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A antiga Índia Os relatos tradicionais sobre Shakyamuni (século VI-V a.C.), o Buddha histórico, geralmente dividem sua vida em oito ou doze "grandes atos". Estes atos foram realizados não apenas por ele, mas por todos os seres iluminados do passado, e serão realizados também por todos os seres iluminados do futuro: 1. existir no paraíso celestial de Tushita; 2. descer de Tushita para o continente de Jambudvipa, neste mundo [I]; 3. durante um sonho, entrar no ventre da mãe como um elefante [II]; 4. nascer como um príncipe, dando sete passos em cada direção [III]; 5. ter proficiência nas artes mundanas, como a escrita, a matemática, arco-e-flecha, ciências, artes de combate e etc. 6. engajar-se nos esportes, desfrutar de consortes, casar- se e viver em palácios; 7. abandonar a vida de príncipe, deixar o lar e se auto- ordenar como um monge errante [IV]; 8. praticar as austeridades do ascetismo; 9. à noite, derrotar as hostes de Mara, o demônio da ignorância [V]; 10. pela manhã, atingir a iluminação, o despertar [VI]; 11. girar a roda do Dharma, isto é, dar ensinamentos [VI]; 12. alcançar o pari-nirvana, a liberação final [VIII].
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Jan 19, 2019

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A antiga ÍndiaOs relatos tradicionais sobre Shakyamuni (século VI-V a.C.), o Buddha histórico, geralmente dividem sua vida em oito ou doze "grandes atos". Estes atos foram realizados não apenas por ele, mas por todos os seres iluminados do passado, e serão realizados também por todos os seres iluminados do futuro:

1. existir no paraíso celestial de Tushita; 2. descer de Tushita para o continente de Jambudvipa, neste mundo

[I]; 3. durante um sonho, entrar no ventre da mãe como um elefante [II]; 4. nascer como um príncipe, dando sete passos em cada direção [III]; 5. ter proficiência nas artes mundanas, como a escrita, a

matemática, arco-e-flecha, ciências, artes de combate e etc.6. engajar-se nos esportes, desfrutar de consortes, casar-se e viver

em  palácios; 7. abandonar a vida de príncipe, deixar o lar e se auto-ordenar como

um monge errante [IV]; 8. praticar as austeridades do ascetismo; 9. à noite, derrotar as hostes de Mara, o demônio da ignorância [V]; 10. pela manhã, atingir a iluminação, o despertar [VI]; 11. girar a roda do Dharma, isto é, dar ensinamentos [VI]; 12. alcançar o pari-nirvana, a liberação final [VIII].

Histórias sobre 550 de suas vidas são relatadas em contos conhecidos como Jatakas, registrados em antigas escrituras escritas no idioma páli e também no Jataka-mala, escrito em sânscrito por Aryasura. Após praticar a virtude durante milhões de anos, este bodhisattva — ser da iluminação — renasceu em Tushita, o paraíso celestial dos futuros seres iluminados. Seu nome era Sumedha (ou Shvetaketu); quando chegou o momento apropriado, ele desceu do paraíso de Tushita para renascer como um príncipe na Índia. Ele seria conhecido como Siddhartha Gautama, Ikshvaku, Suryavamsa, o grande Shramana (renunciante), Buddha Shakyamuni, e este foi o seu último renascimento.

Há cem mil eras, um brâmane rico, ilustre e honrado [chamado Sumedha] vivia na grande cidade de Amara. Um dia ele se sentou,

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refletindo sobre a miséria do renascimento, da velhice e da doença, e exclamou: "Há, deve haver uma salvação! É impossível que não haja! Procurarei e encontrarei o caminho que me libertará da existência." Assim, ele se retirou para o Himalaya e como ermitão viveu numa choupana, onde alcançou grande sabedoria. Enquanto esta ali, mergulhado no êxtase, nasceu um vitorioso [ser iluminado, um Buddha chamado] Dipamkara. Aconteceu que, prosseguindo seu trajeto, esse Buddha foi ter perto de onde vivia Sumedha; ali havia homens preparando um caminho para seus pés pisarem. Sumedha juntou-se aos outros nesse trabalho e quando o Buddha [Dipamkara] se aproximou, ele se deitou na lama dizendo para si mesmo: "Possa eu apenas protegê-lo da lama, grande mérito resultará para mim." Enquanto estava deitado ali lhe veio à mente: "Por que não expulso todo o mal que me permanece dentro de mim e não entro no nirvana? Mas que eu não faça isso só em meu benefício; será melhor que algum dia eu também adquira onisciência e em segurança conduza uma multidão de seres no barco da doutrina, sobre o oceano do renascimento, até a praia mais longínqua". Dipankara, conhecedor de tudo, parou ao seu lado e proclamou-o para a multidão como alguém que mais tarde iria tornar-se um Buddha, especificando o lugar de seus nascimento, sua família, seus discípulos e seus descendentes. As pessoas se rejubilam com isso, ponderando que, ensinadas por esse outro Buddha, teriam novamente uma boa oportunidade de aprender a verdade, pois a doutrina de todos os Buddhas é a mesma. toda a natureza, então, mostrou sinais e presságios em testemunho da iniciativa e da dedicação de Sumedha; todas as árvores deram frutos, os rios ficaram tranqüilos, uma chuva de flores caiu do céu, os fotos do inferno se apagaram. "Não volte para trás", disse Dipamkara. "Vamos! Para a frente! Sabemos disso com o máximo de certeza; seguramente serás um Buddha". Sumedha decidiu, então, satisfazer as condições de um Buddha — perfeição nas dádivas, na observação dos preceitos, na renúncia, na sabedoria, na coragem, na paciência, na verdade, na determinação, na boa vontade e na indiferença. Começando então, a cumprir essas dez condições da busca, Sumedha voltou para a floresta e viveu lá até a morte. Depois disso ele nasceu de incontáveis formas — como homem, como deus, como animal, e em todas essas formas ele não saiu do caminho planejado, e assim se diz que não existe uma partícula do planeta onde Buddha não tenha sacrificado sua vida em benefício das criaturas.

(Ananda Coomaraswamy, Mitos Hindus e Budistas)

Sumedha manifestou-se vida após vida como um bodhisattva, praticando compaixão, vontade, generosidade e humildade. Muitas vezes ofereceu sua vida e seu corpo para benefício e alimento de outros seres. Na última vida como bodhisattva, [quando ele então se chamava Santusita], manifestou-se no mundo dos deuses da felicidade [isto é, no paraíso chamado Tushita]. Com sua visão abrangente, esses deuses perceberam o sofrimento dos seres humanos, presos à impermanência, insatisfatoriedade, doença, decrepitude e morte. Então cantaram ao bodhisattva, pedindo que fosse ao mundo dos humanos para socorrê-los em suas aflições.

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O bodhisattva concordou e disse que completaria a profecia de Dipamkara, tornando-se o Buddha Shakyamuni. Nessa ocasião, voltou-se para o bodhisattva Maitreya e disse-lhe que, quando os ensinamentos que ele desse no reino humano desaparecessem, seria a vez de Maitreya manifestar-se como Buddha. A seguir, o bodhisattva desceu do céu dos deuses mundanos por uma escada luminosa, acompanhado de uma comitiva.

Nesse momento, no reino dos Shakyas, na Índia, a rainha Maya teve um sonho, no qual um elefante branco penetrava em seu ventre pelo lado direito. Ela acordou o marido, o rei Shuddhodana, e lhe disse: "Estou grávida". O príncipe Siddhartha nasceu apresentando sinais extraordinários.

(Padma Samten, Meditando a Vida)

Em sua última vida, como o príncipe Siddhartha Gautama, ele gerou a intenção de alcançar a iluminação, acumulou mérito e sabedoria, finalmente atingiu o estado de Buddha e "girou a roda do Dharma", isto é, transmitiu os ensinamentos que levam à liberação. A história de sua vida foi registrada em textos escritos em páli (nos Nikayas, no Maha-vastu) e em sânscrito (no Lalita-vistara Sutra, no Buddha-charita do poeta Ashvagosha).

Uma possibilidade é a de ver o Buddha como uma figura histórica particular, uma pessoa que viveu no que é hoje o norte da Índia, no V e VI séculos a.C. e que passou por um despertar transformador aos trinta e cinco anos de idade. Podemos nos remeter de uma forma muito humana e histórica, compreendendo suas lutas, sua busca, sua iluminação, da perspectiva de um ser humano em relação a outro. Outro nível de relacionamento é o de ver o Buddha como um arquétipo fundamental da humanidade; isto é, como a manifestação plena da natureza do Buddha, a mente que está livre de aviltamento e distorção, compreendendo sua história de vida como uma grande jornada representando alguns aspectos arquetípicos básicos da existência humana. Olhando a vida do Buddha dessas duas maneiras, como um personagem histórico e como um arquétipo, torna-se possível ver o desenrolar dos princípios universais dentro do conteúdo particular de sua experiência de vida. Podemos então ver a vida do Buddha não como a história abstrata e remota de alguém que viveu há 2.500 anos, porém como uma que revela a natureza do universal dentro de todos nós. Isto torna-se um meio de entender nossa própria experiência num contexto maior e mais profundo, um que conecta a jornada do Buddha à nossa própria.

(Joseph Goldstein, Buscando a Essência da Sabedoria)

As origens das civilizações indianasA história da Índia começa por volta de 3000 a.C., com o surgimento das civilizações de Harrapa e Mohenjo Daro no vale do rio Indo. Seus habitantes, os drávidas, mantinham uma sociedade extremamente organizada, centralizada e conservadora, sustentada pela riqueza da

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agricultura, do comércio e da pesca. Os drávidas também desenvolveram formas primitivas de yoga e meditação.Cerca de mil anos depois, os arianos do Cáucaso chegaram à Índia pelas montanhas do noroeste e passaram a dominar o vale do Indo e seu povo, os drávidas. Os arianos trouxeram seus próprios rituais, crenças, deuses e escrituras — os Vedas. Por volta de 1200 a.C., provavelmente por causa de mudanças ambientais e das invasões por tribos do nordeste, os povos arianos passaram a ocupar o vale do rio Ganges. A partir do século VIII a.C., quando foram escritos os Upanishads, a espiritualidade indiana mudou seu foco do exterior para o interior, dos deuses para homem, dos rituais dos arianos para a yoga e meditação dos drávidas.

Diferentemente das outras religiões mundiais, o hinduísmo não tem fundador, nem credo fixo nem organização de espécie alguma. Projeta-se como a "religião eterna" e se caracteriza por sua imensa diversidade e pela capacidade excepcional que vem demonstrando através da história abranger novos modos de pensamentos e expressão religiosa. A palavra "hinduísta" significa simplesmente "indiano" (da mesma raiz do rio Indo), e talvez a melhor maneira de definir o hinduísmo seja dizer que é o nome das várias formas de religião que se desenvolveram na Índia depois que os indo-europeus abriram caminho para a Índia do norte, de três a quatro mil anos atrás. [...] As raízes do hinduísmo podem ser encontradas em algum ponto entre o ano 1500 a.C. e o ano 200 a.C., quando os chamados arianos (isto é, os "nobres") começaram a subjugar o vale do Indo. As crenças dessas pessoas tinham ligação com outras religiões indo-européias, como a grega, a romana e a germânica.

(Victor Hellern, Henry Notaker, Jostein Gaarder, O Livro das Religiões)

A fonte principal de doutrina da tradição hindu vem de um conjunto de hinos que vem sendo transmitido há mais de dois mil anos chamados de Vedas. Literalmente este nome significa "conhecimento" ou ainda "corpo de conhecimento", e é a fonte de inspiração de todos os desenvolvimentos posteriores ocorridos nesta tradição. Inspirados pelos rishis ou sábios de antigamente, tais hinos foram, então, transmitidos por gerações na forma de tradição oral. Eles são em número de quatro: Rig Veda, Sama Veda, Yajur Veda e Atharva Veda, sendo que o primeiro é o mais antigo e também o mais importante.

Posteriormente, com o desenvolvimento da tradição dos sacerdotes, um conjunto de ensinamentos foi sendo elaborado com o fim de esclarecer ainda mais o significado de Brahman, a realidade suprema subjacente a todas as coisas e tema central dos Vedas. Assim surgiram os Brahmanas, um conjunto de textos versando sobre a relação entre o cosmos e o ritual, e a necessidade deste último para o equilíbrio do primeiro e de toda a vida.

Seguindo somente aos Vedas em importância, estão os Upanishads, onde se expressa propriamente a tradição comentarial dos Vedas. Fala-se da existência de muitos Upanishads, dentre os quais 108 são preservados até hoje. Destes, dez são considerados os principais, sendo que o Brihadaranyaka e o Chandogya são de muita importância.

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Significando literalmente "sentar-se perto devotadamente" ou também "ensinamento secreto", os Upanishads expressam a essência dos Vedas, tal como entendida pelos mestre do passado.

Dignos de menção são dois épicos que marcaram época e são ainda hoje respeitados e recitados pelos eruditos hindus e pelas camadas populares. O mais antigo é o Mahabharata (A Grande Índia), uma saga mística que, além de ser o maior épico da literatura mundial, possui também como um de seus capítulos a mais conhecida obra hindu no Ocidente, o Bhagavad Gita (Canto do Abençoado), o qual conta a estória de Krishna, a personificação do transcendente na Terra. A estória de outra destas personificações é o tema deste outro épico, o Ramayana (O Caminho de Rama).

Por último devemos mencionar os Puranas, literalmente "Antigos", um conjunto de relatos míticos e históricos transmitidos através dos tempos. Após os Puranas as obras religiosas tornam-se cada vez mais particularizadas e passam a fazer parte das escolas específicas dentro da tradição.

(Ricardo Sasaki, O Outro Lado do Espiritualismo Moderno)

Os povos arianos também implantaram a divisão da sociedade em cores ou castas (sânsc. varna):

brâmanes (sânsc. brahmanas): sacerdotes, magos, religiosos e filósofos hindus, responsáveis pelos sacrifícios e rituais sagrados. Segundo os hindus, os brâmanes teriam nascido da boca do deus Brahma e seriam caracterizados pela bondade (sânsc. sattva).

guerreiros (sânsc. kshatriyas): reis, nobres, autoridades, senhores feudais, oficiais e guerreiros da realeza, responsáveis pelo poder político e militar. Segundo os hindus, os guerreiros teriam nascido do braço direito de Brahma e seriam caracterizados pela paixão (sânsc. rajas).

provedores (sânsc. vaishyas): mercadores, artesãos, camponeses e burgueses arianos. Segundo os hindus, os provedores teriam nascido das coxas de Brahma e seriam caracterizados tanto pela paixão (sânsc. rajas) quanto pela ignorância (sânsc. tamas).

servos (sânsc. shudras): trabalhadores braçais. Segundo os hindus, eles teriam nascido dos pés de Brahma e seriam caracterizados pela ignorância (sânsc. tamas).

Abaixo desse sistema estavam os intocáveis (sânsc. pahria), que não teriam nascido de Brahma e portanto eram considerados inferiores, indignos de pertencer a uma casta. Totalmente discriminados, os intocáveis viviam cercados pela fome, miséria, doença e sofrimento. Mais tarde, essa estrutura social seria totalmente rejeitada pelo Buddha, que considerava que todos os seres têm a mesma natureza.

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Essa ordem social era tida como sancionada pelo próprio brahman (Absoluto) e era totalmente impossível a um indivíduo passar de um grupo para outro. Os brâmanes compunham a classe mais privilegiada e só por intermédio deles era possível obter-se uma vida feliz. Além da crença nos deuses, eles ensinavam a doutrina das vidas sucessivas a que todos os seres estavam sujeitos, sem exceção. Segundo essa crença, todo ser possuiria uma alma, ou atman, que se reencarnaria sucessivamente nas mais diversas formas, segundo a natureza dos atos praticados nas vidas anteriores — o karma. Essa cadeia de reencarnações — samsara — era conhecida como um mal a que o indivíduo devia escapar, recorrendo à fé nos deuses e nos brâmanes, seus representantes, e à prática de exercícios ascéticos e de ioga.

Por volta do século VI a.C., a Índia entra num período de progresso e desenvolvimento material. As cidades já existentes começaram a se juntar em reinos cada vez maiores, caminhando a passos largos para a unificação. O progresso do comércio e da indústria, bem como o fortalecimento do estado monárquico, criaram uma atmosfera livre e aberta às mais amplas discussões, surgindo uma série de pensadores que criticaram amplamente a ortodoxia bramânica. Entre esses pensadores, o que maior influência exerceu foi precisamente Siddhartha Gautama, vulgarmente conhecido como Buddha, palavra que quer dizer Sábio, Iluminado ou Desperto.

Siddhartha GautamaO sistema de castas também vigorava no reino ariano do clã Shakya. Naquela época, a Índia estava dividida em pequenos reinos. Havia uma grande diversidade de idiomas, muitos dos quais presentes até hoje.O reino de Shakya localizava-se entre o norte da Índia e as montanhas do Himalaia, no sul de Nepal. Sua capital, a cidade de Kapilavastu, ficava no vale oeste do rio Rohini (atual Kohana, afluente do Ganges), a nordeste de Varanasi (Benares) e a noroeste de Patna, perto de Garakhpur.Apesar de sua grande atividade agrícola — particularmente de arroz e gado — , o clã dos Shakyas estava passando por graves problemas políticos; o reino não era completamente independente e tinha de pagar tributos ao país vizinho, Koshala.Por volta dos séculos VI-V a.C., Shakya era governado pelo rajá Shuddhodana Gautama, membro da casta guerreira. O rei era casado com duas primas, filhas do rajá Dandapani (Suprabuddha) do reino de Koliya. Apesar de quererem ter filhos, não conseguiram tê-los e já tinham perdido as esperanças. Shuddhodana já estava com mais de 50 anos e sua esposa tinha a idade de 45. Certa vez, a bela Maya-devi Gautami — a esposa mais velha de Shuddhodana — teve um sonho cheio de sinais auspiciosos, no qual aparecia um elefante branco carregando uma flor de lótus em sua tromba. Os sábios astrólogos

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brâmanes interpretaram o sonho como o prenúncio do nascimento de um filho prodigioso: ele seria um imperador universal (sânsc. chakravartin) se vivesse no palácio de seu pai, ou um asceta (sânsc. sannyasin, bhikshu) se renunciasse ao trono.

Naquela época não era estranho que jovens, tormentadospela perversão que os cercava, cessassem as suas atividades, se despedissem da família e dos amigos e abandonassem a vida mundana. Iam viver nos bosques, possuindo apenas uma tigela de madeira com a qual, de tempos em tempos, mendigavam um pouco de comida. Pensavam que o auto-sacrifício e a severa disciplina corporal lhes proporcionaria um momento de sublime percepção, durante o qual, subitamente, lhes seria revelado o segredo do Universo.

(Max Eastman, A Paz Interior)

[Surgiu] uma nova classe de praticante religioso que rejeitava as tradições mais antigas dos brâmanes e a sua pretensão de um conhecimento privilegiado da sabedoria revelada (os Vedas), hereditária à classe deles. O parivrajaka [vagueador] era uma pessoa que, insatisfeita com as estruturas desta sociedade em desenvolvimento e com o ritualismo da religião estabelecida, deixava sua casa e seu papel na sociedade para vagar à vontade pelo mundo, suportado pelas esmolas e procurando a liberação espiritual.

(Andrew Skilton, A Concise History of Buddhism)

Alguns ascetas enfatizavam a transcendência através de técnicas de meditação para acalmar e controlar a mente. Eles provavelmente foram influenciados pelas antigas yogas dos drávidas, originadas antes da chegada dos arianos na Índia. Outros ascetas, aparentemente influenciados pelas práticas védicas dos arianos, enfatizavam a imanência e a aquisição de poderes mágicos através do conhecimento da natureza do universo. Também existiam ascetas preocupados com a purificação das impurezas do corpo e da alma. Os professores destas escolas heterodoxas era conhecidos como aqueles que estão fazendo um esforço (sânsc. shramana, páli samana) ou fatigados.Havia também os deterministas (sânsc. ajivaka), preocupados com a análise do presente e que acreditaram que todos os seres progridem para a perfeição, independente de seus esforços. Os céticos (sânsc. amaravikkhepika) não afirmavam nem negavam qualquer doutrina ou crença. Já os hedonistas (sânsc. charkava) e os materialistas ou mundanos (sânsc. lokayata) defendiam uma visão existencialista, negando a prática espiritual e a lei da causa e efeito. Para eles, a única coisa verdadeira seria a realidade aparente das coisas percebidas através dos sentidos. Os materialistas diziam que cada um deveria agir conforme sua própria vontade para satisfazer seus desejos.

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Mais tarde surgiria uma centena de teorias e ideologias, sendo que pelo menos seis mestres heterodoxos acabaram atraindo muitos seguidores em "caminhos externos", isto é, fora dos ensinamentos ortodoxos: Purana Kashyapa (páli Purana Kassapa), Maskarin (páli Makkhali Gosala), Sanjayin (páli Sanjaya Belatthiputta), Ajita Kesakambala (páli Ajita Kesakambalin), Kakudha Katyayana (páli Pakudha Kacchayana) e Nirgrantha Jnataputra (páli Niganttha Nataputta, também conhecido como Vardhamana Mahavira, fundador do jainismo).

[1] Os Puranas ensinavam que nada existe, que todos as coisas são espaços vazios e que não nascem nem são destruídos. [2] Maskarin ensinava que os pecados e aviltamentos dos seres sencientes não surgem de causas. [3] Sanjayin ensinava que não era necessário seguir o caminho espiritual e que, após um certo número de eras de nascimentos e mortes, o fim do sofrimento é alcançado espontaneamente. Seria como envolver uma montanha com um linha; quando o carretel acabasse, a ação pararia. [4] Ajita Kesakambala ensinava que se sofrermos nesta vida, nas vidas futuras desfrutaremos de felicidade eterna.

[5] Kakudha Katyayana ensinava tanto em termos de existência como de inexistência, dando respostas de acordo com as perguntas que lhe faziam, adotando idéias em resposta às pessoas. Se alguém lhe perguntasse se os fenômenos existem, ele responderia que existem. Se lhe perguntassem se os fenômenos eram inexistentes, ele diria que são inexistentes. [6] Nirgrantha ensinava que erro e mérito, sofrimento e alegria, são todos devidos às vidas passadas, que é preciso pagar o que se deve. Mesmo se seguíssemos o caminho espiritual nesta vida, não seria possível eliminar os resultados das ações passadas.

(Vimalakirti Nirdesha Sutra)

Portanto, desde aquela época já existia na Índia uma grande variedade e rivalidade de práticas religiosas e escolas de pensamento. Era nesse ambiente que iria nascer o herdeiro do rei Shuddhodana e da rainha Maya. O rei ficou ao mesmo tempo esperançoso e preocupado. Ele não queria que seu filho se tornasse um asceta andarilho, mas sim um grande imperador, que pudesse solucionar os problemas do reino de Shakya e que aumentasse o poder do seu clã.Ao fim de uma gestação de 10 meses, protegida por todos os seres divinos, Maya seguiu a tradição indiana e viajou para a casa de seus pais em Kapilavastu, a fim de ter o seu filho lá. O filho de Maya nasceu em Lumbini, um jardim de árvores shala localizado entre as cidades de Devadaha e Kapilavastu. No alvorecer do 8º dia do 12º mês lunar de 563 a.C., sob uma grande árvore ashoka, a rainha deu a luz a um belo menino, que saiu debaixo de seu flanco direito. Ao invés de sentir dor ou desconforto, ela foi tomada por um grande sentimento de felicidade.

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Segundo as histórias tradicionais, a criança deu seis ou sete passos na direção de cada ponto cardeal e flores desabrocharam nos lugares tocados por seus pés. Ele apontou para o céu com a mão direita e para a terra com a mão esquerda, dizendo, "Após incontáveis eras, este é o meu último nascimento. No céu acima e na terra abaixo, sou o único que é venerável. Nesta vida, darei um fim ao sofrimento, à doença e à morte, e prometo trazer a liberação universal para todos os seres sencientes." Naquele momento, caiu uma chuva de néctar doce e os seres divinos apareceram no céu para proclamar o nascimento daquele menino. No mesmo dia, nasceu sua futura esposa, Yashodhara Devi; seu corcel, Chandaka; seu cocheiro, Channa; seu meio-primo, Ananda; e a figueira sob a qual atingiria a iluminação.Por causa desses acontecimentos, o recém-nascido recebeu o nome de Sarvarthasiddha Gautama (aquele da família Gautama que realiza todas as suas metas), logo simplificado para Siddhartha Gautama (páli Siddhattha Gotama, aquele da família Gautama que realiza suas metas). Um velho eremita chamado Asita foi vê-lo e descobriu vários sinais no corpo do menino, confirmando as previsões.

Naquele tempo o rishi Asita levava no bosque uma vida de eremita. Era um brâmane de cabelos grisalhos, cujos ouvidos há muito tempo estavam cerrados às coisas da terra e percebiam somente os sons celestiais. Estando ele em oração sob a árvore baniana, ouviu os cânticos entoados pelos devas em louvor ao nascimento do Buddha.

Pela idade e jejuns, era Asita tão afamado tanto por sua sabedoria como pela sua habilidade em interpretar os desígnios humanos e fazer profecias. Por isto, o convidou o rei para ver o régio infante, recém-nascido. Quando o velho contemplou o príncipe, chorou e suspirou profundamente. E ao ver o rei as lágrimas de Asita, perguntou-lhe assustado: "Que vistes em meu filho, que vou causou tanto sentimento e tanta mágoa?"

Mas o coração de Asita transbordava de gozo e reconhecendo que o rei estava preocupado, respondeu-lhe: "Ó rei, qual lua em sua plenitude, deve Vossa Majestade sentir viva alegria, porque gerou um filho de maravilhosa nobreza. Não adoro Brahma, porém adoro este menino, que os próprios deuses abandonaram seus templos param virem adorá-lo. Afasta todo temor e toda dúvida. Os presságios espirituais indicam que o recém-nascido libertará o mundo. Mas lembrai-vos de que sou velho e não pude reter as lágrimas, pois meu fim se aproxima. Teu filho governará o mundo. Nasceu para o bem de toda a criatura e de todo ser vivente.

"A pureza de sua doutrina se assemelhará à margem que recebe o náufrago. Seu poder de meditação será como a frescura de lago e toda criatura inflamada no ardor da luxúria se tranqüilizará espontaneamente. Sobre o fogo da concupiscência se estenderá a nuvem da compaixão, apagando-o com a chuva da lei. Ele abrirá as pesadas portas do desespero, e livrará todas as criaturas da trama das redes que elas

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mesmas teceram com sua loucura e ignorância. O rei da lei apareceu para libertar da escravidão os pobres, os miseráveis e os desesperados."

(Yogi Kharishnanda, O Evangelho de Buda)

Maya faleceu uma semana após o nascimento Siddhartha. Ela foi dormir sorrindo e não mais despertou; acabou renascendo no paraíso dos Trinta e Três (sânsc. Trayastrinsha, páli Tavatimsa) deuses. Siddhartha passou a ser cuidado por sua tia, Maha Prajapati Gautami, que futuramente se tornaria a primeira monja buddhista. A partir dos 7 anos, o príncipe Siddhartha começou a ser educado por grandes professores, como o brâmane Vishvamitra, que lhe ensinou a ler e escrever. Entretanto, Vishvamitra fiou tão impressionado com o desenvolvimento extraordinário do menino que preferiu deixar de ser o tutor de Siddhartha, alegando ter um conhecimento muito limitado para poder educar Siddhartha.Durante os 7 anos seguintes, o príncipe estudou astronomia, geografia, textos clássicos e seus comentários, adivinhação, filologia, matemática, música, dança, composição, pintura e outras artes.O guerreiro Kshantideva ensinou as artes marciais e militares ao príncipe, que por volta dos 14 ou 15 anos tornou-se capaz de domar um elefante sem feri-lo e de atravessar com uma flecha as setes camadas de um tambor de ferro.Siddhartha era muito compassivo. Certa vez, ele salvou a vida de uma ave ferida por seu invejoso primo, Devadatta.O rei Shuddhodana deu três palácios ao príncipe: um de mármore para o verão, um de cedro para o inverno e um de ladrilhos para a época das monções. Lá desfrutava das melhores comidas, bebidas e vestimentas e prazeres. Um dos palácios tinha nove andores, o segundo tinha cinco andares, e o último tinha três. Eles eram rodeados por jardins de flores perfumadas, árvores cheias de pássaros, fontes de água pura e cristalina, pavões e outros animais. Após vencer um torneio por volta dos 16 ou 17 anos, Siddhartha casou-se com Yashodhara Devi, filha do rajá Dandapani de Koliya (ou do ministro Mahanama) e foi presenteado com o belo palácio de Visharamvan. Neste torneio, o príncipe exibiu toda a sua excelência em literatura, gramática, arco e flecha, montaria, esgrima e luta. Segundo algumas tradições, Siddhartha casou-se também com Gopa (ou Gopika) e Mrigaja, mas foi com Yashodhara que ele teve seu único filho, Rahula (cujo nome significa "grilhão"). Além delas, o Siddhartha teria mais 60.000 cortesãs à sua disposição. Aos 18 anos de idade, durante uma cerimônia realizada no 8º dia do 2º mês, Siddhartha foi ungido com as

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águas de quatro mares, recebeu o selo real e foi investido como príncipe herdeiro do reino de Shakya.Com a idade de 29, Siddhartha convenceu o seu pai de que já era o momento de conhecer o mundo; o príncipe nunca tinha saído dos palácios. Acompanhado pelo cocheiro Channa, o príncipe saiu de carruagem para conhecer a cidade. O rei Shuddhodana tentou evitar que seu filho se deparasse com qualquer cena desagradável e mandou varrer e camuflar a idade, além de esconder as pessoas que sofriam. Mesmo assim, quatro seres divinos aparecem para o príncipe — respectivamente como um velho enfraquecido, um doente sofrendo, um morto sendo cremado e um asceta errante. Muito entristecido e angustiado com tudo o que que viu, Siddhartha retornou ao palácio de seu pai, discutiu com ele e decidiu abandonar seu luxuoso estilo de vida. Ele decidiu trocar tudo o que tinha pela busca do caminho que leva ao fim do sofrimento.

O luar de um branco azulado iluminava o quarto. Siddhartha andou na ponta dos pés silenciosamente até a cama onde sua esposa, Yashodhara, dormia tranqüilamente com seu filho Rahula, coberto com um cachenê. Rahula sorriu como se estivesse em sonhos felizes. "Como ele é amável e bonito!" Siddhartha estendeu os braços para abraçar o filho, mas logo recuou para afastar tais pensamentos. Apesar do coração repleto de afeição pela esposa e pelo filho, ele não hesitou em deixar a casa para buscar o caminho da prática espiritual.

(Oka Nobuko, Iluminação de Siddhartha Gautama)

Apesar de a vigilância ter sido segurança ter sido reforçada para evitar a fuga do príncipe, os seres divinos fizeram uma nuvem mágica envolver os palácios e todos adormeceram, exceto Siddhartha. Ele acordou o cocheiro Channa e fugiu pela muralha do norte, cavalgando o corcel Chandaka (páli Kanthaka) rumo às margens do rio Anoma, no leste.Channa não gostou da idéia e, apesar das insistências, não conseguiu convencer o príncipe a retornar. Siddhartha queria descobrir uma maneira de eliminar todos os sofrimentos. Como nem mesmo sua riqueza poderia livrá-lo da doença, velhice e morte, Siddhartha decidiu renunciar à luxuosa vida palaciana e se entregou à austeridade da vida ascética.

Enquanto as pessoas não são afetadas pela doença, velhice ou morte, elas não pensam sobre essas coisas. Eu preciso agora encontrar o caminho para acabar com a fonte desse sofrimento. Todos aqueles que nascem nesse mundo devem experimentar o pesar da separação. Estou deixando minha casa para descobrir o caminho pelo qual o ser humano pode escapar desse sofrimento.

(Oka Nobuko, Iluminação de Siddhartha Gautama)

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Ele ordenou que Channa retornasse para dar a pérola de seu turbante a Shuddhodana, seu colar a Prajapati e seus ornamentos a Yashodhara. Como símbolo de sua renúncia, Siddhartha cortou seus longos cabelos com uma espada. Depois de passar uma noite com o asceta Bhargava, ele encontrou os brâmanes Alara Kalama e Udraka Ramaputra. Nas colinas Vindhyan de Rajagriha, no reino de Magadha, Siddhartha aprendeu técnicas avançadas de meditação muito rapidamente. Porém, os brâmanes não conseguiram responder às dúvidas de Siddhartha quanto à natureza do eu, nem mostrar o caminho que leva à extinção total do sofrimento. Então o rei Bimbisara de Magadha foi visitar o jovem Siddhartha, que agora se tornara um asceta errante.

"Ó ilustre monge, eu gostaria que alguém como você governasse este país. Se você aceitar, oferecerei criados, cavalos, carruagens, tudo o que você desejar", disse o rei."É muita bondade sua, majestade, mas eu já abandonei todos os desejos e pretendo continuar no caminho das práticas ascéticas", respondeu Siddhartha. O rei, com lágrimas nos olhos, segurou as mãos de Siddhartha respeitosamente e disse: "Estou feliz por tê-lo encontrado. Rezarei para que alcance o caminho em breve". Em seguida, retirou-se.Seis meses haviam passado desde que Siddhartha deixara sua casa. Durante esse tempo, ele residira na floresta e se submetera a todas as formas de austeridade, acreditando que quanto mais castigasse sua carne, mais puro se tornaria o seu espírito. Reduzira gradativamente a alimentação até parar completamente de comer. Tentara reter a respiração. Passara sofrimentos contínuos, cada um pior que o anterior.

(Oka Nobuko, Iluminação de Siddhartha Gautama)Durante seis anos, Siddhartha praticou o ascetismo na floresta de Uruvilva (páli Uruvela) em Rajagriha. Para comer, tinha alguns grãos de arroz. Para beber, tinha a água da chuva. Estava acompanhado por outros cinco ascetas — Kaundinya (páli Kondanna), Ashvajit (páli Assaji), Vashpa (páli Vappa), Mahanaman (páli Mahanama) e Bhadrika (páli Bhaddiya) — que teriam sido sido discípulos de Udraka Ramaputra. De tempos em tempos, o rei enviava oficiais até lá para tentar convencer o príncipe a retornar; entretanto, eles não tiveram sucesso. Algumas tradições afirmam que os cinco ascetas eram filhos de cinco elevados ministros de Shakya, enviados até lá pelo rei Shuddhodana a fim de proteger Siddhartha.Quando percebeu que as yogas ascéticas não trariam o fim do sofrimento, Siddhartha abandonou este estilo de vida. Subitamente, ele compreendeu que o hedonismo e o ascetismo são dois extremos; nem a vida palaciana nem a vida ascética poderiam pôr um fim ao sofrimento. O ideal é seguir um caminho intermediário, o caminho do meio (sânsc. madhyama-pratipad), o caminho do despertar.

O caminho do despertar

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Uma jovem pastora chamada Sujata, filha de um importante aldeão de Uruvilva, viu Siddhartha meditando e pensou que ele fosse alguma divindade da floresta. Então, ela lhe ofereceu leite e arroz em um recipiente de ouro. Algumas tradições também citam uma segunda pastora, Radha, que também teria oferecido alimentos a ele.

Ele pegou o alimento e foi embora da aldeia; banhou-se num rio [chamado Nairanjana] e quis cruzar para o outro lado, mas a correnteza carregou-o e ele se teria afogado, não fora uma divindade que morava numa grande árvore na margem mais distante ter estendido seu braço adorando com jóias para trazê-lo para a terra.

Ele alcançou a margem e sentou-se para fazer a refeição, depois da qual atirou a travessa de ouro ao rio, onde ela foi encontrada por uma [serpente mitológica chamada] naga que a levou para seu palácio. [A divindade hindu Indra ou] Sakra, no entanto, na forma de um [pássaro mitológico chamado] garuda arrancou-a das mãos da serpente e a levou para os céus de Tushita.

(Ananda Coomaraswamy, Mitos Hindus e Budistas)

Os cinco ascetas acharam que Siddhartha tinha abandonado sua busca pela iluminação e partiram sozinhos para o Parque das Gazelas em Sarnath, Varanasi (atualmente chamada Benares). Siddhartha foi para uma região conhecida como Círculo da Iluminação (sânsc. Bodh Gaya) em Bihar, onde os iluminados do passado atingiram o despertar. Próximo ao rio, voltado para a direção leste, Siddhartha sentou-se em meditação sobre um monte de grama kusha, protegido pela sobra da figueira de bodhi. Ele jurou para si mesmo que só se levantaria após atingir a iluminação.Raios de luz emanaram de seu corpo e de sua cabeça, atraindo a atenção dos seres divinos e também de Mara, o demônio do ego. Mara ordenou que suas belíssimas filhas — a cobiça, a raiva e a ignorância — tentassem seduzir Siddhartha com cantos e danças, mas elas não conseguiram distrair sua concentração. Então, Mara enviou outros demônios para assustá-lo, mas eles fugiram de medo! Por último, Mara jogou flechas, pedras e bolas de fogo, que se transformaram em pétalas e faíscas. Mara, cheio de ódio, retirou-se; Siddhartha continuou a meditar. Primeiro, Siddhartha lembrou-se de suas incontáveis vidas passadas; depois, ele viu o processo de renascimento de todos os seres; finalmente, ele alcançou a verdade última de todos os fenômenos.

Criando mil mãos segurando armas, Mara, sentado no feroz elefante Girimekhala, aproximou-se com seu exército. Pela virtude da generosidade e outras mais, o grande sábio [Siddhartha] os conquistou. [...]

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Mais violento que Mara, numa luta que durou toda a noite, foi o Yakkha Alavaka, arrogante e obstinado. pela grande virtude da paciência e do auto-controle, o grande sábio o conquistou. [...]

O elefante real Nalagiri, completamente louco, investiu sobre ele, cruel, como um fogo na floresta ou como um raio. Aspergindo as águas da amizade amorosa, o grande sábio o conquistou.

(Buddha Jayamangala Gatha, citado no Livro das Devoções)

Mara enraiveceu-se como um fogo avivado e aproximou-se do príncipe ordenando-lhe: "Vai embora!" Mas o bodhisattva respondeu: "Este trono é pelo mérito que adquiri em muitas longas eras. Como podes possuí-lo se não tens mérito?" Então Mara jactou-se: "Meu mérito é maior que o teu!" e chamou seu exército como testemunha, e todos os seus guerreiros gritaram: "Nós testemunhamos!", de forma que um som como o rugido do mar se ergueu até o céu. Mas o bodhisattva [Siddhartha] replicou: "Tuas testemunhas são muitas e parciais; eu tenho uma testemunha única e imparcial". então ele estendeu a mão para fora de sua vestimenta, como um relâmpago numa nuvem cor-de-laranja, tocou o chão e convocou a terra para testemunhar em seu favor. No mesmo instante a deusa terra [Bhumi] surgiu aos seus pés e gritou, com cem mil vozes, com o som de um tambor cósmico: "Eu dou meu testemunho", e o exército de Mara fugiu e voltou para o inferno, como folhas que se espalham ao vento.

(Ananda Coomaraswamy, Mitos Hindus e Budistas)

[Na primeira vigília da noite, Siddhartha] examinou, com seu poder de concentração, a sucessão de nascimentos e mortes durante suas incontáveis vidas. Por ver esse processo remontando ao início dos tempos — nascer sob certas circunstâncias, passar pelos dramas da vida, morrer e renascer — chegou a uma profunda compreensão da impermanência e insubstancialidade da existência. [...] No segundo turno de vigília ele contemplou a lei do karma. Ele viu como a força kármica das ações passadas impele e condiciona os seres através dos sucessivos renascimentos. Ver seres sendo levados pela ignorância através do remoinho de destinos díspares, despertou nele a energia de uma profunda compaixão. Na terceira guarda ele contemplou as Quatro Verdades Nobres e a lei da geração dependente. Ele viu como a mente se torna apegada e como, através do apego, há sofrimento. Ele compreendeu a possibilidade de descondicionar esse apego e de atingir um ponto de liberdade.

(Citado por Joseph Goldstein em Buscando a Essência da Sabedoria)

No 8º dia do 12º mês lunar de 528 a.C., aos 35 anos de idade, Siddhartha realizou sua própria natureza búddhica (sânsc. buddhata) e, conseqüentemente, compreendeu o sofrimento, sua causa, sua extinção e o meio para extingui-lo. Siddhartha alcançou a iluminação (sânsc. bodhi), e passou a ser conhecido como o Iluminado, o Desperto (sânsc. Buddha), o Sábio dos Shakyas (sânsc. Shakyamuni). Seu corpo dourado resplandecia com as trinta e duas marcas maiores e as oitenta marcas menores de um ser completamente iluminado.

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Em miríades de nascimentos vaguei na existência cíclica, antes de descobrir o verdadeiro conhecimento.

À procura do construtor desta casa, cada novo nascimento trazendo mais sofrimento.

Agora conheço você, construtor desta casa! Você não mais me aprisionará.

Demoli o seu topo e destruí sua estrutura até o chão.

A consciência entrou naquele estado incondicionado, o final definitivo da sede do desejo.

(Pathama Buddhabhasita Gatha, citado no Livro das Devoções)

O Buddha descreve a experiência do despertar num dos seus discursos, primeiro surge a compreensão da regularidade do Dharma – que nesse contexto quer dizer a origem dependente – depois existe a compreensão de Nirvana. Em outros trechos ele descreve os três estágios que o conduziram ao insight da origem dependente: compreensão das vidas passadas, compreensão da morte e renascimento de todos os seres vivos e por fim o insight das quatro nobres verdades. [...] Quando nos referimos à questão sobre como outras experiências "iluminadas" registradas na história mundial se relacionam com o Buddha, devemos ter em mente aquilo que o próprio Buddha disse: primeiro existe a compreensão da origem dependente, depois existe a compreensão do nirvana. Sem o primeiro – que inclui não somente a compreensão de karma, mas também como karma, em si, conduz à própria compreensão – qualquer realização, não importa quão pacífica ou ilimitada, que não resulte desse tipo de compreensão não pode ser considerada como despertar no sentido buddhista. O verdadeiro despertar necessariamente envolve ambos, a ética e o insight da causalidade.

(Thanissaro Bhikkhu, O Significado do Despertar do Buddha)

Ele estudou várias religiões mas não ficou satisfeito com suas práticas. Não encontrou respostas no ascetismo ou nas filosofias. Ele não estava interessado nos aspectos metafísicos da existência, e sim em seu próprio corpo e sua própria mente, no aqui e agora. E quando encontrou a si mesmo, descobriu que tudo o que existe tem natureza búddhica. Essa foi sua iluminação.

(Shunryu Suzuki, Mente Zen, Mente de Principiante)

[Os buddhas] são seres que anteriormente não eram buddhas. São pessoas que estavam dormindo e que despertaram; em algum momento, a inteligência deles não abrangia tudo o que pode ser conhecido. Estavam como nós, aprisionados no estado de existência cíclica, passando de vida em vida pelos sofrimentos do nascimento, velhice, doença e morte. [...] Antes da iluminação, o Buddha era um ser comum, exatamente como qualquer um de nós; não há ninguém que seja iluminado desde o princípio. Cada um de nós está ou esteve no estado de existência cíclica, passando pelos processos de nascimento, velhice, doença e morte, repetidamente, devido às nossas próprias

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ações, que são motivadas por emoções aflitivas — emoções com as quais afligimos a nós mesmos.

(Da introdução de Jeffrey Hopkins em The Meaning of Life from a Buddhist Perspective)

[1] Ele é chamado Bhagavan (senhor abençoado) por haver conquistado os quatro demônios, e por ser contemplado com as maiores venturas.

[2] Ele é chamado Tathagata (aquele que foi assim) porque alcançou compreensão da realidade das coisas, ou porque tudo é exatamente como ele disse e não de outra forma.

[3] Ele é chamado Arhat (vencedor do inimigo) porque derrotou o inimigo das aflições mentais, ou porque é digno de ser homenageado por meio de oferendas e veneração.

[4] Ele é chamado Samyaksambuddha (plenamente iluminado) porque compreendeu todas as coisas de forma verdadeira e infalível.

[5] Ele é chamado Vidyacharanasampana (dotado de conhecimento e de seu fundamento) porque possui sabedoria acompanhada de seu fundamento, pois ele possui moralidade e concentração mental, nas quais se baseia a sabedoria.

[6] Ele é chamado Sugata (o bem-sucedido) porque alcançou o estado sublime, ou ainda, porque dele não decairá.

[7] Ele é chamado Lokavidu (conhecedor do mundo) porque, ao compreender a natureza dos doze elos do surgimento interdependente, conhece com exatidão o mundo dos seres sencientes e, ao entender a origem da terra, das montanhas e assim por diante — ao conhecer todas as regiões, suas dimensões e assim por diante —, ele conhece com exatidão o mundo físico externo.

O condutor de uma carroça atrelará ao seu veículo bois ainda não treinados, caso sejam adequados para puxar o carro. Uma vez colocada a canga sobre os animais, os condutor refreia aqueles que puxam o carro de forma inadequada, e coloca no caminho certo aqueles que se desviam. Os bois que andam muito lentamente, ele incita com o ferrão. Porém, não utiliza aqueles que são refratários, que não se deixam atrelar ao veículo. De igual forma, o senhor Buddha atrela ao caminho dos nobres os discípulos dignos de seres atrelados. Ele coíbe aqueles poucos que, uma vez atrelados, agem de modo contrário ao Dharma sagrado. O Buddha devolve ao caminho verdadeiro aqueles que se desviam para um caminho errado, e incentiva com o ferrão do esforço tenaz aqueles que são indolentes. Com os refratários, que são inaptos para o caminho, ele não interfere.

[8] Ele é chamado Anuttarapurushadamyasarathi (líder insuperável dos disciplináveis) por estas razões. [...]

[9] Ele é chamado Shastadevamanushyanam (mestre de deuses e homens) porque o contingente principal de discípulos é composto por deuses e homens, ambos recipientes adequados para o caminho da liberação, e porque o Buddha lhes ensina o Dharma de acordo com as

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aspirações deles. [...]

[10] Ele é chamado Buddha (desperto) porque acordou do sono da ignorância, e também porque sua mente se expandiu até o ponto em que abarca todos os objetos de conhecimento.

(Rendawa Shönnu Lodrö, Sphutartha)

Na primeira semana após a iluminação, o Buddha Shakyamuni continuou meditando sob a figueira de bodhi. Na segunda semana, ele voltou o olhar para a figueira. Na terceira semana, caminhou meditando em um pavilhão de ouro preparado pelos seres divinos. Na quarta semana, sentou-se em um palácio de outro onde previu o que lhe aconteceria e todas as palavras do ensinamento (sânsc. Dharma, páli Dhamma) que ensinaria pelo resto de sua vida. Na quinta semana, sentou-se sob a árvore ajapala e experienciou a liberação (sânsc. nirvana, páli nibbana). Na sexta semana, sentou-se perto do lago da serpente Muchalinda, que o protegeu dos temporais. Na sétima e última semana de seus 49 dias de meditação, ele se sentou em bosque de árvores nyagrodha.

Conta-se que, logo após sua iluminação, o Buddha passou por um homem num caminho que estava perplexo pelo extraordinário esplendor e calma de sua presença. O homem parou e perguntou:

"Meu amigo, quem é você? Você é um ser celestial ou um deus?""Não", disse o Buddha."Bem, então, será que você é algum tipo de mágico ou mago?"Novamente o Buddha respondeu, "Não"."Você é um homem?""Não.""Bem, meu amigo, então quem você é?"O Buddha respondeu, "Eu sou um desperto".

(Jack Kornfield, Buscando a Essência da Sabedoria)

Dois mercadores que atravessam a floresta acabaram atolando na lama com sua caravana. Na verdade, aquele acidente tinha ocorrido por causa de uma divindade da floresta; deste modo, os mercadores eventualmente encontraram o Buddha Shakyamuni e puderam realizar uma antiga aspiração — a de fazer uma oferenda a um ser iluminado. As quatro divindades vieram do norte, do sul, do leste e do oeste para oferecer quatro tigelas de esmeralda. Como o Buddha não quis aceitá-las, as divindades substituíram-nas por quatro tigelas de pedra comum. Então, o Buddha Shakyamuni transformou-as em uma única tigela e recebeu uma oferenda de mel dos dois mercadores. Em troca, o Buddha lhes concedeu o voto de refúgio e eles se tornaram discípulos leigos; além disso, os mercadores receberam uma mecha de cabelo do Buddha como relíquia.

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A grande compaixão de Shakyamuni fez com que ele decidisse ensinar o caminho da iluminação às outras pessoas.

Após a sua iluminação, o Buddha estava em Uruvilva, às margens do rio Nairanjana, e teve o seguinte pensamento: "Esse Dharma que alcancei é profundo, difícil de ver, difícil de realizar, pacífico, refinado, além do escopo da conjectura, sutil, a ser experienciado pelos sábios. Mas essa geração gosta do apego, está excitada pelo apego, aprecia o apego. Para uma geração que se gosta do apego, que está excitada pelo apego, que aprecia o apego, essa condicionalidade e originação co-dependente são difíceis de ver. Esse estado, também, é difícil de ver: a resolução de todas as fabricações, a renúncia de todas as aquisições, o fim do desejo; a imparcialidade; a cessação; a liberação. E se eu fosse ensinar o Dharma e outros não me compreendessem, isso seria cansativo para mim, aborrecedor para mim."

Assim sendo, o Bhagavan tinha a sua mente inclinada a permanecer em paz, não ensinar o Dharma.

Tendo essa percepção, o Brahma-sahampati pensou: "O mundo está perdido! O mundo está destruído! A mente do Tathagata, Arhat, Samyak-sambuddha, inclina-se a permanecer em paz, a não ensinar o Dharma!" Então, assim como um homem forte poderia estender seu braço flexionado ou flexionar seu braço estendido, Brahma-sahampati desapareceu do reino dos Brahmas e reapareceu em frente ao Bhagavan. Arrumando seu manto sobre o ombro, ajoelhou-se com seu joelho direito ao chão, saudou o Bhagavan com suas mãos diante do coração e lhe disse: "Senhor, que o Bhagavan ensine o Dharma! Que o Bhagavan ensine o Dharma! Há seres, com um pouco de poeira sobre seus olhos, que estão caindo porque não escutam o Dharma. Haverá aqueles que compreenderão o Dharma."

Então o Bhagavan, tendo compreendido o convite do Brahma-sahampati, com compaixão pelos seres, avaliou o mundo com a visão de um Buddha. Tendo assim feito, ele viu os seres com um pouco de poeira sobre seus olhos e aqueles com muita, aqueles com faculdades aprimoradas e aqueles com faculdades fracas, aqueles com bons atributos e aqueles com maus atributos, aqueles que são fáceis de ensinar e aqueles que são difíceis, alguns deles esperando a desgraça e o perigo no outro mundo. Como num reservatório de lótus azuis, vermelhos ou brancos, alguns lótus — que nasceram e cresceram na água — poderiam florir imersos na água, sem emergir da água; alguns poderiam permanecer no mesmo nível da água; enquanto alguns poderiam se erguer na água e permanecer sem ser tocados pela água — assim também, analisando o mundo com a visão de um Buddha, o Bhagavan viu os seres com um pouco de poeira sobre seus olhos e aqueles com muita, aqueles com faculdades aprimoradas e aqueles com faculdades fracas, aqueles com bons atributos e aqueles com maus atributos, aqueles que são fáceis de ensinar e aqueles que são difíceis, alguns deles esperando a desgraça e o perigo no outro mundo.

Então Brahma-sahampati, pensando "O Abençoado deu seu

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consentimento para ensinar o Dharma," ajoelhou-se ao Abençoado e, circundando-o pela direita, desapareceu ali mesmo.

O ensinamento de BuddhaBuddha Shakyamuni pensou em instruir seus antigos professores — Alara Kalama e Udraka Ramaputra — mas, com sua visão interior, percebeu que eles já tinham falecido. Então, Buddha decidiu procurar os cinco ascetas que tinham partindo para Sarnath, o Parque das Gazelas em Isitapana, próximo a Varanasi.

Lá estavam praticando o ascetismo, quase morrendo de fome. Num primeiro momento, os ascetas não queriam conversar com o "renegado que trocou o ascetismo por uma tigela de caldo de arroz". Mas quando o Buddha se aproximou, eles perceberam a presença de um ser iluminado e se curvaram diante dele com profundo respeito."Bem-vindo, príncipe Siddhartha", disse um deles.

Shakyamuni respondeu calmamente: "De agora em diante, por favor, não me chamem mais de Siddhartha porque, livre de todo o sofrimento humano, atingi a iluminação. E agora estou aqui com vocês."

Os cinco ascetas ponderaram sua conduta impetuosa. "Não fomos capazes de alcançar a iluminação. Por favor, deixe-nos conhecer os seus nobres ensinamentos."

Em pé, diante dos companheiros que olhavam com a máxima concentração, Shakyamuni começou a falar sobre a iluminação que alcançara. Essa passagem é conhecida como a Primeira Volta da Roda do Dharma, o primeiro sermão que Shakyamuni fez depois da iluminação.

(Oka Nobuko, Iluminação de Siddhartha Gautama)

"Queridos amigos, tendo por testemunhas seres humanos, deuses, brâmanes, monges e maras, eu vos digo que se não tivesse experienciado diretamente tudo o que afirmo aqui, jamais proclamaria ser uma pessoa iluminada e liberta do sofrimento. Devido ao fato de eu mesmo ter identificado o sofrimento, compreendido o sofrimento, identificado as causas do sofrimento, removido as causas do sofrimento, confirmado a existência do bem-estar, obtido o bem-estar, identificado o caminho para o bem-estar, ido até o final do bem-estar e realizado a liberação total, eu agora proclamo a vocês que eu sou uma pessoa livre." Neste momento, a terra estremeceu e as vozes dos deuses, dos seres

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humanos e de outros seres vivos de todo o cosmos bradaram que no planeta Terra havia nascido uma pessoa iluminada e que tinha colocado em movimento a Roda do Dharma, o caminho do amor e da compreensão.

(Thich Nhat Hanh, The Heart of the Buddha's Teaching)

O asceta Ajnata Kaundinya (páli Anna Kaudanya) foi o primeiro a aceitar o ensinamento do Buddha Shakyamuni, sendo seguido pelos outros quatro ascetas. Algum tempo depois, o leigo Yasa — um jovem muito rico — tornou-se seu discípulo, assim como seu pai, sua mãe e sua esposa. Em três meses, o Buddha reuniu sessenta discípulos, que foram instruídos e enviados a várias direções para transmitir seus ensinamentos. Kashyapa, ex-sacerdote da seita dos Jatilas (adoradores do fogo), também decidiu abandoná-la para seguir Shakyamuni.Buddha Shakyamuni passou a viajar constantemente pelo vale do Ganges, atraindo milhares e milhares de discípulos. Ele passou muito tempo expondo seus ensinamentos (sânsc. Dharma) em cidades como Vaishali, Rajagriha (capital do reino de Magadha) e Shravasti (capital do reino de Koshala).Bimbisara, rei de Magadha, doou um bosque para a comunidade buddhista (sânsc. Sangha) realizar seus retiros. Este local, o Retiro no Bosque de Bambu (sânsc. Venuvana Vihara), tornou-se o primeiro monastério buddhista da Índia. Pouco tempo depois, um praticante leigo chamado Anathapindada (páli Sudatta, Anathapindika) doou o parque do Jetavana Vihara, em Shravasti.Os ensinamentos do Buddha não se restringiam aos campos religioso e filosófico. Por exemplo, Shakyamuni não aceitava a estrutura social indiana, que discriminava as pessoas em diferentes castas. De acordo com o Buddha, não há castas "superiores" ou "inferiores" porque todos os seres têm a mesma natureza. Ele também criticou as doutrinas fatalistas que permitiam o abuso de autoridade por parte dos brâmanes, assim como também questionou  os costumes sociais, políticos e religiosos daquela época. Buddha rejeitava completamente o sacrifício (sânsc. yajna) de animais para os deuses e, em seu lugar, pregou a prática da bondade amorosa (sânsc. maitri), da compaixão (sânsc. karuna) e da não-violência (sânsc. ahimsa). Ele era conhecido não apenas pela sua grande compaixão, mas também pela sua disciplina severa e pura.

Havia um príncipe chamado Abharajakumara. Um dia, ele foi ao Buddha e pergunto se este alguma vez havia sido ríspido com alguém. "Suponha, príncipe, que seu pequeno filho estivesse para engolir um pedaço de madeira. o que o senhor faria?", perguntou o Buddha. "Se ele estivesse prestes a engolir um pedaço de madeira, eu o prenderia firmemente entre minhas pernas e enfiaria meu dedo indicador em sua boca. Mesmo que pudesse chorar e lutar, devido ao desconforto, eu tiraria o pedaço de

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madeira, ainda que meu filho sangrasse". "E por que o senhor faria isso?" "Porque, amando meu filho, eu desejaria salvar sua vida". "Similarmente, príncipe, algumas vezes devo ser duro com meus discípulos, mas não por crueldade, mas por amor a eles", disse o Buddha. A amizade amorosa, e não a raiva, motivava suas ações. [...]

Eis uma outra história da vida do Buddha, relacionada com um homem chamado Akkosaka. Akkosaka significa "aquele que não fica bravo". Mas, de fato, era justamente o posto: ele sempre estava com raiva. Quando ouviu dizer que o Buddha nunca ficava bravo com ninguém, ele decidiu visitá-lo. Tendo se dirigido direto ao Buddha, insultou-o com todo tipo de impropérios e ofensas. No final de tudo, o Buddha perguntou se ele tinha algum amigo ou parente. "Sim", respondeu o homem. "Quando você os visita, você leva algum presente?" "Claro", disse ele, "sempre levo presentes". "O que acontece se eles não aceitarem os presentes?", o Buddha perguntou. "Bem, eu os levo de volta para casa e os compartilhou com minha família". "Da mesma forma", disse o Buddha, "você me trouxe um presente no dia de hoje, o qual eu não aceito; você pode levá-lo de volta para sua família." Com paciência, inteligência e amizade amorosa, o Buddha demonstrou como pensar e agir a respeito do "presente" das palavras rudes.

(Henepola Gunaratana, Meditação para Todos)

Sete anos depois de atingir o despertar, quando estava em Rajagriha, o rei Shuddhodana enviou uma mensagem ao Buddha Shakyamuni através do nobre Kaluda, pedindo que o filho visitasse-o mais uma vez antes de morrer. O Buddha foi até lá e deu ensinamentos a seus parentes e amigos. Após o falecimento de seu pai, ele cuidou do funeral do rei Shuddhodana.

Shakyamuni enviou um de seus discípulos na frente para que demonstrasse seus poderes espirituais. Depois, ele mesmo foi e expôs o Dharma par o pai, no intuito de possibilitar-lhe a realização. Ao mesmo tempo, converteu sua tia Mahaprajapati, para com quem tinha uma dívida de gratidão por tê-lo criado, e sua mulher Yashodhara, sendo que ambas abandonaram o lar e seguiram o Dharma. Seus parentes, [seu meio-irmão] Ananda, [seu meio-irmão] Devadatta e [o grande metafísico] Anurudha, assim como seu filho Rahula, também foram convertidos nessa mesma ocasião. Membros da casta shudra (o grupo hereditariamente rebaixado segundo o sistema de castas da Índia) como [o barbeiro] Upali também foram um a um tomar refúgio no Buddha e abandonaram seus lares [para se tornarem monges].

(Nan Huai-Chin, Breve História do Budismo)

O Buddha também ensinamentos à sua mãe, que então estava no paraíso dos Trinta e Três (sânsc. Trayastrinsha, páli Tavatimsa) deuses. Lá o Buddha transmitiu o seu ensinamento especial (sânsc. Abhidharma, páli Abhidhamma) aos seres divinos. Quando retornou à terra, foram estendidas três escadas de ouro e uma prata, decoradas com todos os tipos de pedras preciosas. Na frente, a divindade hindu Indra vinha soprando sua concha, acompanhado por muitos outros seres

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celestiais que tocavam instrumentos musicais e por brâmanes que seguravam pára-sois.Devadatta, primo do Buddha Shakyamuni, era muito inteligente e progrediu rapidamente no conhecimento do Dharma. Como era muito invejoso, decidiu matar o Buddha para se tornar líder da comunidade monástica, mas todas as suas tentativas foram frustradas. Os arqueiros que Devadatta encarregou para matar o Buddha acabaram mudando de idéia e se tornaram seus discípulos. Uma rocha jogada por Devadatta sobre o Buddha dividiu-se em dois, fazendo apenas um pequeno ferimento em seu pé. Finalmente, o feroz elefante Malagiri, embebedado por Devadatta, começou a destruir uma cidade mas foi acalmado pelo Buddha. Os seguidores de Devadatta o deixaram e se tornaram discípulos do Buddha.Ainda assim, Devadatta convenceu o ambicioso príncipe Ajatashatru (páli Ajatasattu) a se tornar seu discípulo e a matar o pai, o bondoso rei Bimbisara de Magadha. Depois de não ter conseguido matá-lo de forma violenta, Ajatashatru deixou o rei Bimbisara morrer de fome. Como conseqüência kármica de suas atitudes, Devadatta teve uma morte terrível após nove meses de doenças e renasceu no reino dos fantasmas famintos (sânsc. preta). Ajatashatru mais tarde se arrependeu de seus atos e passou a seguir o Buddha, que o desaconselhou a invadir o país dos Vajjis. Depois de renascer nos infernos como conseqüência de seus atos, Ajatashatru deve renascer no reino dos seres divinos e finalmente atingir o estado de um realizador solitário (sânsc. pratyeka-buddha). O mesmo deve acontecer com Devadatta no futuro.

No tempo do Buddha havia um homem chamado Angulimala. Hoje o chamaríamos de assassino em série. Ele era tão mau que carregava no pescoço uma grinalda feita dos dedos das pessoas que tinha matado. Seu plano era matar o Buddha, completando, assim, sua série de mil assassinatos. Apesar de sua reputação e de sua aparência terrível, o Buddha pôde ver apenas sua capacidade para a amizade amorosa e, por amor e compaixão, ensinou o Dharma e esse vilão assassino. Angulimala jogou fora sua espada e submeteu-se ao Buddha, seguindo-o ao mosteiro, onde foi ordenado. Soube-se então que sua saga assassina começara muitos anos atrás por incentivo de seu mestre, que tinha para isso suas próprias razões não-saudáveis. Angulimala não era uma pessoa cruel ou má por natureza; ele havia sido uma criança bondosa; em seu coração havia amizade amorosa, gentileza e compaixão. Tão logo tornou-se monge, sua verdadeira natureza foi revelada e, pouco tempo depois, ele se iluminou.

O Buddha Shakyamuni também teve muitos outros discípulos ilustres. Ajna Kaundinya foi o primeiro dos cinco ascetas a atingir o despertar. Shariputra (páli Sariputta) e seu amigo Maudgalyayana (páli

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Moggallana), ex-discípulos do asceta Sanjaya, passaram a seguir os ensinamentos de Buddha e se tornaram conhecidos como os "generais do Dharma" — Shariputra era especialista nos ensinamentos e Maudgalyayana nos poderes sobrenaturais. Mahakashyapa era especialista em práticas ascéticas. Anirudha tinha visões sobrenaturais. Subhuti possuía um grande entendimento da vacuidade. Purna era muito hábil em expor os ensinamentos e Katyayana em discursar sobre os significados. Upali, responsável por raspar o cabelo dos monges antes de receberem a ordenação, era especialista nas regras monásticas. Rahula, filho único do Buddha, tinha grande habilidade com práticas esotéricas. Ananda, primo do Buddha e seu companheiro durante trinta anos, escutou e memorizou todos os discursos dele.

Entre os discípulos de Buddha, havia um jovem de boa família chamado Sona Kalivisa. Sona, convertendo-se ao buddhismo, dedicou-se a severas práticas religiosas, mas não conseguia atingir o nirvana. Estava tão pouco confiante e tão confuso que chegou a pensar que a vida laica seria mais adequada para ele. Um dia contou a Buddha o que estava acontecendo. Buddha, com sua calma, lhe pergunto: "Sona, ouvi dizer que você, quando ainda estava em casa, tocava muito bem a harpa. Mas as cordas da harpa, quando estão muito tencionadas, não tocam bem, não é verdade?" "Sim, é verdade. Não só não tocam bem como correm o risco de romper."

"No entanto, quando estão muito frouxas, também não tocam muito bem, não é?" "É verdade. Não devem estar nem muito tencionadas nem muito frouxas. Apenas quando estão reguladas como uma tensão apropriada podem toar bem, com o timbre correto." "Então, Sona, a prática do caminho de Buddha também é assim. Quando você sofre demais, seu coração se agita e não consegue manter a calma. quando relaxa muito, acaba se tornando indolente. Também na vida religiosa siga o caminho do meio."

(Shundo Aoyama Rôshi, Para Uma Pessoa Bonita)

Certo dia, quanto tinha 38 anos, o Buddha encontrou o rei Prasenajit de Koshala. O rei perguntou: "Reverendo, você é jovem, e no entanto as pessoas o chamam de 'O Mais Iluminado'. Existem em nosso país santos iluminados de 80 e 90 anos de idade, venerados por muitas pessoas e, no entanto, nenhum dele afirma ser o mais iluminado. Como um homem jovem como você pode fazer tal afirmação?" O Buddha retrucou: "Sua majestade, a iluminação não é uma questão de idade. Uma minúscula centelha de fogo tem o poder de incendiar toda uma cidade. Uma pequena cobra venenosa é capaz de matá-lo num único instante. Um príncipe bebê tem a potencialidade de um rei. E um jovem monge possui a capacidade de tornar-se iluminado e mudar o mundo." Podemos aprender a respeito dos outros estudando a nós mesmos.

(Thich Nhat Hanh, Vivendo Buda, Vivendo Cristo)

Shakyamuni continuou a dar ensinamentos até o dia do seu falecimento como conseqüência de uma disenteria. Em seus últimos momentos, ele chegou a dar instruções ao brâmane Subhadra, aos príncipes de Mallya

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e aos seus séqüitos. No 7º dia do 6º mês lunar (ou 15º dia do 2º mês lunar) de 483 a.C., depois de proferir suas palavras finais, o Buddha Shakyamuni entrou em um estado de profunda meditação e alcançou a suprema paz (sânsc. nirvana), a liberação final (sânsc. parinirvana), no bosque das árvores shala em Kushinagara.

