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RESUMO
O presente trabalho trata da polmica questo da progressividade
fiscal do IPTU, imposto que muitos caracterizam como sendo de
natureza real e, por tal razo, no deve ser submetido ao princpio da
capacidade contributiva. Desde a promulgao da Emenda Constitucional
n 29/00 e da promulgao da Lei Federal n 10.257/01, o Poder Pblico
Municipal passou a contar com dois poderosos instrumentos para
gerir o espao urbano e desenvolver as funes sociais das cidades.
Para compreenso do tema, fez-se necessrio analisar o IPTU, sua
natureza jurdica e finalidades. Aps faremos a distino entre as duas
modalidades de progressividade abrigadas pela Constituio Federal,
quais sejam, fiscal e extrafiscal, para s ento, adentrarmos no tema
principal, qual seja, a polmica questo da progressividade fiscal do
IPTU. A recente deciso do Supremo Tribunal
A aplicao de progressividade no IPTUCludia Fernanda de Aguiar
Pereira*
Advogada e procuradora jurdica da Fazenda Pblica Municipal de
Bauru, Coordenadora do Curso de Direito das Faculdades Integradas
de Bauru, Professora de Direito Civil na mesma Instituio. Graduada
em Direito, especialista em Direito Civil e em Direito Municipal e
Mestre em Direito Constitucional.
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Federal acerca do assunto tambm ser motivo de estudo. O objetivo
deste trabalho , atravs de pesquisa bibliogrfica e em revistas
especializadas em direito tributrio, analisar as questes atinentes
constitucionalidade da cobrana do IPTU atravs de alquotas
progressivas, analisando posicionamentos dissonantes na doutrina e
na jurisprudncia, para chegar, com clareza, na problemtica acerca
do tema.
Palavras-Chave: IPTU, progressividade, constitucionalidade.
1 INTRODUO
Este artigo visa abordar questes relacionadas a progressividade
do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbano, o IPTU.
Para que seja possvel atingir concluses srias acerca da sua
constitucionalidade, desejvel que o estudo parta da anlise da
natureza jurdica do tributo, da competncia concedida pela
Constituio para sua criao e regulao, bem como da sua
finalidade.
Tema de suma relevncia, a sua abordagem justifica-se pela
necessidade de averiguar-se a tendncia doutrinria e jurisprudencial
da aplicabilidade da progressividade sobre o IPTU, aps as mudanas
trazidas pela Emenda Constitucional n 29/2000, notadamente sobre o
seu carter fiscal, vez que no h, ainda hoje, entendimento pacfico
sobre tal questo.
O intuito aplicativo de tal estudo se demonstra pelo fato de que
diversos municpios vm aplicando em sua legislao tributria as
mudanas trazidas textualmente pela Emenda Constitucional n 29/2000,
muitos dos quais figuram hoje como rus em processos judiciais
promovidos por contribuintes que sentem-se lesados pela
progressividade instituda.
Buscando atingir o objetivo, o trabalho foi estruturado em trs
captulos, acrescidos a este introdutrio. Um dos captulos traz
consideraes genricas acerca da natureza jurdica e finalidade do
IPTU. Num segundo momento optou-se por apresentar as modalidades de
progressividade previstas em nosso ordenamento jurdico.
No ltimo captulo foi analisada a divergncia doutrinria e
jurisprudencial que existe acerca da constitucionalidade da EC n
29/200 e por via de consequncia da instituio da progressividade
fiscal do IPTU.
interessante notar que referido tributo at a edio da nossa atual
Constituio era entendido como unicamente real e fiscal, tendo
obtido novos caracteres com o Texto de 1988. A partir de ento,
passou a ser visto tambm como instrumento de poltica urbana.
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Ser possvel analisar a hiptese de progresso em sua cobrana tendo
em vista sua natureza, bem como a relao entre progressividade da
alquota e os princpios da capacidade contributiva e funo social da
propriedade.
Questo muito debatida por nossos juristas e que deve ser
enfrentada a constitucionalidade ou no da instituio do IPTU
progressivo fiscal autorizado pela Emenda Constitucional n
29/2000.
No poderemos nos furtar ao estudo do leading case acerca do
assunto que trata-se da Lei do Municpio de So Paulo n 13250/2001,
submetida ao crivo do Supremo Tribunal Federal no ano passado.
Para isso, foi necessrio fazer um breve histrico a respeito do
posicionamento do Supremo Tribunal Federal para ento ser feita a
anlise deste caso concreto que enfrentou a questo. Procura-se,
assim, chamar a ateno para o tema da justia tributria como elemento
essencial para o debate do assunto em estudo.
2 PROBLEMA DE PESQUISA
O poder de tributar balizado por regras e princpios previstos no
Texto Constitucional. Na Constituio Federal de 1988 h princpios
explcitos e implcitos que regulam a atividade do Fisco em face dos
direitos fundamentais dos contribuintes. Dentre os princpios
constitucionais tributrios, encontra-se o Princpio da
Progressividade que, em resumo, consagra o aumento da carga
tributria pela majorao da alquota aplicvel, na medida em que h o
aumento da base de clculo.
As questes que se pretende enfrentar so, basicamente, as
seguintes: constitucional a instituio da progressividade fiscal na
cobrana do IPTU,
que imposto de competncia municipal?A instituio do IPTU
progressivo consegue atingir, na prtica, ao que
preceitua o princpio constitucional da igualdade e por
consequncia da capacidade contributiva? De que maneira?
