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Universidade São Judas Tadeu Bruno Budin de Menezes DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA HOLDING
50

A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

Mar 13, 2023

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Page 1: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

Universidade São Judas Tadeu

Bruno Budin de Menezes

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

NA HOLDING

Page 2: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

São Paulo

2014

Page 3: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

Bruno Budin de Menezes

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

NA HOLDING

Monografia apresentada à bancaexaminadora da Faculdade de Direito daUniversidade São Judas Tadeu, comoexigência parcial para obtenção do graude Bacharel em Direito, sob orientaçãodo Professor Nelson Freitas Zanzanelli.

Page 4: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

São Paulo

2014

AUTOR: Bruno Budin de Menezes Bruno Budin de MenezesTÍTULO DA MONOGRAFIA: A A DesconsideraçãoDesconsideração da da PersonalidadePersonalidadeJurídicaJurídica nana Holding HoldingMonografia apresentada à banca examinadora da Faculdade de

Direito da Universidade São Judas Tadeu, como exigência

parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob

orientação do Professor Nelson Freitas Zanzanelli.

BANCA EXAMINADORA:1º Professor Nelson Freitas Zanzanelli - Orientador2º Professor Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho

Page 5: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

In memoriam,

Page 6: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

A Rubens Budin,

meu avô,

1933 – 2009.

Page 7: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

Meus agradecimentos,

Aos meus pais, Cláudia Regina Budin e Antônio CarlosSantana de Menezes;

A minha namorada, Marília de Freitas Silva;

Aos grandes amigos, de longa data, em especial: FelipeBarbato de Biaggio, Luis Fernando de Oliveira Xavier,Leonardo Rodrigues Lima, Pedro Ribeiro Alonso e RenatoRibeiro Rainato, e aos que conheci nesse período, aosquais agradeço na pessoa de Eric Isdebsky;

Aos colegas do escritório Zangirolami & AdvogadosAssociados;

E ao meu orientador, Nelson Freitas Zanzanelli.

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"O homem que luta por outro é melhor do que aqueleque luta por si próprio."

Clarence Darrow

Page 9: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

RESUMO

O trabalho visa demonstrar a possibilidade de aplicação

da teoria da desconsideração da personalidade jurídica

(disregard doctrine) diretamente sobre empresas controladoras

(Holdings) quando estas se valerem de empresas controladas para

praticar atos fraudulentos, como confusão patrimonial, abuso

de direito e desvio de finalidade. Iniciamos o trabalho

apresentando ao leitor a definição de personalidade jurídica e

capacidade jurídica, onde também é apresentando o momento de

início e término da personalidade jurídica. Em seguida, é

feita a apresentação e conceituação da Holding, oportunidade em

que também é trazida sua disciplina jurídica, de modo a

diferenciá-la das demais sociedades civis ou comerciais.

Passados tais itens, o trabalho ocupa-se então de conceituar e

apresentar o surgimento da Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica, além de distinguir sua aplicação entre

a teoria maior (aplicação correta) e teoria menor (aplicação

incorreta). Por fim, trazemos a aplicação da desconsideração

da personalidade diretamente sobre a sociedade controladora,

pautando a explicação com jurisprudências e doutrinas

consagradas.

Page 10: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

SUMÁRIO

1 Introdução................................................8

2 Personalidade Jurídica....................................9

2.1 Conceito de Personalidade Jurídica......................9

2.2 Capacidade da Pessoa Jurídica...........................9

2.3 Início e Término da Personalidade Jurídica.............11

2.3.1 Do Início..........................................11

2.3.2 Do Término.........................................12

3 Holding..................................................15

3.1 Conceito de Holding....................................15

3.2 Disciplina da Holding..................................15

4 Desconsideração da Personalidade Jurídica................20

4.1 Conceito de Desconsideração da Personalidade Jurídica..21

4.2 Teorias acerca da Desconsideração da Personalidade

Jurídica...................................................22

4.2.1 Teoria Maior.......................................23

4.2.2 Teoria Menor.......................................26

5 Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding......29

6 Conclusão................................................33

REFERÊNCIAS.................................................34

Page 11: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding
Page 12: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

12

1 Introdução

Em razão do constante desenvolvimento econômico, vemos um

expressivo aumento de conglomerados empresariais, muitas vezes

encabeçados por empresas controladoras (Holdings), visto que uma

sociedade singularizada cada vez menos é capaz gerir grandes

negócios.

Ocorre que, com o aumento do surgimento dessas empresas

com auto poder de controle, existe também o crescimento

exponencial de fraudes praticadas por essas sociedades, que se

utilizam das empresas controladas com o único e exclusivo fim

de praticar negócios fraudulentos, prejudicando credores que

ao tentarem responsabilizar a sociedade que praticou o ato,

nada encontram.

Tal situação se caracteriza pelo monopólio gerencial que

algumas empresas Holdings concentram, de maneira que as empresas

controladas pouco possuem para arcar com suas

responsabilidades, o que acarreta na fraude contra credores

que não conseguem executar seus créditos contra as empresas

controladas e tão pouco encontram grandes patrimônios

relevantes nas empresas gerenciais, visto que seriam os sócios

os detentores de tais bens e valores.

O presente trabalho busca demonstrar a possibilidade de

aplicação de Teoria da Desconsideração diretamente contra a

sociedade controladora em razão de fraudes praticadas através

das controladas, mas isso apenas se inexistente patrimônio da

Page 13: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

13

própria pessoa jurídica e se existentes as hipóteses previstas

no art. 50 do Código Civil.

Porém, nada disso deve ser banalizado, pois a ampliação

da aplicação da teoria da desconsideração de modo direto à

Holding deve ocorrer sempre de maneira cautelosa, para que não

haja uma relativização de sua aplicação o que traria imensa

insegurança jurídica aos grupos econômicos e sociedades

controladoras que em sua maioria atuam conforme sua função,

mas observam outras tantas prejudicar o mercado econômico.

Page 14: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

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2 Personalidade Jurídica

2.1 Conceito de Personalidade Jurídica

Antes de adentramos no tema foco deste trabalho, é preciso

que apresentemos alguns conceitos necessários à sua

compreensão. Dentre eles temos o instituto da personalidade

jurídica, que podemos dizer que é uma atribuição da pessoa,

seja ela natural (ser humano) ou jurídica (criação do direito

para um conjunto de pessoas ou bens).

A personalidade jurídica, como ensina Carlos Roberto

Gonçalves, seria então uma aptidão genérica para que a pessoa

adquira direitos e contraia obrigações ou deveres dentro da

ordem civil1.

Tal atributo é concedido às pessoas naturais, que seriam o

próprio ser humano, para que assim possam exercer plenamente

seus atos na vida civil, mas também atribui tal aptidão a

entidades que na verdade são formadas por um agrupamento de

pessoas ou de bens, as chamadas pessoas jurídicas.

2.2 Capacidade da Pessoa Jurídica

É importante salientar que a possibilidade de criação de

uma pessoa jurídica para a realização de grandes negócios, não1 ROBERTO GONÇALVES, Carlos. Direito Civil Brasileiro, vol. 1 – Parte Geral. 8. ed. São

Paulo: Editora Saraiva, 2010. p 94.