Uma semana depois da cremação do seu corpo, as cinzas foram divididas entre oito reis, sendo guardadas n os

relicários (sânsc. stupa) de Lumbini, Magadha, Varanasi, Shravasti, Kanyakubja, Rajagriha, Vaishali e Kushinagara.

Cerca de dois séculos depois, as cinzas do relicário de Rajagriha, que tinham sido dadas ao rei Ajatashatru, foram retiradas pelo imperador Ashoka e distribuídas por todo o seu grande império.

Durante 45 anos e até a sua morte, com a idade de 80, este gênio da vontade e do intelecto andou pelo vale do Ganges, levantando-se de madrugada, caminhando cerca de 25 a 30 quilômetros por dia, ensinando generosamente a todas as pessoas, sem esperar por recompensa nem distinguir classes ou castas, o caminho que encontrara para alcançar a felicidade. Não era um agitador e jamais foi molestado pelos sacerdotes a quem se opunha ou por qualquer governante. Era tão famoso e tão estimado que, quando se aproximava de uma cidade, multidões acorriam e juncavam o seu caminho com flores. O objetivo real e triunfante de Buddha consistia em definir corretamente e ensinar uma forma nobre e feliz de viver e morrer neste mundo.

(Max Eastman, A Paz Interior)

[E]m uma noite de verão, quando ele passava a estação das chuvas no vilarejo de Venuvana, perto da cidade de Vaishali, [o Buddha Shakyamuni] fez com que soubessem que em breve entraria em nirvana. Partiu então em direção ao norte em sua última viagem, para a cidade de Kushinagara. Sob as duas árvores shala no bosque shala, onde nascera, Shakyamuni pregou o Dharma ao idoso brâmane Subhadra e quando acabou, aceitou-o como seu último discípulo. Depois pareceu adoecer e não mais levantou. Deitou-se sobre o lado direito e entrou em nirvana.

(Nan Huai-Chin, Breve História do Budismo)

E logo depois que o Abençoado havia comido a refeição dada por Chunda o serralheiro, uma doença terrível se abateu sobre ele, até mesmo disenteria, e ele sofreu dores agudas e mortíferas. Porém o Abençoado as suportou com atenção plena, compreendendo claramente e imperturbável. [...] Então o Abençoado com uma grande comunidade de monges dirigiu-se até a outra margem do rio Hirannavati em direção a Upavattana, o bosque de árvores shala de Mallan próximo a Kushinagara. Chegando, ele disse ao venerável Ananda, "Ananda, por favor me prepare um leito entre as árvores sal gêmeas, com a cabeça para o norte. Eu estou cansado, e deitarei." Respondendo: "Assim seja, senhor", o venerável Ananda preparou a cama entre as árvores sal gêmeas, com a cabeça para o norte. Então o Abençoado deitou-se do seu lado direito na posição de dormir do leão, com um pé sobre o outro,

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plenamente atento e alerta.

Agora naquela ocasião as árvores shala gêmeas estavam em total florescência, embora não fosse a época de florescer. Elas derramaram, espalharam, e borrifaram sobre o corpo do Tathagata, em sua homenagem. Flores divinas da árvore de coral caíram do céu, derramando, espalhando e borrifando o corpo do Tathagata em sua homenagem. Pó de sândalo divino caiu do céu, derramando, espalhando e borrifando o corpo do Tathagata em sua homenagem. Música divina estava tocando no céu, em homenagem ao Tathagata. Canções divinas eram cantadas no céu, em homenagem ao Tathagata. [...]

Então o Abençoado dirigiu-se aos monges, "Agora, então, monges, eu os encorajo: Todas as fabricações estão sujeitas à deterioração. Alcancem a finalização sendo dedicados." Essas foram as últimas palavras do Tathagata.

Então o Abençoado entrou na primeira absorção meditativa. Emergindo dele ele entrou na segunda absorção meditativa. Emergindo dele, ele entrou na terceira, [...] na quarta absorção meditativa (…), a esfera do infinito do espaço [...], na esfera do infinito da consciência [...], na esfera do nada, [...] na esfera da nem percepção ou não-percepção. Emergindo dela, ele entrou na cessação da percepção e sensação. [...] Então o Abençoado, emergindo da cessação da percepção e sensação, entrou na esfera da nem percepção nem não percepção. Emergindo dela, ele entrou na esfera do nada (…), na esfera do infinito da consciência, [...] na esfera do infinito do espaço [...], na quarta absorção meditativa [...], na terceira [...], na segunda [...], na primeira absorção meditativa. Emergindo da primeira absorção meditativa ele entrou na segunda, [...] na terceira [...], na quarta absorção meditativa. Emergindo da quarta absorção meditativa, ele imediatamente estava totalmente desatado.

(Maha-parinibbna Sutta, Digha Nikaya 16)

Aqueles que são dados à meditação, que são firmes, que na paz do retiro se deleitam, estes seres plenamente atentos e perfeitamente iluminados, até mesmo os deuses invejam. Raro é o nascimento como ser humano, difícil é a vida dos mortais; difícil é ouvir o Dharma sublime, raro é o aparecimento de buddhas.

Não fazer qualquer mal, cultivar o bem, purificar a própria mente — este é o ensinamento dos buddhas. Paciência e aturamento são a mais alta prática ascética; "Nirvana é supremo", dizem os buddhas. Em verdade, aquele que injuria a outros não é um recluso, nem o que fere outros é um asceta.

Não insultar nem injuriar, continência conforme o código disciplinar, moderação ao comer, morar em reclusão e empenho em elevada contemplação — este é o ensinamento dos buddhas. [...]

De dia brilha o sol, à noite é clara a lua; o guerreiro brilha na sua armadura, o brâmane brilha na sua meditação; mas todo o dia e noite o Buddha brilha em esplendor.

(Dhammapada 181-185, 387)

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[A] história da vida do Buddha tem um grande significado para nós. Ela exemplifica os grandes potenciais e capacidades que são intrínsecos à existência humana. No meu ponto de vista, os eventos que conduziram [o Buddha] à iluminação completa dão um exemplo adequado e inspirador aos seus seguidores. Resumindo, sua vida faz a seguinte afirmação: "Esta é a maneira pela qual vocês devem seguir o seu caminho espiritual. É necessário ter em mente que atingir a iluminação não é um trabalho fácil. Exige tempo, vontade e perseverança".

(Dalai Lama, The World of Tibetan Buddhism)

Os três cestosOs Três Cestos (sânsc. Tripitaka, páli Tipitaka) constituem o cânone de diversas escolas buddhistas. De acordo com a história tradicional, os ensinamentos de Buddha foram compilados durante o primeiro  concílio em 483 a.C. O monge Upali teria respondido às questões relativas aos votos monásticos e o monge Ananda teria recitado todos os discursos de Buddha. A recitação de Upali constituiu o Cesto de Disciplinas (sânsc. e páli Vinaya Pitaka), e a recitação de Ananda, o Cesto de Discursos (sânsc. Sutra Pitaka, páli Sutta Pitaka). As questões sobre filosofia, psicologia e metafísica teriam sido expostas por Shariputra, constituindo o Cesto de Ensinamentos Especiais (sânsc. Abhidharma Pitaka, páli Abhidhamma Pitaka).Diz-se estas três seções contêm os ensinamentos que servem como "antídotos" para os três venenos (sânsc. klesha, páli kilesa) da mente. O Vinaya lida basicamente com o treinamento superior da ética (sânsc. shila, páli sila) e serve para eliminar o veneno do apego, a cobiça. O Sutra lida basicamente com o treinamento superior da concentração (sânsc. e páli samadhi) e serve para eliminar o veneno da aversão, a raiva ou ódio. Finalmente, o Abhidharma lida basicamente com o treinamento superior da sabedoria (sânsc. prajna, páli panna) e serve para eliminar o veneno da ignorância.Em termos históricos, é mais provável que os "cestos" tenham sido compilados algum tempo depois da morte de Buddha, ou que grupos de bhanakas, monges recitadores, tenham se juntado sob a coordenação de Mahakashyapa, Ananda e Upali. O Abhidharma, por exemplo, só apareceu durante a formação das primeiras escolas buddhistas. Algumas escolas desenvolveram seus próprios cânones, com diferentes tamanhos e conteúdos. O cânone da escola Sautrantika, por exemplo,

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utilizava apenas dois "cestos" (Vinaya Pitaka e Sutra Pitaka), enquanto a Mahasanghika possuía cinco — os três "cestos" tradicionais, o Dharani Pitaka (ou Vidyadhara Pitaka) e o Kshudraka Pitaka.Originalmente, o Tripitaka era transmitido oralmente. Apesar de o Buddha ter ensinado no dialeto do norte da Índia, o magadhi ou ardhamagadhi, os cânones das diferentes escolas seriam escritos em outros idiomas, como o páli, o sânscrito, o prácrito e dialetos indianos antigos. A primeira versão escrita foi a da escola Theravada, registrada em páli sobre folhas de palmeira. Ela surgiu durante o quarto concílio (17 a.C.), no Sri Lanka. Também existem fragmentos do cânones das extintas escolas Sarvastivada e Mahasanghika, escritos em sânscrito e prácrito, além de porções maiores que foram traduzidas para o chinês e o tibetano. A memorização dos discursos de Buddha é feita até hoje por muitos monges.A mais antiga versão conhecida em chinês foi escrita em 518 d.C., totalizando 2.113 trabalhos; no Japão, este cânone é conhecido como Taishô Issaikyô. O cânone do buddhismo tibetano é a Tradução dos Ensinamentos (tib. Kangyur / bka' 'gyur) e a Tradução dos Tratados (tib. Tengyur / bstan 'gyur). O primeiro é constituído por 80 volumes de sutras (317 textos) e 24 volumes de tantras (729 textos); o segundo é composto por 185 volumes, contendo 3.786 tratados de mestres indianos. A primeira impressão do Kangyur foi feita em 1411, em Pequim. A primeira edição tibetana foi feita em Narthang, com o Kangyur publicado em 1731 e o Tengyur em 1742. Outras edições famosas foram feitas em Derje e Chone.No cânone tibetano, a fim de identificar a qual tópico se relacionam os textos, os reis solicitaram aos tradutores que adicionassem uma verso de homenagem após cada título. Os textos relacionados ao Vinaya começam com um verso em homenagem à mente onisciente do Buddha Shakyamuni. Os textos relacionados ao Sutra trazem um verso em homenagem a todos os buddhas e bodhisattvas. Finalmente, os textos relacionados ao Abhidharma começam um verso em homenagem a Manjushri, o bodhisattva da sabedoria. Além de todos estes cânones, há um número muito grande de comentários sobre o Vinaya Pitaka e sobre o Sutra Pitaka.

Vinaya PitakaO Vinaya Pitaka contém todos os preceitos e votos para os monges e monjas buddhistas. Basicamente, os votos monásticos permitem uma grande acumulação de méritos através da abstenção de ações, palavras e pensamentos negativos. Segundo os historiadores, o Vinaya foi resultado de muitos anos de desenvolvimento e sua forma só deve ter

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sido elaborada pelo menos um século após a morte de Buddha. Atualmente, há sete versões conhecidas:

Em páli: escola Theravada; Em sânscrito: escolas Mahasanghika, Sarvastivada e Mula-

sarvastivada; Em chinês: escolas Mahishasaka, Kashyapiya e Dharmaguptaka.

Duas obras importantes não estão incluídas no Vinaya Pitaka: Pratimoksha (páli Patimokkha) um inventário de regras monásticas) e o Karmavacha (textos litúrgicos). O Pratimoksha, em particular, possui diferentes versões com diferentes números de regras. Na tradição Theravada, por exemplo, recita-se o Patimokkha nos dias de os dias de lua nova e cheia (páli uposata), relembrando os votos e confessando as eventuais quebras. A "punição" mais severa, para um monge que cometer homicídio, é ser expulso da comunidade monástica; nenhuma punição utiliza qualquer tipo de violência.

Monges, abandonem o que é prejudicial e se dediquem aos estados benéficos, pois é assim que vocês crescerão, se desenvolverão e se realizarão neste Dharma e Vinaya.

(Kakacupama Sutta, Majjhima Nikaya 21)

O Vinaya de Quatro Partes, o Mula-sarvastivada Vinaya-kshudrakavasstu, o Vinaya de Cinco Partes e o Vinaya em Dez Recitações dizem que a moralidade buddhista em geral tem dez objetivos básicos: [1] aumentar a harmonia entre a comunidade monástica e seguidores leigos também; [2] purificar a comunidade monástica, para que seus membros estejam aptos para conduzir os seguidores leigos; [3] para subjugar as tendências teimosas e egoístas entre todos os buddhistas; [4] fornecer um meio de arrependimento àqueles que cometeram transgressões e dar a eles uma oportunidade de encontrar paz interior depois disso; [5] dar a todos os praticantes uma oportunidade de permanecer no Dharma e de fazer progresso firme; [6] ajudar aqueles que não têm fé a ter a fé; [7] ajudar aqueles que têm fé a aumentar sua fé, assim como o comprometimento com o buddhismo; [8] fornecer regras para a fala e comportamento para que todos os buddhistas tenham meios de se libertar do sofrimento; [9] fornecer meios para que os buddhistas atinjam a concentração meditativa depois de terem se libertado do sofrimento, e de fornecer os meios para impedir o sofrimento futuro; [10] dar ao buddhismo uma fundação para que possa existir por um longo tempo.

(Hsing Yün, Only a Great Rain)

O benefício dos quatro estilos de vida monástica [noviço, noviça, monge e monja] é que nessa situação você fica  livre da reviravolta e responsabilidade da vida familiar. Você portanto é capaz de se concentrar inteiramente nas atividades de meditação, estudo e ensinamento. Se você puder manter o estilo de vida monástico adequadamente, você garante uma vida virtuosa que é livre da acumulação de causas de sofrimento para si mesmo, e você também

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não causará sofrimento para os outros. Nos casos em que os indivíduos não querem ser monges, ou por alguma razão não podem ser monges, o estilo de vida recomendado é o de um upasaka ou leigo. Os leigos seguem um conjunto de votos mais simples e flexível. Ao invés de praticar o celibato, eles tomam o compromisso de seres fieis a seus cônjuges — em outras palavras, abandonar o adultério.

(Bardor Tulku Rinpoche, Living in Compassion)

Apesar do fato de dizerem que a princípio o Buddha se recusou a admitir mulheres na ordem monástica, logo ele consentiu no estabelecimento de uma comunidade de monjas composta por mulheres às quais foi concedida a ordenação completa [semelhante à dos monges]. Esses foram passos revolucionários para a sociedade hindu antiga. Naquele tempo, as mulheres eram consideradas propriedades em primeiro lugar de seus pais, depois de seus maridos e finalmente de seus filhos. O claro reconhecimento do Buddha de seu potencial para alcançar a liberação e a iluminação e o fato de tê-las incentivado em sua prática concedendo-lhes a ordenação completa foi notável na sociedade em que ele vivia.

(Thubten Chodron, O Que É Budismo)

Na escola Theravada, por exemplo, o Vinaya Pitaka é dividido em quatro partes:

Sutta-vibhanga (sânsc. Sutra-vibhanga): uma análise detalhada das origens e regras do Patimokkha, dividido Parajika (regras que requerem expulsões), Sanghadisesa (regras que requerem o encontro inicial e subseqüente da Sangha), Aniyata (regras indefinidas), Nissaggiya Pachittiya (regras que requerem confisco e confissão), Pacittiya (regras que requerem confissão), Patidesaniya (regras que requerem reconhecimentos), Sekhiya (regras de treinamento) e Adhikarana Samatha (regras para apaziguar disputas).

Khandhaka (sânsc. Skandhaka): suas vinte sessões estão divididas entre uma Divisão Maior (páli Maha-vagga) e uma Divisão Menor (sânsc. Chulla-vagga). A divisão maior inclui muitos textos semelhantes aos discursos do Sutta Pitaka, como histórias sobre o período seguinte à iluminação do Buddha, seus primeiros sermões aos cinco ascetas e históricas de como os grandes discípulos do Buddha entraram para a Sangha e atingiram a iluminação. Também inclui regras para a cerimônia ordenação monástica, para a recitação do Patimokkha em determinados dias do calendário lunar — o uposata — e os procedimentos para os monges. Já a divisão menor inclui as regras de etiqueta e os deveres dos monges, a história da ordem monástica feminina e detalhes dos dois primeiros concílios buddhistas.

Parivara: um apêndice com a recapitulação das seções anteriores, incluindo sumários de regras classificadas de várias maneiras.

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Sutra PitakaA palavra sutra (páli sutta) literalmente significa fio ou aforismo, e aqui se refere aos discursos de Buddha. Atualmente, a única versão completa do Sutra Pitaka está disponível em páli (o Sutta Pitaka), mas já existiram versões em sânscrito, prácrito, gandhari, chinês etc. A versão páli tem cerca de 17.000 sutras, cada um deles começando com as palavras Evam maya shrutam ekasminsamaye bhavagan... ("Assim eu ouvi: certa vez, o abençoado estava em...").

Uma das principais características de Buddha é que ele sempre adapta seu discurso à pessoa com quem está conversando. Sua cortesia nos argumentos resulta disto.

(A. K. Warder, Indian Buddhism)

Você não precisa se preocupar sobre quais palavras foram realmente proferidas pelo Buddha histórico ou não — ninguém pode provar isto de qualquer modo. Ao invés disso, mantenha em mente que os ensinamentos dos sutras têm sido praticados, com sucesso aparente, por incontáveis seguidores há quase 2.600 anos. Se você quiser saber quais ensinamentos realmente funcionam ou não, então estude os sutras, coloque seus ensinamentos em prática e descubra [seu funcionamento] em primeira mão, por si mesmo. [...]

[Os sutras] apresentam um mapa completo para guiar o seguidor, do seu presente estado de maturidade espiritual até a meta final. Não importa qual seja o seu estado atual — outsider cético, curioso, devoto praticante leigo, monja ou monge celibatário -- há algo nos sutras que irá ajudá-lo a progredir mais e mais no caminho para a meta. [...] Quando ler os sutras a respeito das experiências meditativas de outras pessoas, você pode começar a ter um sentimento do que você já realizou em sua própria prática, e do que ainda deve ser feito. Esta compreensão pode dar um poderoso ímpeto para você se aplicar ainda mais sinceramente aos ensinamentos. [...]

[Os sutras] demonstram belamente a notável habilidade de Buddha como professor: ele organiza seus ensinamentos de maneira clara, lógica e de maneira memorável, usando listas (as quatro nobres verdades, a senda óctupla, os cinco agregados etc.); ele engaja sua audiência no diálogo ativo, ajudando-a a revelar por si mesma os erros de entendimento; ele exprime seus pontos de vista usando comparações e representações que sua audiência possa compreender facilmente; e, mais significativamente, ele se conecta com a audiência tão efetivamente que ela é capaz de perceber por si mesma os resultados transcendentes que ele promete.

(John Bullit, Befriending the Suttas)

[O Buddha Shakyamuni] não montava em um elefante ou cavalo, nem andava de carroça, mas simplesmente andava descalço por toda a Índia. Acredito que, se algum de nós tivesse o visto ou tivesse o ouvido falar, não acharíamos suas palestras parecidas com discursos do modo como

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entendemos. Eram apenas uma simples conversa. Não era a conversa que era importante, mas sim toda a situação que ele criava. Não era porque havia atingido esse poder espiritual que ele dominava toda a cena, mas era sim devido ao fato de ele simplesmente estar sendo sincero — como qualquer um de nós poderia ser. Então, o ensinamento tinha sido transmitido antes que ele abrisse a boca. É por isso que descobrimos nos sutras que os deuses, os semideuses e todos os tipos de pessoas de diferentes partes da Índia iam aos ensinamentos, o viam e conversam com ele. Não tinham que fazer perguntas a ele, mas recebiam automaticamente as respostas. Esse é um exemplo maravilhoso de comunicação. Buddha nunca afirmou ser a encarnação de um deus ou de qualquer tipo de divindade. Ele era apenas um simples ser humano, que tinha passado por certas coisas e que tinha atingido o despertar da mente. [...]

Na vida de Buddha, podemos ver que ele nunca ensinou simplesmente com uma espécie de pomposa autoridade. Nunca usou sua autoridade como o Buddha, como o desperto. Nunca ensinou dizendo, "Você está errado e eu estou certo", apesar de, em algumas vezes, ter indicado qual é o caminho correto e qual é o errado. Usando meios hábeis, ele de certa forma encorajava sempre os debates entre os discípulos. Os discípulos sempre contribuíam com alguma coisa para o seu ensinamento e ele sempre se comunicava de certo modo e fazia certas perguntas, "É isso mesmo ou não é?" E o julgamento era deixado aos discípulos. Ele então dizia "Sim" ou "Não", mas, qualquer que fosse a resposta, Buddha apenas construía a partir dessa resposta. Assim, acontecia um processo contínuo de dar e receber.

(Chögyam Trungpa, Meditation in Action)

Os discursos do Buddha foram registrados em doze fatores (sânsc. anga):

discursos em prosa (sânsc. sutra); discursos mistos em prosa e verso (sânsc. geya); explicações, análises e profecias (sânsc. vyakarana); discursos em verso, poemas (sânsc. gatha); discursos inspirado pelo Buddha sem que ele tenha sido solicitado

(sânsc. udana); histórias e lendas que começam com a frase "Assim disse o

Bhagavan" (sânsc. ityukta, itivrittakam); histórias sobre as vidas passadas do Buddha (sânsc. jataka); ensinamentos extraordinários sobre fatos milagrosos e

maravilhosos (sânsc. adbhuta-dharma); explicações longas, detalhadas (sânsc. vaipulya);

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explicações preliminares de acordo com a origem (sânsc. nidana); contos, parábolas (sânsc. avadana); ensinamentos essenciais e concludentes (sânsc. upadesha).

A escola Theravada não cita os três últimos tipos de textos. Seu conjunto de discursos, o Sutta Pitaka, é composto por cinco coleções (páli nikaya, sânsc. agama):1. Coleção Longa (páli Digha Nikaya, sânsc. Dirghagama): 34 discursos agrupados em três divisões (páli vagga) — a Divisão Relativa à Moralidade (páli Silakkhandha Vagga), com 13 suttas; a Grande Divisão (páli Maha Vagga), com 10 suttas; e a Divisão Patika (páli Patika Vagga) com 11 suttas. A coleção inclui o Grande Discurso sobre os Fundamentos da Atenção (páli Maha Satipatthana Sutta), o Discurso sobre os Frutos da Vida Contemplativa (páli Samannaphala Sutta) e o Grande Discurso sobre a Liberação Final (páli Maha Parinibbana Sutta). A tradução chinesa do Dirghagama da escola Dharmaguptaka possui 30 discursos. 2. Coleção Média (páli Majjhima Nikaya, sânsc. Madhyamagama): 152 discursos, incluindo o Discurso sobre Todas Máculas (páli Sabbasava Sutta), o Discurso Curto Sobre a Exposição da Ação (páli Chulakammavibhanga Sutta), o Discurso da Atenção sobre a Respiração (páli Anapanasati Sutta), o Discurso da Atenção sobre o Corpo (páli Kayagatasati Sutta) e o Discurso sobre Angulimala (páli Angulimala Sutta). A versão chinesa, da escola Sarvastivada, possui 222 discursos. 3. Coleção Agrupada (páli Samyutta Nikaya, sânsc. Samyuktagama): 2.889 discursos curtos, agrupados em 56 samyuttas, grupos de tópicos similares. A versão chinesa, da escola Sarvastivada, possui cerca de 1.300 discursos. 4. Coleção Numérica (páli Anguttara Nikaya, sânsc. Ekottarikagama): 8.777 discursos cursos, agrupados em 11 nipatas de acordo com o número de tópicos abordados em cada um deles. Por exemplo, o Livro dos Uns (páli Eka Nipata) contém discursos sobre um único tópico; o Livro dos Dois (páli Duka Nipata) contém discursos sobre dois tópicos e assim por diante. Há uma tradução chinesa de um Ekottarikagama que provavelmente pertenceu à escola Mahasanghika. 5. Coleção de Livros Curtos (páli Khuddaka Nikaya, sânsc. Kshudrakagama): 15 livros curtos, sendo 17 na tradição tailandesa e 18 na birmanesa. Inclui o Caminho do Ensinamento (páli Dhammapada), os Versos das Monjas Idosas (páli Therigatha), os Versos dos Monges Idosos (páli Theragatha), o Coleção de Discursos (páli Sutta Nipata) e o Jataka (contos das vidas passadas do Buddha). Alguns itens

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do Kshudrakagama existem em chinês e tibetano, incluindo três versos do Dhammapada em idioma chinês. Nem todos os discursos em páli possuem equivalentes em sânscrito.

Abhidharma Pitaka (Matrika Pitaka)Abhidharma (páli Abhidhamma) é o ensinamento superior ou ensinamento especial sobre os assuntos filosóficos, psicológicos e metafísicos dos discursos de Buddha. Seu objetivo é analisar todos os fenômenos (sânsc. dharma, páli dhamma), os elementos que constituem a realidade. Sua origem histórica e sua integração ao cânone buddhista ainda causa muitas controvérsias. Ao contrário do Vinaya Pitaka e do Sutta Pitaka, o Abhidharma dificilmente teria sido composto pelo próprio Buddha.Segundo uma das versões sobre a origem do Abhidharma, ele teria sido exposto pelo Buddha Shakyamuni para sua mãe, Maya-devi, que tinha renascido no reino dos deuses (sânsc. devas). O Buddha teria permanecido durante três meses humanos em Tavatimsa, o paraíso dos trinta e três deuses. A relação de tópicos (sânsc. matrika, páli matika) destes ensinamentos teriam sido transmitidos pelo Buddha a um de seus grandes discípulos, o monge Shariputra. Finalmente, Shariputra teria compilado e transmitido estes tópicos aos seus discípulos.

Aparentemente, o Abhidharma propriamente dito surgiu ou foi construído ao redor dos matrika — isto é, listas de conceitos técnicos, originalmente servindo como dispositivos mnemônicos para memorizar ensinamentos. (É neste sentido que o [termo] Abhidharma poderia ser entendido [ou traduzido] como "auxiliar para o Dharma".) Por exemplo, a lista ubíqua de 37 bodhipakshita-dharmas ou "ensinamentos que são requisitos para o despertar" pode ter sido um exemplo antigo, dado pelo próprio Buddha. Temos um outro exemplo antigo desta tendência no Sangiti Sutta onde Shariputra, que é tradicionalmente associada com a origem do Abhidharma, recita listas de ensinamentos organizados de acordo com o número. Acima de tudo, o Abhidharma representa a tentativa de extrair dos discursos do Buddha uma relação coerente e compreensiva de ensinamentos. [...] É na seção Abhidharma do Tripitaka que a maior divergência entre as escolas torna-se aparente, já que diferentes escolas tinham sua própria e única coleção de Abhidharma. Como eram trabalhos sistemáticos de exposição e arranjo, os compiladores muitas vezes empregaram ou expuseram as teorias características que suas próprias escolas mantinham, e assim de tentaram refutar as teorias concorrentes de outras escolas.

(Andrew Skilton, A Concise History of Buddhism)

O Ashokavadana, um texto posterior da tradição Sarvastivada, afirma que após a recitação do Sutra Pitaka e do Vinaya Pitaka, o monge Mahakashyapa recitou esta compilação de ensinamentos especiais sob o

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nome de Matrika Pitaka (páli Matika Pitaka), constituído pelos trinta e dois fatores associados à iluminação (sânsc. bodhi-pakkhiya-dhamma). Esta compilação gradualmente foi sendo reconhecida como um "ensinamento superior", ou abhidharma, devido à sua sofisticação em relação ao Vinaya Pitaka e ao Sutra Pitaka. Segundo os sarvastivadins, o Abhidharma é resultado de vários autores e não apenas do monge Shariputra. As escola Sthaviravada e o Mahasanghika, apesar de aceitarem o Abhidharma, não mencionavam a sua recitação durante o primeiro concílio. Já a escola Sautrantika, descendentes da Sthaviravada, nem mesmo reconhecia o Abhidharma como um ensinamento autêntico. As escolas Haimavata e Kashyapiya afirmavam que o Abhidharma teria sido recitado durante o primeiro concílio, mas não diziam por quem. Segundo a escola Dharmaguptaka, foi o monge Ananda que teria recitado estes ensinamentos juntamente com os sutras.A escola Theravada reconhece o Abhidharma como um ensinamento legítimo do Buddha. Como muitas doutrinas errôneas estavam sendo difundidas, o monge Moggaliputta Tissa (século III a.C.) compôs os Pontos de Controvérsia (páli Kathavatthu) para elucidar questões importantes. O monge Buddhaghosa (século III-IV) afirmou que este livro pode ser considerado como palavra do Buddha porque ele não o teria desenvolvido com suas próprias idéias, mas sim a partir dos ensinamentos do Buddha que foram compilados no Matika Pitaka (isto é, no Abhidhamma Pitaka). Por isso, durante o durante o terceiro concílio (244 a.C.), ele passou a ser um dos livros do Matika Pitaka da escola Theravada. Apenas então, graças ao trabalho de Buddhaghosa, é que o cânone da escola páli tomou sua forma definitiva.Atualmente, há duas versões conhecidas do Abhidharma: a da escola Theravada em páli e a da escola Sarvastivada em sânscrito. Existem textos em chinês que pertenceram aos Abhidharma Pitakas das extintas escolas Mahasanghika, Pudgalavada e Dharmaguptaka.

[O Abhidharma] oferece uma análise extraordinariamente detalhada dos princípios básicos que governam o comportamento dos processos mentais e físicos. Enquanto os Sutra e o Vinaya são caracterizados pelos seus ensinamentos práticos quanto ao caminhos buddhista para o despertar, o Abhidharma apresenta uma análise filosófica — e quase científica — das bases do próprio caminho. Na filosofia do Abhidharma, o familiar universo psicofísico (nosso mundo de "árvores" e "rochas", "eu" e "você") é reduzido a uma complexa — porém compreensível — teia de fenômenos impessoais que surgem e desaparecem em um passo inconcebivelmente rápido, de momento a momento, de acordo com as leis naturais claramente definidas. [...] De acordo com uma tradição, a essência da filosofia do Abhidharma foi formulada pelo Buddha durante a quarta semana seguinte à sua iluminação, apesar dos eruditos debaterem sobre sua autenticidade como um trabalho do próprio

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Buddha. Independente de sua autoria, porém, o Abhidharma é uma façanha monumental  do gênio intelectual.

(John Bullit, The Abhidhamma Pitaka) 

O Abhidhamma Pitaka ou Matika Pitaka, a versão páli da escola Theravada, é composta por sete livros:

Enumeração dos Fenômenos (Dhammasangani): enumera todos as realidades últimas (páli paramattha dhamma) encontradas no mundo, incluindo: 52 fatores mentais (páli chetasika) que originam 89 tipos de estados de consciência (páli chitta); 4 elementos físicos primários (terra, água, fogo, ar) e 23 fenômenos físicos deles derivados; e o nirvana (páli nibbana).

Livro dos Tratados (Vibhanga): continua a análise do livro anterior, classificando detalhadamente 16 tópicos em forma de catecismo;

Discussão dos Elementos (Dhatukatha): uma continuação do Vibhanga, com perguntas e respostas sobre os elementos da realidade;

Descrição dos Indivíduos (Puggalapannati): análise de diferentes tipos de personalidade;

Pontos de Controvérsia (Kathavatthu): são as 219 perguntas e respostas compiladas pelo monge Moggaliputta Tissa para clarificar pontos de controvérsia entre as várias escolas Hinayana da época;

Livro dos Pares (Yamaka): uma análise lógica e clara de muitos conceitos buddhistas;

Livros das Relações Causais (Patthana): uma discussão sobre a interdependência, descrevendo as 24 leis da condicionalidade (páli pachchaya) através das quais os fenômenos se interagem. 

O Abhidharma Pitaka ou Matrika Pitaka, a versão em sânscrito da escola Sarvastivada, também é composta por sete livros que teriam sido compilados por sete arhats. Entretanto, há seções consideravelmente diferentes da versão em páli:

Assentamento da Sabedoria (Jnanaprasthana), de Katyayaniputra: define vários termos dos ensinamentos;

Base da Exposição (Prakaranapada), de Vasumitra: discussão de diversos elementos e de dez elementos mentais;

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Discussão sobre a Consciência (Vijnanakaya), de Devasharman: contém as doutrinas da escola Sarvastivada sobre os fenômenos e não-ego;

"Amontoado" de Elementos (Dharmaskandha), de Shariputra: é idêntico ao Vibhanga da versão páli;

Tratado sobre as Descrições (Prajnaptishastra), de Maudgalyayana: um tratado sobe cosmologia e elementos mentais;

Discussão sobre os Elementos (Dhatukaya), de Purna: praticamente idêntico ao Dhatukatha da versão páli;

Recitações do Ensinamento (Sangitiparyaya), de Mahakaushthila (ou Shariputra): um comentário sobre o Sangiti Sutra.

refúgio nas três jóiasO Buddha, o Dharma e a Sangha são os três tesouros, três jóias ou jóia tríplice (sânsc. triratna, páli tiratana) do buddhismo, também chamadas de três refúgios (sânsc. trisharana, páli tisarana). O Buddha, ou Iluminado, é o professor, o mestre que nos guia no caminho para a iluminação. Seus ensinamentos, ou Dharma, são o caminho pelo qual trilhamos. Aquelas pessoas que nos acompanham durante a jornada formam a Sangha, a comunidade de praticantes que seguem os ensinamentos de Buddha. Eles são considerados refúgios raros e sublimes porque apóiam e protegem os seres de forma imparcial. No buddhismo não há fé cega, mas sim um sentimento de reverência fundamentada na sabedoria.O Buddha não era um deus, um profeta ou um intermediador entre a humanidade e alguma "existência superior". Ele foi um ser humano como todos nós, que superou a ignorância através da meditação e alcançou o despertar. Sua iluminação trouxe benefícios não apenas para ele mesmo, mas para todos os seres. Como seu mérito e sabedoria são ilimitados, sua virtude também é ilimitada. Todos os seres têm o potencial de alcançar a iluminação e podem atingi-la através da prática

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do Dharma. Aqueles que fazem isto formam a Sangha, a comunidade buddhista.É possível estabelecer um paralelo entre os três objetos de refúgio com os três treinamentos superiores do caminho buddhista: concentração (sânsc. e páli samadhi), sabedoria (sânsc. prajna, páli panna) e ética (sânsc. shila, páli sila). O Buddha conecta as emoções à prática da concentração, acalmando a mente e fazendo surgir a fé. O Dharma conecta o intelecto à prática da sabedoria, trazendo o entendimento que transcende a ignorância. Finalmente, a Sangha conecta a vontade à ética, fazendo surgir a conduta pura. Nos templos, a presença do Buddha é simbolicamente representada pelas estátuas e pinturas; o Dharma é representado pelos textos; e a Sangha é representada pelos praticantes.

A uns tantos refúgios as pessoas vão quando elas são tomadas de medo — às montanhas e florestas, aos jardins, árvores e santuários. Estes, na verdade, não são um refúgio seguro, não são o melhor refúgio; o homem não se liberta de todos os males tendo vindo a este refúgio. Aquele que tenha ido ao Buddha, ao Dharma e à Sangha como refúgio vêm com sabedoria plena as quatro nobres verdades — o sofrimento, a origem do sofrimento, a cessação do sofrimento e o nobre caminho que conduz à cessação do sofrimento. Este, na verdade, é um refúgio seguro, este é o melhor refúgio; o homem se liberta de todos os males tendo vindo a este refúgio. É difícil achar um homem de estirpe nobre; ele não nasce em qualquer lugar; onde quer que tal sábio nasça, esta casa prospera feliz. Feliz é o aparecimento de um Buddha; feliz é o ensinamento do bom Dharma; feliz é a unidade da Sangha; feliz é a devoção dos que vivem em harmonia. Aquele que honra os que merecem honra, sejam buddhas ou discípulos — estes que superam os males e escapam da dor e da lamentação — aquele que honra aos libertos e destemidos, seu mérito [é tão grande que] não pode ser calculado por ninguém.

(Dhammapada 188-196)

O Buddha, o puro, cuja compaixão é profunda como o oceano, possuidor do olho do conhecimento imaculado e maravilhoso, o destruidor das impurezas do mundo — eu saúdo o Buddha com toda a devoção. O Dharma ensinado pelo mestre, como uma lâmpada, discernindo o caminho e seu fruto, o imortal, ilumina o que está para além do mundo condicionado — eu saúdo o dharma com toda a devoção. A Sangha, o mais fértil campo para o cultivo, aqueles que conhecem a verdadeira paz, iluminados pelo sublime, que abandonaram toda a agitação, nobres dotados da bela sabedoria — eu saúdo a Sangha com toda a devoção.

(Ratanattayappanama Gatha, citado no Livro das Devoções)

Ele é, de fato, o bem-aventurado, o cumpridor, o completa e plenamente desperto, dotado de sabedoria e virtuosa conduta, que seguiu pelo bom caminho, conhecedor dos mundos, treinador incomparável dos homens a serem treinados, mestre dos deuses e dos homens, desperto, bem-aventurado. Ao Buddha, por toda a vida, até o nirvana, eu vou como refúgio. Aos buddhas do passado, aos buddhas do futuro e aos buddhas

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do presente, homenagem eu presto sempre. Para mim não há outro refúgio, o Buddha é meu refúgio incomparável.

(Buddhabhithuti, citado no Livro das Devoções)

O Dharma bem exposto pelo bem-aventurado, visível aqui e agora, não limitado pelo tempo, que convida a vir e ver, que leva ao interior, para se experienciado pessoalmente pelo sábio — ao Dharma, por toda a vida, até o nirvana, eu vou como refúgio. Aos Dharmas do passado, aos Dharmas do futuro e aos Dharmas do presente, homenagem eu presto sempre. Para mim não há outro refúgio, o Dharma é meu refúgio incomparável.

(Dhammabhithuti, citado no Livro das Devoções)

A comunidade de discípulos do bem-aventurado que pratica completamente, a comunidade de discípulos do bem-aventurado que pratica corretamente, a comunidade de discípulos do bem-aventurado que pratica sabiamente, a comunidade de discípulos do bem-aventurado que pratica apropriadamente; a saber, os quatro pares de seres nobres, os oito estágios individuais de realização. Estes, de fato, são a comunidade de discípulos do bem-aventurado. Merecedora de oferendas, merecedora de grande respeito; ela é um incomparável campo de méritos neste mundo. À Sangha, por toda a vida, até o nirvana, eu vou como refúgio. Às Sanghas do passado, às Sanghas do futuro e às Sanghas do presente, homenagem eu presto sempre. Para mim não há outro refúgio, a Sangha é meu refúgio incomparável.

(Sanghabhithuti, citado no Livro das Devoções)

O praticante se torna um "buddhista" a partir do momento em que expressa uma determinação interior de "tomar o refúgio" na jóia tríplice: o Buddha (tanto o Buddha histórico como o potencial de cada um de alcançar a Iluminação), o Dharma (tanto os ensinamentos do Buddha histórico e a verdade última que eles revelam) e a Sangha (tanto a comunidade monástica que protegeu os ensinamentos e os colocou em prática desde os tempos do Buda e, todos aqueles que alcançaram algum grau de Iluminação). Tendo fincado firmemente os pés no solo através da tomada do refúgio e, com o auxílio de um bom amigo [espiritual] para ajudar a indicar o caminho, a pessoa está pronta para trilhar o caminho, confiante de que estará seguindo as pegadas deixadas pelo próprio Buda.

(O que é o Budismo Theravada)

Se o mérito de se tomar refúgio tomasse uma forma física, todo o espaço, inteiramente preenchido, não seria suficiente para contê-lo.

(Vimala Sutra)

Tomar refúgio no Buddha, no Dharma e na Sangha é uma prática fundamental no buddhismo. Estes são valores universais que transcendem os limites sectários e culturais. Quando estamos no ventre de nossa mãe, nos sentimos seguros, protegidos do calor, do frio, da fome e de outras dificuldades. Procurar refúgio significa procurar por um lugar como aquele que é seguro, um lugar em que podemos confiar. A fé, no buddhismo, não significa aceitar uma teoria que não verificamos

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pessoalmente. O Buddha nos encorajou a ver por nós mesmos. Tomar refúgio nas Três Jóias não é fé cega; é o fruto de nossa prática. Primeiro, nosso Buddha pode ser um livro que lemos, nosso Dharma pode ser algumas palavras encorajadoras que ouvimos, e nossa Sangha pode ser uma comunidade que visitamos uma ou duas vezes. Mas quando continuamos a praticar, o Buddha, o Dharma e a Sangha revelam-se para nós mais completamente.

(Thich Nhat Hanh, The Heart of the Buddha's Teachings)

O Buddha é semelhante a alguém que andou por uma certa estrada e, pelo fato de ter alcançado o destino final, conhece o percurso e é capaz de nos mostrar o caminho. A estrada em si é o Dharma. E aqueles com quem viajamos, aqueles que nos oferecem apoio e em quem confiamos, formam a Sangha. Ao tomar refúgio, seguimos os passos daqueles que nos precederam no caminho da iluminação.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

Algumas pessoas podem se perguntar se é suficiente tomar os votos de refúgio apenas uma vez. Se tomamos estes votos e os mantemos, de certo modo isto é suficiente. Por outro lado, tomar estes votos é como comer: precisamos comer a cada dia para sustentar nossa saúde. Do mesmo modo, até atingirmos a iluminação perfeita, é muito importante continuar a tomar estes votos de refúgio e mantê-los.

(Citado por Gyatrul Rinpoche em Naked Awareness)

Tomar refúgio é o fundamento de todas as práticas. Simplesmente por tomar refúgio, você planta a semente da iluminação dentro de si mesmo. Você se distancia de todas as ações negativas que acumulou e desenvolve mais e mais ações positivas. Tomar refúgio é o suporte de todos os votos, a fonte de todas as boas qualidades. Definitivamente, o refúgio o conduzirá ao estado búddhico e, enquanto isso, ele assegurará a você a proteção dos deuses benfeitores e a realização de tudo que você deseja; você nunca se separará da companhia das três jóias; você se lembrará deles de vida a vida e encontrará felicidade e bem-estar nesta existência presente e nos renascimentos futuros. Seus benefícios são ditos como sendo imensuráveis. [...] Não há maneira melhor de dissipar os males desta vida do que tomar refúgio, do fundo do coração, nas três jóias, e em vidas futuras isso trará a liberação e a onisciência. É difícil até mesmo mencionar todos os benefícios do refúgio.

(Patrül Rinpoche, The Words of My Perfect Teacher)

O buddhismo não alega que o Buddha é magnífico por ser plenamente iluminado e que, como o Dharma foi ensinado pelo Buddha, devemos ter fé nele. Pelo contrário, o enfoque seguido consiste em desenvolver, em primeiro lugar, admiração pelo Dharma com base numa apreciação do valor do caminho espiritual. Isso deve surgir por meio de uma compreensão mais profunda dos principais ensinamentos, decorrente do raciocínio e da experiência pessoal. Somente então, a partir daí, deveríamos desenvolver uma admiração pelo Buddha, como a pessoa que ensinou e encarnou o Dharma. Logo, a validade do Buddha como mestre espiritual é confirmada pela validade do que ele ensinou.

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(Dalai Lama, Transformando a Mente)

Em um sentido, os Buddhas são o refúgio último porque são eles que dão os ensinamentos. Mas realmente o refúgio último é o Dharma que eles ensinam, por é através do estudo e prática dos ensinamentos que nós obtemos a iluminação e a proteção contra o sofrimento. O Dharma aqui tem dois significados: a transmissão dos ensinamentos, que devem ser estudados e masterizados; e a transmissão da realização, que é obtida através da prática. É através da aplicação dos métodos do Dharma que removemos as falhas, aumentamos as forças e damos nascimento ao insight e conhecimento dos quais nos beneficiamos por causa da existência dos Iluminados. Assim, o Dharma é objeto imediato de refúgio e os Buddhas e a Sangha são os mestres e amigos no caminho.

(Dalai Lama, Path to Enlightenment)

A atividade do Buddha é dar os ensinamentos e mostrar o caminho. A atividade ou função do Dharma é eliminar os sofrimentos e as suas causas, as ilusões. A função da Sangha é tornar prazeroso o entendimento da prática deste Dharma. [...] Os Buddhas, os totalmente iluminados, são inconcebíveis; o Dharma, o ensinamento deles, é inconcebível; e a Sangha também é inconcebível. Portanto, se você desenvolver uma fé inconcebível, o resultado também será inconcebível. Está dito nas escrituras que se os benefícios de se refugiar nas três jóias pudessem se tornar visíveis, todo o universo seria pequeno demais para contê-los, assim como os grandes oceanos não podem ser medidos com as suas mãos. Tendo em mente estes grandes benefícios, você deveria alegrar-se com a oportunidade de fazer oferendas às três jóias e de refugiar-se nelas. Você será capaz de aliviar as influências de ações negativas cometidas, além de obstruções kármicas. Todas elas serão eliminadas e você será considerado como um ser sublime.

(Dalai Lama, O Caminho para a Liberdade)

Tomar refúgio significa acreditarmos sinceramente que as três jóias nos inspirarão e indicarão um rumo construtivo e benéfico em nossas vidas. Não significa aceitarmos passivamente a proteção de Buddha, Dharma e Sangha, mas sim um processo construtivo por meio do qual nos movemos na direção indicada, melhorando dessa forma a qualidade de nossas vidas. Quando as pessoas tomam refúgio, deixam clara para si mesmas a direção que estão seguindo na vida, quem as está guiando e quem são seus companheiros no caminho. Isso elimina a indecisão e a confusão que surgem da incerteza em relação ao caminho espiritual. Algumas pessoas procuram a espiritualidade em lojas: na segunda-feira usam cristais; na terça, canais de energia; na quarta, meditação hindu; na quinta, hatha yoga; na sexta, cura holística; no sábado, meditação buddhista e no domingo, cartas de tarô. Elas aprendem muito sobre várias coisas, mas seu apego, sua raiva e sua intolerância não mudam muito. Tomar refúgio é decidirmos claramente qual é nosso caminho principal. Contudo, é possível praticar os ensinamentos do Buddha e se beneficiar com eles sem tomar refúgio ou se tornar buddhista. [...]

[S]e vamos a um lugar distante de onde moramos, podemos levar uma fotografia de nossos familiares para nos lembrarmos melhor deles. Quando olhamos para a fotografia e sentimos amor por nossa família, não estamos amando o papel e a tinta da fotografia. A fotografia só

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fortalece nossa lembrança. É isso que ocorre com uma estatueta ou um retrato do Buddha. Quando nos curvamos diante de imagens do Buddha, nós nos lembramos das qualidades dos seres iluminados e mostramos respeito por seu amor igual por todos os seres, sua compaixão, sua generosidade, sua conduta ética, sua paciência, seu esforço feito de bom grado, sua concentração e sua sabedoria. A estatueta ou o retrato nos faz lembrar das qualidades dos Buddhas e nos curvamos diante deles, não da argila. De fato, não precisamos ter uma figura do Buddha diante da qual nos curvar. Podemos nos lembrar de suas qualidades e ter respeito sem isso. O respeito pelo Buddha e por suas qualidades nos inspira a desenvolver essas qualidades extraordinárias. Nós nos tornamos como as pessoas que respeitamos, por isso quando tomamos como exemplo a bondade e a sabedoria dos Buddhas, tentamos imitá-las.

(Thubten Chodron, O Que É Budismo)

No início do buddhismo, os praticantes tomavam refúgio apenas no Buddha e no Dharma. Conforme a comunidade monástica foi se estruturando, a Sangha também passou a ser um objeto de refúgio — os primeiros sessenta monges ordenados pelo Buddha difundiam seus ensinamentos entre as pessoas. Algumas tradições, como o Theravada e o Ch'an, utilizam o termo Sangha para se referir apenas à comunidade monástica. Os theravadins usam a palavra Parisa quando se referem à comunidade buddhista como um todo, incluindo os monges e os praticantes leigos, não-ordenados. Outras tradições, como o Zen e as escolas do Vajrayana, usam a palavra Sangha para se referir tanto à comunidade monástica quanto aos praticantes leigos.Refugiar-se nas três jóias é o primeiro passo do caminho buddhista. Isto ocorre durante uma cerimônia formal conduzida por um mestre ou professor qualificado de uma tradição autêntica, no qual o praticantes repete três vezes o compromisso de seguir o Buddha como mestre, o Dharma como caminho a Sangha como companhia. Geralmente o professor concede um nome de refúgio, cujo significado representa algum aspecto dos ensinamentos. Os detalhes da cerimônia variam de acordo com as diversas tradições, mas a essência é sempre a mesma.

O buddhismo não defende a fé no sentido de acreditar em algo porque está escrito em um livro ou é atribuído a algum profeta, ou ensinado a você por uma autoridade. O significado aqui é mais próximo de confiança. Sabe-se que algo é verdadeiro porque você viu que funciona, observou isto dentro de si mesmo. [...] O Buddha era considerado, em seus dias, alguém "do contra". Ele nasceu numa sociedade ritualizada ao excesso; e suas idéias pareceram completamente iconoclastas para a hierarquia estabelecida naquela época. Em numerosas ocasiões, o Buddha desaprovou o uso de rituais por si mesmos, e era muito claro a esse respeito. Isto não significa, porém, que não haja utilidade para os rituais, e sim que os rituais, em si mesmos, realizados estritamente por sua própria razão de ser, não serão capazes de nos salvar da armadilha; de fato, sua própria realização faz parte da armadilha. Se você acreditar que a mera recitação de palavras irá salvá-lo, então estará apenas

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aumentando sua dependência em relação a palavra e conceitos. Isto o afastará, ao invés de aproximá-lo, de uma percepção da realidade que se situa para "além das palavras". Por isso, as fórmulas que se seguem devem ser praticadas com uma compreensão clara do que são e de como funcionam.

(Bhante Gunaratana, Meditação para Todos)

Buddha considerou os rituais e a prisão às regras dos costumes como um dos maiores obstáculos no caminho para a liberação. A ênfase, contudo, não está tanto nos rituais e regas dos costumes, mas antes na dependência e apego em relação a eles. Logo nas primeiras sociedades buddhistas havia cerimônias ritualísticas que era expressão da fé ou da tradição. Tais formas existiam, por exemplo, durante a cerimônia de ordenação [monástica], quando se escolhia, para esse propósito, um local sagrado especial. Esses ritos eram executados com a exclusão de todos aqueles que não pertencessem aos monges da Sangha [comunidade monástica]. Havia, do mesmo modo, cerimônias especiais puja e paritta (estas últimas era celebradas com o objetivo da proteção da saúda e da mente). Sempre que nos apegamos a alguma coisa — mesmo que, de qualquer modo, seja bom — esta se transforma em uma prisão que impede nosso progresso em direção à liberdade. [...]

Em vista disto, os rituais e as regras dos costumes são aceitáveis quando praticados no seu verdadeiro espírito, ou seja, com total compreensão e clareza de consciência. Se celebramos um ritual somente por uma questão de rotina ou por estar determinado pela tradição ou convenção, este será não só inútil como também um obstáculo no caminho para o verdadeiro progresso. Se, no entanto, um ritual for celebrado conscientemente e com total compreensão do seu sentido, tornar-se-á um ato de meditação — uma meditação que foi exteriorizada e transformada em ação. Ao oferecermos luz a Buddha, não deveremos pensar que prestamos um favor a ele, mas que fazemos algo em nosso próprio benefício e dos nossos semelhantes. é uma expressão da nossa aspiração intrínseca à iluminação, na verdade para nós próprios, assim como para todo o mundo. O mesmo vale também para o incensório e outras oferendas, que exprimem nossa gratidão, dedicação e a disposição de seguir os passos do iluminado para despertar as virtudes da iluminação em nós ainda adormecidas.

(Lama Anagarika Govinda, Reflexões Budistas)

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O voto de refúgio serve de base para todos os outros votos do buddhismo. Por exemplo, os preceitos que devem ser observados por um praticante leigo (sânsc. e páli upasaka) ou por um monge (sânsc. bhikshu, páli bhikkhu) completamente ordenado também estão enraizados no voto de refúgio.

Em páli: Buddham Saranam GachchamiDhammam Saranam GachchamiSangham Saranam Gachchami

Em sânscrito:

Namo Buddha YaNamo Dharma YaNamo Sangha Ya

Em português:

Eu tomo refúgio no IluminadoEu tomo refúgio no EnsinamentoEu tomo refúgio na Comunidade

As seis lembrançasAs seis lembranças incluem as três jóias — o Buddha, o Dharma, a Sangha — e mais três recordações: a moralidade, a generosidade e os deuses. Elas são chamadas de "lembranças" porque representam fontes de grandes virtudes e sempre devem ser recordadas pelos praticantes.

[1] Entre aqueles que estão em desarmonia, o discípulo dos nobres permanece em harmonia; entre aqueles que são maldosos, ele permanece sem maldade; tendo alcançado a correnteza do Dharma, ele desenvolve a recordação do Buddha. [...]

[2] Entre aqueles que estão em desarmonia, o discípulo dos nobres permanece em harmonia; entre aqueles que são maldosos, ele permanece sem maldade; tendo alcançado a correnteza do Dharma, ele desenvolve a recordação do Dharma. [...]

[3] Entre aqueles que estão em desarmonia, o discípulo dos nobres permanece em harmonia; entre aqueles que são maldosos, ele permanece sem maldade; tendo alcançado a correnteza do Dharma, ele desenvolve a recordação da Sangha. [...]

[4] Entre aqueles que estão em desarmonia, o discípulo dos nobres permanece em harmonia; entre aqueles que são maldosos, ele permanece sem maldade; tendo alcançado a correnteza do Dharma, ele desenvolve a recordação da moralidade. [...]

[5] Entre aqueles que estão em desarmonia, o discípulo dos nobres permanece em harmonia; entre aqueles que são maldosos, ele permanece sem maldade; tendo alcançado a correnteza do Dharma, ele desenvolve a recordação da generosidade. [...]

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[6] Entre aqueles que estão em desarmonia, o discípulo dos nobres permanece em harmonia; entre aqueles que são maldosos, ele permanece sem maldade; tendo alcançado a correnteza do Dharma, ele desenvolve a recordação dos deuses.

(Mahanama Sutta, Anguttara Nikaya XI.12)

O vitorioso proclamou as seis lembranças: o Buddha, o Dharma, a Sangha, a generosidade, a moralidade e os deuses. Recordem cada uma de suas várias virtudes.

(Nagarjuna, Suhrlekkha)

Os vitoriosos [Buddhas] são aqueles que triunfaram, por completo, sobre todo o mal. As seis lembranças — o Buddha e os demais — proclamadas pelo Senhor Buddha devem ser rememoradas constantemente, à cada dia. Como se faz isto? Recordando e trazendo à mente a multiplicidade de boas qualidades pertinentes ao Buddha e às demais lembranças, conforme estabelecidas nos sutras.

[1] Das seis lembranças, as virtudes do Buddha são as seguintes: "O Buddha é o abençoado, aquele que foi assim, o vencedor, o plenamente iluminado, dotado do conhecimento e do seu fundamento, o bem-sucedido, conhecedor do mundo, líder espiritual dos disciplináveis e mestre de deuses e homens". [...]

[2] As virtudes do Dharma são as seguintes: "O Dharma do abençoado é bem-afirmado, capaz de ver com correção, isento de males, eterno, possuidor da transmissão correta, digno de contemplação e próprio para ser compreendido pelos sábios por meio da experiência pessoal". [...]

[3] As virtudes da Sangha são as seguintes: "A Sangha — aqueles que ouvem o abençoado — é virtuosa em sua conduta, reta em sua conduta, adequada em sua conduta e decorosa em sua conduta". [...]

[4] As virtudes da generosidade são as seguintes: [...] abandonar a impureza da ganância, possuir natureza generosa, empreender esforço físico, oferecer objetos e fazer tudo isso com alegria.

[5] As virtudes da moralidade são expressas da seguinte forma: "Minha moralidade é inquebrantável, sem falha, sem conspurcação, sem mancha, autocontrolada, louvada pelos sábios e conduz à realização da concentração meditativa." [...]

[6] A recordação dos deuses consiste em termos presente as qualidades que fizeram com que [os deuses] renascessem nesses estados celestiais, e em emulá-las em nossas práticas meditativas e morais.

(Rendawa Shönnu Lodrö, Sphutartha)

As três marcas

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Buddha caracterizou todos os fenômenos condicionados (sânsc. samskrita dharma, páli sankhate dhamma), ou seja, todas as coisas da existência cíclica (sânsc. e páli samsara), com três marcas ou selos (sânsc. trilakshana, páli tilakkhana): impermanência, sofrimento e não-eu. Existem diversas linhagens e escolas de pensamento no buddhismo; toda escola filosófica que adote estes axiomas é considerada buddhista. Em termos de tempo, as coisas são impermanentes; a compreensão completa da impermanência leva ao estado de liberação sem sinais. Em termos de qualidade, as coisas são insatisfatórias, sofrimento; a compreensão completa do sofrimento leva ao estado de liberação sem desejo. Finalmente, em termos de espaço, as coisas são insubstanciais, não-eu; a completa compreensão do não-eu leva ao estado de liberação da vacuidade. Os mestres da tradição Vajrayana adicionam uma quarta marca: o estado de liberação (sânsc. nirvana, páli nibbana) está além dos extremos, está além da impermanência e do sofrimento. Nas tradições Ch'an e Zen — baseadas nos textos da Coleção Agrupada (sânsc. Samyuktagama) do buddhismo Mahayana e no Tratado sobre a Grande Perfeição da Sabedoria (sânsc. Maha-prajna-paramita Shastra) escrito pelo monge indiano Nagarjuna (séc. II-III) —, as três marcas da existência são a impermanência, o não-eu e a liberação. Nestas tradições, o sofrimento é citado apenas no contexto das quatro nobres verdades e não como uma das três marcas.Para demonstrar as três marcas, o Buddha perguntou aos seus discípulos:

"Monges, o que vocês pensam? A forma material é permanente ou impermanente?""Impermanente, venerável senhor.""Aquilo que é impermanente traz o sofrimento ou a felicidade?""Sofrimento, venerável senhor.""É adequado que aquilo que é impermanente, que traz o sofrimento e que está sujeito à mudança, seja considerado desta forma: 'Isto é meu, isso sou eu, esse é o meu eu'?""Não venerável senhor."

(Mahapunnama Sutta, Majjhima Nikaya CIX.15)

Todas as coisas condicionadas são impermanentes. Todas as coisas, quaisquer que sejam, não são "eu". Todos nós somos presos pelo nascimento, envelhecimento e morte, pelo pesar, lamento, dor, desgosto e aflição; somos presos pela insatisfação e aflitos pela insatisfação. Possamos nós, nesta própria vida, completar a extinção de toda esta massa de sofrimento.

(Samvegaparikittanapatha, citado no Livro das Devoções)

A vigilância vê a natureza verdadeira de todos os fenômenos. A vigilância, e somente a vigilância, pode perceber as três características

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primárias que o buddhismo diz serem as verdades mais profundas da existência. [...] Estas verdades não são apresentadas no ensinamento buddhista como dogmas que demandem uma fé cega. Os buddhistas sentem que elas são verdades universais e auto-evidentes para qualquer um que as investigue da forma apropriada. A vigilância é esse método de investigação. Apenas ela tem o poder de revelar o nível mais profunda da realidade à observação humana. Em tal nível de inspeção, vê-se que todas as coisas condicionadas são inerentemente transitórias; cada coisa mundana é, no final, insatisfatória; não há, de fato, entidades que são imutáveis ou permanentes, mas somente processos. A vigilância funciona como um microscópio eletrônico. Isto é, opera num nível tão sutil que pode de fato ver diretamente tais realidades que, no máximo, são construções teóricas para o processo do pensamento consciente. A vigilância, realmente, vê o caráter impermanente de cada percepção; a natureza transitória e fluida de tudo o que é percebido; a natureza inerentemente insatisfatória de todas as coisas condicionadas; e que não faz sentido agarrar-se a qualquer desses "espetáculos ambulantes". A paz e a felicidade não podem ser encontradas dessa forma. Finalmente, a vigilância vê a inerente ausência de um "eu" em todos os fenômenos, bem como a forma como arbitrariamente selecionamos um certo conjunto de percepções, cortamos do resto do fluxo contínuo da experiência e, então, conceitualizamos essas percepções como entidades separadas e permanentes. A vigilância, de fato, vê tais coisas. Ela não pensa sobre elas, mas as vê diretamente.

(Henepola Gunaratana, Meditação para Todos)

A realização da impermanência, do sofrimento e da insubstancialidade da existência mundana ocorre por graus e envolve a quebra de um número de dez grilhões (sânsc. e páli samyojana): crença em uma personalidade separada (sânsc. satkaya-drishti), dúvida cética (sânsc. vichikitsa), apego a regras e rituais pelo próprio benefício (sânsc. shilavrata-paramarsha), desejo sensual (sânsc. kama-raga), má vontade (sânsc. vyapada), desejo por existência no mundo da forma (sânsc. rupa-raga), desejo por existência no mundo sem forma (sânsc. arupa-raga), vaidade (sânsc. mana), irriquietude (sânsc. auddhatya) e ignorância (sânsc. avidya). Os estágios de desenvolvimento do insight são marcados pela erradicação ou enfraquecimento dos vários grupos destes grilhões.

(Andrew Skilton, A Concise History of Buddhism)

I. Impermanência (sânsc. anitya, páli aniccha)Esta marca refere-se ao fato de que todas os fenômenos condicionados, todas as coisas compostas, passam por uma constante transformação, momento a momento. Do mesmo modo, a felicidade, a saúde, a vida, as propriedades... tudo é impermanente, instável e envelhece a cada instante. Apesar de as coisas estarem sempre mudando, geralmente as chamamos pelos mesmos nomes e rótulos, criando assim uma imagem conceitual da realidade, uma ilusão de permanência. Entretanto, tudo o que surge através de causas e condições é transitório justamente

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porque é produzido de forma dependente, dinâmica; essas mesmas causas e condições também são responsáveis pelo desaparecimento dos fenômenos.

Tudo que está sujeito ao surgimento está sujeito à cessação.

(Dighanakha Sutta, Majjhima Nikaya 74)

O passado é como um sonho, o futuro é uma miragem, enquanto o presente é como as nuvens.

(Citado por Bhikkhu Khantipalo em Practical Advice for Meditators)

Tudo o que é meu, querido e prazeroso, mudará e desaparecerá. Isto é para ser lembrado constantemente.

(Abhinham Pacchaekkhitabba Dhamma, citado no Livro das Devoções)

A forma é inconstante. A sensação é inconstante. A percepção é inconstante. As formações são inconstantes. A consciência é inconstante. [...] Todas as formações são inconstantes.

(Channa Sutta, Samyutta Nikaya XXII.90)

Não há forma... não há sensação... não há percepção... não há fabricação... não há consciência que seja constante, duradoura, eterna, não sujeita à mudança, que irá permanecer tal como é por tanto tempo quanto a eternidade.

(Nakhasikha Sutta, Samyutta Nikaya XXII.97)

Assim como o rio da montanha fluindo para o mar, assim como o sol ou a lua aproximando-se da montanha do oeste, assim como o dia e a noite, as horas e minutos passam rapidamente; as vidas das pessoas passam deste mesmo modo.

(Vinaya Pitaka)

A essência da nossa experiência é a mudança. A mudança é incessante. Momento a momento, a vida flui e nunca é a mesma. A alteração perpétua é a essência do universo perceptivo. Um pensamento surge em sua mente e meio segundo depois já se foi. Outro vem e também vai. Um som invade seu ouvido e depois vem o silêncio. Abra seus olhos e o mundo entra por eles torrencialmente; pisque e ele já se foi. Pessoas entram na sua vida e depois se vão. Amigos se vão, parentes morrem. Sua sorte sobe e desce. Algumas vezes você vence e em outras vezes você perde. Tudo é incessante: mudança, mudança, mudança. Tudo é incessante: mudança, mudança, mudança. Dois momentos nunca são iguais. Não há nada errado nisso; esta é a natureza do universo. [...]

Do ponto de vista buddhista, nós, seres humanos, vivemos de uma maneira muito peculiar. Vemos as coisas impermanentes como permanentes, embora tudo esteja mudando ano nosso redor. O processo da mudança é constante e eterno. Enquanto você lê estas palavras, seu corpo está envelhecendo, mas você não presta atenção a isto. [...] As paredes à sua volta estão envelhecendo. As moléculas dentro dessas paredes estão vibrando com enorme intensidade. Tudo está mudando,

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decompondo-se e dissolvendo-se vagarosamente. Você também não presta atenção a isto. Então, um dia, você olha ao redor. Seu corpo está enrugado, rangendo e tudo dói. [...] Você se lamenta pela juventude perdida e chora quando suas posses se vão. De onde vem esta dor? Ela em de sua própria desatenção. Você falhou em não olhar intimamente para a vida; em não observar o fluxo constante da mudança no mundo enquanto ele passava.

(Henepola Gunaratana, Meditação para Todos)

Heráclito disse que jamais podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio. Confúcio, enquanto olhava um riacho, disse: "Dia e noite ele está sempre fluindo." Buddha nos implorou que não apenas falássemos sobre a impermanência, mas que a usássemos como um instrumento para nos ajudar a penetrar profundamente na realidade e obter a liberação.

(Thich Nhat Hanh, Cultivando a Mente de Amor)

A compreensão da impermanência nos proporciona confiança, paz e alegria. A impermanência não conduz obrigatoriamente ao sofrimento. Sem impermanência, a vida não existiria. Sem a impermanência, sua filha não cresceria e se tornaria uma linda mulher. Sem a impermanência, os regimes políticos opressivos nunca mudariam. Mas nós achamos que a impermanência nos faz sofrer. O Buddha deu o exemplo do cachorro que foi atingido por uma pedra e ficou zangado com a pedra. Não é a impermanência que nos faz sofrer, mas sim o desejo de que as coisas sejam permanentes, quando na verdade não são.

(Thich Nhat Hanh, The Heart of the Buddha's Teaching)

A água do tempo brilha no leito do universo, sempre correndo, fluindo. Pedras, árvores, casas e cidades também fluem vagarosamente nesta correnteza, assim como os pensamentos, as civilizações, nossas vidas e a vidas e todos os seres. Tudo isso pode parecer imutável, mas na verdade essa idéia não passa de uma ilusão. Apenas nós, seres humanos, acreditamos erroneamente que tudo é imutável. Esforçamo-nos para não sermos levados pela correnteza e lamentamos por tudo que se vai. No entanto, mesmo sofrendo e desdobrando-se para evitar, caindo sete vezes nos levantando oito, não há como para o fluir, que envolve também nossa dor e nossa luta. Ao invés disso, é melhor ver as coisas como são e nos juntarmos  a essa correnteza, com suavidade. Apenas assim poderemos encontrar prazer na fugacidade das coisas, uma vez que é justamente essa fugacidade que tece as mais diversas figuras na tapeçaria da vida. [...]

