Deus e mundo, mundo e ser humano,ser humano e espiritualidade do cosmos.o cristianismo e levado a aprofundar a dimensao cosmicaque sempre esteve presente na sua fe , Deus esta em tudo e tudoesta em Deus (panenteismo, que nao e panteismo, pelo qual seafirma equivocadamente que tudo e indiferenciadamente Deus).A encarnacao do Filho implica assumir a materia e inserir-se noprocesso cosmico {oCristo cosmico de S. Paulo, de Duns Scotuse de Teilhard de Chardin}. A manifestacao do Espirito Santo serevela como energia universal que faz da criacao seu templo eseu lugar privilegiado de acao, Se 0 universo e uma teia intrin-cadissima de relacoes, onde, como diziamos acima, tudo tern quever com tudo em todos os momentos e em todos os lugares, en-tao a forma de nomear 0 Deus dos cristaos, isto e, como SS.Trindade, constitui 0 prototipo desse jogo de relacoes. A Trinda-de nao representa urn enigma maternatico, mas significa enten-der 0misterio ultimo como comunhao, como uma inter-relacaoabsoluta de tres divinas Pessoas que sempre emergem simulta-neamente num jogo de entrelacamento para dentro e para fora,sem fim e etemo.

    E tic a d a v id a 19A partir dessa visao verdadeiramente holistica (globalizado-

    ra], compreendemos melhor 0 ambiente e a forma detrata-lo comrespeito (ecologia ambiental], Apreendemos as dimensoes da so-ciedade, que deve possuir sustentabilidade e ser a expressao da"convivialidade" nao so dos humanos, mas de todos os seres en-tre si [ecologia social). Damo-nos conta da necessidade de supe-rarmos 0 antropocentrismo em favor de urn cosmocentrismo e decultivarmos uma intensa vida espiritual, pois descobrimos a forcada natureza dentro de nos e a presenca das energias espirituaisque estao em nos e que atuam desde 0 inlcio na constltuicao douniverso (ecologia mental). E, por fim, captamos a importanciadetudo integrar, delancar pontes para todos os lados e de enten-der 0universo, a Terra e cada urn denos como urn no de relacoesvoltado para todas as direcoes (ecologia integral).

    Somente no vaivem dessas relacoes, e nao fora delas, nossentiremos realizados e interiormente serenades, construindo urndesenvolvimento com a natureza e jamais contra ela. Importafazermos as pazes e nao apenas dar uma tregua a Terra. Cumprerefazermos uma alianca de fratemidade/"sororidade" e de respei-to para com ela. E sentirmo-nos imbuidos do Espirito que tudopenetra e daquele Arnor que, no dizer de Dante, move 0 ceu, to-das as estrelas e tambem nossos coracoes,

    Nao cabe opormos as varias correntes da ecologia, mas dis-cemirmos como se complementam e em que medida nos ajudama sermos urn ser de relacoes, produtores de padroes de comporta-mentos que tenham como consequencia a preservacao e a poten-ciacao do patrimonio formado ao longo de 15 bilhOes de anos.Custosamente ele chegou ate nos, e e nosso dever passa-Ic adian-te, enriquecido, dentro de urn espirito sinergetico e afinado coma grande sinfonia universal.

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    2. E cologia social em face da pobreza e da exclusaoHoje se fala das muitas crises sob as quais padecemos: crise eco-n6mica, energetica, social, educacional, moral, ecologies e espi-ritual. Se olharmos bern, verificaremos que, na verda de, em todaselas se encontra a crise fundamental: a crise do tipo de civiliza-

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    22 L eo na rd o B o ffMundo (uma primeiromundializacao do Terceiro Mundo), nomeio da miseria generalizada.

    As criticas a seguir visam a denunciar as causas dessasltuacao,

    C rltic as ao m od elo de so cie da de atu al e a ecologiaHa tres linhas de critica ao modelo de civilizacao e de so-

    ciedade atual, como foi sobejamente apontado por notaveisanalistas.A primeira e feita pelos movimentos de libertacao dos opri-midos. Ela diz: 0micleo desta sociedade nao esta construido so-bre a vida, 0 bem comum, a participacao e a solidariedade entreos humanos. 0 seu eixo estruturador esta na economia de cortecapitalista. Ela e um conjunto de poderes e instrumentos de cria-c;ao de riqueza - e aqui vern a sua caracteristica basica - me-diante a depredacao da natureza e a exploracao dos sereshumanos. A economia e a economia do crescimcnto ilimitado, notempo mais rapido possivel, com 0 minimo de investimento e amaxima rentabilidade. Quem conseguir se manter nessa dlnami-ca e obedecer a essa logica acumulara e sera rico, mesmo a custade um permanente processo de exploracao.

    Portanto, a economia orienta-se por um ideal de desenvolvi-mento material que melhor chamariamos, simplesmente, de cres-cimento, que se poe entre dois infinitos, como acenamos nocapitulo anterior: 0 dos recursos naturais pressupostamente lli-mitados e 0 do futuro indefinidamente aberto para a frente.

    Para esse tipo de economia do crescimento, a natureza e de-gradada a condicao deum simples conjunto de recursos naturals ,ou materia-prima, disponivel aos interesses humanos particula-res. Ostrabalhadores sao constderacos-recarsos humanos ou, pior

    E tk a d a v id a 23ainda, ma te ri al h umano , em funcao de uma meta de producao,Como se depreende, a visao e instrumental e mecanicista: pesso-as, animais, plantas, minerais, enfim, todos os seres perdem 0 seuvalor intrinseco e sua autonomia relativa. Sao reduzidos a merosmeios para um fim fixado subjetivamente pelo ser humano, quese considera 0 centro e 0 rei do universo.

    Qual a crit ica principal que se faz a esse modelo social? Econstatar que ele nao consegue criar riqueza sem ao mesmotempo gerar pobreza; e incapaz de gestar desenvolvimento eco-nomico sem simultaneamente produzir exploracao social nacio-nal e internacional. E ainda nao e democratico, porque montaum sistema politico de controle e de dominio do processo pro-dutivo por parte dos detentores do poder econ6mico. A demo-cracia para na porta da fabrica. Ou cria democracias reduzidas(as nossas democracias liberais representativas) ou democraturas(democracias sob a tutela mllitar). Mas nunca se instaura umademocracia que sirva como valor universal, que respeite os con-teudos da palavra democracia, quer dizer, a forma de organiza-

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    24 L eo na rd o Bo ffA segunda linha critica vern dos grupos pacifistas e da nao

    violencia ativa. Esses grupos notam que 0 tipo de sociedade dedesenvolvimento desigual produz muita violencia. Violencia so-cial e injustica societaria, por causa da propria desigualdade:violencia em nlvel nacional e internacional, Essa violencia econsequencia direta da dominacao de paises que detem podertecnocientifico sobre os outros mais atrasados. 0 conflito gene-ralizado tern mil rostos, dos quais os mais conhecidos sao asconflitos de dasse, de etnias, de genero e de religiao, 0 modelovigente de sociedade nao favorece a solidariedade, mas a concor-rencia; nao 0 dialogo e 0 consenso, mas a disputa e a luta detodos contra todos. Por isso, as potencialidades humanas de sen-sibilidade pelo outro, de entemecimento pela vida, de colabo-racao desinteressada sao secundarizadas para dar lugar aossentimentos menores da exclusao e da vantagem pessoal ou clas-sista. Para manter a coesao minima de uma sociedade desestabi-lizada internamente sao necessaries corpos militares para controlee repressao, Na esfera mundial criam-se corpos militares de anti-insurgencia para atuarem em todo 0 sistema mundial, apoiadospelo complexo militar-industrial que incentiva a corrida arma-mentista e a militarizacao de toda a existencia. Dados recentesapontavam que 2/3 da intelligentzia mundial trabalham em pro-jetos militares. Mesmo depois do fim da guerra fria, aplicam-sena industria da morte cerca de 1-3 trilhoes de dolares ao ano.Apenas 130 bilhoes de dolares destinam-se a preservacao do pla-neta Terra e de seus ecossistemas.

    Contra essa tendencia surgiram pelo mundo afora movimen-tos pela paz e pela nao violencia ativa. Postula-se urn modelosocial que chegue a justica mediante a democracia social. A vio-Iencia militar e a guerra atomica, quimica e bacteriologica cons-t ituem formas especif icas de agressao global, capazes de produziro ecocidio, 0 biocidio e 0 geocidio de vastas regioes do planeta.

    E tic a d a v id a 25 terceiro grupo de critic a nos interessa diretamente: sao osmovimentos ecologicos, Eles constatam que as t ipos de socieda-de e de desenvolvimento existentes nao conseguem produzir ri-queza sem simultaneamente produzir degradacao ambientaL que 0 sistema industrialista produz em demasia: lixo, rejeitostoxicos, escorias radioativas, contaminacao atmosferica, chuvasacidas, diminuicao da camada de ozonic, envenenamento daterra, das aguas e do ar; numa palavra, deterioracao da qualida-de geral de vida. A fome da populacao, as doencas, a falta dehabitacao, de educacao e lazer, a ruptura dos laces familia res esocials sao agressoes ecologicas contra 0 ser mais complexo daCRIA< ;AO, 0 ser humano, especialmente a mais indefeso, que e 0pobre, 0 excluido.

    Essas preocupacoes estao originando uma cultura ecologic a,quer dizer, a consciencia colet iva da responsabil idade pela sobre-vivencia do planeta em sua imensa blodiversidade e pelo futuroda especie homo.

