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O Voto no Distrito · Web viewO Voto no Distrito

Oct 12, 2020

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O Voto no Distrito

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O VOTO NO DISTRITOMAINE VALLERY

 

 

     Todos estavam reunidos, Pompeo limpou a garganta com um gole de canha e, antes de iniciar o discurso em apoio ao candidato Alencar Alves, começou o tiroteio. As balas vinham de todos os lados, colocando a nação indígena em disparada. Flores atirou-se ao chão, sendo seguido pelos fiéis anões, mais pareciam rajadas de metralhadoras.     Pânico geral, segundo relato do próprio deputado.     — Vi a morte de perto. Me atirei ao chão com os meus anões. Pensei que ia morrer. A polícia foi chamada. Apareceu um fusquinha da BM, levantando poeira, com um soldado solitário na direção. Foi colocado a correr. Nem chegou a desembarcar da viatura.     O confronto só terminou quando os líderes das duas facções foram alvejados em frente ao palanque, sendo levados às pressas para o hospital da cidade mais próxima.     — Passei a dar mais valor à vida – desabafou o deputado. (Acontecido no interior do Rio Grande do Sul e publicado pela imprensa local.)

     — O senhor não acha que todo esse barulho agora é por causa do voto distrital? A política deixou de ser alguma coisa distante, a gente votando em gente que nunca viu antes e nunca mais vai ver outra vez?     — Olha, até pode ser, faz sentido esse seu raciocínio e, se é como está dizendo, a política vai ficar uma coisa bonita da gente acompanhar. Está certo, agora não tem mais aquela de votar em que a gente nunca viu antes e que nunca mais vai ver outra vez... Ela vai entrar nas veias da gente e vamos ter de controlar os nossos assuntos políticos como a gente cuida da saúde da gente. Estou começando a gostar mesmo, só tem uma coisa, vamos desarmar a turma, senão fica perigoso demais... Ou não?      — Fica, fica mesmo. Mas, vamos entrar nessa?     — Gostei. até domingo, lá no Partido. Vamos ver de perto como fica essa jogada toda.     — É, e vamos começar a discutir o nome dos candidatos, a gente da casa, gente que a gente encontra todo o dia...     — À saúde, né.

     Na reunião do Partido, apareceram o prefeito (um sujeito retórico, fingido, ardiloso, que busca o poder a qualquer preço e seu chefe de Gabinete, que maneja o poder como poucos e que de forma hábil fabrica crises e tece intrigas; o advogado mais inteligente e mais esclarecido do lugar, um liberal; um operário, quieto, desconfiado, e até uma professora, que embora tenha sentido o ambiente um pouco hostil, não se deu por achada, sentou à vontade, pois queria ouvir, saber das novas regras. Foi assim que os dois amigos, que acertaram entrar no assunto, encontraram o ambiente...     — Isso está começando bem, não acha?     — Se acho. Fica atento.

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     — É só o que estou fazendo...

     — Não podemos nos entusiasmar demais com essas notícias que estão chegando por aí, temos que lembrar e ser agradecidos ao deputado Flores, afinal ele está sempre presente por aqui e neste ano mesmo mandou muitas verbas para nós, disse o prefeito, com ares doutorais. Aqui está o meu chefe de Gabinete para confirmar o que estou dizendo, não é Alencar?     — Mas sem dúvida Prefeito, eu até trouxe alguns dados, não quero que ninguém tenha dúvida disso. E se alguém quiser saber tudo, estão aqui, à disposição.     — Não é preciso, disse a professora Mara, para surpresa de todos, pois achavam que ela estava até constrangida no ambiente.     — A senhora não precisa ser agressiva, seu jeito não nos tranqüiliza, nós queremos hoje aqui é buscar o melhor para o nosso futuro político, disse o prefeito, que acrescentou: todos terão espaço. Quando eu falei só queria mesmo era dar crédito a quem tem por merecer, como o nosso atual deputado, o Ricardo Flores.     — É, disse apressado o chefe de Gabinete: não fica bem, embora estejamos no Partido, em reunião fechada, começarmos com desconfianças e mal-entendidos.     — Os senhores foram mais precipitados do que eu, talvez porque, de fato mesmo, guardem outras intenções que não são, absolutamente, boas para o nosso futuro político.     — Eu gostaria de conversar com a professora, depois deste encontro, quero esclarecer alguns detalhes...     — Não é necessário que seja depois, prefeito. Afinal, estamos entre companheiros de causa, ou não é assim?     — A professora Mara está certa, interrompeu o advogado. E vamos deixar bem claro, desde logo, que precisamos ter como candidato do nosso Distrito um homem daqui, que não serei eu porque não é isso o que eu vim fazer aqui. O que o prefeito diz disso?     — Eu não digo nada, estou me sentindo pouco à vontade com essa discussão...      – É, disse o chefe de Gabinete, vamos encerrar a reunião, pois pelo jeito não entenderam nada.     — Ninguém entendeu nada errado, o prefeito é que gosta de fazer as coisas erradas, ao jeito dele, arrematou o operário, que saindo do seu silêncio, ficou em pé, cheio de entusiasmo.     — Hi, pelo jeito tem complô aqui: veja o entusiasmo do Juarez, prefeito, disse o chefe de Gabinete, que acrescentou: por que vocês, de repente, resolveram tão decididamente entrar na política?     — Porque as regras mudaram, fique sabendo, senhor prefeito, e seu ilustre chefe de Gabinete. Agora a gente vota em gente que a gente conhece e que volta a encontrar e discutir planos para o futuro, o nosso futuro, também depois da eleição, disse o Fonseca, olhando para o seu amigo Rogério e confirmando o discurso que haviam combinado.     — Meus amigos, conheço a nova Lei, e o que o Fonseca disse está absolutamente certo. As regras mudaram ou só o prefeito e seu chefe de Gabinete não sabem disso?

     A reunião do Partido terminou com essa última intervenção. E como a Lei, a vida no Partido também mudou. O prefeito e seu chefe de Gabinete saíram apressados e nervosos. Sentiram a força dos novos ventos e pensaram – é preciso repensar o futuro.     Será que teriam futuro, os dois?

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     O assunto foi do Partido para a praça principal, já no dia seguinte. O jornal A Cidade trazia uma manchete de chamar atenção: O GOVERNO MUNICIPAL PERDE FORÇA NO PARTIDO e revelava em detalhes toda a reunião. Claro que todos queriam saber mais e volta e meia chegava um trazendo mais uma novidade. O conceito do prefeito foi por terra, pois o que lhe garantia poder era exatamente o respaldo do Partido, que era muito forte, afinal, o próprio presidente da República era correligionário. Foi no meio dessa confusão que o chefe de Gabinete chegou ao grupo, trazendo de encomenda uma notícia: o prefeito falou com o deputado Flores e ele achou ótima a idéia que o candidato desta vez seja daqui mesmo, até porque não vai mais concorrer, mas acha que pode e, até deve, coordenar esse processo. O prefeito já tomou as providências e está convocando todos os filiados para discutirem o assunto.     — Fonseca, não estou gostando dessa manobra!     — Nem eu...     — Então amigo, vamos tratar de reunir os amigos e aglutinar as forças. O homem não pode ser mais ligeiro do que nós...     — Dá um pulo na casa da professora Mara e pede par ela reunir o maior número possível de correligionários e, por favor, vamos nos organizar. Pede pra ela secretariar a reunião porque desta vez – como diz o ditado – não vão nos pegar de calça na mão.     — Está certo. Também acho que devíamos procurar o Juarez, achei ele muito corajoso e determinado na reunião do Partido.     — Perfeito e vê com ele quem mais pode ser chamado, vamos mostrar força, o seu Alonso vai ver que ser prefeito não é tudo, é preciso ter força política e respaldo dos correligionários.     — Rogério, estás te revelando.     — Isso que eu ainda nem comecei, vou com sede nessa briga.

     A reunião começou um pouco tarde porque a cada início da discussão, um novo grupo chegava e era preciso dizer a cada um o que havia acontecido e o que os líderes do novo grupo agora buscavam. A professora Mara, a mais entusiasmada, trouxe para a reunião algumas mulheres e tratou, desde logo, de deixar claro que o grupo feminino, de ora em diante, teria uma presença marcante no Partido e nas disputas eleitorais, o que deixou alguns bem surpresos. Estavam com ela algumas mulheres conhecidas da sociedade, como a esposa de Rogério e de Fonseca e várias professoras e também a médica Orfila, a única representante feminina do corpo médico da cidade.     — E qual de vocês será a candidata? Perguntou um anônimo.     — Não sabemos ainda, mas podem ter a certeza de que daqui sairá uma candidata, não sabemos se pra estas eleições ou pras próximas, isso vamos resolver conversando, sem conchavos, como costuma ser feito, respondeu a professora Mara, rindo muito no meio da risada das outras mulheres.     A reunião do grupo era alegre como a do grupo das professoras, todos mostravam no rosto uma renovação, uma esperança:     — Bem, acho que agora podemos iniciar o nosso debate e ver quais são as nossas propostas, as novas propostas, disse Fonseca, já meio falando como candidato.      – O Fonseca está certo, não podemos nos cansar com protelações, com discussões que não levam a nada, vamos tratar logo do que serve, argumentou o Rogério, que chamou para a mesa a professora Mara e o operário Juarez, os dois representantes de duas classes bem expressivas. Acho que devemos fazer a eleição do nosso grupo – claramente dissidente da

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ala que lidera o Prefeito Municipal – por aclamação e, assim sendo, proponho que o Fonseca seja escolhido o novo candidato para a eleição majoritária e a professora Mara a nossa candidata à eleição proporcional.     Fortes aplausos, de mais de cem pessoas se fizeram ouvir e, tanto Fonseca, como Mara, mostraram surpresa com aquilo, pois que não era, nem de longe, o desejo imediato de ambos. Rogério, de fato, estava fazendo o que prometera, sua estratégia estava perfeita. Fonseca até que entendeu, mas a professora Mara não sabia disso e porque não sabia, falou:     — Estou surpresa com essa decisão, que imaginei seria mais discutida, mais elaborada, se é que me entendem.      – Surpresa ou não, és a nossa candidata, não vistes os aplausos? – É preciso exercer a democracia e acatar a decisão da maioria, disse Rogério, apressando-se para evitar qualquer retrocesso na estratégia que havia formulado na sua cabeça, já que pensava agora com muito carinho na sua ida para a Prefeitura.     Novos aplausos se fizeram ouvir e Mara resolveu discursar, abrindo assim o novo momento do Partido do Governo:     “Não era esse o meu propósito, não era essa a minha intenção. Com ninguém troquei idéia antes sobre esse assunto e a surpresa que sinto é testemunha da minha sinceridade. Mas não sou pessoa de recuar como não recuei ante a pressão exercida pelo prefeito na última reunião do Partido, quando ficou surpreso de me ver ali. Vivemos novos tempos, com certeza. E esse momento, que se traduz na candidatura do Fonseca e na minha, é uma prova disso. Ou alguma mulher nesta cidade foi antes candidata a alguma coisa?     E diante desse fato, que transparece mudança, devemos lutar soberbamente, até alcançarmos todas as mudanças que temos falado e temos buscado. Me ajudem nesse trabalho e, podem ter certeza, todos terão vencido. Muito obrigado.”     Aplausos, aplausos e aplausos foram ouvidos e no meio deles a voz do chefe de Gabinete:     — Democracia significa transparência, significa participação de todos e por que – se essa é a proposta dos senhores – o prefeito municipal, autoridade maior do Partido na cidade, uma vez que foi eleito pelo povo, não foi convidado, não foi sequer comunicado desse encontro?     — Porque ele desmoralizou a nossa sigla e constrangeu os seus correligionários, respondeu Juarez, que olhando para Fonseca, pediu que falasse:     “Não pretendo constranger o nosso companheiro, assessor do prefeito municipal, como tantas vezes o nosso prefeito fez conosco. A resposta à sua pergunta ele mesmo que dê. E, agora, conclamo nossos companheiros a cantar o Hino Nacional, em homenagem maior à nossa cidadania e aos novos tempos que estão chegando por aqui.     Todos de pé, com o rosto erguido, cantaram o hino. O único a baixar a cabeça, foi o Alencar, que de tão humilhado pela força daquela maioria parecia menor, até no seu tamanho.