Page 15: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

15

surge apenas como uma mera reunião de pessoas que buscam um

fim em comum, ela acaba por criar todo um organismo jurídico,

e como tal, para que possa praticar seus atos com autonomia,

esta sociedade acaba adquirindo sua própria personalidade

jurídica, deste modo a personalidade também lhe traz como

consequência lógica a capacidade jurídica, que nada mais é que

a medida desta personalidade.

Tal capacidade lhe permite a prática de atos empresariais

e civis, permitindo que exerça sua personalidade jurídica de

maneira plena para assim atingir sua finalidade. Porém, essa

capacidade jurídica também possui certas limitações, como por

exemplo, o fato de pessoas jurídicas não poderem postular em

juízo questões relacionadas a direito de família, no entanto,

isso não obsta o exercício pleno de sua capacidade jurídica.

Neste sentido, quanto às possibilidades de exercício da

Capacidade das pessoas jurídicas podemos citar a ilustre

professora Maria Helena Diniz, no seguinte: “Essa capacidade

estende-se a todos os campos do direito. Pode exercer todos os direitos subjetivos,

não se limitando à esfera patrimonial. Tem direito à identificação, sendo dotada de

uma denominação, de um domicílio e de uma nacionalidade”2.

Da análise de outro trecho da Honrada Doutrinadora,

também podemos extrair que a pessoa jurídica goza de (i)

direito à personalidade, uma vez que pode ter seu nome e

imagem tutelados, direito à privacidade e tutela de sua honra,

boa reputação e tudo o mais que reflita na percepção de

terceiros quanto a sua moral; (ii) direitos patrimoniais ou

2 HELENA DINIZ, Maria. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol.1 – Teoria Geral do Direito. 27.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 288.

Page 16: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

16

reais, permitindo que a pessoa jurídica seja proprietária ou

que tenha direitos reais sobre determinados bens; (iii)

direitos industriais, protegendo assim seus segredos

industrias, de patentes, etc.; (iv) direitos obrigacionais,

podendo assim figurar em diversas espécies de contrato,

podendo contrair obrigações e direitos; e (v) direitos

sucessórios, o que lhe possibilita adquirir bens causas mortis3.

Neste sentido, podemos notar o quão ampla é a capacidade

da pessoa jurídica, podendo assim exercer diversos atos civis

e comerciais objetivando seu fim social, não podendo, em

decorrência de razões lógicas, apenas atuar no âmbito do

Direito de Família como já mencionado e nem quando houver

limitação proveniente de norma jurídica.

2.3 Início e Término da Personalidade Jurídica

2.3.1 Do Início

Como temos conceituações distintas para pessoas naturais e

pessoas jurídicas, teremos também uma maneira diferente de

verificar o início da personalidade jurídica de cada uma delas,

os quais serão abordados nesta oportunidade.

Em se tratando de pessoa natural, ou seja, o próprio ser

humano, faremos uma análise mais breve, uma vez que este não é

propriamente nosso foco nesta pesquisa. Mas, podemos dizer que

a personalidade jurídica da pessoa natural tem início a partir

3 Ibidem. p. 288-289.

Page 17: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

17

de seu nascimento com vida, o que, no entanto, não exclui que

sejam resguardados os direitos do nascituro.

Já em relação à pessoa jurídica, podemos dizer que o

início da sua personalidade jurídica comporta algumas

formalidades necessárias, visto que, a pessoa jurídica como

sujeito de direito é na verdade um agrupamento de pessoas

(naturais ou jurídicas) ou de bens que buscam um fim

específico, que surgiram da necessidade do ser humano de cada

vez mais praticar negócios com tamanha abrangência, que o homem

de maneira singular não seria capaz de fazê-lo, conclusão essa

retirada da leitura da saudosa obra do Honrado Professor Sílvio

de Salvo Venosa4.

Porém, ainda que exista o elemento volitivo para a criação

da pessoa jurídica, e de que haja licitude em sua finalidade,

estes requisitos combinados não tornam a pessoa jurídica um

sujeito de direito dotado de capacidade jurídica, visto que

ainda não possuíra personalidade jurídica.

Para que lhe seja atribuída personalidade jurídica,

precisa a pessoa jurídica ter seu ato constitutivo (contrato ou

estatuto social) devidamente registrado na Junta Comercial ou

no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, requisito

este trazido pelo art. 985 do atual Código Civil.

Tal registro é indispensável para que a pessoa jurídica

passe a existir legalmente e assim tenha a si atribuída a

personalidade e capacidade jurídica, como nos mostra a

Professora Maria Helena Diniz:

4 SALVO VENOSA, Sílvio de. Direito Civil, vol.1 – Parte Geral. 10ª. ed. São Paulo:Editora Atlas, 2010. p. 223 - 226.

Page 18: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

18

No momento em que se opera o assento do contrato oudo estatuto no registro competente, a pessoajurídica começa a existir, passando a ter aptidãopara ser sujeito de direitos e obrigações, a tercapacidade patrimonial, constituindo seupatrimônio, que não tem relação com os dos sócios,adquirindo vida própria e autônoma, não seconfundindo com os seus membros, por ser uma novaunidade orgânica5.

Sendo assim, é possível verificar que a atribuição de

personalidade jurídica à pessoa jurídica acaba por lhe

conceder autonomia para a prática de atos civis e comerciais,

possuindo assim uma responsabilidade própria, uma vez que sua

personalidade jurídica e responsabilidades são dissociadas das

de seus sócios.

2.3.2 Do Término

Assim como no item anterior, o fato de existir uma

diferenciação entre pessoas naturais e pessoas jurídicas, além

de pressupor uma distinção entre a maneira como surge a

personalidade jurídica em ambas, também existirá uma forma

diferente para o término desta aptidão para cada uma delas.

No que tange à pessoa natural, a morte natural do

indivíduo faz então com que tal atributo seja encerrado, mesmo

que esta morte seja presumida diante de situações específicas,

e, para tanto, podemos nos valer dos dizeres de Orlando Gomes:

“Só a morte natural, mesmo ficta, põe termo a personalidade”6.

5 HELENA DINIZ, Maria. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol.1 – TeoriaGeral do Direito. 27. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 285.

6 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro:

Page 19: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

19

Porém, em se tratando de pessoa jurídica, temos novamente

o formalismo se fazendo presente para que se pontue algo em

relação à personalidade jurídica. Neste caso, a personalidade

jurídica também será cessada no caso de “morte” da pessoa

jurídica, que na verdade seria a sua extinção, e que da leitura

dos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves, se realizaria por

meio da dissolução e da liquidação da sociedade7.

Assim, para que ocorra a extinção da personalidade

jurídica e consequentemente o fim de sua personalidade

jurídica, é necessário que haja inicialmente a dissolução da

sociedade e posteriormente sua liquidação. Podemos conceituar a

dissolução como sendo o fim da sociedade constituída nos termos

da lei, e tal dissolução pode ser parcial (resolução), o que

não traria a extinção da sociedade, pois se procede mediante a

saída, morte ou expulsão de apenas um sócio, e pode também ser

total, quando de fato há o fim da sociedade.

