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DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA SEGUNDO A
JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
NO PERÍODO DE 30/10/1997 A 21/10/2009
Artigo Científico apresentado por Andreia Rocha Oliveira Mota de Souza ao Programa de Educação Continuada e Especialização GVlaw, da Direito GV, da Fundação Getúlio Vargas, como exigência parcial para obtenção do título de especialista em Direito, na área de concentração do Direito Empresarial, sob a orientação da Professora Dra. Lie Uema Carmo.
RESUMO
Constitui prática comum dos tribunais em geral, não somente no Brasil, mas ao redor
do mundo, desconsiderar a personalidade jurídica de empresas para atingir os bens de seus
sócios, quando verificada fraude, abuso de direito ou desvio de finalidade, aliadas à falta de
bens para garantia de seus débitos.
No entanto, o inverso da situação acima narrada tem se tornado freqüente.
Muitas têm sido as decisões inversas, ou seja, desconsiderar a pessoa do
sócio/acionista para atingir os bens da pessoa jurídica da qual detenha participação societária
ou, ainda, desconsiderar a personalidade jurídica de um grupo de empresas para que
respondam conjuntamente por débitos de uma delas.
Quais então seriam os requisitos para essa desconsideração?
Decisões que desconsideram inversamente a personalidade jurídica, no contexto da
análise dos acórdãos realizada neste trabalho, têm sido, quase sempre, fundamentadas no
requisito trazido no artigo 50 do Código Civil, ou seja, abuso da personalidade caracterizado
pelo desvio de finalidade e confusão patrimonial.
Com o advento do Código Civil (Lei n. 10.406/2002), embora já existisse legislação
sobre o tema, nota-se uma crescente invocação a essa teoria, seja em sua forma típica ou
inversa. Mais de 80% dos acórdãos registrados no período pesquisado foram proferidos
posteriormente à entrada em vigor da mencionada lei.
Neste artigo, após uma breve conceituação sobre personificação da pessoa jurídica e
desconsideração dessa personificação, analisaram-se as decisões proferidas pelo Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, no período de 30/10/1997 a 21/10/2009, referentes à
desconsideração inversa da personalidade jurídica, buscando definir em quais hipóteses tem
sido deferida, sob quais argumentos, culminando, por fim, com uma estatística das decisões e
sua evolução no tempo.
PALAVRAS-CHAVE: Desconsideração Inversa. Personalidade Jurídica. Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo. Confusão patrimonial. Artigo 50 do Código Civil.
2
REFERÊNCIAS
Introdução ...................................................................................................................................06
1 – Personalização da Pessoa Jurídica .....................................................................................09
2 - Desconsideração da Personalidade Jurídica ......................................................................12
3 - Requisitos para a Desconsideração da Personalidade Jurídica .......................................15
4 - Hipóteses Admitidas nos Julgados Analisados nas quais se Aplica a Desconsideração
Inversa da Personalidade Jurídica ...........................................................................................16
4.1 - Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica para se atingir bens da Pessoa
Jurídica por dívida do sócio - pessoa física ..............................................................................16
4.2 - Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica para se atingir bens da Pessoa
por dívida de outra pessoa jurídica pertencente a um mesmo Grupo de Empresas ...........17
5 – Metodologia ..........................................................................................................................18
6 - Resultados da Pesquisa .........................................................................................................20
6.1 - Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica segundo entendimento do
Tribunal do Estado de São Paulo no período de 30/10/1997 a 21/10/2009 ............................20
7 – Conclusões .............................................................................................................................25
Referências Bibliográficas .........................................................................................................29
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INTRODUÇÃO
As pessoas jurídicas não se confundem com as pessoas dos sócios que as compõem.
Ao contrário. Têm personalidade jurídica própria, distinta da de seus sócios e, por
conseqüência, gozam de autonomia patrimonial.
No entanto, a autonomia patrimonial da sociedade jurídica, por vezes, propicia a
realização de fraudes. Na intenção de coibir as práticas fraudulentas, a doutrina criou, com
base em decisões jurisprudenciais dos Estados Unidos da América, Inglaterra e Alemanha, a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
No Brasil a doutrina, de modo geral, tem demonstrado grande preocupação com a
aplicação indiscriminada dessa desconsideração, uma vez que é importante para o
desenvolvimento econômico de um país, a manutenção do princípio da autonomia da pessoa
jurídica, devendo ser desconsiderada somente em casos excepcionais.
Nas relações de consumo, nas relações de trabalho e nas relações que envolvem
débitos fiscais, nota-se uma aplicação eventualmente descoordenada dessa desconsideração.
Questões sobre o âmbito fiscal e trabalhista, importa ressaltar, não serão objeto desta pesquisa
já que são tratadas pelos Tribunais Federais.
Na legislação brasileira, alguns dispositivos legais, tais como o Código de Defesa do
Consumidor (Lei n. 8.078/90), a Lei Falimentar (n. 11.101/05) e a Lei que dispõe sobre a
prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica (n. 8.884/94), já traziam em
seu bojo a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa, quando
houvesse pelos sócios / acionistas abuso no exercício da gestão empresarial.
No entanto, o artigo 50 do Código Civil de 2002 (Lei n. 10.406/02) representou um
avanço para nortear a aplicação da teoria mencionada, pois trouxe aos operadores do direito a
efetividade necessária, apontando requisito definido contra o abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
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O estudo realizado no Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou esse avanço com o
norte trazido pela nova lei. Note-se que dos 10.996 acórdãos levantados no site do tribunal,
com datas de registro entre 30/10/1997 e 21/10/2009, que versaram sobre o tema
“desconsideração da personalidade jurídica”, 8.912 casos, ou seja, 81% do total, foram
julgados após o advento do Novo Código Civil.