Se escutarmos o rio sem atenção, a água que corre parece ter um ritmo constante e ininterrupto. Entretanto, nenhuma gota d'água passa duas vezes sobre a mesma pedra. não é nunca  mesma gota que forma o leito do rio ou o murmúrio da correnteza. A imutabilidade é uma ilusão dos olhos e dos ouvidos humanos. Uma vez que tenha passado, a água não corre nunca mais no mesmo ponto do rio. A vida humana não é diferente. Acreditar que ontem é igual a hoje é resultado de nossa ignorância e insensibilidade. São nossas mentes e nossos olhos deludidos que vêem o passado igual ao presente. Os olhos iluminados

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vêem claramente a imagem das coisas em eterno movimento e reconhecem que cada instante é diferente de qualquer outro.

(Shundo Aoyama Rôshi, Para Uma Pessoa Bonita)

Tudo que nasce é impermanente e está fadado a morrer. Tudo que é armazenado é impermanente e está fadado a acabar. Tudo que se junta é impermanente e está fadado a se separar. Tudo que é construído é impermanente e está fadado a desmoronar. Tudo que sobe é impermanente e está fadado a cair. Assim também, a amizade e a inimizade, a fortuna e a tristeza, o bom e o mau, todos os pensamentos que correm pela sua mente — tudo está sempre mudando. [...] O Buddha disse: "Meditar persistentemente sobre a impermanência é fazer oferendas a todos os buddhas. Meditar persistentemente sobre a impermanência é ser salvo do sofrimento por todos os buddhas. Meditar persistentemente sobre a impermanência é ser guiado por todos os buddhas. Meditar persistentemente sobre a impermanência é ser abençoado por todos os buddhas. De todas as pegadas, a do elefante é a maior; assim também, de todos os assuntos de meditação para um seguidor dos buddhas, a idéia da impermanência é insuperável."

(Patrül Rinpoche, Words of My Perfect Teacher)

Quem nunca percebeu que cada dia a mais é um dia a menos? O tempo passa sem nunca parar e a morte é a nossa única certeza. É uma evidência que não devia suscitar nem medo nem esperança se, como no Oriente, em vez de evitarmos pensar nela, nos preparássemos como o esportista para a competição ou o guerreiro para o combate. Embora se trate de uma inelutável realidade, no Ocidente é inconveniente falar da morte, pensar nela, encarar a sua eventualidade. O nosso terror é tal que não a mencionamos senão de forma indireta, chegando mesmo a recusar aos seres que mais amamos o direito de saberem que estão condenados. como não sabemos como lidar com ela, a morte enche-nos de consternação. Para nós, é como se não fizesse parte da vida: uma aberração que preferimos ignorar. No entanto, morrer com dignidade é pelo menos tão importante como viver com retidão.

(Tsering Paldrön, A Arte da Vida)

A impermanência é a virtude da realidade. Exatamente como as quatro estações, sempre em contínuo fluxo — o inverno transformando-se em primavera e o verão em outono. Assim como o dia torna-se noite, a luz torna-se escuridão e luz mais uma vez — da mesma forma, tudo se transforma constantemente. A impermanência é a essência de tudo. Bebês transformam-se em crianças, adolescentes, adultos, velhos e, em algum ponto do caminho, morrem. Impermanência é encontrar-se e separar-se. É apaixonar-se e desapaixonar-se. A impermanência é doce e amarga, como comprar uma camisa nova e, anos mais tarde, vê-la transformada em um pedaço de uma colcha de retalhos. [...] A impermanência é o princípio da harmonia. Quando não lutamos contra ela, estamos em harmonia com a realidade. Muitas culturas celebram esse vínculo. Existem cerimônias marcando todas as transformações da vida, do nascimento à morte, assim como encontrar-se e separar-se, ir à guerra, perder a guerra, vencer a guerra. Nós também podemos reconhecer, respeitar e celebrar a impermanência.

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(Pema Chödrön, Quando Tudo Se Desfaz)

Por que é tão difícil praticar a morte e praticar a liberdade? E por que temos tanto medo da morte que evitamos por completo olhar para ela? De algum modo, no fundo, sabemos que é impossível evitar encará-la para sempre. Sabemos que, nas palavras de Milarepa, "essa coisa chamada 'cadáver', que tanto nos apavora, vive conosco aqui e agora". Quanto mais adiamos esse encontro, quanto mais o ignoramos, maior é o medo e a insegurança que surgem para nos perseguir... Quanto mais tentamos fugir do medo, mais monstruoso ele se torna. A morte é um vasto mistério, mas há duas coisas que é possível dizer a seu respeito: é absolutamente certo que morreremos um dia e é absolutamente incerto quando e onde essa hora vai chegar. Então, a única certeza que temos é essa incerteza sobre o instante da nossa morte, a que agarramos para adiar encará-la diretamente. Somos como crianças que fecham os olhos no jogo de esconde-esconde e pensam que assim ninguém pode vê-las.

(Sogyal Rinpoche, O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)

Algumas pessoas acham que o buddhismo é pessimista, sempre falando de morte, morrer, impermanência, velhice — mas isso não é necessariamente verdade. A impermanência é um alívio! Eu não tenho uma BMW hoje e é graças à impermanência desse fato que eu posso vir a ter uma amanhã. Sem a impermanência eu ficaria preso à não-posse de uma BMW e nunca poderia vir a ter uma. Eu posso estar me sentindo muito deprimido hoje e, graças à impermanência, amanhã eu posso estar me sentindo ótimo. A impermanência não é necessariamente uma má notícia; tudo depende de como a interpretamos e a compreendemos. Mesmo que hoje nossa BMW seja riscada por um vândalo ou que nosso melhor amigo nos deixe na mão, não vamos ficar tão preocupados assim. Quando não reconhecemos que toda coisa composta é impermanente, isso é um engano, uma ilusão. Quando compreendemos isso — e não só intelectualmente — ficamos livres desse engano. É a isso que chamamos de liberação: ficar livre da crença unidirecionada e bitolada de que as coisas são permanentes. Mesmo o caminho, o precioso caminho buddhista, também pertence à esfera do composto, quer gostemos disso ou não. Ele tem um começo, tem um fim, tem um meio.

(Dzongsar Khyentse Rinpoche, Os Quatro Selos do Dharma)

II. Sofrimento ou insatisfação (sânsc. duhkha, páli dukkha)Esta característica se refere a todos os fenômenos contaminados pelas ações e emoções negativas. De modo geral, o corpo está sujeito ao sofrimento do nascimento, da velhice, da doença e da morte. Já a mente está sujeita ao sofrimento de não conseguir aquilo que deseja, de perder o que já possui, de não poder evitar aquilo que não deseja, e de experimentar a desarmonia dos agregados (forma, sensações, percepções, vontade e consciência). Ao ensinar as quatro nobres verdades, o Buddha explicou não apenas o sofrimento dos estados

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condicionados, mas também a sua origem, sua cessação e o caminho para extingui-lo completamente — o estado de liberação (sânsc. nirvana, páli nibbana), a felicidade suprema.

Minha natureza é envelhecer, não superei o envelhecimento; isto é para ser lembrado constantemente. Minha natureza é adoecer, não superarei a doença; isto é para ser lembrado constantemente. Minha natureza é morrer, não superarei a morte; isto é para ser lembrado constantemente.

(Abhinham Pacchaekkhitabba Dhamma, citado no Livro das Devoções)

O nascimento é insatisfatório, o envelhecimento é insatisfatório, a morte é insatisfatória. Pesar, lamento, dor, desgosto e aflição são insatisfatórios. Experienciar o que não se gosta é insatisfação. Separar-se do que se gosta é insatisfação. Qualquer desejo não obtido é insatisfação. Em síntese, os cinco agregados do apego são insatisfatórios, a saber: identificação com as formas corporais, identificação com as sensações, identificação com as percepções, identificação com as fabricações mentais, identificação com as consciências. Para seu completo entendimento, o bem-aventurado, no período de sua vida, freqüentemente instruía seus discípulos dessa forma.

(Samvegaparikittanapatha, citado no Livro das Devoções)

Não se satisfaça simplesmente dizendo, "No mundo há somente sofrimento, nada há que não seja uma fonte de sofrimento". Certamente esta é uma afirmativa correta, mas ela é ambígua e passível de ser mal interpretada; pois estas coisas, se não nos apegarmos e não se agarrarmos, não são uma fonte de sofrimento, de modo algum. Que isto fique bem entendido. Nem o mundo, nem qualquer das coisas das quais o mundo se compõe, são ou jamais foram, em si mesmas, uma fonte de sofrimento. No momento em que se agarra ou segura, surge o sofrimento; se não se agarra ou segura, não há sofrimento. Dizer que a vida é sofrimento é algo superficial, muito simplificado e prematuro. A vida em que se agarra e segura é sofrimento; a vida em que não se agarra ou segura não é sofrimento. [...] Geralmente é dito muito eloqüentemente, mas ambiguamente, que nascimento, envelhecimento e morte são sofrimentos. Mas o nascimento não é sofrimento, o envelhecimento e morte são sofrimentos. Mas o nascimento não é sofrimento, o envelhecimento não é sofrimento, a morte não é sofrimento quando não há apego a "meu nascimento", "meu envelhecimento", "minha morte".

(Achaan Buddhadasa, 48 Respostas sobre Buddhismo)

É importante ter em mente que o Buddha nunca negou que a vida — mesmo "não-iluminada" — mantém a possibilidade de muitos tipos de beleza e felicidade. Mas ele também reconheceu que os tipos de felicidade aos quais a maioria de nós está acostumada não pode, por sua própria natureza, trazer uma satisfação realmente duradoura. Se alguém está genuinamente interessado no bem-estar próprio e dos outros, então ele deve estar querendo trocar um tipo de felicidade por outro muito melhor. Este entendimento está no próprio coração do método de Buddha. [...] A mais elevada felicidade de todas, e aquela à qual os ensinamentos de Buddha definitivamente apontam, é a felicidade e paz

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duradouras do nirvana transcendente e imortal. Assim, os ensinamentos do Buddha estão preocupados unicamente em guiar as pessoas à mais elevada e extensa felicidade possível.

(John Bullit, What is Theravada Buddhism?)

Um dos ensinamentos básicos do Buddha é que é possível viver feliz no momento presente. Drishta dharma sukha vihari é a expressão em sânscrito. O Dharma lida com o momento presente. O Dharma não é uma questão de tempo. Se você pratica o Dharma, se vive de acordo com o Dharma, a felicidade e a paz estão com você agora. A cura se dá tão logo o Dharma seja abraçado.

(Thich Nhat Hanh, Living Buddha, Living Christ)

A vida é cheia de sofrimento, mas também é cheia de maravilhas, como o céu azul, a luz do sol, os olhos de uma criança. Sofrer não basta!  Nós tempos, também, de estar em contato com as maravilhas da vida. Elas estão dentro de nós, em torno de nós, em todos os lugares e a qualquer hora. Se não estamos felizes, não ficaremos em paz e não podemos partilhar paz e felicidade com os demais, mesmo com aqueles que amamos, com aqueles que vivem sob o mesmo teto. Se estamos em paz e felizes, podemos sorrir e nos abrir como uma flor, e em todos em nossa família, a sociedade inteira, se beneficiarão de nossa paz.

(Thich Nhat Hanh, Caminhos para a Paz Interior)

[R]econhecer claramente o sofrimento é o primeiro passo para se encontrar uma saída; é também um remédio para todas as nossas falsas esperanças e nossa tendência de buscar apoio em prazeres efêmeros que resultam em decepção. O noticiário da televisão é suficiente para que nos deparemos com o imenso sofrimento; basta refletir sobre os acontecimentos dolorosos na vida daqueles que nos cercam, ou explorar as constantes correntes por debaixo de nossos próprios problemas, para podermos confirmar que a tristeza e o sofrimento permeiam toda a existência. Tal reconhecimento pode nos devastar e nos esgotar. Perguntamo-nos então como foi que isso veio a acontecer, sem de fato esperar uma resposta. Os ensinamentos buddhistas, porém, são claros quanto a esta questão. O sofrimento, em suas inúmeras manifestações, tem uma única fonte: a delusão da mente dualista.

(Chagdud Khadro, Comentários sobre Tara Vermelha)

Há três tipos de sofrimento. O primeiro é o sofrimento que se sobrepõe ao sofrimento [sânsc. duhkha duhkhata, páli dukkha dukkhata] Uma coisa ruim acontece em cima da outra, e parece não haver justiça alguma no processo. Quando você pensa que a situação em que está não pode ficar pior, ela fica. Você perde dinheiro, depois um parente, depois a juventude — há inúmeras maneiras pelas quais sofremos. O segundo tipo é o sofrimento da mudança [sânsc. viparinama duhkhata, páli viparinama dukkhata]. Nada é confiável ou consistente. Por maior que seja a nossa esperança de ter uma base sólida sobre a qual podemos nos apoiar, tudo aquilo com que contamos sempre se corrói, criando grande dor. O terceiro é o sofrimento que tudo permeia [sânsc. samskara duhkhata, páli samskara dukkhata]. Da mesma forma que, quando você espreme uma semente de gergelim, constata que ela está

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permeada de óleo, pode parecer que a nossa vida seja feliz, mas, quando somos espremidos, sofremos. Tão certo quanto o fato de que nascemos é o fato de que iremos ficar doentes, envelhecer e morrer.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

III. Não-eu, não-ego, vazio, vacuidade ou insubstancialidade (sânsc. anatman, páli anatta)Esta marca procura superar a ilusão de que possuímos uma auto-natureza, um eu ou ego (sânsc. atman, páli atta). De acordo com a filosofia hindu, esse "eu verdadeiro" seria uma entidade pessoal intrínseca, imutável, independente, atemporal e indestrutível. Porém, o Buddha descobriu que esse "eu" ou "ego" não existe de forma inerente ou duradoura; não há algo separado que experimente os fenômenos. Aquilo que convencionalmente chamamos de "eu" ou "ego" não existe por si mesmo como uma essência concreta, substancial. Ele surge apenas de forma relativa e dependente de determinados agregados. Esta ausência de uma identidade imutável e independente foi chamada pelo Buddha de não-eu ou não-ego (sânsc. anatman, páli anatta). Ao contrário da crença errônea em uma individualidade inerentemente existente (sânsc. pudgala-atmagraha), o Buddha apresenta a ausência de existência inerente da individualidade (sânsc. pudgala-nairatmya).

Tendo eliminado todas as idéias com respeito ao "eu", sempre plenamente atento, veja o mundo como vazio. Dessa forma, uma pessoa está acima e além da morte.

(Pingiya Manava Puccha, Sutta Nipata V.16)

Uma inspeção cuidadosa revela que temos feito com o "eu" a mesma coisa que fazemos com todas as outras percepções. Temos um turbilhão de pensamentos, sentimentos e sensações e o solidificamos com uma construção mental. Então, grudamos um rótulo nele: "eu". E para sempre, depois disto, nós o tratamos como se fosse uma entidade estática e duradoura; nós o vemos como uma coisa separada de todas as outras coisas. Nós nos retiramos do resto desse processo de mudança eterna que é o universo. E, então, lamentamos quão solitários somos. Ignoramos nossa conectividade herdada com todos os outros seres, e decidimos que "eu" tenho que fazer mais por "mim". Então, nos surpreendemos de ver quão cobiçosos e insensíveis os seres humanos são. E o processo continua... Todo feito maléfico, todo exemplo de impiedade no mundo origina-se diretamente desse falso sentido do "eu" como distinto de tudo o mais que existe. Rompa a ilusão desse conceito de "eu" e todo o universo mudará. [...] Você começa a se ver como uma fotografia no jornal. Quando vista a olho nu, a fotografia parece uma imagem definida; quando olhada através de uma lente de aumento, ela se quebra numa configuração intrincada, cheia de pontos. Similarmente, sob a inspeção penetrante da vigilância, o sentido de um "eu", um "meu", um "ser" perde sua solidez e se dissolve.

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(Henepola Gunaratana, Meditação para Todos)

A única passagem para o nirvana, o destruidor de todas as visões errôneas, a apreensão de todos os buddhas chama-se não-eu.

(Aryadeva, Chatuhshataka)

Quando contemplamos o não-eu, vemos que existência de cada coisa só é possível devido à existência de tudo o mais. Assim sendo, "tudo do mais" é a causa e a condição da existência de cada coisa. Tudo existe dentro de cada coisa. Do ponto de vista do tempo, dizemos "impermanência", mas do ponto de vista do espaço dizemos "não-eu". As coisas não continuam iguais durante dois momentos consecutivos, portanto não existe nada que possa ser considerado como um "eu" permanente. Antes de entrar na sala onde está agora, você era diferente tanto física quanto mentalmente. Ao contemplar a impermanência, você descobre a si mesmo. Ao contemplar a si mesmo, você vê a impermanência. Não conseguimos dizer, "Eu aceito a impermanência, mas o não-eu é muito difícil". Os dois são a mesma coisa. 

(Thich Nhat Hanh, The Heart of the Buddha's Teaching)

Todos temos um claro senso de individualidade, um senso do "eu". Sabemos a quem estamos nos referindo quando pensamos: "Vou trabalhar", "Estou indo para casa" ou "Estou com fome". Até os animais têm uma noção de identidade, embora não possam expressá-la em palavras do modo como podemos. Quando tentamos identificar e entender o que é esse "eu", fica muito difícil apontar com precisão. Na antiga Índia, muitos filósofos hindus especularam que esse "eu" seria independente da mente e do corpo da pessoa. Eles sentiram que deveria existir uma entidade que pudesse proporcionar continuidade entre os diferentes estágios do "eu", tais o "eu" de "quando eu era jovem" ou de "quando eu ficar velho" e mesmo o "eu" numa ida passada e o "eu" numa vida futura. Como todos esses diferentes "eus" são transitórios e impermanentes, sentia-se que deveria existir algum "eu" unitário e permanente que possuísse aqueles diferentes estágios da vida. Essa foi a base para postular um "eu" distinto da mente e do corpo. Eles o chamaram de atman. De fato, todos aceitamos tal noção de "eu". Examinando como percebemos esse senso de "eu", nós veremos que o consideramos o cerne de nosso ser. Não o experienciamos como um conjunto de braços, pernas, cabeça e tronco, mas em vez disso pensamos nele como o senhor dessas partes. Por exemplo, não penso em meu braço como "eu", penso nele como "meu braço"; e penso em "minha mente" do mesmo modo, como pertencendo a mim. Somos levados a reconhecer que acreditamos em um "eu" auto-suficiente e independente no cerne de nosso ser, possuindo as partes que nos formam.

O que há de errado nessa crença? Como esse "eu" imutável, eterno e unitário, que é independente da mente e do corpo, pode ser contestado? Os filósofos buddhistas afirmam que o "eu" só pode ser entendido em relação direta com o complexo mente-corpo. Eles explicam que, se existisse um atman ou "eu", ele teria que ser separado das partes impermanentes que o constituem — a mente e o corpo — ou teria que ser uno com essas partes. No entanto, se fosse separado da mente e do corpo, não seria pertinente, visto que não teria nenhuma relação com

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eles. E sugerir que um "eu" permanente e indivisível pudesse ser uno com as partes impermanentes que constituem a mente e o corpo é absurdo. Por quê? Porque o "eu" é único e individual, enquanto as partes são numerosas. Como pode uma entidade sem partes ter partes?

Desse modo, qual é a natureza desse "eu" com o qual estamos tão familiarizados? Alguns filósofos buddhistas inclinam-se para o conjunto de partes da mente e do corpo e consideram o "eu" a soma delas. Outros afirmam que o continuum de nossa consciência mental deve ser o eu. Existe também a crença de uma alguma faculdade mental separada, uma "mente base de tudo", é o "eu". Todas essas noções são tentativas de ajustar nossa crença inata em um "eu" substancial, ao mesmo tempo que se reconhece a insubstancialidade da solidez e permanência que naturalmente atribuímos a ele.

(Dalai Lama, Um Coração Aberto)

O mesmo se aplica aos fenômenos condicionados (sânsc. samskrita dharma, páli sankhate dhamma) — apesar de acreditarmos, consciente ou inconscientemente, que as coisas possuem uma existência inerente (sânsc. svabhava), elas só surgem em dependência de partes, causas e condições, sendo vazias (sânsc. shunya, páli sunna) de qualquer essência intrínseca ou substância inerente. Os fenômenos também dependem da mente que as percebe, e por sua vez a mente depende dos fenômenos para que possa perceber algo. Esta ausência de uma existência inerente é chamada vacuidade (sânsc. shunyata, páli sunnata) às vezes é considerada mais sutil do que o não-eu. Ao contrário da crença errônea na existência inerente dos fenômenos (sânsc. dharma-atmagraha), o Buddha apresenta a ausência de existência inerente dos fenômenos (sânsc. dharma-nairatmya).Diferentemente de outras tradições, nos ensinamentos buddhistas não há a idéia de uma "alma" ou "espírito". Talvez a palavra mais próxima destes conceitos seja "mente", pois no contexto buddhista ela também abarca o "coração" e não se restringe ao cérebro, ao intelecto. Ainda assim, a mente é condicionada e não existe por si mesma. Ela surge apenas como resultado de causas e condições, um fluxo de instantes impermanentes de consciência que surgem e desaparecem a cada momento. O buddhismo não mantém uma visão eternalista porque o Buddha negou a existência de um atman imutável e absoluto. Entretanto, é importante enfatizar que o buddhismo também não é uma visão niilista ou aniquilacionista, pois o Buddha nunca negou os fenômenos relativos nem o "eu" convencional, interdependente.

Buddha se recusou a responder questões que teriam alimentado a tendência para a dependência de algum tipo de ideal romântico absoluto ou possibilitado o distanciamento niilista, duas tendências que estão subordinadas aos conceitos de existência e não-existência, e que se tornam a base para muitos dogmas religiosos, psicológicos e filosóficos poderosos. Houve, de fato, quatorze assuntos que Buddha repetidamente se recusou a discutir, e todos buscavam a certeza

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absoluta:

1. Se o mundo é eterno, ou não, ou ambos, ou nenhum dos dois.2. Se o mundo é finito (no espaço), ou infinito, ou ambos, ou nenhum dos dois.3. Se um ser iluminado existe depois da morte, ou não, ou ambos, ou nenhum dos dois.4. Se a consciência é idêntica ao corpo ou diferente dele.

Buddha ensinou que buscar uma resposta definitiva para estas questões daria uma idéia errada, que serviria apenas para alimentar a tendência de nos apegarmos ao que é absoluto [de modo eternalista] ou de rejeitarmos a tudo de modo niilista, e nenhuma das duas lhe parecia útil. Ele nunca pregou a existência de um "eu" verdadeiro, nem jamais apoiou a idéia de um universo caótico no qual "nada importa" e as ações individuais não têm o mesmo valor. No lugar disto, encorajou a dúvida constante em relação a todas as suposições fixas sobre a natureza das coisas. Em um ensinamento dado a um cético seguidor de nome Malunkyaputta, Buddha comparou o questionamento sobre a natureza definitiva das coisas a um homem ferido por uma flecha que se recusasse a deixar que lhe retirasse a flecha até que todas as suas questões — sobre quem era o assassino, de onde ele vinha, com ele era, que tipo de arco estava usando e o que fazer da flecha — tivessem sido discutidas. "O homem morreria, Malunkyaputta", enfatizou Buddha, "sem nunca ter aprendido isto".

Aplicando a mesma lógica às questões psicológicas mais profundas sobre a natureza do "eu", Buddha resistiu, igualmente, em se deixar aprisionar. Quando um andarilho de nome Vacchagotta [sânsc. Vatsigotra] lhe perguntou diretamente se havia ou não um "eu", Buddha permaneceu "terapeuticamente" silencioso. Depois, explicou ao seu discípulo Ananda (com freqüência, o beneficiário dos ensinamentos de Buddha nos sutras) que não havia uma maneira de responder à questão daquele homem sem reforçar uma visão equivocada sobre o "eu".

"Seu eu, Ananda, ao ser perguntado pelo andarilho, Vacchagotta, se há um 'eu', respondesse que há um 'eu', isto, Ananda, seria concordar com aqueles brâmanes e anacoretas que são eternalistas. Se eu, Ananda, ao ser perguntado pelo andarilho, Vacchagotta, se não há um 'eu', respondesse que não há um 'eu', isto, Ananda, seria concordar com aqueles brâmanes e anacoretas que são aniquilacionistas [niilistas] [...] O andarilho, Vacchagotta, já confuso, teria ficado ainda mais confuso (e teria pensado): "Anteriormente não havia um 'eu' para mim? Agora deixou de existir."

(Mark Epstein, Pensamentos sem Pensador)

O buddhismo ensina que qualquer coisa ou entidade não é uma individualidade permanente e imutável, mas que está em contínua mutação pelo fato mesmo de ser dependente de causas e condições. A individualidade é composta de elementos mentais e corporais continuamente interagindo entre si e com elementos externos. É dependente de tais elementos e só existe por eles. Tudo o que é composto e dependente de condições é necessariamente impermanente na individualidade. Por ignorância atribuímos a este conjunto de agregados mentais e corporais uma substância imutável e nos

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agarramos a essa individualidade concebendo-a como nosso "eu" ou como "pertencente a mim". E também cobiçamos e nos agarramos às coisas que satisfazem essa ilusão de "ser eu". Isto, para o buddhismo, é a fonte de sofrimentos na vida. Anatman, assim, significa "não-eu", não individualidade permanente, ilusão de que tudo gira em torno de "mim". E falar que tudo é vazio não significa falar que tudo é um nada, como alguns querem indevidamente colocar nos lábios do Buddha, mas que todas as coisas são desprovidas ou vazias dessa individualidade ou entidade permanente. [...]

[N]ada no mundo possui uma entidade permanente e imutável, aquilo que alguns chamam de "eu". Este "eu" é concebido como sendo uma entidade que existe independente de todo o resto do mundo, que vagueia por ele sempre a mesma e intocável. Este "eu" passaria por experiências, mas sua essência seria imutável e não-afetada pelas coisas do mundo. Esta concepção de "eu" é chamada no buddhismo de atman. O buddhismo, pelo contrário, prega a doutrina de anatman, o não-eu. Todas as coisas e seres são não-eu pois são entidade que interagem com o mundo e se modificam em seu desenrolar no tempo e no espaço. As coisas e seres são agregados de componentes dinâmicos e em constante mutação e não blocos monolíticos e estáveis sem relação com seu ambiente e condições.

(Do prefácio de Ricardo Sasaki em A Causa do Sofrimento na Perspectiva Buddhista)

Esta palavra shunyata pode parecer estranha a vocês, mas não se desanimem, já que esta é a mais importante palavra no buddhismo. Ouçam cuidadosamente. A palavra shunyata pode ser traduzida como "vacuidade". Mas a palavra "vazio" tem vários usos e significados. O shunyata de Buddha não significa uma vacuidade física, não é um vácuo físico desprovido de substância material. Não! Aqui, significa uma vacuidade no sentido de natureza essencial, pois todo o tipo de coisas está ainda presente. Pode haver tantos objetos quantos necessários para encher o todo do mundo, mas o Buddha ensinou que são vazios ou têm a propriedade da vacuidade, pois nada existe neles que seja um eu ou seja pertencente a um eu. O objetivo disto, novamente, é não se apegar a nada de modo algum. [...] O shunyata do Buddha significa ausência de qualquer coisa que possamos agarrar ou segurar como sendo uma entidade ou "eu" permanente, embora fisicamente todas as coisas lá estão em sua inteireza. Quando seguramos, há sofrimento; quando não seguramos, há a liberdade em relação a sofrimento. A palavra é descrita como vazia porque nada há que nós tenhamos o direito de agarrar. Devemos lidar com este mundo vazio com uma mente que não segura. Se quisermos algo, deveremos buscá-lo com uma mente livre do apego, de forma a conquistarmos o objeto desejado sem que ele se torne uma fonte de sofrimento.

(Achaan Buddhadasa, 48 Respostas sobre Buddhismo)

Certa vez, o rei Milinda perguntou ao Bhikshu Nagasena: "Seus olhos são o seu eu real?"O monge Nagasena respondeu: "Não!"O rei Milinda perguntou novamente: "E seus ouvidos?""Não!""O nariz é você?"

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"Não!""A língua é você?""Não!""Então, isto significa que seu corpo é o você real?""Não! A existência do corpo é só uma combinação ilusória.""Então, a mente deve ser real.""Também não é."

O rei Milinda ficou aborrecido e perguntou ainda: "Bem, se os olhos, ouvidos, nariz, corpo e pensamentos não são você, então diga-me, onde está seu verdadeiro eu?"

O monge Nagasena riu com desprezo e respondeu com uma pergunta: "A janela é a casa?"O rei, tomado de surpresa, lutou para responder: "Não!""E a porta?""Não!""Os tijolos e as telhas são a casa?""Não!""E a mobília e os pilares?""Não, claro que não!"

O monge Nagasena sorriu e perguntou: "Se a janela, a porta, os tijolos, as telhas, a mobília e os pilares não são a casa, então onde está a casa real?"

O rei Milinda finalmente compreendeu que causas, condições e efeitos não podem ser separados, nem tão pouco compreendidos por uma visão preconcebida e parcial.

(Hsing Yün, A Perspectiva Budista sobre Causa e Condição)

Tudo é mudança, tudo é transformação nesse dinâmico processo que constitui a vida humana, e nada encontramos dentro de nós que possa ser definido como um "eu", como uma natureza constante, imutável. Entretanto, a ignorância e as paixões do homem levam-no a alimentar a ilusão de que as coisas não se transformam e tomá-las por possuidoras de uma essência perene. Nasce daí o apego das coisas experimentadas através dos sentidos e também o desejo de uma vida eterna, bem como o seu oposto, o desejo mórbido e niilista da aniquilação total. O homem sofre porque projeta desejos de estabilidade e permanência em coisas efêmeras e relativas.

(Ricardo Mário Gonçalves, Textos Budistas e Zen-budistas)

Ver o "eu" [de maneira eternalista] como sendo tão grande quanto o monte Sumeru [é uma confusão, mas] é menos confuso que se apegar à visão [niilista] do vazio. Por quê? Se o vazio libera de todas as visões, aquele que se apega ao vazio não pode atingir a liberação.

(Maha-ratnakuta Sutra)

Se estivermos conscientes de que o "eu" é sempre feito de elementos "não-eu", nunca seremos escravizados ou atemorizados pela noção de "eu" ou "não-eu". Se dizemos que a noção de "eu" é prejudicial ou perigosa, devemos dizer que a noção de "não-eu" pode ser até mais

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perigosa [se for interpretada de forma niilista, errada]. Prender-se à noção de "eu" não é bom, mas prender-se à noção de "não-eu" é pior. O entendimento de que o "eu" é feito tão somente de elementos "não-eu" é seguro. Buddha não-disse: "Você não existe." Ele apenas disse: "Você não tem um eu." Sua natureza é não-eu.

(Thich Nhat Hanh, Cultivando a Mente de Amor)

A noção do atman, o "eu", que se encontrava no centro das crenças védicas, era a causa de grande parte das injustiças sociais da época — o sistema de castas, o terrível tratamento concedido aos párias e a monopolização dos ensinamentos espirituais por aqueles que desfrutavam as melhores condições materiais e, no entanto, praticamente não podiam ser considerados indivíduos espirituais. O Buddha reagiu enfatizando os ensinamentos do anatman (o não-eu). Ele disse, "As coisas são desprovidas de um 'eu' separado e independente. Se você procurar o eu de uma flor, perceberá que ela está vazia." Mas, quando os buddhistas começaram a enaltecer a idéia do vazio, ele disse: "É pior ficar preso ao não-eu de uma flor do que acreditar no eu de uma flor." O Buddha não apresentou uma doutrina absoluta. Seu ensinamento do não-eu foi oferecido no contexto do seu tempo e era um instrumento para a meditação. Mas muitos buddhistas, a partir de então, ficaram presos à idéia do não-eu. Confundem o meio com o fim, a jangada com a praia, o dedo que aponta para a lua com a lua. Existe algo mais importante do que o não-eu: a liberdade com relação ao eu e ao não-eu. O buddhista que se apega a qualquer doutrina, mesmo a uma doutrina buddhista, está traindo o Buddha. O importante é nosso insight da natureza da realidade e a maneira como reagimos à realidade. [...]

De acordo com os ensinamentos do buddhismo, é importante examinar as coisas profundamente e descobrir sua natureza de impermanência e não-eu. A impermanência e o não-eu não são negativos. São as portas que abrem para a verdadeira natureza da realidade. Não são as causas do nosso sofrimento. É a nossa ilusão que nos faz sofrer. Sofremos ao encarar algo que é impermanente como sendo permanente, ao nos agarrarmos a algo sem eu como sendo possuidor de um eu. A impermanência é o mesmo que não-eu. Como os fenômenos são impermanentes, eles não possuem uma identidade permanente. O não-eu também é vazio. Vazio do quê? Vazio de um eu permanente. O não-eu também significa interexistência. Como tudo é feito de tudo o mais, nada pode ser sozinho por si mesmo. O não-eu também é uma interpretação porque cada coisa encerra todas as outras coisas. O não-eu também é interdependência porque isto é feito daquilo. Cada coisa depende de todas as outras coisas para existir. Isso é interdependência. Nada pode existir por si mesmo. Tudo tem que interexistir com todas as outras coisas. Isso é o não-eu.

(Thich Nhat Hanh, Living Buddha, Living Christ)

O vazio sempre significa vazio de alguma coisa. O copo está vazio de água e a tigela está vazia de sopa. Nós estamos vazios de um "eu" independente e separado. Não podemos existir sozinhos. Só podemos existir em inter-relação com tudo o mais que existe no cosmos. A prática consiste em incentivar a compreensão do vazio durante todo o tempo. Aonde quer que vamos, entramos em contato com o vazio que existem em tudo. Olhamos para a mesa, o céu azul, o nosso amigo, a montanha,

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o rio, a raiva e a felicidade, entendendo que tudo isso está vazio de um "eu" independente e separado. Quando contemplamos essas coisas em profundidade, vemos a natureza interdependente de tudo que existe. O vazio não significa, em absoluto, não-existência. Significa origem dependente, impermanência e não-eu. Quando ouvimos falar de vazio, ficamos assustados. Mas depois de praticar por algum tempo, entendemos que as coisas realmente existem, mas de um modo diferente do que pensávamos. O vazio é o caminho do meio entre a existência e a não-existência. A flor não se torna vazia quando murcha e morre, mas sempre foi vazia em sua essência. Está vazia de um eu independente e separado.

(Thich Nhat Hanh, The Heart of the Buddha's Teaching)

Freqüentemente achamos que a ausência de ego representa uma grande perda mas, na verdade, ela é um ganho. O reconhecimento da ausência de ego, nosso estado natural, assemelha-se a recuperar a visão após ter sido cego, ou a recuperar a audição após ter sido surdo. A ausência de ego tem sido comparada aos raios do sol. Sem que haja um sol sólido, seus raios apenas brilham. Da mesma forma, quando não estamos tão preocupados conosco mesmos, o estado desperto naturalmente se irradia. Ausência de ego é o mesmo que bondade fundamental ou natureza búddhica, é nosso ser incondicional. É aquilo que sempre possuímos e nunca perdemos realmente.

(Pema Chödrön, Quando Tudo Se Desfaz)

Eu gostaria de lembrar que a ciência nos diz que a cada sete anos nós renovamos todas as células do corpo. Você não tem o mesmo corpo de há dez ou doze anos; nenhum de nós tem. Você não é exatamente a mesma pessoa que era ontem; nenhum de nós somos; lembra-se dos sonhos que teve na noite passada, e como estava intensamente envolvido quando eles estavam acontecendo? O que aconteceu com aquela pessoa — o sonhador —, com aqueles sentimentos e aqueles sonhos? O que aconteceu com a pessoa que você era há um mês, ou há um ano ou mesmo há dez anos?

(Lama Surya Das, O Despertar do Buda Interior)

[O buddhismo] usa um exemplo de uma carruagem como sendo o assim chamado atman individual, que é apenas uma aglomeração de elementos com fatores interdependentes, e que tem pouco ou nada a ver com o que chamas de eu do indivíduo. A carruagem não é a roda, nem os eixos. Não podemos nem mesmo encontrar uma entidade colocando estas coisas juntas. É puramente um rótulo colocado sobre algo e não existe por si mesmo: como chamar um grupo de estrelas de Ursa Maior, onde não há ursa em qualquer lugar a ser encontrada. Tendo entendido a não-existência do eu individual, viremos a realizar a não-existência do significado da inseparabilidade das duas verdades: a natureza vazia e aberta, e a incessante aparência mágica de todos os fenômenos.

(Nyoshül Khen Rinpoche, Natural Great Perfection)

Temos um sentimento inato de um "eu", e nos apegamos à sua existência como se fosse uma entidade sólida, presente dentro de nós.

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Dê uma olhada nele: o "eu" está no corpo, é parte de nossa pele, de nossos ossos, de nossa carne? Ele é encontrado no coração, ou na mente? Vemos facilmente que o ego não faz parte do corpo. De fato, basta remover a vida do corpo para que a noção do "eu" desapareça. Se separarmos a pele, os ossos, os órgãos etc., nada encontraremos que possa ser descrito como um "eu". Se pensarmos que o "eu" forma uma parte da mente, analise-a do mesmo modo. O que chamamos de mente é apenas uma sucessão de instantes de consciência. O pensamento passado está morto, o pensamento futuro nem existe ainda, e o pensamento presente não pode ser tocado. Portanto, não há qualquer entidade dentro da consciência que possa ser descrita como o "eu". A única coisa que podemos dizer sobre a mente é que ela é um fluxo, uma continuidade, um rio no qual não se pode isolar qualquer entidade. Que grande descoberta é reconhecer que, de fato, aquilo ao qual estávamos tão apegados, e que dava surgimento a tantos pensamentos, não tem existência própria!

(Kyabje Shechen Rabjam Rinpoche, Bodhichitta)

Acreditamos que os fenômenos são reais e esta crença é a causa de numerosos sofrimentos. Entretanto, é preciso evitar cair no extremo oposto que consistiria em pensar que tudo é vazio, no sentido de que nada existiria. [...] É preciso compreender que o Buddha ensinou a vacuidade com um objetivo preciso: neutralizar os conceitos que podemos ligar à verdade absoluta, impedir de considerá-la um objeto existente ou não-existente, uno ou múltiplo, provido de qualquer determinação que seja. Todavia, atribuir uma realidade à vacuidade é um erro ainda maior, que seja completamente as portas da liberação. Nagarjuna dizia que aqueles que acreditam na realidade do mundo são, de certa maneira, semelhantes aos animais, mas que aqueles que consideram a vacuidade real são ainda mais estúpidos. Diz-se também que a crença ba realidade dos fenômenos é um erro grande como o monte Meru, mas que se apegar à vacuidade é um erro maior ainda. Enquanto não tivermos obtido a liberação, as aparências ilusórias da verdade relativa continuam reais para nós e devemos ter consciência disso. Enquanto estivermos aprisionados, não poderemos agir como se estivéssemos livres.

(Kalu Rinpoche, Ensinamentos Fundamentais do Budismo Tibetano)

A mente rotula a combinação impermanente dos cinco agregados (sânsc. skandha, páli khanda) como sendo o "eu", fazendo surgir a ilusão de uma identidade duradoura e independente. Ao contrário de outras tradições, o buddhismo não postula uma suposta natureza espiritual (sânsc. jiva, purusha) distinta de uma natureza material (sânsc. prakriti) porque o corpo e a mente são interdependentes. Cada um dos cinco agregados surge apenas em dependência dos outros; nenhum deles existe de forma duradoura ou independente. Cada um deles é passível de apego. O primeiro agregado é material, enquanto os outros quatro são agregados mentais:

1. Forma (sânsc. e páli rupa): refere-se ao mundo físico, ao corpo e a todas as coisas percebidas pelos sentidos, simbolicamente

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representado pelos elementos terra, água, ar, fogo e, às vezes, pelo elemento espaço também.

2. Sensação ou sentimento (sânsc. e páli vedana): também é o sétimo dos doze elos da interdependência e se refere às experiências agradáveis, desagradáveis ou neutras, resultantes do contato dos órgãos dos sentidos (olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente) com seus objetos (cores, sons, odores, sabores, formas/texturas e pensamentos).

3. Percepção (sânsc. samjana, páli sanna): são as impressões sensoriais, memórias e diferenciações entre as cores, sons, odores, sabores, formas (incluindo texturas) e pensamentos.

4. Vontade, volição, impulso, conceito, pensamento ativo, formações mentais ou fatores composicionais (sânsc. samskara, páli sankhara): o segundo dos doze elos da interdependência, abrange todos os fatores mentais e hábitos que nos fazem reagir e que motivam nossas ações; são as atividades volitivas, todas as ações (sânsc. karma) do corpo, da fala e da mente.

5. Consciência (sânsc. vijnana, páli vinnana): o terceiro dos doze elos da interdependência, é o suporte para a apreensão de todas as experiências criadas pelos seis sentidos; inclui os seis tipos de consciência que surgem do contato dos órgãos dos sentidos com seus respectivos objetos — consciência visual, consciência auditiva, consciência olfativa, consciência gustativa, consciência corporal e consciência mental.A forma não é o "eu". A sensação não é o "eu". A percepção não é o "eu". As formações não são o "eu". A consciência não é o "eu". [..] Todos fenômenos não são o "eu".

(Channa Sutta, Samyutta Nikaya XXII.90)

Os quatro grandes elementos [terra, água, fogo e ar] e a forma deles derivada: a isso se denomina "forma". [...] Esses seis grupos de sensações – sensação que nasce do contato no olho, sensação que nasce do contato no ouvido, sensação que nasce do contato no nariz, sensação que nasce do contato na língua, sensação que nasce do contato no corpo, sensação que nasce do contato na mente: a isso se denomina "sensação". [...] Esses seis grupos de percepções – percepção da forma, percepção do som, percepção do odor, percepção do sabor, percepção da sensação tangível, percepção de idéias: a isso se denomina "percepção". [...] Esses seis grupos de intenções – intenções relacionadas à forma, intenções relacionadas ao som, intenções relacionadas ao odor, intenções relacionadas ao sabor, intenções relacionadas à sensação tangível, intenções relacionadas às idéias: a isso se denomina "formações". [...] Esses seis grupos de consciência — consciência no olho, consciência no ouvido, consciência no nariz,

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consciência na língua, consciência no corpo, consciência na mente: a isso se denomina "consciência".

(Parivatta Sutta, Samyutta Nikaya XXII.56)

O primeiro agregado é este corpo. Quando o corpo está em funcionamento, a mente ignorante se apega a ele como sendo "eu", em alguns casos, e como "meu" em outros. Podemos, então, ver alguém com raiva de seu corpo. Ele pode considerá-lo como "ele, ele mesmo". Ou, em outros casos, ele o considerará como sendo "seu, seu corpo". Este é o primeiro agregado, o agregado da corporeidade.

O segundo agregado é o sentimento/sensação. Quando há qualquer tipo de sentimento/sensação na mente, a mente ignorante o considera — ou se torna apegada a ele e o considera — como "meu" sentimento. É considerado como "eu" ou "meu", os quais são o mesmo apego.

O terceiro agregado é chamado de percepção. É perceber algo como isto, como aquilo, como estes ou aqueles; como "minha felicidade" ou "meu sofrimento", como "bom" ou "mau". em alguns casos, a percepção da mente é tomada como sendo o "eu" que percebe. Em outros casos, a percepção é tomada como sendo "minha" ou "minha percepção". Vocês podem entender que a mesma coisa pode ser apegada de duas formas: como aquele que age e como o agido.

Em seguida vem o quarto agregado ou agregado do prender-se, o qual é chamado de samskara-skhanda. Samskara neste caso tem um significado especial. Literalmente significa formar, mas aqui, especificamente, significa "formar" de um modo mental, isto é, pensar. Como verbo, samskara significa "formação", seja o ato de formar ou o estado de ter sido formado, ou ainda, ambos. Aqui usamos o significado de "pensar", pois pensar é dar surgimento ou causar a concepção que está tendo lugar agora na mente do ignorante. Ele se apega a isto como "eu penso" ou como "meu pensamento". Vocês devem perceber e considerar isso por si mesmos. Vejam o apego funcionando em ambos os modos.

Chegamos agora ao quinto e último agregado. O agregado da consciência é o que conhece todas as coisas que chegam aos olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente. O ignorante se apegará à consciência ou ao corpo da consciência, como "eu" — "eu" que é consciente. Em outras ocasiões se apegará a ela como "minha consciência". Estes são os dois modos.

Juntos, nós temos os cinco agregados do apego. Podem notar que nos tornamos apegados a muitas coisas, tanto exteriores como interiores; apegamo-nos e agarramo-nos a elas. Tudo isso é feito mentalmente, como "eu" ou "meu". Estes são conceitos ignorantes, não a coisa real. Em todos os casos, é somente por meio da ignorância que a concepção de "eu" ou "meu" surge com relação às coisas.

(Achaan Buddhadasa, A Causa do Sofrimento na Perspectiva Buddhista)

Os agregados mentais e físicos surgem da concepção de "eu" que, de fato, é falsa. Como poderia o que cresceu de uma falsa semente ser

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verdadeiro? Assim, vistos os agregados como não verdadeiros, a concepção de "eu" é abandonada, e devido a tal abandono, os agregados não voltam a surgir. Da mesma forma que a imagem de um rosto depende de um espelho para ser vista, mas na realidade não existe [como um rosto], assim a concepção de "eu" existe dependente dos agregados; porém, como a imagem de um rosto, na realidade o "eu" não existe. Assim como sem depender de um espelho a imagem de um rosto não é vista, assim também o "eu" não existe sem depender dos agregados. [...] Uma pessoa não é terra, nem água, nem fogo, nem ar, nem espaço, não é consciência e nem tudo isso; [mas] em que a pessoa é diferente dessas coisas? Assim como a pessoa não é um absoluto, mas um composto de seis constituintes, assim também cada um deles, por sua vez, é um composto e não um absoluto. [...] Em última instância, este mundo está além da verdade e falsidade; portanto, ele [Buddha] não assevera que o mundo realmente é ou não é. [Saber que] tais coisas não existem de modo algum, como poderia o conhecedor de tudo dizer que elas têm limites ou não os têm, ou que têm ambos ou nenhum?

(Nagarjuna, Rajaparikatha Ratnamala)

Geralmente, quando falamos sobre "mim" e "meu", e quando falamos sobre "eu mesmo" e "quem eu sou", estamos falando sobre alguma idéia que temos, algum conceito de "um ser". Quando olhamos para nós mesmos, nossa mente cria alguma imagem, tanto através da visão quanto da audição — através de um dos cinco sentidos — e então decidimos que isso é o que vemos ou ouvimos, etc. Temos um tipo de visão parcial do que esta pessoa é. Mas, realmente, vemos algo em sua total realidade? No Dharma de Buddha, dizemos que não há um eu, não há a natureza de eu permanente. Este ser que encontramos como nós mesmos, ou como qualquer um, é um "confecção", algo "agregado", constituído pela forma, sensações, percepções, formações mentais (pensamentos de vários tipos) e consciência. Dentre destas cinco categorias, deveria ser encontrado o que chamamos de "ser humano". Mas, dentro dos cinco skandhas, não há um eu permanente, nenhum eu inerente.

(Sojun Weitsman Roshi, Lectures on the Heart Sutra)

O esforço para proteger nossa felicidade, para nos mantermos em relação a alguma outra coisa, constitui o processo do ego. Entretanto, esse esforço é inútil por que existem muitos intervalos dentro do nosso mundo aparentemente sólido, constantes ciclos de morte e renascimento, constantes mudanças. O senso de continuidade e solidez do "eu" é uma ilusão. Na verdade, não existe essa coisa que chamamos de ego, alma ou atman. O que gera o ego é uma seqüência de confusões. O processo que chamamos de ego consiste, na verdade, de instantes de confusão, agressividade e avidez — e tudo isso tem apenas uma existência momentânea. Já que não podemos reter o momento presente, também não podemos nos apegar ao "eu" e ao "meu", nem convertê-los em coisas concretas.

A experiência de nos relacionarmos com as outras coisas é na verdade um discernimento momentâneo. De gerarmos esse pensamentos impermanentes com bastante velocidade, podemos criar a ilusão de

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continuidade e solidez. É como se estivéssemos assistindo um filme: os quadros do filme são projetado tão velozmente que produzem a ilusão de um movimento contínuo. Assim, formamos uma idéia, um pré-conceito, de que o "eu" e o "outro" são sólidos e contínuos. E tendo desenvolvido essa idéia, manipulamos nossos pensamentos para confirmá-la e ficamos com medo de qualquer evidência contrária. [...]

Há duas fases na compreensão da inexistência do ego. Na primeira faze percebemos que o ego não existe como uma entidade concreta, que ele é impermanente, está em constante mutação, que são nossos conceitos que o fazem parecer sólido. Assim, concluímos que o ego não existe. Entretanto, ainda temos um conceito sutil formulado a respeito da inexistência do ego. Ainda existe um observador do estado de não-ego, um observador que se identifica com ele e mantém sua existência. A segunda fase consiste em perceber esse conceito sutil e abandonar o observador.

(Chögyam Trungpa, The Mith of Freedom and the Way of Meditation)

IV. Epílogo: Liberação, libertação, paz, quietude, extinção do sofrimento, cessação do sofrimento (sânsc. nirvana, páli nibbana)Muitos autores afirmam erroneamente que o buddhismo é pessimista e que enfatiza apenas a dor e o sofrimento. Entretanto, é muito importante lembrar que o Buddha ensinou detalhadamente a nobre senda óctupla que conduz à paz do nirvana. Ao contrário do que muitos afirmam, a quietude do nirvana não é um "nada", um "aniquilamento" nem um "niilismo", mas sim o estado de liberação (sânsc. moksha, páli mokkha), a completa cessação do sofrimento. Quando atingido durante a vida, este estado é chamado liberação com remanescentes (sânsc. niravashesha-nirvana). Quando atingido na hora da morte, é chamado liberação sem renascentes (sânsc. savashesha-nirvana). A tradição Mahayana também fala da liberação da não-permanência (sânsc. apratishthita-nirvana), na qual um bodhisattva — um ser de grande sabedoria e compaixão —, por causa da grande sabedoria, não permanece no sofrimento do samsara; e por causa da grande compaixão, também não permanece na paz infinita do nirvana. Apesar de sua mente estar desfrutando o abençoado estado de bem-aventurança do nirvana, o bodhisattva seria capaz de se manifestar no samsara a fim de beneficiar os seres sencientes que ainda estão sofrendo.O nirvana é a mais sublime de todas as felicidades porque é duradouro — independe das coisas externas — e está completamente além das delusões — ignorância, apego e a aversão. O nirvana também não é uma espécie de fuga para um "paraíso" ou "existência espiritual" absoluta porque está além dos extremos do "existir", "não-existir",

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"existir e não-existir" ou "nem existir nem não-existir". Diferente dos fenômenos condicionados, o nirvana está além da impermanência e do sofrimento porque é um estado não-criado, incondicionado. Portanto, as duas primeiras marcas — impermanência e sofrimento — não se aplicam ao nirvana; apenas a terceira marca — o não-eu ou vacuidade — pode ser aplicada ao nirvana.

Quem está apegado não está liberto. Quem não está apegado está liberto.

(Upaya Sutta, Samyutta Nikaya XXII.53)

A saúde é o melhor dos ganhos, o contentamento é a maior riqueza, a confiança é o melhor dos parentes, o nirvana é a mais elevada felicidade.

(Dhammapada 204)

Isto é paz, isto é sublime, a saber: a tranqüilização de tudo o que é condicionado, o abandono de todo o substrato da existência, a destruição da sede do desejo, o desmanchamento da paixão, a extinção da insatisfação, a serenidade.

(Upasamanussati, citado no Livro das Devoções)

Existe aquela esfera em que não há nem terra, nem água, nem fogo, nem ar; nem a esfera do espaço infinito, nem a esfera da consciência infinita, nem a esfera do nada, nem a esfera da nem percepção, nem não percepção; nem este mundo, nem o próximo mundo, nem sol, nem lua. E lá, eu digo, não há vir, nem ir, nem permanência; nem desaparecimento nem surgimento: não estabelecido, não desenvolvendo, sem suporte [objeto mental]. Isso, justamente isso, é o fim do sofrimento.

(Nibbana Sutta, Udana VIII.1)

O Iluminado disse, "Todos os Buddhas dizem que o nirvana é a coisa suprema." Coisa suprema significa "o bem maior e derradeiro para a humanidade". Na linguagem universal da ética, isso é conhecido pelo termo latino summum bonum, o bem supremo, a coisa melhor e mais alta a ser atingida por um ser humano nesta própria vida. Os alunos de buddhismo concordam que se há um summum bonum no buddhismo, então, isso é o próprio nirvana.

(Achaan Buddhadasa, 48 Respostas sobre Buddhismo)

Nirvana tem sido traduzido como "ausência de qualquer instrumento de tormento". Usada de outro modo, ela significa "extinção sem remanescente". Assim, a palavra nirvana tem dois significados muito importantes; primeiro, a ausência de qualquer fonte de tormento e irritação, liberdade de todas as formas de escravidão e restrição; e segundo, extinção, sem combustível para novos surgimentos do sofrimento. A combinação desses significados indica a condição de completa libertação do sofrimento. Existem vários outros significados utilizados para a palavra nirvana. Ela pode ser usada para significar a extinção do sofrimento ou a completa eliminação das impurezas; ou

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estado, situação, reino ou condição que é a cessação de todo sofrimento, todas as impurezas e toda atividade do karma.

(Achaan Buddhadasa, A Causa do Sofrimento na Perspectiva Buddhista)

Três tipos de felicidade são encontrados no nirvana. Eles podem ser considerados como aspetos diferentes da alegria que surge devido ao fim do sofrimento, a total cessação da dor. [...] A primeira delas é a culminação da felicidade do insight, da sabedoria, da visão clara, chamada de consciência do caminho. [...] Imediatamente em seguida a esse vem o segundo tipo de felicidade do nirvana chamado de consciência do usufruto. [...] O estado de usufruto é a experiência da paz do nirvana. [...] O mais elevado tipo de experiência do nirvana é chamado parinirvana: o estado em que um ser plenamente iluminado morre. Não haverá mais renascimento.

(Joseph Goldstein, A Experiência do Insight)

Nirvana significa extinção, acima de tudo a extinção de idéias — das idéias de nascimento e morte, existência e não-existência, ir e vir, eu e outro, um e muitos. Todas estas idéias nos fazem sofrer. Temos medo da morte porque a ignorância nos dá uma idéia ilusória do que a morte é. Somos perturbados pelas idéias de existência e não-existência porque não entendemos a natureza verdadeira da impermanência e do não-eu. Estamos preocupados com o nosso futuro mas falhamos em nos preocupar com o futuro dos outros, porque pensamos que nossa felicidade não tem nada a ver com a felicidade dos outros. A fim de extinguir estas idéias, nós temos que praticar. O nirvana é um leque que nos ajuda a extinguir o fogo de todas as nossas idéias, incluindo as idéias de permanência e de um eu. Esse leque é a nossa prática de olhar profundamente a cada dia.

(Thich Nhat Hanh, The Heart of the Buddha's Teaching)

No buddhismo, a verdadeira felicidade recebe vários nomes: nirvana, paraíso, adquirir a tranqüilidade da mente, renascer na terra pura. São expressões diferentes, mas que almejam dizer a mesma coisa: que as pessoas aspiram à felicidade. A grande diferença entre as idéias buddhistas e nossas idéias comuns sobre como atingir a felicidade está no conteúdo e na direção a tomar. [...] Enquanto buscarmos fora de nós a felicidade, o nirvana, a tranqüilidade, o paraíso ou Buddha, não poderemos nunca encontrá-los. Apenas olhando para dentro de nós mesmos poderemos agrupar a sabedoria e os talentos de que já somos dotados.

(Shundo Aoyama Rôshi, Para Uma Pessoa Bonita)

[O] nirvana é alcançado através dos três treinamentos citados: ética, sabedoria e meditação. O nirvana é duplo: aquele que não possui remanescentes (sânsc. niravashesha) e aquele que possui remanescentes (sânsc. savashesha). O primeiro é chamado paz porque houve cessação de todos os agregados impuros. O segundo é chamado aquietamento porque consiste no aquietamento das faculdades. Como ambos são isentos da turvação das aflições mentais, são imaculados. A pessoa se torna eterna porque o processo de envelhecimento deixa de ocorrer, e "imortal" porque sua força vital não mais fica sujeita a

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alterações. O nirvana é eterno porque, por todo o sempre, é interminável.

(Rendawa Shönnu Lodrö, Sphutartha)

[O nirvana é] descobrir o conhecimento último de si mesmo. O objetivo não é sair do mundo; é deixar de estar subjugado por ele. O mundo não é mau em si, a nossa maneira de o perceber é que é errada. Um mestre buddhista disse: "Não são as aparências que te prendem, é o seu apego às aparências." [...] O objetivo do buddhismo visa a compreensão última do mundo fenomenal, tanto exterior como interior. Subtrair-se à realidade não resolve nada. O nirvana é exatamente o oposto da indiferença para com o mundo; é ter compaixão e amor infinito pela totalidade dos seres. Uma compaixão possante, porque nasce da sabedoria, da compreensão de que cada ser possui intrinsecamente a natureza de Buddha, e porque esta compaixão não se limita a alguns seres, como é o caso do amor no seu sentido habitual. A única coisa de que nos separamos é do apego pueril e egocêntrico aos infindáveis fascínios dos prazeres, da posse, reputação etc. [...] [A] finalidade é deixar de estar sujeito ao mundo dos sentidos, de não sofrer mais essa sujeição, como uma borboleta que, atraída pela chama, mergulha nela e morre. Na verdade, aquele que está livre de todo o apego pode usufruir da beleza do mundo e dos seres, e regressar ao próprio seio deste mundo, sem ser o joguete das emoções negativas, e aí desenvolver uma compaixão ilimitada.

(Citado por Matthieu Ricard em Le Moine et le Philosophe)

As pessoas têm a impressão de que a cessação [do sofrimento] ou o nirvana é o nada e de que todos os sentimentos, a consciência e as coisas acabam no vazio, que não resta nada. Isso é errado. Na verdade, o nirvana é o estado completamente purificado da mente. Ele é a natureza da mente que removeu todas as emoções aflitivas. É nossa responsabilidade sentir que "Sim, existe um meio e algo que vale a pena alcançar." Portanto, deveríamos tentar investigar a natureza sofredora e, nos frustrando com ela, devíamos desenvolver o sentimento de renúncia para atingir o nirvana, que é a libertação permanente. Pensar apenas nas duas primeiras nobres verdades [do sofrimento e da causa] sem pensar nas últimas duas [da cessação e do caminho] não serve a nenhum propósito. Se pensarem apenas nas duas primeiras Verdades, às vezes, as pessoas podem ser intolerantes com a passividade, a inatividade e o pessimismo dos praticantes. Por isso, tente alcançar um equilíbrio e compreender tanto as duas Verdades negativas quando as duas positivas. Você então vai ter um propósito ou um objetivo claro, e vai compreender e perceber melhor a natureza delas.

(Dalai Lama, Amor, Verdade, Felicidade)

[H]á não muito tempo eu estava falando a uma platéia indiana em Rajpur. Mencionei que o propósito da vida era a felicidade, e alguém da platéia disse que Rajneesh [Osho] ensina que nossos momentos mais felizes ocorrem durante a atividade sexual e que, logo, é através do sexo que podemos nos tornar mais felizes. Ele queria saber o que eu achava da idéia. Respondi que, do meu ponto de vista, a maior felicidade é a de quando se atinge o estágio de liberação [nirvana], no qual não mais existe sofrimento. Essa é a felicidade genuína, duradoura. A verdadeira

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felicidade está mais relacionada à mente e ao coração. A felicidade que depende principalmente do prazer é instável. Um dia, ela está ali; no dia seguinte, pode não estar.

(Dalai Lama, citado em A Arte da Felicidade)

As quatro nobres verdadesO primeiro sermão do Buddha Shakyamuni foi dado aos cinco ascetas que estavam no Parque das Gazelas em Sarnath, próximo a Varanasi (Benares). Nesse sermão, ele expôs os ensinamentos fundamentais do buddhismo: as quatro nobres verdades (sânsc. chatur-arya-satya). Segundo o Buddha, nós devemos conhecer estas verdades, saber a tarefa a ser feita em cada uma delas e finalmente realizá-las por completo. Elas são semelhantes a uma receita médica, diagnosticando a doença, a causa desta doença, o remédio para curá-la e a prescrição de como tomá-lo.A primeira nobre verdade descreve a existência cíclica (sânsc. samsara), e a segunda descreve sua causa. De modo semelhante, a terceira nobre verdade descreve o estado de liberação (sânsc. nirvana), enquanto a quarta descreve a sua causa. As quatro nobres verdades geralmente são estudadas com a ajuda de um mestre ou professor qualificado de uma tradição autêntica.

Quando falamos sobre o Dharma, embora possamos falar muito, usualmente, isso pode ser resumido em quatro coisas. Elas são simplesmente entender o sofrimento, entender a causa do sofrimento, entender o fim do sofrimento e entender o caminho da prática que conduz ao fim do sofrimento. Isso é tudo. Tudo que experimentamos até agora no caminho da prática se resume nessas quatro coisas. Quando entendermos essas coisas, os nossos problemas terminam. De onde surgem essas quatro coisas? Elas surgem justamente deste corpo e desta mente, de nenhum outro lugar. Então, porque o Dharma do Buddha é tão amplo e extenso? Ele é assim de forma a explicar essas coisas de uma maneira mais detalhada, para ajudar-nos a vê-las.

(Ajaan Chah, O Gosto da Liberdade)

Assim como é preciso diagnosticar a doença, afastar sua causa, alcançar a felicidade da boa saúde e administrar remédios para isto, o sofrimento

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deve ser aceito, a causa deve ser afastada, o remédio para que ele termine deve ser administrado e o fim desse sofrimento deve ser alcançado.

(Maitreya, Mahayana Uttaratantra Shastra)

O fundamento básico da filosofia buddhista é formado de duas verdades: se você encontrar algo útil nos ensinamentos, deve investigar isso por si mesmo e tentar implementá-lo no seu dia-a-dia; se você não encontrar nada importante, então apenas deixe para lá. A maioria de vocês conhece as quatro nobres verdades (a verdade do sofrimento, a verdade da causa do sofrimento, a verdade da cessação do sofrimento e a verdade do caminho que leva à cessação). Elas são a base do buddhismo. O objetivo de todo ser senciente é a felicidade — a felicidade permanente. Alcançá-la é maravilhoso e vale a pena. Significa que não há mais sofrimento, mas paz e satisfação duradoura. Em geral, após um momento de felicidade e prazer, surge um problema ou outro. Esse tipo de prazer não é permanente. Por isso as quatro nobres verdades são importantes. Como não desejamos o sofrimento, é mais importante investigar suas causas. É possível eliminá-lo? Se é, vale a pena tentar. Se não é, não vale. A terceira nobre verdade é a da cessação (o que chamamos de nirvana ou moksha). Se é mesmo possível alcançar a cessação das causas do sofrimento, então é proveitoso descobrir formas e meios de purificar nossa mente ou eliminar essas causas. Essa é a quarta verdade.

(Dalai Lama, Amor, verdade, felicidade)

I. A nobre verdade do sofrimento (sânsc. duhkha, páli dukkha)

Como vocês sabem, a vida é repleta de sofrimentos: o sofrimento do nascimento, o sofrimento da velhice, o sofrimento da doença, o sofrimento da morte. Há também o sofrimento da perda de entes queridos, o sofrimento de estar junto de algo que não se gosta, o sofrimento de não conseguir o que se deseja, o sofrimento de perder suas conquistas...

Em nossa existência cíclica (sânsc. e páli samsara), todos os seres estão sujeitos à tristeza, à lamentação, à dor, ao desespero, aos problemas... O Buddha não estava sendo pessimista, mas sim realista. Ele não negou a existência da felicidade mundana, mas também reconheceu não podemos ter a expectativa de que ela dure — esse tipo de felicidade é impermanente, insatisfatório e sem essência. Buddha diagnosticou esta insatisfação como uma doença que atinge todos os seres sencientes. A tarefa da primeira nobre verdade é que o sofrimento deve ser completamente entendido.

Não se satisfaça simplesmente dizendo, "No mundo há somente sofrimento, nada há que não seja uma fonte de sofrimento". Certamente esta é uma afirmativa correta, mas ela é ambígua e passível de ser mal interpretada; pois estas coisas, se não nos apegarmos e se não agarrarmos, não são uma fonte de sofrimento, de modo algum. Que isto

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fique bem entendido. Nem o mundo, nem qualquer das coisas das quais o mundo se compõe, são ou jamais foram, em si mesmas, uma fonte de sofrimento. No momento em que se agarra ou segura, surge o sofrimento; se não se agarra ou segura, não há sofrimento. Dizer que a vida é sofrimento é algo superficial, muito simplificado e prematuro. A vida em que se agarra e segura é sofrimento; a vida em que não se agarra ou segura não é sofrimento. [...] Geralmente é dito muito eloqüentemente, mas ambiguamente, que nascimento, envelhecimento e morte são sofrimentos. Mas o nascimento não é sofrimento, o envelhecimento e morte são sofrimentos. Mas o nascimento não é sofrimento, o envelhecimento não é sofrimento, a morte não é sofrimento quando não há apego a "meu nascimento", "meu envelhecimento", "minha morte".

(Achaan Buddhadasa, 48 Respostas sobre Buddhismo)

O Buddha ensinou quatro verdades — não uma — a respeito da vida: existe o sofrimento, existe uma causa para o sofrimento, existe um fim para o sofrimento e existe um caminho de prática que dá um fim ao sofrimento. Essas verdades, tomadas em conjunto, estão muito longe de serem pessimistas. Elas são uma abordagem prática para solucionar um problema — a maneira como um médico encara uma enfermidade ou um mecânico, um motor defeituoso. Você identifica um problema e investiga as suas causas. Depois então você dá um fim ao problema eliminando as suas causas. O que é especial na abordagem do Buddha é que o problema que ele ataca é o sofrimento humano na sua totalidade, e a solução que ele oferece é algo que os seres humanos podem fazer por si mesmos. Da mesma forma como um médico que conheça a cura infalível para o sarampo não teme o sarampo, o Buddha não teme nenhum aspecto do sofrimento humano. E, tendo experimentado a felicidade que é completamente não condicionada, ele não teme apontar o sofrimento e estresse inerentes em lugares que a maioria de nós não consegue ver — nos prazeres condicionados aos quais nos apegamos. Ele nos ensinou que não devemos negar esse sofrimento e estresse ou tentar fugir deles, mas, ficar tranqüilos e enfrentá-los. Examiná-los com cuidado. Dessa forma — entendendo-os — podemos desenraizar as suas causas e dar um fim neles. Totalmente.

