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381 ndiceBMJ 500 (2000)
DIREITO PENAL
Crime de coaco Crime de ofensa integridade fsica simples
Concurso aparente Co-autoria Escolha da pena Ac. do S. T. J., de
2-10-2000, proc. n. 1209/99 ....
Crime de abuso de confiana Elementos tpicos Requisitos da
sentena Fundamen-tao Enumerao dos factos no provados Indicao e
exame crtico dasprovas Recurso Fundamentos do recurso Contradio
insanvel da funda-mentao Erro notrio na apreciao da prova Ac. do S.
T. J., de 11-10-2000,proc. n. 779/99
..........................................................................................................
Perda de instrumentos Produtos e vantagens do crime Os artigos
109. e 111. doCdigo Penal Ac. do S. T. J., de 11-10-2000, proc. n.
2102/2000 .......................
Concurso de crimes Pena nica Perdo Ac. do S. T. J., de
11-10-2000, proc.n. 2446/2000
.............................................................................................................
Trfico de estupefacientes Trfico de menor gravidade Ac. do S. T.
J., de 12-10-2000,proc. n. 170/2000
......................................................................................................
Trfico de estupefacientes Trfico de menor gravidade Jovem adulto
Atenuaoespecial da pena Medida da pena Suspenso da execuo da pena
Ac. doS. T. J., de 12-10-2000, proc. n. 198/2000
................................................................
Crime de homicdio privilegiado Compreensvel emoo violenta Ac. do
S. T. J., de12-10-2000, proc. n. 2197/2000
...............................................................................
Crime de burla Responsabilidade civil Competncia do tribunal
penal Respon-sabilidade extracontratual Absolvio Ac. do S. T. J.,
de 18-10-2000, proc.n. 1915/2000
.............................................................................................................
Trfico de estupefacientes de menor gravidade Suspenso de execuo
da pena Regime de prova Ac. do S. T. J., de 19-10-2000, proc. n.
2803/2000 ..................
Crime de sequestro Consumao Crime de coao Ac. do S. T. J., de
25-10-2000,proc. n. 929/99
..........................................................................................................
Homicdio privilegiado Compreensvel emoo violenta Ac. do S. T.
J., de 25-10-2000,proc. n. 2350/2000
....................................................................................................
Crime de furto Momento da consumao Ac. do S. T. J., de
25-10-2000, proc.n. 2544/2000
.............................................................................................................
61
72
80
82
85
94
100
105
109
118
129
138
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61 Direito PenalBMJ 500 (2000)
Crime de coaco Crime de ofensa integridade fsicasimples Concurso
aparente Co-autoria Escolha da pena
I Tendo os factos, integradores de violncia e de ameaas com mal
importante,provocado medo ao ofendido, visando os arguidos, com
tais violncia e ameaas, lev-loa, contra sua vontade, entregar
dinheiro, e actuando os arguidos em harmonia com opreviamente
acordado para a execuo conjunta do facto, detendo e exercendo o
dom-nio funcional deste, s no conseguindo a entrega do dinheiro
merc da resistncia doofendido, mostra-se integrado o crime de
coaco, na forma tentada, praticado emco-autoria.
II Tendo os agentes actuado em co-autoria, os actos praticados
por cada umdeles, em execuo do plano e de acordo com este, so
imputados, do ponto de vista dailicitude, a todos os demais.
III As ofensas integridade fsica, tratando-se de ofensas
corporais leves, devemconsiderar-se integradas no elemento tpico
violncia do crime de coaco, verifican-do-se, no um concurso
efectivo entre o crime de ofensas integridade fsica simples e
ocrime de coaco, mas antes um concurso aparente, por consuno
daquele crime poreste, cuja pena prevista abrange a proteco do bem
jurdico da integridade fsica pr-prio do tipo legal do crime do
artigo 143. do Cdigo Penal.
IV Face s elevadas exigncias de preveno geral reflectidas no
caso concreto,ligadas ao fenmeno das cobranas de dvidas por meio de
violncia ou ameaas inte-grantes de coaco, inadmissvel numa
sociedade prpria de um Estado de direito demo-crtico, e s
significativas de preveno especial, derivadas da actuao conjunta e
poracordo de quatro agentes, a imposio de pena de multa alternativa
no realiza deforma bastante as finalidades da punio.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIAAcrdo de 4 de Outubro de 2000Processo
n. 1209/99 3. Seco
ACORDAM no Supremo Tribunal de Justia:I
Na 3. Seco da 7. Vara Criminal de Lisboaforam submetidos a
julgamento os arguidos:
1 Sandro Marques de Brito, solteiro, nas-cido a 20 de Maro de
1972, em GovernadorValadares, de nacionalidade brasileira, filho
deDjalma Marques de Brito e de Maria Doracy deBrito, scio gerente
de empresa, residente na Ruade Miguel Torga, lote 28-A-F, Quinta do
Torro,Monte da Caparica;
2 Luciano Marques de Brito, solteiro, nas-cido em 24 de
Fevereiro de 1974, em Governa-dor Valadares, de nacionalidade
brasileira, filhode Djalma Marques de Brito e de Maria Doracyde
Brito, montador de tectos falsos, residente na
Rua de Miguel Torga, lote 28-A-F, Quinta doTorro, Monte da
Caparica,
acusados pelo digno agente do Ministrio P-blico da prtica, em
co-autoria material, de umcrime de coaco na forma consumada,
previstoe punido pelo artigo 154., n. 1, do Cdigo Pe-nal, e o
arguido Sandro ainda de ter praticado,como autor material, um crime
consumado deofensas corporais simples, previsto e punido peloartigo
143., n. 1, do Cdigo Penal, em concursoefectivo com o de coaco.
Foi deduzido pedido de indemnizao civilpelo queixoso Antnio Jos
Correia Martinscontra os arguidos, pedindo-se a condenao so-lidria
destes (e tambm de Antnio Jos MartinsBraz e Joo Manuel Quedas
Matias, arguidosque foram declarados contumazes, tendo-se
or-denado, quanto aos mesmos, a separao de pro-
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62 BMJ 500 (2000)Direito Penal
cessos) no pagamento do montante de 800 000$00,a ttulo de danos
patrimoniais e no patrimoniais,acrescido de juros vincendos at
integral paga-mento.
Por douto acrdo desse Tribunal de 28 deOutubro de l999 foi
decidido:
I Quanto aco:
Julgar a acusao parcialmente procedente,por parcialmente
provada, e, consequentemente:
a) Condenar ao arguidos Sandro Marquesde Brito e Luciano Marques
de Brito,como co-autores materiais de um crimede coaco, na forma
tentada, previsto epunido pelos artigos 22., 23. e 154.,n. 1, do
Cdigo Penal, na pena de 1 anode priso cada um;
b) Nos termos do artigo 1., n. 1, da Lein. 29/99, de 12 de Maio,
declarar per-doada toda a pena de priso aplicada aoarguido Luciano,
sob a condio resolutivaa que alude o artigo 4. da mesma lei;
c) Condenar o arguido Sandro, como autormaterial de um crime de
ofensas corpo-rais simples, previsto e punido pelo ar-tigo 143., n.
1, do Cdigo Penal, na penade 10 meses de priso e, em cmulo jur-dico
desta com a fixada em a), na penanica de 16 meses de priso, cuja
exe-cuo se suspende pelo perodo de 2 anos.
II Quanto ao pedido cvel:
Julgar parcialmente procedente, por par-cialmente provada, a
pretenso indemnizatriado demandante Antnio Jos Correia Martins
e,por via disso, condenar solidariamente os de-mandados/arguidos
Sandro Marques de Brito eLuciano Marques de Brito a pagar-lhe a
quantiade 100 000$00, acrescida de juros vencidos desdea data da
apresentao do pedido e dos que apartir desta data se vencerem, at
integral paga-mento, calculados taxa legal de 10% (Portarian.
1171/95, de 25 de Setembro, e artigo 559. doCdigo Civil), sem
prejuzo de diversa taxa legalque venha a ser estabelecida
posteriormente;
Inconformados com tal deciso, dela recorre-ram ambos os
arguidos.
Nas respectivas motivaes, formularam asconcluses, que se passam
a transcrever:
A) Arguido Sandro Marques de Brito:
1. So elementos constitutivos do crimede ofensas corporais
simples, previsto e punidono artigo 143. do Cdigo Penal, os
seguintes: oelemento objectivo que se consubstancia em cau-sar uma
ofensa na sade ou corpo de outra pes-soa e o elemento subjectivo
que se revela naconscincia do elemento objectivo do tipo e
navontade de o levar a cabo.
2. Assim, tratando-se de um crime de re-sultado (em virtude de a
lei exigir para a consu-mao a produo de um evento material),
paraque algum seja punido pelo artigo 143. do C-digo Penal,
necessrio que haja no s a inten-o de provocar uma leso na sade ou
corpo deoutra pessoa, mas tambm que essa leso se ve-rifique
efectivamente.
3. No presente processo ficou provadoque o queixoso teve dores,
mas no ficou pro-vado que essas dores tenham emergido do em-purro
que o arguido Sandro lhe deu.
4. Assim sendo, a conduta do arguidoSandro no se pode subsumir
ao resultado pu-nido pelo artigo 143. do Cdigo Penal; o
arguidoSandro deve ser absolvido do crime de ofensascorporais
simples, o que se requer.
5. No o tendo feito com o se impunha, otribunal a quo procedeu a
um incorrecto enqua-dramento jurdico penal dos factos provados ecom
isso violou o disposto no artigo 143. doCdigo Penal.
6. So elementos essenciais do crime decoaco, previsto e punido
pelo artigo 154. doCdigo Penal, o uso de violncia ou ameaa commal
importante por parte do agente, com a in-teno de constranger o
ofendido prtica deuma aco ou omisso ou a suportar uma
activi-dade.
7. Nos termos do artigo 22. do CdigoPenal, h tentativa quando o
agente praticaractos de execuo de um crime que decidiu come-ter,
sem que este chegue a consumar-se.
8. O arguido Sandro no praticou quais-quer actos de execuo do
crime de coaco.
9. Da prova produzida apenas ficou apu-rado que o arguido Sandro
se dirigiu morada
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63 Direito PenalBMJ 500 (2000)
onde o queixoso se encontrava, subiu ao 1. andardessa morada e a
entrou para reclamar uma quan-tia a que considerava ter
direito.
10. No se provou que o arguido Sandrotenha utilizado de violncia
contra o queixoso ouque tenha sido ele quem proferiu contra
esteameaas de males futuros.
11. Igualmente no resultou provada quea inteno do arguido
Sandro, ao dirigir-se mo-rada em causa, fosse a de praticar o crime
decoaco.
12. A presena do arguido Sandro no inte-rior do gabinete do
queixoso no pode ser havidacomo acto de execuo do crime de coaco
emnenhuma das modalidades previstas no artigo22. do Cdigo
Penal.
13. Assim, os factos provados no inte-gram as circunstncias dos
artigos 22., 23. e154. do Cdigo Penal.
14. No tendo praticado qualquer acto deexecuo do crime de coaco,
previsto e punidopelo artigo 154. do Cdigo Penal (em conformi-dade
com a descrio de tais actos constante doartigo 22. do Cdigo Penal),
o arguido Sandrodeve ser absolvido do crime de coaco na suaforma
tentada, o que se requer.
15. No o tendo feito como se impunha, otribunal a quo procedeu a
um incorrecto enqua-dramento jurdico penal dos factos provados ecom
isso violou o disposto nos artigos 154.,22. e 23. do Cdigo
Penal.
16. Caso assim no se entenda e venhaeste Tribunal considerar que
o arguido Sandrocometeu os crimes de coaco na forma tentada ede
ofensas corporais simples na forma consu-mada, considera o ora
recorrente que a pena depriso que lhe foi aplicada no se justifica
e exagerada no presente caso.
17. verdade que ambos os crimes emquesto so punveis com pena de
priso ou penade multa, em alternativa.
18. No entanto, a aplicao da pena depriso deve reduzir-se ao
indispensvel e apenas legtima quando, para os fins gerais e
concretosde preveno, no se mostrem adequadas as me-didas no
privativas de liberdade.
