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| CRISE • RUMO À INSTABILIDADE GLOBAL?rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/rumo_a_intabilidade...| CRISE • RUMO À INSTABILIDADE GLOBAL? A reação dos EUA às iniciativas dos emergentes

Nov 17, 2018

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  • | 28 GVEXECUTIVO V 14 N 2 JUL/DEZ 2015

    CE | CRISE RUMO INSTABILIDADE GLOBAL?

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    | POR OLIVER STUENKEL

    No ltimo ms de maio, The Carnegie Endowment for International Peace, um dos principais think tanks do mun-do, enviou uma srie de intrigantes perguntas aos seus principais especia-listas em relaes internacionais, entre elas: Cada dia parece trazer novos si-

    nais de instabilidade global. Ser que o nvel de turbulncia realmente indito na histria recente, ou essa apenas uma falsa impresso?

    UM MUNDO MULTIPOLARVai demorar anos at que a atual situao global possa ser

    interpretada corretamente, mas, em sua resposta pergun-ta acima, Thomas Carothers, um dos especialistas consulta-dos, argumenta que inmeros conflitos atuais como os em Israel-Palestina, Lbia, Iraque, Sria, Afeganisto, Paquisto, Ucrnia, Sudo do Sul, Repblica Centro-Africana, entre

    O mundo est se tornando multipolar com o declnio da liderana dos Estados Unidos. muito cedo, entretanto, para

    saber se isso aumentar as fontes de conflitos entre pases.

    outros so uma consequncia do recente processo de descentralizao do poder das mos dos EUA para os pa-ses emergentes. Esse processo multiplicar as fontes de conflitos violentos no mundo, prognosticou Carothers. Esse argumento popular, principalmente nos EUA, mas no est claro se qualquer um dos conflitos atuais seria menos grave em um sistema de unipolaridade. Amitav Acharya, por exemplo, especialista em relaes interna-cionais da American University, acusa pensadores libe-rais de pressupor cegamente uma relao direta entre a preponderncia estadunidense e a estabilidade mundial. A comunidade internacional, afinal, testemunhou con-flitos complexos nos anos 1990 (Ruanda, Iugoslvia, Somlia, Serra Leoa, Afeganisto, Cucaso, Repblica Democrtica do Congo, etc.), mesmo sob a liderana glo-bal dos EUA. Parece claro, segundo Acharya, que guer-ras sistmicas entre grandes potncias so menos pro-vveis em um sistema unipolar do que em uma estrutura

    RUMO INSTABILIDADE

    GLOBAL?

  • | CRISE RUMO INSTABILIDADE GLOBAL?

    A reao dos EUA s iniciativas dos emergentes deixa claro que eles no se sentem confortveis com a liderana de

    outros pases.

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    multipolar. Porm, a questo da polaridade parece ter pou-ca influncia nos conflitos de segunda ordem, como os que acontecem atualmente.

    LIDERANA E SEGURANA MUNDIALO segundo argumento de Carothers menos controver-

    so, mas talvez mais importante. Para ele, a situao atual desafia aqueles que comearam a acreditar que confrontos militares j no faziam parte do dia a dia das relaes in-ternacionais. Apesar de Amitav Acharya argumentar que a multipolarizao pode gerar mais cooperao, no h ne-nhuma teoria fundamentada que deduz a reduo do nme-ro de conflitos com o fim da unipolaridade. Em seu livro mais recente, o psiclogo canadense Steven Pinker parece estar certo quando explica que, visto de uma perspectiva de longo prazo, o mundo est se tornando mais pacfi-co, mas isso no ajuda a prever a quantidade de conflitos que podero acontecer no horizonte mais curto dos pr-ximos anos.

    Essa discusso tem implicaes importantes para os pases emergentes que buscam construir um sistema internacional mais igualitrio e fortalecer sua presen-a nos debates sobre os grandes desafios globais. Tais desafios estaro relacionados s questes de seguran-a e capacidade de um Estado assumir a liderana

    internacional, o que depender de seu compromisso em oferecer solues inovadoras nesse campo. Dito de outra forma, um Estado que evita questes com-plexas de segurana no conseguir convencer outros de que ele merece uma posio de destaque nas ins-tituies globais tal como o Conselho de Segurana da ONU.

    PAPEL DOS EMERGENTESIsso no significa que potncias emergentes como a

    ndia e o Brasil devem comear a intervir militarmente em todas as partes do mundo para reforar suas reivindi-caes por liderana. Ao contrrio, o compromisso com questes de segurana internacional pode tomar formas mais construtivas desde participar de conferncias de alto nvel (como a Conferncia Anual de Segurana, em Munique, da qual o Brasil esteve ausente em fevereiro de 2014), patrocinar resolues relevantes da ONU e assu-mir a liderana na prestao de ajuda humanitria, at, in-clusive, oferecer-se para enviar observadores de eleio e mediadores. Tambm vale incluir a construo de uma presena diplomtica, forte e contnua na ONU, a fim de progredir no debate sobre como conflitos podem ser pre-venidos de uma maneira mais eficaz mediante o desen-volvimento econmico.