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3 REFERENCIAL TERICO
A Constituio Federal outorgou competncia aos Municpios para
instituir o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), conforme
preceitua o artigo 156 da Magna Carta.
Dentre os diversos princpios aplicveis ao Direito Tributrio
encontra-se o que prev a possibilidade da instituio da
progressividade dos impostos. Trata-se de um princpio que consagra
o aumento da carga tributria pela majorao da alquota, na medida em
que h aumento da base de clculo. A progressividade tributria busca
a realizao da justia fiscal, estando, portanto, intimamente ligada
aos princpios da capacidade contributiva e isonomia.
Os tributos, mormente os impostos, recebem uma classificao
quanto a sua funo, que pode ser fiscal, extrafiscal ou parafiscal.
A funo fiscal existe quando um tributo tem por finalidade precpua
gerar receitas para o ente poltico. A funo extrafiscal existe
quando um tributo tem por finalidade maior intervir no setor
privado, o que normalmente ocorre sobre o domnio econmico,
incentivando ou desestimulando uma atividade, como acontece, por
exemplo, com os impostos de importao, exportao, sobre produtos
industrializados e sobre operaes de cmbio, crdito e seguro; em
segundo plano se encontra o interesse na arrecadao. Por fim, tem
funo parafiscal, quando seu objetivo a arrecadao de recursos para o
custeio de atividades que, em princpio, no integram funes prprias
do Estado, mas que este as desenvolve atravs de entidades
especficas. A ttulo de exemplo, pode-se citar as contribuies anuais
pagas pelos profissionais rgos como OAB, CREA, CFC etc. (MACHADO,
2010)
No que tange especificamente ao IPTU, a maioria da doutrina o
classificava como um imposto com funo fiscal, ou seja, de gerar
receitas para os Municpios ou Distrito Federal.
Com o advento da Constituio Federal de 1988 esta classificao se
tornou ultrapassada, na medida em que o IPTU passou a ser utilizado
tambm como um instrumento de poltica urbana, nos termos do art.
182, 4, inciso II, da Constituio Federal. Da deflui que o IPTU pode
ser extrafiscal quando tem a preocupao de atender funo social da
propriedade.
Acerca das progressividades extrafiscal e fiscal convm a lio que
segue:
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Nos termos do inciso II, do 4, do art. 182 da Constituio
Federal, o IPTU poder ser progressivo para regular a funo social da
propriedade urbana. Nesse tipo de tributao, o fim visado no o
aumento da arrecadao tributria, mas, o desenvolvimento das funes
sociais da cidade e garantir o bem-estar social de seus habitantes,
tarefa conferida ao Poder Pblico municipal, nos termos do art. 182
caput da Carta Poltica.A progressividade fiscal, ou seja, aquela
decretada no interesse da arrecadao, levando em conta a capacidade
contributiva, tem seu fundamento no 1, do art. 145 da Constituio
Federal, norma de natureza programtica que preconiza, sempre que
possvel, a graduao do imposto segundo a capacidade contributiva.
Essa capacidade aferida objetivamente. Nesse tipo de
progressividade, somente o valor venal do imvel poder ser tomado
como parmetro para progresso de alquotas, medida em que apenas ela
espelha, objetivamente, a capacidade econmica do
proprietrio-contribuinte. A considerao de qualquer outro fator ou
elemento retira a natureza fiscal da progressividade. (HARADA,
2002. p.345-358).
No caso do IPTU, o atual 1 do art. 156 da Constituio Federal
prev progressividade em funo da base de clculo (inciso I) e, ainda,
estabelecimento de alquotas diferenciadas de acordo com a localizao
e uso do imvel (inciso II), o que evidencia a adoo de uma
progressividade fiscal, ou seja, fundada na presumvel capacidade
econmica do contribuinte. J o art. 182, 4, II, da Constituio
Federal prev a progressividade das alquotas no tempo, em razo da
subutilizao ou subaproveitamento do solo urbano, com o objetivo de
assegurar o cumprimento da funo social da propriedade urbana.
4 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
4.1 NATUREZA JURDICA DO IPTU
O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), de competncia
municipal, tem previso no artigo 156, I da Constituio Federal e no
artigo 32 do Cdigo Tributrio Nacional. Sua hiptese de incidncia a
propriedade, o domnio til ou a posse, de bem imvel por natureza ou
acesso fsica, situado na zona urbana do Municpio, desde que servido
por, no mnimo, dois dos melhoramentos arrolados no 1 daquele
dispositivo.
O IPTU foi classificado, ao longo dos anos, como imposto real,
visto que seu lanamento leva em considerao exclusivamente as
caractersticas do imvel tributado. Sua base de clculo o valor venal
do imvel, nos termos do artigo 33 do Cdigo Tributrio Nacional.
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Segundo ROSA JUNIOR (2001, p. 358), aquele que em sua instituio
visa nica e exclusivamente matria tributvel, abstraindo, portanto,
a pessoa do contribuinte. Difere portanto daqueles impostos
institudos em funo do sujeito passivo, os ditos pessoais.
Para MORAES (1999, p. 439), o IPTU como tpico imposto real que
:
calculado sem atender as condies pessoais do contribuinte, ou
melhor, ignorando por completo a situao individual do contribuinte
(o imposto grava uma riqueza dada ou uma situao da mesma maneira,
qualquer que seja o sujeito passivo). Os impostos reais gravam o
contribuinte tendo em vista apenas a matria tributvel, segundo seus
caracteres objetivos especficos, independentemente das condies
econmicas, jurdicas, pessoais ou de famlia, relativas ao
contribuinte. A alquota tributria fixada exclusivamente em funo
apenas das circunstncias materiais da situao de fato prevista na
lei.