     — Não posso acreditar no que estou ouvindo, disse aos gritos o prefeito, mas a mulher dele, Olga, interrompeu:     — Não te faz de surdo outra vez. Quando não te convém, como sempre, esbravejas e queres a situação diferente. Enfrenta a realidade, homem, está na hora de seres mais humilde e te lembrares do momento quando te fizeram candidato. Correspondestes? Me diz, me diz, estamos aqui em casa, com o Alencar, chega de gritaria, fala mais baixo e age mais alto porque de outra forma não tens mais futuro nessa merda de política.

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     O homem baixou a cabeça, triste. A mulher sabia o que estava dizendo. O olhar de susto do Alencar confirmou tudo isso.     — Se é assim, não quero mais saber de política...     — Pois eu quero, disse a Olga, pois se tu não fizestes o que tinhas que fazer, eu faço. Se tu não te animas a enfrentar essa gente, eu enfrento.     — Não dona Olga, não faça isso, o doutor Alonso sabe o que faz.     — Sabe nada Alencar, nem ele e nem tu. Ou existe algo que eu não saiba? Se for assim, por favor, me digam, que é pra eu não fazer papel de boba como vocês parecem que estão fazendo.     — Não, não é bem assim, Olga, disse Alonso, agora mais refeito da reação da mulher. Vamos conversar, é interessante a tua reação, mas acho que não precisa tudo isso. Tu até parece a professora Mara. O que deu nessas mulheres Alencar?     — Eu não sei doutor, mas elas assustam...

     A Olga foi pra cozinha fazer um café, precisava se refazer, o desabafo foi grande, estava na hora de acontecer e enquanto estava pela cozinha ruminando o efeito do que dissera, ouviu o Alencar dizer para o seu marido:     — Por favor, Prefeito, aonde que estamos, imagine se o pessoal lá fora fica sabendo dos gritos e desaforos que o senhor foi obrigado a ouvir da sua mulher? – Aí sim está tudo terminado. Olhe, se isso acontecer, não conte mais comigo, não sou homem pra ser mandado por mulher.     — Também não é assim, Alencar. A Olga é uma mulher sensível, ela percebe as coisas. Na verdade eu estava meio desanimado, deixando as coisas muito à deriva.     — Bem, agora estou gostando. E quando eu digo que não recebo ordens de mulher também é um pouco de exagero, a gente tem que se acostumar aos novos tempos. Falando nisso, acho que o nome que tem que ser lançado pela nossa ala é o de dona Olga, já pensou ela enfrentando a professora Mara, com todo o nosso respaldo? Hein, prefeito, que tal?     — Não dá, não. Uma que a Olga não está preparada pra isso, outra que o candidato sou eu, entendeu?     — Bem, eu não sabia desse seu acerto com o Flores. Se é assim, fico fora, porque também fui traído, não sabia disso e me sinto bastante mal.     — Que é isso Alencar, depois da Olga vem tu pra me atrapalhar?     — Olha, e pelo jeito já atrapalhei demais. Até outro dia.     — Vem cá, Alencar. Não pode ser assim...     — Eu também acho, mas quem quis isso foi o senhor.     E já na calçada, gritou:     — Dona Olga tem razão, dona Olga tem razão...     — Do que você está falando, Alencar? Perguntou a secretária do Partido, a dona Suzana, que vinha passando naquele instante.     — Do jeito do seu Alonso fazer política, eu cansei, estou fora.     — Não me diga, isso vai dar o que falar...      — Se vai... E se quiser pode contar pra todo o mundo, estou fora do grupo do Alonso. Sou livre atirador, agora. Quero ver quem me alcança.     — E com essa boca... disse baixinho a Suzana, ao que ele replicou: o que você falou?     — Nada não, Alencar. Estou pensando como você vai fazer falta para o Alonso.

     — Alonso, eu ouvi bem o que eu ouvi.

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     — E o que é que tu ouvistes?     — Ué, o Alencar vai embora, ou melhor, foi embora?     — Pois é o que tu estás dizendo.     — E então não te faz de desentendido. O que foi que houve?     — Um pouco tua, que abristes todo aquele verbo aqui, me desmoralizando. Outro pouco porque não deve ter gostado de eu dizer que sou candidato e por isso rejeitei a idéia que ele deu de te fazer candidata. Ou tu não ouvistes isso?     — Ouvi, ouvi tudo, e acho mesmo que tu estás perdido, porque estás muito cheio, tu e o tal de deputado Flores, que – se queres meu palpite – ou não se reelege porque é um trapaceiro ou porque vai te abandonar também, que ele não é bobo. Quando souber que o Partido se bandeou pro lado do Fonseca, tu estás fora, meu querido. E, olha, já estou torcendo pela Mara, afinal, as mulheres merecem mais respeito, inclusive dentro de suas casas...     — Por essas e outras que eu ouvi hoje é que resolvi ir à Capital falar com o deputado Flores. Tu também não é fácil, Olga, depois de todo esse conforto e prestígio que te dei. Todo mundo te respeita e tu nem leva em consideração o trabalho que eu tive pra te botar de primeira-dama, quero dizer primeira-dama mesmo, porque todo o mundo baixa a cabeça pra ti, ou baixava, porque depois que o Alencar se foi já não sei, com a língua que ele tem... E aquele caráter! Estou começando a me preocupar... De fato. E depois não é, tu tens uma boca... Aquele estória de dizer o que tu dissestes de mim... Vou rápido pra capital e vou no carro oficial. Quero respeito. RESPEITO, tu ouvistes?     — Ouvi, sim senhor. E não precisa gritar. Tu precisa é de eleitores novos, porque os velhos, meu marido, já eram...     — Olha, deu por hoje. Te telefono quando chegar e vê se descobre o que anda acontecendo aqui, preciso traçar uma nova estratégia...     — Só se eu for a candidata...     — Não acredito no que eu ouvi!     — Pois pode ir acreditando. Ou me fazes candidata e reabilito teu nome e teu prestígio, ou a Mara ganha outra aliada. Escolhe.     — Chantagem?     — Mas não é o que tu fazes sempre? Aprendi contigo.     — Meu Deus do Céu, o Alencar tem razão, vocês tão é dando medo... Depois conversamos, hoje NÃO DÁ.     — No grito é que não dá, já te disse.     — Taaaá... bem.

     O prefeito chegou à capital esbaforido, por dentro estava que era um vulcão, nada o acalmava. O motorista, percebendo o que estava acontecendo, pois já tinha sido conversado pelo Alencar, ficou mudo, era só ouvidos.     — Mas deputado Flores, pelo AMOR DE DEUS, isso é o fim...     — Eu bem que te avisei. Política é assim, Alonso. Mas vamos repensar, pode ser que exista uma saída pra ti.     — Como pra mim? Não é pra nós?     — Que pra nós. O problema é teu, meu rapaz. As minhas bases, fora do teu curral estão tranqüilas, o que é que tu queres que eu faça?     — Nada, nada. Já entendi tudo. Eu já vou.     — Como já vai?

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     — Nosso acordo termina aqui. Por ter sido fiel a ti, estou no estou. Pra mim chega. Tenho um ano de mandato e vou provar pra ti como é importante ser fiel, seu filho da...     — O que é isso, Alonso?     — É o que tu ouvistes e vê se não me aparece lá tão cedo. E começa a te benzer, porque no Partido vou contar toda a verdade, a verdade que andas escondendo por aí. Teu curral não vai ficar tão tranqüilo assim. Te prometo.      — Meu Deus do Céu, Alonso. Tem calma, homem.     — Calma é pra gente trambiqueira como tu. E se estou com a fama que estou é por ter estado até agora no teu curral. Ouvistes bem? Começa a te benzer, já te avisei, ou não me chamo Alonso, Alonso Afonso Ceará.     — Terezinha, liga pra o presidente, preciso preveni-lo da loucura desse homem, senão vai tudo por água abaixo...     — Sim senhor.

     — O presidente está em uma reunião, mandou seu secretário falar com o senhor.     — Não falo com ninguém que não seja o presidente.     — E o que eu digo? Será que não é mais prudente falar com ele, deputado.     — Não, não é. Dá uma desculpa qualquer. Preciso esfriar minha cabeça.     — É o melhor que o senhor pode fazer, na minha opinião.     — Está certa, você. Amanhã eu trato desse assunto. Devem chegar outras notícias.

     Logo pela manhã um telefonema surpreendeu o deputado Flores:     — Alo deputado, é o Alencar.     — Mas como vai? Teu telefonema chega em uma hora muito boa, o que está acontecendo com o Alonso?     — O senhor nem imagina... Isso aqui virou um caldeirão, ele não lhe contou?     — Não teve tempo. Ficou irritado comigo e foi embora soltando fumaça.     — Mas ele está assim... Precisamos conversar, deputado.     — E quando queres vir? Mando hoje uma passagem pra ti.     — Pode ser na quinta-feira?     — Não podes vir antes? Esse assunto está me tirando o sono.      (Era tudo o que Alencar queria ouvir).     — Se é assim, vou amanhã mesmo. O senhor manda...     — Que bom Alencar, que bom que posso contar com tua compreensão. Mas olha, não fala nada pra o Alonso, está certo?     — Claro, deputado. Fique tranqüilo.     Alencar pulava de faceiro, a sorte estava do seu lado. E foi com esse ânimo que saiu pra rua, precisava de mais elementos, precisava da desforra, precisava ser candidato de qualquer jeito...     — Alencar, vem cá.     — O que é que tens pra contar pro amigo?     — A maior que poderias ouvir, vão pedir a exclusão do Alonso do Partido.     — Mas, por que?     — O pessoal do Fonseca descobriu irregularidades na Prefeitura e o jornal vai publicar tudo na edição de quarta-feira.     — Mas, o que é?     — Lembra da compra daqueles lotes de terra? Vem chumbo grosso aí. Tu não estás

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metido naquilo, Alencar?     — Deus me livre, só me faltava essa, o Alonso me comprometer com as suas falcatruas.     — Mas o que tu sabes?     — O que eu sei não posso dizer ainda, primeiro quero ver o que diz o jornal.     Alencar gelou. Será que tudo ia agora águas abaixo? Precisava pensar, é hora de pensar, resolveu adiar a viagem um pouquinho... Precisava saber mais.     — O que tens Alencar? Estás preocupado?     — Absolutamente, só estou pensando nas safadezas do Alonso...     — Então fala, homem. Amanhã pode ser tarde.     — Não, não é...