    Importa hoje articular todas essas frentes critic as ao siste-ma Imperante, visando ao surgimento de urn paradigma novode civilizacao e de sociedade, no qual todos possam caber eonde imperem relacoes mais benevolentes para com 0 meioambiente,

    Somos pa r te de um imenso equ il ib r io / de sequ i li br ioecossoc ia l

    Queremos agora aprofundar a terceira corrente, a ecologica,na sua dimensao social. 0 grande desafio vern da pobreza e darniseria. Esses sao os principais problemas ecologlcos da humani-dade, e nao a mico-leao-dourado, 0 urso panda da China e asbaleias dos ocean os.

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    26 l eo na rd o B o ffDigamos, logo de saida: pobreza e mlseria sao questoes so-

    ciais, e nao naturais e fatais. Elas sao produzidas pela formacomo se organiza a sociedade. Hoje temos consciencia de que asocial e parte do ecologico, no seu sentido amplo e verdadeiro.Bcologia tern a ver com as relacoes de tudo com tudo, em todasas dimensoes. Tudo esta interllgado. Nao ha compartimentos fe-chados, a ambiental de urn lado e a social de outro. A ecologiasocial pretende estudar as conexoes que as sociedades estabele-cern entre seus membros e as Instttuicoes e as de todos eles paracom a natureza envolvente,Antes de qualquer coisa, cumpre enfatizar:

    Nao basta, em ecologia, a conservacionismo (conservar asespecies em extincao), como se a ecologia se restringissesomente a urn setor da natureza, aquele biotico ameacado.Hoje todo 0 planeta deve ser conservado, porque todo eleesta ameacado.

    Nao basta 0 preservacionismo (preservar, mediante reser-vas au parques naturais, regioes onde se conserva 0 equi-libria ambiental). Isso propicia principalmente 0 turismoecologico e induz a urn comportamento reducionista: so-mente nessas unidades de conservacao 0 ser humano man-tern urn comportamento de respeito e de veneracao: emoutros lugares, segue a Iogica da devastacao.

    Nao basta 0 ambientalismo, como se a ecologia tivesseapenas relacao com 0 ambiente natural, com 0 verde, comas especies e com 0 ar. Essa perspectiva pode ser reducio-nista e ate anti-humanista, na pressuposicao falsa de que 0ambiente e sempre melhor sem a presenca do ser humano.Este seria antes 0 sata da Terra do que 0 anjo born e prote-tor. Diz-se: onde 0 ser humano anuncia sua presenca, reve-la agressao e apropriacao egolstica dos bens da Terra. Essa

    E t i c : a da v i d a 27visao ambientalista e encontradlca em muitos ecologos nohemisferio norte. Depois de haverem dominado politica eeconomicamente 0 mundo, querem-no ja purificado so-mente para des.

    A realidade e que 0 ser humano faz parte do meio ambiente.Ele e urn ser da natureza, com capacidade demodlficar a si mes-mo e a ela, e assim fazer cultura. Pode intervir na natureza po-tenciando-a, bern como agredindo-a,

    Devemos estar atentos a certo ambientalismo politico queesconde par tras de seus projetos uma atitude de permanenteviolacao ecologica, Esse ambientalismo politico quer uma har-monia entre sociedade e ambiente, mas nao renuncia a atitudede saque do ambiente natural, desde que nao afete 0 habitathumano. Perdura a visao antropocentrica segundo a qual 0 serhumano pode e deve dominar a natureza; entao, mais que umaharmonia permanente, quer-se, na verdade, uma simples tregua,necessaria para a natureza refazer-se das chagas e continuar emseguida a ser devastada. 0 que importa, hoje, e ultrapassar 0paradigma da modernidade, expresso na vontade de poder sobrea natureza e os outros, e inaugurar uma nova alianca do serhumano com a natureza, alianca que os faz a ambos aliados noequilibrio, na conservacao, no desenvolvimento e na garantia deum destina e futuro comuns.

    Nao basta a ecologia humana que seocupa com as acocs ereacoes do ser humano universal, relacionado com 0meioambiente. Ela e importante porque trabalha as categoriasmentais (ecologla mental) que fazem que 0 ser humanosingular seja mais ou menos benevolente au mais ou me-nos agressivo. Mas e ainda uma visao idealista, pais 0 serhumano historico nao vive no geral, mas nas malhas de

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    28 l eo na rd o Bo ffrelacoes sociais determinadas. As pr6prias predisposicoesmentais e psiquicas possuem uma caracteristica eminente-mente social, Por isso precisamos de uma adequada ecole-gia social que saiba articular a justica social com a justicaecol6gica. E dentro da ecologia social que os temas da po-breza e da miseria devem ser discutidos. Pobreza e miseriasao questoes ecossociais que devem encontrar uma solucaoecossocial.

    o que e a ecologia socialHa hoje reflexoes maduras sobre a ecologia social, a come-

    car pela contribuicao da enciclopedia francesa de ecologia deCharboneau Rhodes e das obras de antropologia social de EdgarMorin. Importante e 0 aporte canadense de M. Bookchin e donoruegues A . Naess. Mas esse campo ganhou forca singular naAmerica Latina, particularmente depois da primeira conferenciainternacional sobre 0 meio ambiente, organizada pelas NacoesUnidas em 1972, em Estocolmo. Ai se confrontaram as duasvisoes basicas, ados paises do Norte, preferencialmente am-bientalista, e ados paises do SuI, preferencialmente politico-social. Surgiu, entao, uma vertente forte, latlno-americana, deecologia social, no Peru, com Carlos Herz e Eduardo Contreras;e no Uruguai, com Eduardo Gudynas, urn de seus melhores for-muladores teoricos, Este ultimo define assim a ecologia social:"e 0 estudo dos sistemas humanos em interacao com seus sis-temas ambientais" (E co lo gia s oc ia l: la r uta la tin oa mer ic an a,CIPFE, 1990). Os sistemas humanos abarcam os seres humanosindividuals, as sociedades e os sistemas sociais. Os sistemasambientais comportam componentes natura is (selvas, desertos,cerrados), civilizacionais (cidades, fabricas) e humanos (ho-mens, mulheres, criancas, etnias, classes etc.) .

    Etica da vida 29As principais qucstoes da ecologia social

    Segundo aqueles autores, os postulados basicos da ecologiasocial sao os seguintes:

    1. 0 ser humane sempre interage intensamente com 0 am-biente. Nem 0 ser humane nem 0 ambiente podem serestudados separadamente. Ha aspectos que somente secompreendem a partir dessa interacao mutua, particu-larmente as florestas secundarias, toda a gama de se-mentes (milho, trigo, arroz etc.) e de frutas, que saoresultado de milhares de anos de trabalho sobre suaconstituicao genetica:

    2. essa lnteracao e dinamica e se realiza no tempo. A histo-ria dos seres humanos e inseparavel da historia de seuambiente e de como eles interagem:

    3. cada sistema humano cria seu ambiente adequado. Saodiferentes e possuem simbolizacoes singulares, par exem-plo, os ambientes habitados pelos ianomamis, pelos se-ringueiros ou pelos latifundiarios, pelos europeus oupelos chineses;

    4. a ecologia social se interessa por questoes como: pormeio de que instrumentos os seres humanos agem sobrea natureza? Com tecnologia intensiva, com agrotoxicosau com adubos organicos? De que forma os seres huma-nos apropriam-se dos reeursos naturais? De forma soli-daria, participativa, ou elitista, com teenologias naosocializadas? Como sao eles distribuidos? De forma equi-tativa, consoante 0 trabalho de cada urn, atendendo a snecessidades basicas de todos; ou de forma elitista e ex-cludente? Uma distribuicao desigual afeta de que manei-ra os grupos humanos? Que tipo de diseurso usa 0 poder

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    30 Leona rdoBo f fpara justificar a concentracao da riqueza em poucasmaos, para legitimar uma relacao de desigualdade quetende a dominacao? Como reagern os movimentos so-ciais no confronto com 0 Estado e com 0 capital, paramelhorar os salaries, as formas de participacao e a qua-lidade de vida no trabalho, na cidade e no campo?

    Pertencem a discussao da ecologia social a miseria e a pobre-za das populacoes perifericas, a concentracao de terras no campoe na cidade, as tecnicas agricolas e agropecuarias, 0 crescimentopopulacional e 0 processo de inchamento das cidades, 0 comerciointernacional de alimentos e 0 controle de patentes, a producaode alimentos transgenicos, 0 surgimento do buraco de ozonic, 0efeito estufa, a dizimacao das florestas tropicais e boreais, 0 en-venenamento das aguas, dos solos, da atmosfera etc.

    Uma ecoecologia integralPara uma perspectiva integral, a sociedade e a cultura per-

    tencem tambem ao complexo ecologico. Bcologia, ja 0 assina-lamos, e a relacao que todos os seres, vivos e inertes, natura ise culturais, tern entre si e com 0 seu meio ambiente, Nessaperspectiva, tambem as questoes economicas, politicas, socials,educacionais, urbanisticas e agricolas entram, no campo deconsideracao da ecologia, como ecologia social. A questao debase em ecologia e sempre esta: ern que medida essa ou aquelaciencla, atividade social, pratica institucional ou pessoal aju-dam a manter ou a quebrar 0 equilfbrio de todas as coisas entresi, a preservar O U a destruir as condicoes de evolucao/desen-volvimento dos seres? Nos somos parte, com tudo 0 que somaspor natureza e fazemos por cultura, de urn imenso equilibrio,do ecossistema.