Mas um fator interessante e que é o que será analisado nesta pesquisa, versa sobre a
desconsideração inversa da personalidade jurídica.
O que se vê comumente, analisando os acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça de
São Paulo, é o deferimento da desconsideração quando o sócio age representando a empresa,
de forma a desviar a finalidade jurídica da sociedade, casos em que não somente o patrimônio
da empresa responderá pelos danos, mas também o patrimônio de seus sócios.
No entanto, muitas têm sido as decisões inversas, ou seja, desconsiderar a
personalidade do sócio/acionista para se atingir os bens da pessoa jurídica da qual detenha
participação societária.
Na tentativa de burlar credores e blindar seu patrimônio, muitas pessoas físicas têm
transferido seus bens pessoais a pessoas jurídicas.
Prática também comum é a formação de estruturas societárias por meio das quais se
busca blindar o patrimônio do grupo societário.
Diante dessa nova realidade, a jurisprudência tem desconsiderado inversamente a
personalidade jurídica, ora para atingir os bens da empresa para adimplir dívidas de seus
sócios (pessoas físicas ou jurídicas), ora para atingir bens de um grupo de empresas para
adimplir débitos de uma determinada empresa devedora que compõe o grupo.
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Este artigo, após uma brevíssima conceituação sobre personificação da pessoa jurídica
e superação dessa personificação, analisará as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, referentemente à desconsideração inversa da personalidade jurídica.
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1 PERSONALIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
O instituto da pessoa jurídica é uma técnica de separação patrimonial. Por meio da
criação da pessoa jurídica que, geralmente, se dá, no caso de pessoas jurídicas de direito
privado, com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro (Junta Comercial ou
Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas) e no caso de pessoas jurídicas de direito público,
por força de lei ou de ato administrativo, objetiva-se uma autonomia patrimonial e a limitação
de responsabilidade dos sócios que a compõem.
A formação da pessoa jurídica exige elementos de ordem material, tais como,
pluralidade de pessoas, conjunto de bens, elementos de ordem formal (estatuto ou contrato e
respectivo registro) e uma finalidade específica.
A personificação da pessoa jurídica tem por fim conferir à sociedade empresária uma
existência autônoma e independente da de seus sócios, dando-lhe titularidade negocial,
processual e responsabilidade patrimonial.
Assim, embora todos os seus atos sejam exercidos por seu(s) representante(s) legal(is),
quem efetivamente comercializa, contrata ou negocia é a pessoa jurídica e não quem a
representa.
A pessoa jurídica é quem responde por seus atos com seu patrimônio, seja
administrativa ou judicialmente. Tem, portanto, titularidade negocial, processual e
patrimonial.
Sobre essa questão assim se manifestou o jurista Fábio Ulhoa Coelho, em sua obra
Manual de Direito Comercial, 23ª Edição, 2011, Ed. Saraiva, p. 140.
A personificação das sociedades empresariais gera três conseqüências bastante precisas, a saber:a) Titularidade negocial – quando a sociedade empresarial realizada negócios jurídicos (compra matéria-prima, celebra contrato de trabalho, aceita uma duplicata, etc.), embora ela o faça necessariamente pelas mãos de seu representante legal, é ela, pessoa jurídica, como sujeito de direito autônomo, personalizado, que assume um dos pólos da relação negocial. O eventual sócio que a representou não é parte do negócio jurídico, mas sim a sociedade.
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b) Titularidade processual – a pessoa jurídica pode demandar e ser demandada em juízo; tem capacidade para ser parte processual.[...]c) Responsabilidade patrimonial – em conseqüência, ainda, de sua personalização, a sociedade terá patrimônio próprio, seu, inconfundível e incomunicável com o patrimônio individual de casa um de seus sócios. Sujeito de direito personalizado autônomo, a pessoa jurídica responderá com seu patrimônio pelas obrigações que assumir. Os sócios, em regra, não responderão pelas obrigações da sociedade. (COELHO, 2011, p. 140)
Nessa mesma linha de raciocínio, Rubens Requião, em sua obra Curso de Direito
Comercial, Volume I, 30ª Edição, 2011, Ed. Saraiva, p. 442/443, assim menciona:
Formada a sociedade comercial pelo concurso de vontades individuais, que lhe propiciam os bens ou serviços, a conseqüência mais importante é o desabrochar de sua personalidade jurídica. A sociedade transforma-se em novo ser, estranho à individualidade das pessoas que participam de sua constituição, dominando um patrimônio próprio, possuidor de órgãos de deliberação e execução que ditam e fazem cumprir a sua vontade. Seu patrimônio, no terreno obrigacional, assegura sua responsabilidade direta em relação a terceiros. Os bens sociais, como objetos de sua propriedade, constituem a garantia dos credores, como ocorre com os que de qualquer pessoa natural. (REQUIÃO, 2011, p. 442/443)
Deve-se levar em consideração que cabe aos sócios contribuir para os fundos sociais
da pessoa jurídica, transferindo-lhe parcelas de seus patrimônios pessoais e, portanto, criando
para a pessoa jurídica um patrimônio próprio. Justo é que se a administração do ente social
seguir as regras da boa governança, e reger-se de modo a atingir a finalidade para a qual a
empresa foi criada, que a sociedade usufrua da autonomia que a lei lhe confere.
Sobre o tema, Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro, em seu livro,
Curso Avançado de Direito Comercial, 6ª Edição, 2011, Ed. Revista dos Tribunais, p. 146,
assim dispõem:
Em verdade, com a personificação da sociedade, o resultado prático que se busca é justamente a separação do patrimônio dos sócios em relação ao patrimônio da sociedade, pois os sócios contribuem para os fundos sociais com parcela de seu patrimônio. Transferem para a sociedade, que passa a ser dela titular, restando aos sócios o direito à participação nos lucros sociais, se houver, e também sobre o acervo social líquido quando da extinção da sociedade.
