Transcript
Maritegui
Uma sensibilidade socialista autogestionria nos Andes
Cludio Nascimento
Mariategui ainda se ergue como um farol, que ilumina o horizonte intelectual e politico dos que querem conferir aos latino-americanos a opo pelo marxismo
(Florestan fernandes)
1. Introduo
A professora cubana Isabel Monal em ensaio intitulado Marx, America Latina y el alza del movimiento popular ,( apresentado no 6 Coloquio Marx-Engels,em novembro 2009, promovido pelo Cemarx-unicamp), afirma que :
Com a entrada do seculo XXI a America Latina se converteu em um centro das lutas e levantes populares contra o neoliberalismo e o imperialismo e inclusive se lanou em
esboos de superao do capitalismo (grifos nossos ).Parece que assistimos a uma
ecloso de efervescncia de transformao social que teve seus incios desde os ltimos
Anos do seculo recentemente concludo.( Capitalismo:crises e resistncias.outras expresses.2012.p.261).
Que papel ou influencia tem o marxismo nesse ciclo de novas lutas em Nuestra
America.E,sobretudo,no arquiplago dos marxismos,quais os que esto reatualizados ?
E,tambm, qual Marx ? A essa questo Isabel tenta responder em seu ensaio,
ressaltando o que chama de marxismo fundacional latino-americano, representado pelo chileno Luis Emilio recabaren, o cubano Julio Antonio Mella e por sua grande
figura que se destaca, o peruano Jos Carlos Maritegui.(grifo nosso).E esse
marxismo constitui uma herana insubistituivel para as atuais lutas antiimperialistas e
anticapitalistas.Monal aproxima esse narxismo fundacional s idias do Marx tardio,em que aspectos essenciais de sua teoria da revoluo foram modificados ou enriquecidos(ibid-p.263). Na viso de Isabel Monal, Esse legado to mais valioso que algumas das idias e teses com que eles enriqueceram e desenvolveram o marxismo segundo as condies do
continente se assemelham com aquelas analises e apreciaes dos clssicos
desenvolvidas no final de suas vidas apesar de que 9com exceo talvez de Mariategui
em relao a carta de Marx a Vera Zassoulitch ) no podiam ter conhecido a evoluo
de Marx que o aproximava s possibilidades revolucionarias deste distante
continente.(ibid-p.264) Para Isabel Monal, O Marx tardio est mais prximo da America Latina e de suas problemticas, inclusive das atuais,porque tanto ele como engels chegaram a superar,
entre outras coisas, a ciso, que havia caracterizado sua concepoentre a chamada
questo nacional e a questo social. E,faz referencia ao que chamamos de autogesto comunal: E porque ao complexificar tambm, cada vez mais, o esquema evolutivo (que nunca foi linear, bom insistir)
chegou a prever a possibilidade, a partir de condies socioeconimicas especificas,de
que a Russia saltaria a etapa capitalista de desenvolvimento e que se apoiaria nas
comunas agrcolas no processo at o socialismo grifo nosso- (borrador da carta a
Vera Zassoulitich), com o qual deixava aberto e assentado esta e outras possibilidades
vlidas tambm para outras latitudes a partir, claro est, de condies especificas que o
permitissem.(ibid-p.265)
Enfim,especificamente em relao ao nosso ensaio sobre o Amauta,podemos colher na
escruta de Monal que No caso especifico de Mariategui ficou estabelecido um amplo e profundo nexo entre o conjunto das demandas sociais e nacionais com as lutas dos
povos indgenas.E comprendeu as possibilidades das comunas indgenas originarias
( com sua propriedade comunal ) de um conjunto de pases com numerosa populao indgena como era o caso de sua natal Peru para constituir as bases das
transformaes at o socialismo-grifos nossos-.(ibid-p.269)
J no final dos anos 80, vrios pensadores mariateguianos reclamavam uma vuelta Mariategui (Guibal e Ibanez-1987),ou quando da comemorao do centenario do Amauta ,em 1994, o ensaio de F.Guibal mais uma vez reclamava a vigencia de Mariategui (1995).A mesma perspectiva corta os vrios ensaios de M.Lowy sobre Mariategui,sobretudo, o famoso ensaio o marxismo romntico de Mariategui (1994). O ensaio de Florestan Fernandes para o centenario de Mariategui intitulava-se
Significado atual de J.C. Mariategui (1994).
Uma nova etapa se abriu para obra de Mariategui justamente no ano do seu
centenrio,quando em janeiro de 1994,o neozepatismo surge nas selvas de
Chiapas,marcando um novo ciclo de lutas em Nuestra America.
As experiencias na Venezuela e na Bolivia , em torno da autogesto comunal,do poder popular,trouxeram uma nova leitura da obra do Amauta. Nesse sentido, o trabalho de Miguel Mazzeo,na Argentina,busca o descobrimento de Mariategui pelos lutadores envolvidos na construo do poder popular.Essa a marca de seus livros: Invitacin ao descubrimento(Enero de 2009) e Vigencia de J.C.Mariategui( Junio de 2009).
Em relao ao Brasil ,a vigencia da obra de Mariategui adquire mais expresso nesta
conjuntura marcada por Governos social-desenvolvimentistas de Lula (2003-2010) e de Dilma (2011-2014),que na verdade, um processo de longa durao, relativo ao esgotamento em nvel estrutural , de atores, partidos,idias,etc. Parece que se encerra
todo um longo ciclo,iniciado nos anos 30.Para as esquerdas, significa mais um momento
de reestruturao como os j vivenciados no ps Guerra( 1946) , no ps Golpe Militar
(1964) e no final da ditadura militar (80) , quando surgiu o PT. Nestes vrios momentos,
viradas de pocas, as esquerdas ,em alguns, conseguiu superar o momento histrico de
forma relativamente unitria, noutros , atravs de fragmentaes que tiveram
posteriormente resultados negativos.Mais uma vez, a historia conclama por novas
opes.
nesta encruzilhada, que Mariategui traz contribuies fundamentais.
Em 1994, quando da vitria do neoliberalismo , Florestan Fernandes ,antevendo
desafios futuros , escreveu sobre a atualidade de Mariategui, levantando questes que constituem uma verdadeira agenda ,ainda vlida para os nossos dias. Afinal, os
impasses e problemas estruturais ,postos para as esquerdas nos governos dos anos
1994-2002 (FHC), e posteriormente nos dos anos 2003-2012 (Lula-Dilma), no foram
superados .
A obra de Mariategui no Brasil
Se tomarmos com referencia a obra de Leila Scorsim (2006) sobre a vida e a obra de
JCM,a primeira que aborda de forma sistematica a obra do Amauta no nosso pais,
veremos que, em nota de p de pgina, a autora ao abordar a herana poltica de Mariategui, traa um pequeno balano da fortuna de JCM no Brasil.Leila assinala que tambm na America Latina, os principais centros de pesquisa ( institutos de investigao e universidades do Mxico, da Argentina, do Chile, de Cuba e da
Venezuela) dedicam-lhe visvel ateno.Aqui entra a nota:
O que no se verifica no Brasil.Entre ns, somente se traduziu e tardiamente- uma obra de Mariategui; os 7 ensayos...( traduo de 1974, portanto, com quase 50 anos de
atraso- nota nossa);h uma Coletanea de escritos seus (Bellotto e Correa,orgs,1982) e
uns poucos deles figuram em M. Lowy (org. 1999);sob responsabilidade desse
estudioso,est anunciada,pela editora da UFRJ, a edio de uma antologia
mariateguiana; tenho noticia mas no pude examinar a edio- da publicao,em Portugal,de alguns textos de Mariategui, pelas edies 70 (Lisboa),logo aps a
Revoluo dos Cravos.Pouquissimos intelectuais brasileiros, na segunda metade do
sculo 20, interessam-se pela obra de Mariategui os registros que examinei referem,Ademias de Bellotto e Correa e Michael Lowy, os nomes de Florestan
Fernandes, Carlos Nelson Coutinho, Alfredo Bosi, Claudio Nascimento, Jorge
Schwartz,Jos Paulo Neto e Leandro Konder. ( Leila.2007-p.41). Mas, na segunda dcada do sculo XXI,a fortuna da obra de Mariategui no Brasil j
considervel.Ressaltamos os diversos ensaios de M.Lowy e o livro que organizou pela
Editora da UFRJ (2005); o imenso trabalho editorial de Luiz Bernardo Perics; a
iniciativa de Jos Antonio Seggato (2002).Novas edies de Os 7 Ensaios : a 2 edio pela editora Alfa-Omega (com prefacio de Florestan Fernandes) em 2004 e a
edio da Expresso popular-Clacso em 2008.Entre outras obras, a Editora Boitempo lanou o importante livro de Mariategui Defesa do marxismo(2011).
Fazendo uma sntese, em ordem cronolgica:
-Mariategui: Sete ensaios de interpretao da realidade peruana.editora Alfa-Omega.1975.(prefacio de Florestan Fernandes)
-Jos Paulo Neto: O contexto histrico-social de Mariategui.Encontros com a Civilizao Brasileira,n.21.RJ.1980
-Mariategui,Coleo grandes cientistas sociais.Editora tica.1982 -Hctor Alimonda:Mariategui.Coleo Encanto Radical.Brasiliense.1983 -Claudio Nascimento: Mariategui,che Guevara e Carlos Fonseca,fontes da revoluo na Amrica Latina.Ceca-Cedac.1989
-Alfredo Bosi: A vanguarda enraizada ( o marxismo vivo de Mariategui).estudos avanados-USP.1990
-Florestan Fernandes:Significado atual de Jos Carlos Mariategui.Andes.Brasilia.1994.
- Florestan Fernandes:Significado atual de Mariategui.Em: A Contestao Necessria.Retratos Intelectuais de Inconformistas e Revolucionrios.editora atica.1995
P.Barsotti e L.B.Perics (orgs):Amrica latina: historia, idias e revoluo.Xam.1998 -M.Lowy (org.): O marxismo na Amrica Latina.Uma antologia de 1909 aos dias atuais.Fundao Perseu Abramp.1999 -M.Lowy:Marxismo e Romantismo em Mariategui.revista Teoria & Debate-PT.1999
-E.Amayo e Jos A.Segato: J.C.Mariategui e o marxismo na Amrica latina.Cultura acadmica.Unesp-Araraquara.2002
-Mariategui,Sete ensaios.2 edio.editora Alfa-Omega.2004
-M.Lowy (org.): Mariategui.Por um socialismo indo-americanoeditora UFRJ.2005 -Mariategui Do sonho s coisas.retratos subversivos.L.B.Perics (org.).Boitempo editorial.2005
-Leila Scorsim : Mariategui vida e obra (expresso popular) ,2006. -Mariategui,Sobre educao.L.B.Perics (org.).Xam.2007 - Mariategui, Sete Ensaios.expresso Popular-Clacso.2008.