Já no que diz respeito à liquidação, podemos então falar

em uma fase contábil da extinção, onde haverá a apuração do

ativo e passivo da sociedade, para que suas dívidas sejam

devidamente pagas e o valor remanescente (se este vier a

existir) devolvido aos sócios ou acionistas.

Ocorrendo cumulativamente a dissolução e liquidação da

sociedade, teremos então a extinção da pessoa jurídica e

consequentemente o fim de sua personalidade. No entanto, ainda

que a liquidação não tenha muita variação quanto à maneira de

Editora Forense, 2007. p.130.7 ROBERTO GONÇALVES, Carlos. Direito Civil Brasileiro, vol. 1 – Parte Geral. 8. ed. São

Paulo: Editora Saraiva, 2010. p 272.

Page 20: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

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se proceder, o mesmo não ocorre com a dissolução que pode

ocorrer de diversas formas.

Ao analisarmos o art. 1.033 do Código Civil, poderemos

verificar todas as hipóteses de dissolução total da sociedade,

que por levarem à extinção da pessoa jurídica, merecerá então

mais enfoque do que a dissolução parcial.

Sendo assim, podemos dizer que segundo o dispositivo

citado, a sociedade se dissolverá quando (i) vencer seu prazo,

se esta foi constituída por prazo determinado, e caso seus

sócios procedam à correta liquidação, caso contrário,

permanecerá, mas por prazo indeterminado; (ii) por deliberação

unânime dos sócios; (iii) por deliberação de maioria absoluta

dos sócios, se a sociedade tiver prazo indeterminado; (iv)

falta de pluralidade de sócios não suprida no prazo legal de

cento e oitenta dias; (v) extinção na forma da lei, por

determinação judicial ou governamental8.

Tais hipóteses de dissolução são aplicáveis a todos os

regimes societários, obviamente respeitando suas

peculiaridades, que são inerentes a própria organização da

sociedade. Porém, o importante é que todas estas formas de

dissolução, se sucedidas pela correta liquidação, levam a termo

a sociedade e assim extinguem sua personalidade jurídica.

A liquidação é de tamanha importância que, caso haja a

dissolução, mas não a liquidação, a personalidade jurídica será

mantida, até que se encerra está fase contábil de encerramento

da empresa, como diz o professor Carlos Roberto Gonçalves: “A

jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, já vinha afirmando que a8 Art.1.033 do Código Civil – Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

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sociedade dissolvida permanece na integralidade de sua personalidade até o final da

liquidação, apenas para o término das negociações pendentes”9.

Deste modo, podemos concluir que procedida a dissolução da

sociedade por alguma das hipóteses previstas no art. 1.033 do

Código Civil e realizada a liquidação da maneira correta, para

que todas as obrigações sejam cumpridas, a pessoa jurídica será

então considerada extinta, e por consequência, imediatamente

também será levada a termo sua personalidade jurídica, não mais

havendo tal sujeito de direito.

9 ROBERTO GONÇALVES, Carlos. Direito Civil Brasileiro, vol. 1 – Parte Geral. 8. ed. SãoPaulo: Editora Saraiva, 2010. p 272.

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22

3 Holding

3.1 Conceito de Holding

A Holding começou a dar seus primeiros passos no Brasil há

mais de 20 anos atrás, e diversos são os motivos para sua

criação e evolução, desde economia fiscal até mesmo a auxilio

na divisão de patrimônio em razão de sucessão patrimonial.

Ela funciona como uma concentração de atos de outra pessoa

jurídica ou outras pessoas jurídicas. Da leitura de Edna Pires

Lodi e João Bosco Lodi, podemos dizer que a Holding funciona

como organizadora do grupo societário, realizando um controle

mais eficiente e com estratégias mais flexíveis, é uma

ferramenta administrativa, funcionando inclusive como solução

para a sucessão10.

Ou então, nas palavras de Gladston Mamede e Eduarda Cotta

Mamede: “Holding (ou holding company) é uma sociedade que detém participação

societária em outra ou de outras sociedades, tenha sido constituída exclusivamente

para isso (sociedade de participação, ou não (holding mista)”11.

Assim sendo, podemos dizer que a Holding é uma pessoa

jurídica destinada a organizar e estruturar patrimônio e/ou

grupo econômico, concentrando os atos de administração para que

se facilite a estruturação de estratégia e também de gestão e

10 PIRES LODI, Edna e BOSCO LODI, João. Holding. 4. ed. São Paulo: CegageLearning, 2012. p 114.

11 MAMEDE, Gladston e COTTA MAMEDE, Eduarda. Holding Familiar e suas vantagens –Planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar. 5. ed. São Paulo:Atlas, 2013. p. 06.

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divisão patrimonial.

3.2 Disciplina da Holding

Em razão de sua abrangência, a Holding pode nascer de

diversas formas societárias, desde sociedades simples até

empresárias e desde sociedades limitadas até sociedades por

ações, e a escolha da forma societária a ser adotada será

determinada de acordo com sua finalidade, seja para gerir um

grupo econômico ou para facilitar a divisão patrimonial em

sociedades familiares.

O nosso foco no presente trabalho será voltado para a

Holding que tem como fim a administração e controle de grupo

econômico, onde terá como objetivo inicial o seguinte:

O objetivo primeiro da holding é fazer crescer ogrupo e controla-lo imparcial, produtiva eeconomicamente.Em essência, a holding é uma administradora deinvestimentos: aplica recursos de acionistas,controla a segurança, multiplica seus potenciais egarante o seu retorno12.

Ainda que possa ser criada por meio de diversas formas

societárias, a Holding surge como forma jurídica na Lei nº

6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), onde em seu art. 2º,

§3º estipula que a companhia pode participar de outras

sociedades, mesmo que não esteja previsto em seu ato

constitutivo13.

12 PIRES LODI, Edna e BOSCO LODI, João. Holding. 4. ed. São Paulo: CegageLearning, 2012. p 65.

13 PIRES LODI, Edna e BOSCO LODI, op.cit. p 02.

Page 24: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

24

É importante salientar essa possibilidade de participar de

outras sociedades, visto que sendo uma sociedade que

administra e controla outras pessoas jurídicas, sua

participação na maioria dos casos é através de controle

societário, através da aquisição de ações, em proporção que

lhe permita o controle da sociedade.

Sendo uma sociedade destinada a organização, planejamento

e controle de grupo econômico, deve a Holding evitar atividades

industriais, de produção, de vendas e de serviços com relação

direta à produção. Sua função está adstrita ao controle do

grupo societário, não podendo se desvirtuar de sua

finalidade14.

Para podermos compreender ainda mais a aplicação da

Holding, se faz necessária a apresentação de alguns conceitos

preliminares, sociedade controlada e sociedade controladora,

os quais abordaremos a seguir de maneira clara e sintética,

apenas para que a destinação da holding possa ficar mais

compreensível no âmbito das sociedades comerciais.