19. Nos termos do artigo 71., n. 2, doCdigo Penal a determinao
da medida da pena feita em funo da culpa do agente e das exign-cias
de preveno.
20. A culpa do arguido Sandro foi aferidacom base em factos que
em relao a si no seprovaram, como sejam o uso de violncia fsica ea
ameaa com um mal futuro.
21. No foram, sequer ponderados [comoprescreve que seja feito a
alnea c) do n. 2 doartigo 71. do Cdigo Penal] os motivos que
le-varam o ora recorrente a deslocar-se ao local detrabalho do
queixoso, sendo certo que aqueleconsiderava ser credor da empresa
deste pelovalor de 2 000 000$00, devidos pelo esforo doseu
trabalho.
22. Acresce que o arguido primrio;desde a data em que ocorreu o
incidente em an-lise, o arguido sempre manteve bom comporta-mento,
como atesta o facto de o mesmo serprimrio; o arguido vive com
amigos, facto nor-mal em jovens da sua idade; o arguido sciogerente
de uma empresa do ramo da construocivil; o arguido trabalha.
23. Em suma, o arguido no um delin-quente e no necessita de ser
reintegrado na so-ciedade, pois jamais dela se afastou ou se
sentiuum estranho na mesma, como se demonstrou.
24. Entende-se que a pena de priso, en-quanto sano aplicada ao
arguido Sandro, ma-nifestamente exagerada e desajustada face
snecessidades de preveno e represso futuras.
25. Considera, assim, o ora recorrente que,a entender-se dever o
mesmo ser condenado pelaprtica de um crime de coaco na forma
tentadae de um crime de ofensas corporais simples naforma
consumada, a sano a aplicar-lhe deverser a pena de multa, o que se
requer, a qual sedever ficar muito prxima do mnimo.
26. Mas mesmo que se entenda dever seraplicada ao arguido pena
de priso, entende esteque a pena aplicada pelo tribunal a quo
deverser substancialmente reduzida.
27. Com efeito, quando a pena abstracta-mente aplicvel forma do
crime de ofensas cor-porais simples vai at trs anos e quando
apenasse provou que o arguido Sandro deu um empur-ro ao queixoso,
entende-se que aplicar-lhe penade priso e, em concreto, exactamente
10 mesesde priso manifestamente exagerado e inade-quado, devendo
por isso tal medida ser reduzida,o que se requer.
28. Igualmente, quando a pena abstracta-mente aplicvel forma do
crime de coaco na
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64 BMJ 500 (2000)Direito Penal
forma tentada, por efeito da atenuao especialprevista nos
artigos 23., n. 2, 72., n. 1, e 73.,n. 1, alneas a) e c), todos do
Cdigo Penal, vaiat 2 anos de priso ou multa at 240 dias,
enten-de-se que aplicar-lhe pena de priso e, em con-creto,
exactamente metade da pena mxima depriso aplicvel ao caso,
manifestamente exa-gerado, devendo por isso tal medida ser
redu-zida, o que se requer.
29. Aos factos acima mencionadosacresce que nos termos do artigo
29. do CdigoPenal cada comparticipante punido segundo asua culpa,
independentemente da punio ou dograu de culpa dos outros
comparticipantes.
30. A conduta do arguido Sandro no pode,com justeza
considerar-se grave.
31. Pelo atrs exposto, entende-se queno foram ponderados como
deviam os critrioslegais para determinao da pena concreta e
damedida da pena, pelo que o acrdo recorridoviolou o disposto nos
artigos 70., 71. e 72.,todos do Cdigo Penal.
32. Por ltimo, tendo o acrdo recorridocondenado o arguido Sandro
ao pagamento dejuros de mora sobre o montante de
indemnizaoarbitrado taxa de 10%, violou o disposto naPortaria n.
269/99, de 12 de Abril.
33. Assim, impe-se que, caso o arguidoSandro seja efectivamente
condenado no paga-mento de uma indemnizao ao queixoso, mesma devam
acrescer juros de mora contadossobre o valor arbitrado taxa de 10%
desde adata do pedido at ao dia 16 de Abril de 1999 e taxa de 7%
desde 17 de Abril de 1999 at integrale efectivo pagamento, sem
prejuzo de diversataxa que venha a ser estabelecida
posterior-mente, conforme Portarias n.os 1171/95, de 25 deSetembro,
e 268/99, de 12 de Abril.
Nestes termos, requer-se seja dado provi-mento ao presente
recurso, revogando-se oacrdo recorrido nos termos enunciados.
B) Arguido Luciano Marques de Brito:
1. So elementos essenciais do crime decoaco, previsto e punido
pelo artigo 154. doCdigo Penal, o uso de violncia ou ameaa commal
importante por parte do agente, com a inten-o de constranger o
ofendido prtica de umaaco ou omisso ou a suportar uma
actividade.
2. Nos termos do artigo 22. do CdigoPenal, h tentativa quando o
agente praticaractos de execuo de um crime que decidiu come-ter,
sem que este chegue a consumar-se.
3. O arguido Luciano no praticou quais-quer actos de execuo do
crime de coaco.
4. Da prova produzida apenas ficou apu-rado que o arguido
Luciano se dirigiu moradaonde o queixoso se encontrava, subiu ao 1.
an-dar dessa morada e a ficou, do lado de fora dogabinete do
queixoso, nas escadas junto portaque d acesso ao mesmo.
5. Por seu turno, resulta do acrdo recor-rido, e com isso se
fundamenta a deciso, que oqueixoso afirmou ter sido agredido e
constran-gido no interior do seu gabinete, no qual o ar-guido
Luciano comprovadamente no entrou.
6. Donde resulta que o constrangimentode que o queixoso possa
ter sido alvo, por tersido cometido no interior do seu gabinete,
nofoi praticado pelo ora recorrente.
7. No se provou que o arguido Lucianotenha utilizado de violncia
contra o queixoso ouque tenha sido ele quem proferiu contra
esteameaas de males futuros.
8. Igualmente no resultou provada que ainteno do arguido
Luciano, ao dirigir-se mo-rada em causa, fosse a de praticar o
crime decoaco.
9. A presena do arguido Luciano nas es-cadas que do acesso ao
gabinete do queixosono pode ser havida como acto de execuo docrime
de coaco em nenhuma das modalidadesprevistas no artigo 22. do Cdigo
Penal.
10. Assim, os factos provados no inte-gram as circunstncias dos
artigos 22., 23. e154. do Cdigo Penal.
11. No tendo praticado qualquer acto deexecuo do crime de coaco,
previsto e punidopelo artigo 154. do Cdigo Penal (em conformi-dade
com a descrio de tais actos constante doartigo 22. do Cdigo Penal),
o arguido Lucianodeve ser absolvido do crime de coaco na suaforma
tentada, o que se requer.
12. No o tendo feito como se impunha, otribunal a quo procedeu a
um incorrecto enqua-dramento jurdico penal dos factos provados ecom
isso violou o disposto nos artigos 154.,22. e 23. do Cdigo
Penal.
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65 Direito PenalBMJ 500 (2000)
13. Caso assim no se entenda e venhaeste Tribunal considerar que
o arguido Lucianocometeu o crime de coaco na forma
tentada,considera o ora recorrente que a pena de prisoque lhe foi
aplicada no se justifica e exageradano presente caso.
14. verdade que o crime de coaco punvel com pena de priso ou
pena de multa,em alternativa.
15. No entanto, a aplicao da pena depriso deve reduzir-se ao
indispensvel e apenas legtima quando, para os fins gerais e
concretosde preveno, no se mostrem adequadas as me-didas no
privativas de liberdade.
16. Nos termos do artigo 71., n. 2, doCdigo Penal, a determinao
da medida da pena feita em funo da culpa do agente e das exign-cias
de preveno.
17. A culpa do arguido Luciano foi aferidacom base em factos que
em relao a si no seprovaram, como sejam o uso de violncia fsica ea
ameaa com um mal futuro.
18. Acresce que o arguido primrio;desde a data em que ocorreu o
incidente em an-lise, o arguido sempre manteve bom comporta-mento,
como atesta o facto de o mesmo serprimrio; o arguido tem uma famlia
constituda,pois vive em unio de facto; a mulher do arguidono
trabalha, sendo domstica; o arguido tem umafilha com 1 ms de idade;
o arguido scio deuma empresa do ramo da construo civil; o ar-guido
trabalha; o arguido tem casa prpria, paraaquisio da qual recorreu a
emprstimo ban-crio.
19. Em suma, o arguido no um delin-quente e no necessita de ser
reintegrado na so-ciedade, pois jamais dela se afastou ou se
sentiuum estranho na mesma, como se demonstrou.
20. Entende-se que a pena de priso, en-quanto sano aplicada ao
arguido Luciano, manifestamente exagerada e desajustada face
snecessidades de preveno e represso futuras.
21. Considera, assim, o ora recorrente que,a entender-se dever o
mesmo ser condenado pelaprtica de um crime de coaco na forma
tentada,a sano a aplicar-lhe dever ser a pena de multa,o que se
requer, a qual se dever ficar muito pr-xima do mnimo.
22. Mas mesmo que se entenda dever seraplicada ao arguido pena
de priso, entende este
que a pena aplicada pelo tribunal a quo deverser
substancialmente reduzida.
23. Com efeito, quando a pena abstracta-mente aplicvel forma do
crime em causa naforma tentada, por efeito da atenuao
especialprevista nos artigos 23., n. 2, 72., n. 1, e 73.,n. 1,
alneas a) e c), todos do Cdigo Penal, vaiat 2 anos de priso ou
multa at 240 dias, enten-de-se que aplicar-lhe pena de priso e, em
con-creto, exactamente metade da pena mxima depriso aplicvel ao
caso, manifestamente exa-gerado, devendo por isso tal medida ser
redu-zida, o que se requer.
24. Aos factos acima mencionados acresceque nos termos do artigo
29. do Cdigo Penalcada comparticipante punido segundo a suaculpa,
independentemente da punio ou do graude culpa dos outros
comparticipantes.
25. A conduta do arguido Luciano bemdistinta da dos demais
co-arguidos neste pro-cesso e por isso inaceitvel que seja
condenado mesmssima pena.
26. Pelo atrs exposto, entende-se queno foram ponderados como
deviam os critrioslegais para determinao da pena concreta e
damedida da pena, pelo que o acrdo recorridoviolou o disposto nos
artigos 70., 71. e 72.,todos do Cdigo Penal.
27. Por ltimo, tendo o acrdo recorridocondenado o arguido
Luciano ao pagamento dejuros de mora sobre o montante de
indemnizaoarbitrado taxa de 10%, violou o disposto naPortaria n.
269/99, de 12 de Abril.
28. Assim, impe-se que, caso o arguidoLuciano seja efectivamente
condenado no paga-mento de uma indemnizao ao queixoso, mesma devam
acrescer juros de mora contadossobre o valor arbitrado taxa de 10%
desde adata do pedido at ao dia 16 de Abril de 1999 e taxa de 7%
desde 17 de Abril de 1999 at integrale efectivo pagamento, sem
prejuzo de diversataxa que venha a ser estabelecida
posterior-mente, conforme Portarias n.os 1171/95, de 25 deSetembro,
e 269/99, de 12 de Abril.
Nestes termos, requer seja dado provimentoao presente recurso,
revogando-se o acrdorecorrido nos termos enunciados.
Na sua douta resposta, a Ex.ma Magistrada doMinistrio Pblico no
tribunal de 1. instncia
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66 BMJ 500 (2000)Direito Penal
pugnou pela improcedncia, na totalidade, de am-bos os recursos,
por entender correctas as incri-minaes e ajustadas as penas.
Subidos os autos a este Supremo Tribunal, oEx.mo
Procurador-Geral Adjunto, quando da vistanos termos do artigo 416.
do Cdigo de Pro-cesso Penal, pronunciou-se no sentido de nadaobstar
ao conhecimento do recurso, Igual enten-dimento constou do despacho
preliminar.
Corridos os vistos, realizou-se a audincia comobservncia das
formalidades legais, cumprindoagora decidir.