-Mariategui,As origens do fascismo.L.B.Perics(org.).Alameda.2010 -Mariategui.Defesa do marxismo.Boitempo editorial.2011 -Mariategui,A Revoluo Russa.L.B.Perics.expresso Popular.2012
importante assinalar que na monumental Historia do Marxismo,coordenada por Eric Hobsbawm, Jos Arico tem um ensaio em que aborda a obra de Mariategui
(Mariategui e o surgimento do marxismo latinoamericano).Historia do Marxismo vol 7.editora Paz e Terra.
Fazendo um longo parnteses , no que diz respeito ao meu interesse, posso assinalar
alguns elementos ,em ordem cronolgica:
Nos anos 70,exatamente em 1975,tomei conhecimento da obra de Mariategui na
Documentao do CEDI *, atravs de documentos e livros que chegavam de vrios
pases da America Latina, como forma de intercambio editorial com nossas
publicaes.Nesse sentido, com destaque para as obras publicadas pela editora peruana
Tarea, sobretudo os ensaios sobre Mariategui escritos por Alfonso Ibanez e Francis Guibal:
Alfonso Ibanez. Mariategui : Revolucin y Utopia.Ed. Tarea.1978 F.Guibal:Mariategui,um Gramsci peruano ?- Anexo de Gramsci:filosofia, politica, cultura.Ed. Tarea.1981 Emilio Choy:Lenin y Mariategui.Amauta.1975
Ainda em 1975 foi publicada a obra mariateguiana os 7 Ensayos... ,prefaciado por Florestan Fernandes,trazendo uma viso mais sistematica da obra do peruano.
Em 1987 participando de um Seminario em Santiago do Chile, encontrei educadores
peruanos que me presentearam o livro Mariateguy Hoy,publicado em 1987 por tarea.O livro tinha autoria de F. Guibal e A. Ibanez. Nessa obra,os dois autores reclamam uma vuelta a Mariategui. Vamos destacar alguns pontos fortes dessa obra.Para Guibal-Ibanez o que podemos
achar em Mariategui no um modelo ou receitas,mas todo um estilo de vida, uma
concepo singular do marxismo como teoria e pratica da revoluo socialista.(ibid-p.8).
No nvel poltico os autores realam a principal Idea do socisliamo mariateguiano:o trao mais caracterstico a primazia que sempre outorgou aos movimentos sociais bo
processo de auto-determinao, as formas autnomas de organizao e de luta do
movimento operrio e popular.(ibid). Mbos defendem que os novos sujeitos em vias de auto-organizao reclamam uma renovada racionalidade da prxis revolucionaria. O socialismo ter que ser reformulado
desde seus fundamentos...(idem-p.11). Em um dos captulos falam do socialismo indo-americano.Mariategui pe uma problemtica indita: o fator raa se complica com o fator de classe em forma que uma poltica revolucionaria no pode deixar de ter em conta.deve-se converter o fator raa
em um fator revolucionrio(ibid-p.65). Para Mariategui Um socialismo peruano,ento,ter que apoiar-se basicamente na comunidade indgena como organismo cooperativo de produo e de consumo para
torna-la a clula de um Estado socialista moderno (ibid-p.65). E,antecipando os processos em curso nos Andes, Uma conscincia revolucionaria indgena tardar talvez a formar-se;porm, uma vez que o indio tenha feito sua a idia socialista, a servir com
uma disciplina, uma tenacidade e uma fora em que poucos proletrios de outros meios
podero acompanha-lo.(ibid). Nessa perspectiva,para Guibal e Ibanez A atualidade de Mariategui, portanto,
reposaria no profundo esprito libertrio que impregna toda sua obra critico-
pratica(...).Em todo caso, suscetvel de sugerir a configurao de uma nova cultura
poltica autogestionria para nosso hoje histrico(ibid-p.76) Qual a estrategia? No partindo do protagonismo dos partidos polticos, que com freqncia tudo submetem a sua virtual ou real administrao estatal, mas desde a
consolidao do processo de auto-orgnizao dos explorados em forma democrtica e
unificada.isso supe impulsionar a generalizao das iniciativas autogestionarias de
democracia direta de base, nas diferentes esferas da atividade social, ao mesmo tempo
como meio e fim da transformao radical(ibid-p.77). Sem duvidas, um processo de construo de Poder Popular Comunal :construir desde abajo, em meio a vida cotidiana, a democracia, a nao e o socialismo,concluem nossos autores.(idem).
Guibal e Ibanez j nesse livro recorrem obra de M.Lowy, Marxisme et Romantisme Rvolutionaire),ed. Le Sycomore.1979).A referencia Lowy diz respeito ao comunismo incaico.Mariategui, ao sentar as bases do scoailismo indoamericano,tem muito prsente no s a penetrao do capital imperialista e a industrializao do pais,
mas tambm as tradies comunitrias do campesinato indgena, onde percebe os
germens do futuro socialismo(ibid-p.86) Por fim, o ltimo capitulo, Os desafios do socialismo foi de fundamental importncia para meus trabalhos posteriores sobre Mariategui e o socialismo autogestionrio,abraando os trs eixos constitutivos do socialismo :Auto-gesto econmica, Auto-organizao poltica e Auto-criao cultural.(ibid-p.217-255)
Em 1988 ,participando com um grupo de rurais da regio sul,fomos a Nicaragua e
Cuba.Na volta preparei um seminrio com o grupo e escrevi um ensaio intitulado Mariategui, Che Guevara e Carlos Fonseca:fontes da revoluo na America latina tentativa de situar um filo marxista romntico.(Ceca-Cedac.1989)
Ainda em 1988 participei, a pedido de Mauricio Tragtemberg ,de um curso na UNB
sobre Planejamento,Administrao e Educao.Na oportunidade tratei das idias de
Mariategui em um ensaio Educao na Transformao (Editora UNB,1989).
As idias desse ensaio j tinha usado em final de 1991,logo aps a queda do Muro de Berlim , em um encontro de militantes do PT-SC,para elaborao do Programa de uma Corrente interna chamada de Alternativa Socialista,nome extrado de uma Revista francesa dirigida por Roger Garaudy.Eram as idias extradas da obra de Guibal e
Ibanez.
Em 1991 no INCA*,iniciei uma investigao sobre Mario Pedrosa e me surpreenderam
as afinidades eletivas que o critico de artes tinha com Mariategui.Desse elemento parti para um trabalho traando as afinidades entre os dois marxistas.O ensaio intitulou-se
Mario Pedrosa e Mariategui, um marxismo embruxado,e foi usado para um Concurso chamado Jos Arico, na Argentina.Terminei com um pequeno ensaio publicado na Revista Amrica Libre n.5-1994: Mario Pedrosa y Mariategui: um marxismo embrujado(um socialismo em la construccin de la hegemonia cultural) .
Em 1990,em palestra na PUC Recife,um balano sobre os fatos ocorrido em 1989 no Leste eutopeu,sobretudo na Polonia,retomei as idias de Mariategui.
Para Revista dos Metalurgicos do Sindicato de Campinas apresentei um ensaio Leste europeu,reforma ou revoluo ? (1991), que finaliza com as idias de Mariategui sobre o socialismo autogestionario.
Determinante foi o contato com os ensaios de M.Lowy sobre o romantismo revolucionrio,um deles sobre Mariategui : -Em espanhol:El marxismo romantico de Mariategui.Revista America Libre-2.1993. -Em Frances:Marxisme et romantisme chez J.C. Mariategui,ensaio para o Coloquio Mariategui et lAmerique Latine au seuil du XXI siecle.University Sorbonne.november 1994.
Estes ensaios de M.Lowy, foram fundamentais para articular a viso de Mariategui no
campo do romantismo revolucionario, junto com Mario Pedrosa.Inclusive,a pesquisa que iniciei naquela poca ,sobre os files do romantismo revolucionrio no Brasil
(nomes como Antonio Candido,S.B.de Holanda,Mario de Andrade,entre outros) vinha
sob o titulo de Constelao mariateguiana brasileira.Mas, com o tempo o ensaio sobre Mario Pedrosa tomou autonomia e, o sobre Mariategui tornou-se um ensaio com vida
prpria.
Nessa perspectiva, continuei trabalhando Mariategui ,com o objetivo de analisar sua
proposta autogestionaria.Esse trabalho me permitiu intercambiar com vrios
mariateguianos ,alm de M.Lowy.Desse modo, o italiano Antonio Melis, Roland Forgues e muitos outros.Sobretudo o intercambio com os filhos de Mariategui,Javier e
Sandro , dos quais recebi toda a obra do Amauta.
No final dos anos 90, mais precisamente em 1999 , para 1 Conferencia nacional da
PNF CUT,realizada em outubro, preparei um ensaio: Educao e Cultura:instrumentos de transformao da classe trabalhadora ? , em que abordei as idias de Mariategui,ao lado de Paulo Freire,Gramsci e Raymond Williams.
Em 2000, a Revista Utopia y Praxis Latinoamericana de Zulia-Venezuela publicou um outro ensaio :Jos Carlos Maritegui e o especifico nacional.
Em uma brochura sobre Autogesto e Economia Solidaria (cadernos da cidade futura,2000.Florianopolis), retomei as idias de Mariategui junto as de Mario Pedrosa.
Por fim, quando trabalhava com Economia Solidaria no Governo Olivio Dutra-RS,em
2002,elaborei um verbete para publicao A Outra Economia (2003),intitulado Socialismo autogestionario,em que abordei Mariategui ( junto com R.Williams) no que chamamos de socialismo indo-americano.
O ensaio atual foi iniciado a pedido do MST para uma coleo da Expresso Popular.Mas, terminei por escrever um texto mais complexo que o demandado, ao retomar os ensaios de F.Fernandes sobre Mariategui.
Todavia, a partir dessa iniciativa ,abordar Mariategui pelo olhar de Florestan Fernandes, busquei sistematizar a viso do Amauta sobre o socialismo e a
autogesto.As experincias em curso na Bolivia,Venezuela me impulsionaram ainda
mais ao estudo da obra de Mariategui.Nesse sentido,os livros de Miguel Mazzeo na
Argentina foram importantes,e as obras do boliviano Alvaro Garcia Linera, com
destaque para La Potencia Plebeya.
Numa poca em que fortuna da obra mariateguiana no era das mais ricas no Brasil ,
do ponto de vista qualitativo, podemos afirmar que houve um olhar brasileiro em relao a sua obra.Um dos grandes marxistas do nosso pais,dedicou carinho especial a
obra do Amauta.
Neste sentido, no Brasil, uma das formas mais plenas de possibilidades de abordagem
da obra de Mariategui, atravs das reflexes de Florestan Fernandes sobre o legado do
Amauta. Este o sendero que vamos trilhar.
Voltando a Florestan: no ano de 1994, quando se comemorava o centenrio do
Amauta, Florestan voltaria a obra de Mariategui, com um texto publicado no Anurio Mariteguiano(volume 6,numero 6,de 1994),com o titulo de Significado Atual de Mariategui. No ano seguinte, a editora Atica publicou a ultima obra de Florestan, que morreu em
agosto desse mesmo ano, significativamente intitulada de A Contestao Necessria- retratos intelectuais de incomformistas e revolucionrios.Nesta obra, Florestam busca responder as novas questes postas para a esquerda brasileira com a vitoria de FHC.