     A manchete do jornal dizia: ALONSO COMPROMETE O PARTIDO     A notícia trazia em detalhes as irregularidades havidas na transação do lotes de terra e dizia, inclusive, que tudo tinha sido feito com o conhecimento do deputado Flores e do chefe de Gabinete.

     — Alo, Alencar. É do jornal A Cidade, o senhor pode nos conceder uma entrevista? Precisamos lhe ouvir sobre as denúncias feitas pelo Fonseca.     — Olha, hoje eu não posso, dá pra ser na quinta-feira?     — Mas o senhor desmente as denúncias?     — É difícil chegar a essa afirmativa, claro que como chefe de Gabinete sei de muita coisa, mas estar comprometido também não.     — E o deputado?     — É melhor falar com ele.     — Mas, você conhece a verdade, por que adia a sua versão?     — Me dêem um tempo, é só isso.     — Isso faz parte de algum jogo político?     — Absolutamente. Hoje não quero falar mais, está certo?     — Bem, então vamos nos restringir a publicar nosso diálogo.     — E por que vão publicar?     — Porque o senhor não quis falar mais, a verdade não pode esperar.     — Não posso fazer nada...

     — Alo deputado, aqui é do jornal A Cidade, o senhor conhece as denúncias que estão fazendo contra o seu Partido?     — Não, não tenho conhecimento. Do que se trata?     — Bem, o prefeito enfrenta uma crise interna no Partido e revidou com alguns ataques a diversos dos seus membros o que, naturalmente, suscitou reações, que pensamos terá reflexos, inclusive, em Brasília.     — Mas, do que se trata?     — Há irregularidades comprovadas na construção dos lotes urbanizados, construídos na zona Sul. O chefe de Gabinete se nega a falar, e já se fala também no seu envolvimento no episódio.     — Mas o que tenho eu a ver com isso?     — É o que nós queremos saber, o que o senhor nos diz?     — Bem, sem conhecer as denúncias em detalhes nada posso fazer e muito menos dizer. Os senhores podem fazer a gentileza de mandar por fax as denúncias que estão no jornal?

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Até porque preciso tomar medidas jurídicas, se for o caso.     — E políticas, não é deputado?     — Políticas ainda não sei, vocês podem mandar o fax e depois poderei atender o pedido de entrevista, está certo?     — Qual é o seu número de fax?     — Podem discar o 247-1122.     — Está bem.

     — Terezinha, Terezinha, liga urgente para o Alencar.     — Pois não, deputado.     — Alo, alo Alencar?     — Sou eu mesmo, deputado, o que houve?     — Como o que houve? Eu é que pergunto, por que não viestes e que nó é esse que vocês armaram aí e ainda por cima me colocaram no rolo?     — Um mom...m...ento, deputado, eu não coloquei ninguém no rolo. O senhor deve lembrar que sou apenas um funcionário do prefeito. Nada fiz que não fosse sob as suas ordens.     — Mas, afinal, o que foi feito?     — Ué, então o senhor não sabe? E o acerto feito com o dono das terras e a diferença entre o valor das terras e o pagamento real?     — Mas, o que é isso?     — Isso é o que o senhor está ouvindo e, segundo me disse o prefeito na ocasião, o dinheiro era para financiar a sua campanha.      — Alencar, vem pra cá, preciso conversar contigo à portas fechadas.     — Mas quando, deputado?     — Agora.      — Mas, Alencar, o que vem a ser isso?     — Deputado, o caso não é brincadeira, o senhor está comprometido porque o Alonso disse para o seu Adir, o que vendeu as terras. E tem mais gente que sabe, o pessoal da tesouraria, por exemplo...     — Mas o que se faz? Você é um homem com tino político, me ajuda a resolver essa questão.     — Bem, até posso tentar, a gente sempre pode e o senhor sabe que eu carreguei o Alonso nas costas... Mas não vou resolver situação de ninguém se não tiver o respaldo para isso, inclusive político.     — Se é o que eu entendi, tu queres uma compensação, ou melhor, uma situação mais confortável no Partido?     — É.     — E qual é?     — Quero ser o candidato majoritário.     — Como?     — Foi o que o senhor ouviu.     — E eu?     — Fale com o presidente, parta para algo mais alto.     — Mas com toda essa confusão, como vou pedir algo?     — É simples: eu testemunho a seu favor, inclusive dizendo para o presidente e todo o Partido que absolutamente o senhor não levou nada daquilo e, muito mais, não sabia de

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nada.     — E as provas?     — Eu roubei o recibo que estava na tesouraria, assinado pelo Alonso e que é um bom documento a seu favor. Esse original está comigo. Não acredito que existam cópias!     — Não acredito que fizestes tudo isso pensando nesse teu projeto!     — E não foi assim que o senhor subiu? O senhor é um bom professor!     — Alencar, Alencar, te quero pra amigo e não pra inimigo, vamos partir para a nossa aliança, aperta a minha mão e vamos traçar os nossos planos.     — Ah, deputado, mas eu preciso de um documento, vamos escrever o que vai ser acertado?     — Dou mão à palmatória, és mesmo um bom aluno...

     Em primeiro lugar, devemos combinar as declarações a serem feitas, temos que ler pela mesma cartilha e, antes de mais nada, falar com o presidente, o senhor, é claro, vai expor o problema, dizer do seu constrangimento, dizer do meu apoio e que em retribuição pela minha fidelidade e também pelo meu talento vai abrir mão da sua candidatura em favor do meu nome e que – por tudo isso – gostaria de ter o respaldo político dele e contar com algo mais expressivo na administração federal. Que tal?     — Acho que está bem pensado, tomara que tudo dê certo, mas acho que a briga está só começando...     — Bem, em segundo lugar, precisamos arrumar um escorregão para o Fonseca e o Rogério, sem falar na Mara. Precisamos arregimentar as mulheres e, por falar nisso, deixe eu lhe prevenir, a Olga está em atrito com o Alonso, ela quer ser candidata à prefeita, que rolo, hein?     — Com certeza, com certeza, mas político bom vive disso, não achas?     — É por isso que estou querendo entrar para a política...

     — Terezinha, vê se consegues marcar uma audiência com o presidente, o mais urgente possível. E liga para o secretário da Educação, preciso falar com ele, é urgente também.

     — Alo secretário, como vai?     — Olha Flores, está tudo tão confuso... As professoras resolveram ser candidatas e aí tu podes imaginar as pressões que estou recebendo.     — Pois é a respeito disso que quero te falar, sem querer te incomodar mais do que já estás te incomodando.     — O que vais fazer? Quem vai no fogo é para se queimar... Diz, Flores, qual é o teu problema?     — Olha, algo até bem delicado, pois se trata de uma companheira de Partido, mas que agora é dissidente e ela é tua funcionária, e ainda por cima candidata minoritária lá na minha região.     — Isso é o que eu chamo de confusão, o que eu posso fazer por ti?     — Transferir a moça, não há outro meio.     — Já pensastes Flores em todas as implicações pra ti, pra o governador e pra o presidente dessa tua idéia? Sim, amigo, porque todo o problema começa pequeno e vira grande. E se com isso criamos situações difíceis pra eles? Como é que nós ficamos?     — Bem, isso é verdade, e eu, pessoalmente, vou precisar muito do respaldo deles, Do respaldo e de favores.

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     — Do que estás falando?     — Nada muito sério, depois te conto pessoalmente. Mas, se tiveres uma idéia do que se possa fazer para impedir o crescimento dessa candidatura, te agradeço.     — Com certeza, Flores, vou pensar no caso. E como ficou o projeto de lei que o governador mandou, preciso ver aquilo aprovado, a minha Secretaria tem que andar...     — Estou tocando com todo o cuidado, prometo toda a minha atenção e empenho.     — Ótimo, a propósito, como é mesmo o nome da professora?     — Mara, Mara...     — Alencar, como é o sobrenome da Mara?     — Rodrigues. É, Mara Rodrigues.     — Está bem, te dou notícias...

     — O secretário não é flor, Alencar. Deixou bem claro que quer ver o projeto aprovado e aí me dá uma mão, não é filho da p...?     — Ora, deputado, o senhor queria o quê?

     Nada demovia o Fonseca e o Rogério de que havia alguma coisa muito grande por trás das compras dos lotes e por isso encarregaram o Juarez de conversar com os moradores da Vila e foram eles, pessoalmente, falar com o Adir, o que tinha vendido as terras.     — Boa tarde. Ô de casa, queremos falar com o Adir.     — Ele não está, senhores, mas o que desejam? Perguntou a mulher dele.     — Bem, não era exatamente com a senhora, mas talvez possa nos ajudar, disse o Rogério.     — E o que é?     — É sobre a venda das terras, a senhora sabe o preço que o seu marido vendeu aquele lote para a Prefeitura?     — O valor eu lembro bem, o escrivão até comentou que achou bem barata e eu até reclamei do Adir, foi 400 mil.     — Nós lhe agradecemos a informação e diga ao Adir que outro dia viremos tomar um chimarrão com ele e muito obrigado pela gentileza. A senhora foi realmente muito atenciosa.     — Não é nada, eu é que fiquei encantada em receber a visita dos senhores. Afinal, não é todo dia que a gente recebe em casa gente tão importante...     — Não é bem assim... E, mais uma vez, muito obrigado, disse o Fonseca, tentando levantar mais um voto.     — Meu Deus, homem, não te disse? Isso é um escândalo!     — Estamos com a bomba na mão! Agora é só saber aonde atirar!     — Que Deus te ilumine, Rogério, és de fato um estrategista.     — Não canta vitória antes do tempo porque eles também estão se mexendo. Não sei, é preciso cuidado, porque cada vez mais, de agora em diante, eles vão tentar esconder o que houve. Bico calado, e não fica fazendo esse sorriso porque o Alencar descobre, aquilo é uma víbora.     — Tens razão.     — Vamos procurar o Alencar?     — Pois vamos, é uma boa idéia.

     — Senhora, o Alencar está?