As deliberações da sociedade, muitas vezes estão

relacionadas ao exercício do poder de controle que pode ser

exercido por acionistas que possuam ações em proporção superior

a 50% do capital da sociedade, ou então, por possuírem menos da

metade do capital, mas este está tão diluído que seu poder de

deliberação acaba sendo preponderante perante os demais

integrantes da sociedade.

Muitas vezes, para manter seu poder de controle no caso de

grandes companhias o acionista faz uso da criação de uma14 Ibidem. p 65.

Page 25: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

25

Holding, justamente para que essa exerça o poder de controle

sobre a sociedade, enquanto o próprio empreendedor controla a

pessoa jurídica da Holding15.

Nesse sentido vemos a aplicação do poder de controle de

uma empresa controladora sobre uma sociedade controlada, que na

verdade são duas pessoas jurídicas distintas, com

personalidades jurídicas próprias, mas que possuem uma

interação entre si, onde a empresa controladora tem uma

capacidade deliberativa dominante sobre as decisões a serem

tomadas pela empresa controlada.

Neste momento já podemos notar que a atuação da Holding se

dará em sede de sociedades anônimas, formadas por capital

aberto ou fechado, que na verdade possuem seu capital dividido

em ações, onde a Sociedade Anônima Aberta terá a

comercialização de suas ações na bolsa de valores ou mercado de

balcão, necessitando assim de aprovação da CVM para iniciar

suas operações. Já no caso da Sociedade Anônima Fechada também

haverá o fracionamento do capital social em ações, porém tais

títulos mobiliários não serão comercializados em mercado aberto

ficando adstritos aos próprios criadores da sociedade, e nesse

caso não necessitando de aprovação da CVM para poder ser

constituída.

Sendo assim, podemos verificar que o poder de controle na

verdade não será exercido pelos diretores e nem pelos gerentes

da sociedade anônima, mas sim por quem for detentor do poder

deliberativo da sociedade, como ensina o estimado doutrinador

15 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2 – Direito de Empresa. 16. ed.São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p 261.

Page 26: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

26

Rubens Requião:

O verdadeiro poder emana não desses diretores, masdo grupo de controle que permanece atrás dosgerentes, determinando-lhes a política a serseguida pela empresa. Esse é o tipo mais moderno,pois resulta sobretudo nos conglomerados formados àsombra dos grandes Bancos e das sociedades holdings16.

A existência desse poder de controle consiste em um

acionista (pessoa física ou jurídica) ou um grupo de

acionistas que detenham a maioria dos votos decisivos nas

deliberações de assembleia, sendo considerado assim um

acionista controlador (mesmo que sendo um grupo de

acionistas)17.

Porém, esse poder de controle não pode ser exercido de

qualquer forma, pois o acionista controlador possui obrigações

para com a companhia, obrigações essas previstas no art. 116

da Lei nº 6.404/76, que estipula que ele deverá usar esse

poder para fazer a companhia realizar o seu objetivo e cumprir

sua função social18.

Ou seja, ainda que o poder de controle atribuído ao

acionista controlador lhe garanta certos direitos como ter a

maioria dos votos nas deliberações de assembleias o que poderá

permitir com que eleja os membros dos conselhos de

administração e fiscal, ainda sim tais direitos lhe geram

também responsabilidades por tais decisões, garantindo assim

com que a companhia possa atingir sua finalidade de maneira

16 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, vol. 2. 31. ed, São Paulo: EditoraSaraiva, 2014. p. 182.

17 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, vol. 2. 31. ed, São Paulo: EditoraSaraiva, 2014. p. 186.

18 REQUIÃO, Rubens, op.cit. p. 186.

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27

idônea e dentro da legalidade, podendo o acionista responder

por seus atos no caso de descumprimento desses preceitos.

Vemos a aplicação da Holding, que podendo assumir diversas

formas societárias em muitos casos será usada com a finalidade

de concentrar o poder de controle de uma sociedade anônima,

garantindo assim a maioria das deliberações de modo a decidir

o futuro da sociedade, mas não sem ser responsável por

eventuais danos causados a companhia e terceiros em razão de

condutas ilegais.

Deste modo, a Holding pode ser criada apenas para exercer

um poder de controle gerencial sobre outra pessoa jurídica,

limitando-se à atividades negociais e não realizando

atividades operacionais, seriam essas as Holdings puras, podendo

ser Holdings de controle ou Holdings de participação. Mas, a Holding

pode também ser denominada como mista, no caso de sociedades

que não são criadas apenas para gerenciar outras pessoas

jurídicas, no caso das Holdings mistas temos sociedades que

realizam atividade produtiva, seja a produção ou circulação de

bens ou a prestação de serviços, mas que também se dedicam a

participar de outras sociedades adquirindo posteriormente suas

quotas sociais ou ações, mesmo que não estivesse previsto em

seu instrumento constitutivo, porém é permitido para que a

pessoa jurídica possa atingir seu objetivo social ou se valer

de benefícios fiscais.19

Neste sentido é possível verificar que a Holding pode ser

aplicada de diversas formas conforme for a necessidade de seus19 MAMEDE, Gladston e COTTA MAMEDE, Eduarda. Holding Familiar e suas vantagens –

Planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar. 5. ed. São Paulo:Atlas, 2013. p. 06

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criadores ou do grupo de empresas ao qual irá pertencer. As

estratégias que podem ser aplicadas por uma Holding são

diversas, desde a regulação e organização de um grupo

societário como a facilitação de questões sucessórias (no caso

de Holdings familiares), porém a implementação ou criação de uma

sociedade com participação em outras pessoas jurídicas deverá

ocorrer através de uma análise de cada caso em particular,

pois nem sempre a centralização do poder de controle ou do

patrimônio não produtivo será benéfica às demais sociedades.

Page 29: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

29

4 Desconsideração da Personalidade

Jurídica

Previamente a conceituação da Desconsideração da

Personalidade Jurídica se faz necessário traçar um breve

histórico de seu surgimento. Tal teoria teria surgido através

da jurisprudência inglesa, na análise do caso “Salomon vs.

Salomon & Co.”, onde no ano de 1897 o Comerciante Aaron

Salomon fundou juntamente com mais seis pessoas uma company,

onde ele era o detentor da maioria absoluta do capital social.

Esta company então assumiu obrigações garantidas por certa

quantia, mas acabou se mostrando insolvente, deixando seus

credores quirografários sem receber seus créditos, e apesar de

a Suprema Corte inglesa considerar a company como regular, por

ter sido criada conforme os preceitos legais, as decisões de

instâncias inferiores sobre o caso acabaram tendo grande

repercussão, pois responsabilizavam Aaron Salomon pelos danos

sofridos aos credores que deveriam ser indenizados, uma vez

que o comerciante teria se usado de fraude para limitar sua

responsabilidade, surgindo assim a disregard of legal entity20.

Dentre os grandes teóricos que estudam profundamente o

tema temos Rolf Serick, que aborda o tema em relação ao abuso

da pessoa jurídica, citado assim pelo Honrado Fábio Ulhôa

Coelho: “Entende Serick por abuso da forma qualquer ato que, por meio do

instrumento da pessoa jurídica, vise frustrar a aplicação da lei ou o cumprimento de

20 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, vol. 2. 31. ed, São Paulo: EditoraSaraiva, 2014. p. 476.

