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Cultura poltica e educao para a cidadania:
breves reflexes Hermano Carmo
Centro de Estudos das Migraes e das Relaes Interculturais
(CEMRI)
Universidade Aberta (UAb)
in Estudos da cultura em Portugal e no Brasil, Porto,
Afrontamento, no prelo
Apresentao
1. A actual conjuntura
1.1. Uma sociedade autista
1.2. Efeitos sociais
2. Para uma teoria da educao para cidadania: um mapa
conceptual
2.1. A importncia da teoria na produo cientfica
2.2. Dois eixos da educao para a cidadania
2.3. Quatro vertentes estratgicas
2.4. Dez reas-chave
3. Rotas de interveno
3.1. A nvel macro
3.2. A nvel meso
3.3. A nvel micro
4. A cultura poltica no contexto da educao para a
cidadania
4.1. Cultura poltica: o que ?
4.2. Cultura poltica e educao para a autonomia
4.3. Cultura poltica e educao para a solidariedade
4.4. Cultura poltica e educao para a diversidade
4.5. Cultura poltica e educao para a democracia
5. Concluso
Bibliografia
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2
Apresentao
Aps vinte anos de hegemonia neoliberal depois da queda do muro
de Berlim,
a sociedade contempornea confrontou-se com uma violenta crise
da
economia mundial que veio pr em causa o modelo a que
ironicamente
Adriano Moreira chamou teologia de mercado.
O crepsculo desta nova dogmtica e o clima de instabilidade
econmica que
gerou foi apenas a ponta do iceberg, sendo inmeros, os
indicadores de
desconfiana nas instituies e nas pessoas que integram o nosso
quotidiano.
Nesta sociedade caracterizada pela anomia, resultante de um
processo de
mudana em acelerao crescente desde h cerca de cinquenta anos,
por
uma desigualdade social agravada nos ltimos vinte anos, e pela
fibrilhao dos instrumentos de regulao poltica, as instituies
polticas e os seus
titulares encontram-se sob o fogo cruzado de cidados e mass
media,
acusados de ineficincia, ineficcia e corrupo.
Para alm de no resolver os problemas de coeso social e de
orientao
colectiva, esta atitude usual de criao de bodes expiatrios
parece
esconder a parte de responsabilidade que cabe sociedade civil,
vista
como um conjunto de cidados mais ou menos organizados.
A confirmar-se esta hiptese, ento parece indispensvel
interrogarmo-nos
sobre as estratgias a adoptar para dotar os cidados de
instrumentos que
lhes permitam ser sujeitos da sua prpria histria (Freire, 1971).
Deste
modo, para fazer face crise estrutural da sociedade
contempornea
parece ser necessria uma gigantesca ressocializao dos indivduos
para
desempenharem melhor o seu papel de cidados.
A partir deste conjunto de preocupaes procurarei sugerir, neste
texto,
uma estratgia geral de educao para a cidadania e algumas
rotas
prioritrias de interveno reflectindo sobre o papel que, a meu
ver, deve
desempenhar como eixo aglutinador, a implementao de uma
cultura
poltica adequada, que sirva de lastro para manter a coeso social
e as
orientaes colectivas no rumo certo.
1. A actual conjuntura
Para comear a nossa reflexo gostaria de fazer referncia a
dois
acontecimentos recentes:
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3
Uma notcia do Washington Post (11/04/2007):
Numa experincia indita, Joshua Bell, um dos mais famosos
violinistas do mundo, tocou incgnito durante 45 minutos numa estao
de metro em Washington, de manh, em hora de ponta, despertando
pouca ou nenhuma ateno. Em 1097 passantes apenas foi reconhecido
por um. (...) Trs dias antes, Bell tinha tocado no Symphony Hall de
Boston, onde os melhores lugares custam 100 dlares, mas na estao de
metro foi ostensivamente ignorado pela maioria. A excepo foram as
crianas, que, inevitavelmente, e perante a oposio do pai ou da me,
queriam parar para escutar Bell.1
Massacre na Virgnia:
Abril de 2007: um jovem e introvertido estudante universitrio de
origem sul-coreana, num episdio trgico, matou 35 pessoas a tiro.
Num depoimento televiso, a tia-av referiu-se com grande espanto ao
acontecimento, dizendo que
se tratava de uma pessoa sossegada, apenas com problemas de
comunicao: muito
calado em famlia no tinha amigos (cit. in Carmo, 2007).
A estas duas notcias, poderamos acrescentar a observao do
conhecido
psiclogo Daniel Goleman, que numa das suas ltimas obras afirma
que o mau
uso das novas tecnologias tem criado autnticas conchas
tecnolgicas que
constituem eficazes obstculos comunicao inter-pessoal:
Os automveis, uma maneira de atravessar o espao pblico isolado
por um invlucro de vidro e ao, os Walkman, os telemveis, os iPODs e
outros aparelhos de auscultadores, cauterizam as pessoas que
caminham pelas ruas, bloqueando o contacto com o bulcio da vida e
intensificando o isolamento social (Goleman, 2006: 16).