Veja-se, então, que as dívidas e os créditos dos sócios não se transformam em dívidas e créditos da sociedade, assim como as dívidas e os créditos da sociedade não se transmitem aos sócios. São pessoas – sociedade e sócios – distintas e independentes umas em relação às outras. (BERTOLDI e RIBEIRO, 2011, p. 146)
O reconhecimento da personificação da pessoa jurídica e a consequente
independência patrimonial que gera são importantes para o desenvolvimento econômico-
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social do país; são estímulo ao investimento, razão pela qual a desconsideração dessa
personalidade, seja em sua forma típica (para se atingir bens dos sócios), seja em sua forma
inversa (para atingir os bens de uma determinada sociedade, por dívida de seus sócios ou de
outra empresa do grupo), somente deve ocorrer em situações extremas e específicas, após
certificação dos requisitos ensejadores.
Fabio Ulhoa Coelho, em artigo datado de 12 de agosto de 2004, disponibilizado no
site www.intelligentiajuridica.com.br, ressalta a importância dessa independência patrimonial:
A autonomia da pessoa jurídica e limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais são institutos indispensáveis ao estímulo aos investimentos.
Como o risco é inerente à exploração de qualquer atividade econômica, é necessário assegurar aos investidores que, na hipótese de insucesso do negócio, as perdas não ultrapassarão o capital nele invertido. Sem essa segurança, os investidores nacionais e estrangeiros têm receio em investir em novas atividades; ou, o que é mais provável, concordam em fazê-lo desde que alcançado um retorno mais elevado, o que redunda em preços maiores dos bens e serviços produzidos no País.
A propósito desse tema tive a oportunidade de escrever:
O princípio da autonomia patrimonial [é] alicerce do direito societário. Sua importância para o desenvolvimento de atividades econômicas, da produção e circulação de bens e serviços, é fundamental, na medida em que limita a possibilidade de perdas nos investimentos mais arriscados. A partir da afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio dos sócios não responde por dívidas da sociedade, motivam-se investidores e empreendedores a aplicar dinheiro em atividades econômicas de maior envergadura e risco. Se não existisse o princípio da separação patrimonial, os insucessos na exploração da empresa poderiam significar a perda de todos os bens particulares dos sócios, amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam estimuladas a desenvolver novas atividades empresariais.
No final, o potencial econômico do País não estaria eficientemente otimizado, e as pessoas em geral ficariam prejudicadas, tendo menos acesso a bens e serviços. O princípio da autonomia patrimonial é importantíssimo para que o direito discipline de forma adequada a exploração da atividade econômica.
A regra é o respeito à personificação da pessoa jurídica e o reconhecimento de sua
independência existencial e patrimonial. No entanto, havendo fraude ou abuso de
personalidade, a autonomia da pessoa jurídica pode ser ultrapassada: não se trata de
considerar ou declarar nula a personificação, mas de torná-la ineficaz para determinados atos.
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2 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
A regra é assegurar a individualidade da pessoa jurídica. No entanto, havendo
comprovada fraude e desvio de finalidade, essa autonomia poderá ser ultrapassada, restando
ineficaz para determinados atos.
Rubens Requião, em sua obra já mencionada nesta pesquisa, desta vez à p. 448, assim
dispõe:
Mesmo nos países em que se reconhece a personalidade jurídica apenas às sociedades de capitais surgiu, não há muito, uma doutrina que visa, em certos casos, a desconsiderar a personalidade jurídica, isto é, não considerar os efeitos da personificação, para atingir a responsabilidade dos sócios. Por isso também é conhecida por doutrina da penetração.[...]Não se trata, é bom esclarecer, de considerar ou declarar nula a personificação, mas de torná-la ineficaz para determinados atos. (REQUIÃO, 2011, p. 448)
A legislação brasileira, a exemplo de outros países, reconhecendo o que há muito a
doutrina já direcionava, adotou, para determinados casos, a teoria da superação da
personalidade jurídica.
O artigo 50 do Código Civil (Lei n. 10.206/2002), artigo de lei este muito invocado
nas decisões aqui analisadas, proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, assim dispõe:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), em seu artigo 28, estampa a
possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica em caso de abuso de direito,
excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato
social.
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Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
No mesmo sentido, a Lei Antitruste (n. 8.884/94), em seu artigo 18:
Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
Ainda no mesmo sentido, o artigo 4º, da Lei de Proteção Ambiental (n. 9.605/98):
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
Prevalece, dessa forma, o respeito ao patrimônio individualizado da pessoa jurídica.
No entanto, quando se verificar a utilização temerária e fraudulenta dos sócios quanto à
administração da sociedade, caracterizada pelo desvio de finalidade ou pela confusão
patrimonial, a personalidade jurídica da empresa poderá ser ultrapassada, atingindo-se os bens
de seus sócios.
Fábio Ulhoa Coelho, em sua obra Manual de Direito Comercial, 23ª Edição, 2011, Ed.
Saraiva, p. 152/155, assim define:
A autonomia patrimonial da pessoa jurídica, princípio que a distingue de seus integrantes como sujeito autônomo de direito e obrigações, pode dar ensejo à realização de fraudes.