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30

obrigação contratual, ou, ainda, prejudicar terceiros de modo fraudulento

(1955:276)”21.

Já em âmbito nacional, vimos essa teoria surgir através

do ilustre doutrinador Rubens Requião, no ano de 1969, que

segundo Fábio Ulhôa foi apresentada como uma solução aos

problemas éticos em se atribuir responsabilidade patrimonial

aos sócios em razão de atos praticados pela sociedade, visto

que ela possui responsabilidade patrimonial distinta da dos

sócios ou acionistas. Fabio Ulhôa diz também que Rubens

Requião defendia a aplicação da teoria da desconsideração da

personalidade jurídica no direito brasileiro mesmo sem

previsão legal, pois caso os juízes não a fizessem, os casos

de abuso e fraude no uso da personalidade não poderiam ser

sanados, prejudicando assim os terceiros envolvidos com a

pessoa jurídica maliciosa22.

Inclusive, isso pode ser visualizado na publicação do

ilustre professor Rubens Requião na Publicação de número 410

da Revista dos Tribunais do mês de dezembro de 1969, onde em

seu texto sobre o Abuso de Direito e Fraude Através da

Personalidade Jurídica, ele elenca alguns julgados nacionais

da época, onde os juízes sem mesmo conhecerem a teoria da

desconsideração já a aplicavam em alguns casos específicos, se

valendo da utilização de diversos princípios para

21 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2 – Direito de Empresa. 16. ed.São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 47.

22 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2 – Direito de Empresa. 16. ed.São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p 48.

Page 31: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

31

responsabilizar os sócios por atos fraudulentos praticados por

meio da utilização fraudulenta da pessoa jurídica23.

De qualquer forma, atualmente a aplicação da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica em nosso direito é

possível independentemente de previsão legal, uma vez adotada

a teoria trazida por Rubens Requião, porém, a mesma não carece

de amparo legal, pois também foi inserida no Código Civil de

2002, em seu art. 50.

4.1 Conceito de Desconsideração da Personalidade Jurídica

Quando falamos de desconsideração da personalidade

jurídica devemos entender como um ato onde o juiz afasta o

“véu” da pessoa jurídica concedido, para assim atingir o

patrimônio de seus sócios ou acionistas em razão do uso

abusivo da personalidade, ou seja, a sociedade apesar de

regularmente constituída acaba tendo sua personalidade

jurídica afastada para que seus criadores sejam

responsabilizados pessoalmente por danos causados em razão de

fraude.

Como ensina o honrado professor Rubens Requião, o ato de

desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade não

considera e nem declara nula a personificação, mas apenas a

torna ineficaz para certos atos24.

23 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica (disregarddoctrine) – Revista dos Tribunais. vol. 410. 01. ed. São Paulo: Empresa Gráfica daRevista dos Tribunais, dezembro de 1969. p. 21-24.

24 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, vol. 2. 31. ed, São Paulo: EditoraSaraiva, 2014. p. 476.

Page 32: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

32

Faz-se necessário também informar que a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica não busca afastar e

nem negar a personificação de sociedades, nos dizeres de Fábio

Ulhôa Coelho: “A teoria da desconsideração da personalidade jurídica não é

uma teoria contrária à personalização das sociedades empresárias e à sua

autonomia em relação aos sócios. Ao contrário, seu objetivo é preservar o instituto,

coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dela se utilizam” 25.

Neste mesmo sentido temos também a seguinte explicação do

Professor Rubens Requião, em sua primorosa obra que introduziu

o tema em nosso direito pátrio:

O mais curioso é que a <<disregard doctrine>> não visa anular apersonalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no casoconcreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação àspessoas ou bens que atrás dela se escondem. É caso de declaraçãode ineficácia especial da personalidade jurídica para determinadosefeitos, prosseguindo todavia a mesma incólume para os seus outrosfins legítimos26.

4.2 Teorias acerca da Desconsideração da Personalidade

Jurídica

Ao adentrarmos na temática da desconsideração da

personalidade jurídica se faz necessário apresentarmos as duas

teorias existentes acerca do tema. Temos assim a distinção

entre duas correntes de aplicação da disregard of legal entity, que

sejam a Teoria Maior e a Teoria Menor, explicadas a seguir.

25 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2 – Direito de Empresa. 16. ed.São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p 49.

26 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica (disregarddoctrine) – Revista dos Tribunais. vol. 410. 01. ed. São Paulo: Empresa Gráfica daRevista dos Tribunais, dezembro de 1969. p. 14.

Page 33: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

33

4.2.1 Teoria Maior

A Teoria Maior da desconsideração da personalidade

jurídica, também denominada como aplicação correta da teoria da

desconsideração por Fábio Ulhôa Coelho27, traz em seu âmago um

conjunto de requisitos para sua aplicação, que não devem ser

ignorados, para que assim não seja aplicada de maneira indevida

sem observância dos pressupostos legais.

Na aplicação desta corrente da disregrad doctrine nós temos a

observância dos requisitos estipulados no Código Civil de 2002,

que em seu art. 50 estipula o seguinte:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidadejurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade,ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir,a requerimento da parte, ou do Ministério Públicoquando lhe couber intervir no processo, que osefeitos de certas e determinadas relações deobrigações sejam estendidos aos bens particularesdos administradores ou sócios da pessoa jurídica28.

Atendendo ao preceituado no dispositivo mencionado acima,

a desconsideração da personalidade jurídica não pode ocorrer

de maneira desmedida ou precária. Nesta maneira de aplicação

se faz necessária a comprovação do abuso praticado pelos

sócios ou acionistas, de modo que ocorra o desvio de

finalidade da pessoa jurídica ou então confusão patrimonial

com os bens de seus constituintes.

Aplicando a teoria dessa forma, temos apenas o afastamento

da personalidade jurídica da sociedade no caso concreto,

27 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2 – Direito de Empresa. 16. ed.São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p 57.

28 Art.50 do Código Civil – Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

Page 34: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

34

buscando assim coibir fraudes ou abusos que objetivassem

prejudicar credores da pessoa jurídica, porém, tal instituto

não afasta e nem deslegitima a autonomia da sociedade

jurídica29.

Observando o cumprimento de tais requisitos, sem realizar

a aplicação por mera impontualidade jurídica, não será dado

ensejo para a perpetuação de insegurança jurídica, pois

evitaria que qualquer caso de insolvência jurídica resultasse

no afastamento da autonomia patrimonial da sociedade

responsabilizando assim seus sócios ou acionistas diretamente

com seu patrimônio pessoal, mesmo que estes não tenham sequer

dado causa ao descumprimento da obrigação.

A importância da existência do abuso para aplicação da

desconsideração da personalidade jurídica reside desde o

início dos estudos da própria teoria, como demonstra e

conceitua em seus ensinamentos Rolf Serick aqui condensado por

Fábio Ulhôa Coelho:

Entende Serick por abuso da forma qualquer ato que,por meio do instrumento da pessoa jurídica, visefrustrar a aplicação da lei ou o cumprimento deobrigação contratual, ou, ainda, prejudicarterceiros de modo fraudulento (1955:276). Ressalta,também, que não se admite a desconsideração sem apresença desse abuso, mesmo que para a proteção daboa-fé30.