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     — Não, o Alencar foi chamado na capital, o deputado mandou chamá-lo urgente.     — E a senhora sabe por que?     — Ah, parece que é a questão do loteamento, com todas essas denúncias, sabe como é. Os senhores não querem um café?     — Não senhora, queríamos apenas conversar com o Alencar sobre algumas questões do Partido.     — Está bem, quando ele chegar, eu digo.     — Não é preciso porque a reunião é hoje à noite, não vai dar tempo...

     — Eu não te disse que estamos com sorte?     — Sorte é apelido, matamos dois coelhos de uma cajadada, vamos tentar um terceiro tiro?     — Vamos tomar um café com a Suzana?     — Boa idéia.

     — Meu Deus, o que será que traz vocês aqui? Por essa eu não esperava!     — Ah Suzana, não te faz de boba! Com toda essa confusão tu queres o quê?     — Calma Rogério. Por que vocês não entram? Fica mais discreto, não acham?     — Se estás nos convidando, com todo o prazer.     — O homem está perdido, ninguém mais quer saber das suas estórias, o deputado nem atende mais suas chamadas, sabe como é, fim de mandato e com um escândalo, terminou a moleza, e eu já vou conversar com a Mara, quero meu lugar ao sol.     — Então nos ajuda que o teu lugar está garantido!     — Pois contem comigo! A propósito, vocês sabem que o recibo do pagamento das terras desapareceu da tesouraria?     — Mas isso é outro escândalo e comprova a primeira denúncia.     — Mas eu aconselho vocês a ficarem quietos porque isso é coisa do Alencar. Esperem que ele venha, sabe como é, raposa de noite busca as galinhas...     — O que tu queres dizer com isso?     — Que ele está na capital com o deputado. Esperem pra ver o que ele vai fazer, está claro que ele vem com um plano.     — Suzana, claro que seu lugar está garantido, e o primeiro é de conselheira.     — Agora vão embora, a vizinha aqui é comadre do Alencar e a mulher é um perigo...     — Me telefona, disse o Rogério.     — Pode estar certo.

     Alonso Afonso Ceará não dormiu a noite toda. Também pudera... Procurou o recibo da compra das terras e não encontrou. O que ele podia fazer – se perguntava -, quando Olga, percebendo que ele estava acordado lhe disse: Mas homem, o que é que tu tanto te vira nessa cama e não deixa ninguém dormir?     — Faz muito tempo que não participas das minhas insônias, esta, especialmente, eu tenho que “curar’ sozinho?     — E por que esta?     — Tu anda querendo saber demais...     — E tu anda quieto demais, não estou gostando disso, qualquer dia te dá um enfarte e aí quem fica viúva sou eu, não é?     — Tu deves estar muito preocupada com a minha morte... Só se é pra ocupar o meu

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lugar...     — Mas Alonso, tu estás louco, depois de tanta luta juntos eu vou desejar uma coisa dessas pra ti?     — Do jeito que tu andas falando eu até cheguei a pensar...     — Deixa de ser bobo, homem. Pode contar com a velha Olga, que eu não sou de me entregar. Me diz o que está te preocupando, que eu logo dou um jeito.     — Ah, Olga, isso me chega em muito boa hora. Bem, nem podia ser diferente, a gente sempre se deu tão bem, sempre foi tão amigo...     — Pois é, me admiro de tu teres pensado diferente!     — Então vamos conversar: o bandido do deputado Flores não me deu o menor respaldo, o Alencar está jogando contra mim, o Partido fez um levante e eu estou sem “chapéu”... Pode?     — Pode. Eles são bandidos, tu sabes. Mas agora me conta do que é que tu tens medo? Há alguma coisa errada?     — Errado, errado, não há. Coisas da política, Olga. É que eu comprei aquelas terras do Adir e saiu um dinheiro por fora, que era para a campanha do Flores. Em troca ele daria respaldo à minha candidatura. O Alencar sabe disso, o bandido. Agora sumiu o recibo, que comprova que há uma diferença, claro.     — Mas então vocês fizeram dois recibos?     — Fizemos.     — Pra quê? Me diz.     — Sei lá, o Flores pediu, eu fiquei com uma cópia, tudo burrice.     — E tu já falou com o Adir?     — Olha, eu tentei, mas não encontrei ele. Também não adianta, e pior: o Fonseca e o Rogério falaram com a mulher dele e perguntaram por quanto o Adir tinha vendido as terras e não é que a mulher falou?     — E como tu soubestes?     — A vizinha, que é comadre deles, me contou.     — E o Alencar, Alonso, aquele filho da p... que tu deu uma mão e botou ele na vitrine, onde anda?     — Tá lá na capital, com o Flores, armando contra mim.     — Mas por que tu não falastes antes homem? Tu não pode agüentar tudo isso sozinho. Vou levantar e fazer um chá pra nós, tem que haver uma saída...

     — Mas que armação!     — O que houve?     — Uma mãe denunciou a professora Mara na Delegacia de Ensino.     — Alegando o quê?     — Diz a mãe que a Mara tentou agredir a criança porque provocou ela por causa da política.     — Mas isso não pode ser verdade, quem é essa criança, de quem é filho?     — O pai dela é parente longe do deputado Flores, que até arrumou um emprego pra ele na Secretaria da Agricultura.      – Então tu tens razão, é armação!      – Liga pra o jornal.

     — Alo, é do jornal? O jornalista Eustáquio está?

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     — Quem vai falar?     — O Rogério Armandi.     — Olá Rogério, que novidade trazes pra nós?     — Acho que dá uma boa matéria. Te confesso que estou interessado nela... É a respeito de uma denúncia que fizeram contra a professora Mara e acho que é uma bela armação.     — Mas de que se trata?     — Denunciaram ela na Delegacia de Ensino, dizendo que ela agrediu um aluno, o que eu – sinceramente – não acredito. É só ver a história da Mara como professora, como cidadã, enfim... E pior: o dito aluno é filho de um apadrinhado do deputado Flores, que está envolvido até o pescoço nessa história da compra dos lotes. E mais: o Alencar foi chamado urgente lá na capital, não voltou ainda.     — E como vocês souberam disso?     — Às vezes a gente precisa ser repórter e, como vocês, não revelamos a fonte.     — Está certo, esperto Rogério. Vou acreditar no que me dizes e vou checar essa estória, ou história, como queres.     — Então pergunta pra dona Sara, a comadre do Adir, o que ela ouviu. Começa por aí, está bem?     — E que mais?     — Vai devagar, preciso deixar que descubras coisas que eu não sei, quero ler o teu jornal.     — Mas tu não dá mesmo... Vou lá.     — Como a senhora não sabe?     — O que foi Sara?     — Nada, não. É o pessoal do jornal querendo uma informação.     — Que informação?     — Não te interessa...     — Ah é? Vou então eu conversar com eles e dizer toda a confusão que armastes.     — Eu não armei nada.     — Oi moço, vem cá.     — Quem é o senhor?     — O marido da Sara. Se ela não quer falar, falo eu, tá bem?     — E o que o senhor sabe?     — Tudo...     — Estou aqui pra isso.     — O Alonso fez uma tremenda sujeira na compra daquelas terras e a gente sabe porque é vizinho do Adir e ele nos contou num dia em que a gente estava tomando umas cervejinhas. Mas olha: não bota o meu nome na história que eu perco o companheiro e porque, na verdade, ele não tem nada com isso. Pagaram um valor e combinaram de declarar outro, o dinheiro – a diferença eu quero dizer – era pra campanha do deputado Flores. Só que o Partido se rebelou contra eles e o Rogério e o Fonseca, mais a professora Mara e o Juarez, resolveram partir pra outra. O Alencar, que tem cópia desse recibo – que o Adir não sabe até hoje porque pediu – está fazendo chantagem porque quer ser candidato também. E agora me contaram que denunciaram a pobre da professora, pois não é que o guri é filho de um apadrinhado do deputado?     — Meu Deus, como é que o senhor sabe tudo isso?     — De ouvir, meu filho. Lá na barbearia a gente sabe de tudo. Só que não dá palpite. Só ouve, e como ouve...

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     — Obrigado seu... Como é o seu nome?     — Fonsequinha, mas nada a ver com o candidato, embora tenha sido candidato contra o Alonso. É, e eu perdi...     — O senhor é uma boa fonte. Obrigado, não vou esquecer seu nome.

     — ESTAQUIOOOO     — O que é homem?     — O maior furo no meio da maior confusão. Senta aí, vou te contar...     — Olha, começa logo a escrever tudo isso e amanhã vamos atrás do deputado porque o secretário da Educação está nessa, quer apostar?     — Sem dúvida.     — Mas olha, precisamos de um documento para colocar tudo isso. Não podemos “tocar de ouvido”. Vai no registro de imóveis, tira uma certidão, vamos publicar uma cópia e chamar os vereadores pra briga. Afinal, o que eles andam fazendo?     — Está certo.

     — Deputado Flores?     — Sim.     — Meu caro deputado, não sei se sou inoportuno, mas estou preocupado.     — O que houve Altamiro?     — O pessoal do jornal esteve aqui e pediu uma certidão da escritura daquelas terras que o Alonso comprou do Adir, isso está me cheirando mal.     — E você deu a certidão?     — Claro deputado, não posso negar, de outra forma quem fica mal sou eu.     — Bem... Fizestes bem em me avisar. Obrigado.      — De nada, deputado, e olhe, conte com o meu voto.     — Já é um consolo Altamiro, no meio de toda essa confusão.     — Que confusão     — A certidão que o senhor deu vai lhe esclarecer isso.     — Não me diga... Agora fiquei mais preocupado ainda...

     — Absolutamente, acho que a sua pergunta é uma insolência.     — Mas deputado, como diz o ditado: perguntar não ofende.     — Mas me ofendeu...     — Pois então desculpe, mas leia o jornal de hoje, leia.

     ARMAÇÃO ELEITOREIRA COLOCA FLORES E ALONSO NO BANCO DOS RÉUS, dizia a manchete do jornal, que publicou duas páginas completas com toda a história, fotos do menino, cópia da escritura, declaração de vereadores e opinião de diversos segmentos da população, todos condenando o episódio, que deixaram Flores e Alonso muito mal...