II
Relativamente deciso de facto, o doutoacrdo recorrido
consignou:
Factos provados (1):
1 O queixoso Antnio Jos Correia Mar-tins era um dos scios da
Termovouga Cons-trues e Planeamento, L.da
2 O arguido Sandro era (em 1996) e ainda um dos scios gerentes
da firma Tetiplaca Sociedade de Montagens e Construo Civil,
L.da
3 O arguido Luciano actualmente (desdeFevereiro de 1999) um dos
scios da Tetiplaca,L.da, empresa que realizou uma obra para
aTermovouga, L.da
4 Em 7 de Maro de 1996, a Tetiplacaintentou uma aco declarativa
de condenaocom processo ordinrio contra a Termovouga noTribunal
Judicial de Almada, relacionada com adita obra realizada em
Portalegre, na Escola Su-perior de Tecnologia e Gesto do Instituto
Poli-tcnico de Portalegre.
5 Em 30 de Setembro de 1996 foi tentada acitao da r na Rua de
Santa Marta; tal dilign-cia no teve xito em virtude de o scio que
aexerce a sua actividade profissional ter infor-mado o Tribunal que
no tinha poderes para re-ceber a referida citao em virtude de j ter
cessadoos poderes de gerncia e ter acrescentado que asede da r
Termovouga se situava na Avenida daRainha D. Amlia, 18, rs-do-cho,
direito, emLisboa.
6 Em Janeiro de 1997, o arguido Sandroconsiderava que a
Termovouga devia Tetiplacacerca de 2 000 000$00 correspondentes a
partedo preo daquela obra, do que deu conhecimentoao arguido
Luciano, seu irmo, e aos outros doisarguidos.
7 Tendo descoberto o local onde o quei-xoso se encontrava a
trabalhar, os dois arguidosjuntamente com os arguidos Antnio e Joo,
nodia 10 de Janeiro de 1997, cerca das 10.30 horas,mediante prvio
acordo, dirigiram-se Azinhagada Francelha, letras ASr, na Quinta do
Figo Ma-duro, no Prior Velho, rea desta comarca.
8 A chegados, pretextaram que queriamfalar com o queixoso a
propsito de um negcio,tendo o mesmo disso sido informado pela
suasecretria, na sequncia do que os mandou subirao gabinete onde se
encontrava a trabalhar, si-tuado no 1. andar.
9 O arguido Sandro, juntamente com osarguidos Antnio e Joo,
entraram no gabinetedo queixoso, enquanto o arguido Luciano
perma-necia porta numas escadas que davam acessoao mesmo.
10 O arguido Sandro j dentro do referidogabinete exigiu ao
queixoso que lhe desse o di-nheiro da dvida supra-referida.
11 O queixoso negou-se a entregar-lhe qual-quer dinheiro,
alegando que j no era scio daTermovouga e que nenhum conhecimento
tinhada alegada dvida desta para com a Tetiplaca.
12 Ento, um dos trs arguidos que esta-vam dentro do gabinete e
que no foi possveldeterminar acercou-se do queixoso e,
empurran-do-o contra a parede e os mveis e puxando-lheo n da
gravata apertando-lhe o pescoo, exigiu--lhe que lhe desse o
referido dinheiro, o que oqueixoso continuou a recusar.
13. Na mesma ocasio e lugar o arguidoSandro derrubou um vaso que
estava sobre umamesa do gabinete do queixoso e desferiu
aindaempurres contra este.
14 O queixoso gritou ento para Carla Ga-lego, a secretria que
inicialmente tinha atendidoos arguidos e que estava num gabinete ao
lado dodele, pedindo-lhe para esta chamar a polcia, oque ela tentou
fazer, do que foi impedida por umdos arguidos, que no foi possvel
determinar.
15 Os arguidos, vendo que no conse-guiam os seus intentos,
abandonaram as instala-
(1) Subordinaremos a nmeros a indicao dos factos, pornossa
iniciativa, para maior facilidade de referncia.
-
67 Direito PenalBMJ 500 (2000)
es dizendo um deles, que no foi possvel de-terminar, ao queixoso
que havia de pagar a dvidae que se no pagasse quem iria sofrer
seria a suamulher e os seus filhos.
16 Das agresses resultaram para o ofen-dido dores e incmodos de
que no necessitou dereceber tratamento hospitalar.
17 O ofendido ficou com medo.18 Ao actuar da forma descrita, de
comum
acordo e em conjugao de esforos, os arguidosquiseram valer-se da
circunstncia de serem qua-tro e obrigar, pela violncia da fora e
superiori-dade fsica, o ofendido a entregar-lhes o dinheiro,o que
no conseguiram por razes alheias suavontade e quiseram faz-lo
sentir medo das con-sequncias da sua recusa, o que conseguiram.
19 O arguido Sandro quis ainda molestarfisicamente o
queixoso.
20 Agiram de forma livre e deliberada econhecendo a
censurabilidade das suas condutas.
21 O arguido Sandro solteiro.22 Exerce a profisso de
carpinteiro, de
que aufere cerca de 100 000$00/ms.23 Vive em casa de uns
amigos.24 Tem o 8. ano.25 Afirmou que nunca respondeu nem tem
processos pendentes.26 Confessou parcialmente os factos, ad-
mitindo ter sido ele quem primeiro exigiu o di-nheiro ao
queixoso e ter-lhe dado um empurro,mas sustentando que aquele o
empurrou primeiro.
27 O arguido Luciano solteiro mas viveem unio de facto, da qual
tem um filho com1 ms de idade, sendo a companheira domstica.
28 Exerce a profisso de pintor da cons-truo civil, de que aufere
cerca de 150 000$00/ms;
29 Vive em casa prpria, que adquiriu porrecurso ao crdito
bancrio, suportando uma pres-tao mensal de 56 000$00.
30 Tem o 7. ano.31 Afirmou que nunca respondeu nem tem
processos pendentes.32 Confessou parcialmente os factos,
admi-
tindo ter permanecido nas escadas junto ao ga-binete do queixoso
enquanto aqueles decorriam.
Factos no provados:
Foi o arguido Joo quem se acercou doqueixoso e, empurrando-o
contra a parede e os
mveis e puxando-lhe o n da gravata apertan-do-lhe o pescoo, lhe
exigiu que lhe desse o di-nheiro;
Os arguidos Sandro e Antnio se manti-nham junto porta do
escritrio, impedindo oqueixoso de sair;
O arguido Sandro tenha dito ao ofendidoque se no lhe desse o
dinheiro lhe dava um tiroe que a sua famlia sofreria retaliaes, nem
quetenha sido o mesmo arguido quem impediu a CarlaGalego de
telefonar PSP;
O queixoso deu um empurro ao arguidoSandro;
O arguido Sandro, ao empurrar o queixoso,tenha visado
defender-se e ser alvo de qualqueragresso;
O arguido Sandro tenha empurrado o quei-xoso contra o mobilirio
do escritrio;
O arguido Sandro, ao sair das instalaes,tenha dito ao queixoso o
senhor h-de pagaresta dvida;
Das agresses infligidas pelos arguidosresultaram para o queixoso
diversas contuses ehematomas;
O ofendido, aps os factos, tenha alteradoo seu modo normal e
habitual de vida e nuncamais viveu descansado, passando a viver
commedo e num estado de permanente sobressalto,tal como a sua
famlia;
O ofendido tenha abandonado a sua resi-dncia durante dois meses,
indo dormir para casade um irmo;
O ofendido acorde frequentemente em so-bressalto e com sonhos
relacionados com o seusequestro e o dos seus filhos menores;
O preo da obra realizada a favor da Ter-movouga no tinha sido
integralmente pago;
A aco intentada em Almada tenha tidopor objecto o diferendo
relativo ao pagamentodo preo;
Durante um ano, a Termovouga furtou-se,de m f, citao naquela
mesma aco e re-cusava as cartas de citao justificando que o nomeda
empresa no estava completo, mudava de sede(para que as cartas
fossem devolvidas) e mudavade gerncia (para obstar a que os
representanteslegais fossem citados atravs de funcionrio);
Durante a ano de 1996 foi impossvelcontactar via telefnica com a
Termovouga;
-
68 BMJ 500 (2000)Direito Penal
O arguido Sandro quando no dia dos factosse dirigiu s instalaes
onde trabalhava o quei-xoso pretendia reunir com alguns dos
respons-veis da Termovouga e pretendia propor um acordoe reduzir um
pouco a dvida daquela;
O arguido Sandro no dia dos factos estavaacompanhado dos
restantes co-arguidos, porquede seguida iriam juntos para as
instalaes deuma outra obra que tinham em curso;
A nova morada da Termovouga fosse nolocal onde ocorreram os
factos;
Quando os arguidos chegaram ao referidolocal tenham perguntado
onde era o gabinete dogerente da Termovouga;
Apenas o arguido Sandro e o arguido Jooentraram no gabinete do
queixoso;
O arguido Luciano estava bem afastado daporta do gabinete do
queixoso;
O arguido Luciano pessoa calma e conci-liadora;
A Termovouga protelou constantementeo cumprimento da sua
obrigao, alegando de-feitos que no existiram. Do preo acordado(3
046 738$00), a Termovouga apenas pagou aquantia de 950 000$00;
A Termovouga foi condenada na aco deAlmada;
O arguido Sandro conseguiu apurar que aresponsabilidade dos
defeitos alegados no eraimputvel sua empresa;
A partir da 2. quinzena de Dezembro de1995, os gerentes da
Termovouga deixaram deestabelecer quaisquer contactos e j nem
sequerse dignavam receber nenhum dos scios da Teti-placa ou sequer
atender as chamadas telefnicasdestes;
Foi enviada carta para citao da r Termo-vouga para a sua sede
sita na Avenida da RainhaD. Amlia, 18, rs-do-cho, direito, em
Lisboa, aqual veio a ser devolvida com a meno Re-cusada em virtude
de o nome da firma no estarcompleto;
Foi enviada nova carta de citao da rTermovouga e enviada para a
mesma morada, aqual foi devolvida com a meno Mudou-se semdeixar
nova morada;
A empresa do arguido Sandro requereuinformao Conservatria do
Registo Comer-cial de Lisboa, tendo tomado conhecimento quea sede
da Termovouga havia sido transferida;
No incio de Janeiro de 1997, atravs doservio informativo 118 e
depois de algumas di-ligncias e cruzamento de informaes, a em-presa
do arguido Sandro conseguiu saber quetodos os trabalhadores da
Termovouga e bemassim o queixoso se haviam mudado na totali-dade
para a morada onde ocorreram os factos.
Motivao da deciso de facto:
A convico do Tribunal formou-se a partirda anlise crtica das
declaraes dos prpriosarguidos, do depoimento das testemunhas
ouvi-das e documentos juntos aos autos, tendo-seainda feito apelo
ao conhecimento do mundo eda vida e s regras da experincia comum,
prin-cipalmente no que concerne ao dolo.
O arguido Sandro, como se provou, confes-sou parcialmente os
factos. Admitiu mesmo terdado um empurro ao ofendido, s que
susten-tou t-lo feito para se defender, o que no con-venceu, vista
a superioridade fsica em que seencontrava, uma vez que estava
acompanhadopelos outros trs arguidos.
O arguido Luciano tambm confirmou queestava nas escadas junto ao
gabinete o quei-xoso enquanto os seus co-arguidos estavam
nointerior.
Por seu turno, o queixoso confirmou ter sidoagredido e
constrangido no interior do gabinete enegou ter empurrado algum dos
arguidos, notendo, contudo, sido capaz de precisar qual opapel
desempenhado por cada um dos arguidos.Igual testemunho foi prestado
por Carla Galego,pessoa que atendeu inicialmente os arguidos e
osencaminhou para o gabinete do queixoso, a qual,estando num
gabinete ao lado do daquele, se aper-cebeu das intenes dos arguidos
e tentou cha-mar a PSP, do que foi impedida por um dosarguidos, no
sendo, todavia, capaz de identifi-car qual deles a impediu.
Foi ainda importante o depoimento da teste-munha Jos Matos,
trabalhador no mesmo localonde os factos ocorreram e que, alertado
para osmesmos pela testemunha Carla Galego, acorreuao gabinete do
queixoso, tentando acalmar os ni-mos do mesmo passo que viu o
arguido Sandro aempurrar aquele.