Evidente se faz então a necessidade do abuso dos

constituintes na realização da pessoa jurídica, de modo que

não há presunção de fraude por mero inadimplemento, para que29 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2 – Direito de Empresa. 16. ed.

São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p 51.30 SERICK, Rolf apud COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2 – Direito

de Empresa. 16. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 47.

Page 35: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

35

haja a aplicação da disregrad doctrinare deve haver o efetivo

desvio de finalidade ou confusão patrimonial da pessoa

jurídica, e não uma presunção de abuso em razão do

descumprimento.

Compreende-se assim que, quando discutidos os atos no

âmbito da própria pessoa jurídica estes são lícitos, havendo a

revelação da ilicitude apenas quando o ato praticado ao

arrepio da lei partir dos sócios ou acionistas, neste momento

sim teremos a desconsideração da personalidade da sociedade,

onde ao abstrair sua personalidade jurídica teremos

evidenciada a fraude ou o abuso praticado por seus criadores,

que se ocultavam através da personalidade da sociedade31.

Neste sentido, ainda acompanhando o Ilustríssimo Professor

Fábio Ulhôa Coelho, a desconsideração será utilizada quando o

ato praticado aparentar ser lícito se analisado através da

conduta da pessoa jurídica, mas que na verdade encobre

atitudes ilícitas de seus sócios. Ou seja, sendo possível

determinar de plano que os atos ilícitos partem diretamente

dos sócios, sem que usem o véu da personalidade jurídica da

sociedade para encobrir suas ações, então nessa hipótese não

há o que se falar em aplicação da disregrad doctrinare32.

Para que seja então possível a aplicação da

desconsideração da personalidade jurídica diante da aplicação

correta, que seja demonstrando a fraude ou abuso dos sócios no

uso da pessoa jurídica faz-se necessária a prova de tais

31 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2 – Direito de Empresa. 16. ed.São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 53.

32 Ibidem. p. 54.

Page 36: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

36

situações. Pois, a existência e utilização da personalidade

jurídica, se atendida a sua correta finalidade, possui amparo

legal para existir, o que não pode ocorrer é a utilização de

tal ato em desconformidade com sua finalidade33.

A comprovação de fraude ou abuso é extremamente complicada

de ser realizada na prática, pois esbarra na subjetividade dos

sócios ou acionistas, demonstrar se eles de fato intencionavam

realizar tais atos com o animus de prejudicar credores é algo

muito complexo.

No entanto, tal subjetividade não pode ser desconsiderada,

e para a correta aplicação da disregrad doctrinare a intenção do

abuso ou fraude deve existir para que o instituto não seja

banalizado e aplicado de maneira desmedida trazendo

insegurança. Tanto é importante a existência da fraude ou do

abuso de direito para a aplicação da desconsideração, que o

consagrado doutrinador Rubens Requião quando apresentou pela

primeira vez a teoria em solo nacional fez questão de

ressaltar que os próprios tribunais americanos (que já faziam

uso da teoria) sempre invocaram seu uso de maneira

excepcional, como uma maneira de reforçar a regra de que há

sim uma distinção entre o patrimônio dos sócios e o patrimônio

da pessoa jurídica, e que tal inserção de responsabilidade só

seria possível se existente a fraude ou abuso na utilização

desta distinção patrimonial34.

33 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica (disregarddoctrine) – Revista dos Tribunais. vol. 410. 01. ed. São Paulo: Empresa Gráfica daRevista dos Tribunais, dezembro de 1969. p. 16.

34 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica (disregarddoctrine) – Revista dos Tribunais. vol. 410. 01. ed. São Paulo: Empresa Gráfica daRevista dos Tribunais, dezembro de 1969. p. 20.

Page 37: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

37

Mesmo sendo necessária para a aplicação, a formulação

subjetiva pode ser auxiliada por uma formulação objetiva da

teoria da desconsideração, que consiste na prova produzida

acerca da movimentação contábil e financeira da pessoa

jurídica, afim de demonstrar a confusão patrimonial da

sociedade com seus sócios, como bens dos sócios em nome da

sociedade, pagamento de dívidas pessoais dos constituintes

partindo da pessoa jurídica ou vice e versa, em resumo,

promiscuidade patrimonial, como ensina Fábio Ulhôa Coelho:

“Pela formulação objetiva, os elementos autorizadores da desconsideração são a

fraude e o abuso de direito; pela objetiva, a confusão patrimonial. A importância

dessa diferença está ligada a facilitação da prova em juízo”35.

4.2.2 Teoria Menor

Passada a análise da Teoria Maior, vamos então abordar a

Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, onde

devemos ter em mente uma aplicação mais simplificada do

instituto, onde se considera como causa para sua aplicação o

mero inadimplemento da pessoa jurídica, ou seja, a sociedade em

razão do não cumprimento de sua obrigação teria afastada sua

personalidade jurídica de modo que seus sócios acabariam

respondendo pessoalmente com seu patrimônio pela obrigação

descumprida.

Na aplicação dessa teoria vemos que não é necessário

demonstrar o uso abusivo ou fraudulento da pessoa jurídica

pelos sócios, onde na verdade, a inexistência de patrimônio da35 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2 – Direito de Empresa. 16. ed.

São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 55.

Page 38: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

38

sociedade acaba transferindo a responsabilidade aos sócios

solváveis mesmo que esses tenham agido de acordo com a lei e os

interesses da sociedade. Como conceito mais objetivo da Teoria

Menor, podemos usar as seguintes palavras de Fábio Ulhôa

Coelho, que apesar de não denomina-la assim, se adequa muito

bem para nosso propósito:

Nela, adota-se o pressuposto de que o simplesdesatendimento de crédito titularizado perante umasociedade, em razão da insolvabilidade ou falênciadesta, seria suficiente para a imputação deresponsabilidade aos sócios ou acionistas. Deacordo com esta distorção, se a sociedade nãopossui patrimônio, mas o sócio é solvente, issobasta para responsabilizá-lo por obrigaçõesdaquela36.

Porém, a aplicação desta teoria (que de fato ocorre no

judiciário, principalmente na seara Trabalhista) é extremamente

temerária, pois não é auferida a responsabilidade dos sócios ou

acionistas por abuso da personalidade jurídica, de modo que o

princípio da autonomia patrimonial é completamente descumprido,

onde o sócio não está mais sendo responsável pelo montante

investido na sociedade e que seria absorvido pelo risco do

negócio em caso de fracasso, mas sim tendo responsabilidade

ilimitada independente de ter agido ou não com lisura.

Em razão do mencionado acima o professor Fábio Ulhôa

Coelho considera tal teoria como uma aplicação incorreta da

desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que a

aplicação perpetrada dessa maneira não se preocupa em analisar

a existência de abuso ou fraude por parte dos sócios ou

acionistas da sociedade, de modo que apenas estaria eliminando36 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2 – Direito de Empresa. 16. ed.