(Thanissaro Bhikkhu, A Vida Não É Apenas Sofrimento)

Felicidade e paz. Estes são realmente os principais objetivos da existência humana. Isto é o que todos estamos buscando. Quase sempre é difícil entender porque cobrimos estas metas básicas com camadas de objetivos superficiais. Queremos comida, dinheiro, sexo, posses e respeito. Chegamos a dizer para nós mesmos que a idéia de "felicidade" é muito abstrata: "Olha, eu sou muito prático. Simplesmente arranjem-me dinheiro e comprarei toda a felicidade de que preciso." Infelizmente, esta é uma atitude que não funciona. Examine cada um destes objetivos e verá que são superficiais. Você quer comida. Por quê? Porque está com fome. E daí? Bem, se você comer, não terá mais fome e aí se sentirá bem. Ah, sentir-se bem! Aí está a verdadeira questão. O que realmente buscamos não são os objetivos superficiais. Eles não passam de meios para se alcançar um fim. O que verdadeiramente queremos é o sentimento de alívio que vem quando o impulso é satisfeito. Alívio, relaxamento e o fim da tensão. Paz, felicidade, ausência de anseios.

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(Bhante Gunaratana, Meditação para Todos)

A mente condicionada atua segundo três princípios. Todo prazer é bom e portanto deve ser buscado e aumentado, o que causa um incessante stress e agitação. Todo desconforto deve ser recusado e afastado, o que gera um estado mental de constante luta e conflito. Todo objeto ou situação indiferente não merece nenhuma atenção, o que gera ignorância e desprezo. Todos estes três princípios da mente condicionada causam, em última análise, dor e sofrimento. Temos a tendência de procurar nos objetos a fonte de prazer. Mas o objeto prazeroso um dia vai embora e sofremos. Vamos, então, procurar um novo objeto de prazer. Novamente ele desaparece ou se transforma. Novamente sofremos. Sempre tentamos procurar nossa felicidade fora, em coisas que necessariamente se acabam. Fica claro, assim, que procurar prazer é contrário a adquirir prazer, pois quando o objeto desaparece, sofremos. Ou, no caso do novo objeto, pode nem mesmo ser conquistado, o que vai gerar insatisfação. É necessariamente assim, pois a natureza das coisas do mundo é sua mutabilidade. Vale a pena investigar como todos os nossos sofrimentos são causados por acharmos que devemos ter alguma coisa.

(Ricardo Sasaki, O Caminho Contemplativo)

Um dos ensinamentos básicos do Buddha é que é possível viver feliz no momento presente. Drishta dharma sukha vihari é a expressão em sânscrito. O Dharma lida com o momento presente. O Dharma não é uma questão de tempo. Se você pratica o Dharma, se vive de acordo com o Dharma, a felicidade e a paz estão com você agora. A cura se dá tão logo o Dharma seja abraçado.

(Thich Nhat Hanh, Living Buddha, Living Christ)

As pessoas só procuram o caminho quando são tomadas pela dor e pelo sofrimento. Quando sentem que não têm mais nenhuma saída, começam finalmente a ter dúvidas sobre a própria vida e, pela primeira vez, se perguntam se é mesmo assim que deveriam viver. Tomas consciência da dor e da doença é o primeiro passo para encontrar o caminho. É por isso que Buddha colocou a dor em primeiro lugar nas quatro nobres verdades. [...] Portanto, não nos resta senão unir nossas mãos, palma com palma, em agradecimento à infelicidade e à adversidade que nos fizeram descobrir essa maravilhosa verdade. São as situações adversas da vida que nos tornam mais próximos da imagem do próprio Buddha.

(Shundo Aoyama Rôshi, Para Uma Pessoa Bonita)

O buddhismo pode ser apresentado como um remédio para tratar a perda do reconhecimento de nossa natureza ilimitada. Seu efeito é nos curar da experiência limitada, com etapas de nascimento, crescimento, envelhecimento, doença e morte. Quando o Buddha era um príncipe, percebeu que todos os seres sofriam de uma mesma doença. No Oriente essa doença tem um nome específico — duhkha —, mas não existe termo correspondente nas línguas do Ocidente. Embora todos tenhamos a doença, podemos não percebê-la. Trata-se de algo como alegria e sofrimento inseparáveis. Na visão buddhista existe uma única palavra para esses dois conceitos — eles não podem ser separados. Em nossos línguas acontece o contrário: os conceitos estão separados e não podem

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ser unificados em um único termo. Duhkha pode ser explicado de forma simples a partir do fato de que, quando temos alegrias, elas constituem-se sementes de sofrimento. Essa é uma experiência cíclica — é como uma roda girando entre as polaridades de estar bem e estar mal. [...] No sentido geral, cada um dos seres sente duhkha em seu corpo. Cada um nasce, envelhece, adoece e morre. No sentido buddhista, quando a morte vem, não é o fim. Dentro do círculo representado pela palavra duhkha, há uma semente de intenção que perdura — o que morre é uma personagem. é como um filme que acaba no cinema; outras imagens vão surgir na tela após a projeção do filme. Se há um cinema, outro filme sempre entra em cartaz. [...] Todos os aspectos do buddhismo são propostos como remédios para essa doença. É por causa dela que surgiu o buddhismo. Observando de forma ampla o sentido de duhkha, percebemos que o Buddha estudou a doença detalhadamente e descobriu uma natureza que está além de toda essa complicação. [...] A primeira nobre verdade é: "Estamos presos numa experiência cíclica", ou seja, estamos presos na roda da vida [sânsc. samsara]. O Buddha fala sobre duhkha, a experiência cíclica na qual alegria e sofrimento são inseparáveis. Seu objetivo não é nos fazer pensar que não existe saída. Pelo contrário! Se abordarmos a roda da vida de forma elevada, perceberemos que toda experiência é criada pela mente. Se usarmos a liberdade da mente, poderemos cruzar naturalmente por dentro da roda da vida. Ao falar da experiência cíclica, o Buddha fala de um jogo mental que montamos e de nossa capacidade de criar jogos, circunstâncias, mundos.

(Padma Samten, Meditando a Vida)

Pensar que podemos encontrar algum prazer duradouro e evitar a dor é o que o buddhismo chama de samsara, o ciclo inútil que gira e gira, infinitamente, e nos causa tanto sofrimento. A primeira nobre verdade que o Buddha nos apresenta chama nossa atenção para o fato de o sofrimento ser inevitável para nós, seres humanos, enquanto acreditamos que as coisas permanecem — que não desintegram e que podemos contar com elas para satisfazer nossa ânsia de segurança. Sob esse ponto de vista, o único momento em que realmente sabemos o que está acontecendo é quando nos puxam o tapete e não encontramos nenhum apoio. Podemos utilizar situações desse tipo para despertar ou escolher dormir. Exatamente ali — precisamente no momento em que ocorre a experiência de faltar o chão — encontram-se as sementes que nos levarão a cuidar daqueles que precisam de nós e a descobrir nossa própria bondade.

(Pema Chödrön, Quando Tudo Se Desfaz)

A condição de samsara é basicamente uma condição da mente e não do mundo externo — apesar de muitas pessoas suporem o contrário. O samsara não é o mundo material onde vivemos — casas, árvores, montanhas, rios, animais etc. Ao invés disso, [o samsara] é a mente que vive ocupada e que nunca consegue aquietar-se.

(Traleg Kyabgon Rinpoche, The Essence of Buddhism)

[R]econhecer claramente o sofrimento é o primeiro passo para se encontrar uma saída; é também um remédio para todas as nossas falsas

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esperanças e nossa tendência de buscar apoio em prazeres efêmeros que resultam em decepção. O noticiário da televisão é suficiente para que nos deparemos com o imenso sofrimento; basta refletir sobre os acontecimentos dolorosos na vida daqueles que nos cercam, ou explorar as constantes correntes por debaixo de nossos próprios problemas, para podermos confirmar que a tristeza e o sofrimento permeiam toda a existência. Tal reconhecimento pode nos devastar e nos esgotar. Perguntamo-nos então como foi que isso veio a acontecer, sem de fato esperar uma resposta. Os ensinamentos buddhistas, porém, são claros quanto a esta questão. O sofrimento, em suas inúmeras manifestações, tem uma única fonte: a delusão da mente dualista.

(Chagdud Khadro, Comentários sobre Tara Vermelha)

Há três tipos de sofrimento. O primeiro é o sofrimento que se sobrepõe ao sofrimento [páli dukkha dukkhata] Uma coisa ruim acontece em cima da outra, e parece não haver justiça alguma no processo. Quando você pensa que a situação em que está não pode ficar pior, ela fica. Você perde dinheiro, depois um parente, depois a juventude — há inúmeras maneiras pelas quais sofremos. O segundo tipo é o sofrimento da mudança [páli viparinama dukkhata]. Nada é confiável ou consistente. Por maior que seja a nossa esperança de ter uma base sólida sobre a qual podemos nos apoiar, tudo aquilo com que contamos sempre se corrói, criando grande dor. O terceiro é o sofrimento que tudo permeia [páli samskara dukkhata]. Da mesma forma que, quando você espreme uma semente de gergelim, constata que ela está permeada de óleo, pode parecer que a nossa vida seja feliz, mas, quando somos espremidos, sofremos. Tão certo quanto o fato de que nascemos é o fato de que iremos ficar doentes, envelhecer e morrer.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

Basicamente, o corpo está sujeito ao sofrimento do nascimento, da velhice, da doença e da morte. Já a mente está sujeita ao sofrimento de não conseguir aquilo que deseja, de perder o que já possui, de não poder evitar aquilo que não deseja, e de experimentar a desarmonia dos cinco agregados (forma, sensações, percepções, vontade e consciência).

II. A nobre verdade da causa (sânsc. e páli samudaya)A origem do sofrimento é o desejo sensual, o desejo de existência, o desejo de não-existência, o desejo de auto-aniquilação.

Na segunda nobre verdade, o Buddha diagnostica a causa da doença, a causa do sofrimento. De acordo com o Buddha, o sofrimento não surge "por acaso", nem é um castigo imposto por um "ser superior" em decorrência de nossos "pecados". O sofrimento surge em dependência de causas e condições. Sua  origem não está em coisas externas como a sociedade, a política e a economia; estas são causas secundárias, reflexos externos de nossas delusões internas. Essas injustiças só poderão ser realmente realmente sanadas quando superarmos a verdadeira causa do sofrimento, que está em nossas próprias mentes,

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em nossos próprios corações. A paz exterior só será possível quando houver paz interior. Se procurarmos felicidade duradoura fora de nós, nunca a encontraremos porque ela não é dependente de coisas externas e impermanentes. A felicidade verdadeira também surge de causas e condições, e portanto sua origem também está dentro de nossas próprias mentes, de nossos próprios corações.

[S]e todos alcançassem paz interior e estivessem plenamente felizes, as causas de guerra terminariam, não? Isso não é lógico? Escolham qualquer conflito internacional e imaginem o que aconteceria se as pessoas de ambos os lados tivessem paz e satisfação interiores. O que aconteceria com o conflito? É o cúmulo da ignorância pensar que a paz pode ser alcançada por meios violentos. "Precisamos ter paz, por isso vou te matar." Que absurdo! Como disse anteriormente, a única forma de alcançar a paz verdadeira é descobrir a nossa natureza interior, pacífica. Essa é a única solução eficaz.

(Lama Thubten Yeshe, Noite Feliz)

Segundo o Buddha, a origem do sofrimento é o desejo deludido, que faz com que nos apeguemos à falsa idéia de um "eu" ou "ego" duradouro e independente. Esta ilusão surge da união de nossos cinco agregados (sânsc. skandhas): forma, sensação, percepções, vontade e consciência. Nunca conseguimos satisfazer os infinitos desejos insaciáveis deste ego fictício — cobiça por bens materiais, sexo, fama, comida, bebida, sono... O falso ego possui um grande apego por felicidade, ganhos, elogios e fama, mas não consegue mantê-los de forma constante. O ego também tem grande aversão pela tristeza, perdas, críticas e difamação, mas nem sempre consegue evitá-las. A partir da ilusão inicial surgem os três venenos, contaminações, impurezas, poluentes, obscurecimentos ou raízes do mal (sânsc. klesha, páli kilesa) que permeiam a mente deludida. Estas emoções negativas causam mais sofrimento para si e para os outros:

desejo, cobiça, ambição, luxúria, avareza, ganância ou apego (sânsc. kama-raga, páli lobha);

raiva, ódio, cólera, agressão, má-vontade ou aversão (sânsc. dvesha, páli dosa);

ignorância, confusão, dúvida, ilusão ou delusão (sânsc. avidya, páli moha).

Do mesmo modo surgem as obsessões da mente deludida e os outros venenos mentais, como o orgulho e a inveja.

A Cobiça é uma imperfeição que contamina a mente, a raiva é uma imperfeição que contamina a mente, a delusão é uma imperfeição que contamina a mente.

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(Chula Dukkhakhandha Sutta, Majjhima Nikaya 14)

Qual é o problema com o desejo — o que há de errado com ele? Na verdade, nada. Não há nada de errado em aproveitar experiências agradáveis. Dadas as dificuldades que temos na vida, elas são boas de se ter. Porém elas nos enganam. Elas são ardilosas no sentido em que nos fazem adotar a mentalidade do "se ao menos": "Se ao me nos eu pudesse ter isso" ou "Se ao menos eu tivesse o emprego certo" ou "Se ao menos eu pudesse achar um parceiro certo" ou "Se eu ao menos tivesse as roupas certas" ou ainda "Se eu ao menos tivesse a personalidade certa, então eu seria feliz". Somos ensinados que, se pudermos ter experiências prazerosas suficientes, grudando-as todas em rápida sucessão, nossa vida será feliz. Uma boa partida de tênis, seguida de um bom jantar, um bom filme, depois sexo maravilhoso e um bom sono, uma boa corrida matutina, uma hora de meditação legal, um excelente desjejum e daí para uma boa manhã de trabalho e por aí afora. Nossa sociedade é mestre em perpetuar o ardil: "Compre isso, pareça com aquilo, coma isso, aja tal como, possua aquele outro... e você também poderá ser feliz". Não há problema em aproveitar experiências prazerosas, e praticar não significa evitá-las. Porém elas não satisfazem verdadeiramente o coração, não é? Por um momento experimentamos um pensamento prazeroso ou gosto ou sensação e aí ele some, e com ele a sensação de felicidade que ele trouxe. Daí se espera a próxima coisa. O processo todo pode tornar-se muito cansativo e vazio.

(Jack Kornfield, Buscando a Essência da Sabedoria)

Se uma percepção em particular tiver sido rotulada de "boa", então tentamos congelar o tempo exatamente aí. Agarramos a este pensamento, afagando-o, segurando-o, tentando evitar que ele escape. Quando isto não funciona, fazemos todo o esforço para repetir a experiência que causou aquele pensamento. Chamemos este hábito mental de "agarrar-se". No outro lado da mente está o compartimento rotulado "ruim". Quando percebemos algo como "ruim", tentamos empurrá-lo para longe. Tentamos negá-lo, rejeitá-lo, livrarmo-nos dele de qualquer maneira; lutamos contra nossa própria experiência; fugimos de partes de nós mesmos. Vamos denominar este hábito mental de "rejeitar". Entre as duas reações acima está o compartimento "neutro". Nele, colocamos as experiências que não são nem boas nem ruins. Ele são tépidas, neutras, desinteressantes e chatas. Acumulamos experiências no compartimento neutro para que possamos ignorá-las e depois voltar nossa atenção para onde está a ação, ou seja, para nossa roda sem fim de desejos e aversões. Esta categoria de experiências não tem nossa justa atenção. Vamos chamar tal hábito mental de "ignorar". O resultado direto de toda essa loucura é uma eterna corrida, numa esteira sem fim, que não leva a lugar nenhum.

(Bhante Gunaratana, Meditação para Todos)

Vimos que o sofrimento tem sua origem no desejo, o que foi justamente o objeto do ensino do Buddha na segunda nobre verdade. Há três tipos de desejo. O primeiro é o desejo sensual, desejar e sentir prazer nas coisas, nas formas e cores, sons, odores, gostos e objetos táteis. O segundo tipo é o desejo por tornar-se, o desejo de fazer isso ou aquilo conforme o que se quer. O terceiro tipo é o desejo de não vir a ser, o

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desejo de não ser isso ou aquilo. [...] Como podemos escapar e nos tornar completamente independentes das coisas, uma vez que são, todas elas, transitórias, insatisfatórias e desprovidas de um eu? A resposta é que temos que encontrar a causa do nosso desejo por essas coisas e do nosso apego a elas. Conhecendo essa causa, estaremos em condição de eliminar o apego completamente. Os buddhistas reconhecem quatro diferentes tipos de apego [páli upadana].

[1] Apego sensual [páli kamupadana] é o prender-se a objetos dos sentidos que são atraentes e desejáveis. Este é o apego que desenvolvemos naturalmente pelas coisas que gostamos e nas quais encontramos satisfação: cores e formas, sons, odores, sabores, objetos percebidos pelo tato, ou imagens mentais, objetos do passado, presente ou futuro que surgem na mente, seja correspondendo a objetos materiais no mundo externo, dentro do corpo, ou apenas imaginários. [...]

[2] O apego a idéias e opiniões [páli ditthupadana] não é difícil de detectar e identificar se fizermos uma pequena introspecção. Desde que nascemos no mundo, temos recebido instrução e treinamento, os quais deram origem a idéias e opiniões. Quando falamos em opiniões, temos em mente o tipo de idéias a que alguém se prende e se recusa a deixar ir. Apegar-se às próprias idéias e opiniões é bastante natural e não é normalmente condenado ou desaprovado. Mas não é menos grave ou perigoso que o apego a objetos atraentes ou desejáveis. Pode acontecer que idéias e opiniões preconcebidas, às quais sempre nos apegamos obstinadamente, venham a ser destrutivas. Por esta razão, é necessário que continuamente aperfeiçoemos nossas idéias, fazendo-as progressivamente mais corretas, melhores, superiores, trocando as falsas idéias por idéias que estejam mais próximas da verdade e, finalmente, no tipo de visão que incorpore as quatro nobres verdades. [...]

[3] Apego a ritualismos e cerimônias [páli silabbatupadana] se refere ao apego a práticas costumeiras sem sentido que têm sido imprudentemente transmitidas, práticas que o povo escolhe tomar como sagradas e que não devem ser mudadas sob nenhuma circunstância. [...] A razão porque devemos ser livres dessas crenças é que se praticarmos qualquer aspecto do Dharma, inconscientes do seu propósito original, inconscientes da sua racionalidade, o resultado certamente será a concepção tola e ingênua de que é algo mágico. [...] A prática buddhista deve ter um fundamento sólido, baseado no pensamento, entendimento e desejo de destruir as impurezas. De outra forma, será apenas tolice; será mal dirigida, irracional e apenas uma perda de tempo.

[4] Apego à idéia de um eu [páli attavadupadana] é algo importante e também extremamente bem dissimulada. Qualquer criatura viva é sempre levada a ter a idéia errada de "eu e meu". Este é instinto primário das coisas vivas e é a base de todos os outros instintos. [...] O modo mais eficaz de lidar com o apego é reconhecê-lo onde quer que esteja presente. Isto se aplica mais particularmente ao apego à idéia do eu.

(Achaan Buddhadasa, A Causa do Sofrimento na Perspectiva Buddhista)

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Apego, raiva, delusão e as ações criadas por elas são não-virtuosas. Da não-virtude vem o sofrimento e do mesmo modo todos os estados ruins. Não-apego, não-raiva, não-delusão e todas as ações criadas por elas são virtuosas. Da virtude vêm os estados felizes e a felicidade em todos os renascimento.

(Nagarjuna, Rajaparikatha Ratnamala)

[Um] equívoco comum relacionado aos ensinamentos de Buddha é o de que todo o nosso sofrimento é causado pelo desejo. No Dhammachakka Pavattana Sutta, Buddha realmente afirma que o desejo é a causa do sofrimento, mas ele diz isso porque o desejo é o primeiro item da lista das aflições (sânsc. klesha). Se usarmos nossa inteligência, veremos que o desejo pode ser uma das causas da dor, mas outras aflições como a raiva, a ignorância, a dúvida, a arrogância e os pontos de vista errôneos também provocam dor e sofrimento. A ignorância, que ocasiona as percepções errôneas, é responsável por grande parte de nossos sofrimentos. [...]

Shariputra, um dos grandes discípulos do Buddha, disse, "Quando alguma coisa acontece, se olharmos profundamente para a realidade, enxergando as causas do fato ocorrido e identificando o alimento que o nutriu, já estamos no caminho da liberação". Quando conseguimos identificar o sofrimento e suas causas, temos mais paz e mais alegria, e já estamos trilhando a senda da liberação. [...] É importante entender a natureza interdependente das quatro nobres verdades. Quando contemplamos qualquer uma das quatro nobres verdades, vemos também as outras três. Quando contemplamos a verdade do sofrimento, vemos a causa do sofrimento. Contemplando a primeira nobre verdade, enxergamos a segunda, a terceira e a quarta. As quatro nobres verdades são uma só.

(Thich Nhat Hanh, The Heart of the Buddha's Teaching)

Em dependência do desejo, a raiva surge; em dependência da raiva surge, a inveja surge; em dependência da inveja, o orgulho surge; em dependência do orgulho, a cobiça surge; todas estas emoções negativas surgem e são permeadas pela ignorância.

(Thinley Norbu, The Small Golden Key)

O princípio filosófico fundamental do buddhismo é que todo o nosso sofrimento vem como um resultado de uma mente indisciplinada, e esta mente indomada em si vem por causa da ignorância e das emoções negativas. [...] As emoções negativas são sempre o verdadeiro inimigo, um fator que tem de ser superado e eliminado. E é apenas aplicando métodos para treinar a mente que estas emoções negativas podem ser dissipadas e eliminadas. É por iso que nas escrituras e ensinamentos buddhistas encontramos uma explicação extensiva sobre a mente e seus diferentes processos e funções. Já que estas emoções negativas são estados da mente, o método ou técnica para superá-las deve ser desenvolvido a partir do interior. Não há outra alternativa. Não podem ser resolvidas por alguma técnica externa como uma operação cirúrgica. É pelo fato de o buddhismo colocar essa ênfase sobre a eliminação da raiz do sofrimento através de um processo de treinamento mental — ao invés de confiar sobre princípios baseados em um ser divido ou em uma

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teoria de criação — que muitas pessoas observaram que o buddhismo não é uma religião no verdadeiro sentido da palavra, mas ele é sim, falando da maneira mais adequada, uma ciência da mente. Parece haver bases genuínas para essa conclusão.

(Dalai Lama, Dzogchen)

Para compreender como o sofrimento aparece, pratique observar a sua mente. Comece simplesmente deixando-a relaxar. Sem pensar no passado nem no futuro, sem sentir esperança nem medo em relação a isto ou aquilo, deixe que ela repouse confortavelmente, aberta e natural. Nesse espaço da mente não há problemas, não há sofrimento. Então, alguma coisa prende a sua atenção — uma imagem, um som, um odor. Sua mente se subdivide em interno e externo, "eu" e "outro", sujeito e objeto. Com a simples percepção do objeto, não há ainda nenhum problema. Porém, quando você se foca nele, nota que é grande ou pequeno, branco ou preto, quadrado ou redondo. Então, você faz um julgamento — por exemplo, se o objeto é bonito ou feio. Tendo feito esse julgamento, você reage a ele: decide se gosta ou não do objeto.

É aí que o problema começa, pois "Eu gosto disto" conduz a "Eu quero isto". Igualmente, "Eu não gosto disto" conduz a "Eu não quero isto". Se gostarmos de alguma coisa, se a queremos e não podemos tê-la, nós sofremos. Se a queremos, a obtemos e depois a perdemos, nós sofremos. Se não a queremos, mas não conseguimos mantê-la afastada, novamente sofremos. Nosso sofrimento parece ocorrer por causa do objeto do nosso desejo ou aversão, mas realmente não é bem assim — ele ocorre porque a mente se biparte na dualidade, sujeito-objeto, e fica dividida com querer ou não querer alguma coisa.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

É muito importante ressaltar que, neste contexto, a palavra "desejo" refere-se a um estado mental sedento e deludido, cheio de cobiça ou aversão. Entretanto, existem também os desejos bons, como a vontade de eliminar o sofrimento, de compreender as nobres verdades, de praticar o Dharma e assim por diante. Este tipo de aspiração pura foi incentivado pelo Buddha. Do mesmo modo, apesar de rejeitar o apego à existência cíclica, o buddhismo enfatiza o amor e a compaixão por todos os seres — a aspiração de que todos alcancem a felicidade verdadeira e se libertem do sofrimento. A tarefa da segunda nobre verdade é que o desejo deludido deve ser completamente abandonado.

O "querer" sábio não pode dar origem ao apego. Desta forma, não há apego ao conceito ilusório de "eu" ou "meu" e não há a existência do "ego", nem nascimento do "ego". Não há "ego", nem "eu" ou "meu" a surgir. Nada pode, desta maneira, entrar em contato com o "eu", pois sem "eu" não há problema algum na mente.

(Achaan Buddhadasa, A Causa do Sofrimento na Perspectiva Buddhista)

[E]xistem dois tipos de desejo. Um é o desejo com um propósito, que é bom. Este desejo leva à determinação. De acordo com os buddhistas, é este desejo que nos faz alcançar a condição de Buddha. O outro desejo é

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aquele que sem razão de ser, um mero "eu quero isso, eu quero aquilo". Este tipo de desejo sem uma base apropriada muitas vezes leva ao desastre. Como os ensinamentos identificam o desejo como fonte de todo sofrimento, algumas pessoas têm a impressão que desejar é errado. Isso é um mal-entendido.

(Dalai Lama, Amor, Verdade, Felicidade)

Existe tanto o desejo positivo quanto o negativo. Por exemplo, a literatura buddhista Mahayana menciona dois desejos ou duas aspirações. Uma é a aspiração de beneficiar todos os seres sencientes, e a outra é a aspiração de atingir plenamente o estado de iluminação para essa finalidade. Sem esses dois tipos de aspiração, é impossível alcançar a plena iluminação. No entanto, também existem fatos negativos que resultam do desejo. O antídoto para esse desejo negativo é o contentamento. Sempre há extremos, mas o caminho do meio é o caminho certo.

(Dalai Lama, O Livro da Sabedoria)

III. A nobre verdade da cessação (sânsc. nirodha, páli nirodho)

Extinguindo-se a causa, extinguindo-se o falso ego, o sofrimento também desaparece.

Na terceira nobre verdade, o Buddha aplica a lógica da interdependência. Quando a raiz dos venenos da mente é cortada, eles não podem mais surgir. O sofrimento depende de sua causa, o desejo deludido; e se essa causa for eliminada, o sofrimento também desaparecerá. A total cessação do sofrimento também é conhecida como a liberação (sânsc. nirvana, páli nibbana). A tarefa da terceira nobre verdade é que a cessação deve ser completamente realizada.

O Buddha não negou a existência do sofrimento, mas também não negou a existência da alegria e da felicidade. Se você acha que o buddhismo afirma que "tudo é sofrimento e não há nada a ser feito", está enganado, porque isso contradiria diretamente a mensagem de Buddha. O Buddha ensinou a reconhecer a presença do sofrimento, mas também ensinou a fazer com que esse sofrimento cesse. Se não houvesse possibilidade de cessação, que utilidade teria a prática? A terceira nobre verdade nos diz que a cura é possível.

(Thich Nhat Hanh, The Heart of the Buddha's Teaching)

A verdadeira natureza das coisas chama-se, no buddhismo, cessação (sânsc. nirodha) ou extinção (sânsc. nirvana). A cessação é antes de tudo a cessação de todas as noções e ilusões, e a extinção é a extinção das noções e percepções erradas. A extinção da ilusão acarreta a cessação do anseio, da raiva e do medo, bem como a manifestação da paz, da firmeza e da liberdade. Todas as noções aplicadas ao mundo dos fenômenos — como a citação, a destruição, a existência, a não-existência, o um, os muitos, o ir, o ir — são transcendidas.

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(Thich Nhat Hanh, Living Buddha, Living Christ)

Quando tomamos conhecimento de que esses venenos [da mente] são a causa inevitável da dor, e de todos os problemas da existência, sentimos uma compaixão profunda e um compromisso, vindo do fundo do coração, de encontrar uma saída para todos aqueles que "estão perdidos no oceano do sofrimento samsárico". A liberação da confusão e do sofrimento do samsara — tanto a nossa própria liberação quanto a dos outros — ocorre quando os padrões dualistas obscurecedores são dissipados, a natureza absoluta da mente é reconhecida e esse reconhecimento se estabiliza num estado onisciente além de qualquer conceito de eu e outro — ou seja, no estado búddhico.

(Chagdud Khadro, Comentários sobre Tara Vermelha)

IV. A nobre verdade do caminho (sânsc. marga, páli magga)

A senda óctupla é o caminho que conduz à extinção do sofrimento: visão correta e intenção correta; fala correta, ação correta e meio de vida correto; esforço correto, atenção correta e concentração correta.

Primeiro, é preciso conhecer a existência do sofrimento. Depois, deve-se destruir sua causa. Para isso, deve-se compreender que a cessação do sofrimento é possível. Para consegui-la, deve-se então praticar o caminho. Eu conheci a existência do sofrimento, destruí sua origem, compreendi sua cessação e pratiquei o caminho. Assim, obtive a iluminação insuperável, completa e perfeita. O sofrimento, a causa, a cessação e o caminho são as quatro verdades nobres. Sem conhecê-las, ninguém pode conseguir a iluminação. Quem compreendê-las perfeitamente, pode se libertar de todos os sofrimentos.

Na quarta nobre verdade, o Buddha explica como aplicar o remédio que cura o sofrimento. A nobre senda óctupla (sânsc. ashtanga-marga) é assim chamada por ser composta por oito pontos. Este é o caminho do meio, o caminho do despertar, que conduz ao estado incondicionado da liberação (sânsc. nirvana, páli nibbana), livre da ilusão do ego e do sofrimento. A tarefa da quarta nobre verdade é que o caminho deve ser completamente desenvolvido.

[Buddha] nos ensinou o caminho do meio; a não sermos muito rígidos, nem muito relaxados; a não ir nem a um extremo, nem a outro. [...] Trilhar o caminho do meio faz surgir condições que conduzem ao estudo e prática, bem como ao sucesso em colocar um fim ao sofrimento. A expressão "caminho do meio" pode ser aplicada genericamente em muitas situações variadas. Não é possível você se enganar. O caminho do meio consiste em seguir o meio dourado. Conhecer as causas, conhecer os efeitos, conhecer a si mesmo, conhecer quanto é suficiente, conhecer o tempo apropriado, conhecer os indivíduos, conhecer os grupos de pessoas: estas sete nobres virtudes constituem o caminho do meio.

(Achaan Buddhadasa, 48 Respostas sobre Buddhismo)

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A mais valiosa contribuição que o ensinamento do Buddha pode fazer para ajudar a resolver os grandes dilemas que enfrentamos hoje é dupla: primeiro, sua análise firmemente realística das origens psicológicas do sofrimento humano e, segundo, a disciplina eticamente enobrecedora que ele propõe com a solução. O Buddha explica que as origens ocultas do sofrimento humano, tanto na dimensão pessoal como social de nossas vidas, consistem de três fatores mentais chamados as raízes não-saudáveis. Essas três raízes — que podem ser consideradas como as três extremidades da consciência do ego — são a cobiça, o ódio e a ilusão. O objetivo do caminho espiritual buddhista é subjugar, gradualmente, essas três raízes danosas pelo cultivo de fatores mentais que são diretamente oposto a elas. Estes são as três raízes saudáveis, a saber: não-cobiça, que se manifesta como generosidade, desapego e contentamento; não-ódio, que se torna manifesto como amor universal, compaixão, paciência e perdão; e não-ilusão, que surge como sabedoria, insight e compreensão.

(Bhikkhu Bodhi, Mensagem para um Mundo Globalizado)

Às vezes os ensinamentos podem parecer pouco práticos. Você pode dizer, "Tudo bem, entendi tudo, mas tenho um pequeno problema: hoje é dia 18 e no dia 20 tenho de saldar uma conta. O que vou fazer? Explicar ao gerente do banco o nobre caminho óctuplo? Ele pode até compreender, mas não vai poder me ajudar..." [...]

Podemos manipular coisas, dar jeitinhos, mas existe um limite. Quando manipulamos, o ensinamento buddhista diz: isso não é liberação, isso é o modo de agir na roda da vida, mas a efetividade dessa ação não passa de um certo ponto. Em um determinado momento, vamos ter mesmo de passar pelas piores circunstâncias. Quando isso acontece, surge a possibilidade de liberação, como ocorreu com o Buddha, a revelação da natureza ilimitada que está além da roda da vida. O ensinamento buddhista não diz que você vai se livrar das dificuldades. O buddhismo ensina que, no meio das dificuldades, sua natureza última não entra em sofrimento, não pode ser afetada. Esse é o ensinamento mais sutil sobre crise. No buddhismo dizemos que sofrimento e alegria têm a mesma face quando contemplados a partir da natureza última. Na natureza última não é corrompida na alegria e não entre em crise no sofrimento.

A nobre senda óctupla

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A nobre senda óctupla (sânsc. arya-ashtanga-marga, páli ariya-attangika-magga) é um conjunto de oito atitudes que conduzem à cessação do sofrimento, a liberação (sânsc. nirvana, páli nibbana). Estas atitudes costumam ser divididas em três treinamentos (sânsc. trini-shikshani) — sabedoria, ética e concentração. Os três treinamentos servem respectivamente como antídotos para os três venenos (sânsc. klesha, páli kilesa) que obscurecem a mente — a ignorância (ilusão, delusão), o desejo (cobiça, apego) e o ódio (raiva, aversão). Quando a mente se tornar completamente livre destes obscurecimentos, quando o coração se tornar completamente puro, então o estado de liberação é possível.

I. Sabedoria 1. Visão correta 2. Intenção correta

II. Ética 3. Fala correta4. Ação correta5. Meio de vida correto

III. Concentração

6. Esforço correto7. Atenção correta8. Concentração correta

Essas regras de treinamento são dadas a todos os alunos que desejem trilhar o caminho da atenção. Não são dadas como mandamentos absolutos; antes, são linhas, guias de direção que nos ajudam a vier mais harmoniosamente e a desenvolver a paz e o poder da mente. À medida que trabalhamos com elas, descobrimos que são preceitos ou regras universais que se aplicam a qualquer cultura, em qualquer época. São parte da prática básica da atenção e podem ser cultivadas em nossa vida espiritual.

(Jack Kornfield, Buscado a Essência da Sabedoria)

Existem três fatores essenciais na meditação buddhista — moralidade, concentração e sabedoria. Estes três fatores crescem juntos na medida em que sua prática se aprofunda. Cada um influencia o outro; então, você cultiva os três juntos, não um de cada vez. Quando você tem a sabedoria para compreender verdadeiramente a situação, a compaixão em relação a todas as partes envolvidas é automática; e compaixão significa que você automaticamente restringe qualquer pensamento, palavra ou ato que possa fazer mal a você ou a outros. Dessa forma, seu comportamento é automaticamente moral. Somente quando não compreende as coisas profundamente é que você cria problemas. Se falhar em ver as conseqüências de sua própria ação, você cometerá erros. A pessoa espera se tornar totalmente moral antes de começar a meditar está esperando por uma condição que nunca acontecerá. Os antigos sábios dizem que ela é como um homem esperando que o oceano fique calmo para que possa tomar um banho.

(Bhante Gunaratana, Meditação para Todos)

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O Buddha também ensinou um atalho. Ele disse que quando não nos apegamos aos seis órgãos sensoriais [olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente] e às coisas associadas a eles [cores, sons, odores, sabores, formas e pensamentos] como sendo entidades próprias, então o nobre caminho óctuplo surgirá simultaneamente por si mesmo em seus oito aspectos. Este é um princípio fundamental e muito importante do dharma. [...] Mantendo uma observação constante, percebemos melhor que nenhum deles é um "eu" e, então, o nobre caminho óctuplo surgirá no mesmo instante em nós. [...] Praticar o não-apego aos seis órgãos dos sentidos é fazer com que todo o nobre caminho óctuplo surja imediatamente. O Buddha chamou isto de atalho.

(Achaan Buddhadasa, 48 Respostas sobre Buddhismo)

À medida que vamos estudando e praticando a nobre senda óctupla, começamos a entender que cada etapa do caminho está contida nos outro sete. Vemos também que cada etapa contém dentro de si as nobres verdades da existência, origem e cessação do sofrimento.

(Thich Nhat Hanh, The Heart of the Buddha's Teaching)

Devemos realizar essa prática continuamente porque esse três treinamentos são o seio completo e infalível para a obtenção da liberação. A ética amadurece o ser imaturo, a meditação suprime as aflições mentais e a sabedoria — ao erradicar por completo as aflições mentais — traz liberação para o ser maduro. [...] Visão correta é a sabedoria que realiza um exame completo do objeto a ser entendido no caminho da visão. Intenção correta é a conceitualização que dá origem à fala que indica aos outros o que a pessoa entendeu. Fala correta é a expressão verbal verdadeira e exata, gerada pela intenção correta. Ação correta é a expressão física e verbal da pessoa que se abstém de malfeitos. Meio de vida correto é o modo de subsistência — através de alimentação, roupas e assim por diante — que se coaduna com o Dharma. Esforço correto é o empenho aplicado à meditação sobre o caminho. Atenção correta é o não-esquecimento, por parte da pessoa, dos aspectos do caminho que são objeto de sua atenção. Concentração correta é permanecer firmado, unidirecionalmente, nestes objetos.

(Rendawa Shönnu Lodrö, Sphutartha)

Os ensinamentos sobre a nobre senda óctupla foram originalmente expostos pelos Buddha Shakyamuni para elucidar a quarta nobre verdade, o caminho que leva à extinção do sofrimento. Este continua sendo dos temas mais freqüentes do ensinamentos dos grandes mestres buddhistas. Muitas vezes, para fins didáticos, a seqüência deste três treinamentos é alterada: começa-se com a ética, que é a base da concentração; e a concentração, por sua vez, dá origem à sabedoria.

O primeiro estágio é a moralidade [ou ética]. Moralidade é, simplesmente, o comportamento adequado, o comportamento que se adapta aos padrões gerais aceitos e não cria dificuldades a outras pessoas ou a si próprio. [...] O segundo aspeto do tríplice treinamento é a concentração. Esta consiste em obrigar a mente a permanecer na condição mais propícia ao sucesso em seja o que for que se deseje obter. [...] O terceiro aspecto é o treinamento da sabedoria, a prática e o treino

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que dão origem, em sua plena medida, ao conhecimento e entendimento corretos da verdadeira natureza das coisas. [..]

O treinamento na moralidade é apenas uma prática preparatória básica que nos habilita a viver felizes e ajuda a estabilizar a mente. A moralidade traz vários benefícios, o mais importante sendo a preparação do caminho para a concentração. [...] O treinamento na concentração consiste em desenvolver a habilidade de controlar nossa mente, de fazer uso dela, de fazê-la trabalhar com o maior proveito. A moralidade é o bom comportamento com relação ao corpo e à fala. A concentração refere-se ao bom comportamento com relação à mente e é fruto de um completo treinamento e disciplina mentais. A mente concentrada é isenta de todo mal, de pensamentos grosseiros e não se afasta do objeto. Ela está numa condição adequada para realizar sua tarefa. [...] A visão clara [ou treinamento da sabedoria] é sempre dependente da concentração, embora nós posamos, talvez, nunca ter percebido esse fato. na verdade, o Buddha mostrou uma associação mais íntima que essa, entre a concentração e a visão clara. Ele salientou que a concentração é indispensável à visão clara e esta é indispensável à concentração. 

(Achaan Buddhadasa, A Causa do Sofrimento na Perspectiva Buddhista)

O controle da mente é a base da ética. A concentração depende da ética e a sabedoria dependente da concentração.

(Shurangama Sutra)

Os três treinamentos são o supremo dharani [prece]. Eles podem purificar todo karma do corpo, da fala e da mente, e são amados por todas as pessoas. [...] Todos os buddhas e todos os protetores do Dharma verdadeiro são puros em corpo, fala e mente. Como resultado, são puros em ética, meditação e sabedoria. Através disto, obtêm liberação e entendimento perfeito.

(Mahasamnipata Sutra)

Parar o que é mal é chamado ética. Contemplar a respiração em condições pacíficas é chamado concentração. Superar o mal para entender a verdade é chamado sabedoria.

(Coleção de Termos Usados na Tradução)

O Buddha Shakyamuni ensinou os três treinamentos para nos libertar da delusão. Através da ética, controlamos nossos deslizes; através da concentração, aprendemos a encontrar paz; e através da sabedoria aprendemos como usar nossos ganhos do modo mais efetivo possível. Falando de modo geral, a concentração deve ser baseada na ética, enquanto a sabedoria deve ser baseada na meditação.

(Hsing Yün, Only a Great Rain)

Para atingir a liberação do samsara, deve-se aperfeiçoar os três treinamentos superiores: a ética, a concentração meditativa e a sabedoria. De certo modo, o mais importante destes é a sabedoria da vacuidade; quando compreendemos o vazio (natureza não-inerente do eu e dos fenômenos), são diretamente eliminadas as formas infinitas da

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delusão, que surgem do apego. Porém, para o treinamento da sabedoria se tornar maduro e forte, deve-se primeiro desenvolver e suportar a concentração; e para desenvolver e suportar a concentração, deve-se cultivar o treinamento na ética, que acalma a mente e fornece uma atmosfera condutora à meditação. Quando todos os três treinamentos superiores são praticados e levados à perfeição, a liberação do samsara é definitiva.

(Dalai Lama, The Path to Enlightenment)

I. Sabedoria (ou discernimento, insight, visão clara, sânsc. prajna, adhiprajna, páli panna, páli adhipanna)1. Visão correta (ou perspectiva correta, compreensão correta, sânsc. samyak-drishti, páli samma-ditthi): o conhecimento das quatro nobres verdades, da interdependência, do karma etc. constituem a visão correta da realidade.2. Intenção correta (ou objetivo correto, pensamento correto, sânsc. samyak-samkalpa, páli samma-sankappo): é a atitude mental de renunciar às atitudes negativas — como a luxúria, a má vontade, a crueldade, a violência, o apego — e, em seu lugar, cultivar a bondade e a não-agressão.

Um pessoa dotada com três coisas deve ser reconhecida sendo uma pessoa sábia. Quais três? Boa conduta corporal, boa conduta verbal, boa conduta mental. Uma pessoa dotada com estas três coisas deve ser reconhecida como sendo uma pessoa sábia.

(Lakkhana Sutta, Anguttara Nikaya III.2)

A sabedoria advém da observação direta da verdade de nossas experiências. Aprendemos conforme nos tornamos capazes de viver completamente no momento, ao invés de estarmos perdidos em sonhos, planos, memórias e comentários da nossa mente pensante.

(Jack Kornfield, Buscando a Essência da Sabedoria)

Desembaraçar si mesmo do desejo e dos caminhos maus requer tanto visão quanto sabedoria. Desembaraçar a si mesmo do mundo e descobrir a alegria interior é o começo da meditação.

(Maha-prajna-paramita Shastra)

II. Ética (ou disciplina, moralidade, sânsc. shila, adhishila, páli sila, adhisila)3. Fala correta (ou palavra correta, linguagem correta (sânsc. samyak-vach, páli samma-vaca): não se deve mentir, difamar, falar rudemente ou tagarelar inutilmente, mas falar sim de maneira honesta, harmoniosa, reconfortante e significativa.

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4. Ação correta (ou conduta correta, sânsc. samyak-karmata, páli samma-kammanto): não matar, não roubar, não ter uma conduta sexual errônea, não tomar drogas ou tóxicos, etc.5. Meio de vida correto (ou modo de vida correto, ocupação correta, sânsc. samyak-ajiva, páli samma-ajivo): o meio de vida não deve ser prejudicial para si e para os outros seres. Portanto, não deve envolver morte (inclusive caça, pesca e abate de animais, que causam extremo sofrimento), roubo, mentira, exploração sexual ou venda de armas, escravos, carne, álcool, cigarros, drogas, tóxicos, venenos etc. Em seu lugar, deve ser estabelecido um sustento pacífico, harmonioso e ecológico.

Baseado no não matar seres vivos, o ato de matar seres vivos é abandonado. Baseado no tomar apenas aquilo que for dado, o tomar aquilo que não é dado é abandonado. Baseado na linguagem verdadeira, a linguagem mentirosa é abandonada. Baseado na linguagem não maliciosa, a linguagem maliciosa é abandonada. Baseado na abstenção da cobiça voraz, a cobiça voraz é abandonada. Baseado na abstenção da censura maldosa, a censura maldosa é abandonada. Baseado na abstenção da desesperança enraivecida, a desesperança enraivecida é abandonado. Baseado na não-arrogância, a arrogância é abandonada.

(Potaliya Sutta, Majjhima Nikaya 54)

Não há lugar para moralismos no caminho contemplativo. Não há seres superiores que dizem o que se deve e o que não se deve fazer, nem julgamentos com punições e distribuição de recompensas. Entretanto, para que a meditação seja praticada apropriadamente, é fundamental a adoção de um código interior de disciplina ética. Shila, isto é, a conduta moral ou a virtude, é o fundamento da prática de meditação e do desenvolvimento da sabedoria.

(Ricardo Sasaki, O Caminho Contemplativo)

[A] conduta consciente ou virtude significa agir harmoniosa e cuidadosamente em relação à vida em torno de nós. Para que a prática espiritual se desenvolva é absolutamente necessário que estabeleçamos uma base de conduta moral em nossas vidas. Se estivermos engajados em ações que causem dor e conflito para nós e para os outros, é impossível para a mente assentar-se, reunir-se e focalizar-se na meditação; é impossível o coração se abrir. Numa mente fundamentada em altruísmo e verdade, a sabedoria e a concentração se desenvolvem rapidamente.

(Jack Kornfield, Buscando a Essência da Sabedoria)

A razão pela qual uma pessoa falha em manter as regras de conduta é que ela agarra e se prende às coisas. Se ela refrear-se de agarrar e prender-se a qualquer coisa que seja, e colocar de lado a cobiça e a aversão, ela não deixará de cumprir as regras de conduta. A razão da mente de alguém estar distraída e incapaz de se concentrar é agarrar e segurar algo. A razão de uma pessoa carecer de compreensão é a mesma. Quando ela finalmente for capaz de praticar o não-agarrar,

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então, simultaneamente, ela atingirá nobres caminhos, seus frutos e, enfim, o nirvana. O Buddha era um homem que não se agarrava a nada. O Dharma ensina a prática e o fruto da prática do não agarrar. A Sangha consiste de pessoas que praticam o não se agarrar, alguns que estão no processo da prática, e alguns que completaram a prática. Isto é o que é a Sangha.

(Achaan Buddhadasa, 48 Respostas sobre Buddhismo)

Ética significa bondade básica. Comportar-se bem enquanto não se evita os próprios deveres é chamado ética. Quer você tenha aceitado os preceitos do buddhismo ou não, se o seu comportamento for bom, então isto é chamado ética.

(Maha-prajna-paramita Shastra)

Mantenham os preceitos e não se permitam ser deficientes em quaisquer deles. Se puderem ser completamente puros em manter os preceitos, vocês atingirão todos os bons dharmas. Se não forem puros, entretanto, vocês não terão sucesso em fazer surgir qualquer bom mérito.

(Sutra dos Ensinamentos Legados)

Devemos praticar a moralidade inquebrantável e não-aviltada — a moralidade não-conspurcada, imaculada e incorrupta foi declarada a base de todas as virtudes, da mesma forma que a terra está para todas as coisas móveis e imóveis.

(Nagarjuna, Surhllekha)

A ética básica para todos os buddhistas deve ser concebida como nos restringirmos de fazer o mal. Uma vez que tenhamos aprendido a nos restringir, teremos começado a parar nossos deslizes e assim nossa complicação no samsara. Conforme este processo de restrição tornar-se habitual, descobriremos que estamos pavimentando a fundação para a meditação e para a sabedoria. O Buddha enfatizou a moralidade por uma razão muito boa: ninguém pode realizar os níveis de consciência mais elevados sem ela. O Buddha sabia que os seres humanos devem primeiro controlar seu comportamento antes de poderem esperar controlar suas mentes.

(Hsing Yün, Only a Great Rain)

[O] comportamento ético é outra característica do tipo de disciplina interior que leva a uma existência mais feliz. Ela poderia ser chamada de de disciplina ética. Grandes mestres espirituais, como o Buddha, aconselham-nos a realizar atos saudáveis e a evitar o envolvimento com atos prejudiciais. Se nossa ação é saudável ou prejudicial, depende de essa ação ou ato ter como origem um estado mental disciplinado ou não disciplinado. A percepção é que uma mente disciplinada leva à felicidade; e uma mente não disciplinada leva ao sofrimento. E, na realidade, diz-se que fazer surgir a disciplina no interior da mente é a essência do ensinamento do Buddha. Quando falo de disciplina, refiro-me à autodisciplina, não à disciplina que nos é imposta de fora por outros. Além disso, refiro-me à disciplina que é aplicada com o objetivo de superar nossas qualidades negativas.

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(Dalai Lama, citado em A Arte da Felicidade)

Poder-se-ia indagar que valor há em seguirmos tal moralidade. O Buddha declarou que, do mesmo modo que a terra é a base de todas as coisas móveis e imóveis, a moralidade é a base do samadhi [concentração meditativa], da sabedoria e assim por diante, ou seja, de tudo o que tenha mérito, tanto mundano quanto transcendental. Como a pessoa dotada de moralidade se verá livre de impedimentos como o arrependimento e assim por diante, ela poderá gradualmente alcançar o samadhi. Com a obtenção da serenidade mental, pode surgir a visão verdadeira e precisa da consciência transcendental, e é por meio desta consciência que finalmente alcançamos o nirvana — a eliminação das aflições mentais.

(Rendawa Shönnu Lodrö, Sphutartha)

É possível abandonar a esperança fundamental de que existe um "eu" melhor que um dia surgirá. Não podemos simplesmente passar por cima de nós mesmos, como se não estivéssemos ali. É melhor olhar diretamente para nossas esperanças e medos. Então, surge uma espécie de confiança em nossa sanidade básica. É aqui que entra a renúncia — renúncia à esperança de que nossa experiência possa ser diferente, renúncia à esperança de que possamos ser melhores. As regras monásticas buddhistas que recomendam abandonar o álcool, o sexo e daí por diante, não querem dizer que esses hábitos sejam intrinsecamente maus ou imorais, mas que nós os utilizamos como babás. Nós os usamos para escapar, para conseguir alívio e distração. Quando renunciamos estamos, na verdade, desistindo da obstinada esperança de sermos salvos de nós mesmos. A renúncia é um ensinamento que nos estimula a investigar o que está acontecendo, sempre que nos agarramos a algo por não sermos salvos de nós mesmos. A renúncia é um ensinamento que nos estimula a investigar o que está acontecendo, sempre que nos agarramos a algo por não sermos capazes de enfrentar o que está surgindo.

(Pema Chödrön, Quando Tudo Se Desfaz)

III. Concentração (ou meditação, sânsc. e páli samadhi, adhisamadhi)6. Esforço correto (ou meditação correta, sânsc. samyak-vyayama, páli samma-vayamo): é a diligência para não voltar a cometer as atitudes negativas realizadas no passado; para não cometer atitudes negativas que não foram realizadas anteriormente; para aumentar as atitudes positivas já realizadas no passado; e para realizar as atitudes positivas que ainda não foram realizadas anteriormente.7. Atenção correta (ou vigilância correta, sânsc. samyak-smiriti, páli samma-sati): é a contemplação dos quatro fundamentos da atenção: o corpo (sânsc. e páli kaya), incluindo a respiração, os movimentos, a postura e o mundo físico; os sentimentos e sensações (sânsc. e páli vedana), sejam elas agradáveis, desagradáveis ou neutros; os estados

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da mente (sânsc. e páli chitta), como apego, aversão ou ignorância; os objetos mentais, ou a natureza fundamental dos fenômenos (sânsc. dharma, páli dhamma), incluindo as três marcas e as quatro nobres verdades.8. Concentração correta (sânsc. samyak-samadhi, páli samma-samadhi): é a meditação profunda sobre as quatro absorções (sânsc. dhyana, páli jhana) — na primeira absorção, há alegria e êxtase acompanhados pelo pensamento e análise; na segunda absorção, há alegria e êxtase vindos da concentração, e  focalização da percepção além do pensamento e da análise; na terceira absorção, há o êxtase na equanimidade, atenção e consciência, além da alegria; e na quarta absorção, há a pureza da equanimidade e da atenção, além do êxtase.

Monges, há quatro desenvolvimentos da concentração. Quais quatro? Há o desenvolvimento da concentração que, quando desenvolvido e seguido, conduz a uma permanência agradável no aqui e agora. Há o desenvolvimento da concentração que, quando desenvolvido e seguido, conduz ao atingimento do conhecimento e da visão. Há o desenvolvimento da concentração que, quando desenvolvido e seguido, conduz à atenção e à vigilância. Há o desenvolvimento da concentração que, quando desenvolvido e seguido, conduz ao fim dos efluentes.

(Samadhi Sutta, Anguttara Nikaya IV.41)

À medida em que levamos a graça e a harmonia da virtude para dentro de nossa vida exterior, também podemos começar a estabelecer uma ordem interna, um senso de paz e clareza. Este é o domínio da meditação formal e isto começa treinando-se o coração e a mente na concentração. Significa serenar a mente e juntar a mente e o corpo, focalizando nossa atenção sobre nossa experiência no momento presente.

(Jack Kornfield, Buscando a Essência da Sabedoria)

A grandeza da concentração é como a grandeza de um rei porque a concentração controla tudo.

(Maha-prajna-paramita Sutra)

Excitação e remorso, malquerença, indolência e sono, desejos dos sentidos e indecisão: reconheça estas cinco obstáculos como ladrões que roubam o tesouro da virtude.

(Nagarjuna, Suhrllekha)

Excitação é o estado em que a mente se desvia para objetos atraentes, e remorso é o arrependimento que surge pela prática de algo errado. Malquerença é o sentimento profundo de animosidade para com objetos que vemos com disposição hostil, enquanto indolência produz indisposição de corpo e mente por meio do enfraquecimento da mente. O sono provoca retração incontrolável da atenção da mente e os desejos dos sentidos são os desejos por objetos sensoriais — particularmente comida e sexo. Indecisão é o estado em que a mente fica dividida em

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sua atitude diante da liberação e do caminho que ela a produz. [...]

Por que são chamados "os cinco obstáculos"? Porque são nocivos aos três treinamentos. As atitudes de desejo dos sentidos e de malquerença prejudicam a ética superior pois o anseio por objetos sensoriais nos impede de adotar a prática da moralidade e, nos casos em que a moralidade tenha sido adotada, a animosidade nos impede de pôr em prática as instruções que recebemos de outra pessoa. A indolência e o sono são prejudiciais à concentração superior pois minam o vigor da mente enquanto estamos meditando para alcançar a meditação estabilizadora. A excitação e o remorso são empecilhos para a sabedoria superior porque fazem com que a mente se distraia com coisas externas quando estamos nos devotando a meditação que requeira reflexão profunda. A indecisão é prejudicial aos dois últimos treinamentos mencionados pois, se não resolvermos as incertezas que venham a surgir enquanto meditamos, não conseguiremos permanecer firmes no estado de equilíbrio que é a união da meditação estabilizadora com a meditação analítica.

(Rendawa Shönnu Lodrö, Sphutartha)

Os preceitos buddhistasMuitas vezes, em busca de liberdade e felicidade, as pessoas cometem ações negativas com o corpo, a fala e mente. Estas ações são condicionadas pelos hábitos negativos, maculadas pelos venenos da ignorância, apego e aversão. Ao se agarrarem a bens materiais, sexo, álcool, cigarro, drogas e assim por diante, a suposta liberdade transforma-se em uma prisão; a suposta felicidade torna-se sofrimento. Por isso, o Buddha deixou uma série de preceitos a serem observados pelos praticantes, servindo como diretrizes que apontam para o caminho correto. O fundamento ético dessas diretrizes não é baseado nas ordens de um "ser superior", mas sim no resultado prático dos preceitos: eles são moralmente benéficos; previnem a realização de atos que prejudiquem a si mesmo e aos outros; e finalmente conduzem a um estado mental propício à meditação. Estes preceitos são concedidos formalmente em por monges, monjas, mestres ou professores qualificados de uma tradição autêntica.Na ética buddhista, é muito conhecido o grupo de cinco preceitos (sânsc. pancha-shila, páli pancha-sila): não matar; não roubar; não cometer adultério; não mentir ou falar de maneira imprópria; e não usar substâncias que perturbem a mente (álcool, cigarro, drogas e semelhantes). Outro grupo, de dez preceitos (sânsc. dasha-kushala-karma-patha), inclui: não matar, mas proteger a vida; não roubar, mas praticar a generosidade; não cometer adultério, mas praticar a ética; não mentir, mas falar a verdade; não difamar, mas falar harmoniosamente; não falar de maneira rude, mas usar palavras reconfortantes; não tagarelar, mas falar com discrição e significado; não

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cobiçar, mas regozijar-se com a riqueza e as qualidades dos outros; não ter maldade, mas ter benevolência; não defender visões errôneas, mas cultivar as corretas.Os praticantes leigos geralmente tomam oito preceitos (sânsc. ashta-shila, páli attha-sila) nos dias de lua cheia e lua nova (sânsc. upavasa, páli uposatha): não matar; não roubar; não ter qualquer atividade sexuais; não mentir ou falar de maneira imprópria; não tomar substâncias que perturbem a mente; não comer após o meio-dia; não dançar, cantar, ouvir música, ir a entretenimentos, vestir adereços, usar perfumes e cosméticos; e não deitar em camas altas ou dormitórios grandes e luxuosos.A tradição Theravada segue o sistema de ordenação da antiga escola Sthaviravada. Os noviços (páli samanera) da tradição Theravada fazem dez votos (sânsc. dasha-shila, páli dasa-sila) permanentes: não matar; não roubar; não ter qualquer atividade sexual; não usar a fala de maneira incorreta; não usar substâncias que perturbam a mente; não comer após o meio-dia; não dançar, cantar, ouvir música, ir a entretenimentos; não vestir adereços, usar perfumes e cosméticos; não deitar em camas altas ou dormitórios grandes ou luxuosos; e não aceitar ouro e prata (dinheiro). Ao receberem a ordenação completa e se tornarem monges (páli. bhikkhu), eles faze fazem 227 votos; as monjas (páli bhikkhuni) faziam 311 votos, mas esta linhagem de ordenação infelizmente desapareceu.As praticantes theravadins que aspiram ser monjas costumam fazem os dez votos citados anteriormente e passam a ser chamadas de dasa-silas. Nos últimos anos, algumas têm procurado receber a ordenação completa de monjas do buddhismo Mahayana, cuja linhagem de ordenação feminina têm sido preservada até hoje. No buddhismo Mahayana chinês, coreano, japonês e vietnamita, os monges fazem 250 votos e as monjas fazem 348 votos, de acordo com o sistema de ordenação da antiga escola Dharmaguptaka.Já no buddhismo Vajrayana tibetano, de acordo com o sistema de ordenação da antiga escola Mula-sarsvastivada, os monges fazem 253 votos; as monjas faziam 364 votos, mas esta linhagem de ordenação infelizmente nunca foi completamente estabelecida no Tibet. Nos últimos anos, as praticantes das tradições tibetanas que aspiram ser monjas também têm procurado receber a ordenação monástica completa de monjas do buddhismo Mahayana, geralmente da tradição chinesa.

Eu tomo o treinamento de me abster de destruir os seres vivos. Eu tomo o treinamento de me abster de tomar aquilo que não me é dado. Eu tomo o treinamento de me abster de condutas sexuais incorretas. Eu tomo o treinamento de me abster da linguagem enganosa. Eu tomo o

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treinamento de me abster de substâncias que intoxicam e levam à desatenção e à confusão da mente.

(Panchasikkhapadapatha, citado no Livro das Devoções)

A prática do Dharma não depende de ser um monge, um noviço ou um leigo; ela depende de acertarmos a nossa compreensão. Se o nosso entendimento é correto, alcançaremos a paz. Quer você seja ordenado ou não, é a mesma coisa, todas as pessoas têm a oportunidade de praticar o Dharma, de contemplá-lo. Nós todos contemplamos a mesma coisa. Se você alcança a paz, é a mesma paz para todos; é o mesmo caminho, com os mesmos métodos.

(Ajaan Chah, O Gosto da Liberdade)

A vida do monge envolve simplicidade radical, contentamento com os requisitos mínimos, necessidade de ser paciente na dificuldade. O estilo de vista monástico coloca o monge na dependência da generosidade e bondade alheias, e impõe-lhe um intricado código de disciplina, o Vinaya, destinado a fomentar as essenciais virtudes da renúncia, como a simplicidade, a restrição e a natureza inofensiva. Essas virtudes provêem uma base sólida para as mais elevadas realizações em concentração e insight, que são, essencialmente, estágios na purificação progressiva da mente e no aprofundamento do insight. De importância primária, também, é a liberdade externa idealmente proporcionada pela ida monástica. O esquema monástica deixa o monge livre de exigências externas sobre seu tempo e energia, permitindo-lhe devotar-se integralmente à prática e estudo do Dharma. [...]

[Um modelo de vida laica] reconhece a capacidade do seguidor leigo para atingir os estágios de santidade nessa própria ida, e defende uma disciplina moral estrita e esforço persistente em meditação para obter insight profundo sobre a verdade do Dharma. [...] [E]sse modelo de vida buddhista leiga torna-se efetivo como um meio para realizações mais elevadas precisamente porque ele se assemelha ao modelo monástico. Assim, na extensão em que um seguidor leigo começa a prática do caminho direto para a realização, ele ou ela assim o fazem por se conformar ao estilo de um monge ou monja. [...]

Embora um estilo de vida monástica possa ser mais conducente à iluminação que uma vida atarefada no mundo, quando se trata de indivíduos mais do que de modelos fixos, as preocupações desmoronam desastradamente. Algumas pessoas leigas com pesados encargos sociais e familiares conseguem tão rápido progresso que podem dar orientação em meditação a monges sérios e não é absolutamente raro encontrar monges piedosos, profundamente engajados na prática, que avançam vagarosamente e com dificuldade. Enquanto a vida monástica vivida de acordo com o ideal original pode prover as condições externas ótimas para o progresso espiritual, o verdadeiro ritmo do progresso espiritual depende de esforço pessoal e do conjunto de qualidades que a pessoa traz de suas vidas anteriores [...]. De qualquer modo, seja para o monge, monja ou pessoa leiga, o caminho para o nirvana é o mesmo: o nobre caminho óctuplo. Quaisquer que possam ser as circunstâncias pessoais, se alguém é verdadeiramente sério na busca de alcançar a meta final do

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Dharma, essa pessoa fará todo esforço para trilhar esse caminho da maneira que melhor se adapte às circunstâncias de sua vida.

(Bhikkhu Bodhi, Estilos de Vida e Progresso Espiritual)

Apliquem-se na busca das quatro verdades através da sabedoria, da ética e da meditação. Treinem sempre na ética superior, na sabedoria superior e na concentração superior. Esses três treinamentos incluem os mais de duzentos e cinqüenta preceitos. [...] Por meio da ética, da sabedoria e da meditação, é preciso alcançar o nirvana — o estado imaculado de paz e aquietamento.

(Nagarjuna, Suhrllekha)

A essência da ética é possuir as quatro qualidades compostas por — [1] tomar e [2] observar [os votos], [3] manter a intenção de renunciar aos defeitos pessoais e [4] ter um estado mental que é completamente deleitado e interessado nos treinamentos enquanto retém a atitude de procurar a liberação.

(Jamgön Kongtrül Lodrö Thaye, The Light of Wisdom)

Embora a palavra "renúncia" seja freqüentemente usada nas traduções de textos buddhistas, não transmite o significado exato. É mais certo dizer que devemos desenvolver a determinação de nos liberar da existência cíclica. Não temos de renunciar a pessoas e coisas, mas a nosso apego a elas. Não há nada de errado com o mundo; o verdadeiro problema está nas atitudes perturbadoras. Por exemplo, dinheiro não é o problema — é apenas papel. Contudo, o desejo de obtê-lo causa muitos problemas. Essas atitudes erradas e prejudiciais devem ser evitadas. 

(Thubten Chodron, O Que é Budismo)

Renunciar ao mundo significa desistir dos seus apegos ao mundo. Não significa que você tenha que se separar dele. O verdadeiro propósito da doutrina buddhista é servir os outros. Para servir os outros você precisa permanecer na sociedade. Não deve se isolar do restante dela.

(Dalai Lama, A Prática da Benevolência e da Compaixão)

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Os sete fatores do despertarHá uma série de qualidades ligadas à prática de meditação que são denominadas sete fatores do despertar (sânsc. saptabodhyanga, páli sambojjhanga):

1. Atenção plena ou lembrança (sânsc. smiriti, páli sati): é a raiz dos outros fatores, a lembrança do Dharma, ter consciência clara do que ocorre a cada momento, vendo diretamente aos coisas como realmente, desenvolvendo os outros fatores do despertar e equilibrando a mente. Existem quatro fundamentos da atenção: sobre o corpo (sânsc. e páli kaya), incluindo a respiração, os movimentos, a postura e o mundo físico; sobre os sentimentos e sensações (sânsc. e páli vedana), sejam elas agradáveis, desagradáveis ou neutros; sobre os estados da mente (sânsc. e páli chitta), como apego, aversão ou ignorância; e sobre os objetos mentais, ou a natureza fundamental dos fenômenos (sânsc. dharma, páli dhamma), incluindo as três marcas e as quatro nobres verdades.