H tributaristas renomados porm que refutam esta classificao
alegando que todos os impostos atingem o patrimnio do contribuinte,
visto que a relao se efetiva entre pessoas (Estado e contribuinte)
e a propriedade mero objeto constituinte da obrigao, sendo o
imposto de natureza pessoal, portanto. (COELHO, 1990)
4.2. FINALIDADES DO IPTU
A finalidade do IPTU tipicamente fiscal, ou seja, seu objetivo
primordial a obteno de recursos financeiros para os Municpios.
Porm, no mundo moderno difcil localizar um imposto que no tenha
tambm funo extrafiscal, conforme entendimento de Hugo de Brito
MACHADO (2010, p. 410).
A extrafiscalidade, como define CARRAZZA (2011), consiste no uso
de instrumentos do Direito Tributrio cuja finalidade principal a
arrecadao para os cofres pblicos (a que se chama de finalidade
fiscal) com fins diversos, ou seja, com fins no-fiscais ou
extrafiscais. No caso, o uso extrafiscal dos tributos tem por
objetivo disciplinar, favorecer ou desestimular os contribuintes a
realizar determinadas aes, por consider-las convenientes ou nocivas
ao interesse pblico.
Para Paulo de Barros CARVALHO (2010, p. 286), temos que:
Fala-se em fiscalidade sempre que a organizao jurdica do tributo
denuncie que os objetivos que presidiram sua instituio, ou que
governam certos aspectos da sua estrutura, estejam voltados ao fim
exclusivo de abastecer os cofres pblicos, sem que os outros
interesses sociais, polticos ou econmicos interfiram no
direcionamento da atividade impositiva. (CARVALHO, 2010, p.
286)
Por outro lado, para o mesmo autor, a extrafiscalidade:
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(...) vem pontilhada de inequvocas providncias no sentido de
prestigiar certas situaes, tidas como social, poltica ou
economicamente valiosas, s quais o legislador dispensa
tratamento mais confortvel ou menos gravoso. (CARVALHO, 2010, p.
287)
Desde a entrada em vigor do Estatuto da Cidade (Lei Federal n
10257/2001), o IPTU passou a ser visto tambm com outros olhos,
visando a adequao da propriedade a sua funo social, assunto que ser
melhor tratado mais adiante. No caso prtico, para saber a funo do
IPTU em cada caso necessrio perquirir se o imvel tributado est
cumprindo ou no sua funo social, uma vez que se estiver, segue-se a
regra - funo fiscal, se no a exceo funo extrafiscal.
5 AS MODALIDADES DE ALQUOTAS PROGRESSIVAS DO IPTU
A progressividade das alquotas significa, em linhas gerais, que
o imposto deve ser cobrado por alquotas maiores, na medida em que
se ampliar a base de clculo ou surgirem situaes concretas que o
Estado pretende desestimular (por exemplo, o subaproveitamento de
reas urbanas). o caso do imposto de renda.
No caso do IPTU, cabe ao Municpio atravs de lei definir a
alquota a ser cobrada, porque nem a Constituio nem o CTN a
definiram nem criaram limitao expressa. No entanto a Norma
Constitucional veda por fora do inciso IV do Art. 150 utilizar
tributo com efeito de confisco, o qual caber ao judicirio, quando
provocado, dizer se tem carter confiscatrio ou no.
Sabe-se, tambm que a alquota do IPTU no poder ser superior a
15%, uma vez que este valor s utilizado em situaes extremas, quando
a propriedade no esteja cumprindo sua funo social de acordo com o
previsto no art. 7, 1 da Lei 10.257/2001 Estatuto das Cidades.
A progressividade da alquota do IPTU d-se por duas maneiras no
direito Brasileiro, a primeira prevista no art. 156, 1 e a outra no
artigo 182, 4, ambos da Magna Carta.
5.1 A PROGRESSIVIDADE NO TEMPO
Para entendermos a progressividade no tempo ou extrafiscal, e
conveniente tecermos alguns comentrios prvios acerca do principio
da funo social da propriedade.
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A propriedade o direito real por excelncia que confere ao seu
titular os direitos, ou atributos, de uso, gozo e disposio de
coisa, alm de poder reav-la de quem quer que injustamente a possua,
conforme preceitua o artigo 524 do Cdigo Civil.
Ocorre que a propriedade no , na atualidade, um direito absoluto
em favor do seu titular. Ele pode e deve fazer uso do bem, mas
sempre tendo em vista o bem social. Justamente nessa concepo que
reside a ideia de funo social apregoada pela Constituio Federal de
1988.
Essa condio, que determina o uso do bem em favor de todas as
pessoas, e no apenas do titular, opera em relao a todas as formas
de propriedade: mobiliria ou imobiliria, urbana ou rural.
A Carta Brasileira atual garante o direito de propriedade no seu
artigo 5, que traz o rol dos direitos e garantias fundamentais,
contanto que atenda s exigncias da sua funo social:
Artigo 5 - (...)(...) XXII - garantido o direito de
propriedade;
XXIII - a propriedade atender a sua funo social;
Por outro lado, tambm manteve a propriedade e a sua funo social
como um dos princpios conformadores da ordem econmica:
Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados
os seguintes princpios:(...)II - propriedade privada;
III - funo social da propriedade;
Assim, a propriedade em geral, de acordo com a tradio
constitucional brasileira, no mais possui contornos de direito
individual puro, nem deve ser entendida como uma instituio do
Direito Privado. , ao revs, instituio pertencente ao Direito
Pblico, eis que princpio constitucional da ordem econmica.