São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p 56.

Page 39: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

39

o princípio da separação entre a pessoa jurídica e seus

integrantes constituintes37.

Diante da adoção da terminologia de “aplicação incorreta”

da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, Fábio

Ulhôa Coelho (2012:57) diz que não há mais a distinção entre

Teoria Menor ou Teoria Maior da desconsideração em razão do

avanço jurisprudencial sobre o tema.

A aplicação incorreta da disregrad doctrinare consiste em

verdadeira insegurança jurídica, uma vez que a mera

impontualidade de pagamento acabaria por afastar o princípio da

autonomia patrimonial, o que traria uma problemática muito

grande, uma vez que qualquer inadimplemento, por menor que

fosse, daria ensejo a responsabilidade pessoal dos sócios ou

acionistas, mesmo que estes não tenham utilizado abusivamente

da personalidade jurídica da sociedade.

Ou seja, nessa corrente de aplicação da teoria da

desconsideração da personalidade jurídica não vemos preenchidos

sequer os pressupostos legais trazidos pelo art. 50 do Código

Civil, onde estipula que o véu que recobre a pessoa jurídica

será afastado, responsabilizando assim seus sócios nos casos de

abuso em que houver desvio de finalidade ou confusão

patrimonial38.

A aplicação incorreta extrapola até mesmo o previsto no

Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 28 também prevê

a desconsideração da personalidade jurídica no caso do

37 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2 – Direito de Empresa. 16. ed.São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 56-57.

38 Art.50 do Código Civil – Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

Page 40: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

40

fornecedor (pessoa jurídica) se utilizar de abuso ou fraude

para prejudicar o consumidor39. Tal Código normativo visa

equilibrar as relações jurídicas entre o fornecedor e o

consumidor que se encontra em situação de hipossuficiência

econômica, e mesmo nesse caso o abuso deve ser comprovado para

que se aplique a medida máxima de responsabilização dos sócios.

39 Art.28 do Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078 de 11 desetembro de 1990.

Page 41: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

41

5 Desconsideração da Personalidade

Jurídica na Holding

Agora, já passadas as conceituações adequadas adentraremos

no foco deste trabalho, que é no caso, a aplicação da

desconsideração da personalidade jurídica sobre a Holding. Neste

momento, se faz necessário ressaltar também que tomaremos como

correta a aplicação da Teoria Maior da Desconsideração da

Personalidade Jurídica, ou seja, deve ser necessária a

existência de fraude, confusão patrimonial ou abuso de direito

para sua caracterização.

Cumpre neste trabalho demonstrar a possibilidade de

aplicação direta da desconsideração da personalidade jurídica

sobre a empresa Holding, quando esta se utilizar das empresas

controladas (pertencentes assim a um mesmo grupo econômico)

apenas com a finalidade de fraudar credores ou de se furtar de

cumprir suas obrigações.

A jurisprudência pátria já tem abordado tal assunto, como

no julgado de Relatoria do Ministro José Delgado, que em seu

voto nos trás o seguinte trecho, que será analisado em seguida:

A desconsideração da pessoa jurídica, mesmo no casode grupo econômico, deve ser reconhecida emsituações excepcionais, onde se visualiza aconfusão de patrimônio, fraudes, abuso de direito emá-fé com prejuízo a credores. O intuito é visarsituações falsas ou artifícios maliciosos, à margemda lei e prejudicar a terceiros, alcançando opatrimônio daqueles conhecidos sócios ricos dassociedades pobres.

Page 42: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

42

No caso sub judice, impedir a desconsideração dapersonalidade jurídica do agravante implicaria empossível fraude aos credores. A utilização derazões sociais distintas para a mesma empresacomercial não afasta a óbvia conclusão de que, nahipótese existe apenas uma só pessoa jurídica.As empresas INTERUNION CAPITALIZAÇÃO S/A,INTERUNION TRADING S/A e controladora INTERUNIONHOLDING S/A possuem sede no mesmo prédio, e seencontram sob o comando do mesmo grupo empresarial,com a mesma direção, cujos negócios eram conduzidostendo em vista interesses desse grupo, e não os decada uma das diversas sociedades. Essa separaçãosocietária, de índole apenas formal, legitima airradicação dos efeitos ao patrimônio da agravantecom vistas a garantir a execução fiscal da empresaque se encontra sob o controle de mesmo grupoeconômico40.

No julgado cujo trecho foi transcrito acima, podemos

verificar primeiramente a aplicação excepcional da disregard

doctrinare, assim como dizia o honrado professor Rubens Requião

quando trouxe a teoria pela primeira vez ao Brasil41.

Podemos notar também no presente voto que, no caso julgado

vemos a existência de um grupo econômico, onde uma das empresas

controladas praticou atos que visavam lesar credores, no

entanto, tal empresa não possuía recursos para arcar com suas

obrigações, caracterizando assim a fraude. Ainda mantendo o

foco, vemos que de acordo com os dizeres do nobre Ministro, a

empresa Holding seria a responsável por gerenciar todos os atos

de suas empresas controladas, bem como era a detentora de todos

os recursos e que na verdade, a distinção entre as pessoas

40 BRASÍLIA, Superior Tribunal de Justiça, Resp. 767.021 - RJ, Relator:Min. José Delgado, 2005.

41 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica (disregarddoctrine) – Revista dos Tribunais. vol. 410. 01. ed. São Paulo: Empresa Gráfica daRevista dos Tribunais, dezembro de 1969. p. 17.

Page 43: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

43

jurídicas seria meramente formal, pois na realidade dos fatos

seriam a mesma pessoa jurídica, uma apenas como a extensão da

outra.

Diante de tais fatos, aplica-se então a desconsideração da

personalidade jurídica diretamente sobre a empresa Holding,

atingindo assim os bens de seus sócios, uma vez que a empresa

controlada (e praticante do ato lesivo) nada mais seria que uma

longa manus da empresa controladora, apenas servindo para tal

finalidade nefasta, o que justificaria a inexistência de

patrimônio palpável sobre sua responsabilidade e sobre a

responsabilidade da própria Holding, que por seu caráter

gerencial nem sempre necessita de grandes bens ou quantias em

seu nome, mas que gera grandes lucros à seus sócios.

Tal pensamento de responsabilização da sociedade

controladora se mostra presente desde estudos passados, como na

obra do honrado professor José Lamartine Corrêa de Oliveira que

trás à pauta tal problemática – ainda que em seu estudo a

teoria da desconsideração da personalidade jurídica não fosse a

solução mais adequada para resolver a questão – a qual

utilizaremos aqui apenas para demonstrar o cabimento da

imputação de responsabilidade das empresas ditas como

dominantes (em nosso estudo, as Holdings)42.

O aclamado professor José Lamartine, em sua brilhante obra

resume o pensamento da ilustre doutrinadora suíça Anne

Petitpierre-Sauvain, que tem as seguintes considerações:

A sociedade que dirige um grupo pode, na busca de umobjetivo geral, desfavorecer uma sociedade em proveito

42 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de. A Dupla Crise da Pessoa Jurídica. São Paulo:Editora Saraiva, 1979. p. 599 – 613.