1.1. Uma sociedade autista
Como refere Daniel Goleman (2006: 17), na medida em que absorve
as pessoas numa realidade virtual, a tecnologia insensibiliza-as
queles que esto efectivamente perto
Esta paradoxal incompetncia para comunicar, parece decorrer da
situao
complexa em que a sociedade contempornea est, marcada por
trs
processos estruturantes:
uma mudana acelerada, marcada por um processo interactivo de
transitoriedade, novidade e diversidade (Toffler, 1970) e pela
coliso de
trs vagas civilizacionais das civilizaes agrcola, industrial e
de
informao (Tofler, 1980);
1 Fonte:
http://www.washingtonpost.com/wpdyn/content/article/2007/04/11/AR2007041101614.html
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4
uma desigualdade social crescente, tanto escala nacional como
em
termos internacionais., aumentando perigosamente o fosso entre
os mais
ricos e os mais pobres (Emerij, 1992); e
a emergncia de novos sistemas de Poder, alicerados em
diferentes
fontes (fora, riqueza e conhecimento); com efeitos preocupantes
no
Estado de Direito, como a tendncia para a descentralizao da
violncia
e para o aumento dos poderes errticos) (Toffler 1991, 2006)
Estes trs processos conjugados, criaram uma situao de anomia
(ausncia
de normas para fazer face a novos desafios), que pode ser
ilustrada por
uma experincia de Pavlov, no mbito do seu trabalho sobre
reflexos condicionados:
66
O efeito choque do futuro ou a anomia experimental
3 exp de Pavlov:apresentao de figurasambivalentes. Reaco
ambivalente (saliva, gane e encolhe-se)
1 exp de Pavlov: condicionamento agradvel para a circunferncia:
(saliva)
2 exp de Pavlov: condicionamento desagradvel para a elipse
(gane, encolhe-se)
Fig. 1
Aps condicionar duplamente um co para salivar quando via uma
circunferncia e para ter medo quando via uma elipse, Pavlov
comeou a
apresentar-lhe figuras ambivalentes (elipses arredondadas). A
resposta do
animal foi, tambm ela ambivalente, salivando, ganindo e
encolhendo-se no
canto da jaula.
No fundo, a sociedade contempornea encontra-se na situao do co:
no
sabe se h-de salivar se h-de ganir, fazendo muitas vezes as duas
coisas ao
mesmo tempo com um olhar perplexo perante o Futuro que entra
cada vez
mais depressa no Presente sem pedir licena.
1.2. Efeitos sociais
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5
Naturalmente que esta situao tem efeitos profundos sobre as
geraes
vivas que so alvo de estmulos contraditrios a que muitas vezes
no esto
preparadas para responder serenamente.
Perante isto, os adultos activos, portam-se como previa
Margarete Mead
nos anos 60 (Mead, 1969), como migrantes no tempo, muitas vezes
incapazes de desempenharem adequadamente o seu papel de agentes de
socializao
das geraes mais novas, confrontados com foras opostas de
presso
sobre os seus filhos.
Os velhos, essa novssima gerao que emergiu ao longo do sculo XX,
j no so o que eram: So em maior nmero, por via do prolongamento da
vida
humana, tm mais qualificaes, mais poder de compra e, por
consequncia
tendem a possuir maior capacidade reivindicativa; esto ainda
mais
desorientados, dada a sua situao fortemente estigmatizado
pelo
etarismo2 que muitas vezes lhes desvaloriza o seu papel
social.
Muitas crianas e adolescentes, vtimas de processos de
socializao
desestruturados, fulcros de jogos de foras de instituies
desorientadas
(famlia, escola e media, particularmente a televiso para os mais
novos e a
Internet para os mais velhos) e muitas vezes transformados pela
sociedade
de consumo em simples alvos de marketing, procuram ancorar a
sua
identidade em grupos de pares, transformando-se numa espcie de
novos capites da areia, os celebrados jovens que viviam nas ruas de
Salvador da Baa, descritos h vrias dcadas por Jorge Amado (Carmo,
2007).
Tudo isto acontece numa famlia que tambm j no o que era:
famlia
nuclear, tpica da sociedade industrial, sucedeu um conjunto
muito
heterogneo de sistemas convivenciais, com agregados
tendencialmente
mais pequenos, integrando papis parentais e relaes
intergeracionais
pouco padronizados e, frequentemente, marcado por ligaes frgeis
s
famlias que lhes deram origem (Carmo, 2007).
Relativamente aos efeitos sociais, Fukuyama num trabalho
recente
(Fukuyama, 2000), sugere que nas ltimas dcadas do sculo XX os
alicerces
da sociedade contempornea foram seriamente danificados por
aquilo a que
chamou a grande ruptura, decorrente da sobrevalorizao da
liberdade em
detrimento da igualdade e da fraternidade.
2 O etarismo ou idadismo, um preconceito social, discriminatrio
como o sexismo, o
racismo, e a homofobia, que se traduz em comportamentos
determinados pelo facto de um
indivduo possuir uma dada idade.
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6
De acordo com este autor, os efeitos da grande ruptura
observam-se
sobretudo em trs domnios: no acrscimo da delinquncia, na
desagregao
da famlia nuclear e no declinar da confiana. Em sua opinio as
trs
tendncias conjugadas tm vindo a fazer baixar perigosamente o
capital social3 com evidentes efeitos desagregadores, urgindo
reconstruir a ordem social do sculo XXI na base da confiana entre
os seres humanos.