Se uma pessoa física se vincula contratualmente a outra, por obrigação de não fazer e, na qualidade de representante legal de sociedade empresaria, faz exatamente aquilo que se havia comprometido omitir, no rigor do princípio da autonomia da pessoa jurídica, não teria havido quebra do contrato. Quem fez foi a sociedade, e não a pessoa física que agiu em nome dela. Assim também ocorreria se um empresário individual vendesse, a prazo, o seu estabelecimento empresarial a uma sociedade de que detivesse 90% do capital, instituindo-se sobre ele garantia de direito real em seu próprio favor. Em ocorrendo a falência da sociedade, o seu sócio majoritário, por ser credor preferencial, seria pago anteriormente aos quirografários. Aquele que, no insucesso do negócio, deveria ser considerado devedor (o empresário individual antigo titular do estabelecimento) assume a condição de credor privilegiado, com direto prejuízo do atendimento dos demais.
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Como se vê desses exemplos, por vezes a autonomia patrimonial da sociedade empresaria dá margem à realização de fraudes. Para coibi-las, a doutrina criou, a partir de decisões jurisprudenciais, nos EUA, Inglaterra e Alemanha, principalmente, a “teoria da desconsideração da personalidade jurídica”, pela qual se autoriza o Poder Judiciário a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sempre que ela tiver sido utilizada como expediente para a realização de fraude. Ignorando a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar-se, direta, pessoal e ilimitadamente, o sócio por obrigação que originalmente, cabia à sociedade.
Pressuposto inafastável da despersonificação episódica da pessoa jurídica, no entanto, é a ocorrência de fraude, por meio da separação patrimonial. Não é suficiente a simples insolvência do ente coletivo, hipótese em que, não tendo havido fraude na utilização da separação patrimonial, as regras de limitação da responsabilidade dos sócios terão ampla vigência. A desconsideração é instrumento de coibição do mau uso da pessoa jurídica; pressupõe, portanto, o mau uso. O credor da sociedade que pretende a sua desconsideração deverá fazer prova da fraude perpetrada, caso contrário suportará o dano da insolvência da devedora. Se a autonomia patrimonial não foi utilizada indevidamente, não há fundamento para a sua desconsideração.
A desconsideração da personalidade jurídica não atinge a validade do ato constitutivo, mas a sua eficácia episódica. Uma sociedade que tenha a autonomia patrimonial desconsiderada continua válida, assim como válidos são todos os demais atos que praticou. A separação patrimonial em relação aos seus sócios é que não produzirá nenhum efeito na decisão judicial referente àquele específico ato objeto da fraude. Esta é, inclusive, a grande vantagem da desconsideração em relação a outros mecanismos de coibição de fraude, tais como a anulação ou dissolução da sociedade. Por apenas suspender a eficácia do ato constitutivo, no episódio sobre o qual recai o julgamento, sem invalidá-lo, a teoria da desconsideração preserva a empresa, que não será necessariamente atingida por ato fraudulento de um de seus sócios, resguardando-se, desta forma, os demais interesses que gravitam ao seu redor, como o dos empregados, dos demais sócios, da comunidade etc.
O pressuposto da desconsideração, já se viu, é a ocorrência de fraude perpetrada com uso da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Esta, que é a formulação mais corrente da teoria, dá, pois, relevo à presença de elemento subjetivo. Fabio Konder Comparato propôs uma formulação diversa, em que os pressupostos da desconsideração da autonomia da sociedade são objetivos, como a confusão patrimonial ou o desaparecimento do objeto social. Por essa razão, não é possível chamar-se a primeira concepção subjetivista e esta última de concepção objetivista da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Na lei, a desconsideração da personalidade jurídica é mencionada nos arts. 28 do Código de Defesa do Consumidor, 18 da Lei Antitruste (LIOE), 4º da legislação protetora do meio ambiente (Lei n. 9.605/98) e 50 do Código Civil de 2002 (dispositivo, aliás, inspirado na formulação objetivista de Comparato). (COELHO, 2011, p. 152/155)
Assim, a desconsideração da personalidade jurídica não desconstitui a sociedade,
apenas afasta sua autonomia como pessoa de direitos individualizados, quando houver
comprovação de fraude ou abuso da personalidade.
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Afastada a personalidade jurídica, o patrimônio dos sócios responderá por débitos da
empresa, ou o patrimônio da empresa responderá por débitos de seus sócios ou de outras
empresas que participam do mesmo grupo econômico.
3 REQUISITOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
O requisito básico para a desconsideração da personalidade jurídica é o
desvirtuamento no uso da pessoa jurídica.
Segundo o artigo 50 do Código Civil, copiado na íntegra no item acima, o requisito
para se desconsiderar uma personalidade jurídica é o abuso dessa personalidade, caracterizado
pelo desvio de finalidade e pela confusão patrimonial.
Esse artigo tem sido muito invocado nas recentes decisões sobre a desconsideração da
personalidade jurídica, quando se ultrapassa o patrimônio da empresa e se atinge os bens dos
sócios.
Considerando que o requisito apontado nesse artigo de lei foi o mais invocado nas
decisões que serão analisadas nesta pesquisa, será este o utilizado para se definir aqui os
requisitos para a desconsideração.
O artigo também tem sido aplicado para se possibilitar a desconsideração inversa da
personalidade jurídica, desconsiderando-se a pessoa física para se atingir bens da pessoa
jurídica da qual é sócia ou desconsiderando-se a personalidade jurídica de um grupo de
empresas para adimplemento da dívida de uma delas.
A aplicação analógica desse dispositivo legal nos casos de desconsideração inversa da
personalidade jurídica recebe críticas de alguns juristas que entendem que somente se aplica o
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dispositivo para os casos de desconsideração típica. Para esses juristas, a desconsideração
inversa da personalidade jurídica é uma criação da doutrina e não tem amparo legal.