Tais depoimentos, embora com pequenas con-tradies aqui e ali,
convenceram da iseno e doessencial afirmado.
-
69 Direito PenalBMJ 500 (2000)
A testemunha Vtor Lopes, ouvida por depre-cada, que confirmou
ter ouvido a discusso e depermeio barulhos de pontaps e pressentia
em-purres, tambm no viu a quem eram dirigidosnem quem empurrava
quem.
Mais disse esta testemunha que nos dias se-guintes o queixoso
denotava comportamentonormal.
A testemunha Maria Granadeiro em nadacontribuiu para o
esclarecimento dos factos oumesmo para o apuramento da
personalidade dosarguidos.
das regras da experincia comum que nin-gum se presta a ir a um
local exigir dinheiro a umsuposto devedor sem que previamente saiba
aoque vai.
Tiveram-se em conta os documentos defls. 285 a 289, 324 a 332,
357 a 359 e 362 e 363(alguns deles repetidos) e atentou-se no
certifi-cado do registo criminal dos arguidos (fls. 46, 89e
53).
Por fim, deu-se crdito s declaraes dos ar-guidos no que concerne
s respectivas situaespessoais, familiares e profissionais.
III
As questes a decidir so pois as seguintes:
a) Os factos provados no integram a pr-tica por qualquer dos
arguidos do crimede coaco na forma tentada, por queforam condenados
como co-autores ma-teriais?
b) O factualismo apurado no permite con-siderar cometido pelo
arguido Sandro ocrime de ofensa integridade fsica sim-ples, em que
o douto acrdo o condenoucomo co-autor material?
c) A considerarem-se praticados pelos ar-guidos Sandro e Luciano
os referidos cri-mes, as penas aplicadas deviam ter sidode multa e
no de priso, atento o critriode escolha da pena estabelecido no
artigo70. do Cdigo Penal?
d) A concluir-se ser adequada a aplicao depenas de priso, as
medidas concretas des-sas penas em que os arguidos foram
con-denados apresentam-se excessivas, pordesproporcionadas face aos
critrios doartigo 71. do Cdigo Penal.
e) A manter-se a condenao dos arguidosno pagamento da
indemnizao, deve seralterada a taxa dos juros no sentido de serno
de 10% desde a data do pedido atintegral pagamento, mas de essa
taxa res-peitar apenas ao perodo que decorre dadata do pedido at 16
de Abril de 1999,devendo a taxa, a partir dessa data, ser de7%, por
fora da Portaria n. 266/99, de12 de Abril?
1. Apreciemos a questo sintetizada sob aalnea a), relativa
condenao dos arguidos pelocrime de coaco.
Da conjugao dos factos provados com odisposto nos artigos 154.,
n.os 1 e 2, 22. e 26.,todos do Cdigo Penal, resultam integrados
oselementos do tipo objectivo e do tipo subjectivodo crime de
coaco, na forma tentada, pratica-dos pelos arguidos como co-autores
materiais:
O queixoso foi vtima de violncia, traduzidanos factos descritos
sob os n.os 12, 13 e 16, e deameaas com mal importante para sua
mulher eseus filhos, que lhe provocaram medo (factosdescritos sob
os n.os 15 e 17), visando tais vio-lncia e ameaas praticados pelos
arguidos levaro queixoso a, contra a sua vontade, portanto
cons-trangido, entregar dinheiro que o arguido Sandroinvocava ser
devido por empresa de que o quei-xoso seria scio a empresa de que
eram scios elee o co-arguido Luciano(factos descritos sob osn.os 1
a 14);
Os arguidos agiram com a inteno de conse-guir, por esses meios,
forar o arguido entregado dinheiro, actuando de forma livre e
deliberadae conhecendo a censurabilidade das suas condu-tas (factos
descritos sob os n.os 18 e 20, conjuga-dos com os que o so sob os
n.os 6 a 17 e 19),portanto com dolo, sob a forma de dolo
directo;
Os arguidos no conseguiram que o arguidoentregasse o dinheiro,
apesar dos descritosactos, manifestamente de execuo [artigo 22.,n.
2, alneas a) e b), do Cdigo Penal], por vir-tude da reaco do
queixoso, que se recusou afaz-lo e gritou para que a secretria
chamasse apolcia, circunstncias estas independentes davontade dos
arguidos (cfr. n.os 11, 14 e 15 doelenco dos factos provados e n. 1
do citado ar-tigo 22.);
-
70 BMJ 500 (2000)Direito Penal
Todos os arguidos actuaram em harmonia comprvio acordo entre
todos eles para a execuoconjunta do facto (n.os 7 e 18 do elenco
dos fac-tos provados), execuo em que todos intervie-ram
directamente e detendo e exercendo odomnio funcional do facto
(incluindo o arguidoLuciano, que, ficando embora porta do gabi-nete
do queixoso, no deixou de actuar em har-monia com o plano formulado
ex ante de seremos quatro a apresentarem-se na empresa do quei-xoso
para, pela superioridade fsica da resul-tante, conseguirem com xito
o constrangimentoprojectado (cfr., nomeadamente, o n. 18 do elen-co
dos factos provados);
Agiram assim em co-autoria material (artigo26. do Cdigo Penal),
pelo que os actos pratica-dos por cada um deles na execuo do
referidoplano e de acordo com este so igualmente impu-tados, do
ponto de vista da ilicitude, a todos osdemais (2).
Improcede, pois, este fundamento comum aambos os recursos.
2. Apreciemos agora a questo sintetizadasob a alnea b), relativa
ao crime de ofensas integridade fsica simples em que o douto
acrdocondenou tambm o recorrente Sandro.
Pretende ele que no pode imputar-se-lhe aprtica deste crime por
no ter ficado provadoque as dores sofridas pelo queixoso tenham
resul-tado do empurro que esse arguido lhe deu.
No lhe assiste, porm, razo.Os factos provados significam que a
ofensa
do corpo do queixoso, traduzida nas referidasdores, resultou
adequadamente das descritasagresses praticadas pelo recorrente e
co-argui-dos Antnio e Joo, em manifesta co-autoriamaterial, pelo
que, como se referiu a propsitodo crime de coaco, so todos
responsveis peloconjunto dos actos, e suas consequncias,
prati-cados conjuntamente de harmonia com o planode execuo
acordado, independentemente daautoria individual de cada um desses
actos.
Verifica-se porm que este crime de ofensa integridade fsica
simples no se encontra em re-lao de concurso efectivo com o crime
de coac-o, mas antes numa relao de concurso aparente,por consuno
daquele crime por este. Tratan-do-se de ofensas corporais leves,
devem efecti-vamente considerar-se integradas no elementotpico
violncia do crime de coaco, cuja penaprevista abrange, nesse caso,
a proteco do bemjurdico da integridade fsica prprio do tipo le-gal
de crime do artigo 143. do Cdigo Penal (3).
No deve por isso ser objecto de punio au-tnoma o crime de ofensa
integridade fsicasimples.
3. Apreciemos agora as questes relativas spenas, sintetizadas
sob as alneas c) e d), nestemomento limitadas s referentes ao crime
decoaco, atento o decidido quanto consunopor este do crime de
ofensa integridade fsicasimples.
Considerando as elevadas exigncias de pre-veno geral reflectidas
no caso concreto, ligadasao fenmeno das cobranas de dvidas por
meiode violncias ou ameaas integrantes de coaco,inadmissvel numa
sociedade prpria de um Es-tado de direito democrtico, e ao
circunstancia-lismo indiciador de significativas exigncias
depreveno especial, traduzidas designadamentena actuao conjunta e
por acordo de quatro agen-tes, a pena de multa no se apresenta como
bas-tante para a realizao das finalidades da punio.
por isso de manter a opo do douto acrdorecorrido pela pena de
priso, considerado quefoi o disposto no artigo 70. do Cdigo
Penal.
Relativamente determinao, nos termos dosartigos 40. e 71. do
Cdigo Penal, da medidaconcreta das penas, dentro de uma moldura
abs-tracta que se situa entre um ms e dois anos depriso, atentas as
disposies conjugadas dosartigos 154., n. 1, 23., n. 2, e 73., n. 1,
al-neas a) e b), do Cdigo Penal, afigura-se-nos oseguinte:
Considerando que a ilicitude se mostra de graumdio, que o dolo
se reveste da forma directa e se(2) Neste sentido, cfr., v. g.,
Acrdos do Supremo Tribu-
nal de Justia de 24 de Fevereiro de 1999, processo n. 1136/98,
de 18 de Maro de 1999, processo n. 1116/98, de 6 deOutubro de 1999,
processo n. 698/99, de 10 de Novembro de1999, processo n. 1008/99,
de 15 de Dezembro de 1999, pro-cesso n. 723/99.
(3) Neste sentido, cfr., v. g., Taipa de Carvalho e PaulaRibeiro
de Faria, Comentrio Conimbricense do Cdigo Pe-nal, parte especial,
tomo I, pgs. 368 e 217, respectivamente.
-
71 Direito PenalBMJ 500 (2000)
apresenta intenso, mais pronunciado relati-vamente ao arguido
Sandro, e atendendo s pro-vadas condies pessoais e profissionais
dosarguidos, a indiciar razovel integrao social; ebem assim ausncia
de antecedentes criminais,circunstncia a relacionar com as idades
dos ar-guidos, as penas de 10 meses para o arguidoSandro e de 7
meses para o arguido Luciano apre-sentam-se como adequadas ao grau
de culpa decada um dos arguidos (cfr. artigo 29. do CdigoPenal), s
fortes necessidades concretas de pre-veno geral positiva ou de
integrao e, dentroda moldura de preveno geral, tambm s apre-civeis
exigncias de preveno especial de so-cializao.
Atendendo, porm, ausncia de anteceden-tes criminais dos
arguidos, s suas idades e cir-cunstncia de estarem
profissionalmente beminseridos, apresenta-se como positivo o juzo
deprognose no sentido de que a simples censura dofacto e a ameaa da
priso realizam de formaadequada e bastante as finalidades,
essencialmentepreventivas, da punio.
Por isso, nos termos do artigo 50., n. 1, doCdigo Penal, deve
suspender-se, pelo perodode dois anos, a execuo das penas de priso
emque os arguidos vo condenados.
Por virtude dessa suspenso, no de con-siderar a aplicao de perdo
nos termos da Lein. 29/99, de 12 de Maio, atento o disposto
noartigo 6. dessa lei.
4. Relativamente questo dos juros, sinte-tizada sob a alnea e),
assiste razo aos arguidos,porm com a correco de que a taxa de 7%
devida desde a data de 12 de Abril de 1999, porfora da Portaria n.
263/99.
IV
Em conformidade, julgando em parte proce-dente o recurso,
revoga-se parcialmente o doutoacrdo recorrido, decidindo-se:
a) Condenar os arguidos Sandro Marquesde Brito e Luciano Marques
de Brito,como co-autores materiais de um crimede coaco na forma
tentada, previsto epunido pelas disposies combinadas dosartigos
154., n.os 1 e 2, 22., 23., n.os 1 e2, e 73., n. 1, alneas a) e b),
todos doCdigo Penal, nas penas, respectiva-mente, de 10 e 7 meses
de priso;
b) Absolver o arguido Sandro Marques deBrito do crime de ofensa
integridade f-sica simples, previsto e punido pelo ar-tigo 143., n.
1, do Cdigo Penal, por seencontrar numa relao de consuno como crime
de coaco referido na alnea a);
c) Suspender, pelo perodo de dois anos, nostermos do artigo 50.,
n. 1, do CdigoPenal, as penas, referidas na alnea a), emque os
arguidos vo condenados;
d) Determinar que a taxa dos juros vencidose vincendos relativos
indemnizao emque os arguidos foram condenados serde 7% no perodo
posterior a 12 de Abril,por fora da Portaria n. 263/99, sem
pre-juzo de diversa taxa legal que venha a serestabelecida
posteriormente.
So devidas custas pelos arguidos, fixando-sea taxa de justia em
6 UCs.
Lisboa, 4 de Outubro de 2000.
Gomes Leandro (Relator) Virglio Oli-veira Mariano Pereira
Leonardo Dias.