O artigo 182, 2, que relaciona a funo social deste tipo de
propriedade com as exigncias fundamentais de ordenao da cidade,
expressas no plano diretor dispe que:
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Art. 182. A poltica de desenvolvimento urbano, executada pelo
poder pblico municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei,
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais
da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. 1. O plano
diretor, aprovado pela Cmara Municipal, obrigatrio para cidades com
mais de vinte mil habitantes, o instrumento bsico da poltica de
desenvolvimento e de expanso urbana. 2. A propriedade urbana cumpre
sua funo social quando atende s exigncias
fundamentais de ordenao da cidade expressas no plano
diretor.
Estas disposies so complementadas com o disposto pelo 4 do mesmo
artigo, que permite ao Municpio impor at mesmo a desapropriao para
o uso degenerado da propriedade urbana.
Importante salientar, assim, que o proprietrio do imvel est
sempre adstrito a uma obrigao de fazer para que o seu direito de
propriedade cumpra a funo social que lhe destinada, consubstanciada
na utilizao conforme o plano diretor. A imposio de comportamentos
positivos caracterstica da funo social, conforme preceitua Eros
Roberto GRAU (1997, p. 255), quando diz que:
O que mais releva enfatizar, entretanto, o fato de que o
princpio da funo social da propriedade impe ao proprietrio - ou a
quem detm o poder de controle, na empresa - o dever de exerc-lo em
benefcio de outrem, e no, apenas, de no o exercer em prejuzo de
outrem. Isso significa que a funo social da propriedade atua como
fonte de imposio de comportamentos positivos - prestao de fazer,
portanto, e no, puramente, de no fazer ao detentor do poder que
deflui da propriedade. (GRAU, 1997, p. 255)
Justamente para o fim de estimular o proprietrio de imvel urbano
a dar cumprimento a funo social da propriedade que surgiu a
primeira modalidade de progressividade prevista por nossa
Constituio Federal e que esta contida no art. 182, 4. E uma sano
para a propriedade que no esteja cumprindo sua funo social
estabelecida no plano diretor da cidade, e foi a partir dela que o
IPTU passou a ter, tambm funo extrafiscal. Sua redao a
seguinte:
Art. 182. A poltica de desenvolvimento urbano, executada pelo
Poder Pblico municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei,
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais
da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.(...) 4 -
facultado ao Poder Pblico municipal, mediante lei especfica para
rea includa no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do
proprietrio do solo urbano no edificado, subutilizado ou no
utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de:(...)II - imposto sobre a propriedade predial e
territorial urbana progressivo no tempo.
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A progressividade do IPTU prevista neste dispositivo
constitucional a progressividade especfica para ordenamento das
funes sociais da propriedade de per si, s podendo ser exercitada
atravs da modalidade ali prevista: a progressividade no tempo.
Foi regulamentada pelo Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001), que
surgiu como um interventor limitador da propriedade privada visando
compelir os proprietrios de imveis urbanos a darem funo social a
seus bens imveis. Para tanto criou mecanismos jurdicos, tais como o
parcelamento e edificao compulsria de reas, desapropriao para fins
de reforma urbana e o IPTU progressivo no tempo, entre outros.
Na verdade o IPTU progressivo previsto em referido Estatuto um
tributo ambiental, tendo como objetivo claro incentivar a mudana de
comportamento dos agentes econmicos, mas a estes cabe a deciso de
pagar o tributo ou adaptarem-se as regras urbansticas. Segundo
SETTE (2007, p. 148), Se fosse sano no daria essa flexibilidade, e,
sim, viria em forma de proibio sujeita a multa ou outra pena.
No essa a opinio de BARBOSA (2007), para quem o IPTU progressivo
do artigo 182 da CF verdadeira sano, vez que se o proprietrio do
imvel o utiliza em violao aos fins urbansticos do Municpio, ele
penalizado com imposto maior, progressivo. (BARBOSA, 2007, p.
100)
A CF, ao estabelecer a prpria textura do direito de propriedade
sobre bens imveis, no art. 182, 4, previu que, de forma sucessiva,
poderia o Poder Pblico adotar vrios mecanismos para que se tivesse
o adequado aproveitamento do imvel urbano, a comear da
compulsoriedade, que o Estatuto previu nos arts. 5 e 6.
Assim, de acordo com o art. 7 do Estatuto, no tendo havido o
cumprimento das obrigaes impostas pela notificao ao particular no
prazo e nas condies determinadas pelo Poder Pblico, abre-se espao
para que se utilize o segundo mecanismo constitucional fixado para
o adequado aproveitamento do imvel urbano, a saber, a
progressividade do imposto sobre a propriedade territorial e
urbana.
Destarte, os pressupostos para o estabelecimento da
progressividade do IPTU como instrumento de poltica urbana so: a) a
existncia de um plano diretor; b) a existncia de uma lei municipal
especfica para a rea includa no plano diretor; c) a existncia de
notificao ao particular, devidamente averbada no registro de
imveis, que fixe prazo e condies ao particular para que cumpra as
obrigaes estatudas na lei municipal especfica; d) o descumprimento
das obrigaes pelo particular.