     — Mas não presidente, lhe asseguro que não há engano, o senhor sabe como são essas questões eleitorais.     — Pois lhe digo que tenha cuidado, porque se eu souber que houve comprometimento do Partido fique o senhor sabendo que eu gestionarei sua saída da nossa agremiação. Não é possível que eu esteja aqui tentando modificar esse quadro de descalabro que encontrei e

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companheiros meus comprometam, com suas atitudes interesseiras, todo o meu trabalho e de inúmeros companheiros no Brasil todo. Por outro lado, se isso não for verdade, conte comigo. Saberei lhe fazer justiça.     — Está certo, presidente. Obrigado.     — Olhe, deputado, pela reação do nosso companheiro Flores esteja certo que ele está envolvido nessa história e que a versão desse jornal tem muito de verdadeira.     — Se for essa a sua opinião, talvez seja melhor eu ir até lá e conversar, em seu nome, com a ala dissidente, inclusive colocando sua posição e dizer que o Flores já ouviu a sua sentença. Nesta época, presidente, qualquer descuido pode ser fatal e é como o senhor disse: não pode uma atitude dessas colocar todo o seu trabalho e de companheiros de todo o Brasil a perder. Temos que agir. E agir com firmeza. E me diga uma coisa: o voto distrital, afinal, vai passar ou não vai passar?      – Olhe deputado, eu até que gostaria, tenho feito força pra isso, embora tenham me acusado de favorecer as forças políticas que me apoiam, porque o senhor sabe, com o voto distrital uma campanha eleitoral sai bem mais barata. Há concentração, os candidatos não precisam correr de um lado para outro, etcétera. Por outro lado, sou obrigado a reconhecer que grandes talentos perdem a sua chance porque ficam dependendo de meia dúzia de conterrâneos que, muitas vezes – ou a maioria das vezes – não dá valor pra eles. Santo de casa não faz milagre e o senhor sabe o quanto o Brasil precisa, tanto de talento como de milagres... Acho que não passa. E até por isso peça para o Fonseca e o Rogério se acalmarem, ainda não é desta vez que vamos endireitar tudo, mas se o que denunciaram é verdadeiros, já fizeram muito. Convide eles para virem conversar comigo, se a versão do jornal for verdadeira. Preciso de gente assim aqui do meu lado. Ah, e identifique, por favor quem é esse advogado de lá, muito inteligente, me parece que o nome dele é Carlos.     — Está certo, presidente. Irei até lá. Quando chegar, lhe faço o relatório das providências... E se houver necessidade mais urgente entro em contato por telefone.     — Está certo Vitório. E bom trabalho.

 

II Capítulo      O Vitório desembarcou com o pé direito: o jornal, que tinha feito uma pesquisa, já dava resposta às questões que precisava responder ao presidente. De fato a cidade estava transformada num caldeirão, mas era preciso colocar ordem naquilo... De chegada, no hotel, um recado lhe esperava, era do deputado Flores que, pelo jeito, mostrava-se extremamente preocupado, especialmente com a missão de Vitório. Também dois jornalistas pediam entrevista e a mulher do prefeito dizia, em outro recado, que precisava falar com ele urgente.     — Meu Deus – pensou – o que fazer primeira? Vou dar atenção às mulheres, é uma questão de cortesia:     — Dona Olga, é o Vitório. Acabei de chegar, como soube da minha vinda?     — Ah, senador, cidade pequena é assim e uma pessoa tão importante como o senhor não chega assim no escuro. Todo o mundo sabe, acho que o Alencar foi quem deu a notícia, o

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senhor sabe, aquele sempre sabe de tudo! Mas preciso falar urgente com o senhor, estou extremamente preocupada com o Alonso, a saúde dele não está boa, isso tudo rebentou com o homem e o que estou querendo é que ele lhe conte a verdade antes que outros lhe digam coisas erradas. O senhor pode vir aqui agora?     — Dona Olga, antes eu devo fazer algumas ligações, são outras pessoas pedindo para serem ouvidas, a senhora sabe como é.     — Mas é por isso, senador. O senhor me desculpe por insistir, mas o senhor não deve falar com ninguém antes de ouvir o Alonso, é importante o que ele vai lhe contar, pode estar certo!     — Dona Olga, todos acham importante o que têm pra dizer numa hora dessas. Veja, o deputado Flores também quer falar comigo urgente e há o jornal aqui me esperando, também querendo saber o que houve. Preciso me organizar primeiro. Vamos com calma.     — Senador, não há como ter calma, senador. O que o Alonso vai lhe dizer eu digo agora: o dinheiro foi pra campanha do Flores e o Alonso pode contar tudo. Além disso, olhe, ele não está bem...     — O que a senhora me diz, dona Olga, é muito grave. A senhora me desculpe, mas vou repetir: é muito grave...     — Grave ou não grave é o que é, ou o senhor veio aqui para esconder as patifarias do Flores? Se nem eu escondo os erros do meu marido? Que política é essa, que missão é essa que o senhor veio fazer aqui?     — Está certo, dona Olga. A senhora venceu pela veemência com que se expressou. Vou agora pra aí.

     — Não, não posso conversar com os senhores agora, prometo uma entrevista para depois, quando estiver tudo mais esclarecido.     — O senhor viu a nossa pesquisa?     — Com certeza.     — E o que achou?     — Que devo ter muito cuidado!     — Não se preocupe, senador – isto é, conosco não precisa ter cuidado.     — Senhores, nunca tive cuidado com a imprensa, sei da seriedade com que trabalham e conheço a importância da informação. Mas sei, também, que precisamos agir com firmeza na busca da verdade. Portanto, não posso ser leviano falando agora. Mas logo que tiver condições avisarei os senhores, não vou esquecer. Eu prometo.     — Está certo, senador. E agradecemos a sua compreensão... Mas, por favor, somente uma informação, o senhor veio em missão do presidente da República?     — Vim, senhores. O presidente está muito preocupado, mas peço para o sucesso do nosso trabalho e do nosso pacto, que essa informação seja guardada pelos senhores para divulgação na hora oportuna. Posso contar com os senhores ou devo estabelecer limites na nossa convivência?     — Absolutamente, senador. Conte conosco assim como esperamos contar com o senhor.

     — Entre senador, é um prazer enorme revê-lo aqui.     — E como estão as coisas, Alonso?     — Preocupam, senador. Mas vamos conversar.     — Aonde podemos conversar, reservadamente?     — No meu escritório.

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     — Então vamos, vamos colocar os pontos nos is?     — Com certeza. Olga, Olga, manda servir dois uísques pra nós, com alguns salgadinhos. O senador deve estar cansado.     — Um pouco, Alonso, mas sobretudo preocupado.     — Então também estou.

     — Olha, Alonso, isso é muito sério, não sei como o Tribunal de Contas vai encarar isso. Pode dar cadeia, sabia?     — Agora sei. Quando acordei em fazer não sabia, lhe confesso. Mas, o que fazer?     — Primeiro, preciso de uma declaração sua, por escrito e, depois vou conversar com o presidente. Não sei o que ele vai dizer, mas posso assegurar que não vai gostar nada.     — Mas será que não vou contar com a compreensão e o apoio dos companheiros?     — Se for assim, acho difícil. O presidente foi muito claro pra mim, acha que está se esforçando para corrigir as coisas e não pode comprometer seu governo com coisas dessa natureza. Mas vamos ver o que eu posso fazer. Faça a declaração, por favor.     — Está bem... Vou escrever de próprio punho, que é para ficar entre nós esse assunto, até que as coisas fiquem melhor esclarecidas.     — Alonso, Alonso, tu estás bem?     — Ahnnn...     — Por favor, Alonso, o que está acontecendo? Dona Olga, dona Olga, venha cá, rápido.     — Meu Deus, senador. Vou chamar a doutora Orfila, urgente.     — Alonso, deita aqui e te acalma, por favor.     — A doutora Orfila já vem. Alonso, fala comigo.     — Ele está inconsciente, dona Olga. Traga gelo, por favor e vou tentar um boca a boa enquanto não vier ajuda. Peça uma ambulância, rápido, e não se preocupe em esconder isso porque a vida dele é mais importante.     — Está certo, senador.     — Ah, doutora, por favor, aqui. Estou preocupada. O senador está lá com ele, também está preocupado.     — O senador está aí?     — Está.     — Ai meu Deus, vamos lá, rápido. E a ambulância, pediu?     — Já.     — Sim, senador.     — E então, doutora?     — Não há mais nada a fazer, infelizmente.     — O que a senhora está me dizendo?     — Que ele está morto, senador. A emoção deve ter sido muito forte.     — Pelo amor de Deus, é só um mártir que faltava...     — O que disse?     — Nada. Cuide de dona Olga que eu vou tomar outras providências.

     — Presidente, aconteceu o pior.     — Como, Vitório? Por favor, diga alguma coisa...     — Alonso morreu.     — Morreu?     — É o que lhe digo, foi agora, estou meio perdido. Foi depois de ter confessado toda a

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confusão, não está fácil isso aqui. O senhor pode mandar urgente alguém para me auxiliar, principalmente um assessor de imprensa, que é para eu me despreocupar com a imprensa e a comunicação com as pessoas?     — Fica tranqüilo, Vitório. Agora mesmo vou falar com o governador, terás toda a assistência. Me dá notícias, fiquei preocupado...     — Eu também estou, mas fique tranqüilo, saímos dessa. Estou preocupado, isso sim, é com esse mártir. O senhor sabe que em política nada melhor que um mártir.     — É, a história diz isso. Vamos ver como podemos fazer isso. Dá notícias, amigo Vitório. Olhe, não queria estar na sua pele!     — Nem eu!

     — Dona Olga, fique calma. A honra do seu marido será resgatada. Eu falei com o presidente, a senhora terá o nosso respaldo.     — Olhe, senador, estou muito confusa, mas acredito que o amor de Deus há de estar comigo. Que bom que o senhor está aqui. Isso é uma graça. Me ajude, por favor!     — Conte comigo, não vou embora sem ver tudo resolvido, e bem resolvido.     — A imprensa quer falar com o senhor.     — Ah, Deus amado. Agora não!     — Mas o senhor sabe como eles são. Assim como eu tenho força, o senhor também vai ter força para resolver tudo. Me ajude, por favor. A honra do Alonso pra mim é tudo!     — A senhora é mais forte do que eu imaginava, tenho até vergonha do meu medo e das minhas fraquezas. Tratarei disso, fique calma.

     — Doutora Orfila, que momento nós dois estamos vivendo e que circunstâncias!     — A vida é assim mesmo, senador Vitório: temos tudo na mão, a segurança, a vida, a certeza, e – de repente – Deus nos tira. Tirou de mim a capacidade de salvar e tirou do senhor a capacidade de vencer um impasse político, que eu sei, muito difícil. As circunstâncias, senador! O senhor já ouviu falar das circunstâncias, senador? Ou a vida lhe foi tão generosa que esqueceu de perguntar por que as coisas lhe acontecem?     — Estou, neste momento, me perguntando sobre isso. É interessante que a senhora fale nisso! Vamos conversar?     — Quando?     — Bem, daqui um pouco as coisas estarão encaminhadas. Vamos jantar? Espero que seja um jantar tranqüilo, que nos reserve momentos de muita sabedoria.     — É uma boa idéia. Não tenho, hoje, mais forças. Preciso me perguntar um monte de coisas. Acho que o senhor será uma boa companhia.     — Farei o possível, Orfila... Admirei a sua competência e seu esforço. Não vou esquecer o seu comportamento e acho que pode contar com este amigo. Então é melhor a gente reforçar esse vínculo, conversando sobre a vida.     — Estou começando a entender porque o senhor é senador!     — Não diga bobagens. Nem eu sei!     — Não me diga!     — Digo sim. Mas isso é conversa que demanda muito tempo e agora não temos muito. Precisamos assistir aquela gente. A senhora curando corpos e almas e eu tratando da política, que é a arte – segundo Platão, se não me engano – da convivência. Que Deus nos ajude!     — Bem, como médica, recomendo a nós dois, um bom jantar e uma dose razoável de

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vinho... Depois vamos tratar dos acontecimentos e deixar pra amanhã ou depois o que a vida nos reservou desse episódio.     — Aprovado. Vamos lá.     — Antes, senador, fale com o Fonseca e o Rogério pra que eles tomem conta disso aqui. Vai ser um pandemônio, o senhor pode acreditar!     A nossa conversa estava tão boa que até esqueci desses detalhes. Sabes, me transportei, mas é preciso ter a realidade. É vero, Orfila. Vou falar com eles. E vê aonde vamos jantar, reserva um lugar tranqüilo, estou cansado de agitação. Ou aqui não tem um lugar assim?     — O senhor não vai acreditar, mas aqui só é tranqüilo no motel, ali todo o mundo se esconde e ninguém perturba!     — Te animas a ir ali comigo?     — (Rindo) Se é para ter tranqüilidade faço qualquer coisa!     — Não podias ter idéia melhor...