Que fazer perante a insegurana e o mal-estar social actual que
acabei de
descrever brevemente? Do meu ponto de vista, tudo isto resulta,
em grande
medida, do deficit de cidadania existente.
Neste contexto complexo, fundamental interrogarmo-nos como
ajudar a
construir uma nova cidadania que permita que cada pessoa possa
ser
senhora do seu destino (Freire, 1972) e possa, solidariamente,
contribuir de
modo positivo para o destino colectivo. Dito de outro modo,
que
componentes dever ter uma qualquer estratgia de educao para a
cidadania?
2. Para uma teoria da educao para cidadania: um mapa
conceptual
Para responder a estas questes sugiro, seguidamente, uma
estratgia
global de educao para cidadania com dois eixos, quatro
vertentes
estratgicas e dez reas chave, a fim de construir um modelo
compreensivo
e consistente do caminho a empreender. (Carmo, 2008: 53)
Como mtodo de trabalho, recorri a uma ferramenta metacognitiva o
mapa conceptual. Um mapa conceptual uma ferramenta de representao
do conhecimento (Novak, 2000) que assume a forma de um diagrama
bidimensional que procura mostrar conceitos hierarquicamente
organizados
e as relaes entre esses conceitos num dado campo de
conhecimento
(Moreira e Buchweitz, 1993:15).
Este tipo de diagrama deve-se a Joseph Novak, psiclogo
educacional da
corrente construtivista (Universidade de Cornell, EUA), que
defende uma
aprendizagem de qualidade decorrente da aquisio de conceitos
claros e
rigorosos, ancorados nos conhecimentos prvios do aprendente
(Carmo,
3 O capital social pode ser definido simplesmente como um
conjunto de valores informais ou normas partilhadas pelos membros
de um grupo e que permite a cooperao entre essas pessoas (Fukuyama,
2000: 36). Relativamente a Portugal, veja-se, por exemplo, Correia,
(2007), Albuquerque (2009) e Paiva (2010)
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7
2008: 54), baseada na teoria da aprendizagem significativa
(Valadares e
Moreira, 2010).
2.1. A importncia da teoria na produo cientfica
Antes de comear a apresentar o modelo a que cheguei, gostaria de
dizer
que a minha opo por uma aproximao terica foi propositada:
Tenho observado, com frequncia, uma atitude de reserva face
teoria,
considerando-a algo de esotrico, sem qualquer utilidade prtica
para o
exerccio do trabalho emprico.
Reconhecendo fundamento em certas crticas, uma vez que algumas
auto-
designadas teorias no passam de especulaes doutrinrias
concebidas por
vezes sem a prova do confronto com o real, nunca demais
salientar a
enorme economia de informao sistematizada numa boa teoria, o
que
permite ao investigador gerir melhor os seus recursos e orientar
as suas
estratgias de pesquisa.
Em qualquer processo de investigao, uma boa teoria funciona
como
bssola, no como espartilho.
neste contexto que reconheo a sabedoria de Kurt Lewin ao afirmar
que
No h nada mais prtico que uma boa teoria, uma vez que uma boa
teoria funciona como
- um reservatrio de Conhecimento (informao sistematizada com
um
dado sentido) e como
- uma bssola para produzir melhor Conhecimento. (Carmo, 2008:
39)
Comecemos, pois.
2.2. Dois eixos da educao para a cidadania
Retomemos a nossa pergunta de partida: que componentes dever ter
uma
estratgia de educao para a cidadania?
A meu ver, antes de mais, qualquer programa de educao para a
cidadania
dever ter em conta que, para se ser cidado, necessrio cada
um
desenvolver-se como Pessoa, isto , fazer desabrochar o seu
potencial
individual.
Mas esse potencial individual de nada serve se no for posto ao
servio dos
outros, ao servio do colectivo. Da que um segundo eixo da educao
para a
cidadania seja o desenvolvimento cultural, social e poltico.
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2.3. Quatro vertentes estratgicas
Para se desenvolver como pessoa, qualquer indivduo tem, antes de
mais, de
aprender a ser autnomo, ou seja a ser sujeito da sua prpria
histria,
construindo uma identidade nica a partir do seu potencial
individual.
Mas, porque essa identidade s se pode realizar num contexto
social, cada
indivduo tem de aprender a ser solidrio, na conscincia de que
ningum
uma ilha, sendo a interdependncia o facto estruturante da nossa
existncia
como seres humanos.
So estas as duas vertentes estratgicas de qualquer educao para
o
desenvolvimento pessoal e interpessoal.
Relativamente ao segundo eixo o do desenvolvimento cultural,
social e
poltico este tambm integra, a meu ver, duas vertentes
estratgicas:
- Em primeiro lugar a da aprendizagem para lidar com a
diversidade, uma
das caractersticas estruturantes da nossa poca.
- Em segundo lugar a aprendizagem da democracia, o melhor
sistema de
vida em comum que actualmente se conhece.
2.4. Dez reas-chave
As quatro vertentes estratgicas que acabo de referir
operacionalizam-se
em dez reas-chave.