Page 44: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

44

das outras. Mas não deve fazê-lo em detrimento deterceiros. É entretanto o que sucede quando a filial vema falir. Será portanto necessário proteger essesterceiros permitindo-lhes acionar a sociedade dominante.A responsabilidade do grupo deve permanecer limitada, mas aresponsabilidade limitada das sociedades que do grupo fazem parte não sejustifica na mesma medida43.

Podemos visualizar neste trecho que buscava a proteção de

terceiros contra atos lesivos praticados por um grupo de

pessoas jurídicas, cujo controle estivesse delimitado a uma

pessoa jurídica específica e que através de suas decisões

poderia vir a prejudicar o interesse de terceiros através do

controle que praticava sobre as demais sociedades do grupo.

Trazendo tal situação para a nossa sistemática, vemos

então a responsabilização de uma sociedade controladora sobre

atos praticados através das sociedades controladas o que

geraria a ocorrência de prejuízos a terceiros interessados.

Diante de tal hipótese temos como possíveis condutas

danosas a ocorrência de confusão patrimonial, abuso de direito

e desvio de finalidade, que em nosso atual ordenamento são

combatidas por meio da desconsideração da personalidade

jurídica, de modo a responsabilizar os sócios diretamente

pelas fraudes praticadas através do véu da personalidade

jurídica.

Ocupamo-nos então de procurar uma aplicação direta da

desconsideração sobre as Holdings, responsabilizando assim seus

sócios por atos praticados por sociedades controladas, visto

que em muitos casos, como já foi dito, apenas se tratam de uma

extensão da sociedade controladora, funcionando como

43 PETITPIERRE-SAUVAIN, Anne apud OLIVERIA, José Lamartine Corrêa de. ADupla Crise da Pessoa Jurídica. São Paulo: Editora Saraiva, 1979. p. 599.

Page 45: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

45

verdadeiras empresas “laranjas” apenas com o intuito de

fraudar credores e o mercado como um todo, criando barreiras

que dificultariam atingir os verdadeiros responsáveis.

Com tal aplicação direta - frise-se apenas com a

comprovação das hipóteses previstas no art. 50 do C.C., sem

que se de por meio de arbitrariedades jurisdicionais – poupa-

se a etapa de desconsideração da empresa controlada, para

depois responsabilizar a empresa controladora, passa-se

diretamente para a sociedade dominante, evitando assim que

esta ganhe tempo durante o trâmite jurisdicional para

dilapidar seu patrimônio.

Cumpre informar que tal aplicação seria utilizada apenas

na mais excepcional situação, assim como se deve sempre ser

usada a teoria da disregard doctrinare, pois como bem sabemos, sua

aplicação – e no caso apresentado, ainda mais ampla – pode

causar insegurança jurídica se ocorrer de maneira desmedida. E

no problema apresentado deve sua imputação ser ainda mais

cautelosa, pois como indica o ilustre professor Lamartine a

desconsideração da pessoa jurídica controlada em razão de atos

praticados pela pessoa jurídica controladora apenas pela

existência do poder de controle, mas sem se fundamentar em

mais nada coloca em dúvida o próprio sistema como um todo44.

Deste modo, e ainda ilustrando com julgados de nossa nobre

pátria, vemos que a aplicação da desconsideração como meio de

responsabilizar os sócios da controladora por atos praticados

através das empresas controladas deve ocorrer sempre aos

44 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de. A Dupla Crise da Pessoa Jurídica. São Paulo:Editora Saraiva, 1979. p. 594.

Page 46: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

46

moldes do art. 50 do C.C., devendo a decisão ser

consubstanciada por forte conjunto probatório:

Em outras palavras, este outro centro de imputação dedeveres e direitos não deve servir para encobrir aatuação de seus sócios, que abusam dessa personalidadejurídica, utilizando-a como instrumento à consecução deseus interesses, procurando furtar-se daresponsabilidade perante terceiros, cuja consequênciadeve ser a desconsideração da personalidade jurídica (CC50).Nesse contexto, legítima a inserção da controladora daSPE no polo passivo da lide na qual se discute ainadimplência desta em empreendimento idealizado pelasócia45.

No julgado acima notamos então novamente a imputação de

responsabilidade à sociedade controladora e consequentemente

aos seus sócios, tudo isso em razão de atos praticados pela

empresa controlada que, no entanto, agia sob as orientações e

comandos da pessoa jurídica dominante.

Poderíamos aqui listar outros diversos casos da

jurisprudência e analisa-los um por um para então reforçar

ainda mais a aplicação de tal ampliação da teoria da disregard,

porém a brevidade do presente trabalho não nos permite ir mais

fundo.

45 SÃO PAULO, Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº. 0045737-61.2011.8.26.0577, Relator: Des. Luis Mario Galbetti, 2013.

Page 47: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

47

6 Conclusão

Sendo assim, podemos perceber que a aplicação direta da

desconsideração da personalidade jurídica sobre as empresas

controladoras quando estas se utilizarem fraudulosamente de

empresas controladas é algo possivelmente aplicável, de modo

que já é verificável sua utilização em julgados nacionais.

Claro que a aplicação assim dita, de maneira mais ampla,

atingindo diretamente a empresa responsável pelo poder de mando

e controle de outras empresas pode significar o surgimento de

uma instabilidade jurídica, mas isso apenas na hipótese de

relativização da teoria da desconsideração.

Se a aplicação mantiver seu caráter estritamente

excepcional, e se atendidos os requisitos necessários, de modo

a comprovar veementemente que a Holding apenas se utilizou

exclusivamente da empresa controlada para então se insurgir

contra credores, utilizando os mais diversos meios

fraudulentos, então sua aplicação na verdade serviria como uma

defesa ao mercado econômico, coibindo tais práticas, pois a

responsabilidade dos sócios por atos lesivos não mais ficaria

encoberta por uma cadeia de pessoas jurídicas, que no caso

apenas serviriam como escudos.

Fato é que, nas ocorrências destes tipos de fraude

conseguir provas contundentes se torna uma busca muitas vezes

interminável, porém, ainda que seja extremamente difícil

conseguir juntar tal conjunto probatório não pode o poder

jurisdicional ficar a mercê de uma tutela específica caso tais

Page 48: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

48

provas consigam ser produzidas, ou seja, é preciso ter uma

maneira de tutelar o direito do credor mesmo que a aplicação

seja dificultosa.

O presente trabalho se ocupa então de demonstrar a

possibilidade de tal aplicação, ainda que de maneira

embrionária, mas já como uma maneira de se buscar maiores

estudos, não temos aqui como apresentar decisões definitivas ou

conclusões imutáveis.

No entanto, o objetivo de apresentar tal aplicação e de

fazer nascer a centelha de sua utilização foi aqui concluído,

de modo que o objetivo da presente análise foi assim

alcançado.

Page 49: A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Holding

49

REFERÊNCIAS

BRASÍLIA, Superior Tribunal de Justiça, Resp. 767.021 - RJ,Relator: Min. José Delgado, 2005.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2 – Direito de Empresa.16. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

Código Civil – Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078 de 11 desetembro de 1990.

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