DECISO IMPUGNADA:
Acrdo de 28 de Outubro de 1999 da 3. Seco da 7. Vara Criminal de
Lisboa, processon. 493/98.
I Est de acordo com o entendimento uniforme na doutrina e na
jurisprudncia relativamenteaos elementos tpicos do crime de coaco e
tentativa. Cfr., v. g., Amrico Taipa de Carvalho,Comentrio
Conimbricense do Cdigo Penal, parte especial, tomo I, pgs. 352 e
seguintes, MaiaGonalves, Cdigo Penal Portugus Anotado e Comentado,
14. ed., 2001, pgs. 523 e 524, Leal-
-
72 BMJ 500 (2000)Direito Penal
-Henriques/Simas Santos, Cdigo Penal Anotado, vol. 2., 3. ed.,
referncias doutrinrias e resenhajurisprudencial a pgs. 314 e
seguintes.
II Corresponde a posies pacficas da doutrina e da jurisprudncia
no domnio da co-autoria.Cfr., v.g., Eduardo Correia, Direito
Criminal, II, Livraria Almedina, Coimbra, 1971, pgs. 245 e
segs.,Figueiredo Dias, Direito Penal, sumrios, 1976, pgs. 56 e
segs., Maria da Conceio S. Valdgua,Incio da Tentativa do Co-Autor,
Lex, Lisboa 1993, pgs. 137 e segs., Faria e Costa, Formas docrime,
Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judicirios, 1983,
pgs. 169 e seguintes.
III Neste sentido, v. g., Amrico Taipa de Carvalho, Comentrio
Conimbricense do CdigoPenal, Parte Especial, tomo I, pg. 368, Paula
Ribeiro de Faria, Comentrio Conimbricense doCdigo Penal, parte
especial, tomo I, pg. 217. Ver, ainda, Maia Gonalves, Cdigo Penal
PortugusAnotado e Comentado, 14. ed., 2001, anotaes ao artigo
154.
IV Sobre o critrio de escolha da pena, cfr., v.g., Robalo
Cordeiro, A determinao da pena,Jornadas de Direito Criminal Reviso
do Cdigo Penal Alteraes ao Sistema Sancionatrioe Parte Especial,
II, Centro de Estudos Judicirios, pgs. 47 e 48, Figueiredo Dias,
Direito PenalPortugus As Consequncia Jurdicas do Crime,
Aequitas/Editorial Notcias, pgs. 329 e se-guintes.
(R. S. O.)
Crime de abuso de confiana Elementos tpicos Requisitosda sentena
Fundamentao Enumerao dos factos noprovados Indicao e exame crtico
das provas Recurso Fundamentos do recurso Contradio insanvel da
funda-mentao Erro notrio na apreciao da prova
I So elementos tpicos do crime de abuso de confiana no actual
Cdigo Penal,quer na verso inicial de 1982, quer na de 1995:
a) A entrega ao agente, por ttulo no translativo de propriedade,
de coisamvel, entrega essa livre e vlida, em virtude de uma relao
fiduciriaentre o agente e o dono ou detentor da coisa, que
constitua aquele naobrigao de afectar a coisa mvel, que lhe foi
entregue materialmenteou colocada sob a sua disponibilidade, a um
uso determinado ou naobrigao de a restituir;
b) A posterior obrigao da coisa mvel pelo agente, contra a
vontadedo proprietrio ou legtimo detentor desta, atravs da prtica
de actosque exprimem a inverso do ttulo de posse, isto , que o
agente passoua dispor da coisa ut dominus, com animus rem sibi
habendi, integran-do-se no seu patrimnio;
c) A conhecimento pelo agente dos elementos descritos sob as
alneas a)e b) e a vontade de realizar o referido sob a alnea b) ou
a conscinciade que da conduta resulta a sua realizao como
consequncia neces-sria ou como consequncia possvel e
conformando-se, neste ltimocaso, com o resultado.
-
73 Direito PenalBMJ 500 (2000)
II Resultando do elenco dos factos provados que o arguido, no
uso de poderesque o assistente lhe outorgara por procurao, onde se
diz que constituda no interessedo mandatrio e que este fica isento
de prestao de contas, celebrou com terceirocontrato-promessa e
subsequente contrato de venda de bem imvel do assistente, pelopreo
de 20 000 000$00, que recebeu, depositou na sua conta bancria e no
entregouao assistente, apesar de este lho ter solicitado, mas tendo
sido considerado no provadoque o arguido se apropriasse dos 20 000
000$00 entregues como preo da venda efec-tuada, que tal preo no lhe
pertencesse, que agisse livre, deliberada e conscientementea fim de
se apoderar de tal preo, que o fizesse contra a vontade do seu dono
e queconhecesse a ilicitude da sua conduta, manifesto que no podem
considerar-se integra-dos os elementos do tipo objectivo e
subjectivo do crime de abuso de confiana, pelo quese impunha a
decidida absolvio do arguido.
III Sendo de reconhecer que a indicao dos factos considerados no
provadosganharia em clareza substancial e diminuio do risco de
aparncia de conclusividadese efectuada com referncia mais directa,
concreta e pormenorizada a factualismo apon-tado na pronncia, e
sendo tambm de considerar que a indicao e o exame crtico dasprovas
que fundamentaram a deciso de facto no se revestiu da explicitao
que seriamais desejvel para a melhor compreenso e sindicabilidade,
em recurso do processolgico-racional que levou a essa deciso, certo
que a considerao da globalidade dadeciso de facto e da sua
fundamentao leva a ter essa deciso por suficientementecompreensvel,
coerente e justificada, por isso no contraditria, no enfermando
deerro notrio na apreciao da prova nem de insuficincia de
fundamentao.
IV Resultando dessa globalidade ter-se por no provado que o
dinheiro nopertencesse ao arguido e que este tivesse agido com a
vontade de se apoderar do di-nheiro, tendo a conscincia que ele no
lhe pertencia, tal no implica contradioinsanvel com o facto provado
de o arguido ter depositado em seu nome e no ter entre-gue ao
assistente o dinheiro do preo do bem quando da venda, no uso de
poderesconferidos por procurao constituda no interesse do mandatrio
e isentando este daprestao de contas.
V Tal no significa tambm erro notrio na apreciao da prova, no
sentido defacilmente apreensvel pelo homem mdio com a experincia de
julgados, vcio esse que,como o anterior, excludo pela considerao de
que no foi possvel esclarecer a razode ser da outorga da procurao
nesses termos e que da experincia comum que estespodem corresponder
vontade de outorga de uma procurao para realizao de umnegcio em
nome do outorgante mas no interesse do procurador, em harmonia com
aeventual existncia de negcio jurdico subjacente de datio pro
solvendo ou outro, dapodendo resultar que o procurador no tenha a
obrigao de entregar o recebido emconsequncia do uso dos poderes
resultantes da outorga da procurao, nem de prestarcontas.
VI De igual modo, no se verifica insuficincia de fundamentao
pois mostra-sesuficientemente esclarecido que a globalidade da
deciso de facto resultou de no tersido possvel obter prova
testemunhal ou documental que infirmasse ou confirmasse asverses do
arguido e do assistente, designadamente quanto s razes da outorga
daprocurao com as referidas clusulas de o ser no interesse do
procurador e isentandoeste do dever de prestar contas.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIAAcrdo de 11 de Outubro de 2000Processo
n. 779/99
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74 BMJ 500 (2000)Direito Penal
ACORDAM no Supremo Tribunal de Justia:I
Pelo tribunal colectivo de crculo de Portimofoi julgado o
arguido Antnio Olmpio de Albu-querque Pereira, casado, agricultor,
nascido a15 de Maro de 1942, filho de Olmpio da Con-ceio e de
Manuela Camarate de Albuquerque,natural de Milharado, Mafra, e
residente no Mor-gado do Alte, Loul, acusado pelo digno agentedo
Ministrio Pblico e pelo assistente EjlerSchmidt da prtica, como
autor material, de umcrime de abuso de confiana, previsto e
punidopelo artigo 300., n.os 1 e 2, alnea a), do CdigoPenal, verso
de 1982, a que corresponde actual-mente o artigo 205., n.os 1 e 4,
alnea b), doCdigo Penal, verso de 1995.
O assistente deduziu ainda pedido de indem-nizao civil no
montante de 27 666 000$00.
Por acrdo de 11 de Julho de1997 daqueletribunal, foi o arguido
absolvido do crime e dopedido de indemnizao civil.
Desta deciso recorreu o assistente para oSupremo Tribunal de
Justia, que, pelo acrdode fls. 415 e seguintes, julgou procedente o
re-curso, declarando nulo o acrdo recorrido, porviolao do artigo
379., alnea a), referido aoartigo 374., ambos do Cdigo de Processo
Pe-nal, e determinando a repetio do acto decisrio,pelo mesmo
tribunal, para cumprimento do pres-crito no citado artigo 374.
Baixados os autos e reunido de novo o tribu-nal colectivo, veio
a ser proferido acrdo peloqual o arguido foi igualmente absolvido
dos refe-ridos crime e pedido de indemnizao civil.
De novo recorreu o assistente e o SupremoTribunal de Justia,
pelo acrdo de fls. 454 eseguintes, decidiu igualmente no sentido da
nuli-dade do novo acrdo, prevista no artigo 379.,alnea a), com
referncia ao artigo 374., ambosdo Cdigo de Processo Penal,
determinando queo tribunal de 1. instncia procedesse ao sanea-mento
dessa nulidade.
Em sequncia de tal determinao, o mesmotribunal colectivo
proferiu o acrdo de fls. 465a 471, que de novo absolveu o arguido
do crime edo pedido de indemnizao civil.
O assistente novamente recorreu desta deci-so, formulando na sua
motivao as seguintesconcluses:
a) No acrdo recorrido afirmado que nose provou que o arguido se
tivesse apro-priado de 20 000 000$00 entregues comopreo da venda
efectuada e que tal preono lhe pertencesse. Factos que esto
emcontradio com os factos tambm pro-vados, de que o arguido vendeu
um bemdo mandante, recebeu 20 000 000$00 edepositou na sua conta
bancria, tendosido interpelado para os pagar;
b) Quem vende o bem de terceiro no mbitode um mandato e no lhe
faz a entrega domontante recebido, aps ter sido interpe-lado para o
fazer, tem necessariamenteinteno de apropriao e
apropria-seefectivamente dessa importncia, mesmoque no texto da
procurao tenha ficadoestabelecido que o procurador estavaisento de
prestar contas;
c) A matria dada como no provada noconsubstancia verdadeiros
factos, masantes concluses tiradas dos factos pro-vados, contudo,
em sentido contrrio,acabando por contrari-los.
Existe assim contradio insanvel dafundamentao, o que determina o
reenviodo processo para novo julgamento, tendoem conta o disposto
nos artigos 410.,n. 2, alnea b), e 426. do Cdigo de Pro-cesso
Penal;
d) Da matria dada como provada e que aquise d por integralmente
reproduzida, ve-rifica-se que se encontram preenchidosos elementos
do tipo de crime de que oarguido vinha pronunciado;
e) No condenando o arguido, o tribunal esta cometer um erro na
apreciao da prova,facto que determina o reenvio do pro-cesso para
novo julgamento ao abrigo dodisposto nos artigos 426. e 410., n.
2,alnea c), do Cdigo de Processo Penal;
f) Por outro lado, continua o acrdo recor-rido sem estar
suficientemente fundamen-tado, pois a explicao que se veio dar,com
elaborao de novo acrdo, em nadade palpvel acrescenta aos anteriores
acr-dos;
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75 Direito PenalBMJ 500 (2000)
g) Ficmos a saber que as testemunhas nopuseram em causa as
declaraes do as-sistente e arguido, mas, no sabendo oque estes
declararam, ficamos na mesma;
h) Ao nvel do direito, apenas dito que,por no ler havido
apropriao ilegtima(uma concluso e no um facto), nohouve inverso do
ttulo de posse e, con-sequentemente, crime;
i) O tribunal tinha de explicar porque queconsidera no ter
havido apropriao ile-gtima, no o fazendo, ficamos sem sabera razo
da afirmao;
j) Por outro lado, no respondeu o colec-tivo ao facto indicado
no n. 7 da pronn-cia e que consistia em saber se o arguidolinha
entregue a quantia recebida ao seulegtimo dono;
k) Estando ns no mbito de crime de abusode confiana, essencial
saber se o ar-guido entregou ou no o montante emcausa ao seu
legtimo dono. Da leiturado acrdo pode-se tirar a concluso deque
esse montante no foi entregue, con-tudo, tratando-se de um facto
essencial, omesmo tinha de estar indicado como pro-vado ou no
provado;
l) H assim falta de fundamentao do acr-do recorrido, facto que
acarreta a suanulidade, tendo em conta do disposto nosartigos 374.,
n. 2, e 379., alnea a), doCdigo de Processo Penal.