2. Investigação ou discernimento dos fenômenos (sânsc. dharma-pravichaya, páli dhamma-vichaya) ou sabedoria (sânsc. prajna): resultante da atenção, é a análise dos fatores mentais e a identificação dos estados mentais positivos.

3. Esforço, vigor, diligência, perseverança ou energia (sânsc. e páli virya): resultante da investigação, é o deleite na virtude, o esforço para manter a atenção através da prática, que aumenta as qualidades positivas identificadas anteriormente e elimina as qualidades negativas.

4. Êxtase ou alegria (sânsc. priti, páli piti): resultante do esforço, é um deleite da atenção estável e da mente calma.

5. Tranqüilidade ou diligência extrema (sânsc. prashrabdhi, páli passaddhi): resultante do êxtase, é o descanso silencioso e pacífico do corpo e da mente em sua natureza, um estado mais refinado de êxtase ou felicidade espiritual.

6. Concentração (sânsc. e páli samadhi): resultante da tranqüilidade, são os estados de profunda absorção meditativa (sânsc. dhyana).

7. Equanimidade (sânsc. upeksha, páli upekkha): resultante da concentração, é um estado natural e relaxado, a capacidade de experienciar de maneira estável as diferentes situações do mundo físico, das sensações, da mente e dos fenômenos; é caracterizada

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pela profunda tranqüilidade e insight, completamente livre de oscilações. Esses sete fatores da iluminação são bem expostos por mim [Buddha], são cultivados e plenamente desenvolvidos por mim. Eles conduzem ao entendimento perfeito, à completa realização e ao nirvana.

(Gilana Sutta, Samyutta Nikaya XLVI.14)

Os sete fatores do despertar são sete qualidades da mente que devem ser desenvolvidas como base da iluminação ou despertar da visão clara da realidade. [...] Os meditantes não fazem nada de especial. Não voam nem lêem pensamentos. Apenas fazem todas as coisas da vida de uma forma atenta e tranqüila. Não o que se faz, mas o como. Lavar pratos ou varrer a casa pode ser uma experiência iluminante no sentido de despertar a consciência para a realidade.

(Ricardo Sasaki, O Caminho Contemplativo)

Esses sete fatores de iluminação são como a seiva que flui através da árvore de liberação do Buddha, nutrindo todas as suas partes. Eles são as qualidades do coração e da mente que surgem com a prática espiritual e representam o centro, a essência para onde seus ensinamentos práticos e sistemáticos nos levam. Quando são entendidos, eles apontam para experiências inspiradoras e genuína em nossa prática. Não são uma descrição abstrata ou remota, mas são relevantes para como, na realidade, aprofundar nossa meditação e para o desenvolvimento de uma vida espiritual plena e unificada.

Os sete fatores de iluminação são qualidades da mente que, quando cultivadas pela prática, afetam profundamente nossa relação como o mundo ao nosso redor. Eles incluem três qualidades despertadoras [investigação, esforço, êxtase], três qualidades estabilizadoras [tranqüilidade, concentração, equanimidade] e a atenção, que serve como um fator de equilíbrio e ligação. Compreendê-los é conhecer a prescrição de um remédio poderoso e curativo. Então teremos que tomar o remédio, o que na meditação é uma questão de realmente desenvolver esses estados mentais. Ao praticarmos, podemos chegar a sentir como essas qualidades operam em nossas mente e em nossas vidas. O cultivo e o despertar dessas qualidades trazem liberdade ao indivíduo e proporcionam a transmissão viva do Dharma. [...]

O Buddha descreve os sete fatores da iluminação como o fruto da prática e como os estados da mente a partir dos quais a iluminação surge. Com os anos de prática, seja em retiros ou em nossa vida cotidiana, podemos começar a experimentar essas qualidades em nosso coração e mente, podemos sentir sua força dentro de nós. Nas horas em que os medos e os planos da mente reativa e discursiva se tornam silenciosos, podemos começar a ver como essas qualidades são nosso estado natural, permeando as paixões e profusões da mente. Incorporar esses fatores de iluminação é despertar para nosso pleno potencial interno. [...] Através do desenvolvimento e do equilíbrio dessas sete qualidades, podemos romper os padrões condicionados da mente e vir a conhecer nossas verdades mais profundas. Aquilo que estava escondido torna-se visível; aquilo que estava confuso passa a ficar claro. Podemos viver nossas

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vidas em harmonia, com grandeza de coração e uma mente clara, e podemos sentir a paz.

(Jack Kornfield, Buscando a Essência da Sabedoria)

Quando todos estes diferentes fatores mentais são cultivados e levados à maturidade, a mente torna-se liberada de todo tipo de contaminação, de todo tipo de sofrimento. Todos os vários caminhos espirituais estão interessados no cultivo de um, outro ou todos esses sete fatores de liberdade.

O primeiro fator de iluminação é a atenção. Atenção é a qualidade de notar, de estar consciente do que está acontecendo no momento, não permitindo que a mente fique enevoada, desatenta. O Buddha disse que não conhecia nenhum outro fator tão poderoso quanto a atenção para o cultivo de estados mentais benéficos e para a diminuição dos maléficos. Não há nada especial a se fazer para diminuir os estados mentais inúteis ou para fazer surgir os úteis, exceto ficarmos conscientes do momento. A própria consciência é a força de purificação. [...]

O segundo fator de iluminação é chamado de investigação do dharma. É a qualidade de uma mente que está investigando, sondando, analisando o processo mente-corpo, não como pensamentos, não num nível conceitual, mas com uma mente silenciosa e quieta. Ela está investigando intuitiva e experimentalmente como todo o processo funciona. É outro nome para o fator da sabedoria, aquela luz na mente que ilumina tudo que está acontecendo. Quando a investigação estiver sendo cultivada, vê-se que tudo em nossa mente e corpo está em estado fluido. Não há nada permanente, tudo está surgindo e sumindo continuamente. Tanto a consciência quanto os objetos estão vindo e indo. [...]

O terceiro fator de iluminação é a energia ou o esforço. Nada acontece sem esforço. Quando desejamos executar qualquer coisa que seja no mundo, se desejamos dinheiro ou proficiência em alguma habilidade, há uma certa quantidade de esforço que precisa ser colocada em movimento. O que estamos fazendo agora é cultivar o mais elevado bem. Temos que colocar energia e esforço nisso. [...]

O quarto fator de iluminação é o êxtase. Êxtase significa um interesse intenso pelo objeto. Tem sido descrido como deleite. Um interesse prazeroso no que está ocorrendo. Assemelha-se a uma pessoa que estivesse andando no deserto por muitos dias, sentindo muito calor e cansaço e que estivesse suja e com sede. Não muito longe ela vê um lago de águas cristalinas. O interesse que sua mente terá por aquela água, o prazer que ela sentirá, isso se assemelha ao fator êxtase da iluminação. O êxtase é uma amplidão na mente nascida do desapego, livre de agarramento, apego ou envolvimento identificado. [...]

O quinto fator de iluminação é a calma. O exemplo dado para esse tipo de tranqüilidade é o de alguém vindo de um intenso sol para a sombra de uma grande árvore. O frescor que essa pessoa sente é como o fator da calma, quando todas as paixões são extintas, uma mente renovada sem a queimação da luxúria ou da raiva.

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O sexto fator de iluminação é a concentração. Concentração significa a habilidade que a mente tem de permanecer focalizada sobre um objeto, permanecer firme sem tremer nem vacilar, flutuando de objeto em objeto. A concentração dá força e poder de penetração à mente. [...]

O último fator de iluminação é a equanimidade. Equanimidade significa equilíbrio da mente. Quando todas as coisas vão bem, não há surpresas muito grandes. Quando as coisas não vão tão bem, não há depressão. A equanimidade é uma imparcialidade em relação a todos os fenômenos, é tratar todos os fenômenos com igualdade. 

(Joseph Goldstein, A Experiência do Insight)

O primeiro e principal fator do despertar — o primeiro ramo da árvore de bodhi — é a atenção plena (sânsc. smiriti). Smiriti significa literalmente "recordar-se", não esquecer de onde estamos, o que estamos fazendo e com quem. A atenção plena surge sempre dentro do contexto do relacionamento com nós mesmos, com as outras pessoas e com as coisas. [...]

A investigação dos fenômenos (sânsc. dharma-pravichaya) é o segundo fator do despertar. Nós, seres humanos, adoramos investigar as coisas. Muitas vezes queremos que o resultado de nossas investigações se encaixe em um certo molde ou prove uma certa teoria, mas outras vezes estamos mais abertos e deixamos que as coisas simplesmente se mostrem como são. No último caso, nosso conhecimento e nossos limites se expandem. [...]

O terceiro fator do despertar é virya, que significa esforço, energia, diligência ou perseverança. A energia vem de muitas fontes diferentes. Às vezes, só de pensar naquilo que podemos obter no futuro já é suficiente par nos energizarmos. No buddhismo, as fontes de energia são a atenção plena, a investigação e a fé na prática. [...]

O quarto fator do despertar é a tranqüilidade (sânsc. prashrabdhi). O esforço é sempre acompanhado pela sensação de estar à vontade. No chamado terceiro mundo, as pessoas se sentem muito mais à vontade do que nos países considerados "desenvolvidos", do primeiro mundo. Nestes, todos estão sempre sob enorme pressão e são necessários programas para reduzir o nível de estresse. O estresse vem de pensar e de se preocupar sem parar com o estilo de vida. Pelo menos uma vez a cada quinze minutos, deveríamos praticar soltar tudo, largar as preocupações. [..]

O quinto fator do despertar é a alegria (sânsc. priti). A alegria acompanha a felicidade (sânsc. sukha), mas as duas são diferentes. Quando estamos com sede e um copo de água nos é servido, sentimos alegria. Quando bebemos a água, sentimos felicidade. É possível gerar alegria em nossa mente, mesmo quando o corpo não está bem. Isso, por seu lado, ajudará o corpo. A alegria vem de entrar em contato com cosias renovadoras e lindas, dentro e fora de nós. [...]

O sexto fator do despertar é a concentração (sânsc. samadhi). Sam significa junto, a significa para um determinado lugar, e dhi é a energia da mente. Coletamos a energia da mente e a direcionamos a um objeto. Com concentração, nossa mente fica focalizada e quieta, permanecendo

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naturalmente voltada para o objeto. Para ter atenção plena precisamos de concentração. Depois que a atenção plena for desenvolvida, a concentração logo se intensifica. [...]

O sétimo fator do despertar é a equanimidade, ou, em outras palavras, a disposição para soltar as coisas (sânsc. upeksha). A equanimidade é um aspecto do verdadeiro amor. Não tem nada a ver com indiferença. Ao praticar a equanimidade, amamos todas as pessoas da mesma maneira. [...]

Os sete fatores do despertar são os ramos de uma única árvore. Se a atenção plena for desenvolvida e mantida, a investigação dos fenômenos será bem-sucedida. A alegria e a tranqüilidade são sensações maravilhosas, alimentadas pelo esforço. A concentração leva à compreensão. Quando a compreensão está presente, conseguimos parar de comparar, discriminar e reagir e realizamos a equanimidade. As pessoas equânimes têm sempre um meio sorriso nos lábios, mostrando sua compaixão e sua compreensão. Os sete fatores do despertar, quando praticados diligentemente, conduzem à verdadeira compreensão e emancipação.

(Thich Nhat Hanh, The Heart of the Buddha's Teaching)

Lembrança, discernimento dos fenômenos, esforço, alegria, diligência extrema, concentração e equanimidade: estes são os setes fatores da iluminação, o conjunto de virtudes que propiciam a realização do nirvana.

(Nagarjuna, Surhllekha)

A fim de conquistar os objetos não-conquistados do conhecimento, pratique sempre a lembrança. Por meio do discernimento [dos fenômenos], todos os sinais da conceitualização são destruídos. O esforço leva velozmente à realização e, com o crescer da luz do Dharma, a alegria traz constantemente o desenvolvimento. Por nos libertar de todos os obstáculos, atingimos a felicidade por meio da diligência extrema. A concentração nos faz alcançar os resultados desejados. Por meio da equanimidade, permanecemos em toda parte da maneira como desejamos.

(Maitreya, Mahayana Sutra Alamkara)

Lembrança significa não esquecer os objetos de atenção, as [quatro nobres] verdades. Sabedoria é o discernimento integral dos fenômenos. Esforço é deleite na virtude, ao passo que alegria é o estado de satisfação mental diante dela. Diligência extrema é aptidão de corpo e mente. O sexto é a concentração. Equanimidade é um estado natural e relaxo em que tanto o obscurecimento quanto a excitação mentais estão ausentes.

(Rendawa Shönnu Lodrö, Sphutartha)

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As cinco faculdades e poderesA prática de meditação resulta em cinco faculdades espirituais ou bases (sânsc. e páli indriya) que, quando colocadas em prática, são chamadas de cinco poderes (sânsc. e páli bala). Às vezes são chamados também de ensinamentos supremos (sânsc. agridharma) e de ápices (sânsc. murdhana):

Fé ou convicção (sânsc. shraddha, páli saddha): é a raiz das outras faculdades, a confiança obtida ao se colocar os ensinamentos em prática;

Esforço, vigor, diligência, perseverança ou energia (sânsc. e páli virya): é a prática diligente e jubilosa, o deleite na virtude, resultante da fé;

Atenção ou lembrança (sânsc. smiriti, páli sati): é o sétimo item da senda óctupla, a lembrança do Dharma e de seus diversos aspectos, resultado da diligência;

Concentração (sânsc. e páli samadhi): é o oitavo item da senda óctupla, a mente voltada para os diversos aspectos do Dharma, resultado da atenção;

Sabedoria, discernimento ou insight (sânsc. prajna, páli panna): é a habilidade de ver claramente os diversos aspectos do Dharma e a verdadeira natureza dos fenômenos. Aqueles que não compreenderam, viram, penetraram, realizaram ou alcançaram por meio do discernimento teriam que aceitar com base na fé nos outros que a faculdade da convicção... energia... atenção plena... concentração... sabedoria, quando desenvolvida e perseguida, mergulha no imortal, possui o imortal como objetivo e realização; enquanto que aqueles que compreenderam, viram, penetraram, realizaram ou alcançaram por meio do discernimento não teriam dúvida ou incerteza de que a faculdade da convicção... energia... atenção plena... concentração... sabedoria, quando desenvolvida e perseguida, mergulha no imortal, possui o imortal como objetivo e realização.

(Pubbakotthaka Sutta, Samyutta Nikaya XLVIII.44)

A prática dos ensinamentos do Buddha é mais comumente descrita pela imagem de uma jornada e os oito fatores da nobre senda óctupla constituindo a estrada real pela qual o discípulo deve viajar. As escrituras buddhistas, no entanto, ilustram a busca pela libertação de várias outras formas e cada uma delas projetando uma luz distinta sobre a natureza da prática. Embora as formulações alternativas

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inevitavelmente se apóiem sobre o mesmo conjunto básico de fatores mentais como aqueles que compõem o caminho óctuplo, elas estruturam esses fatores ao redor de uma "metáfora raiz" distinta — uma imagem que evoca um conjunto particular de associações e que destaca diferentes aspectos do esforço para alcançar a cessação do sofrimento. 

Um dos grupos de fatores, que recebe uma proeminência especial nos sutras, incluído pelo Buddha entre os trinta e sete requisitos para a iluminação, é o das cinco faculdades espirituais: as faculdades da convicção, energia, atenção plena, concentração e sabedoria. O termo indriya, faculdades, aplicado a esse grupo como um todo é derivado do nome do antigo deus Indra dos Vedas, soberano dos devas e o termo conseqüentemente sugere a qualidade divina de controle e domínio. As cinco faculdades são designadas dessa forma porque elas exercem controle nos seus compartimentos específicos da vida espiritual. Tal como o deus Indra venceu os demônios e obteve a supremacia entre os deuses, da mesma forma cada uma das cinco faculdades é requisitada para subjugar uma deficiência mental em particular e para dirigir a potência mental correspondente em direção ao rompimento das barreiras para a alcançar a iluminação. [...]

Na prática do Dharma cada uma dessas faculdades tem que simultaneamente desempenhar a sua própria função específica e se harmonizar com as demais faculdades para estabelecer o equilíbrio necessário para a clara compreensão. As cinco faculdades alcançam a completa maturidade no desenvolvimento do insight através da meditação, o caminho direto para o despertar. Nesse processo, a faculdade da convicção proporciona o elemento de inspiração e aspiração que dirige a mente para longe do pântano da dúvida estabelecendo-a com tranqüila confiança nas Três Jóias como a base suprema para a libertação. A faculdade da energia acende o fogo do esforço sustentado que queima os obstáculos e causa a maturação dos fatores que amadurecem com o despertar. A faculdade da atenção plena contribui com a clara consciência, o antídoto para o descuido e o pré-requisito para o entendimento. A faculdade da concentração mantém o foco da atenção, calmo e controlado, firmemente focado no surgimento e desaparecimento dos eventos corporais e mentais. E a faculdade da sabedoria, que o Buddha chama de virtude máxima entre os requisitos para a iluminação, remove a penumbra da ignorância e ilumina as verdadeiras características dos fenômenos.

Da mesma forma que as cinco faculdades, consideradas individualmente, desempenham, cada uma, as suas tarefas únicas em seus respectivos domínios, como um grupo elas executam a tarefa coletiva de estabelecer o equilíbrio interno e a harmonia. Para obter esse esforço equilibrado, as faculdades são divididas em pares nos quais cada membro deve contrapor a inerente tendência indesejável do outro, permitindo assim que realizem o seu pleno potencial. As faculdades da confiança e da sabedoria formam um par, tendo como objetivo equilibrar a capacidade para a devoção e a compreensão; as faculdades da energia e da concentração formam um segundo par tendo como objetivo equilibrar a capacidade para o esforço ativo e a calma contemplação. Acima dos pares complementares encontra-se a faculdade da atenção plena que protege a mente dos extremos e assegura que os membros de cada par mantenham um ao outro em um refreamento mútuo, uma tensão que os enriquece mutuamente.

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(Bhikkhu Bodhi, As Cinco Faculdades Espirituais)

Devemos nos empenhar com zelo na busca da fé, vigor, atenção, concentração e sabedoria — os cinco ensinamentos supremos, também conhecidos como as forças, os poderes e os ápices.

(Nagarjuna, Surhllekha)

[Há uma história] sobre um homem e um cavalo. O cavalo está galopando rapidamente e parece que o homem sobre o cavalo está indo a algum lugar importante. Um outro homem, de pé ao lado da estrada, pergunta, "Aonde você está indo?", e o primeiro homem responde, "Não sei! Pergunte ao cavalo!" Esta também é a nossa história. Nós estamos cavalgando o cavalo, não sabemos aonde estamos indo e não podemos parar. O cavalo é a nossa força do hábito [sânsc. vashana] nos levando e, nós estamos sem poder. Estamos sempre correndo e isto tornou-se um hábito. Estamos brigando todo o tempo, mesmo durante nosso sono. Estamos em guerra dentro de nós mesmos e podemos facilmente iniciar uma guerra com os outros. [...]

A atenção é a energia que nos permite reconhecer nossa força do hábito e impedi-la de nos dominar. A atenção é a energia que podemos produzir em nossas vidas diárias para trazer nosso paraíso de volta. As cinco faculdades, ou bases, são as usinas que podem nos ajudar a gerar esta energia em nós mesmos. Os cinco poderes são essa energia em ação. As cinco faculdades e poderes são a fé, a energia, a atenção, a concentração e o insight. Quando praticadas como bases, são como fábricas que produzem eletricidade. Quando praticados como poderes, têm a capacidade de nos trazer todos os elementos da senda óctupla, assim como a eletricidade manifesta-se como luz ou calor.

O primeiro dos cinco é a fé. Quando tempos fé, é desatrelada uma grande energia em nós. Se nossa fé é inconfiável ou falsa em algo, não informada pelo insight, mais cedo ou mais tarde ela nos conduzirá a um estado de dúvida e suspeita. Mas quando nossa fé é feita de insight e compreensão, tocaremos as coisas que são boas, belas e confiáveis. A fé é a confiança que recebemos quando colocamos em prática um ensinamento que nos ajuda a superar as dificuldades e a obter alguma transformação. É como a confiança que um fazendeiro tem em seu modo de fazer crescer as colheitas. Não é uma fé cega. Não é uma crença em uma conjunto de idéias ou dogmas.

O segundo poder é a diligência, a energia que traz felicidade para a nossa prática. A fé dá nascimento à diligencia, e esta diligência continua a fortalecer nossa fé. Animados com esta energia diligente, nos tornamos verdadeiramente vivos. Nossos olhos brilham e nossos passos são sólidos.

O terceiro poder é a atenção. Para olhar profundamente, para ter um insight profundo, usamos a energia da atenção correta. A meditação é uma usina para a atenção. Quando nos sentamos, comemos uma refeição ou lavamos pratos, podemos aprender a ser atentos. A atenção nos permite olhar profundamente e ver o que está acontecendo. A atenção é o arado, a enxada e a fonte d'água que irriga o insight. Somos o jardineiro — arando, semeando e irrigando nossas sementes benéficas.

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O quarto poder é a concentração. Para olhar profundamente e ver claramente, precisamos de concentração, precisamos de concentração. Quando comemos, lavamos pratos, andamos, nos sentamos, deitamos, respiramos ou trabalhamos em atenção, desenvolvemos a concentração. A atenção conduz à concentração, e a concentração conduz ao insight e à fé. Com estas quatro qualidades, nossa vida é preenchida com alegria e com a energia de ser vivo, que é o segundo poder.

O quinto poder é o insight, ou sabedoria, a habilidade de olhar profundamente e ver claramente, e também o entendimento que resulta desta prática. Quando podemos ver claramente, abandonamos o que é falso e nossa fé torna-se a fé correta.

Quando todas as cinco usinas estão trabalhando, produzindo eletricidade, não são mais faculdades apenas. Tornam-se os cinco poderes. Há uma diferença entre produzir algo e ter o poder que ele gerou. Se não houver energia suficiente em nosso corpo e mente, nossas cinco usinas precisam de reparo. Quando nossas usinas funcionam bem, somos capazes de produzir a energia que precisamos para a nossa prática e para a nossa felicidade.

(Thich Nhat Hanh, The Heart of the Buddha's Teaching)

Fé é a crença sincera nas verdades, enquanto vigor é o deleite em trazê-las à tona. O estado mental que não esquece das verdades e de seus aspectos é a atenção. Concentração é a unidirecionalidade da mente voltada para os vários aspectos das verdades, e sabedoria, o verdadeiro discernimento desses aspectos. Devemos nos empenhar com diligência para desenvolver estas cinco qualidades e praticá-las continuamente.

Quando servem de causa imediata para se atingir o caminho dos nobres, as cinco são chamadas de "ensinamentos supremos". Durante o estágio da paciência do caminho da preparação, são chamadas "forças" porque não mais podem ser vencidas por seus opostos negativos. Por ocasião do estágio do aquecimento do mesmo caminho, são chamadas "poderes" porque exercem grande influência para o surgimento da compreensão das verdades. E quando as cinco se desenvolvem até o ponto em que a virtude acumulada não é mais passível de regressão, são também chamadas "ápices". [...] A visão correta induz ao surgimento destas cinco faculdades espirituais.

(Rendawa Shönnu Lodrö, Sphutartha)

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Os doze elos da interdependência

Este é um dos mais complexos e profundos ensinamentos do buddhismo, geralmente estudado com a ajuda de um mestre ou professor qualificado de uma tradição autêntica. De acordo com o surgimento condicionado, surgimento interdependente ou surgimento co-dependente (sânsc. pratitya samutpada, páli paticcha samuppada), todos os fenômenos condicionados (sânsc. samskrita dharma, páli sankhate dhamma) surgem, acontecem e desaparecem; estes três acontecimentos só podem ocorrer devido a determinadas causas e condições. Portanto, as coisas não surgem a partir de um "criador", nem "ao acaso"; elas surgem através do processo da causalidade. O samsara — a existência cíclica, o mundo dos fenômenos — é condicionado, interdependente, ao contrário da paz infinita do nirvana, que é um estado incondicionado. Os ensinamentos sobre a interdependência são muito similares à teoria física do bootstrap, segundo a qual nenhuma partícula é mais fundamental que qualquer outra; cada partícula existe por causa da existência de todas as outras.Todos os fenômenos são como densas nuvens de elementos, sempre fluindo e se transformando, sem uma essência permanente ou independente. Todos os seres são como rios de agregados, sem um "eu" permanente ou uma identidade fixa. Como ensinam alguns mestres buddhistas, os elementos de nosso corpo já foram parte da terra; os fluidos que circulam em nosso corpo já foram a mesma água de mares, lagos, rios e nuvens. Do mesmo modo, o ar de nossos pulmões já foi o mesmo ar dos ventos, o calor do corpo já foi o mesmo calor dos raios de sol. E mais uma vez, devido à impermanência, este elementos retornarão à natureza da qual dependem — todos os fenômenos são interdependentes.

Quando há isto, há aquilo; do surgimento disto vem o surgimento daquilo. Quando não isto, não há aquilo; da cessação disto vem a cessação daquilo.

(Bodhi Sutta, Udana I.3)

Se você é poeta, vê claramente uma nuvem em um papel em branco. Se não existir a nuvem, a chuva não cai. Se não cair a chuva, a árvore não cresce. Se não cresce a árvore, não se faz papel. Então, podemos dizer que o papel e a nuvem se encontram em interexistência [ou interdependência]. Se observarmos mais profundamente o papel, veremos nele a luz do sol. Sem a luz do sol, o mato não cresce. Ou melhor, sem ela, nada no mundo cresce. Por isso, reconhecemos que a luz do sol também existe no papel em branco. O papel e a luz do sol encontram-se em interexistência. Se continuarmos observando

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profundamente, veremos o lenhador que cortou a árvore posteriormente levada à marcenaria. Veremos também o trigo no papel. Sabemos que o lenhador não pode existir sem o pão de cada dia. Por isso, o trigo, a matéria-prima do pão, também existe no papel. Pensando desta maneira, reconhecemos que um papel branco não pode existir quando faltar qualquer um destes elementos. Não posso citar nada que não esteja aqui, agora. O tempo, o espaço, a chuva, os minerais contidos no solo, a luz do sol, as nuvens, os rios, o calor... tudo está aqui, agora. Não podemos existir sozinhos.

Este papel branco é totalmente constituído de "elementos que não são papel". Se devolvermos todos os "elementos que não sejam papel" à sua origem, o papel deixará de existir. O papel não existirá se forem tirados os "elementos que não sejam papel". O papel, em sua espessura fina, contém tudo do universo. Nele, não há nada que não exista em interdependência. A inexistência de elementos independentes significa que tudo é satisfeito por tudo. Temos que existir em interexistência com os demais, assim como um papel que existe porque todo os demais elementos existem.

(Thich Nhat Hanh, citado em Caminho Zen)

Se tudo é impermanente, então tudo é o que chamamos "vazio" [sânsc. shunya], o que significa ausência de qualquer existência durável, estável e inerente; e todas as coisas, quando vistas e compreendidas em sua verdadeira relação, não são independentes, mas interdependentes entre si. O Buddha comparou o universo a uma vasta rede composta por uma infinita variedade de jóias brilhantes, cada uma delas com um número incontável de facetas. Cada jóia reflete em si mesma toda outra jóia do conjunto e é de fato una com toda as demais. Pense numa onda no mar. Vista de um modo, parece ter uma identidade distinta, um fim e um começo, um nascimento e uma morte. Vista de outro modo, a onda não existe, mas é apenas o comportamento da água, "vazia" de toda identidade separada, mas "cheia" de água. Assim, quando você pensa a respeito da onda, vem a perceber que se trata de algo que se tornou temporariamente possível pelo vento e pela água, e que é dependente de um conjunto de circunstâncias permanentemente mutáveis. Você também percebe que cada onda está relacionada com todas as outras ondas. Quando observamos atentamente, nada tem qualquer existência inerente e própria, e essa ausência de existência independente é o que chamamos "vacuidade" [sânsc. shunyata].

(Sogyal Rinpoche, O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)

Se analisarmos ou dissecarmos uma flor procurando pela flor entre suas partes, não iremos encontrá-la. Isso sugere que a flor não possui uma realidade intrínseca. O mesmo é válido para um carro, uma mesa ou uma cadeira. E mesmo sabores e odores podem ser separados analítica ou cientificamente a ponto de não mais podemos apontar um sabor ou um odor. Ainda assim, não podemos negar a existência das flores e de seu doce aroma. [...] Então o que é vacuidade? É simplesmente essa impossibilidade de encontrar. Quando procuramos pela flor entre suas partes, somos confrontados com a ausência de tal flor. Mas então a flor não existe? É claro que existe. Buscar o âmago de qualquer fenômeno é

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em última análise chegar a uma apreciação mais sutil de sua vacuidade, sua impossibilidade de ser encontrado. Contudo, não devemos pensar na vacuidade de uma flor simplesmente como a incapacidade de encontrá-la com que deparamos quando procuramos entre suas partes. Mais exatamente, a natureza dependente da flor, ou de qualquer objeto que você queira citar, é que define sua vacuidade. Isso é chamado de origem dependente. A noção de origem dependente é explicada de vários modos por diferentes filósofos buddhistas. Alguns a definem simplesmente em relação com as leis da causação. Eles explicam que, uma fez que uma coisa como uma flor é um produto de causas e condições, ela surge de modo dependente. Outros interpretam a dependência de forma mais sutil. Para eles, um fenômenos é dependente quando depende de suas partes, do modo como nossa flor depende de suas pétalas, estame e pistilo. Existe uma interpretação ainda mais sutil da origem dependente. Dentro do contexto de um fenômeno único como a flor, suas partes — as pétalas, estame e pistilo — e o nosso pensamento reconhecendo ou nomeando a flor são mutuamente dependentes. Um não pode existir sem o outro. Eles também são fenômenos mutuamente exclusivos, separados. Portanto, ao analisar ou procurar uma flor entre suas partes, você não irá encontrá-la. Ainda assim, a percepção da flor existe apenas em relação às partes que a constituem. Dessa compreensão da origem dependente decorre a rejeição a qualquer idéia de existência intrínseca ou inerente.

(Dalai Lama, Um Coração Aberto)

A interdependência foi esquematizada na cadeia de elos do surgimento dependente, geralmente em número de doze. Eles são representados simbolicamente em uma ilustração muito conhecida nos meios buddhistas como a roda da vida (sânsc. bhavachakra):

1. Ignorância (sânsc. avidya): não se trata da falta de conhecimento mundano, mas sim do  desconhecimento das quatro nobres verdades, das três marcas e assim por diante. Este obscurecimento origina todos os outros elos — os seres ignoram a impermanência e se apegam a coisas temporárias; ignoram a interdependência e passam a ver as pessoas e coisas como se fossem independentes; e ignoram também os resultados do karma, criando sofrimento através de ações, palavras e pensamentos negativos.

2. Vontade, volição, impulso, conceito, pensamento ativo, formações mentais ou fatores composicionais (sânsc. samskara): o quarto dos cinco agregados, resultante da ignorância, é composto pelas marcas kármicas, vontades, impulsos ou hábitos que originam as ações do corpo, da fala e da mente.

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3. Consciência (sânsc. vijnana): como resultado das formações, há seis tipos de consciência, relacionadas aos seis órgãos dos sentidos (olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, mente).

4. Nome e forma (sânsc. nama-rupa): "nome" se refere às sensações, percepções, vontade e consciência, enquanto "forma" se refere aos elementos do corpo: fogo, água, terra e ar. Forma, sentimentos, percepções, vontade e consciência são os cinco que compõem a existência; são resultantes da consciência.

5. Seis sentidos (sânsc. shadayatana): visão, audição, olfato, paladar, tato e consciência, resultantes do nome e forma.

6. Contato (sânsc. sparsha): resultantes do encontro dos seis órgãos dos sentidos (olhos, ouvidos etc.) e de suas consciências (consciência visual, auditiva etc.) com seus respectivos objetos (cores, sons, odores, sabores, formas/texturas, pensamentos).

7. Sensação ou sentimento (sânsc. vedana): o segundo dos cinco agregados, resultam dos contatos, são classificadas como agradáveis, desagradáveis ou neutras.

8. Desejo (sânsc. trishna): querer as coisas que trouxeram sensações agradáveis e não querer as coisas que trouxeram sensações desagradáveis.

9. Apego (sânsc. upadana): como resultado dos desejos, surgem quatro tipos de apego; o apego sensual ou aos prazeres; o apego às idéias, opiniões e visões; o apego aos rituais, cerimônias e regras; e o apego ao falso "eu" ou "ego".

10. Existência, devir ou vir-a-ser (sânsc. bhava): como resultado do apego, surgem três tipos de existência: nos prazeres (sânsc. kamadhatu), na forma (sânsc. rupadhatu) e na não-forma (sânsc. arupadhatu).

11. Nascimento (sânsc. jati): é o processo de surgimento em um dos reinos de renascimento, o aparecimento dos agregados e a aquisição dos sentidos, resultantes da existência.

12. Envelhecimento e morte (sânsc. jara-marana): "envelhecimento" é a decadência que o corpo sofre com o passar da vida, e "morte" é a decomposição, a dissolução dos agregados.Aquele que conhece a originação dependente conhece o Dharma; aquele que conhece o Dharma conhece o Tathagata [Buddha].

(Shalistamba Sutra)

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Esta originação dependente é o tesouro mais prezado e profundo da fala do vitorioso [Buddha]. Aquele que é capaz de ver isto vê o Buddha, o conhecedor supremo da realidade.

(Nagarjuna, Surhllekha)

As duas primeiras das doze condições causais são associadas com o passado. Micro-cosmicamente, estas duas condições causais deram origem a você. Macro-cosmicamente, deram origem ao universo. [...] As próximas oito das doze condições causais são associados com o presente. Micro-cosmicamente, são condições causais que o produzem e sustentam. Macro-cosmicamente, são as condições causais que produzem e sustentam o universo. As duas últimas das doze condições causais são associados com o futuro. Contemplar estas duas condições causais pode nos ajudar a entender que todos os fenômenos são impermanentes.

(Hsing Yün, Only a Great Rain)

[A] originação dependente é a mais prezada de toda a fala do vitorioso porque constitui o significado essencial de toda a palavra sagrada. É profunda no sentido de que é difícil de ser compreendida pelos outros e é livre dos quatro extremos [existência, não-existência, ambos e nenhum dos dois]. Todo aquele que chega a uma correta compreensão da originação dependente vê o Buddha, o conhecedor supremo da realidade, pois o Buddha consiste no corpo absoluto cuja natureza não difere da originação dependente.

(Rendawa Shönnu Lodrö, Sphutartha)

[O surgimento interdependente] não foi sempre ensinado com os habituais doze elos. Podemos constatar que os textos páli omitem freqüentemente vários elos, para assim mostrar que todo elo da corrente pode suceder qualquer outro e que nossa lógica conclusiva global é somente um recurso auxiliar do nosso processo de raciocínio, e não uma lei natural.

(Lama Anagarika Govinda, Reflexões Budistas)

Os dois primeiros elos (ignorância, formações) referem-se a uma vida passada. Eles condicionam os oito elos centrais (desde a consciência até o vir-a-ser), que se  referem à vida presente. Estes oito elos, por sua vez, condicionam os dois últimos (nascimento, velhice e morte), que se referem a uma vida futura. A [1] ignorância, o [8] desejo e o [9] apego são os venenos da mente; as [2] formações e a [10] existência são as ações; e os sete elos restantes são os resultados das ações. A [1] ignorância e as [2] formações são causas; [3] consciência, [4] nome e forma, [5] seis sentidos, [6] contato e [7] sensação são efeitos. Novamente, o [8] desejo, o [9] apego e a [10] existência são causas; [11] nascimento, [12] velhice e morte são efeitos. Portanto, todos os elos são interdependentes; a existência de um implica o aparecimento do elo seguinte. Ou seja, a velhice e morte é conseqüência do nascimento, que é conseqüência da existência etc. Do mesmo modo,

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extinguindo-se a ignorância, desaparecem as formações mentais, a consciência etc., até que se extingam todos os elos, todos os sofrimentos.

Quando não conhecemos a verdade, construímos teorias. Formulamos todos os tipos de teorias. Teorias em relação ao mundo, ao "eu". Todas as teorias do mundo estão baseadas nesses dois fatores. Quais são os dois fatores? A crença no "eu" e no mundo. Essas teorias nos confundem e a isso se denomina confusão. Ignorância é uma coisa, confusão é outra. A confusão é o resultado da ignorância. A ignorância é não compreender as quatro nobres verdades.

(Bhante Henepola Gunaratana, As Quatro Nobres Verdades)

A ignorância é uma "possibilidade", e por isso mesmo encontra-se em circunstância de se exprimir. A ignorância aparece no seio do conhecimento, mas não pertence à natureza última do conhecimento. A sua natureza é ilusória. Por isso, quando o conhecimento é realizado, na realidade não se passou nada. Se olharmos para a lua e a carregarmos nos globos oculares, veremos duas luas. Seria em vão nos interrogarmos sobre quem ou o que fabricou a segunda lua. Se um indivíduo pressionar constantemente os seus olhos, pode acabar por se convencer claramente de que existem duas luas. Pare ele, essa é a verdade e, a partir daí, fabricará todo o tipo de teorias sobre a origem e a natureza dessa segunda lua. Mas para quem olha normalmente para a lua, a questão da existência de uma segunda lua nem sequer se põe. Isso não impede que seja difícil convencer o obstinado, exceto se este último deixar de pressionar os seus olhos.

A ignorância, a origem do mal e do sofrimento, é um equívoco, um esquecimento súbito que nada altera na natureza última da mente, apesar de criar um encadeamento de sofrimentos. Assim como num pesadelo, o fato de estarmos confortavelmente deitados na cama não muda nada, não é por isso que ele deixar de engendrar um grande sofrimento mental. Esta explicação, mesmo que pareça um pouco forçada, resulta de uma constatação da experiência contemplativa. A pessoa que desperta não precisa de explicações para compreender a natureza ilusória do seu sonho. [...]

Efetivamente, mesmo em sonho, o sofrimento é claramente sofrimento para quem o vive, e a natureza ilusória do sofrimento não diminui em nada a necessidade de o aliviarmos. É isso que justifica a ação altruísta, a intervenção que dissipa os sofrimentos vividos pelos seres e o caminho espiritual que visa curar o ódio e as outras causas do sofrimento. Quanto ao modo como aparece, o sofrimento é regido pelas leis de causa e efeito: é o resultado dos nossos atos, das nossas palavras e dos nossos pensamentos — por mais trágico que o sofrimento possa ser. Em última análise, uma única coisa está sempre presente: a perfeição inerente. O ouro nunca muda, mesmo enterrado na lama; o sol brilha continuamente, mesmo oculto pelas nuvens.

(Citado por Matthieu Ricard em Le Moine et le Philosophe)

Fundamentalmente, só existe o espaço aberto, o solo básico, o que realmente somos. É esse o estado primordial de nossa mente, antes da criação do ego, havendo abertura básica, liberdade básica, espaço, e

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temos agora, como sempre tivemos, essa abertura. Tomemos, por exemplo, nossa vida e nossos padrões de pensamento cotidianos. Quando vemos um objeto, ocorre no primeiro instante súbita percepção sem lógica nem conceituação em relação a ele; apenas o percebemos no campo aberto. Então, de imediato, caímos em pânico e passamos a correr desorientadamente, tentando acrescentar-lhe alguma coisa, ou encontrar um nome para ele, ou ainda achando uma classificação para que possamos localizá-lo e categorizá-lo. Pouco a pouco, as coisas de desenvolvem a partir desse ponto.

Esse desenvolvimento não assume a forma de uma entidade sólida. Ao contrário, um desenvolvimento ilusório, a crença equivocada num "eu" ou "ego". A mente confusa tende a ver-se como coisa sólida, em funcionamento, mas não passa de um conjunto de tendências e eventos. Na terminologia buddhista, esse conjunto é conhecido como os cinco skandhas ou as cinco pilhas [montes, agregados]. Assim, talvez possamos acompanhar o desenvolvimento dos cinco skandhas. buddhista, esse conjunto é conhecido como os cinco skandhas ou as cinco pilhas [montes, agregados]. Assim, talvez possamos acompanhar o desenvolvimento dos cinco skandhas.

O ponto inicial é a existência de um espaço aberto, que não pertence a ninguém. Há sempre a inteligência primordial ligada ao espaço e à abertura. Vidya, que significa "inteligência" em sânscrito — precisão, agudeza, agudeza com o espaço, agudeza com o lugar em que se pode colocar coisas, trocar coisas. Poderíamos dizer um espaçoso salão em que há lugar para dançar, em que não corremos o risco de derrubar nem tropeçar em coisas, pois o espaço é completamente aberto. Nós somos esse espaço, nós "somos um" com ele, com vidya, inteligência e abertura.

Mas se o somos durante o tempo todo, de onde veio a confusão, para onde foi o espaço, o que aconteceu? Na realidade, nada aconteceu. Apenas nos tornamos demasiado ativos naquele espaço. Por ser vasto, ele nos convida a dançar; mas a nossa dança torna-se um pouco ativa demais, principiamos a girar mais do que o necessário para expressar o espaço. Nesse ponto, nos tornamos conscientes de nós mesmos, cônscios de que "eu" estou dançando no espaço.

A essa altura, o espaço deixa de ser espaço como tal. Faz-se sólido. Em lugar de "sermos um" com ele, percebemos o espaço sólido como entidade separada, tangível. Essa é a primeira experiência de dualidade — o espaço e eu, eu estou dançando neste espaço, e essa vastidão é uma coisa sólida, separada. Dualidade significa "o espaço e eu", mais do que a completa identificação com o espaço. Assim, nasce a "forma", o "outro".

Ocorre, então, uma espécie de desmaio, no sentido de que nos esquecemos do que estávamos fazendo. Há uma lacuna. Tendo criado o espaço solidificado, somos empolgados por ele e começamos a nos perder nele. Há um escurecimento e, depois, repentinamente, um despertar.

Quando despertamos, recuamo-nos a ver o espaço como abertura, recusamo-nos a ver-lhe a qualidade suave e arejada. Ignoramo-lo completamente, e a isso se chama avidya. A significa "negação", vidya

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significa "inteligência", avidya significa "não-inteligência". Porque essa extrema inteligência se transformou na percepção do espaço sólido, porque essa inteligência luminosa, aguda, precisa e fluente, se tornou estática, dá-se-lhe o nome de avidya, ou seja, "ignorância". Ignoramos deliberadamente. Não nos satisfazemos apenas em dançar no espaço, mas queremos ter um parceiro e, assim, escolhemos o espaço por parceiro. Se escolhemos o espaço por parceiro de dança, haveremos de querer, evidentemente, que ele dance conosco. A fim de tê-lo como parceiro, temos de solidificá-lo e ignorar-lhe a qualidade fluente, aberta. Isso é avidya, ignorância, ignorar a inteligência. É o ápice do primeiro skandha, a criação da ignorância-forma.

Com efeito, este skandha, o skandha da ignorância-forma tem três aspectos ou fases diferentes que podemos examinar empregando outra metáfora. Suponhamos que, no princípio, haja uma planície aberta, um simples deserto sem nenhuma característica especial. Eis aí como somos, o que somos. Somos muito simples e básicos. E, todavia, há um sol que brilha, uma lua que brilha, e haverá luzes e cores, a textura do deserto. Haverá alguma sensação da energia que brinca entre o céu e a terra. E, assim por diante, indefinidamente.

Depois, estranhamente, surge de improviso, alguém para notar tudo isso. Como se um dos grãos da areia espichasse o pescoço para fora e principiasse o olhar à sua volta. Nós somos o grão de areia, chegando à conclusão do nosso estado de separação. Este é o "nascimento da ignorância" em seu primeiro estágio, uma espécie de reação química. A dualidade começou.

À segunda fase da forma-ignorância dá-se o nome de "a ignorância nascida no interior". Tendo reparado que somos isolados, sobrevém a sensação de que sempre fomos assim. É uma inépcia, o instinto da constrangedora consciência de si mesmo. É também uma desculpa para permanecermos independentes, um grão de areia individual. Um tipo agressivo de ignorância, embora não exatamente agressivo no sentido de colérico; ele ainda não se desenvolveu tanto assim. Trata-se antes de agressão no sentido de nos sentirmos desajeitados, desequilibrados e, por isso mesmo, de tentarmos garantir o nosso território, de criar um abrigo para nós. É a atitude do indivíduo confuso e separado, e isso é tudo. Nós nos identificamos como separados da paisagem básica do espaço e da abertura.

O terceiro tipo de ignorância é a "ignorância que se observa", que se vigia. há um sentido de nos vermos como um objeto externo, o que nos conduz à primeira noção do "outro". Estamos começando a relacionar-nos com um mundo chamado "externo". É por isso que os três estágios da ignorância constituem o skandha da forma-ignorância; estamos começando a criar o mundo das formas.

Quando falamos de "ignorância", não queremos, de maneira alguma, dizer estupidez. Em certo sentido, a ignorância é muito inteligente, mas é uma inteligência bidirecional. Isto é, reagimos meramente às nossas projeções em lugar de diretamente limitar-nos a ver o que é. Não há nenhuma situação de "deixar ser", porque ignoramos o que somos durante o tempo todo. Esta é a definição básica de ignorância.

(Chögyam Trungpa, Além do Materialismo Espiritual)

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[Há uma diferença entre o obscurecimento do conhecimento dualista e o veneno da ignorância.] O obscurecimento do pensamento dualista não é necessariamente a causa do samsara. É apenas como a incapacidade de ver a realidade. Ela nunca é definida com uma causa de mais existência no samsara. Já a ignorância tem dois aspectos: não conhecer porque pode subitamente sentir um forte desejo ou raiva; e pensar que o objeto do desejo ou da raiva existe verdadeiramente. Portanto, a ignorância coexiste com o ódio [ou com o desejo] e aumenta a existência samsárica. [...] Simplesmente conceitualizar o "sujeito" [eu] e o "objeto" [outro] não é a causa do samsara. São as emoções que resultam da conceitualização, como gostar, não gostar ou ter indiferença, é que causam o samsara. Elas são baseadas no obscurecimento do conhecimento dualista sem ter o obscurecimento das emoções perturbadoras. Nessa hora, obscurecimento do conhecimento dualista em si não é a causa o samsara.

(Thrangu Rinpoche, Buddha Nature)

[A] ignorância não deve ser entendida como um estado passivo de simples não-reconhecimento, mas como um estado mental deludido, uma abordagem equivocada [quanto à] natureza fundamental da realidade. [...] [A] ignorância não é simplesmente a ausência de conhecimento, mas a antítese do conhecimento. É a incompreensão, o conhecimento equivocado, uma força que se opõe ativamente ao conhecimento, assim como a hostilidade se opõe à cordialidade e a falsidade se opõe à verdade.

(Dalai Lama, The World of Tibetan Buddhism)

O samsara é uma prisão moldada por nós mesmos, onde somos rodeados por uma vasta rede de cercas concêntricas que nos mantêm aprisionados na ignorância. Completamos uma cadeia de doze elos e pulamos uma cerca apenas para constatar que continuamos no centro de muitas outras. Por conseguinte, o samsara não termina por si só. Não podemos esperar dissipá-lo passando a criar mais e mais karma durante a vida. Somente conquistaremos nossa liberdade quando cortarmos a raiz e a fonte desse elos, nossa ignorância da verdadeira natureza da realidade.

(Lama Zopa Rinpoche, citado em Wisdom Energy)

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Karma e renascimentoEm sânscrito, a palavra karma (páli kamma) significa ação motivada, intencional, e se refere à causalidade, à interdependência entre todos as causas (sânsc. hetu) e seus resultados (sânsc. phala) ou conseqüências naturais. Esta é uma das noções centrais do buddhismo, muitas vezes mal entendida ou interpretada, e por isso é importante que estes ensinamentos sejam estudados com a ajuda de um mestre ou professor qualificado de uma tradição autêntica.

Karma significa unicamente "ação". No contexto da tradição hindu tem um significado paralelo e derivado de "ação ritual". Na tradição buddhista é usado geralmente conjugado com o termo que significa seus frutos, isto é, karma-vipaka. Toda ação tem um resultado. A doutrina de karma tanto no hinduísmo como no buddhismo nada tem a ver com "retribuição moral" ou "justiça divina". Já no ocultismo, a doutrina [falsificada] de karma quer significar sobretudo uma certa "lei divina" de retribuição, encarada exclusivamente no sentido "moral". E confundem a palavra karma com seus frutos, quando dizem que tal ou qual acontecimento é o "seu karma". A doutrina falsificada do karma é de uso comum por todos os ocultistas.

(Ricardo Sasaki, O Outro Lado do Espiritualismo Moderno)

O buddhismo é uma religião que coloca a sabedoria, ao invés da fé, em primeiro lugar. A investigação inteligente e honesta não só é bem recebida como também encorajada. Parte dessa investigação requer uma boa compreensão daquilo que conduz à maneira como causa e efeito funcionam no nível pessoal. Esse é o domínio da ética ou moral e é o domínio específico do karma. Quais os critérios que existem para o comportamento correto e incorreto? Como conceitos, essas palavras dão margem a uma extensa série de interpretações, mas no estudo do karma estamos preocupados em encontrar definições que sejam práticas e sólidas. Essas definições precisam não só apontar uma direção clara para a conduta moral, mas também oferecer as razões e incentivos para mantê-la. O ensinamento do karma satisfaz essas exigências.

(Da introdução de Bruce Evans para Kamma nos Ensinamentos do Buda)

Em essência, karma é intenção (páli cetana) e esta palavra inclui volição, escolha e decisão, o ímpeto mental que conduz à ação. A intenção é aquilo que incita e dirige todas as ações humanas, ambas, criativas e destrutivas e por isso é a essência de karma. [...] [T]odas as ações e linguagem, todos os pensamentos, não importa quão fugazes sejam, e as respostas da mente a sensações recebidas através do olho, ouvido, nariz, língua, corpo e mente, sem exceção, contêm elementos de intenção. Assim, a intenção é a escolha volitiva feita pela mente em relação aos objetos para os quais a atenção é dirigida; é o fator que

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conduz a mente a se inclinar ou a repelir os vários objetos da atenção, ou de prosseguir em uma certa direção; é o que guia ou governa como a mente responde aos estímulos; é a força que planeja e organiza os movimentos da mente e no final das contas é aquilo que determina os estados experimentados pela mente.

Uma ocorrência de intenção é uma ocorrência de karma. Quando há karma existe resultado direto. Até mesmo um pensamento fugaz, embora não seja particularmente importante, não será no entanto desprovido de conseqüência. Será no mínimo uma "pequena nódoa" de karma, adicionada ao fluxo de condições que moldam a atividade mental. Com a prática repetida, através da proliferação mental ou expressão por meio de ações externas, o resultado se tornará mais marcado sob a forma de traços de caráter, características físicas ou repercussões de fontes externas.

(P.A. Payutto, Kamma nos Ensinamentos do Buda)

Intenção, eu lhes digo, é karma. Pela intenção, a pessoa faz karma através do corpo, da fala e da mente.

(Nibbedhika Sutta, An

guttara Nikaya VI.63)

A existência é criada pelo karma. É uma projeção do karma. Os seres são criados pelo karma. O karma é a sua causa e é o que os diferencia.

(Maha-karuna-pundarika Sutra)

Todas as alegrias e tristezas dos seres vêm de suas ações, disse o Buddha. A diversidade de ações cria a diversidade de seres e impele suas diversas vagueações. Vasta, portanto, é este rede ações.

(Sutra das Cem Ações)

De modo geral, para que as coisas aconteçam, é necessário uma ação. Por exemplo, se você quer tomar um chá, precisa praticar vários atos que possibilitem isso: comprar a erva, arrumar uma xícara, preparar a água etc., até que, enfim, esteja em condições de bebê-lo. Essas ações, como toda e qualquer ação, têm seus resultados; esta é a lei do karma. Existem ações que frutificam de imediato; outras, porém, frutificam em alguns meses ou anos, ou depois de várias vidas, ou mesmo depois de várias eras mas, apesar do tempo que possa mediar, sempre haverá uma correspondência entre a ação e o seu fruto.

(Dalai Lama, citado na revista Bodisatva)

Os karmas, portanto, são feitos todo o tempo. Quando falamos com uma motivação boa, uma atmosfera amigável é criada como resultado imediato; e também a ação faz uma marca na mente, incluindo prazer no futuro. Com uma motivação ruim, uma atmosfera hostil é imediatamente criada, e dor é induzida para o falante no futuro. O ensinamento de Buddha é que você é o seu próprio mestre; tudo depende de você. Isto significa que o prazer e a dor surgem das ações virtuosas e não-virtuosas que não vêm de fora, mas sim de você mesmo.

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(Dalai Lama, Kindness, Clarity and Insight)

Segundo as escrituras buddhistas, o criador do mundo que conhecemos não é senão a força resultante das nossas ações passadas ou karma. Todas as ações que realizamos produzem uma marca na mente, que influi na nossa evolução futura. Em resumo, a felicidade é sempre o resultado de uma atividade positiva e o sofrimento de uma atividade negativa.

(Dalai Lama, citado por Tsering Paldrön em A Arte da Vida)

[O karma designa] uma força ativa, significando que o resultado dos acontecimentos futuros pode ser influenciado por nossas ações. Supor que karma é uma espécie de energia independente que predestina o curso de toda a nossa vida é incorreto. Quem cria o karma? Nós mesmos. O que pensamos, dizemos, fazemos, desejamos e omitimos cria o karma. Não podemos, portanto sacudir os ombros sempre que nos defrontamos com o sofrimento inevitável. Dizer que todo o infortúnio é mero resultado do karma equivale a dizer que somos totalmente impotentes diante da vida. Se isso fosse verdade, não haveria motivo para se ter qualquer esperança.

(Dalai Lama, Palavras de Sabedoria)

Às vezes, devido a uma incompreensão da doutrina do karma, há uma tendência para atribuir toda a culpa ao karma, na tentativa de se eximir da responsabilidade e da necessidade de se tomar uma iniciativa pessoal. Pode-se dizer com a maior facilidade, "Isto acontece por causa do meu karma negativo do passado. O que eu posso fazer? Estou impotente." É uma noção totalmente errada do karma, porque, embora as experiências de uma pessoa sejam uma conseqüência dos seus feitos passados, isso não significa que não se tem opção, que não há margem para a iniciativa de promover uma mudança. Não se deve ficar passivo e tentar se abster de uma iniciativa pessoal, sob a alegação de que tudo é o resultado do karma. Se compreendemos direito o conceito do karma, vamos compreender que karma significa "ação", sendo um processo bastante ativo.

(Dalai Lama, A Arte de Lidar com a Raiva)

A mente é a fonte tanto do nosso sofrimento quanto da nossa felicidade. Pode ser usada de modo positivo para criar benefícios ou de modo negativo para criar malefícios. [...] Com a mesma certeza que a semente de uma planta venenosa produz frutos venenosos, ou uma planta medicinal cura, as ações maléficas produzem sofrimento e as ações benéficas, felicidade. Nossas ações viram causas, e dessas causas naturalmente vêm resultados. Tudo o que é colocado em movimento produz um movimento correspondente. Se você joga uma pedra numa lagoa, formam-se ondulações ou anéis que correm para fora, batem na margem e voltam. O mesmo se passa com o movimento dos pensamentos: ondulações correm para fora, ondulações retornam. Quando os resultados desses pensamentos chegam de volta, sentimo-nos vítimas indefesas: estávamos inocentemente vivendo nossa vida — por que todas essas coisas estão acontecendo conosco? O que acontece é que os anéis estão voltando para o centro. Isso é o karma. [...]

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A mente comum é cheia de oscilações e turbulências. Se não há uma força que a controle e controle seus efeitos sobre o corpo e a fala, somos jogados para cima e para baixo, para frente e para trás: nossa realidade fica igual a um passeio da montanha russa. Na verdade, é mais parecida ao girar de uma roda. Pomos uma roda em movimento e, a cada vez que reagimos, damos um novo impulso nela, ficando presos em seu movimento perpétuo. Dessa forma, nossa experiência da realidade continua a girar em ciclos, com todas as suas variações, vida após vida. Assim é o interminável samsara, a existência cíclica. Não compreendemos que estamos vivendo resultados que nós mesmos criamos, e que nossas reações produzem ainda mais causas, mais resultados — incessantemente. [...]

O karma pode ser comparado a uma semente que, em condições adequadas, dará lugar a uma planta. Se você colocar na terra uma semente de cevada, pode ter certeza de que obterá um broto de cevada. A semente não vai produzir arroz. A mente é como um campo fértil — coisas de todos os tipos podem crescer nele. Quando plantamos uma semente — um ato, uma palavra ou um pensamento —, num dado momento, será produzido um fruto que irá amadurecer e cair por terra, perpetuando e incrementando sementes de causalidade potentes em nosso corpo, fala e mente. Quando se juntarem as condições adequadas para o amadurecimento do nosso karma, teremos que lidar com as conseqüências das coisas que plantamos.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

O karma se manifesta através de três portas — o corpo (a porta das ações), a fala (a porta das palavras) e a mente (a porta dos pensamentos), sendo que esta última é predominante. Segundo o buddhismo, os acontecimentos futuros não surgem "ao acaso", mas também não há "predestinação", nem a crença de que "tudo já está escrito" e de que não há como mudar o futuro. A maneira mais utilizada pelos mestres buddhistas para se explicar o karma é a analogia de que estamos colhendo no presente os frutos dos atos que cultivamos no passado; nosso futuro terá as conseqüências do que estamos fazendo agora.Assim como uma semente de maçã só pode dar origem a uma macieira — e não a outros tipos de árvore —, os atos hábeis (sânsc. e páli kusala) originam resultados hábeis, enquanto os atos inábeis (sânsc. e páli akusala) originam resultados inábeis. Portanto, as ações, palavras e pensamentos podem ser hábeis ou inábeis, isto é, relativamente positivos ou negativos, benéficos ou maléficos, trazendo respectivamente a felicidade e o sofrimento. Do mesmo modo que uma pequena semente pode dar origem a uma grande árvore, até mesmo um pequeno ato pode dar origem a grandes resultados. E assim como uma semente pode demorar para se transformar em uma árvore, o resultado das ações pode demorar bastante para amadurecer — até mesmo algumas vidas. Entretanto, uma vez plantada, uma causa sempre origina

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um resultado, mesmo que este processo demore muito; um resultado sempre tem origem em uma causa.

Semelhante à semente, assim [é] a fruta. Aquele que pratica o bem, recebe o bem. Aquele que pratica o mal, recebe o mal.

(Jataka II.199, III.157)

Todo karma, quer seja bom ou mal, produz frutos. Não existe karma, não importa o quão pequeno, que seja desprovido de fruto.

(Jataka IV.390)

Sou o senhor de minhas ações, herdeiro de minhas ações, nascido de minhas ações, unido às minhas ações, protegido por minhas ações. O que quer que faça, para o bem ou para o mal, disto serei o herdeiro. Isto é para ser lembrado constantemente.

(Abhinham Pacchaekkhitabba Dhamma, citado no Livro das Devoções)

Grãos, posses, dinheiro, todas as coisas que você ama, serviçais, empregados, sócios... nada disso você poderá levar consigo [após a morte], terá que deixá-los de lado. Mas todo karma que você fizer, quer seja com o corpo, a a fala ou a mente, essa é a sua posse real e você deve viver com esse karma. Esse karma irá segui-lo assim como a sombra segue o seu dono. Portanto, pratique boas ações, colha benefícios para o futuro. A bondade é o fundamento para o que virá depois.

(Samyutta Nikaya I.93)

E o que, amigos, é prejudicial, a raiz do que é prejudicial, o que é benéfico, a raiz do que é benéfico? Matar seres vivos é prejudicial; tomar o que não seja dado é prejudicial; a conduta imprópria em relação aos prazeres sensuais é prejudicial; a mentira é prejudicial; a linguagem maliciosa é prejudicial; a linguagem grosseira é prejudicial; os mexericos são prejudiciais; a cobiça é prejudicial; a má vontade é prejudicial; o entendimento incorreto é prejudicial. A isto se denomina aquilo que é prejudicial. E qual é a raiz do que é prejudicial? O desejo é a raiz do que é prejudicial; o ódio é a raiz do que é prejudicial; a delusão [ignorância] é a raiz do que é prejudicial. A isto se denomina a raiz do que é prejudicial.

E o que é benéfico? A abstenção de matar seres vivos é benéfica; a abstenção de tomar o que não seja dado é benéfica; a abstenção da conduta imprópria em relação aos prazeres sensuais é benéfica; a abstenção da mentira é benéfica; a abstenção da linguagem maliciosa é benéfica; a abstenção da linguagem grosseira é benéfica; a abstenção de mexericos é benéfica; não cobiçar é benéfico; não ter má vontade é benéfico; o entendimento correto é benéfico. A isto se denomina aquilo que é benéfico. E qual é a raiz do que é benéfico? O não-desejo é a raiz do que é benéfico; o não-ódio é a raiz do que é benéfico; a não-delusão é a raiz do que é benéfico. A isto se denomina a raiz do que é benéfico.

(Sammaditthi Sutta, Majjhima Nikaya IX.4-7)

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O que é karma escuro com resultado sombrio? Algumas pessoas neste mundo são dadas a matar, dadas a roubar, dadas a práticas sexuais ilícitas, dadas a mentir, dadas a substâncias embriagantes que conduzem à negligência. A isto se denomina karma escuro com resultado sombrio.

Monges, o que é karma claro com resultado luminoso? Algumas pessoas neste mundo se esquivam de matar, se esquivam de roubar, se esquivam das práticas sexuais ilícitas, se esquivam de mentir, se esquivam de substâncias embriagantes que conduzem à negligência. A isto se denomina karma claro com resultado luminoso.

Monges, o que é karma escuro e claro com resultado sombrio e luminoso? Algumas pessoas neste mundo criam ações através do corpo... linguagem... mente que são tanto prejudiciais como não prejudiciais. A isto se denomina karma que é ao mesmo tempo escuro e claro com resultados ao mesmo tempo sombrio e luminoso.

Monges, o que é karma que não é escuro nem claro com resultado nem sombrio, nem luminoso, que conduz à cessação de karma? Como parte daqueles três tipos de karma, a intenção de abandonar [esses tipos de karma], a isto se chama o karma que não é escuro nem claro com resultado nem sombrio, nem luminoso, que conduz à cessação de karma.

(Anguttara Nikaya II.233)

Quando não há indivíduo, o que existe e que pode morrer? O que pode renascer? O Buddha ensinou a não existência do "indivíduo", da "pessoa". Dessa forma, nascimento e morte são temas da verdade relativa. Os escritores cujo título é "Buddhismo" geralmente explicam o karma e o renascimento de forma muito incorreta. Preste realmente atenção ao assunto do karma. Para ser uma abordagem buddhista, é necessário que trate da cessação do karma, não apenas do karma em si mesmo e dos seus efeitos — como encontrado em outras religiões. Para ser o ensinamento do Buddha ele deve lidar com a cessação do karma. [...]

A maioria das pessoas conhece apenas o primeiro e o segundo tipo de karma, o karma bom e o karma mau. Elas ainda não conhecem o terceiro tipo de karma. O Buddha chamava o primeiro tipo de karma negro ou maléfico, e o segundo tipo de karma branco ou benéfico. O tipo de karma que pode ser chamado de nem-negro-nem-branco é aquele que pode pôr um fim tanto no karma negro quanto no branco. Esse terceiro tipo de karma é um instrumento que confere uma parada completa em ambos os karmas, negro e branco. O Buddha utilizava esses termos "karma negro", "karma branco" em "karma nem-negro-nem-branco". Este terceiro tipo de karma é karma no sentido buddhista, karma de acordo com os princípios buddhistas. Como foi dito, colocar um fim na cobiça, no ódio e na ilusão é pôr fim no karma. O terceiro tipo de karma, assim, é o fim da cobiça, do ódio e da ilusão; em outras palavras, é o nobre caminho óctuplo. Sempre que nos comportamos ou praticamos de acordo como nobre caminho óctuplo, isto é o terceiro tipo de karma. Não é nem negro nem branco, mas coloca um fim em ambos. Ele transcende o mundo, estando acima do bem e do mal. [...]

O relato sobre o karma bom e o karma mau é encontrado em todas as

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religiões. O buddhismo também o tem. Ele nos diz que fazer o bem é bom e fazer o mal é mau. Todos ensinam a mesma coisa. Mas o Buddha disse que meramente produzir bom karma não extingue o sofrimento mental de forma completa e absoluta, pois se acaba enamorado do bom karma e prendendo-se a ele. Em outras palavras, o bom karma ainda causa o vagar no ciclo do nascimento e da morte, mesmo que em estados favoráveis da existência. Não é o completo saciar, refrescar, nirvana. Há, então, um karma exclusivamente ensinado pelo Buddha, um terceiro tipo que resolve todos os karmas e dá um fim à cobiça, ao ódio e à ilusão. É através desse terceiro tipo de karma que se atinge o nirvana. [...]

O sofrimento é algo que surge de causas e condições, e tais causas e condições são de vários tipos, formas e variedades. Ignorância é uma causa, desejo é uma causa e karma é uma causa também. Agora, ao dizer que o sofrimento vem do karma, devemos ter em mente o novo karma, karma na vida presente, isto é, ignorância, o desejo e o apego recente em relação à vida. Pense neles como sendo os fatores responsáveis pelo sofrimento, as raízes causadores do surgimento do sofrimento. Devemos entender que o velho karma é incapaz de se erguer frente ao novo karma, pois temos o poder de produzir novo karma. Novo karma, o terceiro tipo de karma, é capaz de abolir o velho karma completamente. O velho karma consiste simplesmente de bom karma e mau karma. Não há outro tipo de velho karma. O novo karma, entretanto, pode ser um dos três tipos, sendo que o terceiro tipo é simplesmente o nobre caminho óctuplo. quando o fazermos surgir, ele suprime o primeiro e o segundo tipo de karma. Se vivermos o caminho completamente, isto é, colocarmos um fim completo nas impurezas, o novo karma (o nobre caminho) conquistará completamente o velho karma, tanto o bom quanto o mau. Isto significa dizer que o velho karma (constituído pelo primeiro e o segundo tipos somente) não pode se erguer frente ao novo karma (o terceiro tipo). Devemos, desse modo, despertar nosso interesse por esta coisa chamada de nobre caminho.