2. O contexto (ps)neoliberal
No centenrio do marxista peruano , um novo bloco dominante se constitua no Brasil,
articulando uma grande aliana conservadora que unificou o conjunto das classes
dominantes e elegeu FHC Presidncia do pais.
Oito anos aps este fato, uma outra frente poltica,desta vez de centro-
esquerda,elegeu nas eleies de 2002 ,Lula,um ex-operario metalrgico,ex-presidente
da CUT e do PT, Presidncia do pais.Assim, cria-se a perspectiva de superao de
uma onda longa conservadora ,do neoliberalismo.
Dizia-se que a esperana venceu o medo.Na verdade, as expectativas da sociedade,sobretudo,dos setores mais pobres, imensa.O novo presidente,quando da
posse em Braslia, simbolicamente rendeu homenagem varias geraes da esquerda
brasileira: citou na manifestao da avenida Paulista, a Mario Pedrosa; visitou Celso
Furtado ,Maria da Conceio Tavares,Apolnio de Carvalho;a viva de Sergio Buarque
de Holanda.
Nos primeiros meses lanou o combate fome.
Durante o III Frum Social Mundial,realizado em Porto Alegre,em janeiro de
2003,ms da posse de Lula,em Seminrios e Conferencias, intelectuais de vrios paises
discutiram as novas perspectivas e possibilidades abertas historia pela eleio de Lula.
Possibilidades entre a esperana e a frustrao
Os inmeros debates ocorridos durante o terceiro Frum Social Mundial ,e, diversos
ensaios publicados em jornais,revistas , e debates na Mdia, nos permitem ter uma idia
da perspectiva que se abria no Brasil
As anlises mostram que no se trata apenas de uma nova conjuntura,mas de uma
mudana que est grvida de possibilidades para transformaes qualitativas. No
conjunto, entre otimistas e pessimistas, podemos ver que se trata acima de tudo de uma
aposta pascaliana: ambas as possibilidades, de derrota e de vitria, esto presentes.
O cientista poltico grego SAMIR AMIN , em debate no Frum Social Mundial ,
sobre o tema O novo Brasil no mundo atual, afirmava que a situao do pais potencialmente revolucionaria, e, que seria um terceira etapa na historia do pais : -a primeira se encerrou com o fim da escravido;
- a segunda contempla desde a Republica, passando pelo populismo de Vargas at o
regime militar;
- a eleio de Lula, o inicio da 3a etapa, pois permitir a entrada em cena das classes
populares.
Esta tem sido a tnica em relao ao momento atual brasileiro: uma abordagem que
implica temporalidades longas e contradies profundas.
Nesta mesma perspectiva, o cientista poltico brasileiro Francisco de Oliveira,
escreveria: Na periodizao da longue dure brasileira, a eleio de Lula...tem tudo para ser uma espcie de quarta REFUNDAAO da historia nacional, isto , um
MARCO de NO-RETORNO, a partir do qual impom-se novos desdobramentos. Ela
pode ser a liquidao do que tem sido chamado a LONGA VIA PASSIVA brasileira, essa forma autoritria da expanso capitalista, uma modernizao sempre truncada pela
limitao da cidadania. Na periodizao de Oliveira,
-a Abolio seria a primeira refundao;
- a Republica seria a segunda;
-a Revoluo de Trinta, a terceira.
Enfim, o momento atual est marcado pela possibilidade de que as classes dominadas convertem-se no novo eixo republicano e democratico. No final do ensaio, nosso Autor adverte que, O resultado eleitoral no significa hegemonia, mas apenas sua possibilidade. a poltica que ser instaurada que pode
transformar o resultado em hegemonia.O carater do novo perodo que se abre ainda enigmtico.
O critico literario Antonio Candido, tambm fazendo uma analise de onda de longa
durao afirma que h um simbolismo na eleio de Lula: cansado das injustias e dos
erros cometidos pelas elites, o povo brasileiro resolveu confiar o seu destino a algum
da classe operaria. Candido define a singularidade de Lula, pelo fato de que, continua
essencialmente identificado aos intereses da sua classe. Sob esse aspecto, a sua vitria
coroa um PROCESSO HISTORICO iniciado com as lutas sociais do fim do sculo 19 e
acelerado depois de 1930 devido ao incremento da industrializao. Candido ressalta as
esperanas do ps-Guerra, em 1945, e que, talvez, o momento decisivo veio com as
greves do ABC em meados do decnio de 1970.
Candido recorre a analogia com a conjuntura aberta em 1945 , afirmando que a utopia
dos socialistas naquela poca, expressa por Paulo Emilio de juno da classe media, do
campesinato e do operariado, pode agora ser uma realidade:
Talvez as trs foras definidas por Paulo Emilio possam agora compor uma aliana capaz de mudar a face do Brasil.
Por sua vez, Jose Luiz Fiori declara que dos 3 projetos que disputaram o poder e as
idias no Brasil, o terceiro est se iniciando agora: nunca ocupou o poder estatal nem comandou a poltica econmica de nenhum governo republicano, mas teve enorme
presena no campo da luta ideologico-cultural e das mobilizaes sociais. Nos anos 60, a vertente nacional,popular e democratica do desenvolvimento chegou a
propor uma reforma do projeto. Para Fiori, a historia no se repitir, mas no nenhum anacronismo retomar velhos objetivos frustados e reprimidos atravs da historia para
reencontrar novos caminhos. Todavia, com a mesma metodologia da longue dure, encontramos vozes que alertavam para a possvel frustao, titulo do ensaio de Csar Benjamin . Este afirma que ningum sabe descrever, com um mnimo de preciso, que pais Lula vai governar.O Brasil que temos pela frente um quebra-cabeas
que ainda no foi montado.. E que, Da trajetria percorrida no sculo 20, at cerca de vinte anos atrs, j temos interpretaes mais ou menos consagradas. De l para c estamos em vo cego.
Csar afirma que a crise brasileira no apenas uma crise de Estado, mas uma crise que perpassa o conjunto da sociedade, e que sua soluo implica algo muito difcil: revolucionar relaes sociais.
Em relao a via passiva brasileira, lembrada por Francisco de Oliveira, Perry Anderson nos advertia que: H tambm o peso da tradio cultural que se far sentir sobre os agentes de qualquer renovao. Muito mais ainda que a Itlia, que lanou o
conceito para o mundo, O Brasil por excelncia o pais do transformismo, a capacidade que possui a ordem estabelecida de abraar e inverter as foras
transformadoras, at que fica impossvel distingui-las daquilo que se propunham a
combater. o lado sombrio da incomparvel cordialidade brasileira. O paz e amor , por antecipao, um vocabulrio de indigesto e derrota. Uma causa pode sobreviver
a um slogan, mas , sem slogans melhores do que este, as presses objetivas no vo
demorar a esmagar os desejos subjetivos.
Um longo ciclo : 1973 2003...
Emir Sader, analisou o momento da Amrica Latina a partir do fato de que : 2003 promete ser o ano mais importante para o continente desde 1973...A partir de 2003
enfrentamos uma aberta crise de hegemonia na Amrica latina, com o esgotamento dos
blocos no poder, sem que se tenham formado ainda novas foras em condies de
preencher esse vazio. Se o continente aponta para um horizonte pos-neoliberal, 2003 ter sido um ano
histrico, como foi 1973, porm desta vez, para um patamar de avano das lutas
histricas. Assim, abre-se , Um perodo novo em que os espaos de alternativa esto abertos, representando para o movimento popular e o movimento de massas possibilidades
novas de interveno, com governos que podem ser expresso e interlocutores de suas
reivindicaes e que, por sua vez, tero seu significado condicionado pela prpria ao
das foras sociais, poltiticas e culturais que a esquerda latino-americana acumulou nas
decadas de resistncia ao neoliberalismo.
O cientista poltico argentino Atlio Boron, afirma que: a eleio de Lula da Silva representar o comeo do ciclo histrico pos-neoliberal na America Latina.A vitoria de Lula constitui,para Boron, um fato histrico comparvel, no ultimo meio sculo, com o triunfo da Revoluo Cubana em janeiro de 1959, com o de Salvador Allende no
Chile em setembro de 1970, coma vitria insurreicional infelizmented derrotada depois- dos Sandinistas e com a irrupo do zapatismo no Mxico em janeiro de 1974. Contudo ,Boron tambm adverte para as enormes dificuldades do processo. Diz que as
reformas propostas no so suficientes para a construo de uma sociedade pos-
capitalista;mas, podem,se forem realizadas sob uma forma democrtica, auto-
gestionaria,participativa, constituir um aporte considervel para avanar em direo a
uma nova sociedade.
Revoluo ativa ou iluso de hegemonia ?
Todavia, os primeiros meses de Governo Lula, no corresponderam s
expectativas(...).Sobretudo, a continuidade no campo da poltica economica
,emperrando os projetos de cunho social e as polticas publicas,eixos fundamentais e
determinantes do Programa de Governo do PT.Alguns Ministrios e Agencias
financeiras foram ocupadas por foras empresariais conservadoras.Ministerio da
Industria e Comercio, Ministrio da Agricultura , Banco Central,por exemplo.Este
processo explicaria algumas dificuldades e mesmo derrotas do campo popular-
democratico: meioambiente com a questo dos transgenicos;a disputa pela
representao do mundo do trabalho, sindical e cooperativo,travada no Frum Nacional
do Trabalho.
O cientista poltico Francisco de Oliveira, profundo conhecedor dos processos
polticos brasileiros tentou analisar o novo momento poltico.Na introduo nova
edio de sua Critica razo Dualista, o sociologo pernambucano,em ensaio chamado de Ornitorrinco, conclue que:
A representao de classe perdeu sua base e o poder poltico a partir dela estiolou-se. Nas especificas condies brasileiras, tal perda tem um enorme significado: no esta
vista a ruptura com a longa via passiva brasileira,mas j no mais o subdesenvolvimento
Em um ensaio, significativamente intitulado H vias abertas para a America Latina?, apresentado como palestra de abertura da Assemblia geral da CLACSO (Cuba,out.
2003), Chico de Oliveira ,faz referencia ao Governo Lula:
A vitria nas eleies e o governo Lula so outros casos de advertncia que podem dar a iluso de hegemonia das foras do trabalho; mas, examinando-se o desempenho
presidencial, a verdade pode ser o oposto.Toda a longa acumulao de experiencia dos
movimentos sociais brasileiros,incluindo-se nele o prprio movimento sindical do qual
originou-se Lula,produziu uma quase hegemonia nos termos de Gramsci...O governo
Lula nega, na pratica, essa quase hegemonia e, pelo contrario, entrega-se reiterao de
tudo que combateu.Para no cairmos no registro simples da denuncia moral que continua sendo urgente e continua sendo um elemento da poltica-, faz-se preciso
ESCAVAR AS CAUSAS ESTRUTURAIS DE TAIS DESVIO(grifo nosso).