  • Em questes de segurana, no se pode resolver um desafio global contando

    apenas com a sabedoria de um nico pas. Os diversos novos atores devem contribuir

    para encontrar solues sustentveis.

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    s vezes, esses tipos de compromissos (como a pro-posta brasileira de Responsabilidade ao Proteger, de 2011, uma das mais importantes iniciativas internacio-nais da presidente Dilma Rousseff) no so custosos. Porm, de maneira geral, necessrio ter um conheci-mento prtico para poder desenvolver ideias influentes. Por outro lado, isso requer uma larga rede diplom-tica instalada em lugares estratgicos, como Iraque, Afeganisto, Sria e Ucrnia.

    Certamente, no uma coincidncia que pases como a Alemanha, que evitava se envolver em questes de seguran-a at o fim da dcada de 1990, passaram a se comprometer com o envio de tropas ao Afeganisto e a promover um inten-so debate sobre mandar ou no armas aos curdos no norte do Iraque. Alm disso, o pas tambm organiza a principal con-ferncia anual mundial sobre os desafios da segurana global.

    Dessa forma, o desafio de Nova Dli, Braslia e Pequim mostrar que so capazes de trazer contribuies tang-veis para lidar com os mltiplos conflitos armados. Se as potncias emergentes no deixarem suas marcas na dis-cusso global sobre segurana internacional, seus pedidos para uma ordem global mais democrtica soaro vazios.

    ENGAJAMENTO CRTICOUm maior engajamento no implica atender cegamente

    aos pedidos dos EUA para se tornar um stakeholder res-ponsvel. Tal estratgia da poltica externa daquele pas costuma ser mera retrica, ao assumir que atores res-ponsveis so os que automaticamente se aliam a eles. A reao crtica dos EUA s iniciativas dos emergentes (como a tentativa do Brasil em chegar a um acordo nuclear com Teer) deixa claro que eles no se sentem confort-veis com a liderana de outros pases. Como corretamen-te apontou Dingding Chen, professor de Administrao Pblica da Universidade de Macau, no est claro se os

    EUA realmente desejam que a China assuma mais res-ponsabilidade internacional em questes de segurana, especialmente quando se trata do envio de tropas para outros pases.

    Analisando as aes de segurana internacional, a ndia (o maior pas em operao de paz da ONU) e o Brasil (lder da operao de paz no Haiti) esto trazendo grandes con-tribuies. Ao mesmo tempo, a China se tornou a nao mais ativa entres esses trs. Por exemplo, Zhong Jianhia, representante especial da China para as relaes africanas, tem exercido um papel importante na mediao do confli-to no Sudo. Foi a primeira vez que a China se engajou de maneira construtiva em uma crise internacional. Contudo, sua experincia em mediaes continua limitada, de modo que a extenso e a profundidade desse envolvimento no Sudo mostram que o tema ainda no uma prioridade para Pequim. Alm de tudo, o respeito soberania conti-nua no corao da poltica externa da China, a qual quer evitar ser vista como um pas interventor.

    No entanto, a diplomacia de Pequim ainda altamente prudente ter que manter o ritmo de seus crescentes in-teresses comerciais em toda a frica e outras regies do mundo. O mesmo vale para o Brasil e a ndia. Por exem-plo, o peso da China como investidor no Sudo do Sul lhe d foras para reduzir as tenses no pas. Este um desafio para a China. Isso algo novo para ns (...) um novo captulo para a estratgia internacional da China (...) a necessidade de expandir nossa projeo e proteger nossos interesses so fatores decisivos para a nossa pre-sena ser mais assertiva no Sudo do Sul diz um ex-di-plomata chins.

    DESAFIOS EXIGEM MULTIPOLARIDADEPor fim, na hora de lidar com desafios complexos de se-

    gurana internacional, fica evidente que, apesar das mudan-as recentes, a ordem global atual ainda fundamentalmen-te unipolar. Portanto, natural pedir ajuda aos EUA quando uma crise eclode. No entanto, h um consenso crescente de que, quando se trata de questes de segurana, no se pode mais resolver um desafio global contando apenas com a sa-bedoria de um nico pas. nessa rea, mais do que em qualquer outra, que os diversos novos atores devem contri-buir para encontrar solues sustentveis.

    OLIVER STUENKEL > Professor do FGV/CPDOC > [email protected]

    PARA SABER MAIS:- OliverStuenkel.The BRICS and the future of Global Order. USA:LexingtonBooks,2015.

    mailto:[email protected]