Assim, para que a educao para a autonomia seja eficaz, ela dever
em
primeiro lugar preocupar-se com a educao da personalidade
dos
indivduos, uma vez que ningum pode ser autnomo sem pr todos os
seus
talentos a render. Isto implica, que cada indivduo deve ser
estimulado a
desenvolver o seu potencial cognitivo, emocional e tico, de
forma
equilibrada, no privilegiando apenas o seu potencial lingustico
ou lgico-
matemtico , como comum ver-se no ensino formal, mas criando
condies
para o desenvolvimento da sua inteligncia espacial, musical,
cinestsica,
ecolgica, emocional e social, como mostra a investigao recente
da
Psicologia Cognitiva e das neurocincias (Gardner, 1995, Goleman,
1995,
2006 e Damsio, 1998, 2000), a par do seu amadurecimento tico
(Dalailama, 2000).
A educao da autonomia, todavia, no se deve circunscrever ao
desenvolvimento da personalidade individual: fundamental que
cada
indivduo aprenda a ser dono da sua vida e a assumir as
responsabilidades
que lhe venham a caber. Para isso tem de aprender a comandar e a
obedecer
num quadro de valores adequado, em todos os papis sociais que
venha a
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9
desempenhar. por isso que a educao para liderana deve fazer
parte
de qualquer programa de educao para a cidadania (Carmo, 2004).
Dito de
outra forma, para ensinar cada indivduo a servir os outros sem
se servir
deles.
Por outro lado, a conscincia da interdependncia constitui um
imperativo
para uma educao da solidariedade. Esta vertente integra trs
reas
chave: a solidariedade para com as geraes passadas, de que o
respeito
pelo patrimnio expresso evidente, a solidariedade para com as
geraes
vivas aos vrios nveis de complexidade (familiar,
organizacional,
comunitrio, nacional e internacional) e a solidariedade para com
as
geraes futuras, particularmente visvel na rea o ambiente, pelos
seus
efeitos na sustentabilidade (Carmo, 1998).
A terceira vertente, a da educao para diversidade, integra a
aposta
educativa em trs reas-chave: a educao para a adaptao de cada
indivduo heterocronia da mudana, ensinando-o a control-la; a
educao para uma sociedade cada vez mais heterognea em termos
culturais e para
um mundo em que os dois gneros sejam efectivamente
complementares
num quadro de paridade.
Finalmente, a quarta vertente aponta para a aprendizagem da
democracia,
no s como um quadro normativo desejvel (uma meta a alcanar)
mas
tambm como um poderoso instrumento de interveno (um mtodo)
para
alcanar tal objectivo (Carmo, 1998)
Educao para a cidadaniaintegra
Desenvolvimento pessoal Desenvolvimento social
Autonomia Solidariedade
Personalidade
Diversidade Democracia
Liderana Patrimnio (geraes passadas)
Geraes vivas
(Presente)
Ambiente (geraes futuras)
Mudana Pluralismo cultural
Complementaridade de gnero
Como meta
Como mtodo
Fig. 2
A complexidade das necessidades de educao para a cidadania
pode
ser intuda neste mapa conceptual que no faz mais que apontar
rumos,
que naturalmente tm de ser concretizados em aces concretas.
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3. Rotas de interveno
Criado um quadro de referncia, vejamos algumas rotas de
interveno
prioritrias, a trs nveis de actuao:
a nvel macro, algumas pistas se desenham em termos polticos,
a nvel organizacional (meso), particularmente no espao
escolar,
e a nvel micro, ou seja nas relaes grupais e interpessoais
Nesta altura vale a pena recordar a teoria do campo de Kurt
Lewin que, na
sua simplicidade, equacionava bem esta questo afirmando que,
sendo o
comportamento humano decorrente da dialctica entre o dinamismo
do Ego
e do ambiente, a sua alterao podia fazer-se influenciando
directamente a
pessoa ou indirectamente o meio que a condiciona. (Carmo
2008b).
16
Que fazer? Uma pista de Kurt Lewin
Teoria do campo
Comportamento = f (Pessoa, Meio)
Para influenciar o comportamento humano
Fig. 3
Se assim , para prevenir comportamentos de autismo social e
promover a
cidadania h que incidir a aco, quer sobre o Meio (M) quer sobre
as
Pessoas (P). Partindo desta premissa e procurando estabelecer
prioridades
de interveno, uma vez que no desejvel dispersar recursos, as
principais rotas de interveno que julgo prioritrias parecem-me
ser seis:
trs sobre o meio duas a nvel macro e uma a nvel meso - e trs
sobre as pessoas (figura 4):
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17
Rotas de intervenoAces sobre o meio (M)A nvel macro:
Promover uma cultura de solidariedade Recriar Comunidades
(restaurar os sistemas
de vinculao)A nvel meso:
Organizar parcerias auto-sustentveisAces sobre as pessoas (P)A
nvel micro:
Educao da personalidade Educao para a liderana Educao para a
democracia
Fig 4
3.1. A nvel macro
Em termos estruturais, parece-me fundamental que toda a aco
incida
na criao de uma cultura de solidariedade, no s em polticas que
a
promovam, incentivando a vontade de obedecer a um quadro
normativo
solidrio, mas tambm que reprimam actos contra a
solidariedade,
aumentando a capacidade de orientao das instituies sociais para
um
quadro normativo solidrio.
So exemplos de tais polticas, as que apoiem a sustentabilidade
da
famlia, que estimulem a incluso nas escolas, nas empresas e
nas
comunidades, as medidas laborais justas, as polticas nacionais
e
internacionais que promovam a cooperao e a paz, etc.