    E t ic a d a v id a 31Diz urn dos bons ecologos sociais na America Latina, Ingemar

    Hedstrom, um sueco que vive ha anos na Costa Rica:A e co lo gia c he go u a s er u ma c rltic a e a te u ma d en un cla d o fu n-c io na me nto d as s oc ie da de s m od ern as . E ntre a s c ois as q ue s et er n d e nu n cl ad o , tem os a superexploracao do hemlsfer io sui,q ue r d iz er, d o c ha ma do Te rc eir o M un do , p or p arte d os palsesc om pa ra tiv am e nt e r ic os d o N o rt e, d o c ha m ad o P ri me ir o M u nd o.N es se s en tld o, to ma r c on sc ie nc ia d a p ro ble ma tic a e co lo qlc ag lo ba l d ev e l mp llc ar a dq uir ir c on sc le nc la d a s lt ua ca o socloeco-n om lc a , p o li ti ca e c u lt ur al d e n o ss a s s o c ie d ad es , 0 que s ign if i c: ac on he ce r a sl tuacao de exploracao do s palses do Su i p el os i n-d u st ri al iz a do s d o No r te ( Somas p a rt e d e u n g ra n e q ui li br io , Cos -t a R ic a, D EI , 1 98 5, 1 2) .

    o a tu al s is te ma s oc ia l, a ntie co l6 gic o e g era do r d e m is er iaDentro dos parametres da ecologia social, devemos denunciar

    que 0 sistema social dentro do qual vivemos - a ordem do capital,hoje mundialmente integrado - e profundamente antiecologico,

    Ern todas as fases de sua realizacao hist6rica baseou-se ebaseia-se ainda na exploracao das pessoas e da natureza. No afade produzir desenvolvimento material Ilimitado, ele cria desi-gualdades entre 0 capital e 0 trabalho e entre quem esta nomercado e quem nao esta. Disso deriva a deterioracao da quali-dade de vida em suas varias dimensoes: material, psiquica, so-cial, cultural e espiritual.

    Na America Latina, ele foi implantado a partir da conquistaeuropeia no seculo XVI, com a virulencia do genocidio, impondoaos que aqui viviarn uma forma de trabalhar e de se relacionarcom a natureza que implicava 0 ecocidio, vale dizer, a devasta-~ao de nossos ecossistemas. Nos fomos incorporados a uma tota-

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    32 l eo na rd o B o ffl idade maior, a economia capitalista, prejudicial aos mais fracase perifericos. Nosso sistema capitalista e de economia de expor-tacao dependente.

    Implantou-se aqui a apropriacao privada da terra, de suasriquezas e das aguas, que sao fonte de recursos. Essa apropriacaooperou-se de forma profunda mente desigual e irracional. Umaminoria possui as melhores tetras, muitas vezes nao cultivadas.As terras mais pobres foram deixadas para as maiorias, que, parasob reviver, se veem forcadas a superexplora-las e a esgotar 0solo, terminando por desflorestar as matas, quebrando 0 equili-brio natural. Os negros, antes escravizados, com a libertacac ju-ridica nao foram compensados em nada. Da casa-grande foramjogados diretamente para as favelas. Tiveram de ocupar os mor-ros, desmatar, abrir valas para 0 saneamento ao ar livre e assimviver sob a ameaca de muitas doencas, de desabamentos e demortes. Todas essas manifestacoes significam outras agressoes aomeio, provocadas socialmente.

    Mais e mais fica claro que a divida extema tern fundamental-mente urn significado politico. Economicamente, os bancos ja seasseguraram e se protegeram contra 0 nao pagamento dela, Mes-mo assim, e mantida como instrumento de controle e aumento dadependencia a partir dos centros de poder situados nos paises doNorte. Pela divida, 0 sistema continua se impondo a todos, elabo-rando polit icas globais que favorecem seus interesses estrategi-cos; estimula urn desenvolvimento que privilegia os megaprojetose as monoculturas (soja, no Brasil; gado, na America Central;frutas, no Chile); fornece creditos para implementar tais projetos,com financiamentos do Banco Mundial, do BID e do FMI. Comisso, cria-se 0 endividamento. 0 pagamento dos juros da dividase faz pela exportacao de materias-primas e manufaturados,cujos pre~os sao aviltados no mercado mundial, 0 que nao per-mite honrar toda a divida; entao, reduzem-se os investimentos

    E ti ca d a v id a 33socials para, com a sobra, compensar parte da divida. Essa estra-tegia produz verdadeira devastacao social em termos das politi-cas public as concernentes it allmentacao, it saude, it criacao deempregos, a organizacao das cidades, Junto com essa taxa deperversidade social caminha 0 deficit arnbiental, pois os pobresocupam areas perigosas nas cidades, lancarn-se na fronteira agri-cola, destruindo, no esforco de sobreviver, florestas, fazendoqueimadas, poluindo os rios pelos garimpos ou por pesca e cacapredatorias. Por causa da insolvencia dos paises devedores, fa-zem-se novos emprestimos para pagar os juros, com novos jurosaumentados como condicao para financiamento de novos proje-tos. E assim recorneca a ciranda da dependencia, do neocolonia-lismo e da dorninacao,

    Cancelar a divida ou transforma-Ia em investimento seria im-portante, mas nao resolveria, pela raiz, a questao fundamental.Enquanto permanecer 0 modelo de desenvolvimento imperante,saqueador dos homens e da natureza, voltado para fora, produ-zindo 0 que os rices querem que produzamos para des consumi-rem, e nao atendendo ao mercado interne, 0 circulo viciosoretornara com as mesmas consequencias perversas,o economista americana Kennet E. Baoulding chama a eco-nomia capitalista de economia de cowboy: baseia-se na abun-dancia aparentemente ilimitada de recursos e de espacos livrespara invadir e se estabelecer, E 0 antropocentrismo desbragado,A outra economia, para a qual devemos caminhar, chama deec on om ia da n ave es pec ia l T er ra . Nessa nave, como em qualqueraviao, a sobrevivencia dos passagelros depende do equilfbrio en-tre a capacidade de carga do aparelho e as necessidades dospassageiros. Disso resulta que 0 ser humano deve acostumar-seit solidariedade, como virtude fundamental, encontrar 0 seu lu-gar no sistema ecologico equilibrado, no sentido de poder pro-duzir e reproduzir a sua vida e a vida dos demais seres vivos e

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    ajudar a preservar 0 equilibrio natural. A Terra, portanto, e umsistema limitado, equilibrado, e nao permite nenhum tipo deaventura antiecologica.

    Das reflexoes feitas ate aqui emergern daramente a inter-re-lal.;aoentre sociedade e meio arnbiente e a forma como uma in-fluencia positiva au negativarnente 0 outro.

    A proposta de Chico Mendes tornou-se paradigmatica. Pro-punha 0 desenvolvimento extrativista, que combina 0 socialcom 0 ambiental. Ele cornpreendeu que os povos da floresta(questao social) precisam da floresta para sobreviver (questaoambiental). Ele se deu conta tambem dos dois tipos de violencia,a violencia ecologica contra 0 meio ambiente e a violencia so-cial, violencia contra os indigenas e seringueiros. Ambas obede-cern a mesma logica, a logica de acumulacao mediante adominacao de pessoas e a exploracao das coisas..

    Como se fara, entao, 0 desenvolvimento e se montara a socie-dade dos povos da floresta, de modo a que rompam com essalogica? Em primeiro lugar ha de se respeitar, apoiar e reforcartodo 0 conhecimento que aqueles povos da floresta (lndigenas eseringueiros) desenvolveram em milenios de hist6ria, seu conhe-cimento da natureza, das arvores, das ervas, do solo, dos ventos,dos ruidos da selva. E, ao mesmo tempo, incorporar tecnologiasnovas que tragam mais beneflcios sociais sem sacrificar 0 equili-brio natural e social.

    ln ju s tlc a s o c ia l e i nju s ti ca e c o lo q ic aE nesse contexto que emerge a exigencia de uma etica que

    nao apenas se restrinja ao comportamento dos seres humanosentre si, mas se estenda a sua relacao para com 0 meio ambiente(ar, terra, agua, animais, florestas, processes produtivos etc.).

    E ti ca d a v id a 35Devemos, antes de tudo, ultrapassar a compreensao da etica

    ambiental recorrente nos paises ricos doNorte. Segundo essa eti-ca, devemos superar nosso antropocentrismo, limitar a violenciacontra a natureza presente no paradigms de desenvolvimentoilimitado, acolher a alteridade dos demais seres da criacao e de-senvolver reverencia em face da totalidade da natureza. Dessaetica emergem, certamente, uma nova benevolencia e ate 0 res-gate de um encantamento perdido pelo processo de tecnicizacaoe secularizacao. Ha valores Inesrimaveis nessa etica ambiental.

    Mas ela omite em sua reflexao urn elo fundamental: 0 con-texto social, com suas contradicoes, Nao ha apenas 0 meio am-biente, Nele estao os seres humanos socializados na forma demorar, de trabalhar, de distribuir os bens, de agir e reagir diantedesse meio ambiente. Nesse contexto social ha violencias, ha oscondenados a viver sob pessima qualidade de vida, com ar polui-do, com aguas empestadas, morando sobre solos envenenados.Ha aqui uma nova agressao.

    A etica nao pode ser apenas ambiental, mas socioambiental,pois, como vimos, 0 ambiente vern marcado pelo social e 0 socialpelo ambiental.

    Discernimos, pois, tres tipos de injustica: a injustlca contra astrabalhadores, contra os cidadaos e contra as classes subalternas.Essa injustica atinge diretamente as pessoas e as instituicdes so-ciais, Existe tambem a injustica ambiental, que e a violencia con-tra 0 meio ambiente, contra 0 ar, contra a camada de ozonic,contra as aguas. Essas injusticas afetam diretamente, mas de for-ma perversa, a vida humana, produzindo doencas, desnutri\ao emorte nao somente para a bioesfera como tambem de forma maisglobal para todo 0 planeta. Impoe-se, portanto, uma justica so-cial que se harmonize com a justica ambiental.Essa nova etica socioamblental deve manter-se equidistante

    de duas crispa\oes que sempre quebram 0 equilibrio ecologico: 0

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    36 L eo na rd o B o ffnaturismo e 0 antropocentrismo. Pelo naturismo, concebe-se anatureza como urn sujeito hipostasiado, em si, com suas leis Imu-taveis intocaveis e sagradas; os seres humanos devem se subme-, ,ter a elas. 0 antropocentrismo diz 0 inverso: 0 ser humano esenhor e rei da Criacao, pode interferir a seu bel-prazer e naodeve sentir-se ligado e limitado por nada da natureza.