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Presentes referidos pressupostos poder o Poder Pblico, a partir
do ano seguinte ao que se efetivou a alquota do imposto, consoante
o fixado na lei municipal especfica da rea includa no plano
diretor, majorar a alquota que no poder entretanto exceder a duas
vezes a do ano em que se deu o descumprimento, respeitada a alquota
mxima de quinze por cento.
A jurisprudncia nunca discutiu a possibilidade de aplicao dessa
modalidade de progressividade extrafiscal, visto que cumpria e
cumpre a funo social da propriedade.
5.2. A PROGRESSIVIDADE FISCAL
O artigo 156 da Constituio Federal dispe in verbis:
Art. 156. Compete aos Municpios instituir impostos sobre:I -
propriedade predial e territorial urbana;(...) 1 Sem prejuzo da
progressividade no tempo a que se refere o art. 182, 4, inciso II,
o imposto previsto no inciso I poder: (Redao dada pela Emenda
Constitucional n 29, de 2000)I - ser progressivo em razo do valor
do imvel; e (Includo pela Emenda Constitucional n 29, de 2000)II -
ter alquotas diferentes de acordo com a localizao e o uso do imvel.
(Includo pela Emenda Constitucional n 29, de 2000)
Segundo tal modalidade de progressividade, o que se leva em
considerao no propriamente a boa ou m destinao dada ao imvel, mas a
capacidade contributiva do sujeito passivo. Ou seja, quem tem imvel
de maior valor tem maior capacidade de contribuio.
O princpio da capacidade contributiva econmica do contribuinte
(artigo 145, 1 da Constituio Federal) busca dar vida constitucional
ao principio da igualdade, havendo de ser visto como uma
consequncia deste ltimo.
Em consonncia ao princpio da igualdade tributria desdobra-se o
princpio da capacidade contributiva. Diante disso que, para uma
completa efetividade do princpio da igualdade, deve ser almejada a
mensurao da capacidade contributiva do sujeito passivo. Permite-se
dessa forma, uma melhor identificao dos indivduos tributados,
aplicando-lhes, conseqentemente, um gravame fiscal que melhor se
aproprie sua posio financeira.
Perante a capacidade contributiva, visa-se que cada indivduo
venha contribuir para com a coletividade em funo de sua respectiva
fora econmica, levando em
A aplicao de progressividade no IPTU
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considerao a riqueza e o nus de cada tributo. Ademais, mediante
tal princpio, atrelado ao da igualdade, que surge o poder atuante e
controlador do contribuinte perante o Legislativo e o Judicirio no
intento de desautorizar qualquer forma de tributao pervertida. J
foi dito acima que o IPTU um imposto real e justamente por esse
motivo a doutrina e jurisprudncia sempre debateram largamente
acerca da adoo de critrios subjetivos (caracteres do contribuinte,
local e uso do imvel) no clculo do referido tributo.
A adoo da progressividade autorizada pelo artigo 156 da
Constituio Federal autorizaria o Municpio a instituir,
hipoteticamente, faixas de alquotas diferenciadas de acordo com o
valor venal dos imveis. Assim, imveis mais simples teriam alquotas
menores e imveis mais caros e luxuosos, alquotas maiores.
Estabelecer-se-ia uma presuno de capacidade contributiva segundo o
valor do imvel pertencente ao contribuinte.
Roque Antnio Carrazza posiciona-se no sentido da aplicabilidade
da capacidade contributiva ao IPTU. Afirma que aquele proprietrio
com imveis de maior valor, no deve somente ser mais tributado, mas,
sim, deve proporcionalmente ser mais tributado, ou seja, submetido
a uma alquota maior. Exemplifica a situao o referido autor, do
seguinte modo:
Assim, se o imvel urbano de A vale 1.000 e o imvel urbano de B
vale 10.000, o primeiro paga 1 e o outro, 10, ambos estaro pagando,
proporcionalmente, o mesmo imposto, o que fere o princpio da
capacidade contributiva. A Constituio exige, in casu, que A pague 1
e B pague, por hiptese, 30, j que, s por ser proprietrio do imvel
mais caro, revela possuir maior capacidade contributiva do que A.
Se ambos forem tributados com alquotas idnticas, estaro sendo
tratados desigualmente, porque em desacordo com a capacidade
contributiva de cada qual. (CARRAZZA, 2011, p. 91)
Sendo um assunto extremamente polmico, que gera posicionamentos
doutrinrios e jurisprudenciais diversos, optamos por discut-lo em
tpico prprio a seguir.
6 POSICIONAMENTO DA DOUTRINA E DA JURISPRUDNCIA
A progressividade do IPTU sempre mereceu posicionamentos
divergentes tanto na doutrina quanto na jurisprudncia. Antes da
edio da Emenda Constitucional n 29/2000, o STF sempre declarou
inconstitucional a progressividade fiscal de Alquota do IPTU
(Smula, 589) de competncia dos municpios. O entendimento
Cludia Fernanda de Aguiar Pereira
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era de que o IPTU imposto real e, assim sendo, sob o imprio da
Constituio no era admitida a progressividade fiscal (RE.153.771-MG
e RE.199.281-6 SP). Segundo a referida Corte, apenas seria possvel
a progressividade do IPTU nos termos do artigo 182, 4 da Lei Mxima,
presentes assim, a destinao do imvel e o planejamento urbano.