Ainda h vias abertas para Amrica latina?, ou tambm podemos nos perguntar: H , ainda, um grito parado no ar : as possibilidades esto esgotadas ,ou, ser possvel
uma mudana na relao de foras que permita o avano das foras democrticas e
populares?
Por paradoxal que possa parecer, a conjuntura aberta com o neoliberalismo (em 1994)
e a conjuntura aberta com a eleio de Lula, ambas portam questes similares para as
esquerdas. Questes que s podem ser respondidas ,seguindo a advertecia de Chico de
Oliveira: escavando as as causas estruturais, analisando ondas de longa durao. Neste sentido, a reflexo de Florestan Fernandes ,traada em 1994 , tambm diz
respeito aos dilemas atuais .
3. o retorno a reflexo de Florestan .
Logo aps a derrota de Lula em 1994, o sociologo Florestan Fernandes, atravs de
reflexes sobre a atualidade do pensamento de Mariategui, punha varias questes na
ordem-do-dia.Florestan tentava responder as novas questes ento postas para as
esquerdas brasileiras,no contexto da vitria do neoliberalismo com FHC na presidncia.
O centenrio do marxista peruano Mariategui realizou-se no mesmo ano em que, no
Brasil, o novo bloco dominante constitudo por uma grande aliana
conservadora,unificando o conjunto das classes dominantes, chegou ao poder ,com
FHC, nas eleies presidenciais de 94.
Como falamos acima, quando do centenrio do Amauta,em 1994,Florestan voltou ao
nosso autor, com um texto : "significado atual de Mariategui". Enfim,em julho de 1995,
tivemos a ultima obra de Florestan ,"A Contestao Necessaria-retratos intelectuais de
inconformistas e revolucionrios".
Nesta obra Florestan,num mpeto Benjaminiano,afirmaria :
" No Brasil,ocorreu um deslocamento de rumos do socialismo e da social-
democracia.Esta se amalgamou ao controle conservador,interno e externo,da
economia,da cultura e do Estado.Serve como instrumento de continuidade no poder das
elites das classes dominantes e de contemporizao com os baixos salrios e a excluso
de milhes de indivduos da sociedade civil.O socialismo, porem, encontrou canais de
defesa relativa. O pensamento radical enervou-se e reativou nichos de sobrevivncia
construtiva."
No prefacio,escrito em julho de 95, aps situar o contexto,Florestan levanta algumas
questes:
Essas condies novas provocam indagaes sobre os papeis dos intelectuais nos
movimentos sociais ou sobre o destino de sua produo.
- Sucumbiram onda conservadora ou ainda contam com os meios para criar idias
suscetveis de elaborao pratica, no plano poltico - cultural ?
- De outro lado, estas tendncias radicais ou revolucionarias do passado In flux possuem
vitalidade suficiente para desencadear novas composies partidrias e na "
transformao do mundo" ?
- Por fim, o radicalismo burgus ainda pode ou no suscitar impactos positivos sobre
processos centrpetos de modernizao autctone da ordem social ?
A busca de Florestan tem, claramente, um espirito Benjaminiano:
" As perguntas apontam a necessidade de sondagens sobre o passado que se incorporam
ao presente e no podem impedir um futuro com outras perspectivas."
Florestan particulariza a questo em termos de " nossas condies":
"O quadro catastrfico no to sombrio . O atraso aninha potencialidades que esto
sendo arrasadas nos pases imperiais.H um vazio poltico que protege a emergncia ou
o reaparecimento de foras sociais que no puderam ser eliminadas confuso que os
controles ultraconservadores impuseram sobre a inteligncia e o comportamento radical
no surge, aqui, com o mpeto destrutivo que apresenta na Europa e nos Estados
Unidos."
Para Florestan, " A periferia,contudo, no esmagou todas as modalidades de
radicalizao social e poltica. A revoluo anticolonial e nacionalista subsiste e o
significado do socialismo preservou-se ou enriqueceu-se em diversas regies".
Prossegue,ento,definindo o papel de seu livro neste contexto: " A Contestao
Necessria" uma tentativa de reter e discutir manifestaes dessa natureza.Apesar de
suas insuficincias, em vista dos materiais utilizados e da falta de um fio condutor na
reelaborao interpretativa adotada, representa um ponto de partida para outras
reflexes de maior envergadura. O que importa, no momento, que restabelece o valor
de uma herana intelectual e poltica que parecia condenada ao esquecimento ou
supresso pela violncia".
" A Contestao Necessria focaliza como seu objeto o eclodir de aspiraes
utpicas, que foram destroadas pelas classes dominantes e pelo recurso extremo de
duas ditaduras. Assinala esperanas frustadas, que se encontram pairando sobre a
sociedade brasileira. O livro no tem a pretenso de ser mais inclusivo, como ocorre
com a obra j clssica de Carlos Guilherme Mota, A Ideologia da cultura
brasileira(1933-1974)"
Para Florestan, o titulo " Contestao necessria", "repe o imperativo de salvar
esperanas, que sobrevivem e crescem no substrato de uma sociedade capitalista
fomentadora de contradies que convertem a radicalidade em estilo de pensamento e
de ao, indispensveis construo de um futuro limpo da canga arcaica e
ultraconservadora".
Entre os incorformistas e revolucionarios,Florestan traa uma constelao que abrange
Antnio Cndido, Caio Prado Jnior, Carlos Marighella, Claudio Abramo, Fernando de
Azevedo, Gregorio Bezerra, Henfil, Herminio Sachetta,Mariategui,Jose
Marti,Prestes,Lula,Octavio Ianni,Richard Morse,Roger Bastide.
No capitulo primeiro, " O Intelectual e a Radicalizao das Ideias",Florestan inicia-o
com a figura de Lula, em seguida aborda Marti, e, a seguir Mariategui.
Pontua: "Recorri a uma simulao fecunda: o que faria J.C. Mariategui nesta era de
incerteza para o socialismo ?
Ele sucumbiria moda e propaganda demolidora do marxismo nas naes capitalistas
hegemnicas?
Minha suposio que Mariategui possua uma personalidade incorruptvel e
indomavel.Baseio-me no fato de que ele foi pioneiro em duas frentes:
1-na pugna com conservadores, que encaravam o marxismo como iluso;
2-e na critica a companheiros que no avanavam com sua fibra e perspiccia na
interpretao da situao histrica peruana e latino-americana.No cedeu o passo.Levou
seus combates s ultimas conseqncias, oferecendo a todos as mesmas respostas de
quem sabe o que faz e por que faz.Em conseqncia, sua figura admirvel eleva-se
como exemplo em um universo de oportunismo e capitulao".
"Exagerava suas opes tericas ou praticas ? O xito do capitalismo acarretava o
abandono da utopia ? Nada disso. A historia avana por um curso que construdo por
seres humanos, e as contradies que os separam aumentaram sem cessar.Ele lembra
que nossas razes brotam e sobrevivem na Amrica Latina.A escolha entre o colonial, o
privilegio e a rebelio pode medrar segundo ritmos histricos lentos e sinuosos. Mas ela
no se desvanece como as nuvens. A menos que a subalternizaro penetre e paralise os
que sofrem a opresso e a misria, sucumbindo condio de escravos".
Aps Mariategui,Florestan nos fala sobre Caio Prado Jnior, que, " como Mariategui,
portanto, plantou o marxismo na Amrica Latina e esperava deste seu partido (o PCB)
uma orientao revolucionaria especifica e coerente".
Em trs ocasies, Florestan escreveu sobre Mariategui:
No Prefacio (escrito em outubro 1974) aos "7 Ensaios" . No texto para o Anurio (1994)
dos 100 anos de Mariategui, 20 anos aps aquele Prefacio. E, em " A Contestao
Necessria" (1995), que de um lado, traz um Prefacio escrito em 1995 e, de outro,
retoma o texto escrito para o Anurio de 1994.
No prefacio aos "7 Ensaios", Florestan Lamentava que " somente agora, depois de
quase meio sculo aps sua publicao original em livro, ela se torne acessvel ao
publico e aos estudioso brasileiros". Para Fernandes, Mariategui teve 2 objetivos nestes
Ensaios,
1- contribuir para a critica socialista dos problemas e da historia do Peru;
2- concorrer para a criao de uma verso peruana do socialismo.
" Mariategui o nosso " irmo mais velho", numa CADEIA DE LONGA
DURAO, a qual mostrou sua primeira florada na dcada de 20, atingiu um
clmax histrico com a revoluo cubana..."
" O que ficou desse intento revolucionario (...) ? Ficou a proposio de uma tica
revolucionaria, que no um ersatz intelectual, mas uma resultante coerente da
aplicao do materialismo histrico interpretao da realidade peruana (e, por
desdobramento e ampliao, da realidade latino-americana). fcil, hoje, dizer-se
que se poderia Ter ido mais longe nisto ou naquilo e condenar a interferncia de
fontes no-marxistas ou para-marxistas sem eu pensamento.
Tomando-se o "aqui" e o "agora" ,porm : quem foi mais longe ? e quando ? Essas
perguntas no so retoricas.Mariategui no se afirma apenas como pioneiro.Ele
promove as primeiras analises concretas, de uma perspectiva marxista, de vrios
temas cruciais:
- a formao do capitalismo na Espanha;
- a irradiao do capitalismo da Europa para a Amrica Latina;
- as transformaes da dominao imperialista sob o impacto do aparecimento e fortalecimento da grande corporao ou da presena norte-americana;
- e, sobretudo, as relaes entre a base econmica e as estruturas sociais e de poder da sociedade peruana, nas varias fase do perodo colonial e do perodo
nacional.
Naquele momento, outubro de 1974, marcado pelo inicio da " abertura
politica",inicio do fim da ditadura militar no Brasil, Florestan dizia que :
" Por fim, coloca-nos diante de um exemplo que , em si mesmo, um desafio.
Mariategui pagou um alto preo sua independncia, honestidade e firmeza
revolucionaria. Ele o tipo de autor que devemos ler e reler com ateno,numa
poca que exige de ns que botemos todo o nosso sangue na defesa de nossas idias-
e na qual a alternativa para a luta sem trguas por uma sociedade de homens livres
para homens livres a servido".
J o texto para o Anuario,de 1994 e,sobretudo, o Prefacio de 1995 para o livro " A
Contestao Necessria", o momento era outro: o bloco no poder saia vitorioso em
mais um processo de " revoluo passiva" brasileira, iniciado em 1985 ,com a
Nova Republica, e 1989 ,com a derrota de Lula para Collor,em conjunto com a
derrocada do socialismo estatal burocrtico no Leste europeu.Tomava corpo a
poltica neoliberal.
Florestan ,ento, retoma o Prefacio de 1975 ,ampliando-o.Mantm o texto para o
Anurio de 1994 e, situa os desafios novos no Prefacio para seu livro sobre os
Intelectuais e Revolucionrios(1995).
No texto intitulado " Significado atual de J.C.Mariategui", Florestan nos d sua
viso da obra do Amauta.