    Essas visoes sao equivocadas, porque sepa~am 0 que deve virjunto. Natureza e ser humano sao sempre interdependentes, urnesta dentro do Dutro, sao partes de urn todo maior, Existe 0 ecos-sistema planetaria; dentro dele, como urn dos seres smgulares,esta a ser humane, homem/mulher, esta a sociedade como con-junto de relacoes entre esses seres, com suas institulcoes e estru-turas de producao, distribuicao e significacao.

    Como parte e parcela do meio ambiente, 0 ser humano pos-sui a sua singularidade. E da especie dos seres vivos que se apre-senta como sujeito moral. Quer dizer, urn ser vivo cornplexissimo,capaz de agir livrernente, de sopesar argumentos a favor e con-tra, de tomar posi~ao, movido nao apenas por interesses mastambem por solidariedade, por compaixao e amor. Pode, eventu-almente, pensar e agir a partir dos mteresses do outro. Pode,ainda, por solidariedade e arnizade, sacrificar vantagens pesso-ais. Pode interferir nos ritmos da natureza, respeitando-os oumodifieando-os. Tudo isso 0 torna urn ser responsavel, E a res-ponsabilidade que 0 faz urn ser etico. Pode sentir~se 0 a.njo bornda natureza, seu guardiao, 0 herdeiro responsavel diante ~oCriador; como pode comportar-se como 0 sata da Terra, destruir,quebrar equilibrios e devastar especies de seres vivos e ate mes-mo os seus semelhantes,

    No processo hist6rko-cultural, 0 ser humano sempre interfe-riu no meio ambiente. Aplicou violencias, bern como aplicouengenho para melhorar, em seu beneficio, certas especies (0te, a batatinha, 0 milho etc.). Os incornodos ecologicos eram

    E ti ca d a v id a 37pouca menta, a excecao, talvez, dos maias, que devastaram a na-tureza a ponto de se autodestruirem como cultura. Mas nos ulti-mos quatro seculos, com a montagern da maquina industrialista,a agressao se fez macica e sistematica, transformando tudo emrecurso para a acumulacao e 0beneflcio, primeiro dos setores quedetinham privadamente esses meios e, em seguida, dos demais.o resultado atual e desolador. 0 ser humano elaborou umarelacao injusta e humilhante para com a natureza. A Terra naoaguenta mais a maquina de morte ou a voracidade capitalista.Impoe-se, urgentemente, uma justica ecologica.

    A justica ecologica significa: ser hurnano tern uma dividade justica para com a Terra. A Terra possui sua subjetividade, suadignidade, sua alteridade, seus direitos, Ela existiu ha milhoes deanos antes que surgisse 0ser humano. Ela tem direito a continuara existir em sua complexidade, com 0 seu patrimonio genetico,com 0 seu bern comum, com 0 seu equilfbrio e com as possibili-dades de continuar a evoluir.

    Um de seus filhos, 0 ser humano, voltou-se contra ela. Ajus-tica ecologica propoe uma nova atitude para com a Terra, debenevolencia e de mutua pertenca, e, ao mesmo tempo, uma ati-tude de reparacao das injusticas praticadas. Se 0 projeto tecnico-cientifico se desestruturou, ele pode hoje se redimir.

    Essa iniustica ecologica transformou-se tambem numa in-justica social, porque, pela exaustao dos recursos, pela contami-nacao atrnosferica, enfim, pela rna qualidade de vida, foramatingidos 0 ser humano e a sociedade inteira.

    Essa nova etica socioambiental s6 se implementa se surgirmais e mais uma nova consciencia planetaria, a consciencia da

    ..responsabilidadeara com 0 destino comum de todos os seres,consciencia, vai se formando lentamente uma nova cultura

    o predominio de urn novo paradigrna mais reverente

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    38 l eo n ar d o B o ffUm notavel filosofo da et ica da responsabilidade, Hans Jo-

    nas, formulou, na linha de Kant, ur n novo impe ra ti ve e ti co paranossos mas: "Comporta-te de tal maneira que os efeitos de tuasacoes sejam compativeis com a permanencia da natureza e davida humana sobre a Terra".

    Teologicamente, podemos falar de peeado ecologico. Quer di-zer, daquelas atitudes que eomprometem 0 e qu ili br io e co lo gi co ea evolucao e que provocam consequencias perversas para os se-res vivos, inclusive para as humanos.

    Esse pecado ecologlco na o se restringe apenas ao presente,Ele alcanca 0 futuro, pois podem ser feitas Intervencoes na natu-reza cujas consequencias se prolongam para alem da geracaoatual, atingindo aqueles que ainda nao nasceram. 0 preceito bi-blico "Nao mataras" [Ex, 20, 13) abarca tambem 0 biocidio e 0ecocidio futuros. Nao nos e permit ido criar condi coe s amb ien ta i se sociais que produzam futuramente doencas emorte aos seresvivos, humanos e nao humanos. 0 pecado ecologlco e um pecadosocial e historico.

    Em razao desses efeitos, entende-se a solidariedade "ge-neracional"; cumpre sentirmo-nos solidarios para com aque-les que ainda nao vieram a este mundo. Eles tern 0 direito deviver, de nao adoecer, de desfrutar a natureza, de consumiraguas limpas, de respirar ar oxigen ado, de contemplar as es-trelas, a Lua e 0 Sol, enflm, a natureza conservada e integra-da humanamente.A cnnsequencia dessa nova consclencia etica e a assim cha-mada reconversao da divida extema dos paises devedores emfuncao de politicas protetoras do meio ambiente natural e social.Segundo essa proposta, parte da divida externa seria cancelada,desde que os Estados e as empresas se dispusessem a proteger 0meio ambiente e a manter relacoes socials mais slmetricas e jus-tas. Mas nao basta a reconversao da divida felta aos Estados e as

    E ti ca d a v id a 39grandes empresas. Para ser socialmente justa, deveria ineorporarcomo interlocutores tambem os grandes movimentos sociais eseus representantes. Eles seriam sujeitos de uma transformacaoeconomica, politica e social que atendesse a suas demandas his-. t6ricas e que articulasse a justica social com a justica ecologicade forma permanente.

    Por autro lado, e farisaico e injusto que os paises ricos doNorte exijam atencao ao meio ambiente dos paises pobres doSuI, se nan lhes dao condtcoes tecnicas que faciIitem a preserva-

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    40 L e on ar do Bo ffga-la para abrigar novos seres culturais, eis a sua tarefa e tambema sua missao.

    E xe mp lo s d e m utu a re la ca o n eg ativ a e ntre 0 soc ia le 0 ambienta l

    Morte de aves em Minas Gerais

    Em 1985 constatou-se uma mortandade desproporcional deaves em Minas Gerais, cerca de 50 mil, entre pombos e gavioes,Verificou-se que essas aves haviam passado por uma plantacaode arroz, regada com 0 inseticida Furadan, fabricado pela Guai-cuhy Agroperuaria, altamente toxico, causa da mortandade dospassaros. Fen6meno analogo ocorreu na Cidadedo Mexico. Em1986 morreram de repente na cidade milhares de pombos eavesmigratorias. Os especialistas constataram que a causa fora umaforte inversao termica na cidade, durante a qual 0 cadmio e 0chumbo de uma refinaria de petroleo, a noroeste da cidade, naopuderam se dissipar no ar, ocasionando a morte das aves. Mi-lhares de criancas foram tambem contaminadas, muitas dasquais morreram.o fenomeno da inversao termica

    Tanto Sao Paulo quanta a Cidade do Mexico e outras mega-lopoles apresentam, geralmente no inverno, 0 fen6meno da in-versao termica. Especialmente grave e 0 problema na Cidade do.Mexico. A cidade fica a mais de 2.500 metros de altura, numa.imensa planicie (outrora urn lagol, cercada de altas montanhas, Ainversao termica ocorre porque camadas de ar contaminado mais ..denso nao podem subir verticalmente ate se dissipar na estratos-

    E tic a d a v id a 41

    fera, Elas permanecem proximas a superficie da cidade. Formamuma camada densa de nevoa, tipo fo g ou smog . Com isso, a cir-culacao de ar fica lmpedida e promove a asfixia de muitissimagente. Calcula-se que, em tais circunstancias, caminhar pelasmas da Cidade do Mexico por urn dia equivale a fumar 40 cigar-ros. Sabe-se que durante a grande inversao termica de 1952, emLondres, morreram quatro mil pessoas. Calcula-se que, por ano,morram no Mexico cerca de 30 mil criancas e que, entre outrosfatores, 0 fen6meno concorra para a morte de 100 mil.adultos,

    Junto com a inversao termica produzem-se no verao as chu-vas acidas, 0 ar impregnado de acidos, especialmente de enxofre,nttrogenio e dioxide de carbono, contamina, por sua vez, a aguadas nuvens. Ao chover, as fontes, os lagos, as plantacoes e osanimais sao perlgosamente afetados,

    Noutras vezes produz-se a precipitacao acida, provocada pelatransformacao quimica da atmosfera, sobrecarregada de acid osindustrials. Caindo em forma de chuva, de neve ou de residuessecos, contaminam os metais que estao i n na tu ra na terra, comoo zinco, 0 chumbo, 0 mercuric e 0 aluminio, Esses meta is saoaltamente toxic os para a vida humana, Sao absorvidos pela agua,pelas hortalicas e legumes e mesmo pelo ar, Nao somente a saudehumana e afetada, mas tambem as matas, os lagos, os animaisaquaticos, as plantacoes, os materiais das cidades, Com urn ntvelcrescente, podem ate interromper a cadeia alimentar dos lagos. Aflora aquatica absorve os elementos toxicos, e comida pelos pei-xes pequenos, que entao se contaminam; estes servem de comidapara os peixes majores, que por sua vez alimentam os seres hu-manos , Todos ficam contaminados por essa cadeia de envenena-mento, que produz doencas e acelera a morte.