(Achaan Buddhadasa, 48 Respostas sobre Buddhismo)

Uma vida curta decorre do matar; muita aflição, do dano cometido; poucos recursos, do roubar; inimigos, do adultério. Da mentira deriva a calúnia; da difamação, a desunião de amigos; da rispidez, o ouvir desagradável; da tagarelice, a perda de respeito pelo que se diz. A cobiça destrói as aspirações do homem; intenção nociva gera temor; idéias errôneas conduzem a más opiniões; e beber, à confusão da mente. Do não dar resulta a pobreza; do errado meio de vida, a fraude; da arrogância, uma linhagem ruim; do ciúme, parca beleza. Uma cor desagradável advém da ira; a estupidez, de não perguntar ao sábio. O principal fruto disso tudo é uma migração nefasta para os humanos. Oposto aos conhecidos frutos dessas não-virtudes, é o surgimento de efeitos causados por todas as virtudes.

(Nagarjuna, Rajaparikatha Ratnamala)

Poder-se-ia indagar por que o resultado ou amadurecimento das más ações, tido como algo de natureza extremamente desagradável, não ocorre logo após a realização do ato. A resposta é que o karma se apresenta em três diferentes tipos: o que é experimentado na vida atual (sânsc. drishtadharmavedaniya), o que é experimentado no próximo

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nascimento (sânsc. upapadvyavedaniya) e o que é experimentado em alguma outra vida (sânsc. aparaparyaravedaniya).

(Rendawa Shönnu Lodrö, Sphutartha)

A abordagem buddhista do mundo é essencialmente humanista, uma vez que se debruça sobre os problemas humanos e a maneira de os resolver. Ao contrário das outras grandes religiões, não se articular à volta de noção de um deus criador e considera o karma como a lei que rege os fenômenos. [...] Assim, a noção de causalidade revela-se de uma grande importância para a elaboração de uma ética humanista que não depende necessariamente da religião e possa ser analisada e posta à prova pela razão. [...] A lei do karma não fala de "bem" nem de "mal" absolutos ditados por um poder superior, mas baseia-se no fato de todos nós desejarmos evitar o sofrimento e alcançar a felicidade. Por conseguinte, "mal" é tudo o que não é prática, o que nos afasta da harmonia e faz sofrer a nós e aos outros; "bem" é o que torna a ida agradável, cria harmonia e traz bem-estar a nós e aos outros.

(Tsering Paldrön, A Arte da Vida)

A palavra reencarnação, apesar de ser bastante utilizada, não é muito adequada para o contexto buddhista porque não há uma entidade pessoal que reencarne. Apesar de haver uma relativa continuidade, não existe uma identidade que passe de um corpo para outro. A palavra mais precisa que os eruditos buddhistas utilizam para se referir a este processo é renascimento. A visão buddhista sobre o renascimento está relacionada com a condicionalidade — a interdependência dos fenômenos ou surgimento dependente (sânsc. pratitya-samutpada, páli paticcha-samuppada). Segundo o buddhismo, enquanto os seres estiverem na existência cíclica (sânsc. samsara), a morte e o renascimento são como os dois lados de uma moeda, como os dois lados de uma porta. 

As existências sucessivas numa série de renascimentos não são como as pérolas de um colar, presas por um cordão, a "alma", que passa através de todas as pérolas; são mais como dados empilhados uns sobre os outros. Cada um dos dados é separado, mas suporta o que está sobre ele e está funcionalmente conectado com ele. Entre os dados não há identidade, mas condicionalidade.

(H.W. Schumann, The Historical Buddha)

O que renasce é o impulso criado pelas ações volitivas, os desejos que criam tendências e reações. Toda ação intencional carrega em si suas próprias conseqüências, as quais passam a ser novas causas para futuras ações. O renascimento é independente da morte física do indivíduo humano. Nossas ações intencionais renascem a cada momento, levando-nos a mundos de experiência de acordo com o conteúdo da ação. Como diz o importante mestre buddhista de meditação S. N. Goenka: "Todos os infernos e céus existem dentro do corpo. Quando você se sente miserável você passa para um reino infernal, e quando você se sente abençoado você passa para os planos celestiais dos devas ou brahmas. Todos estão dentro de você." Somente

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a falta de conhecimento dos ocidentais tornou possível interpretar este tipo de renascimento como sendo uma reencarnação no sentido mais literal da palavra.

Para a tradição buddhista, a doutrina do renascimento tem a ver com responsabilidade universal, pois somos influenciados por todas as correntes de ações ocasionadas em torno de nós no presente e no passado, bem como por nossas ações influenciamos os seres à nossa volta e os que nascerão no futuro. Todos os seres estão intimamente relacionados através de suas ações. Para o buddhista, o mundo é como uma árvore, onde os indivíduos são os galhos. Vários galhos nascem de um só galho, não sendo nem idênticos ao galho original, nem totalmente diferentes, mas todos estão interligados. Daí que, para o caminhante buddhista, o fundamental na via espiritual não é evoluir para um mundo melhor, o qual, mesmo melhor, será ainda condicionado, limitado e impermanente, mas sintonizar-se com a Verdade, com aquilo que sempre é, com aquilo que é incondicionado pelas circunstâncias. E a cada momento que as nossas capacidades e ações se expressam harmonicamente com o que sempre é, elas se tornam semelhantes à Verdade, reflexos do Intemporal e Ilimitado no mundo das condições.

(Ricardo Sasaki, Reencarnação e a Visão Buddhista)

A idéia ocidental da reencarnação, ou seja, a de que uma alma ou "espírito" imutável ocupa diferentes corpos humanos indefinidamente, nem mesmo existe no buddhismo (lembremos seu ensinamento fundamental sobre o não-eu), sendo fruto das concepções espíritas surgidas no fim do século XIX. O que o buddhismo de fato ensina é o renascimento, algo por completo diferente da reencarnação tal como é concebida no Ocidente. No processo de passagem do buddhismo para o Ocidente entretanto os tradutores e intérpretes ocidentais começaram a fazer uso de suas próprias concepções influenciadas pelo espiritismo para interpretar doutrinas buddhistas, o que teve como resultado um engano que permanece até hoje na mente de alguns que estudam o buddhismo superficialmente e isto principalmente no Brasil.

Como diz o monge Khantipalo: "Uma sucessão de vidas com uma alma encarnando em uma série de corpos é freqüentemente chamada de reencarnação. No buddhismo, o ensinamento referente a este tema é fundamentalmente diferente... Não há reencarnação no buddhismo pois não há entidade espiritual imutável; em termos últimos, nenhuma alma pode ser encontrada que possa se re-encarnar. O buddhismo não constrói a dicotomia entre um corpo perecível de um lado e uma alma eterna de outro". Renascimento significa no contexto buddhista a transmissão ou influência das ações intencionais nos seus frutos. Toda ação intencional, para o bem ou para o mal, gera conseqüências. Diz-se, assim, que a ação "renasce" nos seus frutos, ou seja, há uma interdependência entre ações e reações.

(Ricardo Sasaki, O Caminho Contemplativo)

A maioria das pessoas toma a palavra "reencarnação" para significar que há alguma "coisa" que reencarna, que transita de uma vida para a outra. Mas no buddhismo não acreditamos numa entidade independente e imutável como a alma, ou ego, que sobrevive à morte do corpo. O que assegura a continuidade entre as vidas não é uma entidade,

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acreditamos, mas o nível da consciência de suprema sutileza. [...] Há nas escrituras buddhistas um relato muito claro desse processo de condicionalidade. O sábio buddhista Nagasena fez uma explanação disso ao rei Milinda num famoso conjunto de respostas a perguntas que o rei lhe fez. O rei perguntou a Nagasena: "Quando alguém renasce, ele é o mesmo que aquele que acabou de morrer ou é diferente?"

Nagasena respondeu: "Ele não é o mesmo, nem é diferente... Diga-me uma coisa, se um homem acendesse uma lamparina, ela poderia fornecer luz durante toda a noite?"— "Sim."— "É a chama que brilha na primeira vigília da noite a mesma da segunda... ou da última?"— "Não."— "Isso quer dizer que há uma lamparina na primeira vigília, outra lamparina na segunda, e outra na terceira?"— "Não, é de uma única lamparina a luz que brilha a noite toda."— "No renascimento é a mesma coisa: um fenômeno surge e outro cessa, simultaneamente. Assim, o primeiro ato de consciência na nova existência não é o mesmo do último ato de consciência da existência prévia, nem tampouco é diferente."

O rei pediu outro exemplo que explicasse a natureza precisa dessa dependência, e Nagasena fez a comparação do leite: a coalhada, a manteiga ou o ghee [manteiga semilíquida], feitos de leite, nunca são o mesmo que o leite, mas dependem totalmente dele para serem produzidos.

(Sogyal Rinpoche, O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)

Os diferentes nascimentos que a mente karmicamente condicionada pode tomar são comparáveis a uma série de sonhos; a passagem de um sonho para o próximo é como uma morte no fim de cada sonho e um renascimento no início do sonho seguinte. As tendências e marcas kármicas criam um sonho, depois um segundo, então um terceiro, até o momento do despertar — no qual as aparência dos sonhos desaparecem. Do mesmo modo, o karma nos faz viver diferentes nascimentos e mortes no samsara enquanto a iluminação não for realizada.

(Kalu Rinpoche, Luminous Mind)

A continuidade da consciência assegura a ligação entre o momento do ato e o das suas conseqüências, felizes ou infelizes. A filosofia hindu opôs ao buddhismo [...] [o seguinte argumento]: se não existe um eu [sânsc. atman], aquele que vive o resultado dos atos já não é a mesma pessoa. Por isso, de que serve evitar o mal e realizar o bem? A isso o buddhismo responde com uma parábola: um homem deixou cair um archote do alto de um terraço onde está a jantar. A chama ateou a palha da sua casa e aos poucos propagou-se por toda a aldeia. Quando foi acusado, disse aos juízes: "Não sou o responsável, o fogo que me iluminou durante o jantar não era o mesmo fogo que queimou a aldeia". No entanto, é certo que ele é o incendiário. Por conseguinte, mesmo na ausência de um eu individual concebido como uma entidade autônoma, o que somos presentemente deriva do nosso passado: há claramente uma retribuição dos atos. O ponto mais importante é portanto a

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continuidade e não a identidade. Um ato negativo não se traduzirá pela felicidade, tal como a semente da cicuta dará cicuta e não salsa. Por conseguinte, o fato de uma ação positiva ou negativa ter um resultado correspondente, em termos de felicidade ou sofrimento, justifica que a realizemos ou evitemos, mesmo se aquele que a experimenta não possua um eu permanente.

(Citado por Matthieu Ricard em Le Moine et le Philosophe)

A base do conceito buddhista de renascimento é principalmente a continuidade da consciência. Tome o mundo material como exemplo — todos os elementos no nosso universo atual, mesmo no nível microscópico, podem ser rastreados na direção do passado, segundo cremos, até uma origem, um ponto inicial onde os elementos do mundo material são condensados no que se chama tecnicamente de partículas de espaço. Essas partículas, por sua vez, são o estado resultante da desintegração de um universo prévio. Assim, há um ciclo constante em que o universo evolui e se desintegra, e então volta novamente a ser. A mente é muito parecida com isso. O fato de que possuímos alguma coisa chamada mente ou consciência é bastante óbvio, uma vez que nossa experiência atesta sua presença. Então, é também evidente — novamente a partir de nossa experiência — que aquilo que denominamos mente ou consciência é algo que é sujeito a mudança quando exposto a diferentes condições e circunstâncias. Isso nos mostra a sua natureza momento a momento, sua suscetibilidade à mudança.

Outro fato óbvio é que níveis densos da mente ou consciência estão intimamente ligados aos estados fisiológicos do corpo, e são de fato dependentes deles. Mas deve haver uma base, energia ou fonte que faz com que a mente, quando interagindo com partículas materiais, possa produzir seres vivos conscientes. Assim como no plano material, este também deve ter seu continuum no passado. Assim, se você rastreia a nossa mente ou consciência presente para trás, para o passado, descobrirá que está seguindo a pista da origem da continuidade da mente, assim como a origem do universo material, em uma dimensão infinita, é algo que, como verá, nunca teve começo. Assim, deve haver sucessivos renascimentos que permitem àquele continuum da mente estar lá. O buddhismo acredita em uma causação universal, onde tudo está sujeito a mudanças, a causas e condições. Assim, não há lugar par um criador divino, nem para seres que criam a si mesmos; em vez disso, tudo existe e surge como conseqüência de causas e condições. Assim, também a mente ou a consciência vêm a existir como resultado de seus instantes precedentes.

(Dalai Lama, citado em O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)

Concebe-se popularmente o renascimento como se, tendo chegado ao término de uma existência, e tal como um líquido que se transvasa de um recipiente para outro, a nossa mente entrasse num novo corpo. Alguns estão convencidos que foram Napoleão, César, Inês de Castro, Fernando Pessoa ou qualquer outra personagem gloriosa do passado. Para o buddhismo, o renascimento é um processo bastante mais complexo, o prolongamento da lei da causalidade [karma]. Assim a teoria buddhista do renascimento difere da concepção popular de reencarnação em diversos pontos. Em primeiro lugar, para o buddhismo, os seres humanos não são os únicos a atravessarem o processo de

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morte e de renascimento. Todos os seres consciente experimentam a morte, a dissolução das consciências mais relativizadas e a experiência da luminosidade primordial. [...] Em seguida e contrariamente a outras teorias [como a noção de "evolução" do espiritismo], o buddhismo afirma que os renascimentos não se sucedem sempre numa ordem ascendente, de nascimento inferiores para estados superiores, mas sim em função do karma acumulado. Sendo assim, a próxima existência depende das ações realizadas nesta e os seres humanos que cometeram um grande número de ações destrutivas renascem em formas de existência inferiores.

(Tsering Paldrön, A Arte da Vida)

O reino do inferno [sânsc. naraka, nairayika] é criado predominantemente através do hábito do ódio. O reino dos fantasmas famintos [ou dos espíritos carentes, sânsc. preta] é criado predominantemente através do hábito da avareza. O reino animal [sânsc. tiryak, tiryagyona] é criado predominantemente pelo hábito da ignorância. O reino dos deuses invejosos [ou semideuses, antideuses, demônios covardes, titãs, sânsc. asura] é criado predominantemente pelo hábito da inveja. O reino dos deuses [sânsc. deva] é criado predominantemente pelo hábito do orgulho. O reino humano [sânsc. manushya] é criado predominantemente pelo hábito do desejo.

(Thinley Norbu, White Sail)

Por surgirem de um karma extremamente negativo e por serem marcados por grande sofrimento, os reinos dos animais, dos fantasmas famintos e dos seres dos infernos são chamados de "reinos inferiores"; já os reinos dos seres humanos, dos semideuses e dos deuses, por surgirem de um karma relativamente positivo e por serem relativamente mais "felizes", são chamados de "reinos superiores". Em alguns sistemas, o reino dos semideuses também é considerado um reino inferior, tornando-se um dos quatro estados miseráveis (sânsc. apaya) — infernos, fantasmas famintos, animais e semideuses). Em outros sistemas, ao invés de seis reinos (sânsc. gati), contam-se apenas cinco (infernos, fantasmas famintos, animais, humanos e deuses), sendo que os semideuses são divididos entre o reino dos fantasmas famintos e o dos deuses.

Os seres no inferno sofrem do fogo do inferno. Os fantasmas famintos sofrem de fogo e sede. Os animais sofrem de serem comidos uns pelos outros. Os humanos sofrem por terem uma vida curta. Os semideuses sofrem de guerras e quirelas. Os deuses sofrem de sua própria falta de atenção.

(Sutra do Dharma Sublime da Lembrança Clara)

Como o sofrimento está presente tanto nos reinos superiores quanto nos reinos inferiores do samsara, apenas a prática do Dharma oferece um caminho para a liberação (sânsc. nirvana, páli nibbana). O Buddha é alguém que transcendeu e cessou completamente o karma.

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Particularmente, há cinco ações extremamente negativas que devem ser evitadas a todo custo: matar a própria mãe; matar o próprio pai; matar um ser santo; ferir um Buddha; e causar uma divisão na comunidade buddhista. O resultado destas ações negativas é o renascimento nos estados de depravação do inferno, imediatamente após a morte. Em compensação, manter um nível profundo de absorção meditativa no momento da morte pode trazer um renascimento em um reino divino.

Há estes cinco habitantes de estados depravação, habitantes do inferno, que estão em agonia e são incuráveis. Quais cinco? Aquele que matou sua mãe; aquele que matou seu pai; aquele que matou um ser santo; aquele que, como uma mente corrupta, fez o sangha de um Tathagata fluir; e aquele que causa uma divisão na comunidade buddhista. Estes são os cinco habitantes de estados depravação, habitantes do inferno, que estão em agonia e são incuráveis.

(Parikuppa Sutta, Anguttara Nikaya V.129)

De acordo com os sutras proferidos pelo Buddha, existem quatro tipos de geração: através do útero (como no caso dos seres humanos e de outros mamíferos); através de ovos (como as aves, os peixes e os répteis); através da umidade (como as bactérias); e através da "transformação" ou "nascimento espontâneo" (como os deuses, semideuses, fantasmas famintos e seres dos infernos, que nascem em seus reinos sem terem pais).No buddhismo tibetano, é muito comum a identificação de tülkus (tib. sprul sku, sânsc. nirmanakaya), lamas renascidos como crianças e identificados através de visões, profecias e testes. O primeiro tülku reconhecido no Tibet foi o Gyalwang Karmapa, líder da escola Karma Kagyü. Nos dias de hoje, certamente o tülku mais conhecido é Tenzin Gyatso, o Dalai Lama. Segundo ele,

a tarefa de identificar os tülkus é mais lógica do que pode parecer à primeira vista. Dada a crença buddhista no renascimento, e considerando que todo o propósito da reencarnação é possibilitar ao ser continuar seus esforços em benefício de todos os seres vivos, é uma conclusão clara que deveria ser possível identificar casos individuais. Isso habilita-os a serem educados e colocados no mundo de tal forma que continuem seu trabalho o mais rápido possível. Certamente, podem ocorrer erros nesses processo de identificação, mas as vidas da grande maioria dos tülkus (atualmente existem algumas centenas deles reconhecidos, sendo que antes da invasão chinesa eram provavelmente milhares os tülkus reconhecidos) são um bom exemplo do testemunho de sua eficácia.

(Dalai Lama, citado na revista Bodisatva)

A palavra tülku também é geralmente traduzida com o sentido reencarnação, mas o significado correto é corpo de emanação

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(sânsc. nirmanakaya). Do mesmo modo que o sol emana muitos raios — que não são totalmente iguais, nem totalmente diferentes —, um lama com uma realização meditativa elevada teria a capacidade de emanar uma sucessão de renascimentos para trazer benefício aos outros seres.

O que continua num tülku? É ele exatamente a mesma pessoa que reencarnou? Ele é e não é, ao mesmo tempo. Sua motivação e dedicação para ajudar todos os seres é a mesma, mas ele não é na verdade a mesma pessoa. O que continua de uma vida para outra é uma bênção, é isso que o cristão chama de graça. Essa transmissão de uma bênção e da graça é sintonizada e adequada a cada época sucessiva, e a encarnação aparece da maneira que potencialmente melhor se adequa ao karma das pessoas desse tempo, para poder ajudá-las de modo mais completo.

(Sogyal Rinpoche, O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)

MeditaçãoO termo meditação (sânsc. e páli bhavana) designa diversos tipos de práticas. A meditação não é necessariamente uma técnica, mas uma atitude em que a mente permanece calma, silenciosa e alerta. Não é um transe em algum tipo de estado sublime, nem tem como objetivo originar habilidades incomuns ou sobrenaturais — apesar de isso também poder acontecer. A meditação não procura fugir da realidade, mas sim revelar a verdadeira natureza da realidade, penetrar em seu nível mais profundo. Ela permite que a mente fique relaxada, concentrada e vigilante, de modo que, a longo prazo, possa alcançar o estado de completa liberação.Já que a mente, ou coração, é raiz de nossas experiências, a meditação é muito benéfica para purificá-la da ignorância, da cobiça e da raiva. A mente costuma estar envolvida com idéias e delusões, sendo levada por esperanças e medos, lembranças do passado e planos para o futuro, mas dificilmente está atenta ao presente. Tentando encontrar felicidade e satisfação em coisas impermanentes, a mente acaba encontrando decepção e sofrimento. Para que ela se torne serena, nossas ações, palavras e pensamentos devem ser corretos. Com uma mente aberta,

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com um coração puro, é possível ver as coisas como elas realmente são e descobrir a fonte da verdadeira paz interior e exterior.Diferente do contexto ocidental, no qual a palavra "meditação" refere-se ao uso do pensamento e da razão, a meditação buddhista é basicamente contemplativa. Nas diversas tradições buddhistas, há vários métodos diferentes de meditação: reflexão, recitação, visualização, concentração, visão clara (insight) etc. A melhor maneira de aprender a meditar é com a orientação de um mestre ou professor qualificado de uma tradição autêntica.

Não há meditação sem sabedoria, não há sabedoria sem meditação. Naquele em que há meditação e sabedoria, este na verdade está na presença do nirvana.

(Dhammapada 372)

Assim disse Buddha em um famoso poema: "Não corra atrás do passado, nem busque pelo futuro; o passado se foi e o futuro ainda não veio. Observe, porém, com clareza, neste exato instante, aquilo que existe agora, e então você vai descobrir e vivenciar um estado de mente silencioso e imóvel."

(Bhikkhu Mangalo, A Essência da Meditação Buddhista)

Uma máxima antiga encontrada no Dhammapada resume a prática do ensinamento do Buddha em três simples princípios de treinamento: abster-se de todo o mal, cultivar o bem e purificar a própria mente. Esses três princípios formam uma seqüência gradual de estágios, progredindo do externo e preparatório para o interno e essencial. Cada estágio leva naturalmente em direção ao outro que o segue, e a culminação dos três na purificação da mente torna claro que o coração da prática buddhista é encontrado aqui [na meditação].

(Bhikkhu Bodhi, A Purificação da Mente)

O Dhammapada é um antigo texto buddhista que antecipou Freud por milhares de anos. Ele diz: "O que você é agora é o resultado do que você foi. O que você será amanhã é resultado do que você é hoje. As conseqüências de uma mente maléfica o seguirão como a carroça segue o boi que a puxa; as de uma mente pura o seguirão como sua própria sombra. Ninguém pode fazer mais por você que sua própria mente pura — nem pai, nem mãe, nenhum parente, nenhum amigo, ninguém. Uma mente bem disciplinada traz felicidade." A meditação tem como objetivo purificar a mente. Ela limpa o processo do pensamento daquilo que pode ser chamado de irritantes psíquicos, coisas como cobiça, ódio e ciúmes, que mantêm você enredado numa escravidão emocional. Ela traz a mente a um estado de tranqüilidade e consciência, um estado de concentração e visão clara. [...] Na tradição judaico-crstã encontramos duas práticas que se superpõem, chamadas oração e contemplação. A oração é dirigida diretamente a alguma entidade espiritual. A contemplação consiste em um período prolongado de pensamento consciente sobre algum tópico específico,

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geralmente um ideal religioso ou uma passagem das escrituras. do ponto de vista da cultura mental, ambas as atividades são exercícios para concentração. [...] Da tradição hindu vem a yoga meditativa, a qual é também pura concentração. Os exercícios tradicionais básicos consistem em focar a mente em um único objeto, como uma pedra, a chama de uma vela, uma sílaba ou o que quer que seja, e não permitir que a mente vagueie. [...] Dentro da tradição buddhista, a concentração é altamente valorizada. Mas um novo elemento é adicionado e ainda mais enfatizado. Este elemento é a conscientização. Toda meditação buddhista objetiva o desenvolvimento da conscientização, usando-se a concentração como uma ferramenta. No entanto, a tradição buddhista é muito vasta e existem diversos caminhos para o seu objetivo.

(Henepola Gunaratana, Meditação para Todos)

Meditar durante um único dia sobre o significado da verdadeira natureza das coisas traz mais benefícios espirituais do que ouvir e examinar o Dharma por muitos éons, pois a meditação nos remove do ciclo do nascimento e da morte.

(Mahoshnisha Sutra)

O ensinamento autêntico do Buddha não é realizado simplesmente ouvindo-o. O Dharma sem meditação é como morrer de sede enquanto se é levado sem ajuda por um grande rio. O Dharma sem meditação é como morrer de fome enquanto se está servindo comida e bebida às multidões. O Dharma sem meditação é como não conseguir nem mesmo um sorriso enquanto se está contando as muitas jóias na câmara do tesouro.

(Gandavyuha Sutra)

Não pense, não conceba. Permaneça no estado relaxado natural, sem fabricação. Com a ausência de todas as projeções, a natureza inata é atingida. Esse é o caminho seguido pelos vitoriosos dos três tempos.

(Nagarjuna, citado por Gampopa em A Jóia da Liberação)

Meditação significa serenidade na vida. Muitas pessoas pensam que meditação significa sentar-se com as pernas cruzadas. Este é apenas uma pequena parte da meditação. Nem ficar quieto é necessariamente serenidade. Por exemplo, quando uma pessoa está com raiva e decide não conversar, externamente pode parecer quieta mas internamente não está, de modo algum, quieta. A verdadeira serenidade é dinâmica, como um gerador funcionando a mil rotações por minuto – muito estável, muito quieto, mas muito dinâmico. Em nossa vida, a serenidade da meditação não é simples quietude, mas uma força real que vem de dentro de si. Quando é expressa como quietude ela é profunda e serena. Quando é expressa em ação, ela é dinâmica e harmoniosa. Manter esta serenidade da mente é central para nossas vidas, pois nos habilita a ver claramente a verdade da vida.

(Gyomay Kubose, O Centro Dentro de Nós)

Um minuto de meditação é um minuto de paz e felicidade. Se a meditação não for agradável para você, você não a está praticando

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corretamente. A meditação traz felicidade. Essa felicidade surge, em primeiro lugar, do fato de você ser senhor de si mesmo, não estando mais aprisionado no esquecimento. Se você acompanhar sua respiração e permitir que um meio sorriso lhe surja nos lábios, permanecendo atento aos seus sentimentos e pensamentos, os movimentos de seu corpo se tornarão naturalmente mais delicados e relaxados, a harmonia estará presente e a verdadeira felicidade se manifestará. Manter a mente presente em cada momento é a base da prática da meditação.

(Thich Nhat Hanh, O Sol Meu Coração)

A dádiva de aprender a meditar é o maior presente que você pode se dar nesta vida. Porque é apenas através da meditação que você pode empreender a jornada para descobrir sua verdadeira natureza e assim encontrar a estabilidade e a confiança de que necessitará para viver e morrer bem. A meditação é o caminho para a iluminação. [...] Meditar é interromper por completo o modo como "normalmente" operamos, em benefício de um estado isento de cuidados e tensões em que inexiste competição, desejo de posse ou apego a qualquer coisa, sem a luta intensa, sem fome de adquirir.

Um estado desprovido de ambição onde não cabe nem o aceitar nem o rejeitar, nem a esperança nem o medo, um estado em que lentamente começamos a libertar-nos da emoções e dos conceitos que nos aprisionaram, até chegarmos a um espaço de simplicidade natural.

(Sogyal Rinpoche, O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)

O propósito da vida é a felicidade. Sendo buddhista, acredito que a atitude mental de cada um de nós é o fator que mais contribui para que possamos alcançar esse objetivo. Para transformarmos as condições exteriores — o ambiente em que vivemos ou as nossas relações com os outros — devemos antes mudar a nós mesmos. Paz interior: este é o segredo. Com este estado mental podemos enfrentar as dificuldades com calma e sensatez, enquanto dentro de nós reina a felicidade. Os ensinamentos buddhistas a respeito do amor, da bondade e da tolerância, o compromisso com a não-violência, a teoria de que todas as coisas são relativas, assim como a variedade de técnicas para tranqüilizar a mente, são fontes onde podemos buscar essa paz interior.

(Da introdução do Dalai Lama em Pensamentos sem Pensador)

Acredito que cada um de nós tem potencial idêntico para desenvolver a paz interior e, desse modo, alcançar a felicidade e a alegria. Quer sejamos rios ou pobres, instruídos ou incultos, negros ou brancos, do Ocidente ou do Ocidente, nosso potencial é igual. Somos todos mental e emocionalmente iguais. Embora alguns de nós tenham narizes maiores e a cor de nossa pele possa variar ligeiramente, somos basicamente iguais em termos físicos. As diferenças são secundárias. O importante é nossa semelhança mental e emocional. Compartilhamos as emoções perturbadoras, bem como as positivas, que nos trazem força interior e tranqüilidade. Acho importante estarmos cientes de nosso potencial e deixe que isso inspire nossa autoconfiança. Às vezes olhamos o lado negativo das coisas e nos sentimos desamparados. Acho que essa é uma visão errada. Não tenho um milagre para oferecer a vocês. Se alguém

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tiver poderes miraculosos, irei buscar a ajuda dessa pessoa. Francamente, sou cético em relação aos que alegam poderes extraordinários. No entanto, por meio do treinamento de nossas mentes, com esforço constante, podemos transformar nossas percepções mentais ou atitudes mentais. Isso pode fazer uma grande diferença em nossas vidas.

(Dalai Lama, Um Coração Aberto)

O modo mais efetivo para aprender qualquer coisa é estudar com alguém que já tenha maestria sobre ela — e a meditação não é uma exceção. A mente pode ser comparada a um instrumento musical: a fim de criar belas músicas com ele, precisamos estudar com um mestre que conheça o instrumento por dentro e por fora; e a fim de desenvolver uma mente clara, entusiástica e amável, precisamos da orientação de alguém que entenda completamente como a mente funciona e como ela pode ser transformada. 

(Sangye Khadro, How to Meditate)

Basicamente, há dois tipos de meditação, ou mais precisamente duas atitudes meditativas. A primeira é a meditação estabilizadora (páli samatha, sânsc. shamatha, chin. chih, jap. shi, tib. shine/ zhi nas), para deixar a mente calma, tranqüila e concentrada de forma unidirecional sobre um foco de meditação, como a respiração, um mantra ou um objeto. Já a meditação analítica (páli vipassana, sânsc. vipashyana, chin. kuan, jap. kan, tib. lamt'hong/ lhag mthong) procura despertar insights através da visão clara dos fenômenos, sem um objeto específico.

Métodos semelhantes à meditação estabilizadora também são encontrados em outras tradições. Entretanto, a meditação analítica sobre a natureza última dos fenômenos só é encontrada na tradição

Estas duas qualidades fazem parte do claro entendimento. Quais duas? tranqüilidade [sânsc. shamatha] e insight [sânsc. vipashyana]. Quando a tranqüilidade é desenvolvida, a qual propósito ela serve? A mente é desenvolvida. E quando a mente é desenvolvida, a qual propósito ela serve? A paixão é abandonada. Quando o insight é desenvolvido, a qual propósito ele serve? O discernimento é desenvolvido. E quando o discernimento é desenvolvido, a qual propósito ele serve? A ignorância é abandonada.

(Vijjabhagiya Sutta, Anguttara Nikaya II.29)

Vipashyana pode traduzir-se por "visão interior", a clara e exata consciência do que está acontecendo, no momento em que acontece. Shamatha pode ser traduzido por "concentração" ou tranqüilidade. É um estado em que a mente entra em repouso, sendo focada em um único item e proibida de divagar. Quando se alcança isto, uma profunda calma invade o corpo e a mente, num estado de tranqüilidade que tem que ser experienciado para ser compreendido. A maioria dos sistemas de meditação enfatiza o componente shamatha. O meditando foca a mente em certos itens, tais como uma prece, um certo tipo de objeto, uma

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ladainha, a chama de um círio, uma imagem religiosa, seja o que for; e bane da consciência todos os outros pensamentos e percepções. Daí resulta um estado de êxtase que dura até o meditante encerrar a sessão. É belo, deleitável, significativo e atraente, mas apenas temporário. A meditação vipashyana volta-se para o outro componente: a visão interior. Em vipashyana, o meditante usa sua concentração como instrumento por meio do qual a conscientização vai demolindo aos poucos a muralha de ilusão que oculta a luz viva da realidade.

(Henepola Gunaratana, Meditação para Todos)

Através do shamatha, a mente se tornará firme; e através do vipashyana, ela será como uma montanha.

(Chandra-pradipa Sutra)

O shamatha é cultivado por três razões básicas. A primeira é impedir a negligência; a segunda é descobrir a sabedoria; e a terceira é descobrir o próprio ser natural. Do mesmo modo, o vipashyana também é cultivado por três razões básicas: a primeira é contemplar a vida, a morte e a retribuição kármica; a Segunda é aumentar as raízes de bondade; e a terceira é superar todo sofrimento.

(Maha-parinirvana Sutra)

Shamatha é o mesmo que concentração, e vipashyana é o mesmo que sabedoria. Todos os bons dharmas surgem do cultivo destes dois. E por que é assim? É assim porque o shamatha supera o apego, enquanto o vipashyana nos desembaraça totalmente dele. [...] O shamatha é como uma arma, enquanto o vipashyana é como usar a arma para capturar um ladrão.

(Tratado da Contemplação da Verdade)

Como o shamatha e o vipashyana estão inter-relacionados? O shamatha pode ser considerado um tipo de método "negativo" que busca parar a mente de correr em direção de seus apegos familiares. O vipashyana pode ser considerado uma atividade "positiva" que vê as coisas como realmente são, sem apego, desejo ou aversão. Falando da maneira adequada, o shamatha deve preceder o vipashyana. Se não há shamatha, não há vipashyana. Esta é a razão pela qual os sutras buddhistas sempre discutem a concentração e o shamatha antes de discutir a sabedoria e o vipashyana.

(Hsing Yün, Only a Great Rain)

Por meio de contemplações repetidas, ou o que às vezes é chamado de meditação analítica [vipashyana], conseguimos transformar os nossos padrões de pensamento mais arraigados. [...] Além da meditação analítica, praticamos um outro tipo de meditação mais não-conceitual [shamatha], em que simplesmente deixamos a mente relaxar e reverter a seu estado natural, sem qualquer contemplação. [...] Em conjunto, essas duas técnicas são como o cabo e a lâmina de uma espada, com a qual cortamos até o âmago a tendência de nos prendermos à solidez da experiência sujeito-objeto. [...]

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Se ficarmos tentados a crer que podemos alcançar a iluminação ou mesmo felicidade simplesmente com o pensar, por mais metódico e inteligente que seja, precisamos apenas nos lembrar de que, desde o tempo sem princípio, temos estado a pensar com tamanha intensidade que nossas idéias poderiam encher volumes e volumes. Entretanto, elas não nos deixam mais felizes; certamente não nos conduzem à iluminação. Se o pensar por si só produzisse iluminação, nós já seríamos buddhas. Entretanto, ter uma mente vazia também não produz iluminação. [...] Ursos e marmotas hibernam por meses a fio, e nem por isso seu estado de mente vazia produz iluminação. [...] Geralmente, quando as pessoas meditam, tentam fazer alguma coisa. Mas, em vez de tentar, simplesmente deixe a sua mente relaxar e repousar no espaço livre e espontaneamente aberto dentro do qual os pensamentos surgem e cessam. Pensamentos do passado, presente e futuro naturalmente ocorrerão, mas não se agarre a eles nem os siga, reprima ou afaste. [...] [E]m vez de ficar contrariado quando eles aparecerem, responda a eles com compaixão, compreendendo que é assim que você e todos os demais seres ficam aprisionados ao sofrimento. [...] O objetivo não é nem pensar nem não-pensar. O objetivo é revelar a essência da mente.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

A tradição Theravada, por exemplo, apresenta 40 tipos de meditação, como absorção (sânsc. dhyana, páli jhana), contemplação (sânsc. samapati) e concentração (sânsc. e páli samadhi). Um dos métodos mais conhecidos desta tradição é o anapanasati, a meditação sobre a respiração. O buddhismo tibetano utiliza meditações para familiarizar a mente concentrada (sânsc. chittakagrata) com um determinado objeto (sânsc. alambana) de meditação: a forma de um buddha, de um bodhisattva ou um diagrama (sânsc. mandala), o som de um mantra ou dharani, etc.A tradição Theravada aponta cinco obstáculos (sânsc. nivarana) que devem ser superados na meditação: [1] desejo sensual; [2] aversão, ódio, raiva ou má vontade; [3] preguiça, torpor e letargia; [4] inquietação, agitação e ansiedade; [5] dúvida cética. O buddhismo Mahayana também aponta cinco obstáculos: [1] preguiça; [2] desatenção; [3] torpor e agitação mental; [4] falta de aplicação dos antídotos aos obstáculos; [5] excesso de aplicação desses antídotos.O Zazen da tradição Zen, o Mahamudra da tradição Kagyü e o Dzogchen da tradição Nyingma não utilizam objetos de meditação, nem a concentração de conceitos abstratos. Em ambos os casos, deixa-se a mente livre de pensamentos, visões, coisas ou representações, por mais sagradas que sejam.

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As escolas gradualistas adotam o sistema de cinco caminhos de meditação:

Caminho da Acumulação (sânsc. Sambhara-marga): o praticante acumula mérito e sabedoria, para gerar a mente da iluminação (sânsc. bodhichitta);

Caminho da Preparação (sânsc. Prayoga-marga): elimina-se a conceitualidade sobre a vacuidade dos fenômenos (sânsc. dharma-shunyata);

Caminho da Visão (sânsc. Darshana-marga): neste nível, é possível "ver" claramente a vacuidade e a não-dualidade entre o sujeito (o percebedor, o interno) e o objeto (o percebido, o externo);

Caminho da Meditação (sânsc. Bhavana-marga): os últimos conceitos sobre existência inerente são eliminados;

Caminho do "Não-mais-aprender" (sânsc. Ashaika-marga): a fase final, em que os últimos conceitos são eliminados assim como suas causas.

No último século, a ciência e a física do Ocidente fizeram uma descoberta incrível. Somos parte do mundo que vemos; o próprio processo de observação altera as coisas que observamos. Exemplo: um elétron é algo extremamente pequeno, que não pode ser visto sem instrumentos; e esse aparato determina o que o observador verá. Se você olha para o elétron de uma maneira, ele parece uma partícula, uma bolinha dura que fica saltando por caminhos fixos. Quando você o olha de outra maneira, um elétron parece uma onda, nada tendo de sólido; ele brilha e rodopia por todo lugar. Um elétron, mais que uma coisa, é um evento. E o observador participa desse evento, pelo próprio processo de sua observação; não há meios de evitar essa interação. A ciência oriental reconheceu este princípio básico há muito tempo. A mente é um conjunto de eventos e o observador participa destes eventos a cada vez que olha para dentro de si mesmo. A meditação é uma observação participatória: o que você está olhando responde ao processo do olhar. O que você está olhando é você, e o que você vê depende de como você olha. Desta forma, o processo de meditação é extremamente delicado, e o resultado depende absolutamente do estado da mente do meditante. [...] A vigilância é, ao mesmo tempo, a pura atenção e a função de nos lembrar de prestar a pura atenção, se tivermos cessado de fazê-lo. A pura atenção é notar; ela se restabelece simplesmente quando você nota que não estava presente. Tão logo perceba que não estava percebendo, então, por definição, você estará percebendo. Então, você novamente estará prestando pura atenção. [...] A vigilância vê as coisas como realmente são. Em nada acrescenta à percepção, e nada subtrai nem distorce. É pura atenção e apenas observa o que ocorre. O pensamento consciente gruda coisas em nossa experiência, nos sobrecarrega com conceitos e idéias, nos submerge num agitado vórtice

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de planos e preocupações, de medos e fantasias. Quando vigilante, você não faz esse jogo. Apenas nota exatamente cada coisa que surge na mente.

(Henepola Gunaratana, Meditação para Todos)

[O] primeiro objetivo ao praticar a meditação é de purificar a mente; isso irá gerar paz e felicidade. O segundo objetivo da meditação é de superar a tristeza e a lamentação. Quando o meditador começa a ver a verdade, ele ou ela consegue suportar e derrotar a tristeza e a lamentação causadas pela impermanência. O terceiro objetivo é superar o sofrimento e a decepção causadas pela cobiça e pela raiva. O quarto objetivo da meditação é percorrer o caminho dos sábios, o caminho correto que conduz à libertação da angústia, tristeza, desapontamento, dor e lamentação. Esse é o caminho da atenção plena – o único caminho que nos liberta do sofrimento. O quinto objetivo da meditação é de nos libertarmos completa e totalmente da dor mental e das impurezas e de libertar a nossa mente do desejo, raiva e delusão.

(Bhante Henepola Gunaratana, Faça Você Mesmo)

Sujeito e objeto, dualidade e não-dualidade, eu e outros, assim como samsara e nirvana — tudo isto são discriminações. Abandone-as e deixe a mente descansar em equilíbrio tranqüilo.

(Dignaga)

Aos que querem controlar a mente, dirijo esta minha súplica: "Guardem com toda a força a atenção e a vigilância!" Assim como um homem perturbado pela doença é incapaz de agir, a mente perdida e dispersa é incapaz de qualquer ação. Se a mente vagueia na distração, tudo o que o estudo, a reflexão e a meditação puderem produzir, esvai-se da memória como a água de um vaso rachado.

(Shantideva, Bodhicharyavatara)

O que é meditação sentada? Nos removermos de todas as distrações externas e aquietar a mente é chamado "sentar". Observar a natureza interior em calma perfeita é chamado "meditação". [...] Remover-se de toda forma externa é chamado "meditação". Estar perfeitamente interiorizado e tranqüilo é chamado "concentração".

(Hui-neng, citado em Only a Great Rain)

Compreender os benefícios da meditação é algo de impossível sem uma experiência pessoal, tão impossível quanto definir o gosto de um alimento desconhecido. Se, sem jamais ter experimentado chocolate, você pede para explicar seu gosto, eu poderia dizer:

— Humm, é bom!— Bom, como?— Bem, é doce?— Doce de que maneira?

Por aproximações, talvez, eu conseguisse dar uma boa idéia do chocolate; no entanto, ele permaneceria para você mais ou menos

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misterioso. Se, ao contrário, você colocasse um pedaço de chocolate na boca, conheceria de imediato o sabor, sem hesitação possível. Uma explicação, mesmo detalhada, dos benefícios da meditação, permanecerá sempre impotente para tornar compreensíveis tais benefícios. Só uma prática pessoal e uma experiência direta farão descobrir seu autêntico sabor. [...] Na meditação, mantemos o corpo sem tensão, à vontade, em repouso. Preservamos o silêncio da palavra, ao mesmo tempo que deixamos a respiração fazer-se naturalmente. Conservamos a mente aberta, relaxada, sem agarrar-se nos pensamos do presente ou do futuro. A mente fica num estado de grande abertura e de grande relaxamento, sem aplicar esforço voluntário para fazer o que quer que seja, simplesmente presente. Nessas condições, a meditação torna-se muito fácil.

(Bokar Rinpoche, Meditação)

A mente e os seus pensamentos não são o mesmo [fenômeno] nem são diferentes. Se fossem o mesmo, não haveria como aquietar ou eliminar os pensamentos. Se fossem diferentes, você poderia ter pensamentos mesmo sem ter uma mente. Os pensamentos são o jogo temporário da mente. A mente é clara e pura, sem quaisquer qualidades específicas, como um espelho. Os pensamentos são como as imagens sobre esse espelho, não podem ser separados dele nem são o mesmo que ele.

(Do comentário de Beru Khyentse Rinpoche em The Mahamudra Eliminating the Darkness of Ignorance)

Há uma série de idéias errôneas sobre a meditação. Algumas pessoas a consideram um estado mental semelhante a um transe. Outras pensam nela como um treinamento, no sentido de uma "ginástica mental". A meditação, entretanto, não é nenhum dessas coisas, apesar de lidar com estados mentais neuróticos. Não é difícil nem impossível lidar com esses estados. Eles têm energia, pressa e um certo padrão. A prática de meditação implica deixar ser — uma tentativa de acompanhar o padrão, a energia e a velocidade. Assim, aprendemos a lidar com esses fatores, como nos relacionarmos com eles, não no sentido de fazê-los amadurecer como gostaríamos, mas no sentido de conhecê-los como são e de trabalhar com o seu padrão.

Há uma história sobre o Buddha em que se conta com ele transmitiu um ensinamento a um famoso tocador de cítara que deseja praticar meditação. O músico perguntou, "Devo controlar minha mente ou devo deixá-la completamente solta?" Buddha respondeu, "Já que você é um grande músico, diga-me como afinaria as cordas de seu instrumento." O músico disse, "Eu não as deixaria ficar nem muito esticadas, nem muito frouxas." "Do mesmo modo", disse o Buddha, "na sua prática de meditação, você não deve impor nada à mente com muita força, nem deve permitir que fique ao léu."

(Chögyam Trungpa, Cutting Through Spiritual Materialism)

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Postura de sete pontos do Buddha Vairochana(sânsc. sapta-dharma-vairochana)Esta é uma breve descrição de uma postura para a prática de meditação, utilizada por praticantes buddhistas há muitos séculos. Entretanto, alguns destes pontos costumam variar um pouco, de acordo com a tradição de cada escola.

A prática da meditação tem sido realizada por milhares de anos. Este é um longo tempo para a experimentação, e o procedimento foi muito refinado em detalhes. A prática buddhista sempre reconheceu que a mente e o corpo e estão estreitamente ligados, e que cada um influencia o outro. Desta forma, há certas práticas físicas recomendadas que muito ajudarão a adquirir maestria nessa habilidade. E tais práticas devem ser seguidas. Mantenha em mente, entretanto, que essas posturas são ajudas para a prática; não confunda as duas coisas. A meditação não significa sentar-se em posição de lótus, é uma habilidade mental; pode ser praticada onde quer que você deseje. Mas tais posturas ajudarão você a aprender essa habilidade e acelerarão seu progresso e desenvolvimento. Use-as, então.

(Henepola Gunaratana, Meditação para Todos)

Um praticante deve descansar sobre um assento confortável, direcionar seu olhar para a ponta do nariz e não olhar mais longe do que o nariz. Mantenha os ombros nivelados e toque a língua no palato. Permita que os lábios e os dentes relaxem. Sem forçar a inalação e a exalação da respiração, sem o menor empenho ou esforço, mantenha a postura adequada.

(Shri Vajra-mala Abhidana Maha-yoga Tantra)

Para meditar, há seis pré-requisitos que ajudam a alcançar a estabilidade mental: [1] sentar-se em um local silencioso, tranqüilo e com privacidade, deste modo evitando interrupções durante a prática; [2] ter poucos desejos; [3] conhecer a satisfação; [4] não ter muitas atividades; [5] ter ética pura; e [6] abandonar os pensamentos de cobiça, raiva etc. Muitos mestres recomendam que os praticantes meditem de manhã, logo após acordar, e também à noite, pouco antes de dormir.

1. As pernas devem estar, preferivelmente, na posição de lótus (sânsc. padmasana, jap. kekka-fuza) ou meio-lótus (sânsc. ardha-padmasana, jap. hanka-fuza). No primeiro caso, lótus completo, coloca-se o pé esquerdo sobre a coxa direita e o pé direito sobre a coxa esquerda; as plantas dos pés ficam voltadas para cima. No segundo caso, meio-lótus, o pé direito fica sobre a coxa esquerda e o pé esquerdo fica em baixo da coxa direita. Em ambos os casos, recomenda-se ficar sentado sobre uma almofada firme, como o zafu japonês ou o gomdem tibetano, e vestindo roupas leves, folgadas e confortáveis para a postura. Se não for possível sentar-

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se nestas posições, pode-se apenas cruzar as pernas ou usar uma cadeira.

2. Os braços ficar relaxados e as mãos devem ficar próximas ao umbigo. A mão direita fica sobre a palma da mão esquerda e os polegares tocam-se levemente, formando uma figura triangular; na tradição Theravada, medita-se sem que os polegares fiquem encostados. Na meditação Zazen, a mão esquerda fica sobre a direita e os polegares tocam-se para formar um oval. Em algumas meditações do buddhismo tibetano, às vezes se recomenda que os punhos fiquem fechados, com os polegares pressionando a parte inferior dos dedos anulares, ou simplesmente repousando as mãos sobre os joelhos.

3. O tronco deve ficar relaxado e a coluna deve ficar ereta, sem inclinar para frente, para trás ou para os lados. É importante que as pernas fiquem cruzadas de maneira firme para uma boa sustentação da postura do corpo.

4. Os olhos devem ficar semi-abertos, com o olhar voltado para a ponta do nariz ou pousado no chão. No início, manter os olhos totalmente fechados pode ajudar a se concentrar, mas recomenda-se deixar os olhos semi-abertos para evitar a sonolência e o aparecimentos de imagens mentais. No buddhismo tibetano, às vezes é recomendado que se deixe os olhos abertos, com o olhar voltado para o espaço vazio.

5. A mandíbula deve ficar relaxada e os lábios devem se tocar levemente.

6. A ponta da língua deve tocar o palato, atrás dos dentes superiores. Isto ajuda a diminuir a salivação.

7. A cabeça não deve ficar muito para cima nem muito para baixo, mas sim ligeiramente inclinada para a frente.

Às vezes, mais dois pontos são adicionados: os ombros devem permanecer relaxados, ligeiramente estirados; e a respiração deve ser silenciosa e uniforme, seja ela longa ou curta. 

O Buddha ensinou uma forma sucinta e completa como praticar. Quando vendo um objeto visual, apenas o veja. Quando ouvindo um som com os ouvidos, apenas o ouça. Quando cheirando um odor com o nariz, apenas o cheire. Quando provando algo como a língua, apenas o prove. Quando experienciando uma sensação tátil por meio do sentido corporal e da pele em geral, apenas experiencie a sensação. E quando um objeto mental, tal como um pensamento impuro, surge na mente, apenas conscientize-se dele; perceba aquele objeto mental impuro. [...] Isto significa que a estas coisas não devemos acrescentar o surgimento da idéia de ego. O Buddha ensinou que se alguém puder praticar assim, o

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"ego" cessará de existir; e a não existência do "ego" é a cessação do sofrimento.

(Achaan Buddhadasa, 48 Respostas sobre Buddhismo)

É claro que é necessário estudar a filosofia — isto fortalecerá sua convicção. A filosofia buddhista é tão universal e lógica que não se trata apenas da filosofia do buddhismo, mas da filosofia da própria vida. O propósito do ensinamento buddhista é apontar para a própria vida que existe além da consciência em nossa mente original pura. Todas as práticas buddhistas foram estabelecidas para proteger este ensinamento verdadeiro, não para propagar buddhismo de alguma forma mística maravilhosa. Portanto, quando falamos de religião, devemos fazê-lo da maneira mais habitual e universal. Não devemos tentar difundir nosso caminho através de um pensamento filosófico maravilhoso. De certo modo, o buddhismo é bastante polêmico e tem um certo espírito de controvérsia, porque o buddhista deve proteger seu caminho das interpretações místicas ou mágicas da religião. Mas a discussão filosófica não é o melhor meio para compreender o buddhismo. Se você quer ser um verdadeiro buddhista, a melhor que se tem a fazer é sentar [para meditar].

(Shunryu Suzuki, Zen Mind, Beginner's Mind)

A estrutura geral do caminho buddhista á traçada [...] na forma dos trinta e sete aspectos do caminho para a iluminação. Estes se dividem em sete categorias.

A primeira delas são é a das [I] quatro absorções, a [1] absorção do corpo, [2] dos sentidos, [3] da mente e [4] dos fenômenos. Aqui, o termo absorção refere-se às práticas contemplativas que focalizam a natureza fundamental e insatisfatória do samsara, e a impermanência dessa existência condicionada, o ciclo eterno de nossos padrões habituais de pensamento e de comportamento. Através dessas reflexões, o praticante desenvolve uma determinação efetiva para se libertar do ciclo da existência condicionada.

Em seguida, estão os [II] quatro abandonos completos. Estes são chamados assim porque, à medida que os praticantes desenvolvem uma determinação sincera para se libertarem através das quatro absorções, eles passam a adotar um modo de vida no qual abandonam as causas de sofrimento futuro e cultivam as causas da felicidade futura. Assim, os quatro abandonos são [6] abandonar os pensamentos e ações não-saudáveis já geradas; [6] não gerar pensamentos e ações não-saudáveis não geradas ainda; [7] intensificar pensamentos e ações saudáveis já geradas; [8] gerar pensamentos e ações saudáveis ainda não geradas.

Uma vez que tenham sido superadas as ações negativas e emoções perturbadoras por elas motivadas, e que tenham sido intensificados os fatores positivos da mente — tecnicamente denominados "a classe dos fenômenos puros" —, é somente quando a mente está muito concentrada que advém o que se conhece como os [III] quatro fatores de poderes milagrosos. Esses quatro fatores estão relacionados com a prática de desenvolvimento de nossa própria faculdade de concentração. São também chamados de quatro pernas porque são pré-requisitos para que o praticante atinja o estado mental concentrado, que é a base das

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manifestações sobrenaturais. Eles são o [9] poder milagroso da aspiração, [10] do esforço, [11] da intenção e [12] da análise.

A quarta categoria consiste das [IV] cinco faculdades e a quinta dos [V] cinco poderes. A lista é idêntica em ambas: [13 e 18] fé, [14 e 19] esforço, [15 e 20] absorção jubilosa, [16 e 21] concentração e [17 e 22] sabedoria. Nesse contexto, a distinção entre uma faculdade e um poder depende do grau de fluência do praticantes nessa habilidade; em um estágio de fluência suficientemente avançado, uma faculdade torna-se um poder.

Em seguida vêm os [VI] sete ramos do caminho para a iluminação: [23] absorção perfeita, [24] análise perfeita, [25] esforço perfeito, [26] alegria perfeita, [27] tranqüilidade perfeita, [28] meditação perfeita e [29] equanimidade perfeita.

A sétima e última categoria é a [VII] nobre senda óctupla: [30] visão correta, [31] intenção correta, [32] fala correta, [33] ação correta, [34] meio de fica correto, [35] esforço correto, [36] concentração correta e [37] meditação correta.

(Dalai Lama, The World of Tibetan Buddhism)

Os Nove Estágios da Concentração MeditativaThich Nhat Hanh, The Heart of the Buddha's Teaching

Existem nove níveis de concentração meditativa. Os primeiros são os quatro dhyanas, que são concentrações no reino da forma [sânsc. rupadhatu, rupaloka]. Os cinco níveis seguintes pertencem à dimensão sem forma [sânsc. arupadhatu, arupaloka]. Quando praticamos o primeiro dhyana, ainda estamos pensando. Nos outros oito níveis, o pensar dá lugar a outras energias. A concentração na dimensão sem forma também é praticada por outras tradições, mas fora do buddhismo sua finalidade geralmente é a de escapar do sofrimento e a de não atingir a liberação, que surge quando o sofrimento é compreendido. Quando você usa concentração para fugir de si mesmo ou de sua situação, está praticando a concentração errônea. Às vezes, precisamos escapar de nossos problemas para termos um pouco de alívio mas, mais cedo ou mais tarde, será preciso

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retornar e enfrentar aquilo que evitamos. A concentração mundana procura a fuga. A concentração supramundana busca a verdadeira libertação.

Praticar o samadhi é viver com profundidade cada momento que nos é dado. Samadhi significa concentração. Para podermos nos concentrar, temos de estar conscientes, totalmente presentes e conscientes do que acontece. A atenção plena gera a concentração. Quando estamos profundamente concentrados, iso significa que estamos absorvidos no momento. Nos tornamos o momento presente. É por isso que o samadhi às vezes é traduzido como "absorção". A atenção plena correta e a concentração correta nos elevam acima dos reinos dos prazeres dos sentidos e dos desejos, tornando-nos mais leves e mais felizes. Nosso mundo já não é tão grosseiro e pesado — o reino dos desejos [sânsc. kamadhatu, kamaloka] —, mas é o reino da materialidade sutil, ou o reino da forma [sânsc. rupadhatu, rupaloka].

No reino da forma, existem quatro níveis de dhyana. Através desses quatro níveis, a atenção plena, a concentração, a alegria, a felicidade, a paz e a equanimidade continuam a crescer. Depois do quarto dhyana, o praticante penetra em uma experiência mais profunda de concentração — os quatro dhyanas sem forma — em que é possível enxergar a realidade com maior profundidade. Aqui, o desejo sensual e a materialidade revelam sua natureza ilusória e deixam de ser obstáculos. A pessoa começa finalmente a enxergar a natureza impermanente, impessoal e interdependente do mundo fenomênico. A terra, a água, o ar, o fogo, o espaço, o tempo, o nada, e as percepções, são todos interdependentes, necessitam uns dos outros para existir. Nada pode existir por si mesmo, independente do resto.

O objeto do quinto nível de concentração é o espaço ilimitado. Quando começamos a praticar este tipo de concentração, tudo parece ser espaço. Mas à medida que aprofundamos a prática, vemos que o espaço na verdade é composto de elementos "não-espaço", como terra, água, ar, fogo e consciência, e só existe neles. Considerando-se que o espaço é apenas um entre os seis elementos que compõem todas as coisas materiais, concluímos que ele não tem existência independente. De acordo com os ensinamentos de Buddha, nada tem existência separada. Portanto, o espaço é tudo o que é interdependente, sendo totalmente

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dependente dos outros cinco elementos.

O objeto do sexto nível de concentração é a consciência ilimitada. Inicialmente, vemos apenas consciência em tudo, mas aos poucos começamos a perceber que a consciência também é terra, água, ar, fogo e espaço. Tudo o que é verdadeiro em relação ao espaço também é verdadeiro em relação à consciência.

O objeto do sétimo nível de concentração é o nada. Com a percepção normal, vemos flores, frutas, bules e mesas, e achamos que eles existem independentemente uns dos outros. Mas quando observamos essa realidade mais profundamente, vemos que a fruta está dentro da flor, e que a flor, a nuvem e a terra estão dentro da fruta. Ao ultrapassarmos as aparências externas ou sinais, chegamos à "ausência de sinais". Primeiro pensamos que os membros de nossas família são separados uns dos outros. Você é como é porque eu sou como sou. Percebemos a conexão íntima que existe entre as pessoas, e passamos a funcionar além dos sinais. Antigamente chegávamos que o universo fosse povoado por milhões de entidades separadas. Agora entendemos a total "irrealidade dos sinais".

O oitavo nível de concentração é um nível onde não há nem percepção nem ausência de percepção. Reconhecemos que tudo é produzido por nossas percepções, que são, ao menos parcialmente, incorretas. Assim, entendemos que não devemos acreditar inteiramente em nossa forma anterior de ver o mundo, e buscamos um contato mais direto com a realidade. Certamente, não podemos nos impedir de perceber, mas agora pelo menos já sabemos que a "percepção" significada a percepção de um sinal. uma vez que já não mais acreditamos na realidade dos sinais, nossa percepção se transforma em sabedoria. Ultrapassamos os sinais (não-percepção), mas não nos transformamos em seres desprovidos de percepção (sem não-percepção).

O nono nível de concentração chama-se cessação. Cessação, neste sentido, significa a cessação da ignorância contida em nossas sensações e percepções, e não a cessação das sensações e percepções em si. É aqui neste nível de concentração que emerge o insight, ou verdadeira compreensão.

(Thich Nhat Hanh. The heart of the Buddha's teaching - transforming suffering

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into peace, joy, and liberation: the four noble truths, the noble eightfold path

and other basic Buddhist teachings. Broadway Books: New York, 1999.)

A Roda da VidaA Roda da Vida (sânsc. Bhavachakra), também conhecida com a Roda da Existência, Roda do Devir e do Vir-a-ser, foi criada pela extinta escola Sarvastivada, precursora do buddhismo Mahayana. Este diagrama geralmente é encontrado nas portas de entrada dos monastérios tibetanos. Suas ilustrações representam simbolicamente a os doze elos da existência interdependente, os seis reinos da existência cíclica e os três venenos da mente. Segundo a tradição, a Roda da Vida foi desenhada pela primeira vez na época do Buddha Shakyamuni. Depois de pedir um conselho ao Buddha, o diagrama teria sido desenhado por ordem do rei Bimbisara de Magadha. Ele o enviou ao rei Udayana em retribuição a um manto de jóias preciosas que tinha recebido de presente. O rei Udayana teria atingido uma profunda realização espiritual após estudar este diagrama.A assustadora figura que segura a roda é Yama, o demônio da morte da mitologia indiana. Aqui, sua terrível presença simboliza a impermanência; nenhum ser vivo pode escapar de suas garras. Entretanto, o Buddha está flutuando no céu e apontando para a lua cheia; isto representa que os seus ensinamentos apontam o caminho para a liberação.

A maioria das pessoas vive negando a morte; praticantes [buddhistas] vivem com a constante consciência de sua existência. A morte, para eles, é uma poderosa diretriz para encontrar o significado essencial da vida. Na prática Vajrayana tibetana, os símbolos da morte — copas de crânio, tambores de crânio, trombetas de fêmur, malas

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[rosários] de osso, dançarinos em indumentárias que simbolizam esqueletos — nos relembram nitidamente de sua proximidade.

A utilização de tais implementos durante os rituais não quer dizer que os praticantes Vajrayana sejam insensíveis à morte, ou que não se aflijam com a morte de familiares e amigos, porém o cheiro e a textura de ossos envelhecidos, por exemplo, evocam o pensamento: "Sim, eu também terminarei como ossos espalhados ou cinzas num cemitério. Possa eu usar bem este corpo e não

Na borda da roda, doze ilustrações representam os elos da existência condicionada:

Uma velha mulher cega, andando com uma bengala, representa a ignorância;

Um oleiro fazendo um pote representa a vontade; Um macaco pulando de galho em galho representa a

consciência; Um barco com duas pessoas representa o nome e

forma; Uma casa com seis janelas representa o conjunto dos

seis sentidos; Um casal se abraçando representa o contato; Um homem dramaticamente ferido por uma flecha no

olho representa a sensação; Um homem tomando bebida alcoólica representa o

desejo; Um homem ou um macaco agarrando uma fruta em

uma árvore representa o apego; Uma mulher grávida representa a existência; Uma mulher dando à luz representa o nascimento; Uma pessoa carregando um cadáver representa o

envelhecimento e morte. A parte principal da roda é dividida em seis partes, representando os seis reinos da existência cíclica (sânsc. samsara). Na parte de baixo, estão os três reinos inferiores:

seres dos infernos (sânsc. naraka, nairayika);

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fantasmas famintos (ou espíritos carentes, sânsc. preta);

animais (sânsc. tiryak, tiryagyona). Na parte de cima, estão os três reinos superiores:

deuses (sânsc. deva);  semideuses (ou antideuses, deuses invejosos,

demônios covardes, titãs, sânsc. asura);  humanos (sânsc. manushya).

Em cada reino há um buddha: Yama Dharmaraja no reino dos infernos; Jvalamukha no reino dos fantasmas famintos; Simha no reino dos animais; Indra no reino dos deuses; Vemachitra no reino dos semideuses; e Shakyamuni no reino dos seres humanos.Em alguns sistemas, o reino dos semideuses também é considerado um reino inferior, tornando-se um dos "quatro estados miseráveis" (infernos, fantasmas famintos, animais e semideuses). Em outros sistemas, contam-se apenas cinco reinos (infernos, fantasmas famintos, animais, humanos e deuses), sendo que os semideuses são divididos entre o reino dos fantasmas famintos e o dos deuses.

Existem seis reinos onde nós podemos ter renascimento, um deles é o reino humano. Cada reino tem um âmbito de experiência específico, ainda assim podemos vivenciar em corpo humano — embora com muito menos intensidade — as experiências dos seis reinos. Por exemplo, o reino dos infernos é vivido por nós através da experiência de que todas as pessoas que nos cercam são ruins, o filho, o marido, o chefe... Para todo lado que olhamos as coisas são difíceis e só há sofrimento. Através da raiva e da aversão nos conectamos com esse reino. No reino dos seres famintos há uma experiência de carência incessante, eles têm sempre muito pouco diante do que sentem que necessitam. Nos conectamos a essa experiência através da avareza e aquisitividade. Assim como nos infernos, esses seres também não praticam. Os seres nos infernos dizem: "estou sofrendo, tudo é horrível, como eu vou praticar?" Os seres famintos dizem "eu preciso disso e disso, como posso praticar?". Depois há o reino dos animais, eles não praticam porque tão logo eles estejam com suas necessidades satisfeitas, de barriga cheia, dormem. Assim, também não ouvem o Dharma.

Entre os reinos superiores, há os deuses. Não é o reino de Deus, mas dos deuses. No reino humano isso corresponde

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àqueles que andam de carro importado, jatinho, não tem problemas de dinheiro, desfrutam de todas felicidades do mundo material. Os deuses tem corpos específicos sutis, se deslocam no espaço e produzem benefícios para os seres humanos em dificuldades. O problema é que são benefícios condicionados, e não do tipo que produz liberação. Esse reino é o que os seres humanos buscam em seus sonhos, é a sua perdição... Vivemos almejando chegar lá, trabalhando para isso, ou sonhando com isso. Nos conectamos com esse reino através do orgulho.

Já os semi-deuses têm poder, mas são competitivos e invejosos; passam o tempo todo combatendo. A conexão se dá através da inveja. Os deuses não praticam porque estão imersos em facilidades e felicidades, então, por quê praticar? Os semi-deuses, como estão sempre guerreando, também não têm tempo para praticar.

(Padma Samten, Prática na Vida Cotidiana)

Não é um processo que necessariamente precise ser monitorado. As ações se desenrolam do seu próprio modo, sem que ninguém controle o resultado. Não é como se alguém tivesse que contabilizar tudo para que cada qual fosse parar no reino certo, etc. As ações de cada ser determinam as experiências futuras desse ser. [...]

A idéia de que podemos vivenciar estes reinos de sofrimento que chamamos de infernos deixa muitas pessoas céticas ou enraivecidas. Elas não acreditam em inferno; pensam que este conceito não passa de uma tática que algumas religiões empregam para assustar e controlar as pessoas. Em certo sentido, é verdade que o inferno não existe. Se fizermos uso de toda a tecnologia do mundo para tentar chegar ao centro da Terra, nunca acharemos o inferno. No entanto, muitos seres estão sofrendo no reino dos infernos neste exato momento.

O inferno é o fluxo dos enganos e fantasias da mente, dos pensamentos e interações raivosos, e das palavras e ações nocivas que eles produzem. Se não forem controlados, não há como deixarmos de vivenciar o inferno. [...] Algumas pessoas experimentam o inferno mesmo enquanto contam com um corpo humano. Muitas delas ocupam nossos hospitais. [...] Poderíamos estar sentados no mesmo quarto que elas, e não enxergar nada do que sofrem. Ao mesmo tempo, podemos estar bem ao lado de um grande meditador que vivencia o céu, a terra pura, sem que nós mesmos enxerguemos isso. [...]