A conscincia crescente da interdependncia a grande raiz da
solidariedade, revelando claramente que esta se traduz
metaforicamente num jogo de ganha-ganha ou de perde-perde (todos
ganham com a sua presena e todos perdem com a sua ausncia).
Em termos de aprendizagem colectiva, esta constatao implica
a
necessidade de se aprender a compreender o Outro para melhor
colaborar com ele. Para que tal acontea, aprender a comunicar
melhor,
torna-se uma condio poltica imperativa.
Pouco do que acabei de dizer at aqui ter eficcia se no
incidirmos
tambm a nossa aco nos sistemas de vinculao. Dito de outro modo,
e
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procurando sintetizar o que necessrio fazer, penso que a palavra
de
ordem para os interventores sociais recriar comunidades.
Do meu ponto de vista, isto implica trs estratgias
complementares:
fortalecer os vnculos s zonas residenciais s famlia e
escolas,
que devero voltar a ser comunidades vivas, aumentando o
controlo
informal destas instituies;
estimular o aumento da confiana pessoal, familiar e
institucional, o
que obriga reviso de hbitos socialmente txicos, como a
valorizao da mentira e da irresponsabilidade nas relaes
interpessoais4;
promover a educao para a democracia, quer como direco a
tomar quer como mtodo para manter esse rumo.
Atravs destas estratgias cria-se mais coeso social,
fortalecem-se as
orientaes colectivas e reduz-se o risco de desvio.
3.2. A nvel meso
Em termos meso, fundamental criar parcerias autosustentveis, que
tirem partido do potencial de recursos existente e evitem
trabalho
redundante (todos a fazerem o mesmo) dispersando recursos.
Este
trabalho difcil porque a organizao de parcerias tem
exigncias
elevadas.
Antes de mais, exigncias de natureza pessoal: uma vez que
trabalhar
em parceria significa trabalhar inter-pares, aos indivduos que
integram
parcerias exige-se uma atitude de humildade, de controlo do
narcisismo
pessoal (e institucional) em funo do bem comum, e de
maturidade
emocional, para a qual frequentemente no esto preparados.
A este pressuposto tico acrescem trs exigncias tcnicas, sem
as
quais nenhuma parceria pode ter condies de eficcia5 nem de
4 Tal reviso passa por medidas socialmente controversas como a
desvalorizao de
comportamentos de irresponsabilidade conjugal, parental e
filial, escala da famlia, e de
padres de relacionamento irresponsvel escala profissional e
cvica. A tolerncia zero s
denncias annimas, a reduo drstica do uso de escutas telefnicas
como meio de prova
em processos judiciais e o alargamento da penalizao das fugas ao
segredo de justia aos
agentes de comunicao social so exemplos de higiene social a
empreender, de difcil
execuo, mas indispensveis, do meu ponto de vista, regenerao do
tecido social. 5 Relao entre resultados previstos e resultados
obtidos
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13
eficincia6: um estilo democrtico de liderana capaz de promover
uma
orientao adequada para a parceria, regras justas de
funcionamento,
que promovam a sua coeso e uma legitimao externa que permita
a
viabilizao de jure e de facto da rede, pelas organizaes
parceiras7.
Para alm dos benefcios imediatos evidentes, o desenvolvimento de
uma
rede de parcerias com estas caractersticas tem o efeito
derivado, no
menos importante, de criar um viveiro de educao para a
cidadania,
devido ao quadro de exigncias referido.
3.3. A nvel micro
Em termos micro, h que definir prioridades socioeducativas, uma
vez
que no h Desenvolvimento Social sem qualificao das pessoas.
Essas
prioridades devem procurar ter efeito bola de neve e distinguir
o importante do urgente. Do meu ponto de vista e considerando como
meta
global o desenvolvimento pessoal e social dos cidados que
integram as
comunidades, as prioridades scio educativas so trs (Fig. 5):
21
Que prioridades para a parceria?
Desenvolvimento pessoal e social dos cidados
Desenvolver talentosindividuais
Educao da
personalidade
Ter uma identidade rica
Ser sujeito da sua pp histria
Educao p/a
autonomia
Desenvolver a liderana
Desenvolver competncias para
viver em comum
Ser cidado de corpo inteiro
Educao p/a
democracia
Fig. 5
6 Relao entre resultados obtidos e custos em meios para os
alcanar. 7 Um exemplo: no aceitvel uma organizao parceira
comprometer-se a afectar
tcnicos parceria e em situaes prticas (exemplo participao em
reunies)
impossibilitar essa afectao (no exemplo: marcar-lhes
compromissos na organizao-me).
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14
- A educao da personalidade, com o objectivo de desenvolver
os
talentos individuais de modo a formar uma identidade
individual
(carcter) mais rica (o).
- A educao para a liderana, a fim de conseguir que cada aluno
possa
vir a ser suficientemente autnomo para ser sujeito da sua
prpria
histria, como dizia Paulo Freire.
- A educao para a democracia, para que cada aprendente
desenvolva
competncias para viver em comunidade de modo a poder vir a ser
um
cidado de corpo inteiro (Carmo, 2006).
4. A cultura poltica no contexto da educao para a
cidadania
No incio deste texto sugeri que, para enfrentarmos a crise
estrutural da
sociedade contempornea seria necessrio uma gigantesca vaga
de
ressocializao, de modo a que os indivduos viessem a assumir
melhor o seu
papel de cidados.