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    42 Leona r do B o ff"l-Iamburgueriza\30" das tlorestas da America Central

    A partir da criacao da rede McDonald's, em 1955, produziu-se urn enorme problema eco16gico em toda a America Central.Para baratear a came dos hamburgceres americanos, comecou-sea importar came barata da America Central. As companhias ex-portadoras de came comec;aram a desmatar p~ra criar gado empastoreio extensivo. Entre 1960-1980, a exportacao de carnecresceu na ordem de 1600/0. Ao mesmo tempo, diminuiu enorme-mente a mancha verde da America Central. De 400 mil quilome-tros quadrados de florestas umidas, havia, 20 anos apos, apenas200 miL Como disse 0 ecologo Ingemar Hedstrom, produziu-seuma "hamburguerizacao" da America Central (S om os p arte d e u ngran equilibrio, op. cit ., pp. 46-1).

    Fato parecido ocorreu com os famosos projetos de Daniel Lu-dwig e da Volkswagen na Amazonia. No Jari de Ludwig foramdesmatados dois milhoes de hectares de florestas. A Volkswagen,diz-se, desmatou 144 mil hectares para colocar no territorio 46mil cabecas de gado. Para cada cabeca de gado havia 30 mil me-tros quadrados. Ambos os projetos fracassaram, as pessoas naoforam beneficiadas, e todos perdemos as fiorestas.

    Esses exemplos mostram uma vez mais 0 entrelac;amento en-tre 0 social e 0 ecologico e a vtnculacao dialetica entre a injusticasocial e a injustica ecologica.

    3. D esafio s eticos e eco1 6g icos d o m ercad o m un dialA partir de 1989, triunfa economica e politicamente 0 sistemacapital e 0 que ele pressupoe: a Iniciativa privada, 0 individualis-mo, a concorrencia, 0 mercado capitalista e 0 lucro tendencial-mente maximizado.

    o que vige agora e a oposicao Norte-Sui: ou paises indus-trializados e opulentos versus paises pobres e tecnicamenteatrasados.

    Encontramo-nos agora num imenso processo de "mundiali-" da economia, da comunicacao, da ciencia e tecnologia, dofinanceiro e das tendencias da cultura dominante. Nao que "mundializa" nao sao os costumes dos milionarios

    ues arabes ou os habitos culinarios dos orientais, mas 0 siste-do capital dos EUA, da Comunidade Bconomica Europeia e do

    .. ..... com a subjetividade coletiva que the vern subjacente.\iEm razao dessa profunda mudanca de rumo da humanidade,

    mais e mais se esta abandonando a lingua gem do desen-e, em seu lugar, entra a palavra mercado, integracao

    /*'.: ....

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    44 L eo n ar do B o ffprojeto neoliberal. A palavra magica que se encontra na bocados lideres politicos do mundo mtelro e modernizGf;i io . 0 queesta ai subentendido?o subentendido e a nova utopia social que se esta difundindoem todo 0 mundo: 0 neoliberalismo. Com a queda do socialismoreal e 0 esvaziamento te6rico das razoes que buscavam conferir-lhe legitimidade, triunfou 0 modo de pensar.e de produzir capi-talista. 0 capitalismo antigo e novo, centrico e periferico veste-secom a roupagem do neoliberalismo. Que significa de para asgrandes maiorias marginalizadas, entre as quais nos induimosna America Latina?

    A t ra qe dia d o s p als es p ob re sNao precisamos detalhar as caracteristicas principals do

    neoliberalismo. Apenas convem recordar alguns de seus tracesfortes.Trata-se da fase atual de acumulaC;ao capitalista, caracteriza-da pela producao em base nao mais transnacional, mas mundial,e pela marginalizacao do SuI, em relacao a producao cientlficO-tecnica mais avancada do Norte. A afirmacao central e a privati-zacao e 0 Estado minimo. Acentua-se a subrnissao da politica aointeresses economicos, como foi demonstrado na guerra do GolfjPersico. Exige-se a reduc;ao do papel do Estado e a diminuic;ados investimentos e gastos socials: quer dizer, menos escolasmenos merenda, menos comb ate a coleta, menos saneamento basico, menos casas populares, menos locals de lazer publico etPara os paises do SuI, em geral, historicamente pobres, trata-sda Imposicao, por parte dos organismos financeiros intemacionais e par certos governos do Norte, como os EUA, de uma pol'tica conhecida como de "ajustes estruturais".

    E tic a d a v id a 45

    Os"ajustes estruturais" significarn articular as economias na-cionais com as exigencias do mercado domina do pelo capitalis-mo central. Trata-se de modelar a producao conforme asnecessi~ades dos paises consumidores, situados no Norte, e decons~nllf e~truturas politicas, juridicas e eco16gicas que se adap-tern as nO:'ldades tecnologicas e aos niveis de consumo dos pai-ses centrals. Para tal proposito conta-se com 0 apoio das classescompradoras de cada pais, prontas a sacrificar a soberania nacio-nal de seus paises pobres em troca de uma participacao nas be-nesses materia is e culturais do Ocidente opulento.o mercado e apresentado como a grande realidade comouma lei natural. 0 que nao passa pelo mercado nao tem valor.E quem nao se firma no mercado esta condenado a desapare-c~r. 0 mer~ado e considerado como 0 unico sistema de produ-cao mundial. Por isso, todos os paises, com suas economiasdevem ser integrados nele. E se entra pela competitividade. A"mundializacao" se faz pela competitividade em todas as fren-tes do mercado.o sistema de mercado desenvolve valores culturais e ideo-logic os adequados a sua logica. Cria uma subjetividade coleti-va; val~ dizer, uma mesma forma de pensar, de sentir, de

    .. iconsumlr, de amar, de sofrer, de se alegrar, de namorar, de vi-........er familiarmente, de trataros arnigos, de ouvir music a e deentender a propria morte. 0 neoliberalismo valoriza 0 indivi->d~a1i.smo, exalta 0 direito de iniciativa privada, exige a obser-~ancla estrita dos contratos comerciais, impoe a todos a

    \idemocracia liberal-representativa, 0 internacionalismo no.\~entido do rompimento dos limites nacionais, e minimi~a oss?nflitos de classe, pais, dizem as neoliberais, deve-se buscargllla colaboracan entre as classes para permitir 0 funciona-i > i m ento harm6nico do mercado mundial. Mas se omite de dizeri Y / ~ l ! l beneficia de quem se opera esse funcionamento.

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    o modele neoliberal move guerra ao Estado. Especialmente Um estudo recente do FMI, destinado a defender as poltticasao Estado reformista e distributivista dos anos 1960-70. 0 Esta- do orgao, reconheceu: "Nao se pode dizer com certeza se 0 pro-do e visto como um limite a "mundializa~ao", pois defende as grama de ajuste estrutural funcionou ou nao, Combase em estu-identidades e projetos nacionais em economia e em politica. dos existentes, nao se pode dizer com certeza se os programasDai, importa enfraquecer 0 Bstado. Faz-se mister diminuir 0 apoiados pelo Fundo levaram a uma melhoria quanto a inflacaofuncionalismo publico, embora ele seja uma forma desocializar e ao crescimento economico. Em realidade", continua 0 docu-o bem-estar e de ocupar eficazmente as pesso~s; agora, devem- mente, "aparece com frequencia que a execucao doprograrna foise diminuir os services publicus de redtstnbulcao do produto acompanhada de aumento de inflacao ebaixa taxa de crescimen-nacional (por meio dos services de saude, ensino publico, trans- to".Nao sao os criticos que fazem tal constatacao, e 0 proprioporte, comunicacao, seguranca etc.) para tamar a pais mais for- argao executor do "ajuste estrutural".te na concorrencia mundial. Ate os anos 1970, especialmente com a "Alianca para 0

    Por essas e outras estrategias. as paises do assim chamado Progresso", houve desenvolvimento, embora desigual, comTerceiroMundo sao obrigados a uma integracao subordinada ao uma cultura da esperanca. Depois vieram os regimes militares,mercado mundial. Devem manter suas fronteiras econ6micas que tinham como finalidade garantir a integracao dos paisesabertas aos produtos dos paises avancados e ter de pagar sempre dentro do sistema capitalista (contra as tentativas de revolu-as taxas da divida externa. A economia mudou. Antes era uma

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    E tic a d a v id a 4948 L eo na rd o B o ff

    S em e nte s d e e sp era nc e ecopolltica

    Em primeiro lugar, importa fazer a critica do paradigms ca-pitalista e ocidentaL Todos, desde peIo menos a seculo XVIII,somas dominados pelo mito do desenvolvimento. Esta presentenos teoricos do liberalismo, bem como emMarx.

    Entendia-se 0 desenvolvimento como urn processo de cres-cimento economico capaz de arrastar consigo toda a sociedade.Supunha tal dinamica economic a que se podia sustentar urndesenvolvimento social e politico igualmente universal, trans-formando a sociedade num conjunto social integra do, no qualtodos os seres humanos veriam satisfeitas suas necessidadesbasicas e, l ivres delas, ascenderiam a urn futuro humano e es-piritual maior.

    Acreditava-se, pois, numa grande harmonia entre desenvol-vimento humano e desenvolvimento economico, baseada no de-senvolvimento tecnico. Ela ocorreu? Somente para alguns estratos'dominantes, mas nao para 2/3 da humanidade. Para estes, trouxecaos e insustentabilidade.