No epigafre,citando Anbal Quijano,Florestan capta o ncleo gerador da obra
mariateguiana:
"O recurso diversa realidade entre Europa e Amrica Latina, como defesa perante
o eurocentrismo...".Ou seja, a base da reflexo que conduz a dialtica entre tradio
x modernidade.
Vejamos em longas citaes as idias de Fernandes.
J se discutiram muito as contribuies de Mariategui...Nenhum dos assuntos e
atributos chegou a ser esgotado.Ele escapou, entretanto, s falhas da memria
coletiva e sua presena superou todas as formas de isolamento que ameaaram sua
obra ainda em vida.isso aconteceu porque FOI MAIS QUE ' UM FERMENTO
RADICAL' da ordem - um autentico revolucionario, que exerceu influencias
pioneiras com razes profundas na realidade americana.
INTERESSA-NOS O QUE ELE REPRESENTARIA, HOJE ,GRACAS S
PECULIARIDADES DO SEU PENSAMENTO E AO,NESTA TRAGICA
ETAPA DE NEGAO DO SOCIALISMO. Parece que o capitalismo oligopolista
automatizado e "global" suprimiu para sempre as diversas correntes do anarquismo
,do socialismo e do comunismo...
uma aventura arriscar-se s indagaes que proponho... obvio que Mariategui
no engoliria a mistificao do " socialismo est morto". Ele sabia
amadurecidamente que o capitalismo no consegue resolver os " problemas
humanos" , que ele gera e multiplica...Sua convico era clara: os progressos do
capitalismo redundam em aumento geomtrico da barbrie. Essa realidade sempre
foi subestimada de uma perspectiva eurocentrica.Um marxista peruano, todavia, no
tem porque se enganar a respeito.Basta olhar para trs ou para o presente.Exitos e
progressos trazem consigo contradies crescentes - no extremo fatal, implosivas.
Uma civilizao que repousa na riqueza, na grandeza e no poder, por quaisquer
meios exige um sistema social de excluso, opresso e represso....".
Florestan expe o modo como o peruano via o sistema capitalista, como expresso
de uma civilizao. E no somente um modo de produo.
" Por isso, o dialogo com Maritegui deve possuir a natureza de uma opo lcida.
O que est dado como uma " sociedade aberta" ou como uma " ordem social-
democratica" fecha-se para a imensa maioria ( silenciosa ou contestadora) e s
oferece "democracia" s elites no poder (isto , s classes dominantes). A questo
no abarca todas as tcnicas, instituies e valores sociais dessa civilizao. Mas
seus fundamentos axiologicos e tecnolgicos, asfixiantes e incoercivelmente
corrosivos."
Florestan, formula,ento,toda uma serie de questes sobre o capitalismo em sua
etapa atual:
" Portanto, nos dias que correm, Maritegui - ao contrario de tantos anarquistas,
social-democraticos, socialistas e comunistas - encontraria dentro de si a indagao
fundamental:
- como representar e explicar a totalidade histrica intrnseca ao capitalismo monopolista automatizado ?
- O que ele promete de novo evoluo da humanidade e da " civilizao ps-moderna" ?
- O que reserva aos de baixo, "escoria", ao "trabalhador mecnico" inativo, aos estratos inferiores e intermedirios das classes medias ?
- O que ele remete e arranca da periferia, subcapitalista ou em desenvolvimento capitalista, e aqueles pases nos quais a lenta transio para o socialismo no foi
ainda arrasada?
- Ciencia, tecnologia, tecnocracia racionalizada foram, por fim, colocadas a servio dos " homens livres e iguais" ou servem apenas concepo romana de
riqueza, grandeza e poder - repetida no "destino manifesto" dos Estados Unidos
e na conglomerao de potncias que encarnam a mesma aspirao de atingi-la ?
- E qual a essncia civilizatoria desse mesmo capitalismo ultramoderno ?
- Ele contm a propenso para abolir as classes, a dominao de classes e a sociedade de classes?
- Ou as oculta por trs de uma miragem pela qual a "ideologia" escamoteada reaparece com vigor nunca pressentido no "neoliberalismo" ?
Sem nenhuma dvida, questes para as quais as esquerdas, em reestruturao,
necessitam escavar nas profundezas .
Para Florestan , Os 7 Ensaios de interpretao da realidade peruana e, Em Defesa do
Marxismo,"delimitam a postura de Mariategui". Florestan critica o erro das ticas
eurocentricas e bolcheviques no seio do marxismo e, v em Mariategui " o intelectual
mais puro e apto para perceber o que sucedeu ,se estivesse vivo, para traar os caminhos
de superao que ligam dialeticamente a terceira revoluo capitalista plenitude
madura do marxismo revolucionario".
Para Fernandes, no debate de Mariategui com Haya de la Torre, " patenteia-se,pois,o
quanto Mariategui transcendeu a orbita do marxismo triunfante do seu tempo e o quanto
ele compartilha conosco a necessidade de ir mais longe para ver".
" Desse angulo, Mariategui o farol que ilumina, dentro da pobreza e do atraso da
Amrica Latina, os limites intransponveis da civilizao capitalista e as exigncias
elementares da " civilizao sem barbrie", que as revolues proletrias no lograram
concretizar.
- Era cedo demais?
- Elas perderam o rumo?
Essas so perguntas que s a historia em processo poderia responder.As equaes de
Mariategui classificaram precises contidas na tradio clssica, paradoxalmente como
se ele fosse um Max Weber a servio do comunismo ( repetindo, de certa maneira, a
tragdia de Gramsci)".
A "condio de peruano"
Florestan avana na definio do carter do " especifico nacional" em Mariategui.
" natural que o Peru ocupe uma posio privilegiada no pensamento de
Maritegui.Ele procede, no obstante, rente tradio marxista- Peru no se desloca das
varias Amricas e da insero passiva-ativa de todos os envolvidos nos mundos
histricos dos "conquistadores",antigos e modernos sua condio de peruano
bsica.Ele tinha atrs de si e sob seu olhar uma grande civilizao, o destino dos seus
portadores e os seus escombros.Isso o impelia ao estudo do passado e do presente que
nenhum outro marxista de envergadura poderia realizar. E o obrigava no s a busca de
analogias e de diferenas que procediam ou da situao homologa das "naes
emergentes" das Amricas de matriz ibrica, ou do carter varivel da colonizao e da
independncia como processos de longa durao".
Florestan define esse resumo como " suprfluo e desnecessrio", mas que o fez para
salientar a experincia europia de Mariategui:" Os 7 Ensaio de interpretao da
realidade peruana permitem sondar por que ele mergulhou sem retorno nessas vias
e,depois, ultrapassando-as, props-se enriquecer o marxismo fora e acima dos eixos
eurocentricos".
Enfim,para Florestan " A atrao de Mariategui pelo marxismo,malgrado outras
influencias divergentes e em dados momentos muito fortes, brota da descoberta de uma
resposta sua ansiedade de observar, representar e explicar PROCESSOS
HISTORICOS DE LONGA DURAO e de uma PROPOSTA REVOLUCIONARIA
concomitante, QUE VINCULA DIALETICAMENTE PASSADO, PRESENTE E
FUTURO". A inteligncia de Mariategui "deitava razes mais profundas no
esclarecimento do ser, no ENTENDIMENTO INTEGRAL DE UMA CIVILIZAO
NATIVA ESTIOLADA PELA COLONIZAO e na necessidade de romper com um
oprbrio que esta s explicava parcialmente".
Com o desabamento do socialismo estatal e a ascenso do neoliberalismo ,para
Florestan Fernandes, " encerrou-se um perodo de longa durao da historia
recente".Nosso autor assinala uma " ironia da historia":
" O fantasma das sociedade pobres e subdesenvolvidas da Amrica Latina resultava de
uma contradio: fascismo ou socialismo ?. Neste contexto, as proposies de
Mariategui marchariam como antes, de acordo com a reduo de Engels: socialismo ou
barbrie ? So proposies que no foram varridas pela tempestade.Maritegui ainda se
ergue como um farol, que ilumina o horizonte intelectual e poltico dos que querem
conferir aos latino-americanos a opo pelo marxismo".
Aps esta "abordagem global" por Florestan da obra de Mariategui,voltemos nossa
questo:
4. Porque Mariategui ?
Carlos M. Rama, em sua obra pioneira sobre a Historia Del Movimiento Obrero y Social Latino Americano , destaca o que chama de uma corrente desviacionista no socialismo de nosso continente.Assim, afirma que Desde o ponto de vista ideolgico, interessante destacar como surge uma constante tendncia latinoamericana a favorecer
a heterodoxia , a marginalidade, em respeito s correntes fundamentais do socialismo
europeu.Isto vem desde o xito inicial dos socialismos utpicos, saintsimoniano ou
fourierista... C.Rama destaca os progressos estritamente tericos do marxismo latinoamericano de nosso sculo, que tem personalidades de grande relevo, desde Jos Carlos Maritegui
at Anbal Ponce. As experincias e lutas revolucionarias da Amrica Latina reencontram o pensamento
de Mariategui. No por acaso. A crise dos sistemas ps-ditaduras militares e a presso
das alternativas democrticas, suscitam mais que questes de ordem conjuntural; dizem
respeito ao carter especifico da realidade latino-americana e a definio de um
"marxismo latino-americano", para o qual Mariategui referencia obrigatria. Para os
revolucionrios do continente, Mariategui , acima de tudo, um exemplo nico de
unidade dialtica entre a especificidade nacional e a perspectiva mundial.
Um dos mariateguianos , que aprofundou a via do peruano sobre o socialismo,Csar
Germana,na introduo a seu livro El socialismo indo-americano de Jose Carlos Mariategui(Amauta,1995) , nos fala da vigncia de Mariategui: Em minha opinio, neste momento crucial da humanidade Mariategui tem algo que nos dizer. Desde o ponto de vista privilegiado de nossa atualidade , possvel por em
relevo aqueles aspectos da concepo socialista do Amauta que no conduzem a aporias
socialismo burocrtico nem a passividade das democracias liberais. bom notar que,
apesar do tempo transcorrido desde sua morte, em sua obra se mantm vivos alguns
temas que permitem contribuir com novas perspectivas ao velho debate sobre o
socialismo
E,que : A problematizao do socialismo parece com mais urgncia em um momento histrico,como o que estamos vivendo, em que se tem a impresso de que um periodo
da humanidade chega a seu fim e que outro est surgindo,sem que as exigencias de
liberdade e igualdade tenham sido realizadas pelo capitalismo e pela democracia
liberal. Nas palavras de Roland Forgues, "aps a queda do muro de Berlim e a derrocada do
'socialismo realmente existente' na ex-URSS e nos pases da Europa do Leste,o
redescobrimento da obra de Mariategui tornou-se uma necessidade histrica".