Traada uma estratgia possvel de educao para a cidadania e
sugeridas
algumas rotas de interveno prioritrias parece ainda assim que a
tarefa
gigantesca, se ambas se centrarem nas pessoas
individualmente
consideradas.
Recorrendo novamente teoria do campo de Kurt Lewin, para alterar
o seu comportamento parece sensato, em vez de dispersar os recursos
educativos
pela multiplicidade de indivduos, concentr-los em alterar o
ambiente, de
modo a criar um campo de foras favorveis mudana pretendida.
Neste contexto, parece til procurar concentrar esforos na
regenerao
da cultura poltica, usando-a como fulcro da mudana.
4.1. Cultura poltica: o que ?
No sentido de operacionalizar o conceito de cultura poltica,
construiu-se um mapa conceptual que representa de forma diagramada
o seu campo
semntico (Fig. 6) que seguidamente se procura descrever.
Antes de mais, observa-se que a designao cultura poltica integra
dois conceitos, cultura e poltica:
O termo cultura usado aqui no sentido antropolgico do termo,
como herana social, lastro de memrias e experincias, susceptvel de
ser
socialmente reproduzido, atravs da transmisso de representaes
e
-
15
prticas, aprendidas atravs de processos de enculturao8 e de
aculturao9.
24
Cultura poltica
Dois conceitos
Cultura(lastro de memrias e
experincias)
Poltica(arte de
governar a polis)
Representaes Prticas
Captura Exerccio
Prticas polticas
Conhecimentos Sentimentos e valores
Padres
Liderana Participao Obedincia
Sob a forma de
Atitudes Comportamentos
Politicamente activas
Politicamente passivas
Opinies polticas
Condutas polticas
sobre
um processo de aquisio de
de
Forma-se por
integram
integra
sobre
Tem a ver com
Poder poltico
do
Representaes polticas
Socializao poltica
Que uma relao entre
Capacidade de obrigar Vontade de obedecer
de Que se traduzem em
Regulao social
Conduo para metas colectivas
Orientada para
Fig.6
Por seu turno a palavra poltica refere-se arte de governar a
polis, a cidade, e operacionaliza-se na arte de capturar e exercer
o poder
poltico, entendido como uma relao entre a capacidade de obrigar
e a
vontade de obedecer (A. Moreira, 1979), orientada para a regulao
de
interesses intra-societais e para a conduo de uma dada sociedade
no
sentido de metas colectivas (Lapierre, s/d).
Tomando as duas palavras como referncia, pode definir-se cultura
poltica,
numa primeira aproximao, como o lastro de memrias e
experincias
respeitantes poltica.
Numa segunda aproximao, vejamos como se obtm a cultura poltica:
ela
forma-se atravs da socializao poltica que se traduz num processo
de
aquisio de representaes e prticas polticas:
As representaes polticas, integram conhecimentos, sentimentos
e
valores sobre padres de captura e de exerccio do poder
poltico.
8 Por enculturao entende-se o processo de interiorizao da
cultura por via da
socializao. 9 Por aculturao entende-se o processo de criao e de
destruio cultural, resultante de
um prvio contacto de duas ou mais culturas diferenciadas,
normalmente em condies de
poder assimtrico Panoff e Perrin, 1973)
-
16
As prticas polticas, incluem a experincia de desempenho de papis
de
obedincia, de participao e de liderana, que os indivduos vo
acumulando ao longo da sua vida e traduzem-se em atitudes
politicamente activas ou passivas e em comportamentos
verbais
(opinies) ou no verbais (condutas) face a situaes de
natureza
poltica.
Tendo em conta este conceito operacional de cultura poltica,
parece que
qualquer programa de desenvolvimento da cultura poltica
deveria
procurar ensinar as seguintes competncias:
saber avaliar criticamente problemas de natureza poltica, ou
seja,
aqueles que afectem a coeso social e a orientao colectiva, bem
como
as diversas formas de captura e exerccio do poder poltico, num
quadro
de valores consensualmente aceite;
participar civicamente em processos polticos, atravs do
desempenho
adequado de papis de obedincia ou de liderana, tendo em conta
o
quadro de valores referido10.
Cruzando estes dois tipos de competncias com as vertentes
estratgicas e
reas-chave da educao para a cidadania atrs referidos (Fig.7),
vejamos,
seguidamente, que domnios da educao para a cidadania parecem ser
os
mais sensveis para a criao de uma cultura poltica slida, capaz
de
promover a regenerao do tecido social.
4.2. Cultura poltica e educao para a autonomia
Como atrs foi sugerido, a vertente da educao para a autonomia
integra
duas reas-chave: a educao para o desenvolvimento de
personalidades
ricas, atravs da criao de condies para o desenvolvimento dos
talentos
individuais e o treino de competncias para a liderana,
indispensveis
para pr tais talentos ao servio dos outros.
Na primeira destas reas, dos dez traos de personalidade que a
integram11
(Fig.8), parece-nos de salientar sete, que directamente
influenciam a
criao de uma cultura poltica slida:
10 Tal referncia dever motivar o cidado a desempenhar o papel
servindo a comunidade e
no servindo-se dela. 11 Chegou-se a estes dez traos atravs da
teoria das inteligncias mltiplas de Gardner
(1995), dos conceitos de inteligncia emocional e social de
Goleman (1995, 2006), apoiado
na investigao das neurocincias (Damsio, 1998, 2000) e das
propostas do Dalai-Lama
(2000) sobre a tica para o sculo XXI.