Um único e tão amplo requisito, dá margem a vastas interpretações e isso é o que têm
feito nossos tribunais.
4 HIPÓTESES ADMITIDAS NOS JULGADOS ANALISADOS NAS QUAIS SE
APLICA A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA
4.1 Desconsideração inversa da personalidade jurídica para se atingir bens da pessoa
jurídica por dívida do sócio – pessoa física:
Sobre essa questão, em um dos julgados analisados neste trabalho de pesquisa, o
desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, no Recurso de Apelação, autos n°
1199127-2, trouxe uma explicação utilizada pela Ministra Nancy Andrighi:
Como explica NANCY ANDRIGHI acerca dessa teoria, trata-se de técnica por meio da qual “desconsidera-se a personalidade jurídica da pessoa natural, para atingir o patrimônio da pessoa jurídica de quem aquela é sócia. Nessa modalidade, ao invés de o sócio esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica para fraudar terceiros, ele esvazia o seu patrimônio pessoal (enquanto pessoa natural) e o integraliza totalmente na pessoa jurídica. Após esse artifício, o sócio, pessoa natural, cujo patrimônio restou esvaziado, exerce a atividade comercial (objeto social da pessoa jurídica) em seu nome próprio, e não em nome da pessoa jurídica, com o nítido intuito de fraudar terceiros. Aqui a hipótese é inversa, isto é, se desconsidera a pessoa natural e se desconsidera a personalidade da pessoa jurídica pelos atos praticados por seu sócio”.
No citado trecho, extraído do corpo de um Recurso de Apelação, a pessoa física, na
tentativa de burlar seus credores, transfere seus bens para a pessoa jurídica, esvaziando seu
patrimônio e, posteriormente, passa a exercer atividade comercial.
Embora a Ministra Nancy Andrighi explique a desconsideração inversa num contexto
no qual o sócio cujo patrimônio restou esvaziado exerce a atividade comercial (objeto social
da pessoa jurídica), o que se vê é que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também
tem deferido a desconsideração inversa em casos de confusão patrimonial, ainda quando a
dívida da pessoa física não tenha qualquer relação com o objeto social da pessoa jurídica.
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Nesse sentido, vejamos trechos do acórdão proferido pela 29ª Câmara do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, no Agravo de Instrumento nº 1276468-0/3:
João Antonio Fleming propôs ação ordinária de cobrança em face de Dufer S/A, julgada extinta sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. As custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios fixados em R$ 1.500,00, foram arbitrados ao autor.
Após o trânsito em julgado da sentença teve início a fase de execução [...].
Ocorre que foi localizada apenas a quantia de R$ 12,81 na conta bloqueada do agravado.
Por essas razões e considerando os indícios veementes de que o executado utiliza a pessoa jurídica José A. Fleming & Cia Ltda. para camuflar seus rendimentos, tendo em vista que é seu sócio majoritário[...], a agravante requereu a desconsideração inversa da personalidade jurídica[...].
Estando, no caso, provado o emprego da pessoa jurídica José A. Fleming & Cia. Ltda. como “testa de ferro”do agravado, para fugir às suas obrigações, de rigor a aplicação da desconsideração inversa da pessoa jurídica, como acima relatado.
Em face do exposto, dou provimento ao agravo para que seja alcançado na presente demanda o patrimônio da pessoa jurídica José A. Fleming & Cia. Ltda.
Note-se que, no exemplo acima, o fundamento para a desconsideração inversa não se
consubstanciou no exercício de atividade comercial, objeto da pessoa jurídica, mas sim na
confusão patrimonial propriamente dita.
4.2 Desconsideração inversa da personalidade jurídica para se atingir bens de pessoas
jurídicas pertencentes a um mesmo grupo de empresas:
A desconsideração inversa da personalidade jurídica também tem sido invocada para
se atingir bens de outras pessoas jurídicas, quando se verificar que: a) a pessoa jurídica
devedora compõe um grupo de empresas; b) a devedora não possui patrimônio apto a garantir
o débito; c) há confusão patrimonial entre as empresas do grupo.
Também se manifestou a propósito a Ministra Nancy Andrighi, mencionada pelo
Desembargador no Recurso de Apelação nº 516.507-4/6-00:
15
Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legitima a desconsideração da personalidade jurídica da falida para que os efeitos do decreto falencial alcancem as demais sociedades do grupo. Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implicaria prestigiar a fraude à lei ou contra credores. (RMS12.872/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 24/06/2002)
Portanto, verificando-se a confusão patrimonial entre empresas que compõem um
mesmo grupo, uma empresa não devedora e alheia à negociação, poderá responder por débito
de outra.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua vez, assim se posiciona, a
exemplo do trecho a seguir, extraído do acórdão proferido no Recurso de Apelação nº
516.507-4/6:
Da análise dos autos, evidencia-se que as co-executadas, Cimob Companhia Imobiliária e a embargante Gafisa S/A integram o mesmo grupo empresarial. A confusão patrimonial existente entre elas e as manobras societárias realizadas ao longo do processo inviabilizaram a satisfação do crédito da apelada.Na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido da possibilidade de extensão dos efeitos da execução à sociedade integrante do mesmo grupo empresarial.
Havendo confusão patrimonial entre empresas de um mesmo grupo econômico, a
personalidade jurídica de todas elas poderá ser atingida para adimplemento do débito de uma
componente do grupo.
Depois do breve resumo sobre personificação da pessoa jurídica, desconsideração
dessa personalidade e requisitos ensejadores, hipóteses em que ocorre a desconsideração
inversa da personalidade, segundo os julgados analisados, é oportuno distinguir a metodologia
utilizada para a elaboração dessa pesquisa e os resultados alcançados.