A sistemtica oposio do STF quanto progressividade do IPTU gerou
a edio da Emenda Constitucional 29/2000, que possibilitou aos
municpios a instituio de alquotas progressivas de IPTU em razo do
valor, localizao e uso do imvel.
relevante esclarecer que a grande discusso que mobiliza a
doutrina e a jurisprudncia, reside na constitucionalidade ou no da
progressividade fiscal do IPTU, contida no artigo 156, 1, incisos I
e II. Ressalte-se que as discusses sobre constitucionalidade do
IPTU progressivo no atingem o IPTU progressivo no tempo previsto no
Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257, de 10.07.2001) e fundamentado no
artigo 182, II, 4, da Magna Carta.
Os que defendem a inconstitucionalidade da EC 29/2000 entendem
que a instituio da progressividade fiscal do IPTU no Texto
Constitucional no guarda compatibilidade com as limitaes ao poder
de emenda, e que a referida alterao seria contrria clusula ptrea
que garante ao contribuinte o direito de ser tributado com alquotas
progressivas somente diante de impostos pessoais.
Sustentam que ao promulgar a referida Emenda, o Congresso
Nacional detinha apenas o poder constituinte derivado, e que este
no teria legitimidade para alterar a garantia dos contribuintes de
s serem submetidos progressividade em face de impostos pessoais,
por consistir em uma clusula ptrea.
Parte da doutrina continuou a sustentar a inconstitucionalidade
da progressividade do IPTU desta vez, com base na tese de
inconstitucionalidade da prpria EC n 29/2000. A alegao de que ela
contrariaria clusula ptrea, que seria a consubstanciada no artigo
145, 1 da Constituio Federal. Ou seja: somente impostos pessoais
poderiam realizar o princpio da capacidade contributiva e,
portanto, serem submetidos progressividade. Alm disso, alega-se que
o princpio da isonomia seria violado quando da instituio da
progressividade em funo do valor venal do imvel.
Werner Nabia COELHO (2003) leciona que:
A aplicao progressiva do IPTU significa uma forma de bitributao
velada e espria, pois equipara o valor venal do imvel renda e ao
preo, como se eventual valorizao nominal representasse renda nova
ou transmisso em potencial de titularidade, quando, na verdade,
mero valor presumido, passvel de dimensionamento para baixo no
momento da transao de compra e venda de imveis, e, por outro lado
fere o direito de propriedade,
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pois o transforma em peso economicamente proibitivo,
configurando confisco, alm, claro, de ferir o direito igualdade,
pois o valor do imvel no medida confivel para aferimento da
capacidade contributiva ensejadora de progressividade, a
progressividade requer riqueza nova realizada ou por realizar,
atual ou iminente, portanto; ou seja, riqueza pecuniria e no
meramente contbil. (COELHO, 2003, p. 8)
Tal linha sustenta ainda a impossibilidade de se instituir o
IPTU progressivo com base numa diferenciao tcnica entre impostos
reais e impostos pessoais. O IPTU, nesse contexto, um imposto de
carter real.
Miguel REALE (2002) entende que esse enquadramento da
propriedade urbana em um novo sistema tributrio, com acrscimo de um
novo critrio para cobrana progressiva do IPTU, consistiu,
inegavelmente, inovao que vem atingir um direito e garantia
assegurados aos proprietrios pelo 4, inciso IV, do art. 60, da Lei
Maior. Assim, efetivamente, com a edio da EC n 29/2000 houve leso
de uma clusula ptrea constitucional.
O STF, logo aps a edio da EC 29 editou a Smula 668, sem contudo
analisar a questo da constitucionalidade da referida Emenda. A
Smula dispe que:
inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido antes da
Emenda Constitucional 29/2000, alquotas progressivas para o IPTU,
salvo se destinada a assegurar o cumprimento
da funo social da propriedade.
Parte substancial da doutrina porm, defende a
constitucionalidade da EC29/00 e, portanto, acredita na
possibilidade da progressividade fiscal do IPTU, e traz como
principais fundamentos a chamada subjetivao dos impostos reais,
como o caso do IPTU, bem como a legitimidade da Emenda
Constitucional para modificar clusula ptrea. Afirmam ainda que o
STF, ao afastar, no passado, a progressividade fiscal do IPTU com
fundamento em ele ser um imposto de carter real, baseou-se em
fundamento equivocado.
Defendem que no h incompatibilidade entre impostos reais e
progressividade. Isto por que todo imposto no deixa de ser real e
pessoal ao mesmo tempo, porque sempre ser devido por um sujeito de
direito em razo do seu patrimnio. Assim a diferenciao mostra-se
relativa, razo pela qual todos os impostos pessoais, quanto os
reais, como o caso do IPTU, devem ser orientados pelo princpio da
capacidade contributiva e da progressividade.
Clmerson Merlin CLEVE (2001), defensor da constitucionalidade da
Emenda afirma que ela tem, na verdade, carter declaratrio, pois a
Lei Fundamental no s autoriza, como tambm exige, a progressividade
como uma forma de realizao
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do princpio da justia fiscal. As clusulas ptreas, antes de
violadas, esto sendo concretizadas e realizadas pela alterao no
regime jurdico de cobrana do IPTU.