Na apresentao Coletnea J.C.Mariategui e o marxismo na Amrica Latina, publicada em 2002, podemos ler que: A importncia desta reapresentao,torna-se ainda mais relevante num momento de crise e de dificuldadess mltiplas enfrentadas
pela(s) esquerda(s) em geral.Seu marxismo,altamente criativo e renovador,pode
oferecer elementos e subsdios,no s tericos e histricos,mas sobretudo polticos,para
todos aqueles que buscam construir uma sociedade mais democrtica,igualitaria e
fraterna. O socialismo,na viso de Mariategui,porta elementos fundamentais na perspectiva da
autogesto socialista: a democracia direta tem um papel importante em sua viso; o papel das diversas formas de auto-organizao dos trabalhadores.
A reconstruo da esquerda na Amrica Latina, neste contexto de inicio de sculo,
com todas suas questes, "Em muitos sentidos responde ...a histrica viso do inicio do
sculo, que tiveram Marti, Mariategui, Haya de la Torre, Sandino, Zapata, Recabarren e
outros: "NACIONALIZAR A TEORIA".
Corresponde ao que, no mesmo perodo na Europa, foi sintetizado por Gramsci.
Abordando a situao pos-1917, afirma G.Vacca, "A reelaborao do marxismo e a
definio de suas tarefas atuais so uma necessidade, porque no seu desenvolvimento
histrico e no seu estado atual o marxismo lhe (para Gramsci) aparece largamente
imprestvel. O seu deslocamento do marxismo da Segunda e Terceira internacionais
consuma-se de forma profunda; assim, em aberta polmica com esses que Gramsci
culmina o prprio programa de pesquisa na reelaborao da forma terica do
marxismo".
Dentre os problemas atuais com os quais se defronta a esquerda, cinco fatos de porte
mundial condicionam o debate sobre socialismo e democracia na Amrica Latina:
1) O colapso do modelo capitalista liberal na Amrica Latina, evidenciado no que ficou conhecido como " dcadas perdidas";
2) A desintegrao do modelo do "socialismo estatal burocrtico" na Europa do Leste e na URSS;
3) A intensificao da concorrncia inter-imperialista;
4) O declnio da potncia industrial dos EUA e o aumento da sua influencia ideologico-militar;
5) O fim da Guerra Fria, com a abertura de um novo ciclo de conflitos no Oriente e
entre Ocidente e Terceiro Mundo.
6) Os problemas colocados s esquerdas, pelos possveis fracassos ou vitrias, de
superao do neoliberalismo ( governos Lula , Tabor e Chaves,por exemplo).
7) a necessidade de referenciais tericos para o novo perodo de reestruturao das esquerdas.
Pensamos que o aporte terico de Mariategui nos d elementos valiosos para tratar
estas questes, como tambm sua insistncia sobre o "sentido herico e criador do
socialismo", combinando com sua defesa da solidariedade internacional.
Marxismo e Eurocentrismo
Estudando o marxismo latino-americano, Portantiero afirma: "A no ser
ocasionalmente, em momentos muito pontuais ou parciais da produo terica e da
pratica poltica, os socialismos clssicos ligados a... tradio das Internacionais foram
capazes de elaborar um projeto hegemnico ou de avanar problemticas que pudessem
colaborar nesta direo... Na obra de Mariategui aparece pela primeira vez um projeto
amplo de constituio de uma vontade coletiva nacional-popular... As proposies de
Mariategui ficaram no meio do caminho, por sua morte prematura e pelo bloqueio que a
elas fez a III Internacional".
Da mesma forma, para Orlando Nunez e R.Burbach : " necessrio compreender o
legado histrico do marxismo nas Americas. Com a notvel exceo de Cuba e, em
certo sentido, o Chile, nenhum pais capitalista no hemisfrio tem uma tradio marxista
plantada".
A triste realidade que o marxismo no tem podido enraizar-se profundamente nas
Americas... Uma possvel explicao poderia ser que o marxismo... no foi capaz de
desenvolver uma abordagem teorico-estrategica que responda ...as condies histricas
especificas que existem nas Americas".
Em parte, isso se deve as origens europias do marxismo... Ate a Revoluo Cubana,
as Americas tinham poucos estrategistas e teoricos revolucionarios capazes de formular
programas de luta poltica prprios. Um rpido percorrer pela historia dos movimentos
sociais e comunistas nos EUA, Amrica Latina e Caribe, ilustra as carncias nesse
sentido.
"A submisso dos PCs nas Americas em relao as propostas polticas da Terceira
Internacional refletem a debilidade fundamental do marxismo no continente: sua
incapacidade para desenvolver uma estratgia revolucionaria independente e nativa.
Durante os anos de seu apogeu (anos 20 e 30) o movimento comunista fracassou no
objetivo de produzir seu prprio corpo de teoricos marxistas capazes de desenvolver
programas e estratgias polticas especificas em resposta ...as condies polticas
especificas enfrentadas pelos comunistas em seus prprios pases.
Isso no quer dizer que no houve alguns intelectuais nos partidos que fizeram
contribuies valiosas, tal o caso de Mariategui no Peru, ou Julio Antonio Mella em Cuba. Porem, em geral, o trabalho intelectual surgido nas Americas era uma mera
adaptao das idias e princpios polticos que se haviam desenvolvido na Europa".
Onde o socialismo foi vitorioso na Amrica Latina, o foi sob formas originais. Em
Cuba e Nicargua, a luta socialista processa-se dentro de uma matriz de cultura poltica
policlassista, nacionalista e anti-imperialista. Neste processo, o marxismo no se
"esconde", simplesmente se nacionaliza. Trata-se do problema sobre o estilo de como
pensar o marxismo na Amrica Latina. Nas palavras do poeta revolucionrio Ricardo
M.Aviles: "Temos que estudar nossa historia e nossa realidade como marxistas e estudar
o marxismo como nicaraguenses". Nas pistas de Mariategui, no seu sentido de "um
socialismo indo-americano", a revoluo sandinista ps o marxismo sobre os ps.
Para, Jos Arico, um estudioso de Mariategui, "uma genuna e criadora interpretao
da doutrina de Marx ocorreu no Peru, com Mariategui, que sentou as bases para um
efetivo processo de nacionalizao do marxismo. Este processo assumiu caractersticas
contraditrias ... no como forma acabada de uma teoria sistemtica. Surge em forma
inorgnica de intuies. O que Mariategui produziu foi a iluminao de um caminho, ao
incorporar a experincia europia como lio". Para Jos Arico, a "via crucis" do
marxismo na Amrica Latina, foi sempre a dificuldade para tratar o "nacional", o que
pe questes de ordem estratgica, pois, o objeto da pesquisa e da analise, "o
movimento real", est sempre "nacionalmente" situado.
Como dizia Mrio de Andrade, "A arte musical brasileira... tem inevitavelmente de
auscultar as palpitaes rtmicas e ouvir os suspiros meldicos do povo, para ser
nacional e por conseqncia, ter direito a vida independente no universo (porque o
direito de vida universal s' se adquire partindo do particular para o geral, da raa para a
humanidade, conservando aquelas suas caractersticas prprias, so o contingente que
enriquece a conscincia humana. O querer ser universal desraadamente uma utopia.
A razo est com aquele que pretender contribuir para o universal com os meios que
lhe so prprios e que vieram tradicionalmente da evoluo do seu povo".
Os comunismos ou marxismos latino-americanos basearam-se mais que numa
confrontao sobre estratgias nacionais, na vontade de "aplicar Lenin, Trotsky, Mao,
etc.".
A polemica histrica entre A.Mella e Haya Torre, sobre a criao do APRA, foi
marcada pelo sectarismo: Mella afirma que a revoluo mundial o determinante e que
os processos nacionais so secundrios. Existia uma viso sectria em relao aos
movimentos que tentassem dar vida a um movimento "indo-americano". Mariategui
reagiu contra estes simplismos, afirmando que: "o socialismo na Amrica Latina
impossivel sem resolver a questo nacional".
Usamos o "nacional" diferentemente do "nacionalismo". Assim, nas palavras de Victor
Tirado: "ir a razes da ptria, reivindicar e usar o pensamento nacional como fonte para
construir a teoria revolucionaria prpria, no ser nacionalista, no sentido de fechar-se
em si mesmo".
Como dizia Arguedas: "Por isto no pode surpreendernos que o criador autentico
latino-americano em todos os campos, resulte em ultima instancia, um nacionalista, pelo
simples fato de ser original e autentico". Da mesma forma, Arguedas define o papel de
Amauta, "A revista Amauta instou os escritores e artistas a que tomassem o Peru como
tema".
A experincia dos anos 20, marcada de um lado, pela COMINTERN, e pelo outro,
pelo APRISMO, tinha como elemento comum dominante o "ESTATISMO". Para
ambas estratgias, s o poder estatal possibilitaria a transformao social na Amrica
Latina. Por isso, a vigncia de Mari tegui repousa no profundo espirito libertrio que
toma conta de sua obra critico-prtica, suscetvel de "sugerir uma nova cultura poltica
autogestionaria para nossos dias. No a partir do protagonismo principal dos partidos
polticos... mas, desde a consolidao do processo de auto-organizao dos explorados
em forma democrtica e unitria. O que supe impulsionar a generalizao das
iniciativas autogestionarias de democracia direta de base, nas diferentes esferas da
atividade social... deste modo, a "criao herica" de que falava Mariategui, significa o
desafio de construir desde baixo, em meio a vida cotidiana, a democracia, a nao e o
socialismo". Eis um "cardpio" contrario a todo tipo de "Socialismo estatal e
burocrtico".
Um pensamento Gramsciateguiano
Em relao a Gramsci, Mariategui evocava, com outras palavras, a preocupao com a
construo de uma vontade nacional-popular, coletiva, e uma reforma intelectual e
moral, como premissas do socialismo. A questo gramsciana, de como se pode suscitar
esta vontade nacional-popular, tanto o APRISMO quanto a COMINTERN,
responderam desde a perspectiva do Estado. A sociedade fica excluda do processo. Na
viso do "Amauta", o determinante a sociedade, incluindo a reforma intelectual-moral:
para que a revoluo fosse algo mais que um processo "por cima", uma "revoluo
passiva", deveria previamente modificar a conscincia dos homens e romper a inrcia da
tradio que mantm as massas populares na passividade. Percebemos, aqui, a dimenso
da "Revoluo Ativa de Massa", derivada do conceito gramsciano de "revoluo anti-
passiva".
A relao Gramsci-Mariategui, poderia se encaixar no que M.Lowy chama de
"afinidades eletivas". Vejamos a definio de Lowy: "Designamos por 'afinidades
eletivas' um tipo muito particular de relao dialtica que se estabelece entre duas
configuraes sociais ou culturais, que no reduzvel ... a determinao causal direta
ou ... 'influencia' no sentido tradicional. Trata-se, a partir de uma certa analogia
estrutural, de um movimento de convergncia, de atrao reciproca, de confluncia
ativa, de combinao podendo chegar a fuso".
Portantiero define o pensamento de Gramsci como "uma obra aberta a cada historia
nacional, concepo para teoria e pratica polticas que buscam expressar-se em 'lnguas
particulares', e, conclui: "no e' por acaso que esta abertura de estilo gramsciano influiu
sobre a primeira possibilidade de aplicao criadora do marxismo no plano intelectual
na Amrica Latina: o pensamento de Mariategui".