Nestes termos e nos demais de direito queVV. Ex.as doutamente
supriro deve:
a) Ser declarado que existem contradiesinsanveis na fundamentao
do acrdorecorrido, bem como erro notrio na apre-ciao da prova, e,
consequentemente,ordenar-se o reenvio do processo paranovo
julgamento relativamente totali-dade do objecto;
Caso assim doutamente no se entenda,b) Ser declarado que o acrdo
nulo por
falta de fundamentao, ordenando-se acorreco do mesmo.
Na sua resposta, a Ex.ma Magistrada do Mi-nistrio Pblico
defendeu a manuteno do jul-
gado, por entender no ter o acrdo incorridoem qualquer dos vcios
invocados.
Tambm o arguido apresentou motivao, sa-lientando que o acrdo
deve ser mantido por-que est legalmente bem fundamentado e
resultado factualismo provado a ausncia de ilicitude ede inteno
criminosa por parte do arguido, es-tando pendente no tribunal civil
a questo essen-cial, consistente em saber se o arguido deve ouno
prestar contas.
Subidos de novo os autos ao Supremo Tribu-nal de Justia, o Ex.mo
Procurador-Geral Ad-junto, na sua promoo quando da vista nos
ter-mos do artigo 416. do Cdigo de ProcessoPenal, pronunciou-se no
sentido de nada obstarao conhecimento do recurso. Igual
entendimentofoi expresso no despacho preliminar.
Corridos os vistos, teve lugar a audincia dejulgamento com
observncia do formalismo le-gal, cumprindo agora apreciar e
decidir.
II
De acordo com a jurisprudncia pacficadeste Supremo Tribunal, o
mbito do recurso definido pelas concluses extradas pelos
recor-rentes das respectivas motivaes, sem prejuzodo conhecimento
oficioso de certos vcios ou nu-lidades, ainda que no invocados ou
arguidas pe-los sujeitos processuais.
As questes a decidir respeitam, pois, aosinvocados vcios da
contradio insanvel da fun-damentao, do erro notrio na apreciao
daprova e da nulidade resultante de insuficincia dafundamentao.
III
Relativamente deciso de facto, consignou--se no acrdo
recorrido:
Discutida a causa resultou assente que:
1 Ejler Schmidt outorgou, em 1 de Abrilde 1992, no Cartrio
Notarial de Silves, uma pro-curao, que entregou, nessa data, ao
arguido,Antnio Olmpio de Albuquerque Pereira, na qualconferia
poderes para este, em nome daquele,alm do mais, vender pelo preo,
condies eoutras clusulas que entendesse, a pessoa que
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76 BMJ 500 (2000)Direito Penal
lhe aprouvesse, receber o preo e dar quitao,assinar e outorgar
quaisquer documentos pbli-cos ou particulares, tudo relativamente a
im-veis de sua propriedade e na qual se consigna quea mesma
constituda no interesse do manda-trio e o procurador isento da
prestao decontas.
2 Com uso de tal procurao, o arguidoassinou no dia 5 de Maio de
1992, no CartrioNotarial de Silves, um contrato-promessa comeficcia
real, titulado por escritura pblica, noqual, em representao de
Ejler Schmidt, pro-meteu vender sociedade REFI Dados Fis-cais,
Econmicos e Financeiros, L.da, pelo preode 20 000 000$00, o lote de
terreno para cons-truo urbana, designado por lote 12, com a reade
888 m2, no stio das Sesmarias, concelho deAlbufeira, descrito na
Conservatria do RegistoPredial de Albufeira sob o n. 926, lote esse
deEjler Schmidt.
3 Por escritura pblica outorgada no Car-trio Notarial de Silves
em 1 de Julho de 1992, oarguido vendeu, em nome e representao de
EjlerSchmidt, o referido lote aludida sociedade, pelopreo de 20 000
000$00.
4 Como pagamento do preo acima men-cionado a aludida sociedade
entregou ao arguidoa quantia a ele correspondente, atravs de
doischeques n.os 3 372 652 225 e 3 372 649 879, doBanco Comercial
Portugus, passados ordemdo mesmo e que o arguido depositou na sua
con-ta bancria aberta na Caixa de Crdito AgrcolaMtuo de Alte.
5 Ejler Schmidt solicitou ao arguido o pa-gamento de 20 000
000$00 referidos em 3.
No se provou que:
O arguido lograsse obter a procurao a quese alude nos autos;
O arguido se apropriasse de 20 000 000$00,entregues como preo da
venda efectuada;
Tal preo no lhe pertencesse;O arguido agisse livre, deliberada e
conscien-
temente, a fim de se apoderar de tal preo;E que o fizesse contra
a vontade do seu dono;Fundamenta-se o tribunal no teor dos do-
cumentos juntos aos autos, nomeadamente os defls. 9 a 11, 12 a
17, 18 a 21, 22 a 25 e 106 a 109,bem como no teor das declaraes do
arguido edas testemunhas prestadas em audincia final.
E, quanto aos factos no provados, na ausn-cia de qualquer meio
de prova conclusivo emsentido divergente.
Concretamente, determinam a convico dotribunal quanto aos factos
retroconsignados:
1 O teor do documento de fls. 9 a 11,conjugado com as declaraes
do arguido queincidiram sobre factos pessoais e por este
prati-cados, com ponderao das declaraes do assis-tente quanto aos
factos pessoais por este pro-duzidos;
2 O teor do documento de fls. 12 a 17,conjugado com as declaraes
do arguido, queincidiram sobre factos pessoais e por este
prati-cados;
3 O teor do documento de fls. 18 a 21,conjugado com as declaraes
do arguido, queincidiram sobre factos pessoais e por este
prati-cados;
4 O teor do documento de fls. 106 a 109,conjugado com as
declaraes do arguido, queincidiram sobre factos pessoais e por este
prati-cados;
5 O teor do documento de fls. 22 a 25,conjugado com as declaraes
do arguido, queincidiram sobre factos pessoais por este
pratica-dos, e as declaraes do assistente quanto aosfactos pessoais
por este produzidos.
As testemunhas, por sua parte, depuseramcom iseno e
imparcialidade, no pondo emcausa o declarado pelo arguido e
assistente, nemo teor dos documentos, no permitindo assimuma
valorao distinta dos factos no provados.
Acresce que da prova produzida e, nomeada-mente, das declaraes
do arguido e assistenteno se logrou obter qualquer explicao para
arazo de ser do teor da procurao emitida poreste a favor
daquele.
A apreciao das referidas questes implicaque se tenham ainda em
conta os factos impu-tados ao arguido na pronncia, que o
acrdorecorrido alis reproduziu no respectivo relat-rio e cuja
especfica considerao facilita a com-preenso da fundamentao e da
deciso desseacrdo.
Esses factos so os seguintes:
1. Ao queixoso Ejler Schmidt, melhor iden-tificado nos autos a
fls. 142, pertencia um ter-
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77 Direito PenalBMJ 500 (2000)
reno para construo, designado por lote 12, coma rea de 888 m2,
sito no stio das Sesmarias,freguesia e concelho de Albufeira;
2. O arguido logrou que lhe fosse entregueuma procurao assinada
pelo queixoso no dia1 de Abril de 1992 no Cartrio Notarial de
Sil-ves, na qual lhe foram conferidos poderes para,em nome do
queixoso, alm do mais, vender pelopreo, condies e outras clusulas
que enten-desse, a pessoa que lhe aprouvesse, receber opreo e dar
quitao, assinar e outorgar quais-quer documentos pblicos ou
particulares, tudorelativamente a imveis de propriedade do
quei-xoso cfr. documento de fls. 10 e 11;
3. Fazendo uso dos poderes que lhe foramconferidos, o arguido no
dia 5 de Maio de 1992,no Cartrio Notarial de Silves, assinou um
con-trato-promessa com eficcia real, titulado por es-critura
pblica, no qual, em representao do quei-xoso, prometeu vender
sociedade TRF-FL Dados Fiscais, Econmicos e Financeiros,
L.da,melhor identificada nos autos a fls. 13, pelo pre-o de 20 000
000$00, o prdio designado porlote 12, sito no stio das Sesmarias,
concelho deAlbufeira sob o n. 926, prdio esse pertencenteao
queixoso cfr. documento de fls. 14 a 17;
4. Por escritura pblica outorgada no Car-trio Notarial de Silves
em 1 de Julho de 1992, oarguido, em nome e representao do
queixoso,vendeu o referido prdio aludida sociedade pelopreo de 20
000 000$00 cfr. documento defls. 18 a 21;
5. Como pagamento do preo acima men-cionado a aludida sociedade
entregou ao arguidoa quantia a ele correspondente, o que fez
atravsde dois cheques (cheque n.os 3 372 652 225 e3 372 649 897,
ambos sacados sobre o BancoComercial Portugus) passados ordem
domesmo cfr. documento de fls. 104 a 106;
6. Tais quantias foram depositadas numaconta bancria que o
arguido tinha aberta em seunome na Caixa de Crdito Agrcola Mtuo
deAlte;
7. O arguido, apesar de saber que aquelemontante que lhe foi
entregue no lhe pertencia,visto que resultava da venda de um bem
perten-cente ao ofendido e apesar de saber que o factode a procurao
que lhe foi entregue o dispensarde prestar contas no o legitimava a
apropriar-sedo produto da referida venda, no se coibiu de se
apoderar daquela quantia, no a tendo entregueao seu legtimo
dono, mau grado ter sido instadopara o efeito;
8. Agiu de modo livre e voluntrio e com opropsito de se apoderar
do valor de um patri-mnio que sabia no ser seu, bem sabendo tam-bm
que o fazia contra a vontade do respectivodono e que a sua conduta
era contrria lei.
E importa ainda ter presente os elementostpicos do crime de
abuso de confiana no actualCdigo Penal, quer na verso inicial de
1982,quer na de 1995:
a) A entrega ao agente, por ttulo no trans-lativo de
propriedade, de coisa mvel, en-trega essa livre e vlida, em virtude
deuma relao fiduciria entre o agente e odono ou detentor da coisa,
que constituaaquele na obrigao de afectar a coisamvel, que lhe foi
entregue materialmenteou colocada sob a sua disponibilidade, aum
uso determinado ou na obrigao de arestituir;
b) A posterior apropriao da coisa mvelpelo agente, contra a
vontade do proprie-trio ou legtimo detentor desta, atravsda prtica
de actos que exprimem a inver-so do ttulo de posse, isto , que o
agentepassou a dispor da coisa ut dominus, comanimus rem sibi
habendi, integrando-a noseu patrimnio;
c) O conhecimento pelo agente dos elemen-tos descritos sob as
alneas a) e b) e a von-tade de realizar o referido sob a alnea b)ou
a conscincia de que da conduta re-sulta a sua realizao como
consequncianecessria ou como consequncia poss-vel e conformando-se,
neste ltimo caso,com o resultado.
1. Apreciando:
Os factos descritos sob os n.os 1 a 5 do elencodos factos
provados significam que o arguido, nouso de poderes que o
assistente lhe outorgarapor procurao onde se diz que constitudano
interesse do mandatrio e que este fica isentode prestao de contas,
celebrou com terceirocontrato-promessa e subsequente contrato
devenda de bem imvel do assistente, pelo preo
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78 BMJ 500 (2000)Direito Penal
de 20 000 000$00, que o arguido recebeu, depo-sitou na sua conta
bancria e no entregou aoassistente, apesar de este lho ter
solicitado.