Segundo essa mesma corrente, o legislador constitucional, ao
autorizar a progressividade em razo do valor venal do imvel,
instituiu um instrumento de justia tributria que busca atuar no
sentido de promoo de uma igualdade substancial, e no apenas formal,
em relao aos contribuintes. (OLIVEIRA, 2006)
A Constituio Brasileira estabelece como prprios objetivos do
Brasil garantir o desenvolvimento nacional, reduzir as
desigualdades sociais e assegurar a igualdade entre todos os
cidados. uma consequncia natural de tais ditames que se proponha
aceitar a progressividade no somente como uma mera possibilidade,
mas como a possibilidade mais coerente com o Texto
Constitucional.
A norma constitucional tem presuno de aplicabilidade, portanto,
enquanto este dispositivo perdurar na Constituio ser aplicvel
hiptese de progressividade do IPTU em razo do valor do imvel, de
sua localizao e de uso. (SOUZA, 2008)
BARBOSA (2007) desenvolve um interessante raciocnio quanto a
progressividade prevista no artigo 156 da Constituio Federal quando
diz tratar-se tambm de progressividade extrafiscal e no puramente
fiscal. Isso porque quando se leva em considerao o maior valor do
imvel, sua luxuosidade, seu uso ou local onde est situado so
adotados critrios urbansticos, polticos e sociais, ou seja,
extrafiscais.
O primeiro caso concreto submetido a apreciao do Judicirio foi a
Lei n 13.250, de 27 de dezembro de 2001, do Municpio de So Paulo. O
IPTU do referido municpio passou a ser regido de acordo com a
destinao do imvel se residencial ou no variando sob tal ngulo de 1%
a 1,5%. Com relao ao valor venal do imvel, a referida lei cria
critrios de desconto e de acrscimo, conforme a faixa de valor do
bem tributado.
O Primeiro Tribunal de Alada Civil do Estado de So Paulo decidiu
pela ilegalidade da Lei municipal acima mencionada, vez que no
observou, dentre outros elementos, o princpio da funo social da
propriedade.
O Municpio de So Paulo no se conformou com a referida deciso e
interps Recurso Extraordinrio junto ao Supremo Tribunal Federal (RE
423.768) alegando que entre as clausulas ptreas, no se inclui a
vedao ao direito de se instituir imposto progressivo de natureza
real. Alm disso, segundo o recurso, a instituio de alquotas
diferenciadas em razo da localizao, do valor e do uso do imvel
deu-se em respeito ao princpio da isonomia, atendendo assim ao
princpio da capacidade contributiva.
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Assim decidiu a Suprema Corte:
IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO PROGRESSIVIDADE FUNCAO
SOCIAL DA PROPRIEDADE EMENDA CONSTITUCIONAL N 29/2000 LEI
POSTERIOR. Surge legitima, sob o ngulo constitucional, lei a prever
alquotas diversas presentes imveis residenciais e comerciais, uma
vez editada aps a Emenda Constitucional
29/2000. (Recurso Extraordinrio 423.768 So Paulo, DJe 86,
publicado em 10/05/2011)
Em seu brilhante e extremamente didtico relatrio, o Ministro
Marco Aurlio leciona que:
Ora, a Emenda Constitucional 29/2000 no afastou direito ou
garantia individual. E no o fez porquanto texto primitivo da Carta
j versava a progressividade dos impostos, a considerao da
capacidade econmica do contribuinte, no se cuidando, portanto, de
inovao a afastar algo que pudesse ser tido como integrado ao
patrimnio.
O Tribunal Pleno do STF na analise do mesmo caso diz:
O IPTU inequivocamente um imposto real. No entendo porm que do 1
do art. 145, possa-se inferir uma proibio a implementao da
capacidade contributiva a impostos reais, ao contrario do que
sustenta o acrdo recorrido. A Constituio apenas proclama sua
preferencia pela criao de impostos pessoais, que, com certeza, so
instrumentos que mais facilmente realizam a isonomia tributaria. No
entanto, a progressividade, por garantir a observncia da capacidade
contributiva, deve, sempre que possvel, ser utilizada. E essa foi a
inteno da EC 29/2000.
Segundo o mesmo relatrio, no caso de impostos reais no possvel
auferir a capacidade contributiva global do contribuinte, porm
perfeitamente presumvel que aqueles que possuem imveis de maior
valor podem contribuir de forma mais onerosa do que aqueles que
possuem imveis de menor valor.
CARAZZA (2011) citado na deciso do Tribunal Pleno diz:
Enfatizamos que a capacidade contributiva, para fins de tributao
por via de IPTU e aferida em funo do prprio imvel (sua localizao,
dimenses, luxo, caractersticas, etc), e no da fortuna em dinheiro
de seu proprietrio. No fosse assim, alm da incerteza e insegurana,
proliferariam situaes deste tipo: pessoa pobre, mas que adquiriu
carssimo imvel em perodo economicamente faustoso de sua vida
profissional, estaria a salvo do IPTU. Ou deste: num prdio de alto
luxo, com um apartamento por andar, cada proprietrio pagaria um
IPTU diferente (assim, v.g. o banqueiro bem sucedido pagaria o
imposto no grau mximo e o aposentado, que recebe penso
previdenciria do INSS, nada pagaria). (CARAZZA, 2011, p., 91)
Para o citado autor, a propriedade de imvel de luxo j seria
presuno absoluta da existncia de capacidade contributiva para
pagamento de IPTU, no sendo o caso
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de se analisar individualmente a situao econmica de cada
contribuinte antes do lanamento do referido tributo. (CARAZZA,
2011)
E prossegue o jurista:
A capacidade contributiva revela-se no caso do IPTU, com o
prprio imvel urbano. Do contrario, no se teria mais mos a medir.