Como afirmou mais recentemente A.Bosi, "Falar dos ideais polticos de Mariategui
nos dias de hoje, em tempos de Perestroika e Glasnost, e em vias de encerrar-se (ou
quase) o escuro ciclo das ditaduras do Leste europeu, deixa na boca um sabor agridoce
de ambivalncia... Mas, a nossa imagem do pensador peruano no se constri apenas
com aquelas suas expectativas que o socialismo real em parte frustou. A sua memria e'
acre, repito, mas tambm doce. Relendo os "Sete Ensaios" e outros textos de critica
ideolgica, v-se o quanto se exerceu a sua inteligncia em funo de problemas ainda
hoje bsicos para o marxismo e para a vida publica latino-americana".
Enfim, o que doce e o que acre em Mariategui? O que est vivo e o que est
morto no "Amauta"?
No conjunto das questes atuais do marxismo, em que incide mais o pensamento de
Mariategui?
Por certo, no h em Mariategui uma teoria do Estado, e, pouco material sobre o
problema da revoluo, o partido, alianas, tticas, etc. Mas, com certeza, onde sua
contribuio mais importante no que diz respeito a analise dos modos de produo, o
campo da teoria das superestruturas: a questo da conscincia social, os modos de
"representao", o problema das ideologias, a teoria da cultura, contra os mecanicismos,
a questo da tica, etc.
Portanto, o marxismo de Mariategui no provinciano, mas antecipatorio, nas pistas
de Gramsci. Talvez, o que poderamos chamar de um "materialismo cultural" ou na feliz
expresso de Z.Bauman, "a cultura como praxis".
Julio Gdio nos chama a ateno para o fato de que j nos anos 60, sob a influencia direta da revoluo cubana se introduziu a categoria de Revoluo Continental, Rodney Arismendi e outros destacados polticos se preocuparam em impedir as
simplificaes...A desigualdade de desenvolvimento econmico,social e poltico, se
expressa em nossos paises atravs de indicadores acerca de situaes de crises ou
estabilidade polticas; de distintas historias culturais; coexistncia de diferentes lnguas;
caractersticas de classe diferentes....
"Entretanto possvel encontrar um "elo de metodologia poltica" que una a
diversidade. Godio assinala em relao a Revoluo Nicaraguense, "o elo politico-
cultural que uniu organicamente os sandinistas ...as massas trabalhadoras foi o
Sandinismo. Este elo politico-cultural um 'dado' a ser construdo por todos os
revolucion rios da Amrica Latina, um elemento comum no meio da diversidade
continental. Significa construir um 'estilo de pensar' e de 'fazer poltica', no qual as
categorias universais do marxismo se tornam concretas via categorias politico-culturais
nacionais".
Isso, no tem sido pratica corrente entre os teoricos marxistas da Amrica Latina; ao
contrario, atuam anulando e desintegrando as categorias nacionais dentro das categorias
universais, as quais perdem, assim, sua operatividade historico-concreta. A experincia
das revolues em processo e, tambm, as inconclusas da Amrica Latina, indicam a
primeira regra para levar em conta, para formao de um bloco histrico "Nacional-
Hegemonico": verificar na pratica as formulaes tericas, estuda-las em seu
movimento real e, este movimento real das categorias existe na linguagem popular,
como resultado de uma nova praxis. O fundamental consiste em organizar e orientar o
'movimento real' das classes sociais, e neste sentido, o marxismo "um guia para a ao" e no um conjunto de receitas.
Na verdade, so muitas as afinidades entre Gramsci e Mariategui. Neste sentido,
A.Ibanez realizou uma espcie de "leitura gramsciana de Mariategui". Aponta a
principal convergncia na questo da "hegemonia" e da "reforma moral e intelectual".
Jos rico, outro estudioso de Gramsci-Mariategui, aponta que o significado de
Gramsci para a esquerda argentina dos anos 60, condensou-se na "busca da realidade":
"No fato de que ele contribuiu decisivamente para trazer a cultura marxista para a
concreticidade, para o encontro com uma realidade da qual estvamos alienados".
Como o conjunto da esquerda da Amrica Latina, a Argentina "nasceu e se
desenvolveu sem a herana e o suporte de uma tradio nacional". A exceo, foi
Mariategui. E, conclui Arico: "... Mas s' descobrimos Mariategui atravs de Gramsci".
S os caminhos divergentes das convergncias. Ora, o comandante Omar Cabezas
"conheceu" Sandino atravs de "Che" Guevara.
Arico resume e sintetiza sua experincia gramsciana: "Gramsci nos permitiu fixar duas
orientaes... a) a busca do contexto nacional a partir do qual pensar o problema da
transformao e do socialismo; b) a plena adeso a perspectiva socialista, entendida
como um processo que se desenvolve a partir da sociedade, das massas, de suas
instituies e organismos... O tipo de marxismo que buscvamos e para o qual o
pensamento de Gramsci nos ofereceu os mais altos estmulos e contribuies, no
tentava encontrar a razo de sua prpria validade em si mesmo, mas na sua capacidade
de se confrontar com os fatos de uma realidade em transformao".
Tambm para Mariategui, o marxismo no era uma bblia, mas um instrumento de
analise, um modo de interrogar a realidade. No era um conjunto de definies e regras.
Como lembrava Carlos Fonseca, "O importante no declamar frases dos grandes
revolucionrios universais, mas aplicar a realidade, com criatividade seus ensinos. Em
todo caso, estes revolucionrios no nos legaram meras frases, mas toda uma ao
criadora".
A partir de sua peculiar articulao entre marxismo e nao, Mariategui elaborou um
modo especial, peruano, indo-americano e andino, de pensar Marx; precisamente por ser
mais peruano, converteu-se em universal. Consegui propor um marxismo to diferente
quanto o de Gramsci e Lukacs e, to valioso como o de ambos".
Mariategui usou uma "chave hermenutica" atravs do verbo "agonizar": um marxismo
agonico, elaborado longe de quaisquer academias, envolto nos fatos cotidianos das
multides, das ruas, submerso na vida cotidiana, no senso comum. "Agonia como
smbolo de luta, contra a morte, como 'criao herica'".
O Amauta rompeu o circulo de ferro da Comintern. Pois, para esta, no existia
realidade peruana, to s' os "pases coloniais". Peru, Argentina, Brasil, etc., eram todos
iguais. Existia na Comintern um "assombroso desprezo pelo reconhecimento do campo
nacional". Neste sentido, o "mariateguismo" pode significar a tentativa de articular
socialismo e nao.
Nesta perspectiva, dois aspectos se destacam no pensamento de Jos Carlos
Mariategui:
1) a relao teoria-pratica, ou seja, o Mtodo;
2) o "Carter Nacional".
Em relao ao primeiro aspecto, Mariategui no encarava a teoria de Marx como um
fetiche, um conjunto de regras que deveriam ser aplicadas "mecanicamente" a quaisquer
realidades. Questionou o mtodo da "aplicao", substituindo-o por uma "verdadeira
recriao da teoria em contato, sempre vivo e novo, com a realidade socio-historica
concreta". Segundo Arico, "A universalidade do marxismo no reside em sua
capacidade de ser aplicado a qualquer circunstancia, mas na possibilidade que tem de
recriar-se em circunstancias determinadas".
Seguindo as "Notas" gramscianas do QC, em termos gerais, uma teoria s' torna-se
organicamente operativa quando e' "traduzida" ao "nacional". Para isto, precisa apoiar-
se em uma forca social de carter estratgico e, mesclar-se na cultura nacional-popular.
Diz Gramsci: "as idias no nascem de outras idias, as filosofias no engendram
outras filosofias, so sempre expresso renovada do desenvolvimento histrico real". A
verdade do marxismo se expressou em Mariategui na linguagem da situao concreta do
Peru.
Em relao ao segundo aspecto, do campo nacional, ocorre uma tenso dialtica e
fecunda entre a validade tendencialmente universal da ferramenta "cientifica" do
marxismo e, a necessidade de verificar concretamente o acerto de suas colocaes a
partir de realidades socio-historicas determinadas nacionais".
Portanto, um marxismo metodolgico, criador, nacional e aberto. No caso do peruano a
"captura" do tema indigenista operou a "nacionalizao" e a "peruanizao" do seu
marxismo.
Em seu prlogo ao livro "Peruanicemos Al Peru", Csar Mayorga afirma que, para
"peruanizar o Peru", Mariategui operou com dois princpios:
1- Conhecer a realidade nacional. classe feudal no lhe interessava nunca o este conhecimento, a burguesia que intentou faze-lo , em parte com fins particulares,
mais que sociais ou nacionais: conhece-lo um pouco para explora-lo mais.S o
socialismo aspira a conhecer um pais para liberao e servir s classes exploradas e
oprimidas.isto no exclui o dever inelutvel de conhecer a realidade internacional.
"Temos o dever de no ignorar a realidade nacional; mas tambm temos o dever de
no ignorar a realidade mundial" (Mariategui);
2- o conhecimento da realidade peruana deve comear da realidade nacional deve comear fundamentalmente pelo conhecimento da realidade econmica." No
possvel compreender a realidade peruana sem buscar e sem olhar o fato
econmico"(Mariategui)
Viagem ao Mundo Inca
Entre 1916 e 1923 , ocorreu no Peru um novo ciclo de rebelies indigenas andinas de
carater milenarista.O Governo de Leguia (1919-1930),com suas reformas sociais
,possibilitou uma presena ativa de velhos e novos atores sociais,e,entre eles, os
ndios.Os grupos tnicos realizam em Lima, seus primeiros Congresso Nacionais,os
operrios lutavam pela jornada de 8horas e os estudantes viviam as lutas pela reforma
universitria;uma nova intelectualidade surgia com as universidades populares,
debatendo a reflexo nacional em contato com ndios e operrios.
Flores Galindo retrata este momento: O descobrimento das classes populares esteve acompanhado nestes anos com o encontro com uma espcie de onda ssmica para empregar uma metfora do prprio Mariategui- que desde os departamentos do sul
peruano parecia irradiar-se ao conjunto do pais:estas massas indgenas aparentemente
resignadas e vencidas, se rebelam e no mundo cinzento da Republica Aristocrtica
defendem uma reivindicao que parece em um principio absurda ou incompreensvel:
querem voltar atrs ,recusam toda a historia que tem suportado desde a conquista e
desejam recuperar um idealizado imprio Incaico,e assim mostram uma imagem
diferente do pais e da Nao.Explode em fins de 1915 e incios de 1916 em Puno,na
provncia de Azangaro,o efmero levantamento de Rumi Maqui: um sargento maior da
cavalaria cujo nome era Teodomiro Gutierrez Cuevas,de formao
,parece,anarquista,que opta em apoiar as massas camponesas e dirigir uma grande
rebelio.Lamentavelmente, foi descoberta sem seus incios e foi facilmente
sufocada.Porem isto no impediu que fosse uma alternativa que abria os caminhos da
esperana. Mariategui,escrevendo para imprensa, anotou elementos das rebelies messinicas.O
fracasso de sua experincia jornalstica,ao ter seu jornal invadido pelos militares,leva
Mariategui a fazer uma viagem pelo interior do pais.Assim, viaja durante 20 dias (1918)
visitando cidades na serra central, conhecendo de perto com os ndios huanca.