Foi porm considerado no provado que oarguido se apropriasse dos
20 000 000$00 en-tregues como preo da venda efectuada que talpreo
no lhe pertencesse, que o arguido agisselivre, deliberada e
conscientemente, a fim de seapoderar de tal preo que o fizesse
contra avontade do seu dono e que o arguido conhe-cesse a ilicitude
da sua conduta.
de reconhecer que a indicao dos factosconsiderados no provados
ganharia em clarezasubstancial e diminuio do risco de aparncia
deconclusividade se efectuada com referncia maisdirecta, concreta e
pormenorizada a todo ofactualismo apontado nos artigos 7. e 8. da
pro-nncia. E de considerar que a indicao e oexame crtico das provas
que fundamentaram adeciso de facto no se revestiu da explicitaoque
seria mais desejvel para a melhor com-preenso e sindicabilidade em
recurso do pro-cesso lgico-racional que levou a essa deciso.
Contudo, a considerao da globalidade dadeciso de facto e da sua
fundamentao leva ater essa deciso por suficientemente
compreen-svel, coerente e justificada, por isso no contra-ditria,
no enfermando de erro notrio naapreciao da prova nem de
insuficincia de fun-damentao. Verifica-se efectivamente:
No h necessariamente a apontada contradi-o entre a fundamentao e
a deciso e o invo-cado erro notrio na apreciao da prova porqueo que
resulta dessa globalidade ter-se por noprovado que o dinheiro no
pertencesse ao ar-guido e que este tivesse agido com a vontade dese
apoderar do dinheiro, tendo a conscincia queele no lhe pertencia. O
que no implica contra-dio insanvel com o facto provado de o
ar-guido ter depositado em seu nome, e no terentregue ao assistente
o dinheiro do preo dobem quando da venda no uso de poderes
conferi-dos por procurao constituda no interesse domandatrio e
isentando este da prestao decontas. E tambm no significa erro
notrio naapreciao da prova, no sentido de facilmenteapreensvel pelo
homem mdio com a experin-cia de julgador. Exclui qualquer desses
vcios aconsiderao de que no foi possvel esclarecer arazo de ser da
outorga da procurao nesses
termos e que da experincia comum que estespodem corresponder
vontade de outorga deuma procurao para realizao de um negcioem nome
do outorgante mas no interesse do pro-curador, em harmonia com a
eventual existnciade negcio jurdico subjacente de datio pro
sol-vendo ou outro, da podendo resultar que o pro-curador no tenha
a obrigao de entregar orecebido em consequncia do uso dos
poderesresultantes da outorga da procurao, nem deprestar contas
(1).
Tambm no se verifica a invocada insuficin-cia de fundamentao,
pois resulta suficiente-mente esclarecido que a globalidade da
referidadeciso de facto resultou de no ter sido possvelobter prova
testemunhal ou documental queinfirmasse ou confirmasse as verses do
arguidoe do assistente, designadamente quanto s ra-zes da outorga
da procurao com as referidasclusulas de o ser no interesse do
procurador eisentando este do dever de prestar contas.
Assente o factualismo provado e no pro-vado, manifesto que no
podem considerar-seintegrados os elementos do tipo objectivo e
sub-jectivo do crime de abuso de confiana, acimareferidos, pelo que
se impunha a decidida absol-vio do arguido.
IV
Em conformidade, julgando-se improcedenteo recurso, confirma-se
o douto acrdo recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa dejustia em 6 UCs.
Fixa-se em 18 000$00 os honorrios Ex.ma Defensora Oficiosa.
Lisboa, 11 de Outubro de 2000.
Gomes Leandro (Relator) Leonardo Dias Virglio Oliveira Mariano
Pereira.
(1) Cfr., artigos 265., n. 3, 1170., n. 2, e 840. do CdigoCivil
e, v. g., Pires de Lima e Antunes Varela, Cdigo CivilAnotado em
anotaes aos citados artigos.
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79 Direito PenalBMJ 500 (2000)
DECISO IMPUGNADA:
Acrdo de 9 de Abril de 1999 do Tribunal de Crculo de Portimo,
processo n. 3/97.
I abundante a jurisprudncia sobre o crime de abuso de confiana e
respectivos elementostpicos.
De entre ela, podem ver-se, v. g., os acrdos de 24 de Abril de
1991, processo n. 41 555; de 12de Maio de 1994, processo n. 45 977;
de 4 de Dezembro de 1996, processo n. 47 271; de 18 deDezembro de
1997, processo n. 701/97; de 19 de Novembro de 1998, processo n.
925/98; de 15 deMaio de 1999, processo n. 265/99, e de 2 de
Fevereiro de 2000, processo n. 606/99, todos na basede dados
informatizada da jurisprudncia do Supremo Tribunal de Justia.
II muito vasta e constante a jurisprudncia do Supremo Tribunal
de Justia sobre afundamentao da sentena. Entre os mais recentes,
cfr. os acrdos de 16 e de 30 de Junho de 1999,Boletim do Ministrio
da Justia, n. 488, pgs. 262 e 272, respectivamente, bem como os
recenseadosnas anotaes correspondentes.
Concretamente sobre o exame crtico das provas, exigido pelo
artigo 374., n. 2, do Cdigo deProcesso Penal, na redaco introduzida
pela Lei n. 59/98, de 25 de Agosto, cfr. o acrdo de 25 deNovembro
de 1999, Boletim do Ministrio da Justia, n. 491, pg. 200.
III tambm muito vasta e uniforme a jurisprudncia do Supremo
Tribunal de Justia sobrea contradio insanvel da fundamentao e o
erro notrio na apreciao da prova:
a) Quanto ao primeiro vcio, cfr., entre os mais recentes, os
acrdos de 7 de Outu-bro de 1999, Boletim do Ministrio da Justia, n.
490, pg. 167; de 2 deDezembro de 1999, processo n. 790/99 5. Seco,
Sumrios de Acrdosdo Supremo Tribunal de Justia, n. 36, pg. 64, e de
30 de Novembro de2000, processo n. 2188/2000 5. Seco, ibidem, n.
45, pg. 87.
b) Quanto ao segundo, cfr. os acrdo de 16 de Junho de 1999,
Boletim do Minis-trio da Justia, n. 488, pg. 262; 20 de Outubro de
1999, ibidem, n. 490,pg. 190, e, bem assim, os indicados nas
respectivas anotaes; 25 de Novem-bro de 1999, processo n. 641/99 5.
Seco, Sumrios de Acrdos do Su-premo Tribunal de Justia, n. 35, pg.
92, e de 2 de Dezembro de 1999, pro-cesso n. 790/99 5. Seco,
ibidem, n. 36, pg. 64.
(E. A. M.)
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80 BMJ 500 (2000)Direito Penal
Perda de instrumentos Produtos e vantagens do crime Os artigos
109. e 111. do Cdigo Penal
Enquanto o artigo 109., n. 1, do Cdigo Penal prev a perda com
fundamento naperigosidade imediata dos instrumentos ou objectos
relacionados com o facto ilcitotpico, o artigo 111. do mesmo
diploma trata da perda das vantagens patrimoniaisconseguidas
ilicitamente, que se apresenta, no como uma pena acessria, mas sim
comouma medida destinada a restabelecer a ordem econmica conforme o
direito, condu-zindo a uma justa privao dos benefcios ilicitamente
obtidos e que s indirecta eimprecisamente se poderia conseguir com
a multa, elevando a taxa diria ou impondomulta cumulativamente com
priso.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIAAcrdo de 11 de Outubro de 2000Processo
n. 2102/2000
ACORDAM na Seco Criminal do SupremoTribunal de Justia:
1. Na Vara Mista da Comarca de Coimbra foijulgado o arguido
Manuel Reis Pereira, identifi-cado nos autos, sob a imputao de
haver come-tido, de forma continuada, um crime de peculatode uso,
previsto e punido pelo artigo 376., n. 1,e de um crime de peculato,
previsto e punidopelo artigo 375., n. 1, ambos do Cdigo
Penal,vindo, a final, a ser condenado apenas pela pr-tica da
segunda infraco na pena de 3 anos depriso, suspensa na sua execuo
por 3 anos,sob a condio de liquidar ao Estado o valor dopedido cvel
formulado (7 025 836$00) em pres-taes mensais at 2 anos e no
perdimento doveculo automvel apreendido nos autos, de ma-trcula
60-55-EQ.
Em desacordo com parte de tal deciso, delainterps recurso o
arguido para este SupremoTribunal de Justia, motivando-o para
concluirassim:
O douto acrdo de que se recorre de-clara perdido a favor do
Estado o veculo auto-mvel, marca Rover, matrcula 60-55-EQ,
en-tendendo o colectivo que:
De acordo com o preceituado no artigo109., n. 1, do Cdigo Penal
so declarados per-didos a favor do Estado os objectos que
sirvampara a prtica de um crime, ou que estavam des-
tinados a servir para a prtica de um crime, ouproduzidos por um
crime quando por sua natu-reza ou pelas circunstncias do caso
ponham emperigo a segurana das pessoas, a moral ou a or-dem pblica
ou ofeream srios riscos de seremutilizados para o cometimento de
novos crimes.
Contudo, para que o automvel fosse de-clarado perdido a favor do
Estado, era indispen-svel que o mesmo oferecesse um perigo
tpicoexigido por lei, ou, concretizando, que tal ve-culo, pela sua
natureza ou pelas circunstnciasdo caso, ponha em perigo a segurana
das pes-soas, a moral ou a ordem pblica ou oferea s-rios riscos de
ser utilizado para o cometimentode novos crimes cfr. acrdo do
Supremo Tri-bunal de Justia de 19 de Dezembro de 1989,Boletim do
Ministrio da Justia,n. 392, pg. 237.
Ora, na situao em apreo o veculo nope em perigo a segurana das
pessoas, a moralou a ordem pblica bem como no oferece sriosriscos
de ser utilizado para cometimento de no-vos crimes e tanto assim
que do teor do acrdorecorrido no resulta que o veculo tenha
sidodeclarado perdido a favor do Estado em razo dequalquer dos
pressupostos supra-enunciados.
J que a perda do veculo em questo foipelo colectivo considerada
como uma verda-deira sano e no por se mostrarem preenchi-dos os
pressupostos, consignados na lei, de cujaverificao depende a
declarao de perda doveculo a favor do Estado,
Em suma, o veculo foi declarado perdido afavor do Estado como
sano, tendo sido olvi-
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81 Direito PenalBMJ 500 (2000)
dados os pressupostos legais de que depende aperda do objecto,
devendo por tal ser revogado odouto acrdo nesta parte e em
consequncia sero veculo entregue ao arguido.
Respondeu o Ministrio Pblico junto do tri-bunal a quo, para
dizer, em sntese, o seguinte:
Provou-se em audincia que o veculo emquesto foi adquirido com
dinheiros pblicos deque o arguido, no exerccio das suas funes,
seapropriou.
Isto , a aquisio do veculo resultou dofacto ilcito tpico.
Esta a situao prevista no artigo 111.,n. 3, do Cdigo Penal e no
a do artigo 109.[...] pelo que no haver lugar, a nosso ver,
discusso e apreciao dos requisitos daquele pre-ceito que, esse sim,
exige os requisitos aponta-dos pelo recorrente.
J neste Supremo Tribunal de Justia o Mi-nistrio Pblico promoveu
se designasse dia paraa audincia oral.
2. A nica questo que est aqui em causa aque respeita ao
perdimento, decretado pela deci-so recorrida, do veculo automvel de
matrcula60-55-EQ, registado em nome do arguido/recor-rente,
perdimento esse que o tribunal a quo san-cionou porque o considerou
adquirido com bensprovenientes do facto ilcito tpico pelo
qualaquele foi condenado.
Pretende o impugnante que se inverta a deci-so nesse aspecto,
porquanto, em seu entender,no esto verificados os pressupostos de
quedepende a perda de instrumentos e produtos docrime alinhados no
artigo 109., n. 1, do CdigoPenal, ou seja:
Os que serviram para a prtica de um factoilcito tpico ou que por
este tiverem sido produ-zidos, quando, atenta a sua natureza ou as
cir-cunstncias do caso, puserem em perigo asegurana das pessoas, a
moral ou a ordem p-blica, ou ofeream srio risco de serem
utilizadospara a prtica de novas infraces.