    Par que essa contradicao? Porque a forma como se produz'privilegia 0 capital ao trabalho, a acumulacao privada a parti-icipac;ao coletiva, e considera a pessoa humana apenas forca de

    < ' . ' . ': .. . alho, carvao vivo a ser queimado na maquina produtiva.dissimetria originou antagonismos, opressao e exploracao.tau numa dinamica economica que marginaliza as gran-maiorias e expulsa de seu seio altas porcentagens da popu-o. Esses agrupamentos sao de excluidos que, no Brasil,

    .:': e s. ' " .... ezam a mais de 30 milh5es. Campeia, pois, injustica societa-em nivel mundial.

    ) Curiosamente, hoje esta se realizando a profecia deMarx no.ital: 0 modo de producao capitalista acabaria destruindo asrias fontes de sua riqueza, 0 ser humano e a natureza. Hoje,

    do homem/mulher e da natureza coincide com altasde lucro. Quelucro e esse que se baseia num processo de

    Hoje, dentro das politicas dos ajustes, em vista do merca-do mundial, somos mais pobres. Mas com uma agravante:estamos sem esperanca. Difunde-se a crenca de que os paisesdo Terceiro Mundo nao tern futuro nem salvacao. Estamoscondenados a ser subalternos dos paises ricos e reprodutoresde seus valores e de seu estilo de consumo. A logica do colo-:nialismo e do neocolonialismo continua ~ integrar subordi-nando e a subordinar exc1uindo dos beneficios do processoprodutivo avancado.

    Passa-se a ideia de que a cultura e 0 homem ocidental euro-peu e norte-americana sao melhores, de que eles sao a referenciaobrigatoria para a resto do mundo, porque sao eles que hegemo-nizam a projeto tecnico-cientifico e a politica mundial. Faz-seerer que nao ha alternativas. E se alguma surgir, e tomada con-cretamente impossivel, porque ha poderes capazes de destrui-la,E estao decididos a faze-lo, como no easo da Nicaragua e do fer-reo bloqueio a Cuba.Antes tinhamos a teoria da dependencia; hoje, a teoria daprescindencia. Prescindem dos pobres. Somas excluidos, Os sub"desenvolvidos, antes, confrontavam-se com a np,oP..,"'"Tinham razoes delutar e de esperar, Agora, as excluidos saofrontados com a morte. Prega-se a resignacao, porque naooutra saida. Entretanto, nao podemos esperar que as LA~H"lU""aceitem esse veredicto. Vao defender-se com todos as meios, n.l'~'l:CL '.viver, sobreviver e ter urn minima de particlpacao nosdo desenvolvimento enos bens da Terra.

    A saida dessa situacao angustiante demanda urn trabalhotico previo,

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    50 L eo na rd o B of fmorte e de sacrificio dos outros? Analistas chamam a atencaopara 0 fato de que, na logica do capital, destruir a natureza e li-quidar 0 desenvolvimento do Terceiro Mundo, para poder pene-trar nele, vender ai seus produtos ou eventualmente reconstrui-los,em outros moldes, da mais lucros do que cuidar da natureza e dodesenvolvimento social,

    Se repararmos bern, a globalizacao se faz pela via da cornpe-titividade (por isso e violenta), nao pela via da solidariedade e dainterdependencia de todos para com todos e com a natureza.

    o mercado esta destruindo as culturas fracas e as diferencasculturais, pois toma tudo homogeneo. A gloria do McDonald's eter criado 0Big Mac. Ele e igual no Rio, em Nova York, em T6-quio, em Pequim e em Moscou. A globalizacao transforma tudonurn imenso Big Mac, os hotels, 0vestuario, os filmes, os videos,a rmisica, os programas de rv, os estilos de consumo e de vida.

    Tudo e feito mercadoria. E somente pode ter acesso aos bensdo mercado quem tern poder aquisitivo. A grande maioria estafora do mercado, porque 0poder aquisitivo e insuficiente. 0 mer-cado, nesse sentido, e sacrificialista. :E como urn Moloc que criavitimas e exlge mais e mais vltimas. Entre as vitimas estao a pro-pria natureza e a humanidade como urn todo, cujo futuro se veseriamente ameacado.:E talvez esse 0 ponto que pode obrigar 0 sistema do capitalmundialmente integrado a uma mudanca de paradigma. A Ter- .ra, ja dizia Gandhi, atende as necessidades humanas de todos,mas nao aguenta a voracidade das elites consumidoras. a tipode relacao pilhadora da natureza deve encontrar seu limite,porque os recursos da Terra nao sao renovaveis, sao limitados.Aqui ha um limite intrinseco a perpetuac;ao da ordem do capitalcomo ordem mundial.

    Em s eg un do lu ga r, esse modele nao e universalizavel. S6pode ser aplicado a poucos paises que detem poder econornico,

    E tlc a d a v id a 51politico e militar. Se a China quisesse dar a cada familia chines adois a tres carros, como possuem as familias norte-americanas,o pais literalmente se transformaria num imenso estacionamen-to poluido.

    Em t er ce ir o l ug a r, 0 sistema de mercado capitalista cria urnfossa cada vez maior entre os paises rieos, centrais, e os paisespobres, perifericos. as problemas humanos da pobreza, das do-encas, das rebe lioes , das migracoes por motivos economic ospoderao criar problemas eticos e organizacionals insoluveis ehumanamente insuportavels, Seria intoleravel urn apartheid so-cial mundial, com muros que separassem os paises tecnologica-mente desenvolvidos dos demais paises mantidos no atraso. aupodera ocorrer uma bifurcacao na humanidade: por um lado, osque usufruem todos os avances tecnologicos e prolongam aomaximo a expectativa de vida (quem sabe por mais de 100-120anos), insulados por um muro mais discriminador do que aquelede BerIim, e, por outro, a antiga humanidade, que sobrevivecom os recursos convencionais e com curta expectativa de vida,contentando-se em morrer antes do tempo.

    Em q ua rt o l ug ar , a qualidade de vida global e muito ruim.Nos paises centrais produz-se a destruicao da identidade humanapelo consumismo, pelo individualismo, pela droga, pelo a1coolis-. i t I lO, pela permissividade sexual desbragada e pelos altos niveis des()lidao, incomunicabilidade e suicidio; nos paises mantidos napobreza, a destruicao e produzida pelas sequelas da miseria, dasdoencas, da favelizacao e do desernprego, que geram violencia,tentativas de rebelioes por desespero, desestruturacao dos laces

    familiares e anomia social.i . a Papa Joao Paulo II, na enciclica S oli citu de r ei s oc ia li sfl~87}, tracou as linhas eticas de urn desenvolvimento que nao se

    \ restringe apenas a producao de bens materiais, mas que e inte-i i . i ~ I " a d o e integral, baseado na solidariedade mundial e na sociali-

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    52 l eo na rd o B o ffzacao de todas as producoes tecnico-cientifi.cas, postas a serviceda superacao dos arqui-inimigos da humanidade, como a forne,as doencas, a impotencia diante da violencia da natureza. etc.

    Especialmente 0 cristlanismo de Iibertacao fez as mars durascriticas ao mercado capitalista, por ele ter eriado 0 fetichismo damercadoria e a religUio do mercado, como ja 0 denunciaram al-guns analistas, particularmente da America ~atina, como PedroRibeiro de Oliveira, Hugo Assmann, Julio de Santa Ana, MarcosArruda e Franz Hinkelhammert. A religiao do mercado prometefelicidade vida e sentido ao mundo, como as religioes classic as.l' , , flMais que analisa-la, vamos descreve-la sucintamente. Ha a-grantes analogias com a religiao, como foram levantadas parPedro Ribeiro de Oliveira.o dogma f undamen ta l da religH'io da mereadoria e ~ste: : 0dinheiro tudo pode, move 0 ceu e a terra". E 0 mercado e a ma.oinvisivel que rege nossos destinos melhor do que a nossa consci-encia, pais toma sempre a decisao mais adequada: ...o dogma do dinheiro se traduz numa mitologia que difunde.,pelo cinema, pelas novelas e pela TV, pelos meios de massa, en-fi a historia do menino pobre, mas honesto e trabalhador, que1m, .ganha dinheiro e assim e feliz. . _ ..

    A mitologia se traduz numa teologia para os eruditos. Sao ~steorias dos economistas. Eles sistematizam os postulados dogma-ticos que a mitologia veicula de forma popular. ..

    A propaganda tern a funcao de uma evangelizar,;i io que anu~-cia as boas noticias da salvacao Pessoas "felizes'' e "bem-sucedi-das" sao associadas as rnercadorias.

    Ha mercadorias que sao verdadeiros sacramenios. Quem os .consome (como cigarros Marlboro ou a Coca-Cola), enche-se deenergia, de beleza e de vida. . ,.

    Existe uma autentica catequese, com sua didatica de persu-asao. Mocas bonitas e carinhosas (a exemplo das animadora

    E tic a d a v id a 53

    de auditorios infantisl mostram a milhoes de criancas 0mundoencantado de produtos que so a dinheiro e capaz de criar etomar acesslvel.

    Existe tambem 0 cu lt o dom in i ca l. Em programas de milhcesde audiencia, as pessoas se sujeitam a situacoes ridlculas au vi-vern a angustia do "tudo ou nada" diante de mercadorias ou so-mas de dinheiro quase ao seu a1cance.

    A grande festa anual dessa religiao e 0 Natal. Ela relinetodas as caracteristicas da festa religiosa. E a celebraeao dasmercadorias nos shoppings enfeitados e na ceia natalina, emque deve haver comida e bebida a saciedade, como em todaboa festa religiosa.

    Existem os temples dessa religiao, que sao os bancos-sede,cuja suntuosidade e estilo arquitetonico impressionam 0 co-mum dos mortals, impondo ate 0 silencio reverencial ao seentrar nas filas dos gulches, como se fossem filas para a comu-nhao eucaristica.