5 METODOLOGIA
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Em visita à biblioteca do Tribunal de Justiça de São Paulo, localizada no Fórum João
Mendes Júnior, obteve-se a informação de que todas as decisões proferidas pelo citado
Tribunal, a partir de outubro de 1997, estão registradas e o acesso é possível pelo site
www.tj.sp.gov.br.
Em pesquisa realizada no citado site, sobre o tema desconsideração da personalidade
jurídica, foram muitos os registros de acórdãos encontrados (10.996), iniciando-se em
30/10/1997. Esses dados foram considerados apenas para um registro introdutório.
Visando delimitar a pesquisa a ser realizada, sem fugir da questão em pauta
(desconsideração da personalidade jurídica), foram aqui analisados os acórdãos registrados no
Tribunal de Justiça de São Paulo, referentes à desconsideração inversa da personalidade
jurídica.
Assim, para delimitar o tema, o site do Tribunal de Justiça de São Paulo
(www.tj.sp.gov.br) foi consultado no dia 21/10/2009, a fim de serem compulsados os
acórdãos registrados, seguindo os seguintes passos: consulta, jurisprudência, pesquisa
completa, pesquisa livre:
1ª expressão pesquisada: “desconsideração da personalidade jurídica” e inversa.
2ª expressão pesquisada: “desconsideração inversa da personalidade jurídica”.
3ª expressão pesquisada: “personalidade jurídica” e “desconsideração inversa”.
Foram encontrados 175 acórdãos, dos quais vinte (20) referem-se a Recursos de
Apelação, cento e quarenta e três (143) referem-se a Agravos de Instrumento; onze (11)
referem-se a Embargos de Declaração e um (01) a Agravo Regimental. Contudo, os Embargos
de Declaração e o Agravo Regimental foram desconsiderados e considerados apenas os
acórdãos oriundos dos Agravos de Instrumento e dos Recursos de Apelação.
A pesquisa limitou-se à verificação das hipóteses em que ocorre a desconsideração
inversa da personalidade jurídica e quais os requisitos suscitados nos acórdãos para
deferimento ou indeferimento da desconsideração.
17
Não foram analisados os processos que originaram os recursos ou os autos dos
recursos com os documentos que os instruíram.
Sobre desconsideração da personalidade jurídica, a doutrina é incisiva em dizer que é
imprescindível que se aplique apenas em situações extremas e, pela análise dos acórdãos, sem
acesso aos autos principais, a excepcionalidade, em muitos casos, não pôde ser verificada.
6 RESULTADOS DA PESQUISA
6.1 Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica segundo entendimento do
Tribunal do Estado de São Paulo no período de 30/10/1997 a 21/10/2009:
Utilizada a metodologia exposta no item acima, foram encontrados vinte (20) acórdãos
oriundos de Recursos de Apelação e cento e quarenta e três (143) oriundos de agravos de
instrumento, num total de cento e sessenta e três (163) acórdãos a serem analisados (vide
Anexo A).
Dentre os cento e sessenta e três (163) casos apurados, cento e dez (110) não foram
considerados para fins estatísticos, considerando que:
a) 87 (oitenta e sete) casos - versavam sobre desconsideração típica da personalidade jurídica
e a palavra inverso somente indicava que o recorrente pretendia uma decisão diferente
(inversa) da que havia sido proferida em primeira instância;
b) 09 (nove) casos - apesar de conterem as palavras-chave, não tinham qualquer similitude
com o tema pesquisado;
18
c) 01 (um) caso - o pedido formulado no agravo de instrumento era alternativo: ou se aplicava
a desconsideração inversa da personalidade jurídica para atingir bens da empresa por dívida
dos sócios ou se determinava a penhora de fundos líquidos até o limite da participação
societária dos sócios executados. O Tribunal não se manifestou sobre a desconsideração
inversa da personalidade jurídica, mas somente sobre a penhora dos fundos;
d) 03 (três) casos - houve penhora das cotas que os devedores, pessoas físicas, possuíam em
empresas. Foram interpostos agravos de instrumento afirmando que tal fato constituiria
desconsideração inversa da personalidade jurídica. No entanto, o Tribunal entendeu tratar-se
somente de penhora de cotas, o que não se confunde com desconsideração inversa de
personalidade jurídica.
e) 02 (dois) casos - embora se pretendesse a desconsideração inversa da personalidade
jurídica, o mérito não foi analisado, tendo o Tribunal anulado as decisões de primeira
instância e determinado o retorno dos autos à origem para reapreciação pelo juízo “a quo”;
f) 02 (dois) casos - o mérito não foi analisado por ilegitimidade de parte para interposição do
recurso. Entendeu o Tribunal que as empresas cujos bens foram atingidos e que não foram
chamadas a integrar o polo passivo, são terceiras interessadas e, portanto, deveriam ingressar
com Embargos de Terceiro e não com agravo de instrumento;
g) 01 (um) caso - não analisado pelo Tribunal, considerando reconsideração em primeira
instância;
h) 01 (um) caso - o mérito não foi analisado por intempestividade do recurso;
i) 01 (um) caso - o mérito não foi analisado por má formação do recurso;
j) 01 (um) caso – o mérito não foi analisado porque o pedido de desconsideração inversa
destinava-se a atingir um bem não mais pertencente à pessoa jurídica;
l) 02 (dois) casos – nos quais a credora pretendeu efetuar produção antecipada de provas em
contas de uma empresa da qual seu devedor era sócio. A empresa se insurgiu afirmando que
19
não
poderia ter suas contas invadidas. Argumentou-se sobre desconsideração inversa mas o tema
não foi analisado pelo Tribunal. No entanto, as provas foram deferidas.