Esta nica viagem de Mariategui ao interior do pais, foi acompanhado por Ricardo
Martinez de la Torre.Foram ao vale do Mantaro e alguns dias em Huancayo.
Vrios testemunhos falam de um encontro de Mariategui com a vanguarda indgena ,nas
vsperas de sua viajem para Europa,no final de 1919.Em Lima,o Amauta teve encontro
com o lder Carlos Conderona,um dos principais dirigentes do Comit pro direito Indgena Tahuantinsuyo,de orientao anarco-comunista. Mariategui tambm
conheceu os lideres Carlos Qana e Julian Ayar Quispe, animadores regionais do
movimento tahuantinsuyo. Juan H.Perez lembra de ter visitado Maritegui em sua casa
limena; afirmou que Mariategui fazia parte de um grupo de intelectuais que assessorava
o movimento indigena.
Foi de Mariategui a idia de convocar um Congresso Nacional de dirigentes
indgenas.A viagem a Europa interrompeu esta serie de contatos.
Todavia, em sua volta da Europa(1923) ,Mariategui participa da Universidade Popular
Gonzalez Prada e,assim,retoma contatos com o movimento indigenista
peruano.Portanto, busca decifrar teoricamente o problema indigena,e formular as bases de um projeto socialista indo-americano.
Quasndo volta ao pais, Mariategui encontra o fim de uma grande convulso agrria,que
afetou sobretudo os departamentos do sul andino.A ocorrncia quase simultnea de
motins e revoltas rurais no altiplano puneno, nas alturas de Cuzco,tanto em Ocongate
como em Espinar,a onda rebelde chega a Andahuaylas,inclusive Ayacucho ,Cailloma e
as alturas de Tacna. Por exemplo,em 1921,em Tocroyoc os comuneros das alturas
tomam ao povoado ,pedindo a expulso dos mistis dos fazendeiros e defendem a
restaurao do Tawantinsuyo.As noticias destas rebelies chegam a Lima,sobretudo,
quando da realizao de Congressos da raa Indgena,que Mariategui chegou a
assistir;em um destes,conhece,ento,o lder puneno Ezequiel Urviola.
Estas rebelies fazem parte de um amplo ciclo, iniciado desde o sculo XVI,na
resistncia nativista a conquista,prolongado depois na revoluo de Tupac Amaru.
Mariategui descobre que o termo tradio no exclusivo do pensamento reacionrio,mas que, existe uma relao diferente com o passado que no passiva venerao dos mortos,mas que luta pela defesa de uma cultura que resiste a morrer. Aps a represso a rebelio indgena em Puno,a Universidade Popular acolheu alguns
lideres.Carlos Conderona levou Mariano Lario a casa de Mariategui. Em 1923,Hiplito
Salazar fundo a FIORP (Federao Indgena Operaria Regional Peruana, junto com
dirigentes comunais de Puno,Arequipa,Huancavelica e Lima. Hipolito foi um dos
lideres sobreviventes da rebelio de 1923,em Huancane. Estes lideres indgenas,
estavam em contato permanente com Mariategui Este ctiticava a orientao anarco-comunista da FIORP,contudo,reconhecia sua franca orientao revolucionaria da vanguarda indigena .A casa de Mariategui era um espao de traduo do castelhano e,do quchua e do aymara.
Nesta dcada de 20, um elemento foi importante no Peru; as Escolas
Comunais,autogestionarias,bilnges e bicultarais.Em Cuscus ,Francisco Chuquiwanka
Ayulo tinha um escola segundo o modelo de Ferrer Guardi, que defendia a volta ao
ayllu,a comunidade livre,ao municpio comunista.
Todo este trabalho entno-cultural permitiu a resemantizao do socialismo.O lider andino Manuel Camacho Alga afirma que o Amauta semeou palavras,e,dizia que Os 7 Ensayos foram escritos para mim. Ricardo Bao, afirma que o prprio Mariategui lembrado como um homem de conhecimento no sentido no ocidental do termo,embora ao mesmo tempo se reconhea
sua outredade,isto , suas evidentes ligaes com a cultura urbana criolo-mestia.No contexto aymara, a sabedoria tem,sem duvidas,de forma anloga a outras culturas
andinas, conotaes mgico-religiosas.Mariategui um bruxo,um laika para los quecguas,ou um yatiri para os aymaras . Se os Amautas desapareceram com o fim da civilizao incaica,pela ao devastadora
da colonizao espanhola,os bruxos e os ancios,como homens de
conhecimento,sobreviveram no seio dos espaos comunais.
A verso de Mariategui,como bruxo,foi veiculada por Ezequiel Urviola,lder mestio(1895-1925),que fez juramento ante a memria de Pedro Vilca Apaza (1741-
1780),lder do movimento Tupac Amaru,nas vsperas da insurreio andina de 1923.
Muitos dirigentes indgenas,vinculados ao projeto socialista mariateguista,eram bruxos
em suas comunidades, alem de dirigentes sindicais e polticos.
Lario lembra que : Ezequiel Urviola falava que Mariategui,conhecia bem tudo o que tinha acontecido.Tinha lido muito Mariategui;dizia que pegava um livro de Mariategui e
bastava toca-lo,e j sabia o que tinha dentro,quando lia as folhas do livro era exatamente
igual ao que tinha pensado,era um Yatiri Jose Carlos Mariategui
5. A Vida *
A Agonia de Mariategui
Jos Carlos Mariategui nasceu em Moquegua , no Sul do Peru, em 14 de Junho de 1894.
O pais andino tinha sado ha pouco tempo do desastre da guerra do Pacifico (1879-
1883), tendo sido humilhado pela coupao militar do Chile e perdido parte de seu
territrio.Nesses anos, Manuel Gonzalez Prada acirrava o debate poltico chamando a
ateno do pais para a presena dos ndios,como elemento fundamental da
nacionalidade.
Mariategui filho de Francisco Javier Mariategui ,descendente de uma das famlias
mais ilustres do Peru, e de Amlia La Chiora,que pertencia a uma famlia de origens
indgenas.Logo cedo o pai abandona a famlia, e Marietegui ,primeiro de trs filhos,
cresce sob a influencia da me, caracterizada por uma forte religiosidade que deixar
marcas no jovem .Desde a infancia,devido a um acidente de jogo,Mariategui sofre de
um problema na perna, que o obriga a um longo internamento em Hospital.Neste
perodo,de imobilidade forada, se dedica a vastas leituras , que formaram a base se sua
primeira formao.Mariategui, um autodidata e ter orgulho desta condio.
Nestes primeiros anos,outro elemento importante ser a experincia precoce do
trabalho.Aps a mudana de sua famlia para Lima,comea a trabalhar,com 15 anos, na
Tipografia do dirio La Prensa.Aps o exercicio de varias funes no jornal, passa da crnica policial a cronica poltica do Parlamento.Isto o leva a uma profunda averso a
politica crioula,dominada pela mediocridade. Nesta mesma poca, com o pseudnimo de Juan Croniquer, dedica-se a crnica da vida mundana da capital.Colabora em Lulu,dirigida a um publico feminino. coeditor de El Turf,revista de hipismo,onde publica crnicas de costumes das corridas dominicais,e contos inspirados no ambiente dos cavalos.Estas atividades, do ponto de
vista estilstico,lhe permite afinar sua prosa; do ponto de vista das relaes sociais, lhe
d ocasio de conhecer profundamente o ambiente oligrquico e snobe de Lima.
Alm deste mundo frvolo de cavalos, cafs e teatros, existe um outro Peru subterrneo
que no aparece nas crnicas.Aps trabalhar em El Tiempo, 1916 , Mariategui comea a escrever peas em que o ndio aparece como sujeito.No Departamento de
Puno, na fronteira entre Peru e Bolvia, ocorre uma revolta camponesa de carter
tnico.Entusiasmado,Mariategui aborda as gestas de Teodomiro Gutirrez Cuevas,
militar do exercito que liderou a revolta e que assume o nome quchua de Rumi Maki (
Mo de Pedra ).No plano mundial Mariategui aprecia de forma favorvel Revoluo
na Rssia,em 1917.
Nesta fase de sua vida, prevalece o interesse pela atividade artstica e pela vida boemia.
Participa da revista Colonida, dirigida pelo dannunziano Abraham Valdelomar.Escreve poemas. Realiza um retiro em um Convento, onde escreve versos
msticos.Neste clima contraditrio, em 1917, com amigos organiza uma dana noturna
no cemitrio de Lima, que tem como protagonista uma bailarina chamada Norka
Rouskaya,e que provoca grande escndalo nos setores tradicionais da capital.Mariategui
obrigado a se defender publicamente,alegando motivos estticos.
Em 1918, junto com Csar falcon e Felix del Valle, cria uma editora de orientao
socialista. Publica a revista Nuestra poca,que assinala a sada de Mariategui a campo aberto,inclusive sendo agredido por um grupo de militares,devido a um artigo sobre
gastos militares. Participa de uma comisso de propaganda e organizao socialista,da
qual se afastar quando caminha para formao do Partido socialista, cuja fundao
considera prematura. Nestes anos, surgem grande movimentos de massa.Os
trabalhadores,sob hegemonia anarquista,lutam pela jornada de trabalho de 8 horas e
contra a alta do custo de vida. Nas Universidades, sob impulso da experiencia iniciada
em Crdoba(Argentina), desenvolve-se um movimento pelo reforma universitria. No
inicio de 1919, Mariategui,ento,abandona o jornal El Tiempo,e funda um dirio que possa acompanhar estes acontecimentos: La Razn,que se torna um ponto de referencia para estas lutas. Assim, Mariategui torna-se uma figura publica; surge o lder
poltico e desaparece o artista refinado e decadente.
O Exlio na Europa
As classes dominantes perseguem este novo Mariategui: o Governo e a Igreja fecham
seu dirio.Neste ano, assume o poder o populista Augusto B. Legia , no inicio com um confuso programa populista que despertou atenes. Todavia,sua Presidncia, chamada de Oncenio, uma verdadeira ditadura. Mariategui e seu amigo Csar Falcon so obrigados a deixar o pais.Em fins de 1919,ambos partem para
Europa.Inicialmente,passam por New York,onde entram em contato com a luta operaria
dos porturios;sem eguida, chegam a Frana,onde encontram intelectuais e
polticos,como,Henri Barbusse.
Ao passo que Falcon vai para espanha, Mariategui parte para Itlia,onde permanecer
trs anos, que sero fundamentais em sua formao poltica e intelectual.
A Itlia vivia os anos excepcionais de turbulncia da primeira ps-guerra: uma crise do
movimento operrio dividido entre a ala reformista e a maximalist
top related