    Existe tambem a romaria aos espacos mais carregados de sig-niflcacao. que sao os grandes shoppings e cidades de consumo,como Manaus, Disneyworld, Miami, Paris e Nova York. Organi-zam-se viagens a essas terras da promlssao,

    Existem os sacerdotes, que sao os banqueiros e flnancistas,pols eles prestam 0maior cuIto ao dinheiro, fazem-no render.A religlao da mercadoria possui a sua etica, segundo a qual 0interesse individual constitui a norma geral de comportamento.Assim, 0 interesse do padeiro nao reside em saciar a fome daspessoas (interesse social), mas em ganhar dinheiro com a vendade seu pao (interesse privado). Os limites do interesse egoisticonao sao os interesses dos outros, mas os contratos que devem sersacrossantamente observados.

    A "fetichizacao" da mercadoria da origem a gestos e a atitu-des que 0 ser humano ate hoje so reservava a Divindade e a ne-

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    54 L eon a rd o Bo f fnhuma outra criatura. Por isso 0mercado e Idolatrico. Osatributosda divindade sao dados as mercadorias. A elas se adjudicam ca-racteristicas salvificas. Osprofetas ja fizeram a critica desse tipode idolatria. Sua caracteristica e exigir sacrlficios para alcancar aprometida felicidade, propiciada pela mereadoria; felicidade sem-pre frustrada, porque nao e por mereadorias meramente materlaise "fetichizadas" que se sacia 0 coracao humane, ser que possuinao apenas fome depao, mas prindpalmente fome de sentido, deacolhida, de espiritualidade e de Deus.

    o eristianismo de libertacao, na sua critica ao mereado capi-talista e por sua atitude, comete uma heresia, na perspectlva domercado: faz uma opcao pelos pobres, quer dizer,por aqueles quesao zeros economicos e perderam no mercado. Ora, a partir dasvitimas do mercado, faz-se urn questionamento basico ao merca-do atual, como exdudente, perverso, inlmigo daVidadas grandesmaiorias da humanidade, negador do projeto deDeus na historia,que e a construcao da irmandade entre todos os hurnanos.

    Somos contra 0 mercado, pura e simplesmente? Nao. Ques-tionamos esse tipo de mercado, aquele predominante hoje, que eo mercado de corte capitalista. 0 mercado e muito mais que 0sistema capitalista, pois ja existia antes dele. 0 mercado e umarealidade humana eminentemente social. Talvez ho]e seja a rea-lidade central do mundo.As relacoes de mercado sao relacoes socials que regem a pro-.ducao, a distribulcao e 0 consumo de bens e services. Pelo fatode ser constituido por relacoes socials, 0 social, e nao 0 individu-al, deveria oeupar a centralidade do mercado. 0 que deve coman-dar as prioridades e orientar a logica de sua realizacao historicanao sao as demandas do proprio mercado, quase sempre artifl-dais, visando unlcamente ao lucro, mas as necessidades da vidahumana em sua concretizacao, que e sempre material, pessoal,social; cultural e espiritual.

    Etica d a v id a 55Talvez a crise mundial gerada pela pobreza de 2/3 da huma-

    nidade e pelas proprias contradlcoes decorrentes da concorrenciasistemica obrigue as nacoes centrals a reorientarem suas politicasde producao de tecnologia e a submeterem 0 mercado a certoscontroles que impecam 0 desmonte de economias nacionais ope-radas pelos capitals volateis e especulativos. Essas medidas de-vern possibilitar a preservacao das culturas dos varies povos, comsuas diferencas tambem no processo produtivo enos niveis deconsumo, e fortalecer 0 respeito a natureza; sem a qual ninguem,nem rices nem pobres, podera sobreviver.Deve-se buscar 0 sentido originario da economia, que signi-.fica a gestae das carencias, e nao, como na economia ce merca-do, a crescimento linear da producao de bens materiais e dosservices. Deuma economia da producao material ilimitada, deve-se chegar a uma eccnomia da producao humana integral, produ-s a o do suficiente para todos, tambem para os seres vivos danatureza. Caso contrario, iremos ao encontro do pior, pois a Terra

    .da inequivocos sinais decansaco e mostra limites visiveis em suasustentabilidade....... A questao nao e chegarmos a urn desenvolvimento susten-

    .Jado, mas a uma sociedade sustentada que a si mesma da asiiformas de desenvolvimento integral das pessoas e das comuni-

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    56 L e on ar do Bo ffnova economia politica globalizada, de urn novo sonho coletivopara a humanidade. Esse sonho deve procurar sua realizacao mi-nima ao menos nestes seis pontos fulcrais, basicos para uma ati-tude etica responsavel:

    Humanizacao minima: todo ser humano deve ter 0 direitominimo de persistir na existencia. Isso quer dizer que deverapoder comer pelo menos uma vez ao dia, morar e ter 0 cuida-do basico de sua saude garantido. Os sistemas vigentes naocolocam a pessoa humana em seu centro, mas apenas a suaforca de trabalho (seus musculus, sua cabeca, seus pes de es- ...portista etc.). E revolucionario hoje afirmar: devemos teramizade e amor para com a pessoa humana, para alem dequalquer determinacao economica, etica, religiosa ou cultu-ral. A novidade dos movimentos dos direitos humanos no.Terceiro Mundo e afirma-Ios principalmente para as vitimas eapresentar como lema basico de sua luta: "servir a vida apartir das vidas mais ameacadas"

    Cidadania: tendencialmente, a organizacao social nao deveproduzir excluidos, mas potencialmente todos devem se sentircidadaos da Terra, que se acostumam a pensar globalmente, em-.bora atuem localmente em suas nacoes (com suas raizes cultu-rais). A cidadania implica uma atitude democratic a,participatoria,e a concordancia intrinseca com a pluralidade;Justica societdria: implica a certeza de se poder desfrutar be-neficios socials; certeza tambem do prevalecimento de certa cor-relacao entre 0 que 0 cidadao contribui e 0 que, em contrapartidarecebe. Pela justica societaria. procura-se tomar mais concretoviavel 0 ideal politico da igualdade, que passa a constitulr uhorizonte utopico, no sentido positivo do terrno (uma referenclque relativiza todas as cnncretizacoes e evoca sempre outras novas). A solidariedade entre grupos e nacoes alivia a rudeza dadesigualdades sociais.

    E ti ca d a v id a 57B em -e sta r h um an o e eco16gico: os melhores projetos, praticas

    e organizacoes sao aqueles que maximizam nao somente a quan-tidade de bens e services, mas principalmente a qualidade davida humana. Esta deve resultar do funcionamento global da so-ciedade. Ao bem-estar humano pertence a nova alianca que seestabelece entre os homens/mulheres e a natureza, em termos deconfraternizacao e veneracao. Pertence tambem a espiritualidadecomo capacidade de comunicacao com a subjetividade profundade si mesmo e das pessoas e com as mais diferentes alteridades,inclusive a alteridade absoluta (Deus). Pertence a ela igualmentea expressao pluralista de val ores e as interpretacoes da vida, dahistoria e do proposito ultimo do universo.

    R es pe it o a s d ife re nc as c ul tu ra is : 0 ser humano e urn ser his->torico e codificou diferentemente suas respostas as questoes sig-..nificativas de sua passagem pela Terra. Como existe umaarqueologia exterior (ecologia ambiental e social), ele possuitambem uma arqueologia interior (ecologia profunda); interpre-ta, valoriza e sonha a sua realidade a partir de experiencias.cumulativas. Toda essa diversidade mostra a riqueza do que e aihomogeneizar tudo, pode-se produzir singularidades pela apro-/pria\ao cultural especffica que se faz desses processes. Cada cul-..tura apresenta uma forma distinta de viver a solidariedade, de

    festejar, de integrar trabalho e lazer, de articular os grandes so-..nhos com a realidade histories. A ciencia e a tecnica sao momen-. tos dessa forma de habitar 0mundo e de 0 ser humano sentir-seiintegrado num todo ecologico maior.

    Reciprocidade e complementaridade cultural: nao basta 0 re-

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    58 L eo n ar do B o ffridade mutua. Nenhuma cultura expressa a totalidade dopotencial criativo humane. Por isso, uma cultura pode completara outra. Todas juntas mostram a versatilidade do misterio do serhumano e as distintas formas de realizarmos nossa humanidade.Por isso, cada cultura representa uma riqueza inestimavel (lin-gua, filosofia, religiao, artes, tecnicas: numa palavra, as formasde habitar 0 mundo), sejam as culturas singelas da Amazonia,sejam as culturas assim chamadas modemas, tecnico-cientificas.Toda essa imensa diversidade cultural nao se devera perder numprocesso de globalizar;ao homogeneizador pelo unico modo deproducdo capitalists.