-
17
o desenvolvimento da inteligncia lingustica, que permite dominar
a
lngua como ferramenta de comunicao, indispensvel vida em
sociedade;
Vertentes estratgicas e
reas-chave da educao
para a cidadania
Competncias da cultura poltica
Diagnosticar problemas de
natureza poltica
Resolver problemas de
natureza poltica
Autonomia
1. Personalidade
2. Liderana
Inteligncias.lingustica, lgico-matemtica, ecolgica,
emocional e social
tica reactiva e proactiva
Obedincia crtica
Comando democrtico
Solidariedade
3. Geraes passadas
4. Geraes vivas
5. Geraes futuras
Conscincia da interdependncia nos eixos temporal e
espacial
Respeito pelo patrimnio e pela memria colectiva
Respeito pelo Outro
Respeito pelas geraes futuras
Diversidade
6. Mudana
7. Diversidade cultural
8. Gnero
Gesto crtica da mudana
Valorizao da diversidade cultural
Valorizao da complementaridade de gnero
Democracia
9. Meta
10. Mtodo
Respeito pelo Outro (Direitos e deveres humanos)
Comunicao, participao e representao com qualidade
Fig.7
27
Educao da personalidade
Conjunto de traosQue moldam o
Carcter (identidade)
pessoa
organizao regio nao espcie humanagrupo
traos cognitivo-emocionais traos ticos
1. Lingusticos
2. Lgico-matemticos
3. Espaciais
4. Musicais
5. Cinestsica-corporais
6. Ecolgicos (Eco-inteligncia)
7. Intra-pessoais (I. emocional)
8. Inter-pessoais (I. social)
cf. Gardner,1995 e Goleman, 1995, 2006cf. Dalai-Lama, 2000
da
do
da
da dada
integra integra
integra
integra
10. Promotores de solidariedade (amor, pacincia, tolerncia,
perdo humildade e afins)
9. Inibidores de solidariedade (dio, impacincia, intolerncia,
rancor, soberba e afins) => tica de refreamento: disciplina
interior
Fig.8
o desenvolvimento da inteligncia lgico-matemtica, que aumenta
o
rigor da interpretao da realidade social envolvente;
-
18
o fomento da eco-inteligncia (Goleman, 2009), que sensibiliza
para a
responsabilidade individual e social nas relaes com o
ambiente,
indispensveis sustentabilidade e imperativos de solidariedade
inter-
geracional;
a promoo activa de melhores nveis de inteligncia emocional e
social,
capazes de fazer face surpreendente incompetncia para comunicar
na
sociedade de informao que Goleman (2000) apelidou de autismo
social;
finalmente, o desenvolvimento de uma educao para os valores,
tanto
numa perspectiva de tica reactiva12 como proactiva13, uma vez
que a sua
ausncia impossibilita a vida em sociedade.
29
Liderana: a questo da autonomia
Individual Grupal Organizacional Comunitria Poltica
Saber
Maturidade emocional Centrada
em tarefas
Centrada em relaes
Planeamento
OrganizaoControloComunicao
MotivaoDesenvolvimento
Coeso social
Orientao social
Aprendizagem
Saber mandarSaber obedecer
A liderana como servio
Valores
Tem vrios nveis
Liderana: capacidade para mobilizar atravs do consentimento
Fig.9
No que respeita educao para liderana (Fig.9), entendida como
capacidade para mobilizar atravs do consentimento, para alm
da
educao para os valores que permite exerc-la numa dimenso de
servio
colectividade, para a criao de uma cultura poltica slida
parece
indispensvel criar condies para a experimentao de comportamentos
de
obedincia crtica, isto de consentimento informado, bem como
de
comando democrtico14.
12 A tica reactiva defende o combate aos comportamentos
inibidores de solidariedade
(dio, impacincia, intolerncia, rancor, soberba e afins).
Trata-se de uma tica de
refreamento e promove a: disciplina interior. a tica do no faas
isso porque mau. 13 A tica proactiva postula o estmulo aos
comportamentos promotores de solidariedade
(amor, pacincia, tolerncia, perdo humildade e afins). a tica do
faz isso porque bom. 14 Sobre o comando democrtico vide infra,
educao para a democracia como mtodo.
-
19
4.3. Cultura poltica e educao para a solidariedade
No que concerne educao para a solidariedade, qualquer das suas
trs
reas-chave indispensvel criao de uma cultura poltica slida,
pelos
seus efeitos no desenvolvimento do capital social:
a solidariedade para com a geraes passadas porque promove o
respeito pelo patrimnio fsico e pela memria colectiva,
constituindo um
forte factor identitrio susceptvel de desenvolver a resilincia
em
situaes de crise;
a solidariedade para com as geraes vivas15, por constituir o
cimento
indispensvel coeso social;
a solidariedade para com a geraes futuras, pelas suas
consequncias
na sustentabilidade.