Embora grandes meditadores consigam vislumbrar outros reinos, nós não temos prova absoluta sequer de que o nosso mundo fenomênico humano exista além das nossas mentes individuais e coletivas. Ainda assim, da mesma forma que tomamos nossos sonhos como reais enquanto estamos dormindo, consideramos real o nosso reino

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humano. E os cinco outros reinos são tão reais para os seres que neles existem quanto a nossa experiência é para nós. O inferno parece tão real para um ser no inferno, o reino dos fantasmas famintos tão real para um fantasma faminto, quanto o reino humano para nós. Em última análise, o sofrimento provém não dos fenômenos desses reinos, mas do fato dos seres conferirem realidade a eles.

Assim, não é contraditório dizer que nossa experiência é real ou verdadeira, e ao mesmo tempo falsa. Nem é contraditório dizer o mesmo de qualquer outro reino. Se insistimos que o reino humano é real, então todos os demais reinos são reais, porque os seres que neles existem os experimentam como reais. [...]

Quando tomamos consciência do sofrimento e das limitações da existência cíclica, passamos a ter motivação para encontrar uma saída, da mesma forma que, quando nos damos conta de que estamos doentes, buscamos algum remédio. Ao compreender que a virtude e a não-virtude determinam se a nossa experiência será de felicidade ou tristeza, prazer ou dor, cabe-nos uma escolha: podemos mudar nossas ações e cultivar qualidades virtuosas, buscando a liberação para nós mesmos e para os outros seres, ou podemos continuar a criar não-virtude, perpetuando sofrimento sem fim.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

No centro da roda há três animais que representam os três venenos (sânsc. klesha) da mente, a origem dos seis reinos e dos doze elos: o desejo (apego) é representado por um galo; o ódio (aversão) é representado por uma serpente; e a ignorância (conhecimento errôneo), a fonte dos outros dois venenos, é representada  por um porco ou javali. O galo e a serpente geralmente aparecem saindo da boca do corpo, indicando que o apego e a aversão surgem da ignorância. Ao transcendermos estes três venenos, podemos nos libertar do sofrimento dos seis reinos e extinguir os doze elos que nos prendem a ele.Ao redor do círculo com estes três animais, há dois semicírculos que representam a virtude e a não-virtude. O semicírculo negro representa o karma negativo, que conduz aos reinos inferiores. O semicírculo branco representa o karma positivo, que conduz aos reinos superiores.Observando a roda da vida, é possível contemplar os quatro pensamentos que transformam a mente: a preciosidade do nascimento humano, a impermanência, o karma e o sofrimento. Esta contemplação é muito eficaz para despertar a compaixão, o amor, a alegria e a equanimidade.

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Os humanos têm maior vantagem. As nossas felicidades e sofrimentos não são tão duradouras. E quando cruzamos de uma felicidade para uma infelicidade, buscamos os ensinamentos. Isso é a vida humana comum. Ainda assim ela é muito rara. Se comparamos a nossa vida com outros seres, eles são muito mais numerosos. O corpo humano é raro e improvável. Como nós somos geridos pelo karma, o nosso renascimento é construído pela nossa condição kármica. Nós não conseguimos dirigir esse processo. É como a tartaruga cega, que a cada cem anos vêm à superfície do oceano, de águas revoltas, onde há um aro boiando. O renascimento humano é tão improvável quanto esta tartaruga, justamente no momento em que sobe à superfície, conseguir colocar sua cabeça dentro do aro que estava boiando.

A nossa condição humana hoje é favorável. Os seres humanos têm a possibilidade de praticar. Temos a liberdade de olhar nossos impulsos e perceber aspectos mais sutis. Temos tempo livre. Isso significa méritos. Já a "vida humana preciosa" tem características peculiares que transcendem em muito a vida humana típica.

Quando vivemos em épocas em que os seres de luz não se manifestam, nos sentimos perdidos e a vida parece sem sentido. Na época atual os seres de sabedoria vieram; vieram e deram ensinamentos que foram guardados e transmitidos. Esses ensinamentos chegaram até nós e estamos numa região onde esses ensinamentos existem. Além disso, temos sensibilidade para ouvi-los. Dizem que há uma vida humana preciosa quando, além desses fatores, estamos engajados em transformar a nossa vida a partir dos ensinamentos dos seres de sabedoria. Se estivéssemos sob domínio de seres negativos, ou se tivéssemos um modo de ação incorreta, não conseguiríamos ouvir os ensinamentos. Se não estamos sob essas condições, isso completa as características da vida humana preciosa. Se a vida humana é numerosa como as estrelas no céu noturno, a vida humana preciosa é tão rara quanto estrelas que são vistas no céu diurno. A pessoa está engajada em produzir benefícios para todos os seres.

O segundo pensamento é sobre a impermanência. Todas as coisas são impermanentes. Nós estamos sempre buscando o que é estável, mas nos enganamos. Onde estão os meus amigos "inseparáveis" da escola? A gente nem sabe onde eles estão hoje. Onde está a casa da nossa infância? A nossa mãe, pai, irmãos? O primeiro namorado, que foi maravilhoso, mas sumiu. A nossa experiência é de instabilidade e transformação constantes. Se diz no buddhismo que o planeta Terra vai desaparecer. O que dizer então das nossas pequenezas? Estamos aqui por um curto espaço. Esse ensinamento vem para aprendermos a olhar com o olho correto à cada momento. O olho incorreto é pensar que tudo é estável. Quando

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entendemos a preciosidade da nossa vida, e a usamos para produzir benefícios aos outros seres, este é o sinal de que os ensinamentos produziram as transformações que buscávamos.

A seguir, o karma. Estamos sujeitos a impulsos internos com os quais não podemos lidar. Esses impulsos produzem as dez ações não-virtuosas ou as correspondentes dez ações virtuosas. As ações virtuosas vão produzir experiências favoráveis — isso também é karma, karma favorável ou positivo, mérito. São experiências de felicidade condicionada.

O karma se manifesta em quatro níveis: imediato, a curto, médio e longo prazo. Por exemplo, se desejamos que alguém morra, naquele exato instante estamos esquecidos da nossa condição búddhica, luminosa, perfeita, e isso já é sofrimento. O de curto alcance, é que de novo e de novo vemos a morte de alguém como solução para nossos problemas. O de médio alcance vai se prolongar por essa vida e por outras: a pessoa não se sente digna, sente-se impura por dentro, inferior, e tem uma marca de aversão pelos outros.

Pior que pensar é planejar como fazer. Aí a perturbação se intensifica. A pessoa vai ter sentimentos mais perturbadores, pode começar a ter pesadelos. Se fez isso e executou, a experiência que é muito intensa, vai haver uma intranqüilidade muito grande. E se o ser morreu, é pior ainda. Ela vai se sentir perseguida. Por um longo tempo vai sofrer. Então temos essas quatro etapas kármicas que acompanham cada ação.

Nós temos uma multiplicidade de possibilidades tanto positivas quanto negativas. Tanto uma quanto outra são condicionadas, podem flutuar, estamos sempre pulando de um ponto para outro. Estamos presos nisso, é automático. Esses impulsos estão a nosso serviço, mas quando eles começam a andar por si, são karma. Temos vários mecanismos condicionados, o nosso cabelo cresce, as unhas crescem, sem que a gente faça alguma coisa. E por causa do karma surge a etapa seguinte, o quarto pensamento, que é o sofrimento. Sempre que operamos com referenciais duais, o sofrimento é inevitável. Aí surge o pensamento final que é: eu gostaria de me liberar disso, revelar minha natureza luminosa, usar de forma positiva as relações que estou vivendo, beneficiar os seres.

Em meio às confusões do mundo e tendências kármicas, toda vitória que podemos ter é como vitória no campo de futebol, frágil, impermanente. Agora mudamos, queremos descobrir a nossa natureza completa. Quando olhamos na vida, a nossa vontade de mudar é testada várias vezes, isso é prática espiritual. Aí nossa paisagem ao redor se transforma de samsara, lugar de sofrimento e enganos, em terra pura, que é onde praticamos, recebemos

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ensinamentos e nos sentimos protegidos pelos seres de sabedoria.

Os buddhas olham o que chamamos de samsara e vêem a perfeição que ali existe. Somos como formigas num palácio, não conseguimos reconhecê-lo com nossos olhos de formiga. Há, então, uma longa etapa de transformação dos nossos olhos, até que possamos reconhecê-lo. Em geral, não conseguimos perceber o valor do benefício real que estamos recebendo.

Paralelamente ao processo de transformação das tendências kármicas, o Buddha ensinou a prática ininterrupta das "quatro qualidades incomensuráveis", que são o método positivo de manifestação no cotidiano solucionando as confusões e conflitos.

A primeira é a compaixão, o desejo que os seres realizem sua natureza interna e se livrem de suas complicações. Essencialmente é o desejo que o outro supere suas dificuldades e possa melhorar. Atenção: compaixão é diferente de "pena". Quando temos pena, estamos validando a imagem que a pessoa faz de si mesmo, e justamente por isso ela está mal. Compaixão é reconhecer no outro a sua natureza estável, perfeita, de luz, sua condição verdadeira, quebrando o encanto dos jogos que estão produzindo as complicações. A segunda é o amor, o desejo que o outro seja feliz, completamente. Não exclui ex-maridos, ex-esposas, ex-sócios... Depois a alegria, a capacidade de se alegrar com as alegrias e vitórias dos outros, pequenas ou grandes. É um poderoso antídoto contra a inveja. Finalmente a equanimidade: perceber as flutuações das alegrias e tristezas da vida; num momento se tem uma grande alegria, em outro aquilo mesmo vira uma grande tristeza. Surge uma serenidade estável frente a essas flutuações e uma fé permanente, inabalável na natureza de todos os Buddhas, que é a sua própria natureza.

O Buddha ensinou também os meios de produzir felicidade nas relações humanas: casamento, namoro, filhos, trabalho, estudo. Em primeiro lugar, ao invés de pensar "o quê vou obter do outro", pensar "o que posso oferecer". Alegrar-se em oferecer! Se estamos na dependência do comportamento do outro para obter felicidade, eventualmente pode até funcionar, mas quando surgir a impermanência e o outro flutuar, entramos em crise. S.S. o 14º Dalai Lama, prêmio Nobel da Paz, sempre brinca, "que tipo de amor é o de vocês, aquele que só existe se o outro sorrir?" Esse tipo de amor está baseado em quanto estamos recebendo e, por isso, é frágil.

Praticando assim, podemos usar a vida cotidiana como caminho espiritual, superando os conflitos internos e trazendo benefícios a todos os seres. Alegria!

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(Padma Samten, Prática na Vida Cotidiana)

Lembre-se que, nos infernos inferiores, os seres queimam como o sol, e que nos infernos superiores, eles congelam. Lembre-se de como os fantasmas e espíritos sofrem com a fome, a sede e o ambiente. Lembre-se de como os animais sofrem as conseqüências de sua estupidez. Abandone as causas kármicas de tais misérias e cultive as causas da alegria. A vida humana é rara e preciosa; não faça dela uma causa para o sofrimento. Tome cuidado; use-a bem.

(Nagarjuna, citado em Path to Enlightenment)

O Ciclo dos RenascimentosOs seis mundosQuando observamos o nosso comportamento verificamos que todos temos uma tendência dominante: uns são coléricos, outros orgulhosos, outros invejosos. Qualquer que seja a emoção dominante, ela envenena a nossa existência, imprimindo-lhe um certo estilo. Os "viciados" do desejo não podem ver as montras das lojas sem se sentirem frustrados enquanto que para os "viciados" da agressão o meio ambiente é ameaçador e destrutivo.

Pela repetição de uma dada ação, as tendências reforçam-se e as percepções especializam-se, começando a afastar-se da banda de percepção mais freqüente nos seres humanos. Mesmo dentro do nosso mundo encontramos por vezes seres com os quais nos é difícil comunicar, embora até falemos a mesma língua. Se esta diferença se acentuar muito chegamos ao ponto em que qualquer tipo de comunicação se torna impossível. Nesse ponto o fosso que nos separa é tal que as percepções começam a pertencer a mundos diferentes.

A tradição buddhista reconhece seis mundos, três superiores — homens, deuses e antideuses — e três inferiores — infernos, fantasmas ou espíritos ávidos e animais. Podemos compreender estes mundos a vários níveis. No nível básico são meios ambientes particulares onde seres de karma comum se encontram, partilhando, graças à semelhança do seu karma, as mesmas percepções do mundo. Assim, se fosse possível que um deus se encontrasse acidentalmente no inferno, como esse tipo de ambiente não corresponde à sua ressonância kármica, ele não veria o mesmo que os

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seres do inferno.

Isto significa que o simples fato das nossas percepções serem partilhadas por outros não lhes confere um caráter objetivo de realidade intrínseca. As percepções, deformadas pela força do karma só são verdadeiras para os seres que possuem um karma semelhante e portanto têm apenas um valor relativo.

Por outro lado, o buddhismo também não afirma que as percepções sejam totalmente falsas, que aquilo que vemos seja uma pura ilusão como uma miragem no deserto. Para nós essas percepções são reais como o sonho de alguém que está a dormir. Esta é a razão pela qual se chama à realidade perceptual "provisória" ou "relativa".

Com efeito, o buddhismo distingue dois níveis de realidade, a verdade provisória ou relativa e a verdade absoluta ou definitiva. A verdade absoluta é a visão direta da natureza absoluta e luminosa que é não-dual e transcende o intelecto, Essa visão não está de momento ao nosso alcance. A verdade relativa, por seu lado, é compreensível pelo intelecto, mas é "provisória" no sentido em que é apenas uma aproximação da realidade. A nossa percepção habitual do mundo, que como vimos depende do karma, pertence à verdade relativa. O nível mais profundo da mente, que está para além da dualidade, pertence à verdade absoluta.

Outro nível de compreensão possível dos seis mundos consiste em vê-los um pouco como mundos paralelos existindo em simultâneo. Os seres renascem nesses mundos em função das suas afinidades com o meio ambiente e com os outros seres que lá vivem.

Um outro nível ainda consiste em associar os seis mundos com as tendências psicológicas dominantes dos seres humanos e a diversidade das circunstâncias da sua vida.

Por fim, a um nível mais subtil ainda, podemos dizer que cada um dos nossos pensamentos e das nossas reações, enquanto estamos submetidos ao modo de funcionamento samsárico, pertence a um dos seis mundos.Os infernos [sânsc. naraka]

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O ambiente infernal é criado pela agressividade. É um mundo de terror onde reina um sentimento de insustentável claustrofobia e onde os seres se vêem uns aos outros como inimigos. As descrições tradicionais falam de paisagens de planícies e montanhas de ferro ao rubro, atravessadas por rios de metais em fusão. O espaço está cheio de fagulhas, o calor é sufocante e o céu está em brasa. Os seres dos infernos são submetidos a diversos tipos de torturas.

Arrepiamo-nos só de pensar num incêndio num cento comercial ou em explosões de bombas de napalm e no entanto são pálidas imagens do horror e da aflição que reinam no inferno. Pelo que dizem os textos, o sofrimento desses mundos é verdadeiramente inconcebível para nós.

Em relação à cultura ocidental é importante notar duas coisas. A primeira é que o inferno buddhista não é eterno. O tempo é muito longo — e como não achar longo o tempo quando se vivem sofrimentos tão intensos? — mas, quando o karma que nos fez nascer nesses locais se esgota, renascemos noutro sítio.

A segunda é que o fato de renascermos no inferno não é um castigo infligido por alguém, a partir do julgamento moral das nossas ações, mas a conseqüência lógica de termos alimentado estados mentais agressivos e paranóicos.

Existe um segundo tipo de infernos, os infernos frios. Trata-se de um ambiente gelado onde a paisagem é apenas neve, gelo e desolação. O frio é tão intenso que, onde quer que o olhar se pouse, só avista neve e gelo. Tais descrições ilustram o resultado de outro tipo de agressão, a agressão que recusa qualquer comunicação.

Na prática, não temos de morrer para descer aos infernos: descemos quase todos os dias. Mesmo as situações mais banais podem transformar-se num inferno: ficar preso num elevador ou no metropolitano durante uma falha de corrente, queimar-se, viver uma relação sentimental particularmente possessiva ou cair numa profunda depressão. O mundo dos infernos quentes ou frios é o mundo onde o sofrimento é mais intenso.Os fantasmas [famintos] ou espíritos ávidos [sânsc. pretas]

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Como resultado do desejo incontrolável surge o mundo dos espíritos ávidos que são atormentados pela fome e pela sede sem jamais se sentirem satisfeitos. Tradicionalmente são representados com um estômago como uma montanha, um pescoço da espessura de um cabelo e uma boca do tamanho do buraco de uma agulha. Sendo assim, não admira que estejam condenados a uma fome e uma sede constantes e insaciáveis! Esta descrição física faz logo pensar naquelas crianças que às vezes vemos em emissões televisivas, com barrigas dilatadas e corpos esqueléticos, olhos desmesurados e rostos exangues refletindo apenas uma ânsia resignada.

A nível psicológico, o sentimento dominante é a frustração. Quer tenhamos um objeto ou mil, temos sempre a impressão que nos falta o essencial e assim que nos apropriamos de um objeto, ele perde o interesse, suscitando outros desejos. A sociedade de consumo não é senão a arte de explorar a ânsia do mundo dos espíritos ávidos.

O sofrimento deste mundo é um pouco menos intenso que o dos infernos e o tempo um pouco menos longo.Os animais [sânsc. tiryak]Como resultado da ignorância e da inércia surge o mundo animal, o único dos mundos não humanos que nos é diretamente perceptível.

Há inúmeras espécies animais: umas vivem debaixo de terra, outras sobre a terra, nos ares ou na água. Os animais selvagens vivem no terror dos predadores que nunca os poupam. Os animais em contato com o homem são explorados de inúmeras maneiras: ordenhados, tosquiados, torturados nos laboratórios em nome da ciência, criados em condições desumanas sem verem a luz do dia e em espaços extremamente exíguos, levados para os matadouros às centenas, abatidos pela pele ou pela carne. Nenhum outro predador faz o que faz o homem, predador supremo de todas as espécies, incluindo a sua própria.

Muitos seres humanos comportam-se como animais, não em termos de crueldade — porque nisso o ser humano ultrapassa todas as espécies — mas em inércia e em estupidez, na incapacidade de rir, de dançar e de olhar para o céu. O mundo animal é dominado pelo torpor e pela falta

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de iniciativa, pela ausência de sentido de humor e de inteligência criativa.

Muitas pessoas indignam-se quando se fala de falta de inteligência no mundo animal. Urna tal afirmação não significa que os animais não sejam inteligentes, por vezes mais até do que certos humanos. Porém, a sua condição é inferior por terem menos liberdade para decidir o comportamento a adotar numa dada situação e por terem menos capacidade para obterem o bem-estar relativo. Quanto à libertação definitiva do sofrimento, um animal não tem capacidade de a conceber, de aspirar a ela, nem de desenvolver ou aplicar métodos para a alcançar.

Os seres dos infernos, os espíritos ávidos e os animais constituem os três mundos inferiores onde o sofrimento é tão intenso e tão incessante que não há liberdade para nada. É impossível pensar no que quer que seja, questionar-se sobre o sentido da existência ou buscar uma via espiritual.

Embora estes mundos pareçam nada ter a ver conosco, eles começam na periferia do nosso próprio mundo, encontram-se no prolongamento dos nossos comportamentos humanos como grandes oceanos onde deságuam os rios caudalosos das nossas ações negativas. Enquanto estivermos sob o domínio do mal-entendido de base que é a ignorância, não estamos ao abrigo de lá nascermos.Os deuses [sânsc. devas]Poucas ações negativas, muitas ações positivas realizadas com uma forte noção de individualidade e de superioridade fazem-nos nascer no mundo dos deuses. Ao falarmos de deuses, estamos a falar de seres que possuem a condição mais elevada e mais feliz do samsara, sem que esta denominação tenha qualquer conotação transcendente. Não se trata de seres a quem nos dirigimos para obter favores e muito menos a libertação do sofrimento, mas prisioneiros muito favorecidos do ciclo dos renascimentos. Em vez de viverem em celas imundas e sofrerem horrores, vivem numa prisão dourada da qual não têm a menor vontade de fugir Na verdade, nem sequer se apercebem que não são livres, tão absorvidos estão na fruição dos prazeres mais sofisticados.

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Algumas tradições religiosas têm como objetivo o renascimento num paraíso divino, expondo, para tal, regras de conduta inspiradas numa noção de retribuição dos atos que, embora não esteja claramente formulada, permite sem dúvida atingir esse objetivo. Existem três tipos de mundos divinos: o mundo do desejo, da forma e sem forma.

Os deuses do mundo do desejo têm uma vida muito longa e uma inconcebível capacidade de fruição dos prazeres dos sentidos. Os textos descrevem-nos como sendo belos, com corpos luminosos e naturalmente perfumados. Alguns sofrem pequenos contratempos nas suas lutas contra os antideuses, mas o seu único verdadeiro sofrimento é no momento da morte. Algum tempo antes de morrerem aparecerem sinais precursores do seu declínio e os outros deuses rejeitam-nos. Como têm clarividência, vêem o local onde vão renascer e, quando se trata de um mundo inferior, sofrem terrivelmente com a sorte que os espera.

Os deuses dos mundos da forma e sem forma são seres que, como resultado de práticas meditativas avançadas cujo objetivo não é a libertação definitiva do samsara, nascem em níveis de existência superiores e usufruem de experiências meditativas muito profundas, durante um período extremamente longo.

No mundo humano existem seres ricos, belos, superiormente dotados, amantes das artes e dos prazeres mais subtis. No entanto esses seres são raros em comparação com o resto da humanidade que sofre atrozmente e se debate com inúmeras dificuldades. No fim de contas, a felicidade divina toma-se uma deficiência grave: quando nunca se sofreu ignora-se a compaixão e não se aspira à prática de uma via espiritual.Os antideuses [ou semideuses, sânsc. asuras]Como resultado de ações positivas realizadas por inveja e com um sentido de competição, renasce-se no mundo dos antideuses, ou deuses invejosos. No mundo dos antideuses cresce uma árvore gigantesca cujos frutos, apenas vislumbrados de longe nos ramos mais altos, só podem ser colhidos pelos deuses. Achando que os frutos da árvore deveriam ser seus, os antideuses sentem uma inveja intolerável e declaram guerra aos deuses. Infelizmente para eles, o karma divino é superior e os antideuses sofrem

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terrivelmente quando são feridos ou mortos em combate. E um mundo de guerra, de estratégias e de competição.

A sociedade moderna, competitiva e eficaz, está cheia de antideuses. A rivalidade e a inveja envenenam o ambiente profissional, as relações com os amigos e até com a própria família. Com este tipo de atitude mental qualquer relacionamento é um desafio e todas as palavras e gestos são susceptíveis de serem usados como armas, O antideus só pensa em ganhar. O sistema escolar, as brincadeiras e os jogos incitam desde a infância a essa rivalidade. Mais tarde, as atividades profissionais e os códigos sociais baseiam-se exclusivamente na "lei do mais fone". Estamos tão habituados a que a competição seja considerada salutar e mesmo indispensável para o bom funcionamento da sociedade que nos custa imaginar uma outra forma de viver.Os seres humanos [sânsc. manushyas]Do ponto de vista da prática espiritual o mundo humano é o mais favorecido. A alternância das alegrias e dos sofrimentos é propícia a uma tomada de consciência da condição samsárica e a paleta dos venenos que nos atormentam oferece-nos uma visão panorâmica do samsara.

A tradição distingue quatro sofrimentos universais que nos arrastam como a corrente de um rio caudaloso. O primeiro é o nascimento. Esquecemos esse corredor estreito e interminável onde quase sufocamos, a angústia de sermos empurrados sem sabermos para onde, o medo de ficarmos presos e morrermos, O bebê nasce com todas as percepções: ouve, sente, vê a luz. Embora haja cada vez menos mulheres que morrem de parto e menos crianças que morrem a nascença, não é propriamente um momento de prazer, nem para a mãe nem para a criança, e o sofrimento continua presente.

O segundo grande sofrimento é a velhice que se tornou um handicap no mundo moderno. Dentes postiços, cabelos pintados, tgitings e Viagra permitem escamotear os sintomas dessa irremediável fase da vida. Mas, apesar de podermos melhorar a nossa aparência, não conseguimos impedir certas manifestações de decrepitude: a memória e a visão diminuem, a paciência esgota-se, a curiosidade apaga-se. Pouco a pouco o mundo ultrapassa-nos e, sem qualquer consideração pela experiência de vida, as novas gerações

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tomam-nos o lugar, deixam de nos respeitar e de nos escutar Os filhos, sobrinhos ou herdeiros tentam arrancar-nos a herança o mais depressa possível, pilham a nossa conta bancária e, como não querem ocupar-se de nós, internam-nos numa instituição especializada onde só nos resta morrer. Eis o que nos espera se chegarmos até lá.

O terceiro é a doença que ataca novos e velhos sem distinção. Ao sofrimento da doença ou do acidente juntam-se os inconvenientes dos tratamentos, por vezes dolorosos. As deficiências causadas pelo nosso estado tomam-nos dependentes dos outros e obrigam-nos a ficar acamados durante dias, semanas e meses. O corpo humano é uma máquina complexa e altamente sofisticada. Um arranhão fá-lo sofrer, uma corrente de ar constipa-o, um pouco mais de sol queima-o... Como podemos ter paz?

O quarto grande sofrimento é a morte. Mesmo se adoecermos raramente e vivermos até muito velhos não podemos escapar à morte. Há quem pretenda não ter medo de morrer: será coragem ou inconsciência? Imagine que no mesmo dia perde esposa, filhos, amigos, emprego, carro, casa... Como acha que se sentiria? Quando morremos temos de deixar os seres que amamos, as nossas posses e até o próprio corpo, nosso fiel companheiro de sempre. Não é fácil nem agradável. Temos de partir sós e sem poder levar nada conosco, como um refugiado que tenha perdido tudo e embarque sozinho, rumo ao desconhecido.

Todos os seres sentem a angústia da morte. Já viu as lágrimas nos olhos das vacas quando são levadas para o matadouro? A morte, essa derradeira e inevitável separação de tudo o que nos é familiar, embora certa, surpreende-nos sempre.

Para além disso, os seres humanos receiam confrontar-se com a adversidade, não obterem o que desejam, perderem o que têm, etc. A condição humana, embora muito privilegiada no ciclo dos renascimentos, não deixa de ter as suas vicissitudes, desilusões e sofrimentos intensos e variados.

Tudo o que vivemos nos seis mundos é impermanente, não podemos confiar em nada. Depois da alegria vem a dor, depois da tempestade a bonança. Constantemente arrastados pelo karma, por vezes na mó de cima, por vezes na mó de baixo, sem qualquer controle, somos como casca

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de noz no meio da tempestade, folha morta num turbilhão de vento.A natureza kármica dos seis mundosEmbora seja preferível viver no mundo divino que entre os animais, as percepções divinas não são mais reais do que as percepções animais. Todos os seres do samsara estão a dormir e cada um tem um sonho diferente. Dentro do sonho as percepções existem, há alegria e dor, mas fora do sonho não têm qualquer existência concreta.

Para ilustrar a relatividade das percepções, a tradição buddhista usa o exemplo da água: os seres dos infernos vêem-na como um objeto de tortura (metal em fusão), os espíritos ávidos como algo que desejam ardentemente mas cuja natureza é impura (pus e sangue), certos animais consideram-na como um habitat, os antideuses como uma arma e os deuses como um néctar sublime. Se pensarmos que todos esses seres estio iludidos porque não vêem que a água é algo que serve para beber, cozinhar, tomar banho e lavar a roupa, estamos a esquecer-nos que as nossas percepções são tão relativas, subjetivas e ilusórias como as dos outros mundos.

Temos dificuldade em aceitar a existência de outros mundos? Porque é que não vemos os deuses como vemos os animais? Na verdade, os nossos sentidos captam constantemente dados que não são reconhecidos de uma forma consciente. Não vemos todas as imagens que a nossa retina capta, mas apenas aquilo que somos capazes de identificar em função dos hábitos adquiridos. Por conseguinte, mesmo que fôssemos confrontados com estas formas de vida, não as reconheceríamos porque apenas vemos aquilo que a nossa estrutura mental permite.

O seguinte exemplo ilustra bem esta afirmação: uma equipa de antropólogos propôs-se estudar as reações de uma tribo primitiva que vivia particularmente longe da civilização, projetando-lhe um filme que mostrava cidades, carros, aviões, relógios, elevadores, arranha-céus e homens de fato e gravata. Os espectadores não tiveram qualquer reação até ao momento em que, durante uma fração de segundos, o aparecimento de uma galinha na tela provocou ruidosas exclamações. Após a projeção os antropólogos recolheram

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as impressões: a única imagem que os indígenas tinham retido era a da galinha.Abrir horizontesPensar que a morte é o ponto final, o limiar do nada é o resultado de um mente mesquinho. E um pouco como se, vivendo em França, pensássemos que além das fronteiras desse país a espécie humana não existia", diz Kalu Rinpoche.

Cada vez menos pessoas pensam que o mundo se restringe à sua aldeia ou ao seu país e rimo-nos hoje com o fato de certos povos pensarem que eram o centro do Universo, que o mundo acabava nas fronteiras do seus país. No entanto continuamos limitados por conceitos culturais e, para muitos seres humanos, o renascimento e os seis mundos são tão inconcebíveis como a Via Láctea para uma formiga. Como alguém que, depois de um acidente grave, acorda amnésico num hospital e não tem qualquer memória do passado, também nós ignoramos de onde viemos, o que fizemos e porque nos encontramos aqui. Temos talvez a impressão que a nossa vida começou no dia em que nascemos, que não houve nada antes.

No entanto, a maior parte das religiões do mundo falam de vida depois da morte. Qualquer que fosse a maneira como a descreveram, foi uma realidade incontestável durante milênios. Há apenas algumas décadas que as coisas mudaram. Não será arrogante da nossa parte pensarmos que detemos a verdade absoluta e que os milhões de seres humanos antes de nós estavam todos completamente errados?

Há quem afirme que a noção de renascimento não faz parte integrante do buddhismo. Os maiores Mestres buddhistas contemporâneos são unânimes: a noção de karma e de renascimento são noções buddhistas de base e a sua negação tem conseqüências perigosas. Quando os seres não consideram a lei do karma não pensam nas conseqüências dos seus atos e acumulam inúmeras causas de sofrimento. Além disso, causalidade e renascimento são duas noções intimamente ligadas: sem a noção de karma não tem sentido falar de renascimento e sem renascimento a noção de karma tem muitas lacunas.

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Portanto, podemos abrir os nossos horizontes. Quando um cientista quer elaborar uma nova teoria, formula-a primeiro, com base numa intuição, antes de a submeter à experimentação e de a poder provar. Do mesmo modo, antes de pormos de lado, a priori, esta possibilidade, porque não examinarmos se, à luz destas duas noções, o mundo se torna mais inteligível? Quem nunca se perguntou porque é que alguns têm tudo e outros são doentes, vivem na miséria, nascem em países onde há guerras, epidemias e toda a espécie de calamidades? Porque é que dois irmãos, filhos do mesmo pai e da mesma mãe, recebendo a mesma educação, tomam caminhos tão diferentes? Porque é que crianças pequenas manifestam tão cedo tendências muito marcadas e diversas?

Buddha pediu que não seguíssemos os seus ensinamentos só por respeito ou fascínio, mas que refletíssemos neles, meditássemos e analisássemos até chegarmos a alguma conclusão sobre a sua veracidade. Pode seguir o seu conselho e não adotar nem rejeitar estas idéias a priori. Mantendo o seu mente aberto, procure analisar estes ensinamentos pois, mesmo que não tenha a menor intenção de se tornar buddhista, nem mesmo de seguir uma via espiritual, as noções de karma e de renascimento são muito úteis para aprender a viver melhor.A prisão do samsaraQuando os textos tradicionais falam de "prisão" do samsara, insistindo sobre o caráter frustrante e doloroso das experiências que aí se vivem, não é que os Mestres ignorem os momentos de felicidade que também aí se podem encontrar. Mesmo numa prisão, uma refeição melhor ou um passeio ao ar livre são instantes muito apreciados. No entanto, em comparação com a liberdade de olhar para o céu, cheirar o mar e contemplar o pôr do Sol à vontade, os pequenos prazeres de um prisioneiro são coisa pouca.

Como prisioneiros que, resignados com a sua condição, ficam contentes com um maço de cigarros, também nós lutamos por algumas migalhas de bem-estar Obtemo-las com muito esforço, quase sempre ~ custa do sofrimento alheio, e pagamo-las bem caro. Alguns prisioneiros de pena perpétua resignam-se ao encarceramento, outros preocupam-se em melhorar as condições de vida, outros ainda só pensam na liberdade e, para se evadirem, são

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capazes de escavar um túnel com uma colher de chá ou de nadar nos esgotos durante dias.

É porque perdemos a memória da liberdade natural da mente que não temos uma tal motivação para escaparmos do samsara, que temos a impressão que nascemos na prisão e pensamos que não há mais nada. Como pássaro nascido na gaiola não conhecemos o céu, ignoramos para que servem as asas, nunca sentimos o gosto do vento nem nos embriagamos de luz. Portanto a vastidão do espaço aterroriza-nos.

Estes ensinamentos, vindos de longe no tempo e no espaço, despertam-nos para a realidade da situação. Aquilo que pensávamos ser a natureza inerente à condição humana é finalmente uma condição diminuída, sub-humana, enclausurada. Os Mestres que veiculam estes ensinamentos são o exemplo vivo do que um verdadeiro ser humano é, do ser em que cada um de nós se pode tornar. Ser tocado por alguém que se tenha aproximado da liberdade natural da mente pode inspirar-nos, levar-nos a reconhecer a realidade da situação em que estamos e querer melhorá-la.

Quem esteja totalmente resignado talvez nunca chegue a ouvir estes ensinamentos e, se ouvir, ser-lhe-ão indiferentes. Mas quem procure melhorar a sua situação pode, graças a eles, obter renascimentos nos mundos superiores, em lugares e situações agradáveis onde estará rodeado por seres que o respeitam e lhe querem bem.

Por fim, se pertencemos à classe dos irredutíveis apaixonados pela liberdade, podemos utilizar estes ensinamentos para melhorar as nossas condições de vida e vogar rumo â libertação, à alforria definitiva do sofrimento, tornando-nos então nós próprios uma fonte de inspiração para os outros.Desenvolver a compaixãoPor vezes, ao contemplarmos o mundo e os seus horrores sentimos uma grande revolta. De vez em quando os mais idealistas de entre nós gostavam de ser o super-homem, ou qualquer justiceiro todo-poderoso que desse de comer aos famintos, ajudasse os doentes, tirasse aos escandalosamente ricos o que faz falta aos miseráveis...

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Conhecendo a natureza kármica de todos os fenômenos, sabemos que os seres que morrem de fome, são torturados nas prisões políticas ou nascem já portadores de doenças horríveis foram, em outras vidas, assassinos e carrascos perversos. Ao olharmos para os que sofrem devemos lembrar-nos que, tal como nós, todos eles apenas desejam ser felizes. Por estranho que pareça, foi com essa intenção que cometeram as ações cujos resultados criaram a presente situação. Devemos sentir uma grande tristeza ao constatar que se enganaram e, enquanto buscavam a felicidade, sofreram e fizeram sofrer muita gente. Por outro lado, como poderíamos julgá-los se não sabemos de onde vimos, quem fomos, nem o que fizemos? Quem nos garante que não cometemos atos ainda piores, cujos resultados ainda estão para vir?

Quando estamos na sala de espera do dentista e ouvimos o barulho da broca arrepelamo-nos porque sabemos que a nossa vez vai chegar. O espetáculo do sofrimento alheio deveria ter o mesmo efeito sobre nos: a qualquer instante podemos estar no lugar do outro. Conhecer a lei do karma gera naturalmente a tolerância e a bondade por todos os seres e reduz a discriminação que por norma fazemos entre eles pela consciência de que, quando refletirmos bem, a diferença entre o carrasco e a vítima é uma questão de tempo.

Quando vemos um ser num sofrimento atroz temos de saber que está a sofrer as últimas conseqüências dos seus atos. Se pudermos, devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance para suavizar o seu sofrimento, ajudá-lo a tirar lições daquela situação e alertá-lo para a necessidade de mudar de conduta no futuro. Sem nos sentirmos desligados, diferentes ou superiores e sem fazermos julgamentos de valores, nada nos impede de tirar lições de todas as situações que nos rodeiam, mesmo se não nos disserem diretamente respeito.Pessimismo ou realismo?O buddhismo é por vezes acusado de pessimismo. E verdade que hoje em dia se tornou inconveniente — para não dizer obsceno — falar de doença, de morte, de velhice ou de sofrimento. Compreende-se: apesar dos automóveis, dos elevadores, dos telefones, da internet, dos micro-ondas e de todos os botões a que os nossos dedos se habituaram talvez nunca tenha existido uma sociedade cujos membros

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estivessem tão mal preparados para o sofrimento. Não sabendo que sentido dar à nossa existência, ficamos aniquilados e perdidos diante de um sofrimento absurdo e imprevisto. Os mais lúcidos têm a impressão de terem sido ludibriados: tinham-lhes prometido que a tecnologia, a medicina, a assistência social e o casamento iam fazê-los felizes e ninguém lhes tinha explicado que também iam sofrer, envelhecer, adoecer e morrer.

Se o buddhismo se limitasse a fazer o inventário de todos os sofrimentos do samsara sem apontar uma saída e sem explicar como fazer para se rodear de condições favoráveis, poderíamos com razão dizer que seria uma visão pessimista da vida. Mas se Buddha falou de sofrimento foi justamente para que abríssemos os olhos à verdadeira condição do samsara e nos propuséssemos percorrer o caminho que conduz ao bem-estar e à felicidade que nos cabem. Por outras palavras, se refletirmos nestes ensinamentos e os aplicarmos, podemos dar sentido à nossa existência e encontrar a paz e a felicidade duradouras.

Cenas pessoas poderão pensar que não vale a pena tanta insistência: o nosso conhecimento da condição humana basta. Para quê estar constantemente a lembrar coisas tristes? O problema é que a nossa relação com o samsara assemelha-se àquelas ligações sentimentais conturbadas em que, embora as pessoas reconheçam que não são feitas para se entender, não conseguem separar-se e passam a vida em brigas e reconciliações. Também nós, cada vez que as coisas correm melhor, nos esquecemos dos maus momentos e temos a ingenuidade de pensar que "desta vez, sim, tudo vai mudar".Perguntas mais freqüentesSegundo a idéia de renascimento, como podemos explicar o aumento da população? Somos seis mil milhões e éramos apenas um milhar de milhões no princípio do século. De onde vieram todos estes seres humanos?Há duas respostas possíveis. Em primeiro lugar o nosso sistema solar não é o único sitio habitado no Universo. Por outro lado não nos podemos esquecer que os seres dos mundos inferiores podem renascer como humanos.

Diz-se que para renascermos como humanos é preciso um karma muito positivo. Quando observamos o aumento da

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população mundial devemos concluir que há cada vez mais seres com um bom karma?É uma maneira de ver as coisas... Se observarmos o mundo atual vemos que há cada vez mais violência e podemos constatar uma certa degenerescência na qualidade da vida humana. Os valores humanos estão em declínio — dignidade, honestidade e coragem são valores ultrapassados. Como a qualidade da vida no mundo humano está a diminuir, isso significa que a quantidade de karma positivo necessário para se nascer no mundo humano é menor do que há dois mil anos e que, por conseguinte, o corpo humano é acessível a um maior número de seres.

Tsering Paldrön. A Arte da Vida: Valores Humanos no Pensamento Buddhista. Cascais: Pergaminho, 2001.

Pág. 68-81. Para adquirir o livro, por favor entre em contato com a União Budista Portuguesa.)

Kamma (Karma)A diligência é o caminho para o Imortal, a negligência é o caminho para a morte.

Appamado amatapadam, pamado maccuno padam.,Os diligentes não morrem, os negligentes já estão mortos - Dhp 21

Appamatta na miyanti, ye pamatta yatha mata

A palavra em Pali kamma (karma em Sânscrito) significa ação, sendo que na doutrina Budista o seu significado é mais específico: significa apenas as ‘ações volitivas ou intencionais,’ não todo tipo de ação. Nem significa apenas o resultado das ações, como muitas pessoas pensam. A doutrina de kamma expressa a lei da natureza de causa e efeito, ação e reação. Na noite da sua iluminação o Buda obteve o conhecimento direto do Renascimento, Kamma e as Quatro Nobres Verdades. Todos os ensinamentos do Buda derivam dessa experiência. O Buda disse que o primeiro elemento do Nobre Caminho Óctuplo, o Entendimento Correto, é o precursor de todo o caminho da prática Budista. O Entendimento Correto mundano compreende as Quatro Nobres Verdades e Kamma. A compreensão da doutrina de Kamma é portanto um elemento chave para aqueles que queiram compreender corretamente o caminho Budista. Neste guia você encontrará textos que expressam de forma completa e abrangente toda a extensão da doutrina de kamma e suas implicações e desdobramentos.

As origens da SanghaSangha é o nome dado à comunidade buddhista, formada pelos monges (sânsc. bhikshu, páli bhikkhu), monjas (sânsc. bhikshuni, páli bhikkhuni) e noviços (sânsc. shramanera, páli samanera). Em muitas tradições, também são incluídos os praticantes leigos (sânsc. e páli upasaka) e as praticantes leigas (sânsc. e páli upasika). A comunidade nobre (sânsc.

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arya sangha, páli ariya sangha), inclui todos os seres que alcançaram um certo nível de iluminação.

As virtudes da Sangha são as seguintes: "A Sangha — aqueles que ouvem o Bhagavan — é virtuosa em sua conduta, reta em sua conduta, adequada em sua conduta e decorosa em sua conduta". Estas qualificações de forma adequada dentro dos três treinamentos da moralidade superior, da concentração meditativa superior e da sabedoria superior, diz-se que a Sangha é, respectivamente, "virtuosa em sua conduta", e assim por diante. Ademais, porque cada um de seus membros se porta de igual forma no que diz respeito a coisas materiais, moralidade, pontos de vista e ritos, diz-se que a Sangha é "decorosa em sua conduta".

As virtudes que tornam a Sangha digna de reverência são as seguintes: "A Sangha — que ouve o Buddha — é sempre digna de oferendas, digna de grandes oferendas, digna de circum-ambulação e digna de ser saudada para todo o mundo". A Sangha é descrita como as duas primeiras expressões, as duas do meio e as últimas expressões acima porque é dotada, respectivamente, das virtudes de cada um dos três treinamentos.

(Rendawa Shönnu Lodrö, Sphutartha)

A Sangha, ou comunidade virtuosa, é constituída por aqueles que, praticando o Dharma corretamente, ajudam os outros a tomar refúgio. As pessoas da Sangha têm quatro qualidades especiais: se alguém lhes faz mal, não respondem com mal; se alguém demonstra raiva contra elas, não reagem com raiva; se alguém as insulta, não respondem com insulto; e se alguém as acusa, não revidam.

(Dalai Lama, The Meaning of Life from a Buddhist Perspective)

A expansão do buddhismo pode ser dividida em cinco períodos:1. Séculos VI-V a.C.: o Dharma foi exposto pelo Buddha e difundido

por seus discípulos; 2. Séculos V a.C. - I d.C.: foram realizados os concílios buddhistas e

surgiram as primeiras escolas; 3. Séculos I-VI: surgimento do buddhismo Mahayana; 4. Séculos VII-XIII: expansão do buddhi smo esotérico . 5. Séculos XIX-XX: chegada do buddhismo ao Ocidente.

A comunidade buddhista, tanto a leiga quanto a monástica, foi se expandido gradualmente. Muitos hindus continuaram a manter suas crenças e, ao mesmo tempo, passaram a ter grande reverência pelo Buddha e seus discípulos. Conforme a

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comunidade buddhista aumentando, o Buddha delegou o ensino do Dharma aos monges que tinham alguma realização espiritual e capacidade de ensinar. Grupos de monges recitadores (sânsc. e páli bhanakas), eram responsáveis por memorizar e ensinar determinadas porções dos ensinamentos.

[Na cidade de Varanasi vivia] Yashas, filho de um homem preeminente. Percebendo o sofrimento da vida humano, começou a acreditar no verdadeiro Dharma e, sabendo da reputação do Buddha, saiu de casa, foi para o Parque das Gazelas e em Buddha tomou refúgio. Com Yashas seguiram seus companheiros, uns cinqüenta filhos de outros homens importantes, que se tornaram discípulos de Shakyamuni. Os pais e a mulher de Yashas também o seguiram, pondo sua fé em Buddha. Tornaram-se chefes de família que cultivavam a prática, chamados upasakas [leigos] e upasikas [leigas] em sânscrito.

Durante a primeira estadia de três meses no Parque das Gazelas, Shakyamuni Buddha aceitou cinqüenta e seis fiéis discípulos, que depois enviou para todas as direções no intuito de propagar o Dharma. Ele foi sozinho à idade de Rajagriha, no país de Magadha, próximo do rio Nairanjana e expôs seus poderes espirituais para converter os seguidores de caminhos externos que adoravam o fogo. Naquela época, havia três mestres liderando o bramanismo ortodoxo; eram os três irmãos Uruvila Kashyapa, Nadi Kashyapa e Gaya Kashyapa. Levando seus mil discípulos eles tomaram refúgio no Buddha Shakyamuni, tornando-se seus seguidores sinceros. A seguir, Buddha conquistou os eruditos Shariputra e Maudgalyayana, famosos na comunidade bramânica por sua inteligência e sabedoria. Estes dois também levaram consigo uma centena de discípulos que se tornaram seguidores do buddhismo.

Assim sendo, ainda em sua década dos trinta anos, o Buddha Shakyamuni reuniu os mil duzentos e cinqüenta homens que abandonaram os próprios lares para se tornarem seus primeiros discípulos. Viajavam por todos os lugares, ensinando e convertendo as pessoas. Escutaram o Buddha expondo o Dharma e eram seus companheiros constantes. As escrituras buddhistas, mais tarde agrupadas, costumam mencionar "mil duzentos e cinqüenta monges", referindo-se a este grupo de valiosos discípulos, experientes e profundamente capazes.

Mais tarde, houve outro homem de grande inteligência, talento e virtude extraordinária, Mahakashyapa, que também se tornou seguidor do Buddha Shakyamuni. [...] Shariputra e os três irmãos Kashyapa eram bem mais velhos que Shakyamuni e, ao iniciarem sua peregrinação para disseminar o Dharma, muita gente que não os conhecia, achava que o relativamente jovem Shakyamuni era um dos discípulos. No contexto das escolas religiosas contemporâneas da Índia, foi realmente estarrecedor o modo como o Buddha Shakyamuni  reuniu mil discípulos assim que surgiu, indo das montanhas, e exerceu influência tão poderosa. [...]

Entre os monges, havia dez grandes discípulos, cada um deles aclamado por uma habilidade especial: Shariputra, conhecimento; Maudgalyayana, poderes espirituais; Mahakashyapa, ascetismo; Anirudha, visões sobrenaturais; Subhuti, entendimento do vazio; Purna, pregação do

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Dharma; Katyayana, discurso dos significados; Upali, preservação dos preceitos; Rahula (filho único do Buddha), prática esotéricas; e Ananda (primo do Buddha), escutar e lembrar. Este eram os dez grandes e extraordinários discípulos, que receberam o Dharma diretamente de Buddha e atingiram a excelência.

(Nan Huai-Chin, História do Budismo)

Os primeiros monges eram viajantes ou andarilhos (sânsc. parivrajaka), páli paribbajaka) que vagavam principalmente pelos reinos indianos de Magadha e Koshala a fim de difundir os ensinamentos de Buddha. Também havia muitos praticantes nas regiões dos Videhas, Koliyas e Lichavis, no leste da Índia. Contatos mais distantes e isolados aconteceram com as regiões norte e oeste. Mais tarde surgiram diferentes comunidades monásticas locais, os nikayas. Assim como os seguidores de outros mestres, os monges buddhistas viviam de maneira muito despojada e se vestiam com mantos cor-de-açafrão. A única diferença é que os monges buddhistas raspavam a cabeça — como sinal de renúncia à vaidade — e não aceitavam alimentos crus porque não podiam cozinhar. A cada mês, os monges se reuniam para a cerimônia de upavasatha (páli uposatha), que incluía uma confissão e a recitação dos votos monásticos.Todos os anos, os monges se reuniam na época das monções — entre julho e outubro — para fazer o varshika (páli vassa), um retiro realizado em alguma floresta doada por um praticante leigo ou em alguma clareira na floresta que cobria grandes partes da bacia do Ganges. No final destes retiros, era realizada a cerimônia dos robes (sânsc. kathina), na qual os leigos faziam doações aos monges e ofereciam tecidos para a manufatura dos robes monásticos. Com o passar do tempo, os monges passaram a se locomover menos e a se fixar nas residências colocadas à disposição da Sangha. Elas acabaram se transformando em monastérios patrocinados por generosos leigos como o mercador Anathapindada (páli Anathapindika ou Sudatta). Os principais monastérios indianos foram o Jetavana Vihara, o Venuvana Vihara, o Puba Vihara, o Nigrodha Vihara e o Isipatana Vihara.

Liderando um grupo de discípulos, seguidores da recém surgida religião, o Buddha Shakyamuni viajava de um lugar a outro ensinando. Assim acabou chegando a Rajagriha [capital de Magadha], a cidade real do rei Bimbisara. Anteriormente, quando abandonara seu título de nobreza e dirigira-se às montanhas para cultivar o caminho, Shakyamuni fizera um pacto com o rei Bimbisara de que, ao realizar o caminho, ele o procuraria para salvá-lo. Portanto, como prometido, Shakyamuni foi até ele e ficou num retiro que o rei construíra para esta ocasião, chamado Venuvana Vihara, o Retiro no Bosque de Bambu. Todas as pessoas, do rei acima até o povo abaixo, todos tinham grande respeito pelo Buddha. Este local tornou-se o primeiro templo buddhista da Índia.

Pouco tempo depois, um homem rico e renomado, Sudatta, que vivia sob o governo do rei Prasenajit, na cidade de Shravasti [capital de Koshala],

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e que gostava de fazer o bem, veio a acreditar no ensinamento de Shakyamuni. Cobrindo o solo com folhas de outro para chegar ao seu destino, ele adquiriu para Shakyamuni o bosque Jetavana, que pertencia ao príncipe herdeiro de Koshala. O príncipe, emocionado por este ato, juntou-se ao patrocínio de Shakyamuni. Todo o povo, de alta e baixa classe, estava unido em sua fé no Buddha e construiu o jardim Jetavana Vihara em Shravasti especialmente para o Buddha; este local também foi chamado Jardim da Caridade. Recebeu este nome porque Sudatta gostava de fazer o bem e de distribuir esmolas para socorrer as viúvas e órfãos, e de ajudar os pobres e sofredores. Este vihara [monastério] foi construído com doze stupas [relicários], setenta e dois salões de conferência, trezentos e sessenta celas monásticas e quinhentas torres. Oferecia apoio e acomodações tanto para discípulos monásticos quanto para leigos. pode-se dizer que foi a primeira universidade buddhista da Índia.

Dali em diante, em suas viagens constantes, o Buddha Shakyamuni ficava no Venuvana Vihara em Rajagriha no país de Magadha ou no Jetavana Vihara da Caridade em Shravasti [no país de Koshala]. [...] Nos quarenta e cinco anos entre a iluminação e a morte de Shakyamuni, Magadha ao norte e Koshala ao sul sempre foram os centros do seu Dharma. Ele também a levou às terras localizadas ao longo do rio Ganges, sem jamais fazer diferença entre monges e leigos, entre pessoas de altos ou baixos postos, entre ricos e pobres, entre homens e mulheres, entre jovens e velhos. Explicava o Dharma para todos, de acordo com a mentalidade de cada um.

(Nan Huai-Chin, Breve História do Budismo)

[Após a morte do Buddha houve] um desenvolvimento considerável na natureza das residências para os monges. De modo geral, houve um aumento de tamanho tanto dos avasas (construídos pelos monges para si mesmos; para este tópico há uma longa seção de regras no Vinaya) quanto dos aramas, construídos para a comunidade monástica pelos seguidores leigos, que estavam situados próximos às cidades e vilas para facilitar a coleta de esmolas. Dentro do avasa ou do arama seria construída uma cabana chamada vihara; mais tarde este termo seria usada para todo o estabelecimento. Um dos primeiros aramas foi construído próximo a Rajagriha, no bosque das mangas de Jivaka, um parque registrado no cânone páli como tendo sido doado no tempo do Buddha. A investigação arqueológica revelou os restos dos quartos, uma sala de assembléia (para ensinamento e recitação do pratimoksha) e um caminho [ao redor]. Não há evidência de uma sala de santuário nos exemplos mais antigos. Projetos posteriores, a partir do século II a.C., incluíam capelas construídas para abrigar um chaitya [templo] ou stupa [relicário] estilizado de pedra ou tijolo, rodeado por um caminho para circum-ambulação. Este parece ter sido a forma padrão para a sala do santuário. [...]

Este período também viu o crescimento da veneração das relíquias do Buddha abrigadas em stupas ou montes funerários em todos os locais importantes associados aos eventos de sua vida — o Bosque de Lumbini em Kapilavastu, marcando o lugar de seu nascimento; a Árvore de Bodhi em Gaya, marcando sua iluminação; o Parque das Gazelas em Isipatana, próximo a Varanasi, onde ele deu o primeiro ensinamento; e o bosque próximo a Kushinagara, onde ele morreu. Todos se tornaram lugares de

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peregrinação. Esse locais muitas vezes abrigavam monastérios, dos quais os monges residentes muitas vezes tomavam cuidavam da stupa. [...]

Também há evidência de oferendas de flores feitas ao Buddha e, como parte de uma invocação cerimonial de sua presença e de veneração, da construção de kutis ou cabanas, às vezes com flores, imitando o gandhakuti do Buddha — a cabana na qual residiu em Shravasti. Mais tarde o termo gandhakuti veio a se referir a toda a sala de um monastério que mantivesse a imagem do Buddha. A recitação e cântico comunais de hinos em louvor ao Buddha foi outra característica significativa da prática neste período e há ligações claras com a prática do buddhanusmriti, ou lembrança do Buddha, e pode bem ser refletida nos hinos devocionais de louvor de Matricheta (século II).

(Andrew Skilton, A Concise History of Buddhism)

Os reis Bimbisara e Mahapadma Nanda de Magadha contribuíram muito para difusão do Dharma, assim como faria mais tarde o rei Ashoka Maurya (séc. III a.C), convertido ao buddhismo pelo monge Moggaliputta Tissa no ano 261 a.C. Após oito anos de guerras, ele decidiu cessar todas as atividades contrárias ao Dharma e ordenou que éditos buddhistas fossem escritos em pilares de pedra espalhados pelo seu vasto reino. Ele aboliu as tradicionais caçadas reais e em seu lugar instaurou a peregrinação aos locais sagrados do buddhismo. Segundo a tradição, o rei também foi responsável pelo sustento de 64.000 monges e pela construção de 84.000 relicários. Seus filhos, o monge Mahinda e a monja Sanghamitta, foram responsáveis pela introdução do buddhismo no Sri Lanka.

Algumas décadas depois da morte de Alexandre, o Grande, viveu na Índia aquele que, talvez em toda a história humana, foi o único indivíduo que, vencedor na guerra, compreendeu ser ela o maior dos males e eliminou por completo os armamentos, promovendo um pacifismo radical: o rei Ashoka. Ardente simpatizante do buddhismo, que inspirou sua atitude tolerante e pacifista, esse rei contribuiu para que o buddhismo se enraizasse em toda a Índia e, além disso, mandou missionários pregarem a Lei de Gautama em países estrangeiros.

(Ricardo Mário Gonçalves, Textos Budistas e Zen-budistas)

[Ashoka enviou] missões a Bactriana, a Sogdiana e ao Sri Lanka (Ceilão). O sucesso desta última foi surpreendente pois os cingaleses permanecem buddhistas até hoje. De Bengala e do Sri Lanka, o

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buddhismo conquista os países da Indochina e as ilhas da Indonésia (século I). Por Kashmir e pelo leste do Irã, propaga-se para a Ásia Central e para a China (século I); da China para a Coréia (372); desta para o Japão (552 ou 538). Implanta-se no Tibet no século VIII.

(Mircea Eliade e Ioan P. Couliano, Dicionário das Religiões)

[E]stá registrado no texto do décimo terceiro edito real que o rei Ashoka esculpira na face dos rochedos por todo o seu domínio: "No nono ano do reinado do rei Ashoka, ele conduziu uma expedição punitiva contra os Kalingas... Após esta conquista, tornou-se um sincero protetor do verdadeiro Dharma oferecendo-lhe sua fidelidade e tomou a si a tarefa de disseminá-lo." Diz ainda: "O rei apiedou-s dos bárbaros que viviam nas florestas da montanha e foi seu desejo que eles depositassem sua fidelidade no verdadeiro Dharma... de modo que todos os seres encontrassem a paz e a felicidade. A vitória suprema é a vitória do verdadeiro Dharma, que tinha sido alcançada nos domínios do rei e se estendera pelos países vizinhos por uma distância de seiscentos yojanas, para as terras dos reis Yavana (helênicos) Antíoco, Ptolomeu, Antígonas, Magas e Alexandre. Isto se deveu ao rei Ashoka que propagou e seguiu o verdadeiro Dharma."

Conforme o registro deste edito, é óbvio que o buddhismo já florescia na época do rei Ashoka e se espalhara para além da Índia em direção aos reinos helênicos do Oriente Médio. O Antíoco mencionado, por exemplo, era Antíoco II (Theos), rei da Síria; Ptolomeu refere-se a Ptolomeu II (Filadelfo), rei do Egito; Antígonas [ou Antígono] era Antígonas II (Gonatos), rei da Macedônia; Margas (de Cirene) e Alexandre (de Epiro) eram outros governantes helênicos. A última parte do edito registra que o rei Ashoka enviara mestre buddhistas para disseminar a religião na Síria, no Edito, na Macedônia e na Ásia Central. Isto deixa clara a amplidão de seus esforços para espalhar o buddhismo.

Além disso, segundo o que está registrado na segunda rocha editorial de Ashoka, ele teria enviado missionários para terras que incluíam Kashmir e Gandhara a noroeste, as regiões de Yavana do reino helênico de Bactriana (o moderno Afeganistão), a região dos Himalaias, a região de Aparantaka no noroeste do Pinjab, Maharashtra, Mahisamandala (a região moderna da Mysore), Vanavasi no sul da Índia, as terras dos Cholas, Pandyas e Kerala, Suvarnabhumi (a costa da Birmânia e possivelmente Camboja) e Lanka (a moderna Sri Lanka).

(Nan Huai-Chin, Breve História do Budismo)

Na Índia, muitos praticantes de outras tradições começaram a se tornar buddhistas não por motivos religiosos, mas sim para desfrutar de algumas vantagens da comunidade monástica, como alimentação, educação e reverência. Muitos continuaram a manter práticas de outras tradições, inclusive práticas contrárias ao Dharma. A situação chegou a tal ponto que Ashoka teve que convocar um concílio com a ajuda de Moggaliputta Tissa.

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A dinastia Maurya entrou em colapso após a morte de Ashoka. Apesar da perseguição durante a dinastia de Pushyamitra Shunga — que reinou entre 185 e 175 a.C. —, o buddhismo continuou a ser propagado. A arte buddhista se desenvolveu em Sanchi, Amaravati e Bodh Gaya. A imagem do Buddha ainda não era representa diretamente, mas apenas representada por símbolos como a roda do Dharma, o trono, o pára-sol, a marca de seu pé e histórias de suas vidas passadas.

Mais tarde, a dinastia do rei Kanishka (século I-II) tornou-se buddhista, fundando um monastério em Peshawar. Ao contrário de Ashoka, Kanishka não aderiu aos princípios de não-violência. Durante o seu reinado teriam vivido o monge Sangharaksha e o poeta Ashvaghosha, autor do Buddhacharita, do Saundarananda e de pelo menos um drama. Em Gandhara e Mathura, apareceram as primeiras imagens do Buddha em forma humana.

Nos três ou quatro séculos que se seguiram ao rei Ashoka (que reinou entre 264 e 227 a.C.), o buddhismo foi se difundindo cada vez mais em países como China, Afeganistão e Sri Lanka, enquanto na Índia, sua terra natal, foi declinando. No século II, o general brâmane Pushyamitra usurpou o trono da dinastia Maurya, da qual Ashoka fora o terceiro imperador e desferiu uma grande perseguição ao buddhismo na Índia central, queimando templos e massacrando monges e monjas. A destruição e prejuízos foram consideráveis. O buddhismo do norte da Índia, entretanto, continuou a florescer. Não foi preciso muito tempo para que o buddhismo na Índia central renascesse, graças aos esforços dos monges e monjas que escaparam ao massacre. Mas houve divisões internas, que provocaram disputas sectárias e mais de dezoito escolas se formaram. [...]

Tempos depois do rei Ashoka, por volta do século II d.C., o rei Kanishka assumiu o poder da Índia e o buddhismo desfrutou um novo período de florescimento. O rei Kanishka descendia dos Kushans da Ásia central, que gradativamente tinham assumido o controle do noroeste da Índia e de partes da Índia central. Após converter-se ao buddhismo, o rei Kanishka convidou os bodhisattvas eruditos Vasumitra, Ashvagosha e Parshva para uma assembléia na capital, Kashmir, de forma que reunissem o cânone buddhista. Este trabalho levou doze anos para se completar. Os sutras, vinaya e shastras que o mestre Hsüang-tsang da dinastia T'ang trouxe de sua viagem de estudos à Índia e disseminou na China, pertencem em sua maioria à versão do cânone compilada nesta assembléia.

(Nan Huai-Chin, Breve História do Budismo)

A dinastia Shatavahana se estabeleceu no Deccan após o colapso da dinastia Maurya e durou até a

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metade do século III. Esta dinastia patroneou o buddhismo e permitiu o surgimento de vinte monastérios, abrigando cerca de 3.000 monges. As instituições monásticas floresceram em Amaravati, Nagarjunakonda e Andhra; suas ruínas existem até hoje.Durante esta dinastia viveu o monge Nagarjuna, muito influente na disseminação da filosofia Mahayana do Caminho do Meio (sânsc. Madhyamaka) na região sul da Índia. Sua carta de conselhos ao rei Udayibhadra da dinastia Shatavahana tornou-se um clássico do buddhismo Mahayana. Os irmãos Asanga e Vasubandhu desenvolveram a filosofia Mahayana do Apenas Mente (sânsc. Yogachara) no século VI. Dignaga, Dharmapala e Bhavaviveka propagaram as filosofias Madhyamaka e Yogachara.

Nessa época que o peregrino chinês Fa-hsien visitou a Índia. Os monges Bodhiruchi, Bodhidharma, Paramartha, Dharmagupta e Hsian-shou Fa-tsang foram à China. O monge peregrino chinês I-ching foi à Índia em 671 e retornou ao sei país 695. O buddhismo indiano começou a entrar em declínio com o ressurgimento do hinduísmo no século VI e com a chegada dos muçulmanos durante o século VIII. Em 1197, os conquistadores muçulmanos da Turquia destruíram o monastério Nalanda e, em 1203, o monastério Vikramashila. Estes dois fatos marcam o trágico fim do buddhismo na Índia.A destruição de Nalanda foi um golpe fatal para o buddhismo indiano. Fundado no século II pelo rei Shakraditya de Magadha, o monastério era uma verdadeira universidade monástica, servindo como centro de estudos para todas as correntes buddhistas e acadêmicas (lógica, matemática, medicina, etc.). Em seu auge, Nalanda abrigava cerca de dez mil monges e contava com uma gigantesca biblioteca. Segundo historiadores muçulmanos, o monastério foi confundido com um forte militar e, então, destruído. Milhares de monges foram mortos e a biblioteca foi incendiada. A maioria dos sobreviventes fugiu para a região de Amaravati, no sul da Índia, ou se exilou no Tibet. Ainda assim, sem impor suas visões e sem usar qualquer tipo brutalidade ou inquisição, os ensinamentos do buddhismo se espalharam por toda a Ásia e continuam florescendo até os dias de hoje.

As primeiras escolas

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Desde a época de Buddha, já existiam diferentes interpretações a respeito se seus ensinamentos. Após a realização de um concílio no século IV a.C., a comunidade monástica original dividiu-se em duas escolas de pensamento: Mahasanghika e Sthaviravada.Com o passar do tempo, pelo menos dezoito escolas foram enumeradas. Todas estas escolas desapareceram, com exceção da Theravada. Esta tradição, que descende da escola Vibhajyavada do tronco Sthaviravada, continua sendo a forma de buddhismo predominante nos países do sul e sudeste asiático.

Escolas do troncoMahasanghika

Escolas do troncoSthaviravada

1. Mahasanghika      1.1 Ekavyavaharika           1.1.1 Lokottaravada

     1.2 Gokulika (Kukkutika, Kukkulika)           1.2.1 Bahushrituya           1.2.2 Prajnaptivada           1.2.3 Chaitika                    Shailas (Andhrakas):                    1.2.3.1 Purvashaila (Uttarashaila)                    1.2.3.2 Aparashaila                    1.2.3.3 Siddharthika                    1.2.3.4 Rajagrika         

 

2. Sthaviravada      2.1 Haimavata

     2.2 Hetuvada

     2.3 Pudgalavada (Vatsiputriya)           2.3.1 Bhadrayaniya            2.3.2 Dharmottariya            2.3.3 Sammatiya           2.3.4 Sannagarika

     2.4 Sarvastivada           2.4.1 Vaibhashika           2.4.2 Mulasarvastivada           2.4.3 Sautrantika (Samkrantika)                    2.4.4.1 Darstantika

     2.5 Vibhajyavada           2.5.1 Kashyapiya           2.5.2 Mahishasaka (duas escolas)                    2.5.2.1 Dharmaguptaka           2.5.3 Theravada                    2.5.3.1 Siamês                    2.5.3.2 Amapura                    2.5.3.3 Ramaniya

MahasanghikaA Grande Comunidade (sânsc. Mahasanghika) foi uma das escolas criadas após o concílio do século IV a.C. Ela se desenvolveu principalmente em Magadha, Pataliputra e Mathura, e mais tarde no distrito de Guntur (sul da Índia), ao redor de Amaravati, Jaggayapeta e Nagarjunakonda. A escola Mahasanghika deu origem a várias sub-escolas e algumas de suas idéias influenciaram o buddhismo Mahayana.