Portanto, restaram para efetiva análise, cinqüenta e três (53) acórdãos, dentre os quais
há uma (01) decisão do ano de 1999; duas (02) do ano de 2001; uma (01) de 2002; duas (02)
de 2003; uma (01) de 2004; três (03) de 2005; quatro (04) de 2006; quatro (04) de 2007; dez
(10) de 2008 e vinte e cinco (25) de 2009.
O gráfico a seguir demonstra o crescimento do número de casos entre 1999 a 2009.
Evolução das decisões sobre desconsideração inversa da personalidade jurídica
1 2 1 2 13 4 4
10
25
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Nota-se, ao longo dos anos, uma evolução no número de casos em que se discute a
questão. De 2008 a 2009, por exemplo, o total de casos subiu 150% (cento e cinqüenta por
cento).
Do total dos acórdãos válidos para a análise nesta pesquisa, em 28 (vinte e oito) casos
a desconsideração inversa da personalidade jurídica foi indeferida no Tribunal e em 25 (vinte
e cinco) foi deferida.
20
Proporção entre decisões
Deferidas25; 47%
Indeferidas28; 53%
Dentre todos os casos analisados, independentemente de ter sido concedida ou não a
desconsideração inversa da personalidade jurídica, em apenas dois deles (um julgado em 2006
e outro em 2008), o Tribunal manifestou-se contrariamente à possibilidade de se deferir a
desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Em um dos julgados, no qual não se deferiu a desconsideração inversa, o
Desembargador Relator afirmou que tal instituto não tinha qualquer amparo legal, mas tão
somente respaldo doutrinal, razão pela qual sua aplicação poderia ocorrer apenas em situações
excepcionalíssimas.
Esta, no entanto, não é uma teoria acompanhada pelos julgadores. Em todos os
acórdãos proferidos posteriormente ao advento do Código Civil de 2002, fosse para deferir ou
indeferir a desconsideração inversa da personalidade jurídica, os juristas invocaram os
requisitos do artigo 50 do citado Diploma Legal.
A principal alegação do Tribunal para indeferir a desconsideração inversa da
personalidade jurídica é a falta de comprovação de fraude, abuso ou confusão patrimonial.
Todavia, o Tribunal também considerou alguns aspectos impeditivos para a desconsideração:
a) falta de comprovação de que os bens do devedor realmente não seriam suficientes para
cobrir o valor devido; b) falta de citação do executado; c) falta de previsão legal; d) ausência
de oportunidade para que a pessoa jurídica incluída se defendesse antes de ter seus bens
21
penhorados (em um dos acórdãos cujo indeferimento se deu por essa razão, o Tribunal
ressaltou que havia indícios de fraude. No entanto, ao invés de deferir de pronto a
desconsideração inversa da personalidade jurídica, deferiu o que chamou de “processo de
desconsideração”, determinando a inclusão da pessoa jurídica no polo passivo da demanda
para que se defendesse); e) distinção entre o patrimônio dos sócios e o patrimônio da empresa.
Dentre os acórdãos cuja desconsideração inversa foi indeferida, há uma decisão
extraída de agravo de instrumento originário de ação falimentar. Buscava-se estender os
efeitos da falência a uma outra empresa que compunha o mesmo grupo societário da falida. O
Tribunal entendeu que, embora houvesse indícios da existência de fraude na constituição da
empresa, a empresa era sadia e estender a falência a uma empresa em boas condições
financeiras traria mais prejuízos do que benefícios.
Das 25 (vinte e cinco) decisões cuja desconsideração inversa da personalidade jurídica
foi reconhecida, em 12 (doze) delas se desconsiderou a personalidade jurídica de uma
empresa para se atingir os bens de outras empresas que compunham o mesmo Grupo
Societário. E, em 13 (treze) casos, desconsiderou-se a pessoa do sócio, pessoa física, para se
atingir os bens da pessoa jurídica.
Os requisitos utilizados para a desconsideração do grupo societário foram: a) fraude à
execução caracterizada por manobras societárias tendentes a frustrar execução contra uma das
empresas do grupo; b) confusão patrimonial entre as empresas do grupo; c) ausência de bens
em nome da empresa devedora, aliada ao fato da empresa incluída pela desconsideração ser
sócia majoritária da devedora; d) mesmo administrador pessoa física; e) desvio de finalidade
social.
Os requisitos utilizados para a desconsideração da pessoa física para se atingir bens
das pessoas jurídicas foram: a) desvirtuação do princípio da autonomia da personalidade
jurídica; b) confusão patrimonial; c) falta de bens da pessoa física para garantia de execução -
tentativa de blindagem do patrimônio da pessoa física; d) falta de integralização do capital
social.
22
Nenhum dos requisitos, seja para a desconsideração da pessoa física ou do grupo, foi
considerado conjuntamente. Pelas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, confirmou-se
que tem bastado um dos requisitos para caracterizar a desconsideração inversa da
personalidade jurídica.
Esta pesquisa buscou ainda definir a evolução no número de decisões envolvendo
desconsideração inversa da personalidade jurídica ao longo dos anos.
Note-se no quadro a seguir que, dos 53 (cinqüenta e três) acórdãos analisados, 49
(quarenta e nove) foram proferidos após o advento do Código Civil, em vigor desde janeiro de
2003. Antes de sua vigência, considerando a metodologia aplicada e demonstrada nesta
pesquisa em item próprio, somente 04 (quatro) acórdãos versaram sobre o tema e o único cuja
desconsideração foi deferida nesse período (antes de 2003) teve amparo na Lei Falimentar.