4.4. Cultura poltica e educao para a diversidade
A diversidade em que a sociedade contempornea est imersa,
decorrente
da mudana acelerada, da globalizao da sociedade arco-ris, como
lhe chamou Mandela e, da conscincia crescente de que a histria
humana
muitas vezes ocorreu mutilada em virtude da invisibilidade do
feminino,
torna imperativa a ressocializao colectiva, para encarar a
diversidade
como uma oportunidade e no como ameaa para a melhoria da
qualidade de
vida das populaes. Neste sentido, a promoo de uma adequada
cultura
poltica exige intervenes em trs reas-chave:
na gesto crtica da mudana, encarando a mudana sem medos nem
fascnios, e a novidade como um facto a avaliar e no com um valor
em si
mesmo16;
na valorizao da diversidade cultural, atravs da educao
intercultural, criando condies para o efectivo dilogo de
civilizaes17;
15 s escalas interpessoal, grupal, organizacional, comunitria,
inter-regional, nacional,
internacional e global. 16 A educao para o consumo crtico um
exemplo de gesto da mudana: indispensvel
educar o consumidor para defender os seus interesses, deixando
de ficar nas mos das
gigantescas campanhas de publicidade econmica e promovendo o seu
empowerment
econmico, de modo a obrigar os produtores a desenvolver
estratgias de produo,
fundamentadas na responsabilidade social e em detrimento do
lucro fcil.
-
20
na valorizao da complementaridade de gnero, tirando partido
do
capital da experincia da mais de metade da humanidade,
constituda
pelas mulheres.
4.5. Cultura poltica e educao para a democracia
Finalmente, para a constituio de uma cultura poltica slida,
capaz de
surfar com sucesso nas tormentosas vagas de mudana, sem se
afogar em vrtices anmicos ou em correntes assassinas, mas sabendo
tirar partido da
sua gigantesca energia para construir uma sociedade onde seja
possvel
viver com mais qualidade, necessrio cuidar seriamente da educao
para
a democracia, em duas diferentes vertentes: a democracia vista
como meta
a alcanar e entendida como mtodo para chegar a essa meta.
30
CidadoQualidade do
Sociedade poltica
Que membro de uma
Que tem
Direitos Deveres
Que tem
De respeito pelas regras de sociabilidade
Educao para a Cidadania
Educao para a democracia
Meta de sociabilidade Mtodo de sociabilidadeRepresentaes
- Respeito pelo Outro (diversidade)
- Direitos humanos
Prticas de cidadania
Comunicao
RepresentaoParticipao1. Leitura
crtica
2. Escrita
3. Fala
4. Escuta
5. Preparao
6. Tomada
7. Execuo
de decises
8. Escolha
9. Respeito
10.Responsabilizao e substituio
de representantes
Fig.10
Tendo como referncia a democracia como meta a alcanar, a educao
visa
dar a conhecer o quadro normativo de representaes j
parcialmente
constitudo18
17 A preveno do terrorismo, por exemplo, no possvel sem populaes
conhecedoras das
religies alheias. que permitam desmontar mitos fundamentalistas
gritados por minorias
ruidosas. 18 Cristalizados nas vrias normas internacionais sobre
os Direitos Humanos que carecem,
no entanto de algum expurgo eurocntrico. Da o uso do advrbio de
modo, parcialmente.
-
21
Encarando a democracia como um mtodo eficaz, pretende-se, atravs
da
experimentao de boas prticas, alcanar as metas definidas pelo
quadro
normativo.
Neste contexto, a educao para a democracia integra dez
aprendizagens,
organizadas em trs cachos de preocupaes:
Antes de mais, porque no possvel construir a democracia sem
comunicao de qualidade, as aprendizagens da leitura crtica19,
da
escrita e da expresso oral rigorosas e claras, e da escuta
emptica, so
condio sine qua non para a interiorizao do mtodo de
funcionamento democrtico;
Viver em democracia, implica, por outro lado, aprender a
participar
activamente nos processos de deciso, quer na sua preparao, quer
na
sua efectivao, quer ainda na sua execuo, obrigando a regras
rigorosas e a uma disciplina que evite os efeitos perversos j
previstos
por Aristteles (Cmara, 1994)20 ;
Finalmente e porque dada a dimenso das sociedades actuais, o
modo
democrtico de funcionar efectiva-se atravs da representao,
fundamental aprender a escolher representantes, a respeit-los e
a
substitu-los de forma pacfica quando no desempenhem devidamente
o
seu papel.
5. Concluso: valor da cultura poltica
De tudo o que atrs foi dito parece ser sensato concluir que uma
cultura
poltica slida factor de coeso social, fundamentando-se na
sabedoria
da solidariedade que se alicera na constatao da interdependncia
e
condio para uma orientao colectiva de qualidade, baseada na
auscultao do querer comum de uma dada populao.
A tarefa de criao de uma cultura poltica adequada no
entanto,
complexa, como julgo ter ficado claro, e exige de todos e de
cada um em
particular o indispensvel e nem sempre fcil contributo.
19 Usa-se esta designao no sentido que lhe foi dado por Paulo
Freire (1972) 20 Na sua tipologia de formas de governo, Aristteles
considerava que as trs formas
clssicas monarquia, aristocracia e democracia correspondentes ao
governo de um, de
alguns ou de todos, apresentavam efeitos perversos que se
traduziam em outras tantas
formas de governo: a tirania, a oligarquia e a anarquia ou
demagogia.
-
22
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