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O termo Mahasanghika refere-se tanto ao nome da escola quanto aos seus adeptos, os mahasanghikas.Os mahasanghikas aceitaram a tese do monge indiano Mahadeva (século III a.C.) a respeito dos seres santos (sânsc. arhat, páli arahant). Segundo Mahadeva, os santos também estão sujeitos às tentações, podem ser afetados pela ignorância, podem ter dúvidas, podem obter conhecimento com a ajuda dos outros e podem progredir espiritualmente através de certas exclamações verbais. Esta escola desenvolveu uma teoria idealística em que todas as coisas eram vistas como projeções da mente — nomes sem substância real.Tomando com base algumas hagiografias de Shakyamuni,  como o Mahavastu e o Lokanuvartana Sutra, os adeptos desta escola viam o Buddha como um ser transcendente, onipotente, onisciente e eterno, além do mundo (sânsc. lokottara). Os seres da iluminação (sânsc. bodhisattva) passaram a ser vistos como grandes heróis, que poderiam renascer em qualquer reino da existência — desde o inferno até o céu — para expor seus ensinamentos e ajudar os seres sencientes. Também com base no Mahavastu, os mahasanghikas desenvolveram a teoria dos dez estágios que o bodhisattva deve atravessar para alcançar a iluminação.De modo geral, enquanto as escolas posteriores fixaram um cânone de três "cestas" (regras monásticas, discursos e metafísica), os mahasanghikas aparentemente adicionaram mais duas "cestas": o Dharani Pitaka (ou Vidyadhara Pitaka) e o Kshudraka Pitaka.Entre as sub-escolas surgidas da Mahasanghika, destacaram-se a Ekavyavaharika (que acreditava que, por natureza, o intelecto está acima de qualquer mácula) e a Gokulika (que acreditava que os cinco

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agregados, ou skandhas, não têm qualquer valor). Algumas das sub-escolas mantinham uma crença na vacuidade dos fenômenos (sânsc. dharma-shunyata) que teria teve grande impacto no Abhidharma e no buddhismo Mahayana. Algumas das sub-escolas mantinham uma crença na vacuidade dos fenômenos (sânsc. dharma-shunyata) que também teve grande impacto no Abhidharma e no buddhismo Mahayana.

SthaviravadaA escola dos Ensinamentos dos Antigos (sânsc. Sthaviravada) também surgiu a partir do concílio do século IV a.C. O termo Sthaviravada refere-se ao nome da escola, enquanto sthaviravadin refere-se aos seus adeptos. Eles se denominavam "antigos" para indicar que estavam preservando os ensinamentos originais, verdadeiros.Ao contrário da escola Mahasanghika, a tese do monge Mahadeva não foi aceita pelos sthaviravadins. Segundo eles, os arhats seriam seres perfeitos, idênticos ao Buddha em suas realizações e, por terem atingido o nirvana, seriam totalmente livres do sofrimento da existência cíclica (sânsc. samsara).A escola Sthaviravada dividiu-se em três sub-escolas: Pudgalavada (Vatsiputriya), Sarvastivada e Vibhajyavada. Esta última escola — cujo nome significa "diferenciadora" em alusão ao método analítico do Buddha — recebeu o apoio do imperador indiano Ashoka (século III a.C.) e posteriormente se dividiu em Mahishasaka (sânsc. Mahishakika), Kashyapiya e Theravada.

PudgalavadaOriginalmente, esta escola se chamava Vatsiputriya, referindo-se ao seu fundador, o monge indiano Vatsiputra (século III a.C.). O termo Pudgalavada refere-se ao nome da escola, enquanto pudgalavadin refere-se aos seus adeptos. Esta escola foi formada no século III a.C. devido a diferenças doutrinárias que surgiram dentro da escola Sthaviravada. Posteriormente, a Pudgalavada daria origem a quatro novas escolas: Dharmottariya, Bhadrayaniya, Sammitiya (sânsc. Sammatiya) e Sannagarika.Dezesseis teses especiais diferenciavam esta escola das outras; sua idéia central era a da existência pessoal. Segundo Vatsiputra, o ensinamento sobre o não-eu (sânsc. anatman) é correto, mas ainda assim existiria uma pessoa (sânsc. pudgala), um fluxo ou substrato de existência, que possuiria memória, que estaria sujeito ao renascimento e ao karma. Esta "pessoa", porém, seria uma existência relativa, indeterminada em relação aos cinco agregados (sânsc. skandha:

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forma, sensações, percepções, vontade, consciência). A "pessoa" teria uma existência, apesar de não estar nem dentro ou fora dos agregados, de não seria igual nem diferente deles, de não composta ou não-composta e de não ser permanente ou não-permanente.De acordo com os pudgalavadins, a consciência seria capaz de conhecer os fenômenos de modo direto, sem ser gerada pelo contato com seus objetos. O estado de liberação (sânsc. nirvana) seria o único fenômeno incondicionado (sânsc. asamskrita-dharma), e a consciência desapareceria ao se atingir este estado. Os adeptos de outras escolas acusaram a doutrina dos pudgalavadins de herética, como sendo uma nova versão da existência pessoal (sânsc. atman) presente no hinduísmo. O "eu" relativo deveria ser idêntico ou diferente dos agregados, mas não indeterminado em relação a eles. Ainda assim, alguns aspetos desta visão aparentemente influenciaram o pensamento da filosofia Tathagatagarbha.

SarvastivadaAssim como a escola citada anteriormente, a Sarvastivada surgiu no século III a.C. por diferenças doutrinárias na escola Sthaviravada. O termo Sarvastivada refere-se ao nome da escola, enquanto sarvastivadin refere-se aos seus adeptos. Sarvastivada é derivado do sânscrito sarvam-asti, que significa tudo existe ou tudo é. Esta escola, originada após um concílio, teve grande influência no norte e noroeste da Índia, incluindo  Kashmir.Os adeptos da escola Sarvastivada também questionaram a natureza dos seres santos (sânsc. e páli arhat), assim como os adeptos da Mahasanghika. Segundo os sarvastivadins, não haveria uma essência permanente, mas apenas setenta e cinco fenômenos (sânsc. dharma) momentâneos, percebidos pela consciência através do contato direto, sem imagens mentais. Estes fenômenos teriam existência própria ou inerente (sânsc. svabhava), sem partes, e seriam também existentes no passado e no futuro. Os três tempos (passado, presente e futuro) seriam três "modos" simultâneos com existência substancial; devido à impermanência, os fenômenos passariam de um "modo" para outro; e devido ao karma, os fenômenos do "modo passado" teriam conseqüências no "modo presente", e este teria conseqüências no "modo futuro". O espaço (sânsc. akasha), a cessação analítica e a cessação era considerados fenômenos incondicionados (sânsc. asamskrita-dharma). O espaço, por exemplo, não obstrui qualquer coisa, permeia tudo e é imutável.Esta escola foi precursora de práticas buddhistas mais devocionais e também desenvolveu os sistemas das seis perfeições (sânsc. paramita:

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generosidade, ética, paciência, esforço, concentração e sabedoria) desenvolvidas por um bodhisattva, dos três corpos (sânsc. trikaya) búddhicos e da roda da vida (sânsc. bhavachakra), ilustrando os seis modos de existência e os doze elos da interdependência (sânsc. pratitya-samutpada). Estas conceitos foram herdados posteriormente pelo buddhismo Mahayana, apesar de rejeitar o conceito de existência inerente da escola Sarvastivada. Duas obras importantes desta escola foram o Grande Comentário (sânsc. Maha-vibhasa) do monge Vasumitra e o Tesouro do Ensinamento Superior (sânsc. Abhidharma-kosha) do monge Vasubandhu (século V). Esta última obra, composta em Kashmir, é composta por seis versos (o Abhidharma-kosha Karika) e um comentário em prosa (o Abhidharma-kosha Vibhasa). O texto reflete a transição para o buddhismo Mahayana e trata de nove pontos: elementos (sânsc. dhatu), faculdades (sânsc. indriya), mundos (sânsc. loka), ações (sânsc. karma), propensões (sânsc. anushaya), o caminho da liberação (sânsc. pudgala-marga), conhecimento (sânsc. jnana), concentração (sânsc. samadhi) e teorias sobre a individualidade (sânsc. pudgala-vinishaya). Esta última seção é uma unidade independente que procura refutar a visão da escola Vatsiputriya. Os sarvastivadins deram origem às escolas Vaibhashika, Sautrantika (Samkrantika) e Mula-sarvastivada.

VaibhashikaEsta escola, derivada da Sarvastivada, recebeu o nome sânscrito Vaibhashika porque dava bastante ênfase aos vibhasas (comentários sarvastivadins sobre as escrituras buddhistas) e aos textos sobre metafísica, como o Abhidharma Pitaka . O termo Vaibhashika refere-se tanto ao nome da escola quanto aos seus seguidores, os vaibhashikas.Os vaibhashikas herdaram muitos conceitos da escola Sarvastivada. Segundo eles, a consciência — sujeito o percebedor — entra em contato direto com os objetos — o objeto percebido — sem haver dados ou imagens mentais atuando como um meio entre os dois. Estes objetos seriam diferentes da consciência, estariam separados dela, e seriam constituídos por partículas indivisíveis que se tocariam entre si mas sem aderirem umas à outras, sendo mantidas juntas pelo vento.No nível da verdade relativa, o "eu" e os fenômenos não existiriam inerentemente porque não seriam capazes de manter sua identidade após sua desintegração. No nível da verdade absoluta, as partículas físicas "indivisíveis" — átomos não-compostos por partes —e os momentos de consciência seriam entidades com realidade inerente, independente, absoluta e verdadeira, sem serem compostas por partes.

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Os vaibhashikas não aceitavam a apercepção, isto é, que a mente deludida possa ver ou conhecer a si mesma. A liberação final, ou  parinirvana, era visto por eles como uma extinção completa.A escola Vaibhashika também enumerava cinco bases do conhecimento, que teriam existência real: as formas físicas, a mente, os eventos mentais, as formações não-concorrentes e os fenômenos incondicionados (o espaço, a cessação analítica e a não-analítica). Os três tempos teriam existência substancial, assim como afirmado pelos sarvastivadins.

Sautrantika (Samkrantika)Esta escola surgiu a partir da Sarvastivada como uma reação à escola Vaibhashika. O termo Sautrantika refere-se tanto ao nome da escola quanto aos seus adeptos, os sautrantikas.O cânone buddhista tradicional, ou Tripitaka, é dividido em três partes: regras monásticas, discursos e metafísica. Os adeptos desta escola, porém, afirmavam que o verdadeiro ensinamento termina nos discursos (sânsc. sautranta) de Buddha. Ao contrário dos vaibhashikas, os sautrantikas rejeitavam os textos sobre metafísica, assim como os comentários sobre as escrituras. Estas rejeições foram apresentadas no décimo capítulo do Abhidharma-kosha Bhashya, texto central da escola Sauntrantika.A escola Sautrantika também discordava de outros ensinamentos das escolas Sarvastivada e Vaibhashika, especialmente quanto à existência dos fenômenos nos três "modos" de tempo. Para os sautrantikas, a realidade tem uma existência meramente imputada, sendo uma ilusão produzida a partir de uma densa sucessão de fenômenos instantâneos, momentâneos (sânsc. kshanika). Segundo eles, é impossível perceber os objetos externos de modo direto. As imagens mentais não seriam experiências reais de objetos externos, mas sim experiências inseparáveis da consciência percebedora, produzidas pelos sentidos ao entrarem em contato com os objetos momentâneos que são percebidos. Apesar de não afirmarem diretamente a existência de partículas indivisíveis, os sautrantikas acreditavam na existência de componentes ocultas, uma substância invisível que seria o agente formador de todas as experiências. Os objetos percebidos (cores, sons, odores, sabores, tato, pensamento) apareceriam mentalmente para a consciência percebedora quando os órgãos dos sentidos (olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, mente) entrassem em contato com essa substância invisível.Esta escola enfatizava a impermanência, reconhecendo que as mesmas condições que fazem os fenômenos surgir — condições dinâmicas,

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momentâneas — também são responsáveis pelo seu desaparecimento. Ela também enfatizava a ação; por exemplo, alguém lhe desferindo um golpe seria uma experiência bem real e dolorosa. A realidade ou verdade absoluta seria qualquer coisa funcional, qualquer coisa que desempenhasse alguma função, que fosse resultado de causas e que tivesse a capacidade de produzir efeitos; essa funcionalidade seria algo auto-existente. As formas e objetos físicos, a mente e os eventos mentais teriam existência inerente; já as coisas consideradas não-ocorrentes ou permanentes, como o espaço, não eram vistas como reais, pois seriam apenas abstrações, imputações, e não poderiam ser vistas, ouvidas etc.As características gerais dos fenômenos e as interpretações mentais sobre eles seriam apenas verdades relativas por serem mentalmente imputadas e por serem funcionais. Já as características próprias dos fenômenos, não sendo geradas de forma conceitual, eram consideradas como sendo a verdade absoluta. A vacuidade (sânsc. shunyata) seria a natureza das pessoas, que apesar de parecerem independentes, existiriam apenas em dependência do corpo e da mente. Tanto o "eu" quanto os fenômenos eram vistos como irreais, porém os momentos de consciência seriam reais.A base da existência seria uma espécie de consciência refinada, que absorveria os outros quatro agregados — forma, sensações, percepções e vontade — no momento da morte. O karma era explicado como o "fruto" (resultado) das "sementes" (ações) que plantamos. Esta analogia das sementes substituiu um outro sistema, em que as ações "perfumavam" o fluxo mental de modo a conduzi-lo a determinados resultados. Esta doutrina acabou influenciando, posteriormente, a filosofia Yogachara.Ao contrário dos vaibhashikas, os sautrantikas acreditavam na apercepção, ou seja, que a consciência pode conhecer a si mesma. A filosofia Yogachara também passou a adotar a apercepção em sua doutrina. Apenas a filosofia Sautrantika-Svatantrika, formada posteriormente em fusão com a filosofia Madhyamaka Svatantrika, passou a aceitar rejeitar a apercepção.Dentro da filosofia Sautrantika, surgiram três subdivisões: uma defendia que as diferentes experiências têm a mesma identidade da consciência; outra dizia que há um número de consciências correspondentes ao número de imagens mentais; e a terceira afirmava que a imagem mental e a consciência são como duas metades de um todo.

Dharmaguptaka

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A escola Protetora do Ensinamento (sânsc. Dharmaguptaka, páli Dhammaguttika), fundada pelo monge cingalês Dharmagupta, surgiu a partir da Mahishasaka e foi predominante no sul da Índia. O termo Dharmaguptaka refere-se tanto ao nome da escola quanto aos seus adeptos,os dharmaguptakas.Uma das características desta escola era a sua opinião a respeito das oferendas. Para os dharmaguptakas, apenas as oferendas feitas ao Buddha teriam algum benefício verdadeiro e não aquelas feitas à Sangha. O Cesto de Disciplinas (sânsc. e páli Vinaya Pitaka) desta escola, dividido em quatro partes, foi traduzido para o chinês por Buddhayashas no ano 105. Este texto foi adotado como padrão para as ordenações monásticas na China, originando a escola Lü-tsung (jap. Ritsu).

O buddhismo MahayanaEventualmente, alguns séculos depois da morte de Buddha, muitos textos com seus discursos ou sutras (páli sutta), acabaram sendo reeditados, fazendo surgir diferentes versões de um mesmo texto. Inicialmente, os ensinamentos de Buddha eram memorizados pelos recitadores (sânsc. e páli bhanaka) e posteriormente foram anotados. Os textos de grupos diferentes e distantes são muito semelhantes. Além disso, surgiram muitos sutras novos, atribuídos a buddhas transcendentes (sânsc. dhyani-buddha), seres da iluminação (sânsc. bodhisattva) ou ao próprio Buddha Shakyamuni. Por volta dos séculos I e II, esses novos sutras deram impulso ao movimento que passaria a se autodenominar o Grande Veículo (sânsc. Mahayana) e que refutaria a filosofia das escolas Sarvastivada, Mahasanghika e de suas dissidências.

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Segundo este movimento, esses sutras conteriam os ensinamentos mais profundos de Buddha e teriam sido preservados no reino das nagas (dragões aquáticos com corpo de serpente e cabeça humana) até que os discípulos se tornassem aptos a recebê-los. Os historiadores japoneses geralmente afirmam que o movimento Mahayana surgiu como um modo de atender às necessidades dos leigos buddhistas. Outros historiadores associam o surgimento do Mahayana à veneração dos relicários (sânsc. stupa) e à propagação dos novos sutras. Aos poucos, o Mahayana se espalhou pela Ásia Central,  Tibet, Nepal, Butão, Mongólia, Vietnã, Indonésia, China, Coréia, Japão e em algumas regiões de ex-repúblicas soviéticas.

Os precursores do Mahayana passaram a chamar as escolas não-ortodoxas (como a Sarvastivada e suas dissidentes, Vaibhashika e Sautrantika) pelo termo pejorativo Pequeno Veículo (sânsc. Hinayana), pois elas defendiam a visão errônea de que os fenômenos (sânsc. dharma) que constituem a realidade teriam existência inerente (sânsc. svabhava). No início do século XX, o historiador russo Theodore I. Stcherbatsky classificou erroneamente a tradição Theravada como

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sendo Hinayana, como se ela compartilhasse as mesmas doutrinas da extinta Sarvastivada. Infelizmente, muitos mestres buddhistas e autores renomados acabaram perpetuando este equívoco até os dias de hoje. Alguns autores também classificam como Hinayana algumas escolas sino-japonesas como a Ch'eng-shih/Jôjitsu, a Chu-she/Kosha e a Lü-tsung/Ritsu.

Após a morte do buddha, o buddhismo se dividiu em dezoito escolas. Uma delas foi [a Sthaviravada, que originou] o buddhismo Theravada. A escola com a qual o Mahayana estava interagindo mais estreitamente é conhecida como Sarvastivada ("pluralismo"), que acreditava na existência última das entidades mentais e metafísicas. Quando apareceram mestres como Nagarjuna e Chandrakirti, a escola que mais criticaram foi a Sarvastivada. Não criticaram a escola [Sthaviravada, que deu origem ao] Theravada. Assim, quando os adeptos atuais do Mahayana criticam certos princípios do Hinayana, não devemos supor que estejam atacando o buddhismo Theravada que é praticado atualmente em países como o Sri Lanka, Mianmar (antiga Birmânia), Tailândia, Camboja e Vietnã. Este é um ponto muito importante porque a tradição Theravada foi a única que sobreviveu [como descendente de uma] das dezoito escolas surgidas após a morte do Buddha.

(Traleg Kyabgon Rinpoche, The Essence of Buddhism)

Quando  surgiu a distinção ideológica entre Hinayana e Mahayana, essa escola [Theravada] já havia desaparecido da Índia havia muito tempo, com exceção de um pequeno grupo nas proximidade de Amaravati ao sul. Nesse contexto, deve-se notar também que o valor da tradição páli [ou seja, os textos da escola Theravada,] é reconhecido por todas as escolas buddhistas. Sem dúvida, trata-se de uma das tradições mais antigas e pelo fato de ter sido isolada no Sri Lanka, preservou o cânone mais completo de todas as escolas.

(Lama Anagarika Govinda, O Budismo Vivo e o Mundo Contemporâneo)

Entre os principais filósofos do Mahayana, destacam-se os "seis ornamentos" — Nagarjuna (século II-III), fundador da filosofia Madhyamaka; Aryadeva (século III), o principal discípulo de Nagarjuna, que consolidou o Madhyamaka; Asanga (310?-390?), que teria recebido ensinamentos do bodhisattva Maitreya em visões; Vasubandhu (século IV), irmão mais novo de Asanga, consolidou a escola Yogachara; Dignaga (século V-VI), discípulo de Vasubandhu, que teria tido uma visão de Manjushri e que se tornou conhecido por sua maestria na lógica e no debate; e Dharmakirti (século VII), sucessor de Dignaga, foi um grande dialético.

De acordo com a tradição incomum do Mahayana, na direção sul de Rajagriha na Índia, sobre o pico de Bimasambhava, um milhão de bodhisattvas reuniram-se para receber os ensinamentos do Tripitaka que foram então compilados por Maitreya, Manjushri e Vajrapani. Estes ensinamentos são encontrados nas duas grandes tradições de Arya Nagarjuna e Arya Asanga.

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De acordo com a tradição de Nagarjuna, os ensinamentos sobre a natureza profunda da vacuidade foram compilados por Arya Manjushri. Em seguida, e de acordo com a profecia do buddha, o grande mestre espiritual Nagarjuna compôs as seis categorias de explicações sobre o Caminho do Meio (sânsc. Madhyamaka), baseado no segundo giro da roda [do Dharma], que estabeleceu o shunyata, a realidade de que todos os fenômenos são vazios de qualquer natureza inerente. Nagarjuna então compôs o Vigravya Avartani Karika e outros textos (baseados no terceiro giro) que servem para estabelecer parashunyata, a visão de que apesar de todos os fenômenos não serem vazios de sua própria natureza ou realidade, eles são vazios de acordo com a realidade convencional. Com isto, a Tradição da Visão Profunda (sânsc. Gambhira Dharshana Parampara), veio à existência. Seguindo Nagarjuna, os grandes propagadores desta tradição incluem mestres altamente realizados como Chandrakirti, Aryadeva e outros. O grande Shantideva e Jetari foram responsáveis por propagar os ensinamentos sobre a geração da mente desperta (sânsc. bodhichitta).

De acordo com a tradição de Arya Asanga, conhecida como a Tradição da Grande Conduta Extensiva (sânsc. Udaracharya Parampara), os ensinamentos foram compilados originalmente por Maitreya. Estes ensinamentos, que estão contidos nos cinco grandes comentários de Maitreya, elucidam essencialmente a natureza vazia das aparências objetivas. Mais tarde, Arya Asanga elaborou sobre estes trabalhos compondo seus próprios comentários, que foram então mais elaborados por mestre célebres como o erudito supremo Vasubandhu, que compôs as oito categorias do Prakarana. Estes ensinamentos foram mais propagados pelos grandes Dignaga, Dharmakirti, Chandragomin e Atisha Dipankara Shrijnana.

(Dudjom Rinpoche, Perfect Conduct)

Também se destacaram os "dois excelentes" — Gunaprabha (século IV-V) e Shakyaprabha (século VIII-IX). Gunaprabha, um dos quatro discípulos de Vasubandhu, dedicou sua vida à disciplina monástica e ao caminho do bodhisattva. Ele escreveu o Discurso Raiz sobre o Vinaya (sânsc. Vinaya Mula Sutra) e comentários como os Doze Mil Versos (sânsc. Dva-dasha Sahasra Karika). Shakyaprabha, discípulo de Shantarakshita, escreveu os Trezentos Versos do Noviço (sânsc. Shramanera Trishata Karika) e o comentário Prabhavati. Os monges Shantideva e Chandragomin também são conhecidos como "os dois professores maravilhosos"; Maha-brahmana Saraha, Dharmapala, Rahula e Virya são conhecidos como os "quatro grandes professores".Por um lado, os monges Mahayana deixaram muitas das regras monásticas do buddhismo ortodoxo e passaram a sustentar os seus monastérios, dependendo menos dos leigos e, em muitos casos, diminuindo a ênfase sobre o estudo e meditação. Por outro, as práticas devocionais do Mahayana tiveram uma grande penetração popular; além dos monges, os leigos também passaram a venerar os bodhisattvas, os buddhas meditativos e os novos sutras, acreditando na salvação pela fé. Entre estas práticas, destacam-se a leitura de sutras, a

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invocação do nome de buddhas, bodhisattvas e sutras, além da recitação de preces especiais chamadas mantras e dharanis.No buddhismo tibetano, por exemplo, as filosofias buddhistas são divididas em quatro escolas — Sautrantika, Vaibhashika, Madhyamaka e Yogachara. As duas primeiras, dissidentes da escola Sarvastivada, são classificadas como Hinayana, e as duas últimas como Mahayana. Enquanto as filosofias Hinayana vêem o Buddha como um grande santo que abandonou suas riquezas para alcançar a iluminação, as filosofias Mahayana tendem a apresentá-lo de maneira mais transcendental, como um ser de infinita compaixão que apareceu entre nós para transmitir sua sabedoria e ajudar a todos os seres.Os adeptos ortodoxos da tradição Theravada consideram-se os preservadores dos ensinamentos verdadeiros de Buddha e não aceitam os sutras do buddhismo Mahayana. Porém, um dos textos de seu cânone (Uttaravipatti Sutta, Angutara Nikaya IV:163) afirma que

Tudo o que for bem dito é a palavra do Buddha.

Esta afirmação tem sido tomada pelo Mahayana para legitimar seus sutras. Mesmo que Shakyamuni não tenha realmente proferido estes discursos, os ensinamentos seriam corretos e benéficos; portanto, eles também poderiam ser considerados como sendo palavras de Buddha. O texto Mahayana mais antigo de que se tem registro é uma versão chinesa do Discurso da Perfeição da Sabedoria em Oito Mil Linhas (sânsc. Ashta-sahasrika-prajna-paramita Sutra), traduzido por Lokakshema no século II. Na mesma época, surgiram vários outros textos como o Discurso sobre a Perfeição da Sabedoria (sânsc. Prajna-paramita Sutra), retomando conceitos antigos e adicionando novas idéias. O mais conhecido é o Sutra do Coração.

A principal característica da emergência do Mahayana e do seu desenvolvimento posterior foi a compilação de numerosos sutras de novas doutrinas e o louvor a um novo ideal religioso, o bodhisattva. Ao contrário dos suttas do [cânone páli, o] Tipitaka, que são de caráter mais históricos, o sutras Mahayana tendem a oferecer um discurso mais longo e abstrato, ou a retratar um mundo mágico de figuras arquetípicas, divorciadas do tempo e lugar históricos, e fazem seu maior apelo à imaginação espiritual e à transformação pelos meios do drama visionário.

As novas escrituras não formavam um corpo coerente de exposição doutrinária; elas propuseram ensinamentos diferentes e aparentemente contraditórios. Além disso, muitos sutras individuais são claramente trabalhos compostos, compilados ao longo dos séculos, tal que o texto final é formado por camadas de material de diferentes épocas, e às vezes com diferentes perspectivas; então, mesmo os sutras individuais não necessariamente apresentam um ensinamento unitário e coerente. O resultado disto foi que muitas tradições expositoras surgiram para

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tentar explicar o ensinamento dos novos textos, e as mais coesivas destas tradições formaram escolas distintas.

(Andrew Skilton, A Concise History of Buddhism)

[No Mahayana,] o bodhisattva é geralmente contrastado com o ideal Hinayana do arhat, que buscaria escapar da existência cíclica preocupado principalmente com a liberação pessoal (sânsc. pratimoksha, páli patimokka). O bodhisattva, ao contrário, procuraria estabelecer a todos os seres sencientes na iluminação. [...] É admitido na literatura Mahayana que os arhats também possuem compaixão e ensinam aos outros. Além disso, as realizações dos arhats seriam impressionantes: eles superam as emoções aflitivas, eliminando o ódio, a ignorância e o desejo pelas coisas da existência. Eles se desapegam das posses materiais, não se preocupando com a fama e poder e, por isso, eles transcendem o mundano. Quando morrem, eles passam deste mundo para o estado bem-aventurado do nirvana, no qual não há mais renascimento ou sofrimento.

Porém, apesar dessas realizações, seu caminho é denegrido pelos sutras Mahayana, que fazem uma distinção acentuada entre a "grande compaixão" dos bodhisattvas e a "compaixão limitada" dos arhats. [...] [Apesar das críticas,] o Mahayana também afirma que os caminhos Hinayana são meios válidos para se fazer progresso espiritual e que eles foram ensinados para certas pessoas que estariam interessadas principalmente na liberação pessoal. [...] [Isto] reflete o tom fortemente sectarista de muitas discussões do Mahayana sobre seus rivais Hinayana, contrastando a compaixão universal dos bodhisattvas com o suposto egoísmo dos arhats e realizadores solitários [sânsc. pratyeka-buddhas]. [...] [Este] tom é particularmente evidente nos primeiros textos Mahayana, provavelmente porque o emergente Mahayana encontrou forte oposição dos proponentes do caminho que caracterizavam de "inferior".

(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)

O ideal do ser da iluminação (sânsc. bodhisattva), que visa atingir a iluminação para beneficiar a todos os seres sencientes, fez surgir um grande panteão de buddhas e bodhisattvas no Mahayana. Os sutras do buddhismo Mahayana também atribuem três corpos ao Buddha: o corpo do Dharma (sânsc. dharmakaya); o corpo do êxtase completo (sânsc. sambhogakaya); e o corpo de emanação (sânsc. nirmanakaya). O corpo do Dharma, além da forma, seria resultante basicamente da acumulação de sabedoria (sânsc. jnana-sambara) e surgiria para beneficiar a si mesmo; e os outros dois corpos, também chamados de corpos da forma (sânsc. rupakaya), seriam resultantes da acumulação de mérito (sânsc. punya-sambara) e surgiriam a fim de beneficiar os outros seres sencientes.

O dharmakaya é o corpo da vacuidade que está além de todas as elaborações de pensamento, a verdade definitiva totalmente realizada. Como é isto? O dharmakaya, que é a natureza da paz, passa além de todos os conceitos de objeto e sujeito, é um estado em que todas as elaborações de pensamento são extintas, e de sua essência surge o

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sambhogakaya. O dharmakaya é como um vidro claro, e a luz que vem dele é o sambhogakaya, uma manifestação pura e eterna, na forma da mais elevada verdade. As emanações do sambhogakaya se manifestam em qualquer forma necessária para pacificar e ajudar os seres sencientes. Cada uma dessas emanações é um exemplo de nirmanakaya.

(Khetsun Sangpo Rinpoche, Tantric Practice in Nyingma)

[O] dharmakaya permeia tudo, como o espaço; na realidade, ele é a natureza verdadeira de nossa mente. O sambhogakaya é como a luz do sol, e é a qualidade cognitiva da mente. O nirmanakaya é como a aparência de um arco-íris no espaço e age pelo bem-estar de todos os seres. Exteriormente, podemos pensar nos três kayas como sendo o espaço, a luz solar e um arco-íris, mas o significado destes símbolos está dentro de nossa mente.

(Tulku Urgyen Rinpoche, Repeating the Words of the Buddha)

Cerca de seiscentos sutras Mahayana foram preservados e chegaram aos nossos dias, escritos em sânscrito, tibetano e chinês/japonês. Os principais são:

Sutras da Grande Perfeição da Sabedoria (Maha-prajna-paramita Sutras)

Sutras "Idealistas": Pratyupanna Sutra, Samdhi-nirmochana Sutra, Dasha-bhumika Sutra, Lankavatara Sutra

Sutras da Natureza Búddhica:  Tathagata-garbha Sutra, Shrimala-devi Simha-nada Sutra, Maha-parinirvana Sutra

Sutras da Terra Pura de Amitabha (Sukhavati-vyuha Sutras) Sutra do Lótus do Dharma Maravilhoso (Saddharma Pundarika

Sutra) Sutra da Guirlanda de Flores do Buddha (Buddha Avatamsaka

Sutra) Sutra do Discurso de Vimalakirti (Vimalakirti Nirdesha Sutra) Sutras de Concentração (Samadhi Sutras): Samadhi-raja Sutra,

Pratyutpama Sutra, Shurangama Samadhi Sutra Sutras de Confissão: Triskandha Sutra, Suvarna-prabhasa Sutra Sutras de Transmigração: Saddharma Smrityupasthana Sutra,

Shalistamba Sutra Sutras de Disciplina: Kashyapa Parivata Sutra, Bodhisattva

Pratimoksha Sutra (Upali Paripriccha Sutra), Brahma-jala Sutra

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Sutras Devocionais: Manjushri Buddha-kshetra Guna-vyuha Sutra, Karanda-vyuha Sutra, Akshobhya-vyuha Sutra

Coleções de Sutras: Maha-ratnakuta Sutra, Maha-samnipata Sutra Os Sutras da Perfeição da Sabedoria atacaram o conceito Hinayana de que os fenômenos tenham existência inerente. Uma de seus principais ensinamentos é a doutrina do vazio (sânsc. shunya) ou vacuidade (sânsc. shunyata), interpretada de diversas formas: por exemplo, na filosofia Madhyamika (ou Madhyamaka), o vazio é a ausência de svabhava (existência inerente); na filosofia Yogachara (também conhecida como Chittamatra ou Jnanavada), o vazio é a ausência de dualismos entre a mente e os fenômenos externos; e na doutrina Tathagatagarbha, é a ausência de impurezas na natureza búddhica.

[O] conceito de vacuidade é o núcleo central da doutrina Mahayana. No significado absoluto ou verdade última, todos os fenômenos são vacuidade, e no nível relativo ou verdade convencional, todos surgem através da causação interdependente, como um sonho, miragem ou reflexo. Assim, as duas verdades estão em união e são a natureza de tudo, sem contradições. A vacuidade não é algo negativo ou nulo, mas sim uma abertura total e liberdade da mentalidade dualista, de designações conceituais, e das noções de quaisquer extremos, seja de existência ou de não-existência, ambos ou nenhum. A sabedoria primordial, que é a vacuidade e a realização da vacuidade, claramente vê tudo simultaneamente, sem quaisquer limites. Esta sabedoria é também simbolizada como a mãe [Prajnaparamita, a perfeição da sabedoria], a fonte ou lugar de permanência de todos os buddhas.

(Tulku Thondup, Masters of Meditation and Miracles)

Theravada e o ideal do arhatA tradição Theravada é a escola predominante no sul e sudeste asiático (Mianmar, Sri Lanka, Camboja, Vietnã, Tailândia e Laos). Por isso, muitos autores se referem ao Theravada como o "buddhismo do sul", enquanto as tradições Mahayana (predominantes no norte da Ásia) são chamadas de "buddhismo do norte". Os ensinamentos da tradição Theravada são baseados no Tipitaka, o cânone de textos buddhistas escritos no idioma páli. Os theravadins (isto é, os adeptos da tradição Theravada) rejeitam o termo Hinayana porque esta designação não era originalmente aplicada a esta escola. É importante ressaltar que o termo Hinayana referia-se apenas a antigas escolas buddhistas que defendiam visões errôneas. Estas escolas já estão extintas há muitos séculos e tradição Theravada não defende qualquer uma de suas visões equivocadas. Assim como no buddhismo Mahayana, a tradição Theravada também enfatiza a prática

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da bondade amorosa (páli metta, sânsc. maitri) e da compaixão (páli e sânsc. karuna). 

O buddhismo Theravada aborda a ética estabelecendo uma distinção entre o que produz o sofrimento e o que acaba com ele. Essa distinção é ainda mais exata do que dizer que as ações são certas ou erradas, boas ou más. Isso é verdade tanto para nós mesmos quanto para os outros. Não podemos criar o sofrimento para nós sem o criarmos par aos outros, e tampouco podemos criar o sofrimento para os outros sem o criarmos para nós. Assim, o modelo de perfeição para o mais elevado desenvolvimento do ser humano é alguém que tenha chegado ao completo fim do sofrimento, pois assim jamais irá criar o sofrimento para os outros. É absolutamente essencial que a compaixão esteja na base do sistema ético.

Além disso, quando usamos a palavra compaixão, ela não quer dizer uma relação desigual, por exemplo, uma pessoa saudável olhando para uma pessoa doente. Talvez por considerarmos que todos fizemos muitas coisas diferentes no decorrer de inúmeras vidas, não pensamos que ajudar uma pessoa pressupõe que somos melhores do que ela. Já estivemos na situação dela. Vista dessa forma, a compaixão é mais um sentimento de igualdade do que o de uma pessoa superior olhando uma inferior.

A importância da compaixão é sustentada pelo ensinamento de que a motivação é a parte mais poderosa e duradoura de uma ação. Por exemplo, se dermos alguma coisa para uma pessoa comer porque ela está com fome, amanhã ela estará com fome. Por causa do karma, o motivo implícito na ação exerce um efeito mais poderoso durante um período mais longo de templo do que a ação propriamente dita.

(Sharon Salzberg, citado por Daniel Goleman em Emoções que Curam)

Como um pássaro no vôo movendo-se graças ao bater de suas duas asas, a prática do Dharma é mantida por duas qualidades contrastantes, cujo desenvolvimento equilibrado é essencial para um reto e firme progresso. Essas duas qualidades são a renúncia e a compaixão. Como uma doutrina de renúncia, o Dharma indica que o caminho para a libertação é um curso pessoal de treinamento que se centra num controle hábil e gradual do desejo, a causa-raiz do sofrimento. Como um ensinamento de compaixão, o Dharma nos instrui a evitar causar danos aos outros, a agir para o seu bem-estar e a ajudá-los a compreender a grande resolução do próprio Buddha em oferecer ao mundo o caminho para a não-morte [nirvana]. 

Consideradas isoladamente, renúncia e compaixão têm lógicas inversas, que algumas vezes parecem nos levar a direções opostas. Uma orienta-nos para um grande isolamento objetivando a purificação pessoal; a outra, para um crescente envolvimento com os outros, resultando numa ação benéfica. Ainda assim, a despeito de suas diferenças, renúncia e compaixão nutrem-se numa interação dinâmica por toda a prática do caminho, desde os passos elementares da disciplina moral até sua culminação na sabedoria libertadora. A síntese das duas, sua fusão equilibrada, é expressa mais perfeitamente na figura do Completamente

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Iluminado [Buddha], que é simultaneamente a personificação da completa renúncia e da compaixão que tudo abarca. [...]

A compaixão nos impele em direção a uma renúncia maior à medida que vemos como a cobiça e o apego tornam-se um perigo para os outros. E a renúncia nos impele em direção a uma compaixão maior desde que o abandono do desejo nos capacita a substituir as limitadas perspectivas do ego por amplas perspectivas de uma mente plena de simpatia ilimitada. Reunidas nessa tensão mutuamente fortalecedora, renúncia e compaixão contribuem para o equilíbrio saudável do caminho buddhista e para a completude de seu fruto final.

(Bhikkhu Boddhi, O Caminho Equilibrado)

Ao contrário do que muitos pensam, também há muitos ensinamentos sobre a vacuidade (sânsc. páli sunnata) na tradição Theravada e não apenas nas escolas do buddhismo Mahayana. Também há praticantes theravadins que desenvolvem a aspiração de alcançar o estado de Buddha.

Tendo eliminado todas as idéias com respeito ao "eu", sempre plenamente atento, veja o mundo como vazio. Dessa forma, uma pessoa está acima e além da morte.

(Pingiya Manava Puccha, Sutta Nipata V.16)

[Q]ual o diagnóstico dos cinco agregados? Que eles são impermanentes, vazios, insatisfatórios e não-eu.

(Petakopadesa 438, Patisambhidamagga II.48, 69)

Quando olhamos as coisas na luz da verdade absoluta, encontramos apenas elementos: terra, água, ar e fogo; oxigênio, hidrogênio e assim por diante; corpo sensação, percepção, pensamento e consciência. Examinando-os atentamente, descobrimos que todos têm uma propriedade em comum, a saber, a vacuidade. Todos são vazios do que nos referimos como o "eu". Terra, água, ar, fogo, olhados adequadamente, são vistos como vazios de egoidade. É possível para cada um de nós ver qualquer coisa e todas as coisas como vazias neste sentido.

(Achaan Buddhadasa, A Causa do Sofrimento na Perspectiva Buddhista)

É na tradição páli que encontramos um dos mais antigos votos de bodhisattva: "Que através do cumprimento de todas as perfeições — moralidade, renúncia, sabedoria e de todo o restante (isto é, generosidade, energia, paciência, honestidade, determinação, gentileza e serenidade) e através de sua máxima realização, eu possa atingir a suprema condição de Buddha."

(Lama Anagarika Govinda, O Budismo Vivo e o Mundo Contemporâneo)

O ideal mais enfatizado na tradição Theravada é o do ser santo (sânsc. arhat, páli arahant). Enquanto o Mahayana considera a iluminação dos arhats como parcial, na tradição Theravada eles são vistos da mesmo

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maneira que na antiga escola Sthaviravada: os arhats são considerados seres perfeitos — idênticos ao Buddha em suas realizações —, que atingiram o estado de liberação (sânsc. nirvana, páli nibbana) e superaram totalmente o sofrimento do samsara ao eliminar a ignorância (sânsc. moha), o apego (sânsc. raga) e a aversão (sânsc. dvesha). O arhat é visto como "aquele que realizou todo o treinamento, completou a tarefa, atingiu o nirvana, considerado um dos valorosos, verdadeiramente digno de reverência". Segundo os theravadins, há quatro níveis para um praticante alcançar a liberação, conforme ele supera os dez grilhões (sânsc. e páli samyojana):

Shrotapanna (páli sotapanna): o praticante obterá a iluminação em no máximo sete vidas;

Sakadagami (páli sakadagami): o praticante renascerá mais uma vez no mundo;

Anagamin (sânsc. anagami): o praticante renascerá num dos mundos dos Brahmas, numa das moradas puras, onde alcançará a liberação final (sânsc. parinirvana, páli parinibbana);

Arhat (sânsc. arahant): o estágio de liberação total, livre dos renascimentos. São dez os grilhões que amarram os seres ao oceano da vida ou roda da existência: [1] auto-ilusão; [2] dúvidas; [3] indulgência em meros rituais e cerimônias; [4] desejos sensuais; [5] má vontade; [6] a sede pela existência de puro material; [7] a sede pela existência imaterial; [8] vaidade ou presunção; [9] irriquietude; e [10] ignorância. Os cinco primeiros são chamados "grilhões inferiores" porque amarram ao mundo sensual. Os cinco restantes são chamados "grilhões superiores" porque amarram aos mundos superiores, isto é, os mundos imateriais e de matéria-fina. Aquele que é liberto de 1-3 é um "adentrador de corrente" [sotapanna]; aquele que superou (em adição a 1-3) o 4 e o 5 na sua forma geral é um "que retorna uma só vez" (a este mundo) [sakadagami]; aquele que é completamente livre de 1-5 é um "que não retorna" [anagami]; e o que está livre de todos os dez grilhões é um arahant.

(Citado por Nissin Cohen no Dhammapada)

De acordo com a tradição Theravada, existem três tipos de arahant. O primeiro é o iluminado completo e perfeito (sânsc. samyak-sambuddha, páli samma-sambuddha), que depois de praticar como um bodhisattva durante incontáveis vidas — entre um bilhão e um trilhão de anos —, adquire o potencial de atingir a iluminação sem a ajuda dos outros.O segundo tipo é o realizador solitário (sânsc. pratyeka-buddha, páli paccheka-buddha), capaz de alcançar a iluminação em período em que os ensinamentos de um buddha são desconhecidos; porém, um

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realizador solitário não tem a capacidade de ensinar o Dharma em larga escala e geralmente vive recluso em bosques ou montanhas. Para se tornar um realizador solitário, seria necessário cerca de um milhão de anos de prática.Finalmente, o terceiro tipo é o ouvidor (sânsc. shravaka, páli savaka), que segue os ensinamentos de um buddha completamente iluminado e atinge o nirvana mesmo sem cultivar as dez perfeições (sânsc. paramita, páli parami: generosidade, virtude, renúncia, discernimento, energia, paciência, verdade, determinação, boa vontade e equanimidade). Ao contrário de um realizador solitário, um ouvidor transmite ensinamentos sobre o caminho da iluminação para os outros, apesar de não conseguir ensinar na mesma escala de um buddha. Para atingir a realização de um ouvir, seriam necessárias de uma a sete vidas de prática.O grande panteão de buddhas e bodhisattvas que surgiu no buddhismo Mahayana não está presente na tradição Theravada. Os theravadins utilizam o termo páli bodhisatta para se referir apenas àqueles que vão atingir o estado de Buddha — por exemplo, Siddhartha Gautama (páli Siddhattha Gotama) antes de se tornar o Buddha Shakyamuni (páli Buddha Sakkamuni), e Maitreya (páli Metteya), que vai restaurar o Dharma quando os ensinamentos de Shakyamuni desaparecem no futuro. Gautama é chamado de bodhisattva porque em uma era anterior, quando foi discípulo do Buddha Dipamkara, ele fez o voto de atingir a iluminação completa e perfeita (sânsc. anuttara-samyak-sambodhi) com o objetivo compassivo de conduzir os seres à liberação.Segundo os theravadins, alguém só pode se tornar um bodhisattva se fizer este voto diante um Buddha, pois só assim ele teria a convicção necessária para desenvolver plenamente as dez perfeições necessárias e atingir a iluminação completa. Ao se tornar um Buddha, seus discípulos se tornariam arhats porque assim os seres seriam capazes de atingir a liberação mesmo sem ter adquirido a plenitude das dez perfeições, tornando mais amplo o acesso ao estado de liberação. De acordo com a tradição Theravada, só pode existir um único Buddha em cada era; portanto, o Buddha de nossa era foi Shakyamuni e somente quando os seus ensinamentos desaparecerem é que o bodhisattva Maitreya descerá do paraíso de Tushita e se tornará o próximo Buddha.

Em termos estritos, o Buddha histórico não é único já que houveram seres plenamente iluminados que surgiram em épocas passadas e haverão outros que irão surgir em épocas futuras também. Mas em qualquer sistema cósmico é impossível que um segundo Buddha surja enquanto os ensinamentos de um outro Buddha ainda existirem e dessa forma, sob a perspectiva da história humana se justifica considerar o Buddha como um mestre único, não igualado por qualquer outro mestre espiritual conhecido pela humanidade.

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(Bhikkhu Bodhi, Refúgio no Buddha)

Há certas qualidades que distinguem um buddha de outros arahants, aqueles que se liberaram dos aviltamentos da mente. Não há diferença entre a liberdade mental de um buddha e de um arahant; na mente de ambos, a avidez, o ódio e a ignorância foram extirpados completamente. No entanto, por seus esforços em incontáveis vidas, um buddha leva à perfeição certos poderes da mente e uma extensão de compreensão e compaixão que é única. A vida de um buddha manifesta a perfeição da sabedoria, compaixão e meios hábeis. Em qualquer situação um buddha sabe exatamente o meio correto de ensinar e o melhor meio de abrir as mentes dos outros. Portanto, ele está investido de uma sabedoria onisciente e de compaixão prática.

Na época em que o eremita Sumedha encontrou Dipamkara Buddha, ele já possuía o potencial de se iluminar, mas ele escolheu renunciar a isso para o bem-estar de todos os seres sofredores em sua ignorância. Através de sua compaixão pelos inúmeros seres que precisavam ser levados em segurança até a outra margem, ele quis sacrificar sua própria liberdade para passar os éons que fossem necessários para desenvolver todas as perfeições de um buddha.

O Buddha foi investido de três realizações. A primeira é chamada causa, que se refere ao extraordinário esforço feito por bodhisattva através das inúmeras vidas para aperfeiçoar os paramis; isto é, ele realizou a causa para alcançar o ser do buddha. A segunda é a realização do resultado, que se refere à sua iluminação e à chegada ao conhecimento onisciente. E a terceira é a realização do serviço, assistindo ao bem-estar dos outros. Porém o Buddha não foi complacente com seu próprio despertar e a partir de seu amor e cuidado com todos ele seguiu ensinando e até sua morte compartilhou o Dharma com todos aqueles que estavam prontos para ouvir.

(Joseph Goldstein, Buscando a Essência da Sabedoria)

[A] incompreensão dos yanas [veículos] provém da identificação do Hinayana com o Theravada, do Mahayana com o Zen e outras escolas do extremo oriente, e do Vajrayana [o buddhismo tântrico] com o buddhismo tibetano. Quando se entende verdadeiramente o buddhismo, torna-se claro que todos os três veículos estão presentes em cada tradição e que a essência de toda a prática buddhista é a mesma por toda parte.

(Jack Kornfield, Living Buddhist Masters)

Seja o buddhismo Theravada, buddhismo Mahayana, Zen buddhismo, buddhismo tibetano, qualquer tipo de buddhismo que você quiser, eles são diferentes apenas no nome ou nas cerimônias e práticas externas. Mas internamente é tudo a mesma coisa: a eliminação do apego. Não fiquem tristes, não fiquem desapontados ou ansiosos, não criem problemas para si mesmos pensando que não foram capazes de estudar todas as escolas do buddhismo. Não se preocupem se não foram capazes de estudar o buddhismo no Tibet, no Sri Lanka, na Birmânia, na China ou em qualquer lugar. Isso é uma perda de tempo. Existe apenas uma única essência ou coração em tudo isso, ou seja, eliminar o apego. Os rótulos Theravada, Mahayana, Zen, tibetano e chinês refletem

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somente a parte exterior do que parece ser diferentes tipos de buddhismo. [...] Compreendam o coração de tudo isso e aprendam apenas esta única coisa: a eliminação do apego. Então vocês conhecerão a essência do buddhismo, seja ele denominado Mahayana, Theravada, Zen ou Vajrayana. Seja ele da China, Japão, Coréia ou qualquer outro lugar, todos têm um único objetivo: eliminar o apego.

(Achaan Buddhadasa, A Causa do Sofrimento na Perspectiva Buddhista)

Sempre que você ficar na dúvida diante de tradições, práticas, linhagens, formalidades, exigências, cores e roupas, pense que nenhum ensinamento pode oferecer mais do que reconectá-lo ao reconhecimento de sua própria natureza, da natureza ilimitada de todos os buddhas. Reconheça que todas as linhagens buddhistas surgem do ensinamento do Buddha e não vão além dele. E essa natureza ilimitada você já tem.

(Padma Samten, Meditando a Vida)

Cada um dos diferentes veículos tem sua própria abordagem e através de qualquer um deles a fruição [isto é, a iluminação] pode ser atingida.

(Padmasambhava, citado por Yeshe Tsogyal em The Lotus Born)

[Os estágios do caminho] são basicamente os mesmos, não importa se a abordagem é Hinayana, Mahayana ou Vajrayana. Os três yanas variam em seus métodos, mas não em seus objetivos. Eles são diferentes veículos que servem a um caminho, que atravessam os mesmos estágios e chegam ao mesmo lugar.

(Kalu Rinpoche, Luminous Mind)

Quando você não tem o insight de que a base, o caminho e o resultado são vazios, você pode pensar que a vacuidade [do Mahayana] é o caminho supremo para atingir o estado búddhico. Você também pode pensar que, se você compreender [a vacuidade], ela será o caminho supremo e que, com exceção dela, todos os outros caminhos buddhistas são inferiores. Não pensar que estes outros caminhos pertencem aos métodos [do Buddha] é perder a vacuidade como sendo um caminho. Reconheça a natureza do próprio pensamento que está obcecado com a vacuidade e que a agarra como sendo o caminho supremo. Olhando esse pensamento, você realizará que tudo é vazio e que na vacuidade não há supremo ou inferior, nada a ser abandonado ou ajudado. (Karmapa Wangchug Dorje, The Mahamudra Eliminating the Darkness of

Ignorance)

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Linha do TempoLegenda:

 Theravada 

  

 Mahayana 

 

 Vajrayana 

País600 a.C.250 a.C.100 d.C.450 d.C.800 d.C.1150 d.C.1500 d.C.1850 d.C.2000 d.C.

Índia      

  

     

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Sri Lanka

          

Sul e Sudeste Asiático            

China

      

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Coréia

       

Japão

       

Tibet

       

 Data Acontecimento No mundo

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antes doséculo VI a.C.

Civilização indiana dos drávidas (3500-1500 a.C.)Invasões arianas na Índia (2000-1000 a.C.)Surgimento dos Vedas (1500-800), dos Brahmanas (950) e dos Upanishads (800)

Invasões helênicas (2000-1000 a.C.)

Moisés (1300 a.C.)Salomão (950 a.C.)

Profetas (séc. VIII a.C.)Homero (séc. VIII a.C.)

Hesíodo (775 a.C.)Tales de Mileto (640-546)Zoroastro (630-563 a.C.)

século VI a.C.

Vida de Siddhartha Gautama, o Buddha histórico (563-483 a.C.)

Mahavira (599/8?-527/6? a.C.)

Pitágoras (582-507 a.C.)Lao-tsé (570-490 a.C)

Confúcio (551-479 a.C.)século V a.C. Concílio buddhista em Rajagriha (483

a.C.)Heráclito

Sócrates (469-399 a.C.)Platão (427?-347 a.C.)

século IV a.C.

Concílio buddhista em Vaishali (383 a.C.)Primeira divisão da Sangha:

Mahasanghika e SthaviravadaConcílio em buddhista em Pataliputra

(367 a.C.)

PatanjaliAristóteles (384-322 a.C.)Chuang-tzu (369-286 a.C.)Alexandre, o Grande (356-

323 a.C.)Epicuro (342?-270)Zenão (336?-264?)

século III a.C. O rei indiano Ashoka converte-se ao

buddhismo (262 a.C.) e convoca um concílio em Pataliputra (250 a.C.)

Divisão entre as escolas Sarvastivada e Vibhajyavada

O cânone páli moderno fica praticamente completo

Mahinda, filho de Ashoka, converte o Sri Lanka ao buddhismo e funda o

monastério Mahavihara em Anuradhapura (247 a.C.)

Sanghamitta, filha de Ashoka, leva um pé da árvore de bodhi ao Sri Lanka e

estabelece a ordem monástica feminina (240 a.C.)

Euclides (300 a.C.)

século II a.C. Início do buddhismo Mahayana (200 a.C.)Surgimento da literatura da Perfeição da

Sabedoria (Prajna-paramita)

Dinastia Han na China (206 a.C. - 220 d.C)

século I a.C. O rei Vattagamani convoca um concílio e o cânone páli é anotado no Sri Lanka

(25-17 a.C.)O Theravada aparece na Birmânia e na

Tailândia central

Júlio César (100-44 a.C.)Virgílio (70-19 a.C.)

século I d.C. Já existem cerca de 500 escolas buddhistas

Concílio em Kashmir, Índia

Jesus (3 a.C. - 30 d.C.)Trajano (53-117)Kanishka (78-123)

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Surgimento do Sutra do Lótus e de outros textos Mahayana

O buddhismo chega à Ásia Central e à China

século II O rei Shakraditya de Magadha funda a universidade monástica de NalandaVida do indiano Nagarjuna, fundador da filosofia Mahayana do Caminho do Meio (Madhyamika)

O Império Romano atinge o seu ápice (117)Marco Aurélio (121-180)Constantino (272-337)

século III Expansão do buddhismo para a Birmânia, Camboja, Laos, Vietnã e Indonésia

O imperador Constantino converte-se ao cristianismoPlotino (205?-270?)

século IV Asanga funda a filosofia Mahayana do YogacharaDesenvolvimento do buddhismo Vajrayana na ÍndiaTradução de textos buddhistas para o chinês por Kumarajiva (344-413) e Hui-yüan (334-416), entre outrosO buddhismo chega à Coréia em 372

Império Gupta na ÍndiaSanto Agostinho (354-430)

século V Buddhaghosa compõe o Caminho da Pureza (425)O peregrino chinês Fa-hsian visita a Índia (399-414)A escola da Terra Purra de Amitabha surge na China

Primeiro hospital no Sri Lanka (437)Queda do Império Romano do Ocidente (476)

século VI O indiano Bodhidharma funda a escola chinesa Ch'an (527)Dinastia Sui na China e início da "era dourada" do buddhismo chinêsDesenvolvimento das escolas chinesas T'ient-t'ai, Hua-yen, Terra Pura e Ch'anO buddhismo chega ao Japão (538) e torna-se religião estatal (594)O buddhismo floresce na Indonésia

Maomé (570?-632)Expansão do islamismo (630-725)

século VII Construção do Horyû-ji no Japão (607-615)O príncipe japonês Shôtoku escreve comentários sobre escrituras buddhistas (621/2)O buddhismo começa a ser estabelecido no Tibet (650)O peregrino chinês Hsüan-tsang (602-664) visita a Índia

Dinastia T'ang na China

século VIII Construção de Borobudur na ilha de JavaPadmasambhava visita o Tibet a pedido do rei Trisong Detsen (747)Construção da estátua de Vairochana no Tôdai-ji em Nara, Japão (752)Um milhão de stupas em miniatura são construídas no Japão (794)As escolas acadêmicas (Jôjitsu, Kosha, Sanron, Hossô, Ritsu e Kegon)

Calos Magno (712-814)Shankara (788-820/50?)Período Nara no Japão

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proliferam-se no JapãoFundação de Samye, o primeiro monastério tibetano (779)Debate entre as escolas indiana e chinesa no Tibet (792)Início da escola Nyingma do buddhismo tibetano

século IX Saichô (767-822) funda a escola Tendai do buddhismo japonês (805)Kûkai (774-835) funda a escola Shingon do buddhismo japonês (806) Grande perseguição ao buddhismo na China (845)

Período Heian no JapãoO primeiro livro impresso na China (868), o Sutra do DiamanteFinalização do Alcorão (935)

século X Kûya (903-972) divulga a escola da Terra Pura no JapãoO monge japonês Genshin (944-1017) escreve uma coleção de textos sobre a Terra Pura (985)Primeira impressão completa do cânone buddhista chinês (983)

Dinastia Sung na China

século XI O indiano Atisha (982-1054) chega ao Tibet (1042) e funda a escola KadamMarpa (1012-1097) leva os ensinamentos Mahamudra ao Tibet, iniciando a escola KagyüMilarepa (1040-1123) torna-se o maior poeta e santo tibetano da escola KagyüFundação do monastério e escola Sakya do buddhismo tibetano (1073)Desaparecem as comunidades monásticas masculina e feminina em Anuradhapura (Sri Lanka) após invasões do sul da Índia (1050)Monges birmaneses de Pagan reinstauram a ordenação monástica Theravada em Plownnaruwa, Sri Lanka (1070) Ressurgimento do buddhismo Theravada no Sri Lanka e na BirmâniaDeclínio do buddhismo na Índia

Divisão entre as Igrejas Católicas Ortodoxa e Romana (1054)Primeiras Cruzadas (1096-1099)

século XII Uma invasão estrangeira destrói Polonnaruwa, no Sri Lanka (1164)O rei Parakramabahu reúne todos os monges do Sri Lanka no monastério Mahavihara (1164)Os muçulmanos destroem a universidade monástica de Nalanda (1197)O buddhismo Theravada é estabelecido na BirmâniaHônen (1133-1212) funda a escola da Terra Pura (Jôdo-shû) do buddhismo japonêsRyônin (1072-1132) funda a escola

Período Kamakura no Japão

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Yuzugatari do buddhismo japonês (1124)Eisai (1141-1215) funda a escola Rinzai Zen do buddhismo japonês (1191)O buddhismo floresce na Coréia sob a dinastia Koryo

século XIII Os muçulmanos destroem a universidade monástica de Vikramashila (1203)Shinran (1173-1263) funda a escola Jôdo-shin-shû do buddhismo japonês (1224)Dôgen (1200-1252) funda a escola Sôtô Zen do buddhismo japonês (1227)Monges de Kanchipuram, Índia, vão ao Sri Lanka para restabelecer a linha de ordenação Theravada (1236)Sakya Pandita (1182-1251) converte Godan Khan e os mongóis ao buddhismo tibetano (1247) e unifica o Tibet (1261)Nichiren (1222-1282) funda uma escola baseada no Sutra do Lótus (1253)Ippen (1239-1289) funda a escola Ji do buddhismo japonês (1275)Mongóis invadem Pagan, Birmânia (1287)Uma linha de ordenação monástica do Sri Lanka chega na Birmânia e na TailândiaO buddhismo Theravada chega ao LaosMonastério do Theravada tailandês aparecem no Camboja pouco antes dos tailandeses conseguirem a independência dos khmersOs mongóis são convertidos ao buddhismo Vajrayana

Carta Magna (1210)Genghis Khan invade a China (1215)São Tomás de Aquino (1225-1274)Clemente de Alexandria (?-1227)Mestre Eckhart (1260?-1327?)Conquista mongol da China (1279)

século XIV Construção do jardim do Saihô-ji em Kyôtô, Japão (1339)Construção do Kinkaku-ji em Nara, Japão (1397)Putön compila e edita o cânone buddhista tibetanoOs governantes tailandeses do norte (Ching Mai) e do nordeste (Sukhotai) adotam o buddhismo Theravada, que torna-se religião estatal em 1360O Theravada é adotado no Camboja e no LaosTsongkhapa (1357-1419) reforma a escola tibetana Kadam e funda a escola Gelug

A China torna-se independe dos mongóis sob a dinastia MingO rei Changchub Gyaltsen derrota os sakyapas e funda uma dinastia secular no Tibet (1409)

século XV Construção do jardim de pedras do Ryôan-ji em KyôtôRennyô (1415-1499) restaura a escola Jôdo-shin-shû do buddhismo japonêsO templo hindu Angkor Wat, construído

Desenvolvimento da impressão na EuropaRenascimento italiano (Leonardo da Vinci, Michenlangelo, Botticelli)

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no Camboja no século XII e dedicado a Vishnu, torna-se um centro buddhista

Grandes navegações (Vasco da Gama, Colombo, Pedro Álvares Cabral)Os seguidores do Karmapa ganham o controle da corte real tibetana (1435-1481)

século XVI Sönam Gyatso, líder da escola Gelugpa, recebe de Altan Khan o título de Dalai Lama (1578)

Martinho Lutero (1483-1546) faz a Reforma ProtestanteGalileo Galilei (1564-1642)Descartes (1596-1650)

século XVII A escola japonesa Jôdo-shin-shû divide-se em Higashi (leste) e Nishi (oeste) Hangan-ji (1602)O buddhismo japonês é controlado pelo o xogunato Tokugawa (1603-1867)Gushri Khan entrona o 5º Dalai Lama como líder temporal do Tibet (1642)O 5º Dalai Lama encontra o imperador chinês da dinastia próximo a Pequim Ingen (1592-1673) funda a escola Zen Ôbaku do buddhismo japonês (1654) Tetsugen publica escrituras buddhistas chinesas no Japão (1681)O monge, escritor e artista Hakuin (1686-1789) ajuda a reviver a escola Zen Rinzai no Japão

Estabelecimento do xogunato Tokugawa, governo feudal no Japão (1603-1867)O Japão fecha as portas para os estrangeiros (1639)Os "peregrinos" chegam à América do Norte (1620)

século XVIII O jesuíta italiano Ippolito Desideri estuda e ensina em Lhasa, Tibet (1716-1721)Os chineses instalam Kelsang Gyatso como o 7º Dalai Lama (1720) e criam a posição de Amban (1721)Ocupação colonial do Sri Lanka, Birmânia, Laos, Camboja e VietnãO rei Kirti Sri Rajasinha convida monges da corte tailandesa para reinstaurar a ordenação monástica no Sri Lanka (1753)O rei Rama I obtém cópias do cânone cingalês e patrocinou um concílio para padronizar a versão tailandesa (1777)

Rousseau (1712-1778)Os dzungars da Mongólia invadem o Tibet e saqueiam Lhasa (1717)Os dzungars são expulsos (1720)Iluminismo europeu (Voltaire, Diderot, Hume)Independência dos EUA (1776-1578)Revolução Francesa (1789-1802)Os birmaneses destroem Ayudhaya, capital da Tailândia (1768)

século XIX Surgimento de novos movimentos religiosos no buddhismo japonêsO príncipe tailandês Mongkut (Rama IV) funda Dhammayut (1828) Os monges das florestas do Sri Lanka vão à Birmânia (1862) Tradução do Dhammapada para o alemão (1862)Concílio buddhista em Mandalay, Mianmar, com a inscrição do cânone páli em 729 lousas de mármore (1868)O buddhismo japonês é suprimido pelos

Darwin (1809-0882)Ramakrishna (1836-1886)Fim do governo militar e início do períodoMeiji no Japão (1868)

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shintoístas (1868) O celibato e o vegetarianismo deixa de ser obrigatório para os monges japoneses (1872)As religiões são controladas pelo governo no Japão (1873)Sir Edwin Arnold publica Luz na Ásia (1879) T. W. Rhys Davids funda a Pali Text Society (1881) O leigo cingalês Anagarika Dharmapala funda a Mahabodhi Society na Índia (1891) Na Birmânia, Gordon Douglas torna-se o primeiro ocidental ordenado na escola Theravada (1899)Ajaan Mun e Ajaan Sao restauram a tradição das florestas na Tailândia (1900)

século XX O buddhismo chega ao OcidenteO rei tailandês Rama V institui um ato na Sangha (1902)É impresso em Tôkyô, em cem volumes, a edição Taishô Shinshû Daizokyô do cânone buddhista chinês (1934)Tenzin Gyatso é entronizado com 14º Dalai Lama (1940)Mahasi Sayadaw torna-se professor de um centro de meditação patrocinado pelo governo birmanês em Rangun (1949) Fundação do World Fellowship of Buddhists (1952)A segunda World Buddhists Conference é realizada no Japão (1959) Buddha Jayanti, comemoração dos 2500 anos do buddhismo na Índia (1956) e no Japão (1959)Concílio buddhista em Rangun, Birmânia (1954-1956)Fundação do movimento Sarvodaya Shramadana no Sri Lanka (1958)Dois alemães recebem a ordenação monástica completa na embaixada tailandesa em Londres (1958) O Dalai Lama e cem mil tibetanos fogem para a Índia (1959)O Dalai Lama recebe o Prêmio Nobel da Paz (1989) e visita o Brasil (1992, 1999)Gedhun Chökyi Nyima, reconhecido como o 11º Panchen Lama, é seqüestrado pelo governo chinês (1995)O 17º Karmapa foge para o exílio (1999-2000)

O coronel britânico Younghusband e suas tropas entram no Tibet e ocupam Lhasa (1904)Tropas chinesas invadem o Tibet (1910-1912)Bogh Haan proclama a independência da Mongólia (1911)O 13º Dalai Lama proclama a independência do Tibet (1913) Primeira Guerra Mundial (1914-1918)Revolução Russa (1917-1922)Segunda Guerra Mundial (1939-1945)Invasão comunista chinesa no Tibet (1949)Queda do Muro de Berlin e fim da Guerra Fria (1989)

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Fonte: BuddhaNet

Períodos e DinastiasÍndia

Maurya: 325 - 185 a.C.

Sunga: 185 a.C. - 72 d.C.

Kushana: 78 - 200

Gupta: 320 - 510

Pala: 765 - 1175

Sena: 1095 - 1206

China Han: 206 - 185

a.C.

Wei: 220 - 581

Sui: 584 - 618

T'ang: 618 - 907

Song: 960 - 1279

Liao: 916 - 1125

Chin: 1115 - 1234

Yuan: 1271 - 1368

Ming: 1368 - 1644

Ch'ing: 1644 - 1912

Japão Asuka: 538 - 710

Nara: 710 - 794

Heian: 794 - 1185

Kamakura: 1185 - 1333

Yoshino: 1336 - 1392

Muramachi: 1392 - 1482