Ano Nº total de decisões Decisões deferindo a
desconsideração inversa
Decisões indeferindo a
desconsideração inversa
1999 01 01 Ø
2001 02 Ø 02
2002 01 Ø 01
2003 02 Ø 02
2004 01 01 Ø
2005 03 01 02
2006 04 03 01
2007 04 02 02
2008 10 05 05
2009 25 12 13
Total 53 25 28
Elaborando gráfico para demonstrar com maior clareza o que consta da tabela, temos
que:
23
Comparação entre decisões no período pesquisado
12
12
1
34 4
10
25
10 0 0
1 1
32
5
12
0
21
2
0
21
2
5
13
1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Total de decisões
Decisões deferidas
Decisões indeferidas
7 CONCLUSÃO
A pesquisa demonstra uma crescente aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, que passou a ser utilizada não somente para atingir bens dos sócios por
dívida de empresas, mas também para atingir o patrimônio da pessoa jurídica por dívida de
seus sócios ou por dívida de outra pessoa jurídica que componha um grupo societário, a
chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Dos acórdãos analisados, embora houvesse decisões nas quais se discutia a
possibilidade de se desconsiderar inversamente a personalidade jurídica, reconheceu-se uma
única decisão que concedeu essa desconsideração antes do advento da Lei 10.406/2002 –
Código Civil, e essa decisão estava amparada na Lei Falimentar.
Forçoso concluir, portanto, que o advento do Código Civil trouxe um avanço na
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, mormente quanto à sua aplicação
inversa.
Como demonstrado pelos gráficos elaborados com base nos resultados alcançados, a
cada ano novos casos pleiteando a desconsideração inversa da personalidade jurídica são
24
levados ao Tribunal para análise e o resultado da pesquisa apresenta um equilíbrio entre
decisões em que se concede e em que não se concede a desconsideração inversa da
personalidade jurídica.
Se por um lado as decisões que não concedem a desconsideração inversa evidenciam
preocupação com a individualidade do patrimônio da empresa e dos sócios, as decisões nas
quais se concede a desconsideração constatam preocupação em fazer com que os credores
tenham amparo para recebimento de seus créditos e não sejam prejudicados por atitudes que
têm o escopo de burlar o recebimento desses créditos ou mesmo de desvirtuar o foco para o
qual a empresa foi criada.
A desconsideração da personalidade jurídica, seja em sua forma típica ou inversa,
deveria somente ser aplicada em casos excepcionais.
Com a análise dos acórdãos, sem acesso aos autos do processo, observou-se em muitos
casos a inviabilidade para definir se realmente a excepcionalidade foi respeitada. Há decisões
que somente narram superficialmente o caso e então aplicam ou não a desconsideração
inversa.
Por outro lado, a narração dos fatos feita de forma superficial não significa a exclusão
de uma análise criteriosa para a aplicação ou não da desconsideração. No entanto, nessa
pesquisa não se pôde analisar se a teoria da desconsideração tem ou não sido aplicada em
casos excepcionais, como sugere a doutrina.
Se em alguns casos a narração dos fatos não permite que se analise se realmente a
excepcionalidade foi respeitada, em outros casos a narração é tão rica em detalhes que serviria
como base de estudo por si só. Temos como exemplo disso as decisões que, em mais de uma
ocasião, desconsideraram as personalidades jurídicas do Grupo Gafisa e do Grupo CAOA.
Esses casos unidos representam 06 (seis) dos 25 (vinte e cinco) deferimentos de
desconsideração inversa da personalidade jurídica, tendo o Tribunal se preocupado em narrar
toda a trajetória societária das citadas empresas para concluir pela confusão patrimonial
existente em cada um dos dois grupos societários informados. Ressalte-se que não tem esta
25
pesquisa o condão de analisar se as decisões tomadas com relação a citadas empresas foi ou
não apropriada. Somente se buscou apurar os dados dos acórdãos.
Com base na pesquisa, verifica-se que credores que pretendam se utilizar da teoria da
desconsideração inversa para ver adimplidos seus créditos devem comprovar que seu devedor,
seja pessoa física sócia de uma empresa, ou seja, pessoa jurídica que compõe um grupo
societário, não tem condições de, por si só, arcar com os débitos aos quais deu causa e, após a
comprovação da incapacidade, comprovar que há confusão patrimonial entre os bens do
devedor e os de uma empresa ou um grupo de empresa.
Também com base na pesquisa, para que não seja incluída no pólo passivo como
responsável solidária por dívida de seus sócios pessoas físicas ou por dívida de outra empresa
do grupo, a pessoa jurídica deverá comprovar, principalmente, a independência entre os
patrimônios.
Estas, é claro, constituem regras básicas, mas cada caso terá sua particularidade e
inúmeras possibilidades de defesa e ataque.
A desconsideração inversa da personalidade jurídica traduz um avanço para credores
quanto à ampliação do rol de possibilidades de recebimento de seus créditos.
Por outro lado, gera preocupações quanto à saúde econômico-financeira da pessoa
jurídica, visto que relativiza sua autonomia patrimonial, aumentando o risco do negócio. Além
do mais, o risco desestimula o investimento.
Por fim, pelas decisões analisadas conclui-se que a desconsideração poderá ocorrer no
processo executivo, ainda que precedido de processo de conhecimento do qual não participou
a empresa incluída no pólo, e a decisão que desconsidera a personalidade jurídica vale
somente para o caso/processo específico na qual foi declarada e, portanto, não afeta a
integridade da empresa em outros negócios.
26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial – Direito de Empresa. 23ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2011.
BERTOLDI, Marcelo M. RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito
Comercial. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial – Volume I. 30ª ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2011.
(http://www.tj.sp.gov.br) acessado em 21/10/2009.
(www.intelligentiajuridica.com.br) acessado em 21/01/2010.
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