     — Senador, se descobrirem nós dois aqui, nesta noite, vai ser uma tragédia ainda maior!     — E por que pensar em tragédia maior do que já houve?     — O senhor tem razão.     — Não sou senhor de nada, embora senador provoque esse trocadilho. Esquece, eu nasci em 44 e a senhora?     — Esquece a senhora! Eu nasci em 47. Vamos falar sobre a nossas vidas e esquecer um pouco as tragédias alheias?     — Com certeza! Mas, antes, vamos programar nossos compromissos: a que horas precisamos retomar o controle da situação?     — Bem, agora são 11 horas, antes das quatro, cinco da manhã não vão dar falta dos nossos serviços.     — Então, que Deus nos dê uma noite de encontros.     — Amém, senador. Não, Vitório. Teu nome é divino, que bom te conhecer?     — E teu nome? Or? Não sei o que é... Fila? Ah, meu Deus, será que tem tanta gente assim te querendo?     — Até pode, mas eu busco a vitória. Não sei se o Vitório, disse rindo e quebrando o protocolo de vez. Vamos ao vinho? Ele consagra o espírito e dá luz à vida.     — É a médica que diz?     — Não, é a mulher. Nós temos útero, conhecemos o mundo, e muitas vezes – ou quase sempre – sem saber que é assim.     — Você me surpreende cada vez mais!     — Não fique tão impressionado, não vale a pena. Somente pergunte à tua alma o que ela quer, os fetiches da vida às vezes nos fazem sangrar, resista a eles Vitório, o teu não consagra isso?     — Aonde aprendeu essa anatomia da alma?     — Na vida, Vitório.     — Fale sobre ela, estou interessado!     — Se me prometeres que saberei tanto da tua como te contarei da minha.     — Esteja certa...

     — Vitório, Vitório, já são sete horas, por favor acorda!     — Ai, meu Deus, que susto! O que há, onde estou?     — Está num motel comigo, a doutora Orfila, o Alonso está morto, são sete horas e o

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ilustre senador tem uma encrenca dos diabos pela frente. Dá pra entender? E, se for sensato – como imagino – não vai arrumar mais encrenca agora. Vamos dar o fora daqui, um de cada vez, lá adiante da vida nos falamos. Está bem?     — Como está bem? Não é bem assim!     — Pronto: todos os homens são iguais, quando se sentem ““comidos”então viram bicho e acham que algo está errado. Deixe de ser criança! O senhor tem uma enorme responsabilidade, já se divertiu bastante, não foi? Pois então raciocine e trate de assumir os acontecimentos! Tchau.     — Orfila, pelo menos o teu telefone!     — Ora, senador, tem um defunto nos esperando e uma burra confusão política na cidade. Será que o senhor pode ser mais ágil?

     — Não acredito no que estás dizendo, o senador e a Orfila? Ah, Alencar, como tu és maldoso, homem!     — Maldade é não enxergar o que Deus quer mostrar! E que presente! O deputado Flores vai adorar: um mártir e um concubinato. Existe história melhor para uma vingança? E ela vem...     — Que Deus me livre da tua boca!     — Até parece, Suzana, que a tua língua não corta dos dois lados! Pra cima de mim?

     — Olha, vou te dizer uma coisa: não te mete comigo porque o meu Santo é muito forte e não é de ti que ele vai ter medo!     — Santo não se mete nas patifarias das pessoas. Ou tu esqueces de contabilizar o errado que fizestes na Prefeitura? Pois eu não, me lembro de tudo.     — Lembrar por lembrar eu também lembro. E não só lembro como tenho prova, Alencar.     — De que tu estás falando, Suzana?     — Daquela conversa que tivestes com o Flores, nas costas do Alonso, e que eu gravei...     — Tu gravastes?     — Pois gravei... Mas o Santo não se mete na patifaria das pessoas...     — Oh, Suzana, meu amor, eu tava brincando contigo. A gente podia ir pro motel, feito o senador e a doutora Orfila, que tal?     — Vai te catá, vagabundo. Tu pensas que comprar uma mulher é como comprar tantos políticos como fizestes por aí?     — ...Eu não tô dizendo que essas mulheres dão medo...

     — Choro e choro sem remorso pela vida de Alonso! Não digam os seus inimigos e meus também que o túmulo salva qualquer pecado. Não estou dizendo isso. Da vida que ele levou Deus sabe, da vida e da amizade e compreensão e desafios que nos presenteou nós sabemos. Não será – nunca – um morte que vai me dizer – ou fazer revisar – os conceitos que tenho das pessoas e falar bem alto aqui quais são seus méritos. Não tenho vergonha de dizer que dizer que discordei de Alonso, como não tenho vergonha de dizer que foi um homem bom e que, por ser assim, nos fez políticos e participantes. Que sua alma suba ao Céu e que dele tenha toda a luz que merece!     — Meu Deus, a professora Mara lembrou tudo o que aprendeu na escola, fala com sabedoria, comentou alguém no meio do povo...     — Estou aqui falando em nome do presidente, para dizer aos senhores e – mais que isso

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– testemunhar nosso apreço pelo trabalho do prefeito Alonso. Deixou grandeza, porque quando se viu no meio das torpezas da política foi honesto consigo, com sua família, com seu Partido; deixou um trabalho de reconstrução, como a professora Mara falou. Não podemos nesta hora sagrada sermos vendettos do seu espírito, só podemos e, sobretudo, só podemos pedir à Deus redenção e luz para o seu espírito e, em nome dele, que a política nesse lugar seja de agora em diante algo melhor e maior.     — Meu nome é Olga e sou mulher de Alonso e me apresento para os que aqui estão e porventura não me conheçam. Dignifica seu espírito as palavras da professora Mara e do ilustre senador Vitório. Aos inimigos de Alonso – que eu sei bem quem são – mando esse recado: vocês tem pela frente a minha dor, a minha tragédia, mas também terão que experimentar a minha força! De agora em diante sou por direito e vontade a herdeira política de Alonso e vou mostrar para os cretinos que o traíram que terão que me enfrentar. A vida dele não tem volta, mas a justiça tem! E chorando, mas com muita força e decisão, disse: senador, diga ao presidente que esta terra tem dono, somos os filhos daqui, seus donos e ninguém irá nos demover dessa luta. Se ele estiver conosco, tudo bem. Se estiver com os traidores sofrerá a dor dos que traíram.     — Dona Olga... que coisa comovente, a sua força. Que destino...     — Dona Olga, a senhora tem o nosso apoio...     — Dona Olga, que justiça, as mulheres daqui saberão responder à sua força...     — Dona Olga, que maravilha, somos irmãs...     — Dona Olga, a senhora domou muita gente hoje e ensinou os que não acreditavam nisso. Vá em frente. Estamos com a senhora...     — Dona Olga...     — Ah, Mara, que as palavras as tuas, não vou esquecer...     — Eu é que não vou esquecer a sua força, a sua coragem nesta hora. Deu uma força pra gente e uma lição, meu Deus!     — Aqui, dona Olga, posso lhe ajudar?     — O senhor já ajudou muito, senador. Só não sei se atrapalhou. Amanhã é que vou saber, de qualquer maneira, obrigada por estar aqui. Agora vá e diga para o presidente o recado que mandei e chega de voltas, perdi meu marido e com ele um pouco da minha vida. O que tenho que fazer é recuperar algumas dessas coisas, e não venha o senhor me dizer que política é assim... era assim! Avise para o presidente.     Um pouco constrangido diante da sinceridade de dona Olga, respondeu: com certeza. A senhora precisa de alguma coisa?     — Só de calma e muita saúde, porque lá do céu o Alonso vai dizer o que eu tenho que fazer. Me esperem...

     — Credo cruz, as mulheres viraram o mundo do avesso, tu não vistes?     — Se vi! E também estou fazendo credo cruz. Que a Virgem Maria tenha lástima de nós.     — Mas tu rezas pra ela, homem?     — Olha, até nem sei.     — Pois então não adianta. Quem não acreditou até agora, agora não tem mais tempo. A coisa virou, tu não vistes?     — Meu Deus, vou até a igreja colocar uma vela pra Santa, pode ser que ainda haja tempo...     — Pra tua alma, Alencar, nem com vela...

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     — Senhoras e senhores: um tempo novo, resultado da luta e da desdita foi aqui traçado. Estamos a caminho de outras verdades e de outros tempos e nosso Partido precisa receber com carinho esses novos ventos. Vamos sentar e conversar?     — A mesa tem que ser redonda, gritou dona Olga.     — Dona Olga, a senhora nos ensinou que a mesa tem que ser redonda... Faça os convites e vamos traçar o nosso rumo...     — Olhe, doutor, sou bastante vivida pra saber que essa coisa de vaidade não leva à nada. Então não me venha com essas estórias. Quero participar, já disse que isso sim, e isso eu disse no túmulo do meu marido. Portanto, não me perguntem mais sobre a minha decisão, mas também não me peçam para comandar as coisas porque o senhor sabe que eu não tenho condições para isso.     — Está bem dona Olga, eu entendo. Perdoe o meu entusiasmo!     — O senhor está perdoado, mas vamos tratar do que aqui hoje?     — Precisamos retomar o comando, a vida política deste País está virando um caos e acho que demos um belo exemplo de daqui pode nascer algo bastante forte e, sobretudo, verdadeiro. Vamos ver o que podemos fazer?     — Vamos – respondeu dona Olga -, que propôs: que tal a Mara como articuladora desse processo?     — Dona Olga, a senhora tem o nosso respeito, podemos considerar a sua sugestão e colocar em votação.     — Olhem, só quero uma coisa de vocês: livrem esta terra do Alencar e do Flores e depois vamos conversar... Aí sim, temos muito o que fazer, que tal?     — É por aí que vamos começar...     — Eu tenho prova contra os dois, o meu trabalho será esse. Vocês deixam?     — Mas é claro, dona Olga.     — Então amanhã quero mostrar os documentos que eu tenho para o doutor Carlos, que – aliás – sempre respeitei como homem idôneo e de uma inteligência privilegiada. Se o Alonso tivesse me ouvido...     — Obrigado dona Olga. A que horas poderei ir na sua casa?     — Levanto cedo, doutor. A hora que o senhor chegar estarei à sua espera.     — Então, até amanhã... A reunião está encerrada, até porque é amanhã que começa, verdadeiramente, o nosso novo dia, disse Rogério. Boa noite.