Apenas a guisa de exemplo, dois proprietrios de imveis urbanos
idnticos pagariam IPTUs diferentes s porque um deles e rico
industrial, modesto aposentado. No s isto, obviamente, o que a
Constituio quer. O IPTU deve obedecer ao principio da capacidade
contributiva e para isso, deve ser progressivo. Esta e
a progressividade fiscal, de exigncia obrigatria. (CARAZZA,
2011, p, 92)
Com clareza impar o autor acima citado nos remete a concluso de
que a progressividade fiscal, na realidade, um mtodo de se dar
validade aos princpios da capacidade contributiva e da isonomia,
vez que dimensiona a carga tributria conforme a manifestao de
riqueza do contribuinte.
Com a deciso favorvel a legislao do Municpio de So Paulo, o
Supremo Tribunal Federal acalma o debate acerca da
constitucionalidade da Emenda Constitucional n 29/2000 e por
consequncia da legalidade de leis municipais que venham a instituir
progressividade fiscal para o IPTU.
7 CONSIDERAES FINAIS
Buscou-se atravs do presente artigo investigar as controvrsias
que giram em torno da possibilidade de incidncia do Imposto Predial
e Territorial Urbano IPTU atravs de alquotas progressivas.
No decorrer deste estudo, foi de suma importncia a anlise dos
conceitos que envolvem o imposto que ora se trata, principalmente
sua classificao, to debatida na doutrina e na jurisprudncia, qual
seja, se trata-se de imposto real ou pessoal.
A atual Constituio Federal possui duas modalidades de IPTU
progressivo, quais sejam:
I) A progressividade fiscal, que relaciona-se ao artigo 156, 1,
incisos I e II da Constituio Federal de 1.988, em que sua aplicao
independente da ocorrncia dos pressupostos estabelecidos no art.
182, 4. No caso, seria aquela parcela fixa que todos os
proprietrios de imveis pagam de IPTU e que se destina ao caixa nico
para a administrao fazer frente s obrigaes governamentais. Nestes
casos a progressividade dar-se- em
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razo do valor do imvel ou de acordo com a localizao e uso do
mesmo; e, II) A extrafiscal: relaciona-se ao IPTU progressivo no
tempo, como coero, que incide quando o proprietrio do imvel urbano
no cumpre o prazo da obrigao de parcelar ou edificar nos termos do
plano urbanstico local, previsto no artigo 182, 4 da CF. A
finalidade do poder pblico municipal na utilizao do IPTU
progressivo no tempo no a arrecadao fiscal, mas sim a de induzir o
proprietrio do imvel urbano a atender sua funo social mudar o
comportamento do agente econmico. Neste caso, a parte da
progressividade visa melhorar a destinao da propriedade de forma a
proporcionar bem-estar e incentivar o atendimento aos direitos
metaindividuais. (SETTE, 2007)O STF, antes da entrada em vigor da
Emenda Constitucional 29/00 entendeu pela impossibilidade da
progressividade fiscal do IPTU, primeiramente por se tratar de um
imposto de natureza real, no sujeito, portanto progressividade
fiscal; segundo, por que entendeu que o inciso II, do 4, do art.
182 limitava a disposio do art. 154, 1, vez que apenas permitia a
progressividade-sano, ou seja, para assegurar a funo social da
propriedade, reputando-se inconstitucional qualquer outra forma de
progressividade do referido imposto. Identificamos duas correntes,
com idias e justificativas distintas no que tange possibilidade de
termos uma progressividade fiscal na incidncia do IPTU. A primeira
corrente afirma que incompatvel a progressividade fiscal com o IPTU
por ser este um imposto de natureza real, e por esse motivo no pode
ser progressivo em funo do valor venal do imvel, pois este no meio
seguro para avaliar a capacidade contributiva do sujeito. Ademais,
entendem que a EC 29/00 inconstitucional, porque alterou clusula
ptrea, mudando a hiptese de incidncia do referido imposto, acabando
com a garantia do contribuinte de no ser tributado atravs de
alquotas progressivas fiscais. A segunda entende que possvel e,
portanto, constitucional a incidncia da progressividade fiscal no
IPTU, pelo fato de que h uma personalizao dos impostos reais, pois
sempre quem onerado o sujeito, titular do bem tributado, e o valor
do imvel do imvel uma presuno de capacidade contributiva, o que
suficiente para onerar o contribuinte. Ainda, sustentam
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que a EC 29/00 no trouxe inovao alguma e por isso no atingiu
clusula ptrea, apenas explicitou o que j era previsto. O Supremo
Tribunal Federal em recente deciso acerca da legalidade de Lei do
Municpio de So Paulo que institui a progressividade fiscal para o
IPTU posicionou-se no sentido de que a lei legal, vez que a Emenda
Constitucional n 29/2000 no traz qualquer
inconstitucionalidade.Segundo referido Tribunal Superior a Emenda
no afasta qualquer clusula ptrea, conforme argumentam alguns, mas
simplesmente d o real significado ao j disposto anteriormente pela
Constituio Federal sobre a graduao dos tributos. possvel concluir
assim que a instituio de alquotas progressivas do IPTU, quer seja
em decorrncia do valor do imvel, seja em funo do uso ou de sua
localizao, ou, ainda, a sua cobrana progressiva no tempo, quando o
imvel se encontrar subutulizado ou no edificado so medidas que
estimulam a destinao social do imvel e tambm preservam a necessria
justia tributria.
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