Cremos que no tem razo. que, como salienta o Ministrio
Pblico
junto do tribunal a quo, ao caso no se aplica adisposio do
artigo 109., n. 1, referido (tese dorecorrente), mas sim a do
artigo 111. do mesmodiploma.
Ou seja: naquele prev-se a perda com funda-mento na perigosidade
imediata dos instrumen-tos ou objectos relacionados com o facto
ilcitotpico, enquanto no artigo 111. se contemplamsituaes que
escapam a fieira do artigo 109.,constituindo como que vlvula de
segurana con-tra possveis evases ou fraudes.
Isto : o artigo 111. trata da perda das van-tagens patrimoniais
conseguidas ilicitamente, quese apresenta, no como uma pena
acessria, massim como uma medida destinada a restabelecer aordem
econmica conforme o direito, condu-zindo a uma justa privao dos
benefcios ilicita-mente obtidos e que s indirecta e
imprecisamentese poderia conseguir com a multa, elevando ataxa
diria ou impondo multa cumulativamentecom a priso (Cdigo Penal
Anotado, vol. I,2. ed., pg. 784, de que o presente relator umdos
autores).
Ora, est suficientemente demonstrado nosautos que a viatura em
questo foi adquirida pelorecorrente com as vantagens que obteve com
aprtica do facto ilcito, o que, de resto, aquelenem sequer
contesta.
Donde que o julgado no merea reparo.
3. De harmonia com o exposto, acordam naSeco Criminal deste
Supremo Tribunal de Jus-tia em negar provimento ao recurso.
Condena-se o recorrente em 5 UCs de taxa dejustia.
Honorrios ao defensor oficioso: 18 000$00.
Lisboa, 11 de Outubro de 2000.
Leal Henriques (Relator) Gomes Lean-dro Leonardo Dias Virglio
Oliveira.
DECISO IMPUGNADA:
Acrdo da 1. Seco Vara Mista de Coimbra, processo n. n.
44/99.
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82 BMJ 500 (2000)Direito Penal
Veja-se, como se cita, Simas Santos e Leal Henriques, Cdigo
Penal Anotado, vol. I, 2. ed.,pg. 784, e ainda, a propsito da
distino entre a previso dos artigos 109. e 111. do Cdigo Penal,o
acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 25 de Fevereiro de 1999,
processo n. 1336/98,3. Seco, e, bem assim, Maia Gonalves, Cdigo
Penal Portugus Anotado e Comentado, 14. ed.,pgs. 379 e
seguintes.
(A. L. L.)
Concurso de crimes Pena nica Perdo
I No caso do concurso de crimes, o arguido ser condenado numa
nica pena,resultante de uma operao jurdica que leva em linha de
conta o conjunto das penasconcretamente estabelecidas para os
diversos delitos imputados ao arguido, nos termosdo artigo 77. do
Cdigo Penal, descontando-se o perdo de que o arguido beneficiesobre
aquela pena nica.
II No caso de sobre a pena nica recarem os perdes decretados
pelas Leisn.os 23/91 e 29/99, de 12 de Maio, dever ter-se em conta
o disposto no artigo 1., n. 4, daLei n. 29/99, o que significa que
esta ltima lei a mandar somar todos os perdessucessivamente
concedidos e que as operaes de perdo incidem sobre a pena
nicaformada sobre as penas parcelares correspondentes a todos os
crimes pelos quais oarguido foi condenado.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIAAcrdo de 11 de Outubro de 2000Processo
n. 2446/2000 3. Seco
ACORDAM na Seco Criminal do SupremoTribunal de Justia:1. Na
comarca de Faro (processo n. 1023/93
do 2. Juzo Criminal) e em razo do preceituadona Lei n. 29/99, de
12 de Maio, o respectivotribunal colectivo procedeu reformulao
docmulo jurdico das penas aplicadas ao arguidoDomingos Manuel Alves
Guerreiro em vriosprocessos e anteriormente estabelecido poracrdo
de 21 de Fevereiro de 1997, fazendoigualmente funcionar o perdo
concedido poraquela lei, fixando finalmente para o
mencionadoarguido a pena nica de 2 anos e 10 meses depriso.
No concordou o Ministrio Pblico com omtodo utilizado pelo
tribunal a quo nas opera-es a que procedeu para chegar a esse
cmulo
final e por isso veio interpor recurso da respec-tiva deciso,
que motivou, concluindo assim:
Nos termos do artigo 77. do Cdigo Pe-nal, no podem cumular-se
penas originrias como remanescente de outras penas, dado que a
penanica o resultado das penas de todos os crimesem situao de
concurso mas trata-se das pe-nas aplicadas e no de remanescentes
que iriamintroduzir no cmulo factores de distoro noqueridos nem
previstos pela referida norma.
O adequado cmulo jurdico previsto noartigo 2., n. 3, da Lei n.
29/99 um cmulointercalar, abrangendo apenas os crimes aos quaiso
perdo aplicvel e cujo nico fim o de cons-tituir um instrumento de
clculo do mesmo destina-se to-s a que possa ser determinado
oquantum do perdo aplicvel, o qual, contudo,no se desconta nesse
cmulo intercalar.
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83 Direito PenalBMJ 500 (2000)
Ultrapassada essa fase de clculo, o cmulointercalar deixa de ter
qualquer relevncia, tendoj cumprido a sua misso como instrumento
declculo.
O perdo deve ento ser deduzido penanica inicialmente fixada, a
pena originria emque o arguido foi condenado.
Se houver lugar a mais perdes, calculam--se os mesmos realizando
os cmulos intercala-res que se mostrem necessrios.
De seguida tomam-se todos os perdese deduz-se tal soma pena nica
originria docmulo inicialmente fixado, nos termos do artigo1., n.
4, da Lei n. 29/99.
No caso dos autos a pena nica originriadever fixar-se em 4 anos
e 6 meses de priso; e,descontados 2 anos, por perdo das Leis n.os
23/91 e 29/99, tem o arguido a cumprir o remanes-cente de 2 anos e
6 meses de priso.
Decidindo nos termos em que o fez, violouo douto acrdo recorrido
o disposto nos artigos77. do Cdigo Penal e 1., n.os 1 e 4, e 2., n.
3, daLei n. 29/99.
J neste Supremo Tribunal de Justia o Mi-nistrio Pblico, na sua
vista, promoveu que,concludo o exame preliminar, se designasse
diapara julgamento, o qual teve lugar aps os com-petentes vistos,
havendo agora que decidir.
E decidindo.
2. A situao concreta sobre que importaponderar respeita a um
arguido condenado emvrios processos, com decises j transitadas
epenas por cumprir, e que esquematicamente sepode configurar
assim:
a) Processo n. 132/93 Beja furto qua-lificado (14 meses de
priso);
b) Processo n. 94/91 Beja furtos qua-lificados (16 meses de
priso em cmulojurdico);
c) Processo n. 59/95 Beja injrias(3 meses de priso e 25 dias de
multa + 3meses de priso e 25 dias de multa);
d) Processo n. 144/93 Beja introdu-o em casa alheia (18 meses de
priso);
e) Processo n. 32/95 tiro com arma defogo (6 meses de priso) e
deteno dearma proibida (18 meses de priso);
f) Processo n. 120/93 Seixal furtosimples (6 meses de
priso);
g) Processo n. 1023/93/93 Faro fal-sificao (10 meses de
priso).
Por acrdo de 21 de Fevereiro de 1997 otribunal colectivo de
crculo de Faro estabeleceuo cmulo jurdico de todas estas penas
proce-dendo do seguinte modo:
Manteve a pena unitria de 16 meses depriso aplicada no processo
n. 94/91 Beja,fazendo sobre ela funcionar o perdo de 1 ano,ao
abrigo da Lei n. 23/91, de 4 de Julho;
Em seguida operou novo cmulo jurdicodo remanescente daquela pena
(4 meses de pri-so) com as penas restantes, condenando o ar-guido a
uma pena nica de 4 anos e 3 meses depriso e 40 dias de multa a
300$00 por dia, coma alternativa de 26 dias de priso.
Finalmente por acrdo de 10 de Maio de2000 o mesmo tribunal
colectivo, face s novasregras de clemncia consubstanciadas na Lein.
29/99, de 12 de Maio, reformulou o anteriorcmulo jurdico, operando
da seguinte maneira:
Relativamente pena aplicada no pro-cesso n. 94/91 (nico a
beneficiar do perdo de1 ano da Lei n. 23/91, de 4 de Julho),
manteve-sea respectiva condenao, fazendo recair sobreela o perdo de
1 ano consoante aquela lei (talcomo se havia feito no anterior
cmulo), so-brando por cumprir 4 meses de priso;
Aps esta operao, pegou-se nessa penaremanescente (ditos 4 meses
de priso) e proce-deu-se ao cmulo jurdico com as penas aplica-das
nos outros processos, deixando de fora aspenas dos processos n.os
59/95 (injrias) e 32/95(tiro com arma de fogo), cujas infraces
foramamnistiadas, fixando-se esse cmulo em 3 anos e10 meses de
priso;
Sobre este cmulo fez-se funcionar o per-do decorrente da Lei n.
29/99, de 12 de Maio(1 ano), pelo que a pena final ficou reduzida
a2 anos e 10 meses de priso.
Segundo o Ministrio Pblico recorrente, otribunal a quo violou a
lei (artigos 77. do CdigoPenal e 1., n.os 1 e 4, e 2., n. 3, da Lei
n. 29/99,de 12 de Maio) ao seguir o percurso referenciadopara
chegar pena nica final.
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84 BMJ 500 (2000)Direito Penal
Assim, e ao contrrio do que fez o acrdorecorrido, deveria antes,
na perspectiva do re-corrente e se bem entendemos o seu racioc-nio
proceder-se a dois cmulos jurdicos depenas, a saber:
Um primeiro cmulo, que estabelecesse apena nica originria
respeitante a todos os cri-mes cometidos pelo arguido que se
encontramem situao de concurso, e destinada apenas determinao do
clculo do perdo decorrente daLei n. 23/91, operao que no chegou a
fazer--se, pois que se deduziu sem mais o perdo de 12meses da Lei
n. 23/91 nica pena que delepodia beneficiar (processo n. 94/91), s
depoisse procedendo ao cmulo entre o remanescentedessa pena (4
meses de priso) e as restantespenas no perdoadas;
Ora, esse cmulo originrio, excludas aspenas correspondentes aos
crimes amnistiados(dois crimes de injrias e um crime de tiro dearma
de fogo penas de 3 meses, 3 meses e6 meses de priso), deveria
fixar-se em 4 anos e6 meses de priso;
Um cmulo final que pegasse no cmulooriginrio (4 anos e 6 meses
de priso) e fizessesobre ele incidir o somatrio de todos os
perdessucessivamente concedidos ao arguido, isto , odecorrente da
Lei n. 23/91 (12 meses de priso),mais o que resulta da Lei n. 29/99
(outros 12meses), chegando-se assim a uma pena nica fi-nal de 2
anos e 4 meses de priso (4 anos e6 meses, menos 2 anos).
Cremos que tem razo o Ministrio Pblicorecorrente.
E para assim se entender basta seguir os dize-res da lei.
Na verdade, consoante flui do estatudo noartigo 77. do Cdigo
Penal que textua sobreas regras da punio do concurso de infraces
ese aplicam aos casos de conhecimento superve-niente do mesmo por
fora do disposto no artigo78. do citado diploma legal , no caso de
con-curso de crimes, como a hiptese presente, oarguido ser
condenado numa nica pena, penaessa que h-de resultar de uma operao
jurdicaque leva em linha de conta as penas concreta-mente aplicadas
aos vrios crimes, tendo comolimite mximo o somatrio das penas
parcelaresestabelecidas e como limite mnimo a mais ele-
vada das penas concretamente fixadas para osdiversos delitos
concorrentes.
, pois, extremamente claro o legislador, aoprescrever que a base
a considerar para a forma-o do cmulo jurdico ser sempre o
conjuntodas penas concretamente estabelecidas para osdiversos
delitos imputados ao arguido e nunca aspenas sobrantes de
extemporne