     — Não acredito no que estou vendo! Meu Deus do céu, o que é isso?     — Isso é o que o senhor está vendo, fizeram essa enorme fraude – a idéia e o ensinamento foi do Flores – com a ajuda do Alencar, é claro.     — Mas e o seu marido...     — Eu não estou querendo dizer que ele não entrou nessa. Claro que entrou e por isso acabou como acabou. Mas ele foi julgado (e como foi), por que os outros não vão ser? Quer dizer, vão continuar fazendo as safadezas e cada vez mais?     — Não é isso, dona Olga. Não esquente seus nervos! Sabe que somos amigos e estou aqui para ajudar. Estou preocupado é com o que a senhora me mostrou. É que isso muda toda a história: na verdade, seu marido não foi eleito! A Justiça pode pedir – entre outras coisas – que a senhora devolva o dinheiro que o seu marido recebeu sem ser prefeito. Vale a pena a gente contar para os outros o que está aqui?     — Ah, mas não me diga uma coisa dessas, pelo amor de Deus!     — Pois é o que estou lhe dizendo, a senhora resolve e eu vou fazer o que a senhora

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quiser.     — Ah, doutor, agora me atrapalhei... Essa estória de dinheiro sempre confunde a gente e outra: por que eu tenho que pagar o pato pelo Alonso?     — É o que estou pensando... Embora ache, como admirador da Justiça, que a verdade deve prevalecer.     — Mas que Justiça, doutor? Que Justiça? O meu marido está morto e quem me devolve ele, me diga.     — Olhe, é melhor a gente esquecer isso. Lhe aconselho a não falar pra ninguém, é melhor assim...     — Mas o pessoal do Partido vai querer saber dos documentos que fiquei de lhe entregar, o que vamos dizer?     — Que roubaram, não é uma saída boa?     — Sim, mas se quiserem saber do que realmente se tratava, o que vou dizer?     — Que a senhora não sabia o conteúdo, que apenas tinha guardado um pacote que o Alonso tinha lhe dado, dizendo conter um segredo muito grande e que podia lhe ser útil. Que na ocasião ele tinha falado qualquer coisa sobre Flores. Fica bem, não?     — Fica doutor, fica. É melhor mesmo!     — É melhor dona Olga, é melhor.

     Dona Olga ficou um pouco desorientada com o que ouviu e resolveu tomar um chimarrão com a vizinha, pois não conseguia ficar só. E agora – pensava – o que fazer? E eu que pensava que contando aquilo dava a volta por cima e salvava o nome do Alonso... Mas, e agora? Não, não vou pensar mais... Vou tomar um chimarrão, quero ver se as idéias ajudam.     — Oh, dona Olga, que visita boa. Chegou na hora do chimarrão, só estou estranhando a hora, é tão cedo, não é?     — Nem sei, já me acostumei em levantar cedo, que nem noto...     — Mas a senhora me parece nervosa, alguma coisa lhe preocupa ou é só saudade, dona Olga?     — (Tentando disfarçar) Não, é só saudade, só saudade...     — É, mas a senhora está tão branca...     — Ah, meu Deus, agora é que a senhora vai me deixar nervosa...     — Não, não fique nervosa.     — Pois estou...     — Dona Olga, dona Olga... Meu Deus, socorro, socorro...     — O que foi?     — O que foi?     — Chama um médico, urgente.     — Chama uma ambulância, agora, urgente...

     — Não dá mais tempo pra nada, vocês não vão acreditar: dona Olga também está morta!     — Mas, afinal, o que está havendo, o que está fazendo essa gente morrer?     — Olha, quem pode saber alguma coisa é o nosso ilustre advogado, foi o último que esteve com ela e na reunião do Partido dona Olga anunciou que ia revelar um segredo do Alonso para liquidar com o Flores e o Alencar.     — E o que foi que ela contou?

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     — Só falando com ele.

     — Rogério, mas por favor, por que vamos contar tudo isso agora, por que vamos mexer nisso tudo? Será que vale a pena?     — Claro que vale! O nosso lema é a decência, e vamos começar por casa.     — Está bem, chama a imprensa, eu vou revelar o segredo de dona Olga.

     Eustáquio, o jornalista do jornal A Cidade, estava boquiaberto com o que ouviu... Apesar da sua experiência, não podia deixar de ficar surpreso. Pois não é que eles da imprensa também tinham sido enganados. Foi na cara deles a fraude. Acabou por ficar com um pouco de vergonha, afinal – raciocinou – sua competência não era como achava que era.     — Aí está senhores, a verdade dos fatos: uma fraude eleitoral, sacramentada pelo deputado Flores e com a benevolência do senhor Alencar. Agora vou telefonar ao senador Vitório para que dê conhecimento ao presidente. Imagino que o senador vá imediatamente ao Tribunal Superior Eleitoral dar conhecimento dos fatos e pedir instruções, embora o nosso juiz de Direito, com quem já falei, tenha entrado em contato com o Tribunal de Justiça Eleitoral e o Tribunal de Contas.     — E quem foi que concorreu com o Alencar?     — O Fonsequinha.     — O Barbeiro?     — É.     — Bem que eu pensei naquela ocasião que falei com ele: Preciso guardar esse nome. Por isso ele sabia tanto... Vai ver sabia disso também, mas deve ter ficado com medo.     — Medo, mas medo de quê?     — É o que vou tratar de saber...

     — Fonsequinha, então você é, na verdade, o nosso prefeito. Sabia disso?     — Sempre desconfiei.     — E por que nunca falou? Teve medo?     — Tive um pouquinho de medo, sim. Tu sabes, quem faz isso, faz pior...     — E agora, o que o senhor acha que vai acontecer?     — Eustáquio, ainda não quero falar para a imprensa. Preciso antes conhecer a decisão do Tribunal Superior Eleitoral – acho que é um caso inédito, não é? – e também do Tribunal de Contas. Olha, não quero pagar a conta de ninguém... que tu acha?     — O senhor continua irônico e bem informado. Eu espero, mas quero uma entrevista exclusiva em nome da nossa antiga amizade.      – Está bem, Eustáquio, fique tranqüilo.

     — Mas Vitório, isso não é possível! Não é possível!     — É, presidente. Mas é o que aconteceu. E foi no nosso Partido. Isso é extremamente perigoso para todos nós, temos que tomar medidas enérgicas. Se o senhor concordar, vou pedir ao presidente do Partido que solicite ao Tribunal Eleitoral a cassação do deputado Flores e o registro do Alencar da direção municipal. Não dá para meias medidas, o senhor não acha?     — Deixa eu pensar um pouco, não te afobes?     — Presidente, com todo o respeito – o senhor está longe do eleitorado, o senhor está

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longe das ruas. Um precedente desse tipo destróe com todos nós.     — Vitório, embora não tenha gostado do que dissestes, prezo a tua capacidade política. Vamos tomar providências, sim. Vou ligar agora para o ministro e sugerir as medidas que pedistes. E fica atento. Qualquer coisa, liga. Ficas com o direito de me interromper em qualquer circunstância, ok?     — Agora sim, presidente, lhe vejo nas ruas. Que seja um bom combate!     — E vai ser...

     A barbearia do Fonsequinha virou sala de reunião dos partidos, das rádios e dos jornais. Tudo acontecia ali, e ele – faceiro como nunca – estava no centro das atenções.     — Ei, Fonsequinha, já pensou se a gente tiver que pagar os vencimentos atrasados?     — Olhe, não acredito nisso, eu não trabalhei. Nem sequer atrapalhei aquele lote de safados que tomou conta da Prefeitura. Sim, porque se eu tivesse querido, tinha feito um bom barulho.     — Ah, Fonsequinha, deixa de engrossar, tu só fala grosso agora que descobriram tudo.     — Ainda bem que descobriram, porque eles iam aprontar outras. Por falar nisso, aonde andam o deputado Flores e o Alencar? Bem que as rádios e os jornais podiam fazer esse serviço pra gente...     — Sumiram, Fonsequinha.     — Como você sabe Eustáquio?     — Ou o senhor acha que eu não estou atrás deles?     — Quem vai gostar disso é o Vicente Lopes.     — Por que?     — Ué, ele é o suplente do Flores.     — Ah, é. Vamos entrevistar ele. Aonde é que a gente pode encontrá-lo, hein Fonsequinha?     — Telefona para o Banco Central, eles dão notícias.     — Mas que veneno é esse, Fonsequinha?     — Não é veneno, não. Ele é funcionário aposentado do Banco Central, não sei onde está morando agora.     — Hein, o senador já ligou?     — Vocês esqueceram que somos adversários? Claro que ele agora vai aparecer esparramando toda aquela diplomacia, até porque o presidente deve estar preocupado.     — O País todo já está falando desse rolo, que não sobre para o presidente porque a reeleição vai para o espaço!     — Não se preocupem que ele é bastante esperto para dar a volta por cima!     — E o que vais fazer, Fonsequinha? Vais concorrer de novo que é pra ter o gosto de administrar a tua cidade? De verdade, é claro.     — Não, mas vou apresentar um nome para o meu lugar...     — E quem é?     — E tem graça eu dizer pra vocês, agora?     — Entramos no terceiro ato, é Fonsequinha?     — Bem que tu tens razão, isto aqui está que é um teatro!     — Sim, fala.     — Eustáquio, saiu uma Nota Oficial da presidência da República e do presidente do Tribunal Eleitoral.     — E aí, meu?

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     — Ora, que tudo será devidamente esclarecido para o bem da ordem pública, etc. etc..     — Estão tentando apagar o incêndio?     — Com certeza.     — E a oposição?     — Está reunida, acho que quer tirar “leite das pedras” já em outras suspeitas, também em outras cidades. Estão sensacionalizando.     — Pra variar, não é?     — Nisso a gente tem de ter cuidado, eles sempre vão além da conta... isto é, dos fatos.     — Bem, de qualquer maneira, têm agora a Prefeitura na mão, só que eu acho que não têm o Fonsequinha na mão, afinal – sem trocadilhos – deixaram ele na mão.      — Ele está com esse espírito, é?     — Foi o que senti.     — Bem, fica atento e entrevista ele sobre isso.     — Com certeza.