    C uid ad o co m a v ida e co m 0 p lane ta Te rr aCresce a conscienda de que temos somente 0 planeta Terra

    como patria conium, na qual podemos viver. Tanto ele quanto 0sistema da vida estao ameacados pelo principio da autodestrui-r;ao. Garantir 0 futuro da Terra e da humanidade constitui a gran-de centralidade. Sem elas, nenhum dos valores acima apontadosse sustenta. Por isso, e imperativa uma etica do cui dado a servivida em todas as mstancias. Ela impoe uma re-educacao dahumanidade, para que possa ao mesmo tempo satisfazer suasnecessidades com a exuberancia da Terra e chegar a uma convi-vencia pacifica com ela, N ao so mo s meros habitantes da Terra.Somos seus filhos e filhas. Numa perspectiva radical, somos apropria Terra, que, em seu processo de evolucao, alcancou, pormeio do ser humano, a capacidade de sentir, de pensar, de amare de preocupar-se consigo mesrna,

    E tic a d a v id a 59C on clu sa o: fa ze r a re vo tu ca o m ole cu la r e u m d es afio a c ad asu je it o e t ico -eco loq l co

    A situacao mundial, para ser superada, demanda uma revolu-r;ao. Tudo indica, porern, que 0 tempo das g ra nd es r ev ol uc oe spassou. Via de regra, eram feitas no passado por classes ou gru-pas de vanguarda. Nem por isso a exigencia de uma revolucaoarrefeceu. as caminhos sao outros. Hoje, cada um e chamado afazer a sua revolucao. Seu estilo sera molecular. Como cada rno-lecula interage com 0meio e garante sua subsistencia, assim cadaqual devera operar as mudancas la onde se encontra e em intera-r;ao com 0 meio ao seu a1cance. Cada pessoa humana representaum feixe imenso de potencialidades que querem se expressar. assistemas impetrantes tentam submeter seus cidadaos it resigna-r;ao e it pura acomodacao, Por isso, devemos ser c ri ati vo s e alter-natives la onde podemos. Devemos deixar nascer em nos 0homem/mulher novos, diferentes, complementares, solidarios e.unidos na construcao de urn destino comum para 0 nosso pais eRara 0 nosso planeta. Na o somos chamados a ser galinhas, mas/aguias. A aguia esta escondida dentro de cada anseio e de cada\sonho de crescimento e de libertacao que fermenta na mente eiin~endeia 0 coracao. Importa dar asas it aguia, Seu habitat e 0iF~ll 'as alturas e 0espaco aberto, e nao 0 rastejar pelo chao. Cum-.. pre erguer voo e arrastar outros na mesma aventura da liberdade/eda Iibertacao. Nesse processo, far-se-a a revolucao para urn119YOparadigma civ il izac ional , que p erm lti ra a c on ti nu ac ao do~x:perimento homo num sentido mais profundo e melhor do que~qllele vivido ate 0momento.

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    P A R T E 2

    NOVA COSMOLOG IA,,DEUS E ETIC A DA V IDA

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    4 ./A v id a como c en tralid ad e etica e eco lo qicaP l lt hos , e ros , l ogos , daimon e ethos, palavras-geradoras do para-digfua greco-ocidental, estruturam 0 percurso da vida humanah~iimensa aventura cosmica que nos toea passar,

    Pathos e 0 sentimento de base pelo qual somos afetados eafetamos tudo 0 que nos cerca. Configura a estrutura basica daeXistencia enquanto ser-no-mundo junto com outros em perma-Il.~hte inter-retrorrelacionamento.

    significa a forca vital, 0 entusiasmo, a criatividade daa forca de expansao e criacao de diferencas e tambem de

    UUJlUa-,,- dinamica.e a capacidade de inteleccao, de descoberta e de criacaoem tudo 0 que sentimos e captamos, E urn principio

    ........

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    Qual e 0 paradigrna que vai redefinir 0 sentido da civillzacaoemergente? Qual e a palavra que vai denotar a nova estrela-guia?Chamamos de paradigma aquele conjunto de saberes, convic-t;;oes, ideias poderosas, vtsoes, sonhos e utopias que estruturamlima sociedade determinada, Esse paradigma eo horizonte de urnsentido globalizador.

    Essas cinco categorias eram, nos tempos classicos, Normalmente, 0 novo paradigma surge do bojo de uma gran-em estreita articulacao, de sorte que dai resultavam ade crise, Por isso ele possui 0 condao de se apresentar como umapessoal e a paz social. Lentamente, entretanto, 0 logos nova esperanca, urn caminho de salvacao, uma manha depois dea ganhar a hegemonia. Por urn processo historico misterioso'uma terrivel noite de pesadelos, depois de "una neche terrible yja ocorreu nos tempos socraticos, com a poderosaescura", de que fala 0mistico 5. Joao da Cruz.reflexiva dos sofistas, de Platao e de Aristoteles. Essa 0 paradigma, uma vez emerso, transforma-se numa certezaacabou par se transformar numa especie de ditadura dOtotidiana, na atmosfera das evidencias existenciais, e mergulhasobre as demais dimensoes da existencia e de sua compreensaoa para 0 inconsciente coletivo. 50 entao se transforma na convic-especialmente quando 0 logos foi afunilado numa~ao geral, no elemento evidente e inquestionavel de uma socie-utilitarista e funcional, a assim chamada razaodade. Aquilo que nao precisa ser explicado e que explica todas asanalit ica, propria dos tempos modemos.O pathos e 0 eros'demais coisas.daimon e 0 ethos forarn postos sob suspeita; eram acolhidos . < 0 paradigma deve responder a pergunta fundamental que to-mente na medida em que passavam pelo crivo da razao . < ... fazem, deve atender as demandas impostergaveis, deve pro-nadora. Especialmente 0pathos, como capacidade de desafogo e sentimento de seguranca e orientacao.profundo, de enternedmento e de corn-paixao, foi houve ern que a questao basica na agenda humanano ambito da estrita subjetividade. . ..de onde viemos? para onde vamos? que estamos fazendo naAs duas guerras mundiais trouxeram crise para esse tipo . ? E aqui top amos com 0 universe mitico que sempre de novorazao. Se ela e util para 0 funcionamento e a comodidade e reapresenta tais questoes. Os gnosticos foram mestresvida, ela pode ser tambem altamente destrutiva, a ponto de p questionamento. Outras epocas houve em que as pessoas seem xeque 0 futuro do planeta Terra e a aventura humana. A angustiadas: que podemos saber? Emmanuel Kantda cultura do logos levou a revalorizacao do pathos, do eros, ... ' b u toda a sua filosofia para fundar urn saber compativel comdaimon e do ethos como caminhos de integracao e de resgate das ciencias experimentais, estabelecendo as precon-proprio logos; a service da vida humana e da preservacao da .teoricas para todo e qualquer conhecimento. Que podemostegridade da criacao. , perguntavam-se os contemporaneos, assustados, diante

    64 L eon ar do B o ffque possamos viver na justica, na cooperacao e na paz, norior da casa cornum dos humanos (sentido originarioethos - habitat humane).

    A v id a n a c orn pree ns ao c os mo qen ic a a tu al

    E tic a d a v id a 650 imperativo cateqorico da era ecoloqica?

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    da modema maquina demorte com urn potencial destruidor nun- .que permitem urn equilibria das forcas gravitacionais e eletro-ca visto desde 0 principio do mundo.ma.gneticas, somado a uma posicao, em relacao ao Sol, favoravel

    Hoje, em face da crise ecologica mundial, a grande pergUntailrnanuten.;;ao de uma temperatura adequada ao surgimento dase: como devemos viver? Como nos relacionar com a Terra Prri.oh~culas complexas presentes na vida.preserva-la, nao a ameacar e garantir a nossa propria vida e Durante bilhoes de anos, aquecida pelo Sol, nela so existiavida e existencia de todos os demais seres que vivem na Terra? urn imenso mar de lava em fusao. Vapores e gases se despren-

    A resposta so pode ser: "vive de tal maneira que nao diam dele, formando nuvens imensas. Elas lentamente foram seas as condicoes de vida dos que vivem no 'presente e as dosdensificando. Deram origem a primeira atmosfera terrestre, com-van viver no futuro. Ou positivamente: vive no respeito e R?sta de gas carbonico, amoniaco, nltrogenio e hidrogenio. Apossolidariedade para com todos os companheiros de vida e Tilh6es de anos, ela comecou a esfriar. A lava endureceu e surgiuaventura terrena, humanos e nao humanos, e cuida paraoprimeiro solo. As nuvens atmosfericas se condensaram. Cairamtodos possam continuar a existir e av iver, ja que todo oasprimeiras chuvas torrenciais, as mais variados liquidos. Parteso se fez cumplice para que eles existissem evivessem e peI"maneciano solo, parte evaporava para alimentar a atmosferasem ate 0 presente".~.cair de novo ao solo. Elas duraram ininterruptamente seculos e

    Esse e 0 novo imperativo categorico do ethos da l1U.111

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    68 Leonardo Boff E ri ca d a v id a 69

    !::a~i::Z:~: q ~ e : : < : : n e : ~ t i : : ~ ; ;e ~ ~ ~ > ~ : :b r i l : ~ i 'f , , (e m o para e x p l i c ~ , surgimento d . vida, c o m o0 fazem,mltologico que salvou criancas condenadas ao sacrificio),S?rnumente, as religioes e a cosmologta classica. Basta que 0urn salto qualitativo em nosso espa\,o-tempo curvo, num '-U,H"'''' principio de "cornplexizacao" e organizacao de tudo, tambem dade nossa galaxia, num sol secundario, num planeta de quavi~a, chamado de principio cosmogenico, esteja presente na mi-negl igeable, a Terra, emergiu a grande novidade: a vida, Aries e~~scula esfera primordial, esta sim criada par uma inteligenclaancestral de todos os seres vivos par nos conhecido,suprema, urn infinito amor e uma eterna paixao.

    Depois eclodiram as bacterias (que povoam cada organisEfetivamente, esse principio ja funciona no primeirissimovivo e se contam em bilh5es de especies: somente uma colhera~~mento, apos a f~s~ inflacionaria, em seguida a grande explo-de solo contem cerca de 50 bilhoes delas) e microbios e todaS~?:tudo, desde 0 inicio, interage e estabeleee urn dialogo cria-riquissima biodiversidade de plantas, animais e seres humanos.~orcom tudo 0 que esta em torno. 0 universo se cria e seT " d d ilhd d l'd'f,difereneia a partir da energia e da materia ini '" ,erra precisou am a e mi oes e anos para se so 1 1 lcar,\>. iciais, a medidarantir as condicoes para que a vida continua sse, apesar de~~ravanr,;a