     No enterro de dona Olga teve um número recorde de mulheres. Os homens sumiram.     — Mara, tu não estás achando estranho isso?     — Estou, fica quieta. Na verdade, não gostaram do gesto dela revelando o segredo do Alonso. Tu sabes como é...     — Mas era só o que faltava, colocarem as coisas desse modo. Tu não achas?     — Claro que acho. Na verdade são todos uns idiotas, mas não sou que vou dizer, ainda mais agora.     — É verdade.     — Tu não vais falar?     — Não convém, não convém...     — Minha amiga, tu não és fácil. Por isso és a minha candidata.     — E tu, minha secretária. Gostastes?     — Claro que sim...

     — Vitório, o presidente do Tribunal pediu uma reunião e vai pedir a posse imediata do Fonsequinha e a cassação do deputado Flores. O que tu achas?     — Acho que as coisas ficam bem assim, mas tem de ser urgente!     — Vão se reunir daqui a pouco. Fica atento!     — Está bem, presidente.     — Olha, me comunica a reação do Senado e liga para o Rogério, quero saber da situação local.     — Está bem, presidente. Devo lhe avisar que a oposição está pretendendo armar um circo, mas pedi uma reunião da bancada para controlar isso.     — O que já devias ter feito.     — O senhor tem razão, desculpe.

     FRAUDE ELEITORAL REVELA FRAGILIDADE DO SISTEMA, essa a manchete do jornal A Cidade, que trouxe na sua edição detalhes dos fatos e uma entrevista exclusiva com o deputado Flores, sem entretanto, revelar o lugar do seu esconderijo. Informa o jornal que o deputado contesta a versão de dona Olga e pede que o Tribunal seja isento no seu julgamento, mas não consegue ser muito convincente na sua defesa. E pergunta:

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     — Por que o senhor se escondeu?     — Ah, meu filho, os inimigos nunca mandam flores. De longe posso observar melhor os acontecimentos e examinar os fatos com clareza para uma melhor defesa.     — O senhor já nomeou advogado?     — Não será necessário, eu mesmo farei a minha defesa no Tribunal. De outra forma, deixo a vida pública, estou um pouco enjoado disso tudo.     — Mas o senhor é a vítima?     — E como não? Por que eu tenho que arcar com as irresponsabilidades do finado Alonso e de um grupo de correligionários que armaram isso?     — Mas dizem que o senhor foi o mentor intelectual disso, é verdade?     — É mentira, fica mais fácil dizer que sou eu.     — E quando o senhor vai falar ao jornal, queremos publicar sua defesa em primeira mão?     — Farei isso, vocês sempre me prestigiaram. Eu telefono.     — O presidente não gostou do resultado da reunião, o Tribunal está dividido – disse o senador à bancada -, e já começa a ficar preocupado. Acha que perdemos tempo e, também, que devemos ter mais cuidado com as escolhas que fizermos. Temos descuidado da ética e isso ele não suporta, vocês sabem...     — Pois então que ele não dê guarida a certos tipos que andam pelo Partido.     — Ah, meus amigos, vamos acalmar os nervos, esta não é a hora pra isso. Vocês já imaginaram isso nas manchetes dos jornais? Pois eu já! É tudo o que a oposição quer.     — É, mas que não atire pedra, então.     — Está bem, está bem.     — E a que horas sai a decisão do Tribunal?     — Não sabemos. De qualquer maneira o presidente mostra-se preocupado e os militares olham de longe – por enquanto – para tudo isso.     — Era só o que faltava, os militares de novo...     — Facilita pra tu vê!     — Meus amigos, os tempos são outros, o mundo mudou, essa revolução nas comunicações deixa os fatos à descoberto. Fica difícil, ou mais difícil, manter as safadezas.     — Até aí tu estás certo. Mas como podemos resolver essa questão aí? E se houve outras fraudes?     — Não vai falta esperto para inventar outras histórias, é por isso a preocupação do presidente da República e do presidente do Tribunal. Não querem deixar a coisa degringolar.     — Nem enrolar... sem trocadilhos.     — Cuidado com o veneno, cuidado!

     A rádio da cidade anunciou em edição extraordinária: “Atenção: o Tribunal decidiu marcar novas eleições pois segundo declarações do seu presidente, querem o processo todo passado a limpo. O deputado Flores a processo e Alencar fica, desde já, inelegível por cinco anos. O Tribunal – dizia o editorial da rádio – revelou-se extremamente competente quando detalhou a fraude e alertou que não sofrerá pressões e nem incorrerá em erro em outros casos que, por conveniência, vierem a ser anunciados.”     O alvoroço na barbearia do Fonsequinha foi geral:     — Bem, nesse caso, vamos à luta: quem será o candidato do nosso Partido?     — Só tem um nome, no meu ponto de vista: a professora Mara Rodrigues.

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     — Ah, essa não. Agora deu a moda das mulheres.     — Não é moda não, ele tem tudo pra ganhar a eleição disparado. Faz parte da ala renovadora do Partido, além de termos nela a presença da oposição do Partido, aqueles correligionários que se revoltaram contra essa série de absurdos. Quer melhor?     — Bem, se é assim, vamos de Mara.      — Vamos saber o que o presidente acha?     — Vai perguntar para o Vitório, claro.     — Realmente o Vitório sabe porque esteve aqui e acompanhou boa parte dos acontecimentos.     — Veio até consultar aqui.     — Como assim?     — Pergunta pra ele pela médica Orfila.     — Mas que estória é essa?     — Não e estória, é história, caro colega.     — Novamente, coisas assim. Vamos nos deter no processo político e o caso de cada um é de cada um, disse Rogério.     — Que tal sugerirmos ao presidente uma conversa com a professora Mara?     — Acho uma boa idéia, mas vamos, primeiro, falar com o presidente, ok?     — Está bem.

     No Palácio esse era o assunto do momento:     — Já tive notícias pelo Vitório dessa moça. Se vocês concordarem, ela é mesmo a nossa candidata.     — E a situação do deputado Flores, presidente?     — É delicada, ele é que terá que dar suas explicações. De qualquer maneira, devemos esperar a decisão do Tribunal para decidirmos pelo Partido.     — Presidente, não será bom mandarmos chamar a professora para que conheça melhor a estrutura nacional do Partido e tire uma foto com o senhor para que fique bem claro durante a campanha que ela conta com seu apoio, sobretudo pela honradez e coragem com que se houve no episódio?      — É uma ótima idéia. Quem fará isso?     — Certamente o Vitório, presidente.     — Não, quero o senador Alexandre nessa nova etapa.     — Mas, por que?     — Tenho os meus motivos, é melhor para todos nós.

     O jornal A Cidade anunciou na sua manchete: MARA RODRIGUES É A CANDIDATA DO PRESIDENTE e informou no seu noticiário a decisão do Tribunal, a escolha do senador Alexandre para coordenar as decisões políticas e a frustração do Fonsequinha que, apesar disso, revelou que o nome que ele iria lançar – como prometera – era o da professora Mara. E encerrou seu noticiário, perguntando: unanimidade?

     Sim, respondeu a população na primeira pesquisa. E o povo argumentou com diversas razões:     — Mara é professora, vai governar como ensina. (Claro que essas respostas eram dos mais entusiasmados.)     — Foi ela a primeira a ter coragem de enfrentar o Alonso e arrombar a porta para a

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gente ver a sujeira!     — Ela fala muito bem, lembram do discurso no enterro do Alonso?     — Ela foi injuriada pelo deputado Flores, um safado de quem ainda precisamos nos livrar. E muitos outros argumentos.

     QUEM SE ANIMA A SER CANDIDATO CONTRA MARA? perguntou o jornal na semana seguinte à transcrição da pesquisa, o que movimentou bastante a barbearia do Fonsequinha:      — Olhem, eu acho que o Alencar devia arriscar. Não era ele que tinha a chave do cofre.     — Pára de falar nisso porque além de inelegível ele pode parar na cadeia.     — Por mim, é onde ele devia estar há mais tempo.     — Não fica assim, Fonsequinha. Esquece, perdeste a eleição mas viraste notícia nacional, foi melhor que a encomenda. Deves usar isso para melhorar os teus negócios, quem sabe fazer outra coisa, melhorar a barbearia, coisas assim.     — Não estou falando de negócios e muito menos de levar vantagens ou tu esqueces o que eu passei?     — Pois vou levar teu nome à vice. Assim consagramos o Direito, o que achas Fonsequinha?     — Eu até que gostaria. Admiro muito a professora, ela seria a minha candidata, a que eu iria anunciar quando tomasse posse.     — Então vou agora dar jeito nisso, vou ligar para os companheiros. Vamos fazer de nossa cidade um exemplo de democracia.     — E sob a batuta de uma mulher!     — E daí? Te achas melhor que ela, por que? Olha que eu abro o bico!     — Não foi isso que eu quis dizer...     — É bom ficar humilde e colaborar, está bem claro?     — Está!

     MARA E FONSEQUINHA CONSAGRAM VITÓRIA DA DEMOCRACIA, estampou o jornal depois dos acertos finais e deu a data da eleição: 3 de dezembro com mandato até o fim dos mandatos municipais. A legenda da foto da professora Mara com o presidente dizia: A voz da coragem chegou ao Palácio e o presidente consagra a professora como candidata ideal.

     — Teremos – com certeza – tempos novos por aqui.     — É, eu me rendo!     — Ninguém pode mais com essas mulheres!     — E olha que elas estão apenas começando...     — Já vens com o teu entusiasmo desmedido.     — Eu já te mandei ficar quieto, não foi. Senão eu falo e tu sabes que eu sei de muita coisa.     — Que é isso?     — O que ouvistes. Chega de machismo de fachada, que só atrapalha as coisas. A Mara tem valor como qualquer outra pessoa, o próprio presidente, que é um homem esclarecido, soube ver isso. Só tu, com esse olhar perturbado é que quer saber mais?     — Está bem, está bem...     — E se não está vai ficar. Esta cidade merece ser moderna e civilizada.

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Page 32: O Voto no Distrito · Web viewO Voto no Distrito

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     — É assim que se fala – gritou o Fonsequinha na porta da barbearia -, assustando todo o mundo, e acabou aplaudido depois do discurso em que referendando o nome de Mara, pediu novos tempos.

     Repórteres de todo o País foram assistir a posse de Mara, não só por querer conhecer a figura da nova prefeita, que conseguiu algo inédito, não só porque reverteu todo o quadro político coma sua coragem e determinação, como porque obteve unanimidade, fato único até agora.     Mas a consagração maior veio com a versão televisiva destes acontecimentos, que teve como título: Quem tem medo de mulher?     — De Voto Distrital virou Voto Universal, gritou um gaiato que – tempos depois assistia a novela em um bar da cidade.     Foi quando a prefeita Mara Rodrigues chegou no local:      – E estamos de olho no mundo, moço. Não duvide, não duvide...      – E eu sou louco de duvidar?

ÍNDICEO VOTO NO DISTRITO

Capítulo II

© 2000 Ione Garcez [email protected]

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__________________Outubro 2000

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